Arquitectura Contemporânea em Terra
João Miguel Ferreira Vidigal de Nazaré Falcão
Dissertação para a obtenção do Grau de Mestre em
Construção e Reabilitação
Orientadores: Prof. Jorge Manuel Caliço Lopes de Brito
Prof. Nuno Maria Reis de Matos Silva
Júri
Presidente: Prof. Pedro Manuel Gameiro Henriques Orientador: Prof. Jorge Manuel Caliço Lopes de Brito
Vogal: Prof. João Rosa Vieira Caldas
Novembro 2014
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
I
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
A partir do momento em que determinada tradição está estabelecida e adoptada, o dever do artista é de a fazer
evoluir. Recorrendo à sua criatividade e à sua perspicácia, vai proporcionar à tradição o impulso que a salvará do
imobilismo, até que ela termine o ciclo do seu desenvolvimento completo.
Hassan Fathy – in Arquitectura para os pobres – uma experiência no Egipto rural
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
II
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
III
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
RESUMO
A dissertação desenvolvida insere-se no tema da arquitectura contemporânea em terra crua e no seu enqua-
dramento na indústria de construção corrente. Parte da constatação de que, apesar de ser um material constru-
tivo ancestral, a sua presença na construção moderna é reduzida e procura perceber como pode esta integração
ser mais efectiva.
A dissertação restringe-se à construção em terra maciça, capaz de ser utilizada enquanto material aparente, de
acabamento final. Para perceber o enquadramento da construção em terra moderna, foram estudados o seu
desenvolvimento histórico e científico, as vantagens, limitações e propriedades do material, os processos de
análise e de estabilização disponíveis, os requisitos de concepção dos elementos em terra e as técnicas constru-
tivas maciças mais relevantes. No fim, foram analisados cinco casos de estudo contemporâneos, face a um con-
junto de parâmetros extrapolados da investigação desenvolvida. Isto permitiu fazer uma análise comparativa da
investigação feita e identificar quais os factores que demonstram ser mais relevantes na concepção e execução
de projectos em terra.
A partir desta análise, foram identificadas as premissas para o desenvolvimento futuro da construção em terra. Foi
concluído que, para que a terra possa ser aceite enquanto uma alternativa corrente na indústria, os seus materiais e
sistemas construtivos têm que ser reconhecidos tecnicamente. Sistemas de construção tecnicamente reconhecidos
requerem materiais produzidos industrialmente, com critérios rigorosos e parâmetros internacionalmente aceites.
Simultaneamente, para ser aceite nas sociedades desenvolvidas, o seu custo de produção tem que ser inferior. O
principal desafio para construção em terra é técnico: aumentar a eficiência e a segurança construtiva ao mesmo
tempo que se mantém uma baixa taxa de carbono incorporada na construção.
Palavras-chave: terra, arquitectura contemporânea, estratégias construtivas, casos de estudo
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
IV
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
V
CONTEMPORARY EARTH ARCHITECTURE
ABSTRACT
This dissertation is about contemporary earth architecture and its role in modern construction industry.
The idea for this investigation arose from the observation that, despite being one of the oldest and more widely
used sustainable building materials in the world, earth is not usually seen as a building alternative in the con-
struction industry of developed societies. The goal of this dissertation is to contribute to an understanding of
how earth as a building material can respond to contemporary living and building demands and become a com-
mon alternative in the industry.
This dissertation focuses on earth as a massive form of construction, capable of being applied without any coat-
ing. An investigation was undertaken to understand the advantages and limitations of earth as a building material,
its properties and testing procedures, how it can be improved through stabilisation, the main design and building
requirements and the most relevant constructions techniques that are used in the industry today. In the final part
of the investigation, five contemporary case studies were analyzed against a group of parameters identified during
research. These allowed benchmarking and criticizing the investigation and contributing to the advancement of its
conclusions, by determining the main factors that influence the design and condition an earth building.
Based on this analysis, a synthesis of the premises for the development of earth as a building material was made.
It was concluded that, in order to be accepted as a current alternative in the construction industry, earth and its
construction systems have to be technically recognized. This implies the ability to respond to standard parameters
and precise criteria. At the same time, to be implemented globally, it is equally important to move towards cost
reduction in the production of earth as a building material in developed societies. To do so, earth construction
must increase its efficiency and construction safety without jeopardizing its sustainability.
Key words: earth, contemporary architecture, constructive strategies, case studies
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
VI
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
VII
AGRADECIMENTOS
Aos meus orientadores, Professor Jorge de Brito e Professor Nuno Matos Silva, pela disponibilidade, tolerância e,
sobretudo, por todo o apoio, procura de rigor e orientação prestados. Independentemente da qualidade da
dissertação, ela só foi possível devido à persistência, entusiasmo e vontade de perceber mais longe dos dois, o
que me levou a retirar, a nível pessoal, muito mais desta experiência.
Aos meus colegas de mestrado, pelo companheirismo e incentivo ao longo do curso.
Aos meus colegas de trabalho, pela compreensão.
Ao Manuel Soares, pelo apoio à revisão.
À minha família e amigos, pelo apoio, paciência e boa disposição com que encararam a menor disponibilidade
que demonstrei ao longo deste mestrado.
E em especial à Sofia, por todo o apoio, confiança, tolerância e capacidade de ajudar a definir e trabalhar para
um fim que deve ser alcançado.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
VIII
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
IX
ÍNDICE GERAL
RESUMO III
ABSTRACT V
AGRADECIMENTOS VII
ÍNDICE GERAL IX
ÍNDICE DE FIGURAS XIII
ÍNDICE DE QUADROS XVIII
LISTA DE ACRÓNIMOS XIX
1 – INTRODUÇÃO 1
1.1 – Enquadramento do tema 1
1.2 – Objectivos e método de investigação 1
1.3 – Estrutura da dissertação 2
2 – CONTEXTUALIZAÇÃO DA CONSTRUÇÃO EM TERRA 3
2.1 – Sinopse sobre a arquitectura de terra 3
2.1.1 – Desenvolvimento histórico 4
2.1.2 – Desenvolvimento científico 8
2.2 – Análise das principais vantagens e limitações 13
2.2.1 – Limitações tradicionais 14
2.2.2 – Sustentabilidade 16
2.2.3 – Conforto higrotérmico e acústico 19
2.2.4 – Custo, estética e preconceitos 21
2.3 – Enquadramento Legal 22
3 – A TERRA – PRINCÍPIOS ELEMENTARES 27
3.1 – Material ‐ Terra 27
3.1.1 – Definição e propriedades fundamentais 27
3.1.2 – Análise do solo 27
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
X
3.1.3 – Selecção da terra – condições gerais 32
3.1.4 – Extracção, transporte e armazenamento 33
3.1.5 – Preparação da terra 33
3.1.6 – Secagem e cura 35
3.1.7 – Ensaios de análise da resistência e comportamento das construções em terra 36
3.1.7.1 – Resistência 36
3.1.7.2 – Comportamento face à acção da água 37
3.1.7.3 – Comportamento face à acção do calor 40
3.2 – Estabilização 40
3.2.1 – Distribuição granulométrica 42
3.2.2 – Compactação 43
3.2.3 – Aditivos 46
3.2.3.1 – Cal 47
3.2.3.2 – Cimento 48
3.2.3.3 – Betume 51
3.2.3.4 – Fibras 52
3.2.3.5 – Hidrófugos 53
4 – ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA 55
4.1 – Concepção dos elementos construtivos – requisitos gerais 55
4.1.1 – Implantação 55
4.1.2 – Desenho da planta 57
4.1.3 – Número de pisos 57
4.1.4 – Protecção contra a acção da água 58
4.1.5 – Fundações 60
4.1.6 – Paredes 60
4.1.6.1 – Concepção geral 60
4.1.6.2 – Embasamento 61
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
XI
4.1.6.3 – Reforços específicos 63
4.1.6.4 – Abertura de vãos 69
4.1.6.5 – Tratamento das superfícies 71
4.1.7 – Pavimentos 75
4.1.8 – Coberturas 77
4.2 – Técnicas construtivas 80
4.2.1 – Nota introdutória 80
4.2.2 – Taipa 82
4.2.2.1 – Propriedades 83
4.2.2.2 – Aditivos 84
4.2.2.3 – Execução 85
4.2.2.4 – Elementos em terra comprimida pré-fabricada 92
4.2.2.5 – S.I.R.E. – Stabilized insulated rammed earth 94
4.2.2.6 – Custo e mão-de-obra 95
4.2.3 – Blocos de terra crua 96
4.2.3.1 – Propriedades 97
4.2.3.2 – Estabilização 101
4.2.3.3 – Execução dos blocos de terra 102
4.2.3.4 – Execução das paredes de blocos de terra 105
4.2.3.5 – Custo e mão-de-obra 106
4.2.4 – Terra projectada – PISE 107
4.2.4.1 – Propriedades 108
4.2.4.2 – Estabilização 108
4.2.4.3 – Execução 109
4.2.5 – Terra empilhada – Cob 112
4.2.5.1 – Propriedades 113
4.2.5.2 – Execução 114
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
XII
5 – ANÁLISE CRÍTICA DE CASOS DE ESTUDO 116
5.1 – Critério de selecção dos projectos 116
5.2 – Metodologia de análise 117
5.3 – Listagem dos casos de estudo 118
5.4 – Casos de estudo 119
5.4.1 – Projecto 1 – Capela da Reconciliação 119
5.4.2 – Projecto 2 – Casa Rauch 123
5.4.3 – Projecto 3 – Casa Flury 128
5.4.4 – Projecto 4 – METI – Escola no Bangladesh 132
5.4.5 – Projecto 5 – Casa Palmer-Rose 137
5.5 – Análise comparativa dos casos de estudo 140
5.5.1 – Adaptação ao clima 141
5.5.2 – Adaptação ao contexto sismológico 142
5.5.3 – Adaptação ao contexto económico 142
5.5.4 – Tipo de função do edifício 143
5.5.5 – Técnicas de construção utilizadas 145
5.5.6 – Sistema estrutural 146
5.5.7 – Métodos de reforço 147
5.5.8 – Estabilização 148
5.5.9 – Composição formal das implantações dos projectos 148
5.5.10 – Métodos de protecção contra a acção da água 149
5.5.11 – Complementaridade de materiais 150
5.5.12 – Revestimentos das superfícies de terra 150
5.5.13 – Abertura de vãos 151
5.5.14 – Integração de infra-estruturas 151
6 – CONCLUSÃO E DESENVOLVIMENTOS FUTUROS 153
6.1 – Considerações gerais 153
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
XIII
6.2 – Conclusões dos casos de estudo 156
6.3 – Considerações finais 158
6.4 – Desenvolvimentos futuros 159
BIBLIOGRAFIA 161
ANEXOS
ANEXO I – Fotografias e desenhos técnicos do projecto da Capela da Reconciliação A1
ANEXO 2 – Fotografias e desenhos técnicos do projecto da Casa Rauch A7
ANEXO 3 – Fotografias e desenhos técnicos do projecto da Casa Flury A15
ANEXO 4 – Fotografias e desenhos técnicos do projecto do METI – Escola no Bangladesh A19
ANEXO 5 – Fotografias e desenhos técnicos do projecto da Casa Palmer-Rose A25
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 2.1 – Ilustração egípcia com indicação do método de fabrico e execução de paredes de adobe
em 1.500 AC
3
Figuras 2.2 – Produção de adobes no Iémen 5
Figura 2.3 – Bazar, Sirdjan, Irão 5
Figura 2.4 – Cidade de Shibam, Iémen 5
Figura 2.5 – Cidade de Shibam, Iémen 6
Figura 2.6 – Muralha de Alhambra, Espanha 6
Figura 2.7 – Edifício em taipa, Alemanha, 1828 7
Figura 2.8 – Casa de taipa, Alemanha, 1795 7
Figuras 2.9 – Capa do livro “Arquitectura para os pobres” 10
Figura 2.10 – Escola de Fares 10
Figura 2.11 – Desenhos experimentais de projecto de Hassan Fathy 10
Figura 2.12 – Modelo de relação de partículas num solo insaturado 15
Figura 2.13 – Modelo de ciclo de vida de uma construção em terra 17
Figura 3.1 – Exemplo da distribuição granulométrica de uma amostra de terra 28
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
XIV
Figura 3.2 – Teste de queda de bola 31
Figura 3.3 – Teste de coesão 32
Figura 3.4 – Teste de coesão para argamassas 37
Figura 3.5 – Teste de resistência ao impacto em arestas de blocos de terra 37
Figura 3.6 – Teste de abrasão 37
Figura 3.7 – Ensaio de erosão acelerada com jacto de água 38
Figura 3.8 – Ensaio de gotejamento 39
Figura 3.9 – Influência de vários aditivos em diferentes propriedades de uma mesma amostra de terra
arenosa
41
Figura 3.10 – Curva de Fuller adaptada para um valor de argila máximo de 10 % e uma dimensão de
grãos máxima de 4 mm
43
Figura 3.11 – Terra antes (1) e depois (2) de corrigida granulometricamente 43
Figura 3.12 – Curvas de compactação típicas para quatro tipos de solos diferentes 44
Figura 3.13 – Curvas de compactação típicas consoante o esforço de compactação e a percentagem de
humidade da amostra
45
Figura 3.14 – Critério de selecção de estabilizantes comuns consoante as características do solo 47
Figura 3.15 – Alteração da resistência à compressão em diferentes tipos de solo consoante a quantidade
de cal adicionada
48
Fig. 3.16 – Alteração da resistência à compressão em diferentes tipos de solo consoante o IP e o tempo
de cura, quando estabilizados com cal
48
Figura 3.17 – Relação entre a proporção de cimento adicionada e a resistência à compressão em três
solos analisados
50
Figura 3.18 – Aumento padrão da resistência à compressão em diferentes tipos de solo, consoante a
percentagem de cimento adicionada
50
Figura 3.19 – Comparação visual entre um cubo de terra compactada não estabilizada (esquerda) e um
cubo de terra compactada estabilizada com 6% de cimento (direita), após 1 h de exposição a um teste de
absorção superficial de água
51
Figura 3.20 – Rácio de retracção de argamassas de terra com a adição de fibras 53
Figura 4.1 – Implantações perigosas 55
Figura 4.2 – Exemplo de implantação que minimiza os problemas naturais do local 56
Figura 4.3 – Proximidade de taludes propícios à ocorrência de deslizamentos de terra 56
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
XV
Figura 4.4 – Caracterização da adequabilidade das diferentes soluções de plantas em regiões de maior
risco
58
Figura 4.5 – Exemplo de soluções para embasamentos: a) Solução não recomendável, que permite a
infiltração de água entre o embasamento e a parede de terra; b) Solução recomendável, que protege a
parede da infiltração de água
63
Figura 4.6 – Anomalias típicas em paredes não reforçadas, sujeitas a uma acção sísmica orientada na
direcção do plano
64
Figura 4.7 – Anomalias típicas em paredes não reforçadas, sujeitas a uma acção sísmica orientada na
direcção fora do plano
64
Figura 4.8 – Exemplo de reforço vertical metálico 66
Figura 4.9 – Reforço horizontal num canto, em malha metálica 66
Figura 4.10 – Reforço vertical de uma parede de terra comprimida em canas de bambu encastradas em
embasamento de betão
67
Figura 4.11 – Corte exemplificativo de reforço em estrutura de madeira de uma construção em terra
comprimida
67
Figura 4.12 – Tratamento de pilares metálicos embebidos numa parede de taipa 68
Figura 4.13 – Reforço com malhas poliméricas 69
Figura 4.14 – Reforço com malhas poliméricas 69
Figura 4.15 – Classificação dos tipos de lintéis de reforço de vãos 70
Figura 4.16 – Viga em perfil metálico 71
Figura 4.17 – Absorção de água por uma amostra de terra comprimida natural e impregnada com um
selante à base de silicone
75
Figura 4.18 – Permeabilidade ao vapor de água de uma amostra de terra comprimida natural e impreg-
nada com um selante à base de silicone
75
Figura 4.19 – Corte por um pavimento de terra 76
Figura 4.20 – Acção do vento sobre uma cobertura 78
Figura 4.21 – Projecto com estrutura da cobertura separada das paredes 78
Figura 4.22 – Diagrama estabelecido pelo grupo CRATerre, das diferentes famílias de sistemas de cons-
trução, que utilizam a terra como matéria-prima
81
Fig. 4.23 – Parede de taipa da Capela da Reconciliação 83
Fig. 4.24 – Curva granulométrica de uma mistura de terra adequada para a construção em taipa 86
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
XVI
Fig. 4.25 – Sistema de cofragem Stabilform 86
Fig. 4.26 – Exemplo de sistemas de cofragem 86
Fig. 4.27 – Junta de dilatação chanfrada 88
Fig. 4.28 – Ancoragens no interior de uma cofragem 88
Fig. 4.29 – Terra a ser espalhada com um ancinho no interior de uma cofragem 89
Fig. 4.30 – Maços de compactação manual 89
Fig. 4.31 – Compressores pneumáticos 90
Fig. 4.32 – Placa vibratória 90
Fig. 4.33 – Rolo compressor 90
Fig. 4.34 – Superfície de taipa de aparência homogénea 91
Fig. 4.35 – Superfície de taipa com demarcação horizontal das camadas 91
Fig. 4.36 – Parede executadas por troços verticais independentes 91
Fig. 4.37 – Pormenor de juntas verticais entre paramentos independentes 91
Fig. 4.38 – Parede de taipa executada com cofragem perdida 92
Fig. 4.39 - Retoque das faces de um vão após descofragem 92
Fig. 4.40 – Elevação de painéis pré-fabricados de taipa com varões metálicos embebidos no painel 94
Fig. 4.41 – Elevação de painéis pré-fabricados de taipa com cintas 94
Fig. 4.42 a 4.45 – Processo de transporte, elevação, colocação e retoque de painéis de taipa
pré-fabricada
94
Fig. 4.46 – BTC do pavilhão N3, em Veneza 97
Fig. 4.47 – Diferentes formatos de BTC 98
Fig. 4.48 – Relação típica entre densidade e resistência à compressão em BTC estabilizados com cimento 98
Fig. 4.49 – Blocos de terra leve não cozidos, produzidos industrialmente 99
Fig. 4.50 – Etapas de compactação estática de BTC (E-D): a) preenchimento do molde com a mistura,
b) compactação pelo encerramento da tampa e subida do pistão, c) ejecção do bloco
103
Fig. 4.51 – Produção manual de BTC 104
Fig. 4.52 – Prensa automática de BTC 104
Fig. 4.53 – Fábrica de BTC 104
Fig. 4.54 – Empilhamento e cura de BTC 104
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
XVII
Fig. 4.55 – Preenchimento de estrutura de madeira com blocos de terra 106
Fig. 4.56 – Tecto com PISE projectado, antes de ser estucado 108
Fig. 4.57 – Cofragem e armadura de uma parede de PISE 109
Fig. 4.58 – Projecção da terra numa parede de PISE 109
Fig. 4.59 – Aparamento do excesso de terra projectada de uma parede de PISE 109
Fig. 4.60 – Acabamento com reboco de uma parede de PISE 109
Fig. 4.61 – Projecto Hypermud 111
Fig. 4.62 – Parede de cob sobre embasamento de pedra 113
Fig. 4.63 – Casas em cob no Bangladesh 113
Fig. 4.64 – Aparamento do excesso de terra da superfície de uma parede de cob 114
Fig. 4.65 – Aplicação da segunda camada de terra na construção de uma parede de cob 114
Fig. 5.1 – Perspectiva exterior 119
Fig. 5.2 – Perspectiva do peristilo 119
Fig. 5.3 – Perspectiva interior 119
Fig. 5.4 – Axonometria 119
Fig. 5.5 – Planta 119
Fig. 5.6 – Perspectiva exterior 123
Fig. 5.7 – Núcleo de escadas 123
Fig. 5.8 – Núcleo de escadas 123
Fig. 5.9 – Sala 123
Fig. 5.10 – Casa de banho 123
Fig. 5.11 – Axonometria 123
Fig. 5.12 – Vista exterior 128
Fig. 5.13 – Sala 128
Fig. 5.14 – Cozinha 128
Fig. 5.15 – Zona de dormir 128
Fig. 5.16 – Planta 128
Fig. 5.17 – Corte 128
Fig. 5.18 – Fachada principal 132
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
XVIII
Fig. 5.19 – Piso superior 132
Fig. 5.20 – Sala piso térreo 132
Fig. 5.21 – Espaços informais 132
Fig. 5.22 – Corte 132
Fig. 5.23 – Planta piso 0 132
Fig. 5.24 – Fachada norte 137
Fig. 5.25 – Vãos interiores 137
Fig. 5.26 – Quarto 137
Fig. 5.27 – Corte transversal 137
Fig. 5.28 – Planta 137
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 2.1 – N.º de edifícios com paredes de adobe, taipa ou alvenaria de pedra solta em Portugal face
ao total de edifícios, por época de construção
7
Quadro 2.2 – Emissões de CO2 de diferentes materiais de construção 16
Quadro 2.3 – Comparação entre os valores de PEI dos típicos materiais de construção face aos materiais
de construção em terra
18
Quadro 2.4 – Valor do PEI de diferentes meios de transporte 18
Quadro 2.5 – Valores de condutividade térmica para diferentes materiais de construção em terra 20
Quadro 2.6 – Panorama internacional de normas e documentos normativos 24
Quadro 3.1 – Dimensão dos minerais constituintes do solo (mm) 27
Quadro 3.2 – Estado do solo consoante o seu teor de humidade 29
Quadro 3.3 – Classificação dos solos em função do índice de plasticidade 29
Quadro 3.4 – Classificação da terra consoante o seu grau de coesão 30
Quadro 3.5 – Índice de erosão para o ensaio de gotejamento 39
Quadro 3.6 – Resultado de um conjunto de testes para aferir os valores de UCS, consoante a humidade
de compactação e o tempo de secagem de um conjunto de amostras de terra
46
Quadro 3.7 – Relação entre o valor de retracção linear da terra e as proporções de terra e cimento acon-
selháveis para a sua estabilização
50
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
XIX
Quadro 4.1 – Valores recomendados para espessura e esbelteza de paredes em regulamentos de terra
vigentes
62
Quadro 4.2 – Coeficiente de condutividade térmica da taipa, consoante densidade 84
Quadro 4.3 - Necessidade de adição de isolamento térmico, consoante a espessura da parede de taipa,
para obter uma condutividade de 0,28 W/m2K
84
Quadro 4.4 – Valores de referência de densidade e resistência à compressão para BTC estabilizados com
diferentes percentagens de cimento
99
Quadro 4.5 – Relação entre conteúdo de água, percentagem de cimento utilizada e resistência à com-
pressão em BTC estabilizados com cimento
99
Quadro 4.6 – Classificação dos BTC consoante a sua utilização 100
Quadro 4.7 – Coeficiente de transmissão térmica de BTC consoante a sua densidade 101
Quadro 4.8 – Rendimento expectável de produção de tijolos de adobe por uma equipa 107
Quadro 4.9 – Análise granulométrica de uma amostra de terra para PISE 110
Quadro 4.10 – Valores típicos para as construções tradicionais de cob 113
ÍNDICE DE ACRÓNIMOS
BTC – Blocos de terra comprimidos
HOC – Humidade óptima de compactação
IP – Índice de plasticidade
LL – Limite de liquidez
LP – Limite de plasticidade
METI – Modern Educational Training Institute
PISE – Pneumatically impacted stabilized earth
UCS – Unconfined compressive strength
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
1
1) INTRODUÇÃO
1.1) ENQUADRAMENTO DO TEMA
O tema escolhido para esta dissertação enquadra-se no campo da construção em terra crua e, em particular, no
contexto do seu desenvolvimento contemporâneo.
A escolha do tema parte da constatação de que, apesar de a construção em terra existir desde sempre, não é
vista como uma alternativa construtiva corrente nas sociedades desenvolvidas. Tomando como exemplo a reali-
dade portuguesa (Census 2001), verifica-se que o número de construções em terra não só é baixo, como repre-
senta uma muito baixa percentagem das novas construções erigidas desde meados do século XX.
A construção em terra tradicional não necessita de mão-de-obra especializada (Houben e Guillaud, 2006). Aliado à
sua elevada disponibilidade, este factor tende a favorecer a aplicação deste modelo construtivo em situações de
clara falta de recursos, por populações em países em vias de desenvolvimento, em ambiente de construções de
escala reduzida e de cariz tradicional. É neste contexto que a construção em terra é frequentemente enquadrada.
O objectivo desta dissertação é estudar como pode a terra enquadrar-se eficazmente no contexto da construção
corrente das sociedades desenvolvidas.
Por utilizar um material directamente disponível ao perto do local da construção, que praticamente não necessi-
ta de transformação (apenas modelação), este modelo de construção está, em princípio, associado a um reduzi-
do impacte ambiental (Hall et al., 2012a). O seu cariz sustentável, aliado a uma forte capacidade estética, a um
bom comportamento higrotérmico e acústico (Hall e Casey, 2012), à sua incombustibilidade (Minke, 2012) e à
sua reciclabilidade (Minke, 2012), justificam a aposta no desenvolvimento das suas tecnologias construtivas.
Contudo, ainda existe um conhecimento pouco sistematizado do seu comportamento (Easton e Easton, 2012). A,
à data, reduzida industrialização da construção em terra (Hall et al., 2012a; Schroeder, 2012), a falta de enqua-
dramento legal (Cid et al., 2011; Schroeder, 2012) e o seu elevado custo no contexto das sociedades desenvolvi-
das (Lourenço, 2002; Easton e Easton, 2012) dificultam a sua implementação corrente.
Por outro lado, devido à sua associação com a construção em situações de clara falta de recursos, persiste o
preconceito de que a construção em terra é uma construção pobre (Blondet et al., 2008).
Estas premissas fazem com que a terra crua ainda não seja universalmente aceite enquanto um material corren-
te da construção civil moderna, apesar da sua inegável pertinência como material construtivo.
1.2) OBJECTIVOS E MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO
É objectivo desta dissertação estudar as técnicas construtivas e as estratégias válidas de concepção arquitectóni-
ca em terra, que permitam a integração do material terra de forma mais generalizada no quotidiano da constru-
ção civil das sociedades desenvolvidas. A dissertação foca-se no estudo da arquitectura de terra contemporânea,
capaz de responder perante conceitos e exigências modernas. A abordagem passa sobretudo por construções
em que a terra faz parte do sistema construtivo enquanto elemento maciço, aparente, assumindo a sua capaci-
INTRODUÇÃO
2
dade estética enquanto material de acabamento final. Simultaneamente, centra-se nas construções em terra em
sociedades desenvolvidas, dando uma ênfase especial à progressiva procura do desenvolvimento da sua capaci-
dade de industrialização.
Este trabalho pretende ser um levantamento do estado da arte da construção em terra, seu contexto actual,
especificidades, enquadramento legal e premissas futuras, com um enfoque particular nas técnicas construtivas
contemporâneas, verificadas e contrapostas através da análise de um conjunto de casos de estudo relevantes,
onde essas técnicas construtivas foram postas em prática.
1.3) ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
A organização proposta para a dissertação consiste em cinco capítulos, com objectivos sucessivos, organizados
de forma sequencial, cada qual contribuindo entre si para um aprofundamento da temática.
No primeiro capítulo, procura-se contextualizar a dissertação e os seus pressupostos, definindo o enquadramento do
tema da tese, os seus objectivos, a metodologia de investigação proposta e a estrutura adoptada.
Depois, pretende-se contextualizar a arquitectura de terra contemporânea, abordando a sua evolução histórica,
os eixos de sedimentação do conhecimento científico em torno da construção em terra, as razões da opção pela
construção em terra, as suas vantagens e desvantagens, o seu actual enquadramento legal e as linhas de desen-
volvimento mais actuais da disciplina.
O terceiro capítulo foca-se na análise da terra enquanto elemento. Primeiro, aborda-se o material terra e suas
características naturais, métodos de análise e procedimentos de base na sua preparação enquanto material de
construção. Depois, procura-se analisar como proceder à melhoria das suas propriedades, no subcapítulo da
estabilização.
No quarto capítulo, enquadra-se as estratégias construtivas em terra. Primeiro, aborda-se os princípios gerais de
concepção dos elementos construtivos em terra e seus reflexos no desenho da arquitectura. Seguidamente, são
analisadas as diferentes técnicas construtivas contemporâneas, com enfoque nos sistemas construtivos que têm
tido mais expressão no panorama actual da construção em terra.
No quinto capítulo, procura-se confrontar as estratégias construtivas identificadas, e o material terra em si, com a
sua capacidade enquanto material de construção corrente, através da análise comparativa de um conjunto de cinco
casos de estudo onde são evidenciadas as suas potencialidades, fragilidades e aplicações práticas, percebendo
como a terra se adequa a uma estética inovadora, de rotura com a imagem tradicional da construção em terra.
O último capítulo é dedicado à conclusão do trabalho realizado, procurando identificar os potenciais caminhos
futuros para o estudo e sedimentação deste modelo de construção.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
3
2) CONTEXTUALIZAÇÃO DA CONSTRUÇÃO EM TERRA
É objectivo deste capítulo garantir o devido enquadramento à dissertação, através da análise do desenvolvimen-
to histórico e científico da terra enquanto material de construção, de quais as suas vantagens e limitações e de
qual o seu enquadramento legal, na perspectiva de se perceber como se posiciona, social e construtivamente, a
terra face à restante construção contemporânea.
2.1) SINOPSE SOBRE A ARQUITECTURA DE TERRA
Historicamente, a construção em terra sempre foi dominante nos climas quentes, secos e temperados, sob uma
grande diversidade de tipologias – desde habitacionais a públicas, nomeadamente religiosas – ou de técnicas de
aplicação. Não obstante, podem encontrar-se construções em terra genericamente em todo o mundo.
Como é regularmente citado, é estimado que um terço da população mundial viva em construções feitas à base
de terra, número esse que ascende a 50% quando consideradas apenas as populações de países em vias de
desenvolvimento (Minke, 2012; Houben e Guillaud, 2006). Na Índia, é estimado que existam 73 milhões de habi-
tações em terra, enquanto na China esse número ronda 100 milhões (Rael, 2009). No Peru, as casas construídas
em terra representam 40% do número total das habitações (Blondet et al., 2011a). 20% do património cultural e
30% dos aglomerados urbanos da lista do património mundial da UNESCO são construído em terra. Tudo isto faz
da terra o material de construção mais utilizado no mundo (Houben, 2011).
Há mais de 10.000 anos que se constrói em terra (Houben e Guillaud, 2006), datando as primeiras construções
conhecidas em adobe de 8.000 a 6.000 A.C., ou de taipa de 5.000 A.C. (Minke, 2012). Existem registos pintados,
identificando o método de produção de adobes e paredes de adobe no antigo Egipto (1.500 A.C), que já serviam,
à época, como documentos normativos de construção em terra (Fig. 2.1).
Figura 2.1 - Ilustração egípcia com indicação do método de fabrico e execução de paredes de adobe em 1.500 AC
(Schroeder, 2012)
O desenvolvimento da construção em terra deu-se historicamente segundo um conjunto de eixos geográficos
com posterior desenvolvimento regional, tendo este conhecimento sido reunido de forma progressivamente
CONTEXTUALIZAÇÃO DA CONSTRUÇÃO EM TERRA
4
científica a partir do século XVIII, mas sobretudo ao longo do século XX. Importa perceber quais foram estes
eixos, mas, mais importante, como se procedeu a essa unificação de conhecimento, pois é essa progressiva
acumulação de conhecimento científico que permite ver a construção em terra crua não mais como um tipo de
construção tradicional, regionalmente conotado, mas antes como uma alternativa real de construção corrente,
aplicável transversalmente nas construções das sociedades modernas.
2.1.1) DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO
O desenvolvimento histórico da construção em terra não é claro. Surge de forma aparentemente independente
em várias partes do mundo e está regularmente associado com a movimentação dos povos e com o seu proces-
so de sedentarização. Posteriormente, através do desenvolvimento das civilizações e das trocas comerciais, as
técnicas de construção foram sendo partilhadas e equiparadas entre si (Jaquin, 2012).
Existem três categorias principais de construção de paredes envolvendo o uso de terra crua: 1) alvenarias de
blocos de terra; 2) paredes monolíticas de terra; 3) estruturas preenchidas com terra (Houben e Guillaud, 2006).
As primeiras requerem solos ricos em argila e silte. Sendo facilmente acessíveis nos vales dos rios, eram tipicamente
moldadas e misturadas com palha, para melhorarem a sua resistência e reduzirem a sua natural retracção (Jaquin,
2012). Estas unidades podiam ser secadas no seu lugar de produção e transportadas por curtas distâncias, o que justi-
fica a descoberta dos primeiros aglomerados habitacionais utilizando adobe (blocos moldados de terra crua – Fig. 2.2)
ao longo de rios, sendo a terra misturada com as culturas agrícolas cultivadas localmente (Jaquin, 2012).
O adobe é visto como sendo o primeiro material construtivo utilizado com solidez e durabilidade capazes de
permitir a sedentarização das populações em comunidades (Houben e Guillaud, 2006). Não obstante, tanto
Houben e Guillaud (2006) como Jaquin (2012) referem que o primeiro tipo de técnica construtiva em terra a ser
utilizado deverá ter sido o preenchimento de estruturas de madeira, estando esta técnica associada à constru-
ção de cabanas das populações nómadas caçadoras.
É no Norte de África e no Médio-Oriente que se encontram os primeiros registos de construções em adobe
(Houben e Guillaud, 2006), nomeadamente ao longo dos rios Tigre e Eufrates. É aqui que se encontram os primei-
ros aglomerados habitacionais construídos em adobe, nomeadamente o aglomerado de Catalhöyük, na Turquia,
que terá atingido o seu auge entre 7300 e 6800 A.C. quando é estimado que alojasse 5000 pessoas (Jaquin, 2012).
É a partir desta região que a arquitectura em terra crua é inicialmente exportada para o Sul do continente afri-
cano e é neste eixo regional que se encontram os mais admiráveis exemplos de arquitectura tradicional em ter-
ra, nomeadamente no Mali, Iémen (Fig. 2.4 e 2.5), Irão (Fig. 2.3), Marrocos, Argélia, Camarões ou Egipto. É tam-
bém aqui que a arquitectura de terra resistiu activamente e durante mais tempo enquanto meio de construção
corrente, muito provavelmente assente na tradicional auto construção patente nas culturas locais (Lourenço,
2002) e num clima adequado e propício para a prática (Minke, 2012).
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
5
a) b)
Fig. 2.2 a) e b) – Produção de adobes no Iémen (Varanda, 2009) Figura 2.3 – Bazar, Sirdjan, Irão (Minke, 2012)
Figura 2.4 – Cidade de Shibam, no Iémen (Varanda, 2009)
Na Ásia, existe um desenvolvimento autónomo das técnicas de construção em terra, datando o primeiro registo
de construções em terra do 6º milénio A.C. em Baloustchistan, Índia, em adobe (Houben e Guillaud, 2006), se
bem que os primeiros aglomerados urbanos estruturados, com casas construídas com recurso a adobe – as
comunidades de Mohenjo-Daro e Harappa - datem de 2600 A.C., ao longo do Rio Indo (Jaquin, 2012).
Já na China, o registo das primeiras comunidades agrícolas neolíticas remontam ao 5º milénio A.C. (Houben e Guil-
laud, 2006), mas é apenas a partir de 2300 A.C. que se regista do uso de terra como elemento de construção, em
comunidades agrícolas, estruturadas ao longo do Rio Amarelo (Jaquin, 2012). Não é claro qual dos tipos de técnicas
de construção em terra surge primeiro, mas indica-se tanto o uso de adobe, como de terra vertida (terra despejada
entre uma cofragem de madeira lateral), ou de terra compactada (terra sobreposta em camadas e pressionada),
estando a última mais associada à construção de elementos defensivos (Jaquin, 2012). O uso de adobe remonta, de
acordo com Houben e Guillaud (2006), à dinastia Han, entre o século III A.C. e o século III D.C..
A propagação das técnicas de construção em terra para a Europa é feita através do Mediterrâneo pelos Fenícios,
tendo sido profusamente divulgadas pelo resto do continente através do Império Romano. A presença de cons-
truções em terra na Europa é transversal do Norte ao Sul, em países como a Suécia, Dinamarca, Alemanha, Ingla-
terra, França, Espanha e Portugal (Houben e Guillaud, 2006), se bem que tradicionalmente se apresentasse no
Centro e Norte da Europa enquanto elemento de preenchimento de estruturas de madeira. Tal como Minke
refere, o exemplo mais antigo de uma construção com recurso a adobe na Europa do Norte data do 6º século
A.C. (Forte de Heuneburg), ainda que existam vestígios do uso de terra como elemento de preenchimento de
estruturas de madeira desde a Idade do Bronze (Minke, 2012).
Devido à forte presença árabe no Sul da Península Ibérica e à existência de um clima mais adequado, a construção
em terra teve aqui um particular desenvolvimento. Foi esse desenvolvimento que, através das colonizações e em
CONTEXTUALIZAÇÃO DA CONSTRUÇÃO EM TERRA
6
particular através do Império Espanhol, promoveu a difusão das técnicas de construção em terra pela América
Central e do Sul. Aqui, em articulação com o conhecimento das técnicas ancestrais desenvolvidas localmente em
quase todas as culturas pré-Colombianas, autonomiza-se e expande-se (Minke, 2012). Das técnicas conhecidas
localmente, anteriores às colonizações europeias, sobressai sobretudo a construção em adobe, se bem que existam
igualmente referências ao uso de terra comprimida (terra sobreposta em camadas e compactada), como no caso
do interior da pirâmide de Teotihuacan, no México, sendo apenas o exterior revestido a pedra. Os primeiros regis-
tos de uso de adobe remontam à civilização Moche, no Peru, entre 100 e 800 D.C.. Contudo, encontraram-se recen-
temente registos que indicam que um templo em Ventarron, também no Peru, datado de 2000 A.C., poderá ter
sido construído com adobes recortados directamente do leito do rio (Jaquin, 2012).
Já a taipa, ou algumas variações de técnicas de terra comprimida, foram usadas, inicialmente, para a construção de
muralhas e grandes fortificações de cidades como Córdoba, Granada (nomeadamente a muralha de Alhambra –
Fig. 2.6) ou Marraquexe. O mesmo passa-se na Ásia, como no caso da Muralha da China, cuja construção foi inicia-
da entre os séculos V e III A.C., onde grandes troços são erigidos com o recurso a técnicas de terra comprimida
(Houben e Guillaud, 2006), ou das muralhas de Lo Manthang, no Nepal, nos Himalaias (Jaquin, 2012).
Figura 2.5 – Cidade de Shibam, Iémen (Varanda, 2009) Figura 2.6 - Muralha de Alhambra, Espanha
O seu desenvolvimento surge a partir do século V, mas foi sobretudo durante os séculos XVIII e XIX que se deu a
sua divulgação erudita pela Europa central, primeiro por François Cointeraux (1740-1830) em França, e depois
por David Gilly (1748-1808), na Alemanha, tipicamente como meio de construção de edificações em ambientes
rurais e agrícolas, mas pontualmente também de construções em alguns meios urbanos (Fig. 2.7 e 2.8).
O período posterior à revolução industrial, com o aparecimento e desenvolvimento dos materiais e técnicas
construtivas que vieram a caracterizar a explosão de construção ao longo do século XX, levou a construção em
terra a um progressivo esquecimento no contexto das sociedades desenvolvidas, remetendo o grosso das novas
construções em terra para o contexto das sociedades pobres ou em vias de desenvolvimento (Jaquin, 2012).
O período de emergência que sucedeu à II Guerra Mundial criou a necessidade de reconstruir um grande núme-
ro de habitações em países como a Alemanha. Juntamente com a crise petrolífera dos anos oitenta, contribuí-
ram para o despertar de uma consciência ecológica e da não perenidade dos recursos energéticos, potenciando
o retorno à construção em terra e determinando o seu posicionamento enquanto tecnologia de construção
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
7
alternativa às restantes tecnologias construtivas correntes (Rauch, 2003).
Figura 2.7 – Edifício em taipa, Alemanha, 1828 (Minke, 2012)
Figura 2.8 – Casa de taipa, Alemanha, 1795 (Minke, 2012)
Se se tomar como exemplo a realidade Portuguesa (Quadro 2.1), a percentagem de novas construções em ado-
be, taipa ou em alvenaria de pedra solta, face ao total de novas construções erigidas, chegou a um mínimo histó-
rico de 2,18% no período entre 1981 e 1985. O decréscimo estabilizou na década de oitenta tendo, a partir de
então, crescido a um ritmo lento para 2,24% (entre 1986 e 1990), 2,76% (entre 1991 e 1995) e 3,09% entre 1996
e 2001 (dados estatísticos dos Censos 2001, do INE).
Quadro 2.1 – N.º de edifícios com paredes de adobe, taipa ou alvenaria de pedra solta em Portugal face ao total de edifí-
cios, por época de construção (adaptado a partir dos dados dos Census 2001)
Época Total
(2001) Antes
de 1919 1919 a 1945
1946 a 1960
1961 a 1970
1971 a 1980
1981 a 1985
1986 a 1990
1991 a 1995
1996 a 2001
N.º de edifícios (total) 3.160.043 253.880 344.936 357.042 395.262 553.349 359.579 289.351 279.146 327.498
N.º edifícios c/ paredes de adobe, taipa ou de alvena-ria de pedra solta
352.466 131.679 96.442 54.734 22.380 15.079 7.827 6.495 7.716 10.114
% de edifícios c/ paredes de adobe, taipa ou de alvenaria de pedra solta face ao total de edifícios
11,15% 51,87% 27,96% 15,33% 5,66% 2,73% 2,18% 2,24% 2,76% 3,09%
Quando comparado com os valores anteriores a 1919, em que as construções em adobe, taipa e alvenaria de
pedra solta representavam 51,87% do total das construções, percebe-se que existiu uma clara redução da utili-
zação deste tipo de estruturas em novas construções ao longo do século XX, redução essa que apenas foi ligei-
ramente contrariada a partir de meados da década de oitenta.
O total das construções em adobe, taipa ou alvenaria de pedra solta em Portugal é, à luz dos dados de 2001, de
11,15% das construções face ao total das construções existentes em Portugal, o que corresponde a 352.466
edifícios. Destes, 61,94% são edifícios de um piso, 34,66% de dois pisos e apenas 3,40% de três pisos.
CONTEXTUALIZAÇÃO DA CONSTRUÇÃO EM TERRA
8
Estes dados permitem constatar que a proporção de novas construções em terra é efectivamente reduzida face
ao total de novas construções edificadas, apesar de estar a sofrer um aumento lento mas progressivo. Permite,
também, perceber que o tipo de construções com uma estrutura à base de terra raramente ultrapassa os dois
pisos, o que tendencialmente exclui as construções de carácter urbano, evidenciando a sua típica adequação a
tipologias do tipo habitacional unifamiliar, com situações pontuais de aplicação em edifícios de carácter institu-
cional, como escolas, ou de carácter industrial, como adegas.
2.1.2) DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO
a) François Cointeraux
Tal como referido em 4.1.1, a divulgação erudita da construção em terra na Europa, deveu-se, primeiro, ao trabalho
de François Cointeraux (1740-1830), na França. O alcance universal dos seus escritos, que estabeleceram as bases
essenciais de um saber teórico sobre a nova construção em pisé (termo francês para taipa) e dos primeiros blocos
de terra compactada (BTC), foi assente num conjunto de factores históricos favoráveis, enquadrados no período
iluminista, de busca e consolidação de conhecimento e de procura de progresso das civilizações (Guillaud, 1997). A
terra é defendida como um elemento construtivo incombustível, em oposição ao uso da madeira, sólido e econó-
mico, próprio para melhorar consideravelmente o contexto das residências e construções rurais.
Cointeraux desenvolve nos primeiros cinquenta anos da sua vida uma intensa actividade construtiva e de expe-
rimentação, intrinsecamente ligada ao meio rural e à agricultura, que culminam, em 1785, com a criação, próxi-
mo de Grenoble, da sua primeira Escola de Arquitectura Rural. Este modelo será posteriormente desenvolvido e
reproduzido em Paris.
É na sequência do sucesso e aceitação das suas escolas de arquitectura rural que Cointeraux, a partir de 1790 e até
1826, tem uma incessante actividade de publicação sobre o tema da construção económica, das virtudes da cons-
trução em terra e da apresentação das suas sucessivas descobertas (Guillaud, 1997). Depois de um primeiro perío-
do de publicações, cujo principal foco incidia sobre a técnica de pisé, Cointeraux inventa em 1806 a primeira prensa
mecânica capaz de produzir blocos de terra comprimida, com base nas tradicionais prensas de produção vinícola, a
qual denominou de “crécise” (Guillaud, 1997). Estes blocos aliavam a versatilidade do tijolo, mas acrescentavam-
lhe o potencial social, económico, ambiental e de desempenho da terra comprimida (Rael, 2009).
Com a publicação de mais de sessenta ensaios e textos, traduzidos em vários países europeus, Cointeraux lançou
os fundamentos científicos da construção moderna em terra. Aliados a uma prática vasta, tornam-no no primei-
ro arquitecto dos tempos modernos a promover o renascimento de técnicas construtivas ancestrais enquanto
modelo construtivo contemporâneo (Guillaud, 1997).
b) Repercussões do trabalho de François Cointeraux pela Europa
A obra de Cointeraux teve uma forte repercussão na Europa. Em Inglaterra, Henry Holland (1746-1806), com o
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
9
seu contributo para o primeiro volume das “Communications to the Board of Agriculture” (1797), publicação que
será essencial na divulgação das técnicas de construção em terra pelo mundo anglo-saxónico, nomeadamente
nos Estados Unidos da América e na Austrália (Guillaud, 1997), faz uma referência directa ao trabalho de Cointe-
raux: “In the year 1791 a work was published in Paris by M. François Cointeraux, containing an account of a
method of building strong and durable houses, with no other materials than earth (…)”, e usa-o como meio de
promoção da arquitectura de terra, anexando à publicação uma tradução do referido trabalho de Cointeraux.
A construção em terra já existia em Inglaterra, mas sobretudo na forma de adobe e de preenchimento de estru-
turas de madeira, enquanto a taipa parecia desconhecida até essa época. Depois da tradução do trabalho de
Cointeraux, sucedem-se as publicações sobre o tema, culminando na edição de “Cyclopaedia or Universal Dictio-
nary for Science and Literature” (1818), por Abraham Rees, que será, também, alvo de grande divulgação.
Já na Alemanha, o uso da terra como material de construção remonta à época medieval, sobretudo como mate-
rial de preenchimento de estruturas, mas é com a publicação de “Handbuch der Lehmbaukunst” em 1787, de
David Gilly (1748-1808), que descreve a taipa como o meio de construção em terra mais vantajoso (Minke,
2012), e a sua tradução dos “Cahiers d’Ecole d’Architecture Rurale” (F. Cointeraux) em 1793, que a divulgação do
conhecimento erudito da construção em terra se desenvolve, nomeadamente da taipa.
Na sua época, Cointeraux foi traduzido tanto em Itália (Giuseppe Del Rosso, em 1793), como na Escandinávia
(K.H. Seidelin, em 1796 na Dinamarca) e o período que se lhe segue, até aos finais do século XIX, assistiu a uma
divulgação progressiva dos métodos de construção em terra. Esta divulgação apenas veio a decair com o início
do século XX com a generalização de materiais alternativos de construção. A partir deste período, a construção
em terra é cingida ao seu interesse ecológico, para voltar a ser circunstancialmente procurada no período de
escassez de materiais de construção durante a Segunda Guerra Mundial e da política industrial de guerra (Guil-
laud, 1997), onde é vista como uma alternativa de construção ou de reconstrução, sobretudo em meios rurais
(Rael, 2009), de habitações para as populações migradas (Guillaud, 1997). Na Alemanha, a legislação específica
sobre construção em terra que tinha sido produzida para a situação de emergência após a Segunda Guerra
Mundial, foi incorporada nas normas alemãs de construção (DIN) em 1951, tendo sido largada após o retomo da
economia nos anos 70 (Houben e Guillaud, 2006) e reactivada e actualizada apenas em 1999, no rescaldo da
crise petrolífera dos anos oitenta e do retorno consequente à construção em terra (Rauch, 2003).
c) Hassan Fathy
Contemporaneamente ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, no Egipto, dá-se início ao projecto de
Nova Gurna, que trata da deslocalização da vila de Gurna, e dos seus 7.000 habitantes camponeses, para uma
nova localidade, assente num modelo de construção cooperativa, recorrendo às técnicas construtivas tradicio-
nais egípcias, para melhorar o nível de vida dos camponeses. O projecto, gerido pelo arquitecto Hassan Fathy
(1900-1989), não chegará a ser completado, fruto de um conjunto vasto de vicissitudes, mas ficou registado
CONTEXTUALIZAÇÃO DA CONSTRUÇÃO EM TERRA
10
como um marco no retorno às práticas tradicionais como meio de lançar uma alternativa sustentável à arquitec-
tura corrente (Fathy, 2009).
Este projecto ganhou particular relevo com a publicação do livro “Arquitectura para os pobres – uma experiência
no Egipto rural“ (Fig. 2.9), lançado em 1969 pelo próprio autor, relatando a experiência do projecto e a execução
da aldeia de Nova Gurna (Fig. 2.10 e 2.11). A publicação do livro, o projecto de Nova Gurna e todo o seu longo
percurso profissional marcaram Hassan Fathy como um dos pioneiros do retorno à tradição como meio susten-
tável de busca de uma arquitectura alternativa. O autor foi distinguido com a medalha de ouro da União Interna-
cional dos Arquitectos (1984), o prémio Aga Khan de arquitectura (1980) e o prémio literário francês pela obra
“Arquitectura para os pobres” que, tal como o descreve o prefácio da primeira edição portuguesa do livro
(Fathy, 2009), “(…) é uma obra única, um hino às práticas alternativas na arquitectura e um precioso ensinamen-
to de como a tradição é, e será sempre, uma alavanca da modernidade”.
Figura 2.9 – Capa do livro Arquitectura para os
pobres” (Fathy, 2009)
Figura 2.10 – Escola de Fares (Fathy, 2009) Figura 2.11 – Desenhos experi-mentais de projecto de Hassan
Fathy (Fathy, 2009)
d) Prensa Cinva-ram
Em 1952, a produção de blocos de terra comprimida (BTC) teve um desenvolvimento significativo pelo engenheiro
colombiano Raul Ramirez, enquanto trabalhava no Centro Interamericano de Vivienda (CINVA). Ramirez desenvol-
veu uma prensa manual, capaz de produzir blocos de terra comprimida e mosaicos para a construção de casas de
baixo custo, tendo a máquina ficado popularmente conhecida como Cinva-ram (Rael, 2009).
A prensa consiste numa caixa metálica, cujo interior é preenchido com terra. A caixa é então fechada manual-
mente, tendo a sua tampa a forma adequada para garantir a compressão da terra depositada. Uma vez compri-
mida, a tampa é aberta e a base da caixa eleva-se, permitindo a extracção do bloco.
Entre Cointeraux e a prensa Cinva-ram continuaram a produzir-se blocos de terra comprimida, mas foi a invenção da
prensa, nomeadamente devido à sua portabilidade e facilidade de uso, que permitiu acelerar drasticamente a capaci-
dade de produção de blocos e marcou o início do desenvolvimento da indústria de BTC (Rael, 2009).
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
11
e) Jean Dethier e CRATerre-ENSAG
O desenvolvimento da arquitectura de terra contemporâneo em França deveu-se, em parte, a uma política de
assistência técnica aos países do terceiro mundo, com particular ligação à área geográfica de influência colonial
francesa (Lourenço, 2002).
Jean Dethier, arquitecto belga que viveu no Norte de África, ao comissariar em 1981 a exposição “Des architectures
de terre: ou l’avenir d’une tradition millénaire” no Centro Pompidou, em Paris, coloca o tema do uso de técnicas e
meios tradicionais como meio construtivo alternativo, no centro da discussão pública. A exposição ficará itinerante
durante os seguintes 15 anos, tendo passado por 26 museus em quatro continentes, inclusive Portugal, na Funda-
ção Calouste Gulbenkian. A exposição serviu de mote à edição do livro homónimo, cuja publicação, em articulação
com a exposição, foi um marco na divulgação internacional da arquitectura de terra (Dethier, 1993).
Em 1979, Dethier é um dos principais impulsionadores da criação do grupo CRATerre, grupo que se tornou
incontornável mundialmente na investigação, divulgação e actualização do conhecimento científico e das técni-
cas de construção em terra. O CRATerre é responsável pela criação em 1981 do primeiro curso universitário
integralmente dedicado à investigação da construção em terra, integrado na Escola Nacional Superior de Arqui-
tectura de Grenoble (ENSAG), numa perspectiva de optimizar o uso de recursos locais, tanto naturais como
humanos, melhorar as condições de habitação e valorizar e promover a diversidade cultural, posicionando-se
perante quatro vectores de acção: i) investigação científica, ii) política cultural de informação, iii) ensino universi-
tário, iv) força operacional no terreno (craterre.org).
O sucesso da exposição do Centro Pompidou levou o seu Centro de Criação Industrial a lançar um concurso
internacional para a construção do primeiro projecto europeu de construção social urbana integralmente cons-
truído em terra - o Domaine de la Terre, em L’Isle d’Abeau – como forma de verificar a viabilidade da construção
em terra como meio construtivo efectivo. Entre 1981 e 1985, foi seleccionado um conjunto de dez equipas de
arquitectos e construtores, que trabalharam em conjunto com consultores técnicos do CRATerre no desenvolvi-
mento de diferentes abordagens técnicas de construção moderna em terra. Este concurso teve um forte impacte
internacional, tendo sido reconhecido pelas Nações Unidas em 1987 como “projecto-piloto de âmbito interna-
cional”, e reforçou a projecção da investigação e desenvolvimento no âmbito da construção em terra, tendo tido
um papel essencial na sua divulgação pelo mundo (Lefèvre, 2009).
f) Building Research Institute (BRI)
Paralelamente à criação do CRATerre, Gernot Minke cria em 1978 o Building Research Institute (Forschungslabor
für Experimentelles Bauen) na Universidade de Kassel, na Alemanha, onde, desde então, tem desenvolvido
vários projectos de investigação e desenvolvimento na área da construção em terra.
Destes projectos, podem ser salientados três vectores de investigação: i) estudo das propriedades físicas e
mecânicas da terra com vista à optimização do seu comportamento, nomeadamente para melhorar a sua resis-
tência à água e o seu comportamento térmico, conseguir a redução da sua retracção e o aumento da sua resis-
CONTEXTUALIZAÇÃO DA CONSTRUÇÃO EM TERRA
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tência à compressão, flexão e abrasão nas suas várias vertentes de aplicação; ii) desenvolvimento de novas téc-
nicas construtivas e de produção de elementos construtivos, entre eles a extrusão de elementos de terra e sua
aplicação sem recurso a argamassas de união, o desenvolvimento de técnicas de compactação mecânicas e de
técnicas de projecção de terra, assim como o desenvolvimento de técnicas de reforço sísmico e o aperfeiçoa-
mento dos métodos tradicionais de construção de abóbodas sem o recurso a subestruturas de apoio; iii) Apoio à
realização e concretização de projectos internacionais (Minke, 2003).
Minke tem tido um contributo essencial na divulgação da construção em terra, sobretudo do ponto de vista do
desenvolvimento das várias técnicas de construção, e o seu trabalho e bibliografia publicada são referências
incontornáveis da disciplina.
g) Pontificia Universidad Católica del Perú (PUCP)
No Peru, devido à profusa presença de construções em terra, e na sequência da devastação provocada pelo terra-
moto de Huarez, em 1970, a Pontificia Universidad Católica del Peru (PUCP), entre outras instituições, iniciou um
programa de investigação do comportamento sísmico das construções em terra crua e de possíveis reforços aplicá-
veis em construções existentes, com o intuito de desenvolver localmente medidas de reforço sísmico de aplicação
tanto na preservação do património histórico, como no reforço das habitações de carácter popular.
Desde o início do programa em 1972, o objectivo implícito na investigação residia na necessidade de, por um
lado, evitar o colapso das construções e, por outro, de as dotar de uma adequada resistência e ductilidade.
Durante os anos setenta e oitenta, focou-se na caracterização do comportamento das construções em terra face
à acção do sismo e no estudo da aplicação de reforços sísmicos pelo interior das construções, tendo chegado à
conclusão da necessidade de utilização de reforços contínuos, compatíveis com o material base da parede. Nos
anos noventa, o programa focou-se na redução da vulnerabilidade dos edifícios existentes pelo recurso a refor-
ços aplicados pelo exterior das construções. A partir de 2003, o programa direccionou-se para o estudo da apli-
cação de malhas poliméricas como meio de reforço sísmico. Esta última opção demonstrou ter uma óptima res-
posta face a sismos de elevada intensidade (Torrealva et al., 2006). O objectivo futuro passa pelo estudo de
como incorporar especificações técnicas de reforço sísmico em projectos de raiz.
A investigação levada a cabo durante todo este período tornou-se um contributo importante para o processo de
criação e actualização dos critérios de desenho anti-sísmico nos regulamentos peruanos de edificações em ado-
be. Numa maior escala, este exemplo é paradigmático de como a investigação sobre o reforço sísmico tem fun-
cionado, internacionalmente, como potenciador do desenvolvimento das tecnologias de construção em terra,
tanto ao nível do comportamento como da concepção.
h) Getty Conservation Institute (GCI)
Na mesma linha de estudo, mas focando-se sobretudo na conservação do património histórico, o Getty Conser-
vation Institute (GCI) tem desenvolvido um trabalho notável na criação de padrões e na definição de metodolo-
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
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gias apropriadas para a conservação de construções em terra crua.
Com o intuito de criar um corpo de conhecimento forte de acção sobre a preservação do património, desenvol-
veu programas de formação, investigação e projectos de campo que aprofundaram o conhecimento sobre a
arquitectura de terra e das suas vulnerabilidades particulares (Cancino et al., 2009).
Destes programas vale a pena mencionar o Getty Seismic Adobe Project (GSAP, 1992-2002), um programa de
investigação que visava o estudo do comportamento e fragilidades dos edifícios históricos construídos em adobe
e o desenho de meios de intervenção económicos, facilmente aplicáveis e não invasivos de estabilização e refor-
ço dos mesmos (Tolles et al., 2002).
O conjunto de sismos recentes de grande amplitude e impacte sobre o património histórico à volta do mundo
(Bam, Irão, 2003; Al-Hoceima, Marrocos, 2004; Caxemira, Paquistão, 2005; Pisco, Peru, 2007), veio lembrar a
comunidade internacional da pertinência do estudo desenvolvido, pela constatação do excesso de dispersão e
falta de aplicação do conhecimento científico existente dos meios de conservação e intervenção em edifícios de
valor histórico construídos em terra. Isto levou o GCI a lançar em 2006 o Getty Seismic Adobe Project Colloquium,
para permitir a partilha de conhecimento existente nesta área de investigação e avaliar a pertinência do trabalho
produzido pelo GSAP e sua potencial aplicação (Cancino et al., 2009).
Em consequência do trabalho de investigação produzido, o GCI disponibilizou uma base de dados acessível para
consulta internacional como forma de apoiar a implementação de meios de intervenção não invasivos de estabi-
lização e reforço do património histórico construído em terra, tornando-se uma plataforma de referência para o
apoio à acção directa no terreno.
Uma vez mais, e em linha com o mencionado sobre o trabalho desenvolvido pela Pontificia Universidad Católica
del Perú, esta base de conhecimento não só é útil para os projectos que visam a intervenção directa sobre a
conservação do património e da acção dos sismos sobre o mesmo, como também se tornou uma estrutura de
conhecimento útil a ter em consideração durante a concepção de novas estruturas em terra.
2.2) ANÁLISE DAS PRINCIPAIS VANTAGENS E LIMITAÇÕES
O baixo custo da construção em terra não é um facto universal. Tal como sustentado por Lourenço (2002), devi-
do à Intensiva mão-de-obra que lhe está associada, o custo da construção em terra é potencialmente elevado,
mesmo que se esteja a falar de um material potencialmente disponível sem qualquer custo de aquisição (por
estar disponível no local da construção). Numa sociedade desenvolvida, esta mão-de-obra traduz-se num
aumento do custo da construção, que pode inibir a opção pela sua aplicação, quando comparada com o uso de
materiais industriais correntes (Easton e Easton, 2012).
Contudo, por não necessitar de passar por um processo de transformação com recurso a um grande consumo
energético, aliado ao pressuposto de que tradicionalmente não lhe é imputado o custo, tanto energético como
de trabalho, da deslocação do material (por longas distâncias), à construção em terra está associada uma factura
energética reduzida. Mas também esta análise não é linear, pois várias das técnicas construtivas em terra são
CONTEXTUALIZAÇÃO DA CONSTRUÇÃO EM TERRA
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complementadas com outros materiais, como o cimento ou o aço, cuja produção é em si muito menos sustentá-
vel, mas cuja finalidade é minimizar as limitações tradicionais da construção em terra, tornando-a uma opção
mais segura e com melhor prestação a longo prazo.
Simultaneamente, à construção em terra está associada uma estética e ambiência muito próprias, que podem
jogar tanto a favor como contra a sua aplicação.
Tal como Hall et al. (2012) referem, a indústria da construção em terra compactada está na fase inicial do seu
desenvolvimento quando comparada com o seu potencial enquanto técnica corrente de mercado. As paredes
em terra ainda são vistas pela sociedade como algo anterior à era industrial. Por uma questão de necessidade, a
cultura construtiva terá que direccionar-se para a sustentabilidade, movendo-se de uma cultura de superfície
(veneer) para uma cultura de substância, isto é, de uma cultura descartável, de uso de bens perecíveis, para uma
cultura de comunidades estruturalmente sustentáveis. Se a esta necessidade for acrescida a capacidade de des-
construir estes preconceitos estabelecidos, vê-se na construção em terra um caminho possível para o desenvol-
vimento da construção.
Mas a defesa do uso da terra não se cinge apenas à questão ambiental. Tal como é regularmente citado, a terra,
quando em volume e densidade suficientes, tem a capacidade de promover um bom conforto tanto higrotérmi-
co como acústico, o que aliado à sua incombustibilidade favorece a sua aplicação. Simultaneamente, a terra é
reutilizável desde que não seja cozida, bastando adicionar-lhe água, pelo que a terra nunca se torna um material
prejudicial para o ambiente (Minke, 2012).
Se se quiser sustentar a construção em terra num formato contemporâneo e moderno, é necessário garantir uma
resposta eficaz às exigências do utilizador comum de uma sociedade desenvolvida, seja do ponto de vista da inte-
gração eficiente de todas as infra-estruturas necessárias aos níveis de conforto a que as populações estão habitua-
das, seja garantindo a segurança sísmica ou o simples cumprimento da legislação em vigor. É necessário, portanto,
colmatar as suas limitações naturais – mau comportamento quando sujeita a esforço de tracção ou perante a acção
da água, conhecimento não sistematizado do seu comportamento e falta de legislação específica – assim como as
suas desvantagens culturais – o preconceito de que é uma construção pobre ou unicamente sustentável.
Portanto, o posicionamento perante a construção em terra faz-se na articulação destes factores, em que todos
eles são relativamente subjectivos.
2.2.1) LIMITAÇÕES TRADICIONAIS
É frequentemente mencionado que os maiores inimigos das construções em terra são a acção da água e a acção
de esforços horizontais, que obriguem a terra a funcionar à tracção em vez da sua natural melhor prestação face
a esforços de compressão.
Os solos demonstram ter muito pouca elasticidade, exibindo uma deformação permanente quando sujeitos ao
efeito de uma tensão. Genericamente, pode assumir-se que os solos não têm resistência à tracção (Augarde, 2012).
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
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A terra, ao contrário da maioria dos materiais, pode deformar-se quer seja pelo efeito de uma força aplicada, quer
seja pela simples acção da água. Por outro lado, tem um comportamento diferente quer esteja seca ou molhada.
Tal como definido por Augarde (2012), o conceito chave na análise da mecânica dos solos é a fricção. O segundo
conceito chave é que o solo é um material multifacetado, contendo elementos de terra, água e, por vezes, ar. A
fricção mantém as partículas do solo juntas. A maior ou menor presença de água condiciona a coesão e resistên-
cia da terra devido ao conceito de tensão efectiva, i.e., a tensão transmitida pelo arranjo das partículas do solo
que é, consequentemente, a tensão que controla o comportamento da fricção. A tensão efectiva aplica-se ape-
nas a solos saturados e traduz-se pela seguinte equação:
σ’ = σ – u
Em que u é corresponde à pressão exercida pela água no solo e σ o conjunto de tensões aplicadas ao solo. O
campo de tensões aplicado pressiona as partículas do solo, mantendo-as juntas, enquanto a pressão da água as
afasta. A presença de água em excesso vai afectar a coesão das partículas, reduzindo a tensão resultante da
fricção existente entre elas, pelo que a deformação, nos solos, está dependente tanto das forças que lhe são
aplicadas (das quais o peso próprio é a mais considerável), como da alteração dos níveis de água presentes no
seu interior (Augarde, 2012).
Simultaneamente, a água é um elemento essencial para garantir a activação da terra durante a confecção de um
elemento em terra crua. Os materiais de construção à base de terra encontram-se, no seu estado normal, insa-
turados (Augarde, 2012). A coesão entre as partículas do solo é garantida pelo efeito de sucção que a água exer-
ce entre as partículas, aproximando-as (Fig. 2.12). Quando correctamente doseada, é fundamental para garantir
aderência entre as partículas de terra (Gelard et al., 2011).
Figura 2.12 – Modelo de relação de partículas num solo insaturado (traduzido de Augarde, 2012)
O processo de secagem pode dar lugar ao aparecimento de fendas, uma vez que a terra encolhe quando seca
(Minke, 2012). Estas potenciam a degradação da parede, quer pela infiltração de água, quer pela fragilização dos
seus elementos.
CONTEXTUALIZAÇÃO DA CONSTRUÇÃO EM TERRA
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Para além de ser necessário proteger as paredes de terra face à acção da água, pode ser necessário proceder à
sua estabilização pelo uso de aditivos, ou promover a optimização da dimensão dos grãos, assim como a redução
da presença de argila, que tem maior tendência para retrair durante o processo de secagem.
Por outro lado, a terra não é um material cujo comportamento seja facilmente previsível, podendo apresentar
características e composições distintas consoante o solo em que for obtida. Isto obriga a proceder-se a uma
correcção da mistura, com potencial adição de elementos estabilizadores, de forma a colmatar eventuais fragili-
dades de cada amostra, o que implica o envolvimento de profissionais que possuam um conhecimento especiali-
zado sobre a matéria.
As suas fragilidades mecânicas traduzem-se em limitações formais, especialmente quando utilizando técnicas
meramente tradicionais, o que se constata, inclusive, em muitos códigos construtivos de terra, quer pela proibi-
ção da construção em terra em zonas de elevada sismicidade, quer pela delimitação do número de pisos e altu-
ras admissíveis para paredes de terra (Cid et al., 2011).
Se se quiser perspectivar a construção em terra como um tipo de construção corrente no mercado, é necessário
garantir que a vivência no seu interior é tão segura, do ponto de vista estrutural, como qualquer outro tipo de
construção corrente no mercado.
2.2.2) SUSTENTABILIDADE
Por não necessitar de passar por processos de transformação e transporte com recurso a grandes consumos ener-
géticos, está associada, à terra, uma componente sustentável que é incontornável no panorama da investigação
contemporâneas sobre a construção em terra. Em comparação com tijolos cerâmicos ou com o betão, a energia
utilizada na fabricação e aplicação de materiais e sistemas construtivos em terra é muito baixa (quadro 2.2). Tal
como Almeida et al., (2012), referem: “A maioria dos impactes ambientais do tijolo cerâmico está associada à
etapa de produção do tijolo, nomeadamente ao processo unitário de cozedura, uma vez que é aquele que exige
uma maior utilização de energia (face às temperaturas exigidas) e consequentemente apresenta uma maior
emissão de poluentes para a atmosfera, seguindo-se a fase de utilização do tijolo em obra, onde a argamassa
tem um papel relevante em termos de contribuição para as categorias de impacte e indicadores” (pp. 233).
Quadro 2.2 - Emissões de CO2 de diferentes materiais de construção (Bestraten et. al, 2011)
Material Densidade Emissões por kg Emissões por m³
Taipa (sem estabilização) 2.200 kg/m³ 0,004 kg CO₂/kg 9,7 kg CO₂/m³
Adobe 1.200 kg/m³ 0,06 kg CO₂/kg 74 kg CO₂/m³
Betão armado, betonado in situ 2.360 kg/m³ 0,14 kg CO₂/kg 320 kg CO₂/m³
Betão armado pré-fabricado (2% aço) 2.500 kg/m³ 0,18 kg CO₂/kg 455 kg CO₂/m³
Parede de alvenaria de tijolo maciço 1.600 kg/m³ 0,19 kg CO₂/kg 301 kg CO₂/m³
Parede de alvenaria de tijolo furado 670 kg/m³ 0,14 kg CO₂/kg 95 kg CO₂/m³
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
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É necessário referir que estas soluções podem não ser equivalentes do ponto de vista de comportamento,
desempenho ou função. Contudo, a comparação de emissões de CO2 destes diferentes materiais dá uma pers-
pectiva do impacte que cada uma delas tem no meio ambiente.
A extracção da terra pode ser feita no mesmo local da obra, desde que esta apresente as condições adequadas para a
construção, reduzindo os valores afectos ao transporte do material. O consumo de água durante a produção é baixo,
em particular na execução da taipa ou de BTC, cuja humidade média necessária para a confecção é de 10%. A demoli-
ção não requer meios excessivamente complexos e de grande consumo energético (Bestraten et al., 2011).
Complementarmente, a terra é reutilizável, desde que não seja cozida, pelo que nunca se torna um material
prejudicial para o ambiente (Minke, 2012). Mesmo que seja estabilizada com cal ou cimento, as reduzidas per-
centagens utilizadas destes materiais não representam um risco de contaminação dos terrenos envolventes,
garantindo a regeneração da massa vegetal (Bestraten et al., 2011).
Logo, à construção em terra está associado um reduzido impacte ambiental durante o seu ciclo de vida (Fig. 2.13).
Figura 2.13 – Modelo de ciclo de vida de uma construção em terra (traduzido de Schroeder, 2012)
A análise do impacte ambiental dos materiais de construção, edifícios e de todos os serviços inerentes ao seu
funcionamento é conhecida por LCA (Life Cycle Assessment), podendo esta análise ser simplificada do ponto de
vista do consumo de energia, convertendo-se em LCEA (Life Cycle Energy Analysis), que se classifica de acordo
com os seguintes critérios (Schroeder, 2012):
a) Energia de produção dos materiais de construção, incluindo o transporte para o local de construção –
PEI (Primary Energy Impact);
CONTEXTUALIZAÇÃO DA CONSTRUÇÃO EM TERRA
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b) Energia consumida durante o processo de construção;
c) Energia utilizada na manutenção e reparação do edifício;
d) Energia utilizada para a demolição do edifício no final da sua vida útil.
Analisando os dados apresentados por Schroeder (2012) (Quadros 2.3 e 2.4), sobressai o reduzido impacte ener-
gético que a produção de materiais de construção em terra tem face ao conjunto dos materiais correntes.
Sobressai, também, que a deslocação dos materiais por uma longa distância tem, igualmente, um forte impacte
na contabilização do PEI de um edifício, o que reforça o posicionamento da terra enquanto material eminente-
mente sustentável.
Quadro 2.3 – Comparação entre os valores de PEI dos
típicos materiais de construção face aos materiais de
construção em terra (Schroeder, 2012)
Quadro 2.4 – Valor do PEI de diferentes meios de trans-
porte (Schroeder, 2012)
Material de construção PEI [kWh/m³]
Terra 0-30
Painéis isolantes em palha 5
Materiais de madeira 800-1.500
Tijolos cerâmicos cozidos 500-900
Cimento 1700
Betão, corrente 450-500
Pedra calcária 350
Painéis de vidro 15.000
Aço 63.000
Alumínio 195.000
Polietileno (PE) 7.600-13.100
PVC 13.000
Meio de transporte PEI [kWh/t.km]
Comboio 0,43
Carro, Europa Ocidental 1,43
Camião 40 t 0,72
Camião 28 t 1,00
Camião 16 t 1,45
Camião < 3,5 t 3,10
Transporte de barco, em mar 0,04
Transporte de barco, em rio 0,27
Se bem que o PEI seja apenas um dos critérios de análise do LCEA, dadas as premissas sustentadas por Minke
(2012) e Bestraten et al. (2011), o conjunto dos restantes critérios não diferencia negativamente a construção
em terra face à restante construção corrente.
Existe, naturalmente, para além do LCEA, a questão do consumo de energia durante o período de vida da cons-
trução (ver subcapítulo 2.2.2 – Conforto térmico e acústico), assim como o critério de energia consumida com a
manutenção e reparação do edifício (parte dos critérios do LCEA), mas ambos os critérios estão dependentes da
concepção arquitectónica adoptada e de uma boa execução técnica da construção.
No enquadramento legal contemporâneo (ver subcapítulo 2.3 – Enquadramento legal), progressivamente mais
consciente sobre estas questões e penalizador face ao impacte que os métodos de construção têm no meio
ambiente, a terra possui um potencial elevado enquanto material sustentável, capaz de responder positivamente
aos novos princípios que vão sendo advogados. Bastará, para isso, ser capaz de sustentar devidamente o seu posi-
cionamento, enquadrando-se numa rede com critérios quantificáveis, capaz de permitir a comparação entre os
vários materiais feitos à base de terra, e entre estes e os restantes materiais disponíveis no mercado da construção.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
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2.2.3) CONFORTO HIGROTÉRMICO E ACÚSTICO
Tal como Hall e Casey (2012) referem, o estudo do conforto no interior das construções é parcialmente científi-
co, de acordo com a saúde física e psicológica de uma pessoa, e parcialmente subjectivo, estando dependente
da percepção individual de conforto que cada ocupante tem.
As construções em terra, quando comparadas com os materiais convencionais de construção, podem oferecer
um bom nível de conforto higrotérmico devido à sua capacidade de regular as transferências de temperatura e
de humidade relativa no interior das construções.
As paredes de terra têm a capacidade de passivamente reduzirem a temperatura ambiente de um espaço, ao
absorverem o calor do ar adjacente, armazená-lo e devolvê-lo quando a temperatura ambiente baixa, reaque-
cendo-o, por exemplo durante a noite.
Também do ponto de vista do conforto higrométrico, devido à sua essência porosa, e em articulação com a pre-
sença no seu interior de minerais de argila, tem a capacidade de absorver a humidade do ar de um espaço inte-
rior de uma construção, regulando passivamente a sua humidade relativa.
Ao contrário das típicas paredes de tijolo, madeira ou gesso cartonado, as paredes de terra podem apresentar-se
sem qualquer tipo de acabamento. Por estarem em contacto directo com o ar interior, potenciam a sua capaci-
dade de regular passivamente tanto a temperatura como a humidade relativa do ar.
Ao contrário do que é comummente aceite, é mais devido à sua capacidade passiva de regulação da temperatu-
ra interior de uma construção, do que devido à sua condutividade térmica, que a terra pode ter um papel activo
na garantia de obtenção de um bom conforto térmico no interior de uma construção. Hall e Casey (2012), citan-
do Walker et al. (2005), indicam que, quanto maior for a densidade (kg/m3) da parede de terra, maior será a sua
condutividade térmica (W/m K). Houben e Guillaud (2006), assim como Minke (2012), corroboram esta teoria,
indicando também que a capacidade térmica da terra é sobrevalorizada, não sendo muito diferente da de um
betão corrente com o mesmo volume, apesar de identificarem diferenças consoante o tipo de técnica
construtiva utilizada – maior condutividade para a terra compactada (510 Wh/m3oC), semelhante para o betão
(590 Wh/m3oC) e menor para o adobe (380 Wh/m3oC).
Um material com maior inércia térmica permite a absorção, contenção e libertação de calor por um maior
período de tempo, garantindo uma resposta mais equilibrada às fortes amplitudes térmicas. Contudo, a percep-
ção comum de que a terra é um bom isolante térmico não está provada. Quanto mais leve for o material, e
maior o volume de ar no seu interior, menor será a sua condutividade. Simultaneamente, quanto maior for o
nível de humidade no seu interior, maior será a sua condutividade (Minke, 2012).
De acordo com Heathcote (2011), as paredes de terra têm uma reduzida resistência térmica (R) e, genericamente,
uma elevada condutibilidade térmica (k). Estando a determinação da resistência térmica de uma parede dependente
da sua espessura (E) [R = E / k], esta será crucial para determinar a sua resistência térmica. Simultaneamente, a solu-
ção técnica utilizada será também determinante, uma vez que a condutividade térmica das paredes de terra varia
consideravelmente consoante a sua densidade e, consequentemente, a solução técnica utilizada (Quadro 2.5).
CONTEXTUALIZAÇÃO DA CONSTRUÇÃO EM TERRA
20
Quadro 2.5 - Valores de condutividade térmica para diferentes materiais de construção em terra (Schroeder, 2012)
Densidade seca ρd [kg/m³] Condutividade térmica k [W/mK] Materiais de construção em terra
2.200 1,4 TP
2.000 1,1 TP
1.800 0,91 TP, AT, PT
1.600 0,73 TEP, TCPE, AT, BT, PT
1.400 0,59 TEP, TCPE, AT, BT, PT
1.200 0,47 BL, TCPE, AT, BT, PT
1.000 0,35 BL, TCPE, AT, BT, PT
900 0,3 BL, TCPE, AT, BT, PT
800 0,25 BL, TCPE, AT, BT, PT
700 0,21 BL, TCPE, AT, BT, PT
600 0,17 BL, TCPE, AT, BT, PT
500 0,14 BL, TCPE, PT
400 0,12 BL, TCPE, PT
300 0,1 BL, TCPE, PT
TP – taipa AT – argamassa de terra PT – painel de terra TEP – terra empilhada TCPE – terra como preenchimento de estruturas
BT – bloco de terra BL – barro leve
Referindo um dos exemplos estudados por Heathcote (2011), uma parede de adobe com 300 mm de espessura
tem uma resistência térmica de R = 0,5 m2K/W e um coeficiente de transmissão térmica (U) de 2,0 W/m2K. O
código de construção australiano para uma região como a de Sydney requer um R = 1,9 m2K/W, com um U =
0,53 W/m2K, o que é manifestamente maior do que os dados apresentados para a parede de 300 mm de espes-
sura de adobe.
Heathcote conclui que as paredes de terra têm pouca resistência térmica, embora esta aumente com a espessu-
ra da parede. Isto significa que no verão as temperaturas médias interiores serão mais elevadas e que, no inver-
no, será necessário o recurso a aquecimento para aumentar a temperatura média interior. Nota, contudo, que
uma boa concepção climática passiva pode melhorar estes valores. Conclui chamando a atenção para que as
novas tecnologias empregues têm tendência a permitir uma redução da espessura das paredes e, assim, reduzir
a sua resistência térmica, o que prejudicará a sua prestação.
Relativamente ao seu comportamento higrométrico, Minke (2012) refere que a humidade relativa no interior de
uma divisão deve situar-se entre 40% e 70%. Valores abaixo e acima destes limites podem tornar-se nocivos para
a saúde humana e acentuar a sensação de desconforto. À transição de ar de espaços frios para espaços aqueci-
dos (exterior-interior) corresponde, tipicamente, uma diminuição da percentagem de humidade do ar assim que
a temperatura subir para os níveis no interior. Essa diminuição drástica implica uma humidificação do ar, que
naturalmente se precederá a partir dos elementos construtivos presentes no interior da divisão. A terra, devido
à sua porosidade, tem mais capacidade de absorver e libertar a humidade do que a maioria dos materiais de
construção. Se a humidade relativa do ar sobe drasticamente de 50% para 80%, uma camada de terra com 15
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
21
mm absorve quase 300 g/m2 de água ao longo de 48 horas, enquanto um ladrilho de tijolo cozido da mesma
espessura apenas absorve de 6 a 30 g/m2, ou uma camada de estuque da mesma espessura 26 a 76 g/m2 (Min-
ke, 2012). Simultaneamente, quanto mais argilosa for a terra, maior será a sua capacidade absortiva.
De acordo com Minke (2012), o preconceito tradicional de que paredes de terra em casas de banho e cozinhas
são pouco higiénicas é infundado. O uso de terra em qualquer destas divisões permite a absorção rápida da
humidade pelas paredes, enquanto, por exemplo, uma parede revestida a azulejo mantém a humidade presa no
interior, proporcionando o desenvolvimento de fungos.
Como referido em 4.2.1, o excesso de água pode provocar a perda de aderência entre as partículas de terra.
Simultaneamente, quando em contacto com a água, a terra dilata, encolhendo ao secar, o que pode provocar o
aparecimento de fendas (Minke, 2012). Contudo, de acordo com Minke (2012), a absorção de humidade do ar
pela terra não é suficiente para fazê-la dilatar.
Por fim, vale a pena mencionar o seu comportamento acústico. Devido à tradicional grande espessura de pare-
des, consequente dos requisitos estruturais de uma parede de terra, ela acaba por funcionar como um bom
isolante acústico. Simultaneamente, dado que a sua superfície é porosa, também tem uma boa prestação
enquanto absorvente acústico (Rauch, 2003).
Portanto, mais do que o implícito uso da terra, deve-se saber prever qual a melhor técnica e mistura a aplicar em
cada caso. Deve também notar-se que, ao não revestir uma parede de terra interior, se está a potenciar a sua capa-
cidade de regulação do ambiente dos espaços interiores, assim como a sua capacidade de absorção acústica.
2.2.4) CUSTO, ESTÉTICA E PRECONCEITOS
Quando a mão-de-obra disponível não é cara, a opção pela terra é mais facilmente justificável do ponto de vista
do custo da construção. Este é um dos factores que tradicionalmente potenciaram a construção em terra em
países em vias de desenvolvimento. Mas isto também criou um preconceito – de que a construção em terra é
uma construção pobre (Blondet et al., 2008).
Quebrar este preconceito em sociedades pobres é extremamente complexo. Exige que se consiga demonstrar a
potencialidade do material terra, inclusive para além do que é tradicionalmente a sua estética, que muitas vezes
é desconhecida pelas próprias comunidades. Hassan Fathy (Fathy, 2009) teve um trabalho crucial no desenvol-
vimento desta percepção durante o século XX (entre as décadas de trinta e oitenta), no Egipto. Devido à procura
de uma evolução assente no uso de materiais conotados com as sociedades desenvolvidas – betão armado,
blocos de betão, tijolo cerâmico furado – foi-se sedimentando a perda da memória colectiva das técnicas tradi-
cionais e das suas potencialidades, cuja transmissão estava profusamente assente na artesanal educação mes-
tre-discípulo. A recuperação das tecnologias construtivas tradicionais torna-se um trabalho difícil. É necessário
fazer redescobrir as suas potencialidades, partindo do pressuposto de que uma construção tradicional de um
determinado local, pelo longo processo de sedimentação cultural, dá uma resposta adequada às características
daquele lugar, seu clima e materiais disponíveis. Um pressuposto extremamente sustentável, mas muito distan-
CONTEXTUALIZAÇÃO DA CONSTRUÇÃO EM TERRA
22
te da percepção de modernidade que foi sendo desenvolvida ao longo do século XX.
Nas sociedades desenvolvidas, esta questão está igualmente presente. A opção por uma construção em terra
traz consigo a factura da mão-de-obra (Rauch, 2003), mas também a conotação com uma construção que é
pobre e o preconceito – e mesmo o desconhecimento – de que a articulação com todo o conjunto de infra-
estruturas essenciais aos nossos padrões de exigências e conforto não é fácil.
Simultaneamente, a penetração da construção em terra faz-se mais facilmente nos países cuja cultura construti-
va está assente no uso de paredes maciças, em oposição ao recurso de estruturas leves, por camadas, como são
os casos das construções em madeira ou seus derivados (Easton e Easton, 2012).
À terra está associada uma estética própria, particularmente sensível, relacionada com o tacto, o olfacto e a cor
de um elemento que é muito natural na percepção que se tem dele. Uma parede de terra crua preservará a sua
coloração durante décadas (Rauch, 2003). Referencia-se a ambientes exteriores e activa a memória, funcionando
num ritmo diferente daquele que é o ritmo urbano, contrapondo-o.
É portanto essencial trabalhar para essa desmistificação, procurando mostrar as novas potencialidades da cons-
trução em terra, em linha com os princípios de conforto expectáveis de uma construção moderna, associada à
sua capacidade estética, que é, em si, extremamente diferenciadora. É necessário mostrar a terra como um
material apetecível do ponto de vista estético e desejável enquanto material de construção, se se quer defender
o seu uso hoje em dia.
2.3) ENQUADRAMENTO LEGAL
Durante muito tempo, a promoção da construção em terra deveu-se à restrição normativa do uso de madeira na
construção, devido à sua combustibilidade, como forma preventiva contra a ocorrência de incêndios (Schroeder,
2012). É o caso da Alemanha, cujos primeiros códigos construtivos a incorporar referências à construção em
terra datam do século XVI e são consequência tanto da escassez progressiva da madeira, devido a um excesso de
procura, como da sua combustibilidade. O mesmo se passou em França, como referido em 2.1.2.
A partir de meados do século XIX, com o início da produção industrializada de materiais de construção, económi-
cos e com qualidade, a construção em terra foi desaparecendo, cingindo-se a nichos específicos da Sociedade
(regiões rurais e agrícolas, assentes em modelos de autoconstrução).
Esta tendência foi brevemente contrariada durante e após o período das duas guerras mundiais, devido à escas-
sez de materiais de construção existentes, às restrições económicas e a necessidade de construir e de recons-
truir uma grande quantidade de habitações para as populações deslocadas. Na Alemanha, a legislação específica
sobre construção em terra que tinha sido produzida para a situação de emergência após a segunda guerra mun-
dial, foi incorporada nas normas alemãs de construção (DIN 18951) em 1951, tendo sido largada após o retomo
da economia em 1971 (Houben e Guillaud, 2006) e reactivada e actualizada apenas em 1999, no rescaldo da
crise petrolífera dos anos oitenta e do retorno consequente à construção em terra (Rauch, 2003).
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
23
Em casos como o do Peru, a propensão normativa deve-se em grande parte ao elevado risco sísmico presente
naquela região, que afecta profundamente o património edificado, assente largamente em construções de terra.
No Peru, as casas construídas em terra representam 40% do número total das habitações. A investigação levada
a cabo sobre a conservação do património e dos métodos de reforço das construções em terra tornou-se um
contributo importante para o processo de criação e actualização dos critérios de desenho anti-sísmico nos regu-
lamentos peruanos de edificações em adobe (Blondet et al., 2011a).
Os regulamentos vigentes mais antigos datam da década de setenta (caso de parte das normas peruanas), con-
centrando-se o grosso da produção normativa nas décadas de oitenta, mas sobretudo na de noventa. Devido ao
progressivo interesse na construção em terra, constata-se uma crescente produção normativa e de revisão de
normas vigentes já durante o século XXI.
Recentemente, tem-se desenvolvido um trabalho de síntese do panorama da legislação actual sobre a constru-
ção em terra, lançando novas linhas de desenvolvimento de legislação e princípios de síntese dos critérios vigen-
tes, com vista à implementação de novas normas e documentos normativos internacionalmente. Entre estes
estudos vale a pena citar os trabalhos recentes de Cid et al. (2011), e Schroeder (2012), que dão uma perspectiva
global do actual panorama legal das construções em terra e suas linhas de desenvolvimento. Várias publicações
fazem também enquadramentos do estado da arte da legislação existente à época, sendo particularmente rele-
vante a de Houben e Guillaud (2006), pese o facto de basear-se numa época já muito pouco actual (primeira
edição data de 1989, não tendo sido particularmente actualizada desde então).
Desta análise sobressai a conclusão de que a legislação, a nível mundial, ainda não é suficientemente conclusiva.
Não toma em consideração o factor sustentabilidade, é parca, não comparável entre si e os critérios utilizados
não são os mesmos, apesar de se percepcionar uma crescente produção legislativa nos anos mais recentes, sin-
tomática do aumento do interesse face à construção em terra (Schroeder, 2012).
A construção em terra está geralmente associada a técnicas de construção tradicionais, não industrializadas e
tecnicamente pouco reconhecidas. Consequentemente, apenas existem normas construtivas em terra em pou-
cos países (Quadro 2.6). Numa análise global sobre o desenvolvimento normativo afecto à construção em terra,
Schroeder (2012) identifica 33 normas e documentos normativos em 19 diferentes países, que organiza em três
tipos de classificação distintos:
- classificação do solo (granulometria, plasticidade, constituintes naturais, retracção linear);
- materiais de construção em terra (resistência e deformação);
- sistemas de construção em terra (resistência, deformação, aspecto, desempenho ao som e ao fogo, caracterís-
ticas térmicas, resistência sísmica).
A informação técnica disponível nas várias normas ou documentos normativos analisados varia consideravel-
mente. Os critérios adoptados não são uniformes, assim como a terminologia e a informação técnica utilizadas
(Schroeder, 2012).
CONTEXTUALIZAÇÃO DA CONSTRUÇÃO EM TERRA
24
Quadro 2.6 – Panorama internacional de normas e documentos normativos (adaptado de Schroeder, 2012 e Cid et al, 2011)
n.º País / Região Documento Tipo Estabilização Material/técnica de construção
1-14 África (14) ARS 670-683 (1996) N
BT, ABT
15 Alemanha Lehmbau Regeln (2009) N
TEP, BL, BT, AT, PT, ABT, TCPE
16 Alemanha RL 0803 (2004) DN
RT
17 Alemanha TM 01 (2008) DN
RT
18 Alemanha TM 02 (2011) D
BT
19 Alemanha TM 03 (2011) D
AT
20 Alemanha TM 04 (2011) D
RT
21 Alemanha TM 05 (2011) DN 22 Austrália CSIRO Bulletin 5, 4th ed. (1995) DN
BT, BTCE, AT, ABT
23 Austrália EBAA (2004) DN
BT, AT, ABT
24-35 Brasil (12) NBR 8491-2, 10832-6, 12023-5, 13554-5 (1984-96) N x BTCE
36 Brasil NBR 13553 (1996) N x TPEC
37 Colômbia NTC 5324 (2004) N x BTCE
38 EUA UBC, sec. 2514, 2515 (1985-97) CC
BT
39 EUA 14.7.4 NMAC (2006) CC
BT, AT
40 EUA ASTM E2392/E2392M (2010) N
BT, AT
41 Espanha MOPT Tapial (1992) DN
TP
42 Espanha UNE 41410 (2008) N
BTC
43 França AFNOR XP.P13-901 (2001) N
BT
44 Índia IS: 2110 (1998) N x TP
45 Índia IS: 13827 (1998) N x BT, TP, ABT
46 Índia IS: 1725 (2011) D
BTCE
47 Itália Ley n.º 378 (2004) - conservação de património L
BT, BTC, TP
48 Itália L.R. 2/06 2 (2006) - conservação de património L
BT, BTC, TP
49 Nigéria NIS 369 (1997) N
BTCE
50 Nigéria NBC 10.23 (2006) DN x BT
51-53 Nova Zelândia (3) NZS 4297-9 (1998/1999) N
BT, BTC, TP, RT, ABT
54 Peru NTE E.080 (2000) N
BT, ABT
55-57 Peru (3) NTP 331.201-203 (1979) N x BT, ABT
58 Quénia KS02-1070 (1999) N x BTCE
59 Quirguistão PCH-2-87 (1988) N
TP
60-62 Sri Lanka SLS 1382 1-3 (2009) N x BTCE
63 Suíça Regeln zum Bauen mit Lehm (1994) DN
BT, AT, ABT, TP, TCPE
64-65 Tunísia NT 21.33, 21.35 (1998) N
BTC
66-68 Turquia TS 537, 2514, 2515 (1985-97) N x BT
69 Zimbabué SAZS 724 (2001) N TP
CC - código construtivo AT - argamassa de terra
RT - reboco de terra
D - draft de norma BL - barro leve
TCPE - terra como preenchimento de estruturas
DN - documento normativo BT - bloco de terra
TEP - terra empilhada
L - lei
BTC - blocos de terra comprimida
TP - taipa
N - norma BTCE - blocos de terra comprimida estabilizada TPEC - taipa estabilizada com cimento ABT - alvenaria de blocos de terra PT - painel de terra
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
25
Tal como referem Blondet et al. (2008), é importante ter em consideração que as normativas se destinam a pro-
fissionais e que a maioria das pessoas que vive em construções de terra tipicamente esteve envolvida na sua
construção e não utiliza estes códigos construtivos.
Vários dos documentos analisados não são normas, mas antes documentos normativos, isto é, documentos que
providenciam regras, linhas orientadoras e especificações, mas que não chegam a ser adoptados como normas
pelas instituições locais ou regionais reconhecidas, não representando um documento consensual entre especia-
listas. São, por exemplo, os casos dos documentos normativos australianos.
A variada terminologia usada para descrever os materiais e os sistemas construtivos em terra, nos vários docu-
mentos analisados por Scroeder (2012), reflecte os diferentes níveis de desenvolvimento tecnológico nas dife-
rentes partes do mundo. As definições utilizadas derivam frequentemente de tradições construtivas locais, não
sendo adequadas enquanto terminologia técnica contemporânea (Schroeder, 2012).
Já Cid et al. (2011), num artigo que estuda o panorama normativo internacional sobre a construção em terra,
analisam 55 normas e regulamentos de 14 países, 1 região e 1 estado. Na maior parte dos casos analisados, as
normas referem-se apenas a uma técnica construtiva em terra (79%), alargando-se em alguns casos a duas. Mui-
to raramente abordam simultaneamente as três técnicas construtivas identificadas (adobe, taipa e BTC). Das
normas analisadas destacam-se as normas referentes aos BTC, especialmente no que respeita as especificações
dos blocos – sua geometria, dimensões, aspecto e características físico-químicas – e conclui-se que é necessário
homogeneizar os ensaios aplicáveis às construções em terra, para se poder realizar uma adequada análise com-
parativa entre as diferentes normas.
Esta conclusão encontra-se, de alguma forma, em linha com Schroeder (2012) na defesa da necessidade de criar
uma terminologia normalizada e internacionalmente aceite para materiais e sistemas de construção em terra.
Como muitos códigos técnicos gerais de construção permitem o cumprimento de princípios construtivos, mas
sem a necessidade de os vincular a determinadas soluções técnicas, sistemas ou materiais construtivos, obrigam
a conhecer o comportamento específico dos materiais e técnicas utilizadas. Caso contrário, não se torna fácil
justificar o cumprimento dos requisitos definidos nos códigos. Desta forma, torna-se difícil para os materiais e
técnicas de construção em terra cumprirem estes requisitos, dada a divergência de critérios de análise vigentes
(Bestraten et al., 2011), o que reforça a conclusão de Cid et al. (2011).
Da análise efectuada, sobressaem duas novas linhas de desenvolvimentos para a produção de normas e documentos
normativos para a construção em terra a nível internacional: o enquadramento ecológico das novas normas produzi-
das para os materiais e técnicas de construção e os novos métodos de produção dos materiais de terra.
A nova geração de normas construtivas que está a ser desenvolvida enquadra o princípio de desenvolvimento
sustentável ao considerar, na sua análise, o ciclo de vida completo de um produto de construção. Os padrões
tradicionais de avaliação das propriedades dos materiais, sistemas de construção, durabilidade e economia,
serão majorados por novos parâmetros que indiquem a pegada ecológica de um dado material ou sistema cons-
trutivos, assim potenciando o uso de materiais que tenham um menor impacte ambiental (Schroeder, 2012).
CONTEXTUALIZAÇÃO DA CONSTRUÇÃO EM TERRA
26
Dadas as suas características, a terra possui um potencial elevado para competir nestes novos pressupostos.
Contudo, necessita de estar enquadrada como material tecnicamente referenciado e, portanto, sujeito a crité-
rios de análise comparáveis. É assim essencial proceder à homogeneização dos critérios de avaliação e à termi-
nologia utilizada na construção em terra.
Isto leva à segunda linha de desenvolvimento, a convergência para parâmetros industriais de produção de mate-
riais em terra. No panorama dos materiais correntes de construção, a sujeição a critérios normalizados de controlo
de qualidade de produção é uma prática adoptada. Veja-se o caso europeu, em que todas as normas construtivas
nacionais serão substituídas, no futuro, por normas europeias, que garantam a livre circulação e utilização de pro-
dutos dentro do mercado europeu (Schroeder, 2012). A perspectiva do enquadramento dos materiais feitos à base
de terra no panorama dos materiais de construção corrente nas sociedades desenvolvidas forçará a convergência
para estes mesmos critérios, assumindo uma produção industrial dos mesmos.
Vale, contudo, a pena referir que 12 dos 33 documentos analisados por Schroeder (2012) têm menos de 5 anos,
o que demonstra a crescente aceitação da terra enquanto material construtivo contemporâneo e corrente. Tal
como Cid et al. (2011) referem, foram recentemente lançadas novas normas sobre construção em terra na
Colômbia (2005) e em Espanha (2008), estão em estudo normas no Chile, Equador, México e Nicarágua. No Peru
e em França, está-se a proceder à revisão das normas existentes e a Alemanha lançou um conjunto de documen-
tos normativos sobre blocos, argamassas e rebocos de terra, antecipando a adopção em estudo dos mesmos
documentos enquanto normas (DIN).
Apesar de nos últimos trinta anos se constatar um aumento progressivo de produção de normas construtivas em
terra, a legislação existente ainda é muito parca quando comparada com outros materiais de construção. Não
existe uma terminologia internacional normalizada para materiais e sistemas de construção em terra, os ensaios
aplicáveis não estão homogeneizados e os métodos de produção não estão internacionalmente parametrizados.
Sendo esse um dos pré-requisitos para o desenvolvimento de documentos normativos transversais entre países,
a legislação existente é dificilmente comparável, o que dificulta a instituição da construção em terra enquanto
sistema construtivo corrente, ao lado dos outros materiais e técnicas de construção convencionais.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
27
3) A TERRA – PRINCÍPIOS ELEMENTARES
3.1) MATERIAL – TERRA
3.1.1) DEFINIÇÃO E PROPRIEDADES FUNDAMENTAIS
O termo, genericamente utilizado nesta dissertação, de terra, ou solo, refere-se a todo o material da crosta ter-
restre constituído por elementos minerais e orgânicos, proveniente da decomposição das rochas e sua transfor-
mação por influência de processos físicos, químicos e biológicos, ligados às condições bioclimáticas locais e à
decomposição da matéria orgânica presente (Houben e Guillaud, 2006; Neves et al., 2010).
A matéria orgânica e a matéria mineral constituem a fracção sólida de um solo. A primeira está presente nas
camadas superficiais de um terreno, tipicamente até a uma profundidade não superior a 40 cm, e contém ele-
mentos vegetais, animais, dejectos de animais, matéria orgânica em decomposição e húmus (Houben e Guillaud,
2006). Genericamente, a matéria orgânica não é desejável do ponto de vista da construção civil, devendo ser
excluída da mistura a utilizar (Minke, 2012).
A matéria mineral perfaz a maior percentagem do solo e contém minerais inalterados (silte, areia, gravilha e seixo)
e minerais alterados (argilas) (Houben e Guillaud, 2006). Os minerais inalterados têm uma constituição idêntica à
da rocha mãe de onde tiveram origem, funcionando como inertes, enquanto os minerais alterados resultam de
uma alteração química da rocha mãe e funcionam como ligantes numa mistura de terra (Minke, 2012). Do ponto de
vista da sua dimensão (granulometria), a matéria mineral subdivide-se de acordo com o Quadro 3.1.
Quadro 3.1 – Dimensão dos minerais constituintes do solo (mm) (Houben e Guillaud, 2006).
ARGILAS SILTE AREIA GRAVILHA SEIXO
Fino médio grosso Fina média grossa
0,002 0,02 0,06 0,2 2 20 200
3.1.2) ANÁLISE DO SOLO
A utilização da terra pressupõe a análise das suas características, para aferir a adequabilidade da terra para a
construção e o tipo de técnica construtiva a que melhor se adequa. Para realizar esta aferição, devem ser efec-
tuados testes preliminares ao tipo de terra existente. Os testes preliminares podem ser de laboratório ou empí-
ricos (testes de campo). Os primeiros são preferíveis e mais fiáveis, enquanto os segundos permitem fazer um
primeiro despiste do tipo de terra disponível.
Do ponto de vista da construção civil, a caracterização da terra está dependente, sobretudo, do conhecimento
de quatro propriedades fundamentais: granulometria, plasticidade, compressibilidade e coesão (Houben e Guil-
laud, 2006).
A granulometria determina a natureza e quantidade de agregados, a plasticidade determina a capacidade de a
terra ser moldada, a compressibilidade define a capacidade de densificação e redução da porosidade e a coesão
A TERRA – PRINCÍPIOS ELEMENTARES
28
caracteriza a propriedade de adesão dos agregados entre si (Houben e Guillaud, 2006).
a) Composição granulométrica
A composição granulométrica, ou textura da terra, define a dimensão dos grãos (matéria mineral) constituintes
da amostra, classificando-os entre os valores definidos no Quadro 3.1 (Fig. 3.1).
Para aferir a composição granulométrica de determinado solo, pode-se recorrer aos seguintes testes combinados:
1. Teste de peneiramento – determina a quantidade percentual das partículas que passam ou são retidas
em peneiros de abertura normalizadas, sendo adequada para a medição de partículas maiores, do tipo
seixo, gravilha e areia (Neves et al., 2010);
2. Teste de sedimentação – mede a velocidade de decantação das partículas de solo dispersas em água,
em função da variação da densidade da solução, calculando-se as suas proporções na amostra; ade-
qua-se à medição das partículas mais finas, como silte e argilas (Neves et al., 2010).
Fig. 3.1 - Exemplo da distribuição granulométrica de uma amostra de terra (Minke, 2012)
Algumas normas, como é o caso da norma alemã DIN 18123, especificam o procedimento exacto para executar
qualquer um destes testes (Minke, 2012).
b) Plasticidade
A terra tem quatro estados de consistência, consoante a quantidade de água que contém: líquida, plástica, semi-
sólida e sólida, conforme representado no Quadro 3.2., determinados através da medição dos limites de Atter-
berg (Minke, 2012).
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
29
Quadro 3.2 – Estado do solo consoante o seu teor de humidade (Neves et al, 2010)
- TEOR DE HUMIDADE +
SÓLIDO SEM RETRACÇÃO SÓLIDO COM RETRACÇÃO PLÁSTICO LÍQUIDO
IP
LR LP LL
O índice de plasticidade (IP) – que define o espectro entre o qual a terra tem um comportamento plástico - é determi-
nado em função do grau de humidade presente na sua constituição, estando delimitado pelos limites de plasticidade e
liquidez, que são tipicamente dependentes da quantidade de argila presente na amostra (Neves et al., 2010).
A plasticidade do solo e os limites de consistência são determinados através dos ensaios do limite de liquidez (LL
- determinado pelo ensaio de Casagrande) e do limite de plasticidade (LP - determinado pelo teste de limite de
plasticidade) (Minke, 2012).
O índice de plasticidade é calculado pela expressão:
IP = LL – LP
A classificação dos solos em função do índice de plasticidade é indicada no Quadro 3.3.
Quadro 3.3 – Classificação dos solos em função do índice de plasticidade (Minke, 2012)
TIPO DE SOLO LL (%) LP (%) IP = LL - LP
Arenoso 10 - 23 5 – 23 <5
Siltoso 15 - 35 10 – 25 5 - 15
Argiloso 28 - 150 20 - 50 15 - 95
c) Compressibilidade
A compressibilidade define o grau de compactabilidade de um solo. Através do ensaio de Proctor, determina-se a
humidade óptima de compactação de determinada amostra e, consequentemente, a sua massa específica aparente.
Ambas estão directamente relacionadas com a sua resistência e grau de porosidade, o que vai determinar a sua dura-
bilidade – quanto mais compactável, menos porosa e mais resistente será a terra (Neves et al., 2010).
d) Coesão
A coesão de uma terra exprime a capacidade de as suas partículas se manterem unidas face à acção de uma
força de tracção. Ela é expressa através do ensaio de tracção em estado húmido e permite classificar a terra
consoante o seu grau de coesão de acordo com o Quadro 3.4 (Houben e Guillaud, 2006).
A TERRA – PRINCÍPIOS ELEMENTARES
30
Quadro 3.4 – Classificação da terra consoante o seu grau de coesão (Houben e Guillaud, 2006)
TIPO DE TERRA COESÃO RESISTÊNCIA À TRACÇÃO (m bar)
Arenosa (muito magra) Muito baixa 40 - 60
Magra Baixa 60 - 110
Média Média 110 - 200
Gorda Forte 200 - 360
Argilosa (muito gorda) Alta 360 - 900
e) Testes de campo
Os testes preliminares empíricos são realizados in situ, preferencialmente por um profissional experiente na
análise e prática da construção em terra. Todos os testes devem ser executados num conjunto representativo de
amostras, de forma a reduzir a probabilidade de erro. Servem para aferir a composição da terra e a sua adequa-
bilidade para aplicações específicas, podendo considerar-se os seguintes testes para aferir as diferentes caracte-
rísticas seguidamente enumeradas:
1. Exame visual – para determinar a quantidade de grossos e finos constituintes da amostra, assim como a
presença de matéria orgânica (Houben e Guilaud, 2006; Neves et al., 2010);
2. Teste do odor – permite identificar a presença de matéria orgânica. Se apenas contiver matéria mine-
ral, a terra não tem odor. Contudo, se tiver presença de húmus ou matéria orgânica, ganha um cheiro
bolorento (Houben e Guilaud, 2006; Minke, 2012);
3. Teste de mordedura – permite determinar o tipo de terra, nomeadamente se tende mais para uma ter-
ra argilosa, siltosa ou arenosa. Um solo arenoso produz uma sensação desagradável, em oposição a um
solo siltoso. Um solo argiloso, por sua vez, produz uma sensação pegajosa e enfarinhada (Houben e Gui-
laud, 2006; Minke, 2012);
4. Teste de lavagem – permite determinar o tipo de terra, nomeadamente se tende mais para uma terra
argilosa, siltosa ou arenosa. Esfrega-se uma amostra de terra húmida entre as mãos. Caso os grãos
sejam distintamente distinguíveis, trata-se de um solo arenoso, ou com presença de gravilha ou seixo.
Se a amostra for pegajosa, mas se as mãos poderem ser limpas quando secas, trata-se de um solo silto-
so. Se a amostra for pegajosa e necessitar de água para ser limpa uma vez seca, trata-se de um solo
argiloso (Minke, 2012);
5. Teste do corte – permite distinguir um solo argiloso de um solo siltoso. Executa-se uma esfera com ter-
ra húmida que é posteriormente cortada com uma faca. Caso a superfície cortada fique brilhante, trata-
se de um solo argiloso. Se, pelo contrário, ficar baça, trata-se de um solo siltoso (Houben e Guilaud,
2006; Minke, 2012);
6. Teste de queda de bola – permite determinar o tipo de terra, nomeadamente se tende mais para uma
terra argilosa ou arenosa. Executa-se uma bola de 4 cm de diâmetro com uma amostra de terra húmida.
A bola é largada de uma altura de 1,5 m contra uma superfície plana (Figura 3.2). Se a bola achatar, mas
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
31
não apresentar nenhuma fenda (Figura 3.2, imagem da esquerda), contém uma quantidade excessiva
de argila, devendo ser misturada com areia. Se a amostra se desfizer completamente (Figura 3.2, ima-
gem da direita), a sua coesão é insuficiente e não pode ser utilizada como material de construção. As
duas opções intermédias são as mais indicadas para a construção em terra, consoante a técnica cons-
trutiva seleccionada (Neves et al., 2010; Minke, 2012);
Fig. 3.2 – Teste de queda de bola (Minke, 2012)
7. Teste de consistência – permite fazer uma análise da coesão e plasticidade da terra. Faz-se uma bola com
uma amostra de terra húmida com 2 a 3 cm de diâmetro. A bola é então enrolada como um cordão até
que atinja 3 mm de diâmetro, adicionando-se água até que tal seja possível. A mistura é de novo enrolada
em formato de bola. Caso não seja exequível, a quantidade de areia presente na amostra é excessiva e a
quantidade de argila insuficiente. Se a bola apenas poder ser desfeita entre o dedo indicador e o polegar
exercendo-se muita força, então a quantidade de argila é excessiva. Caso a bola se desfaça com muita faci-
lidade, então a quantidade de argila é insuficiente (Neves et al., 2010; Minke, 2012);
8. Teste de coesão – permite fazer uma análise da coesão e plasticidade da terra. Tradicionalmente, este
teste era executado à mão, mas um estudo desenvolvido por Minke (2012) conclui que possui uma ele-
vada margem de erro, devido às assimetrias da forma. Assim, desenvolveu uma variante com recurso a
um molde em madeira que permite a execução de um perfil homogéneo de terra com 20 mm de largu-
ra e 6 mm de espessura. A amostra de terra humidificada e amassada é comprimida contra este molde
e alisada com um elemento cilíndrico (por exemplo, uma garrafa de vidro). Depois, no próprio molde, o
perfil é pendurado progressivamente sobre uma aresta boleada com 1 cm de raio, até atingir o ponto
de rotura (Fig. 3.3). Caso o segmento suspenso tiver um comprimento superior a 20 cm, possui elevada
plasticidade, sendo a percentagem de argila presente na terra excessiva. Se tiver entre 5 e 10 cm trata-
se de uma terra argilo-siltosa, arenosa ou areno-argilosa, com uma plasticidade mediana. Se não se
conseguir moldar a fita, a terra apresenta bastante silte ou areia e pouca argila, tendo pouca plasticida-
de (Neves et al., 2010);
9. Teste de retracção linear – permite medir a retracção linear do solo e, indirectamente, a sua retracção
volumétrica, sendo particularmente adequado para as técnicas de construção de paredes monolíticas
estabilizadas com cimento e de BTC. O procedimento exacto para executar este teste está descrito na
A TERRA – PRINCÍPIOS ELEMENTARES
32
norma alemã DIN 18952. De forma sucinta, um conjunto de amostras húmidas homogeneizadas (Minke
(2012) indica três), são amassadas e pressionadas contra um conjunto de moldes de madeira com dimen-
sões que variam consoante o autor – 22x4x2,5 cm (CxLxA) de acordo com Minke (2012) e 60x8,5x3,5 cm
(CxLxA) consoante Neves et al. (2010), até que o preencham integralmente. As amostras secam durante
um período de tempo que varia consoante os autores – três dias numa sala e depois aquecidas num forno
a 60 oC até que a retracção cesse, segundo Minke (2012), ou durante sete dias num local protegido da
acção do sol e da chuva, segundo Neves et al. (2010). A retracção linear é depois medida e comparada
entre as três amostras, não devendo apresentar diferenças de mais de 2 mm entre elas (Minke, 2012).
Segundo Neves et al. (2010), a retracção da amostra não deve exceder 20 mm.
Fig. 3.3 a) e b) – Teste de coesão (Minke, 2012)
3.1.3) SELECÇÃO DA TERRA – CONDIÇÕES GERAIS
A selecção e o processamento da terra escolhidos têm uma elevada influência no custo e no impacte ambiental
de uma construção em terra, assim como na qualidade dos seus elementos construídos (Easton e Easton, 2012).
A opção por um método de processamento tradicional ou moderno faz-se na articulação destes factores.
Idealmente, o solo disponível no local da construção, ou na sua proximidade, é adequado para a construção,
necessitando apenas de alguma correcção ou estabilização. Dadas as características intrínsecas da construção
em terra crua, a definição do tipo de construção a utilizar não necessariamente precede a análise da terra dispo-
nível. Esta selecção deve partir da análise do solo, consoante uma amostragem determinada de antemão. Con-
forme os resultados, dever-se-á concluir para que tipo de construção a terra disponível é mais adequada e,
então, avançar para a escolha da técnica construtiva a utilizar (Minke, 2012).
O solo disponível no local da construção pode não ser adequado do ponto de vista construtivo, sendo necessário
recorrer a um solo seleccionado de um outro local. O custo de processar e corrigir um solo local não é necessa-
riamente inferior ao custo de utilização de um solo importado, já adequado ao tipo de construção e comporta-
mento pretendidos (Easton e Easton, 2012). Deve analisar-se os custos/benefícios de ambas as opções, o que
reforça a necessidade de conduzir testes eficazes ao tipo de terra disponível. Uma opção intermédia pode passar
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
33
pela utilização de um solo local, corrigido com uma percentagem de solo importado. Adquirir a terra já seleccio-
nada pode ser caro, mas a sua inclusão pode melhorar as características intrínsecas do material e reduzir a
necessidade de estabilização (Easton e Easton, 2012).
Num contexto tradicional, em que uma população local está particularmente habituada a uma determinada
técnica construtiva, o princípio de condicionar a selecção da técnica construtiva às características da terra exis-
tente dificilmente é aplicável. Nesse caso, deverá optar-se pela correcção das características da terra através da
sua estabilização, de forma a adequá-la ao tipo de construção pretendido (Neves et al., 2010).
Sobre o tipo de terra adequado para cada técnica construtiva, deverá consultar-se o subcapítulo 4.2.
3.1.4) EXTRACÇÃO, TRANSPORTE E ARMAZENAMENTO
No caso da construção civil, a terra adequada para a construção geralmente encontra-se no subsolo, também
denominado de horizonte B (Neves et al., 2010).
As técnicas disponíveis para a extracção e para o transporte são várias, desde inteiramente manuais até totalmente
mecanizadas. Cada uma adequa-se à consistência em que se encontra a terra e à velocidade desejada para a sua
execução, tomando também em consideração o aumento do consumo energético e do impacte ambiental produzi-
do pelos meios mecânicos (Houben e Guillaud, 2006), assim como do custo da construção (Easton e Easton, 2012).
O contentor para o transporte tem que estar limpo e a terra deve estar isenta de matéria orgânica (Neves et al., 2010;
Minke, 2012), devendo optar-se pela criação de uma linha de produção entre as zonas de extracção e de armazena-
mento, para optimizar o processo construtivo e o funcionamento logístico da obra (Houben, Guillaud, 2006).
A terra a utilizar deverá ser mantida num local protegido e arejado (Houben e Guillaud, 2006), sendo que, em
regiões chuvosas, é conveniente prever um abrigo para armazenar a terra (Neves et al., 2010; Easton e Easton,
2012). O seu armazenamento deve ser feito na proximidade da construção, garantindo a sua acessibilidade, mas
fora do circuito de outros materiais construtivos, de forma a preservar a mistura (Easton e Easton, 2012).
3.1.5) PREPARAÇÃO DA TERRA
O futuro da construção em terra obriga a um progressivo controlo da qualidade e consistência dos materiais. À
data, este controlo assenta na especificação técnica, que determina i) a proporção dos materiais utilizados e ii) a
resistência do produto final (Easton e Easton, 2012).
Ambos obrigam a um controlo apertado da preparação da terra, de forma a garantir:
a) Uma proporção constante ao longo de toda a obra;
b) A homogeneidade da mistura.
A proporção assenta num simples rácio volumétrico (por exemplo, de terra/cimento). O recurso a diferentes
instrumentos de execução pode implicar variações nas proporções volumétricas utilizadas. A dosagem deve ser
A TERRA – PRINCÍPIOS ELEMENTARES
34
feita com base em critérios de medição permanentes ao longo de toda a obra, para garantir essa proporcionali-
dade constante (Neves et al., 2010).
A terra tem que passar por um processo de triagem, moagem e peneiramento, antes de poder ser misturada,
para separar os elementos indesejáveis (matéria vegetal, pedras de grandes dimensões, etc.), reduzir os grumos
de argila e garantir a sua homogeneidade (Houben e Guillaud, 2006; Minke, 2012).
Do ponto de vista da sua mistura, Easton e Easton (2012), referem que existem dois tipos principais de técnicas
de misturação existentes: i) mistura no solo e ii) mistura mecanizada.
A mistura no solo é a técnica tradicional e mais usada. Uma vez disposta a terra, os agregados e o estabilizante
(nas proporções pretendidas) numa superfície plana e rígida, os materiais são incorporados uns nos outros no
seu estado seco. Assim que estiverem bem misturados, ser-lhes-á incorporada água até atingirem a humidade
pretendida, que deverá ter sido previamente identificada (ver Subcapítulo 3.1.2). O processo de mistura pode
ser feito de quatro maneiras distintas (do mais económico para o mais caro) (Easton e Easton, 2012):
a) À mão, com recurso a pás e ancinhos;
b) Com um arado manual, combinado com o uso de pás;
c) Com uma pá/balde de tractor;
d) Com um arado incorporado num tractor, em combinação com a sua pá.
O recurso a um arado no processo de mistura pode melhorar significativamente a homogeneidade do material,
sobretudo quando existam grumos, que não são admissíveis numa mistura de terra para construção (Minke, 2012).
A aplicação da mistura na construção deve ser feita tão depressa quanto possível, em particular se incorporar
estabilizantes como o cimento. Deve-se ter particular cuidado em condições atmosféricas especialmente quen-
tes ou ventosas, devido à aceleração do processo de cura (Easton e Easton, 2012).
A mistura mecanizada garante um maior controlo da consistência da mistura e responde melhor ao progressivo
controlo de qualidade a que a construção em terra começa a ser sujeita. O solo seco e os agregados são deposita-
dos em contentores individuais e incorporados a um ritmo determinado numa misturadora mecânica. Caso se
utilize um estabilizante, será igualmente adicionado à mistura ainda seca. Assim que os materiais estiverem reuni-
dos, a misturadora incorpora-os e direcciona-os para a boca da máquina. A meio do processo, é adicionada água à
mistura seca. O processo pode ser ajustado de forma a garantir todas as proporções desejadas e a disponibilizar a
mistura à velocidade pretendida para a sua aplicação (Easton e Easton, 2012; Reddy, 2012).
O custo do recurso a um processo de mistura mecanizado é, naturalmente, superior ao de um tradicional, pelo
que Easton e Easton (2012) indicam três desafios para o processo de preparação da terra com fins construtivos:
a) Que o investimento nos processos de mistura resulte, efectivamente, numa qualidade superior dos
elementos de terra e numa maior resistência;
b) O método de conformação, assim como as equipas utilizadas, devem acompanhar este desenvolvimen-
to, tanto do ponto de vista da qualidade como de velocidade – caso contrário, o sistema não está a ser
devidamente aproveitado;
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
35
c) Para reduzir o custo do investimento e, consequentemente, o custo do serviço, é necessário que se
efectuem mais obras em terra, para amortizar o investimento e garantir que o aumento no custo de
produção não se torna incomportável para a opção por uma técnica de construção em terra.
Por outro lado, factores como a resistência à compressão da terra são afectados tanto pelo tipo e quantidade de
preparação realizada, como pela proporção de água utilizada (Minke, 2012). Existem três estados de modelação
da terra, dependentes da quantidade de água presente (Schroeder, 2011):
a) Semi-seco – a mistura parece seca e existe pouca coesão entre os agregados. O conteúdo de água é
inferior a 15 % (em torno do Limite Plástico (LP));
b) Plástico – a mistura de terra apresenta-se como uma massa moldável homogénea. O conteúdo de água
enquadra-se no intervalo 15-25 % (em torno do Índice de Plasticidade (IP): IP = LL-LP);
c) Líquido – a mistura de terra apresenta-se como uma pasta homogénea, líquida mas espessa. O conteú-
do de água encontra-se no intervalo 30-40 % (acima do Limite Líquido (LL)).
Minke (2012), citando a investigação desenvolvida no Building Research Institute da Universidade de Kassel e no
Building Technology of the Swiss Federal Institute of Technology de Zurique, refere que a convicção generalizada
de que a compactação de um bloco de terra não estabilizada aumenta a sua resistência à compressão apenas
pode ser verdadeira em alguns casos.
Exemplifica, referindo que a terra, quando apenas ligeiramente humedecida e comprimida num bloco de terra,
geralmente apresenta uma resistência à compressão inferior à de um bloco de terra misturado e moldado com a
quantidade de água suficiente, mas não comprimido (como quando se produz um adobe).
A explicação que Minke (2012) apresenta prende-se com o facto de a estrutura laminar da argila, e a sua atrac-
ção eléctrica, apenas serem activadas com a adição da quantidade suficiente de água e com o movimento. Por
colocar a terra num estado plástico, os minerais de argila ordenam-se numa estrutura mais densa, conseguindo-
se atingir, quando secos, uma maior resistência à compressão e à tracção.
Consequentemente, a preparação correcta da terra é essencial para garantir a optimização do seu comporta-
mento.
3.1.6) SECAGEM E CURA
O processo de cura é essencial para garantir a resistência expectável de um elemento de terra crua, assim como
para garantir a sua durabilidade face à acção de agentes externos.
A secagem rápida, derivada da acção do sol ou do vento, produz um efeito negativo na qualidade do elemento
de terra. O processo de cura tem que ser lento e controlado, garantindo o desenvolvimento progressivo da resis-
tência do elemento de terra à medida que seca (Easton e Easton, 2012), procurando que a humidade se dissipe
lentamente e se reduza o aparecimento de fendas consequentes do processo de retracção da terra (Schroe-
der, 2011; Minke, 2012).
A TERRA – PRINCÍPIOS ELEMENTARES
36
Uma cura eficaz implica a manutenção do elemento de terra num ambiente húmido e protegido. Para tal, deverá
garantir-se a manutenção da cofragem (no caso da taipa) por um período de tempo prolongado, o recobrimento dos
elementos de terra (por exemplo com plásticos) e a pulverização de água ao longo do processo de cura (Eas-
ton e Easton, 2012; Minke, 2012; Reddy, 2012). No Inverno, em climas frios, as condições naturais de secagem são
difíceis de atingir, devendo-se proteger os elementos de terra contra o congelamento (Schroeder, 2011). Generica-
mente, dever-se-á evitar a execução nos períodos extremos (muito quentes ou muito frios) (Houben e Guillaud, 2006).
A resistência do elemento apenas se aproximará do valor máximo a partir de 28 dias. As condições para uma apro-
priada cura têm que ser mantidas ao longo desse período, de forma a garantir a obtenção da resistência expectável
(Reddy, 2012) e assim assegurar uma maior durabilidade do elemento construtivo (Easton e Easton, 2012).
Estes dados são complementados por Schroeder (2011), num estudo desenvolvido sobre a transferência de humidade
e alteração de resistência durante a construção de edifícios em terra comprimida (ver Subcapítulo 3.2.2). Neste, refere
a influência que o período de secagem tem face à aferição dos valores de resistência à compressão simples, consoante
o nível de humidade das amostras. Caso a compactação dos elementos de terra seja feita com uma humidade supe-
rior à humidade óptima de compactação, a sua resistência à compressão simples só se aproxima dos valores finais ao
fim de 90 dias, atingindo apenas 30 a 50 % da sua resistência à compressão ao fim de 28 dias.
O processo de secagem nas paredes de terra maciça é bastante lento. Apesar de a sua superfície secar relativa-
mente depressa, o seu núcleo demora consideravelmente mais tempo, o que reforça a importância do processo
de cura, quer seja para a redução das potenciais fendas por retracção, quer para garantir a resistência final
expectável de um elemento de terra crua.
3.1.7) ENSAIOS DE ANÁLISE DA RESISTÊNCIA E COMPORTAMENTO DAS CONSTRUÇÕES EM TERRA
Uma vez seleccionada a técnica construtiva, deverá proceder-se à análise do comportamento dos seus elemen-
tos construtivos através da realização de protótipos. Estes testes devem ser conduzidos antes de se arrancar
com a obra, garantindo o cumprimento dos requisitos definidos em projecto, assim como ao longo do processo
de construção, para que a qualidade pretendida se mantenha constante.
Do ponto de vista construtivo, os elementos de construção em terra podem ser testados com vista à análise da
sua i) resistência e do seu comportamento face à ii) acção da água e iii) acção do calor (Minke, 2012).
3.1.7.1) RESISTÊNCIA
Do ponto de vista da sua resistência, a análise mais relevante é a da sua resistência à compressão. A terra utilizada
em construção tem, normalmente, uma resistência à compressão entre 20 e 50 kg/cm2 (aproximadamente 2 a
5 MPa), valores que podem ser aumentados caso se opte por estabilizar a terra (Minke, 2012). Burroughs (2001)
refere igualmente que solos com uma resistência à compressão inferior a 2 MPa não são adequados para fins cons-
trutivos, sendo que o seu elevado peso próprio representa a maioria das cargas a que uma parede de terra está
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
37
sujeita. Conforme referido em 3.1.6, a definição da resistência à compressão deve ser feita ao fim de 90 dias, uma
vez que o processo de secagem nas paredes de terra maciça é bastante lento, sobretudo se a conformação for feita
com uma humidade superior à humidade óptima de compactação (Schroeder, 2011).
Fig. 3.4 – Teste de coesão para arga-
massas de terra (Minke, 2012)
Fig. 3.5 – Teste de resistência ao
impacto em arestas de blocos de terra
(Minke, 2012)
Fig. 3.6 – Teste de abrasão (Min-
ke, 2012)
Como referido, as construções em terra não podem estar sob o efeito de tracção, pelo que a análise da sua resis-
tência à tracção não é relevante do ponto de vista construtivo (Minke, 2012). Contudo, a resistência à flexão
pode ser relevante do ponto de vista dos blocos de terra crua, em particular para testar a rigidez das arestas dos
blocos, enquanto a análise da sua coesão é apenas importante para as argamassas de terra (Fig. 3.4). Ambas
estão dependentes da quantidade e qualidade das argilas presentes na mistura, sendo que a sua coesão é
igualmente condicionada pela rugosidade das superfícies dos elementos colados (Minke, 2012).
Igualmente importante é a análise da sua resistência ao impacto, em particular das arestas dos blocos de terra
(Fig. 3.5), que estão mais expostas durante o processo de construção, assim como a sua resistência á abrasão
(Fig. 3.6), do ponto de vista de elementos de terra aparente (Minke, 2012).
3.1.7.2) COMPORTAMENTO FACE À ACÇÃO DA ÁGUA
A durabilidade dos materiais de construção pode ser definida como a sua resistência à deterioração funcional ao
longo do tempo (Heathcote, 2002). No caso das construções de terra, esta está muito associada à acção da água
nas paredes de terra (Morel et al., 2012). Durante o seu ciclo de vida, vários factores podem afectar a sua sus-
tentabilidade, nomeadamente a perda de resistência mecânica devido ao aumento excessivo de presença de
água na parede, a erosão provocada pela acção directa e indirecta da chuva e os efeitos dos ciclos gelo / degelo
(Morel et al., 2012) – que são mais relevantes nos climas frios. Para analisar o comportamento dos materiais em
terra face à acção da água, pode recorrer-se a um conjunto de ensaios.
A TERRA – PRINCÍPIOS ELEMENTARES
38
a) Ensaio de erosão acelerada com jacto de água – procura simular duas condições de erosão pela acção
da chuva: a humidificação (que reduz a coesão da terra pelo seu aumento de saturação) e a erosão cau-
sada pelo impacto cinético (cuja acção é amplificada pela redução de coesão consequente da humidifi-
cação). O ensaio consiste na projecção de água com uma pressão de 50 kPa, sobre um protótipo do
material durante um período de 60 minutos, a uma distância de 470 mm. A superfície de incidência
deverá ser um círculo de 150 mm de diâmetro (Fig. 3.7). No fim do ensaio, a profundidade erodida é
medida, sendo que a máxima erosão permissível para qualquer tipo de terra consiste em 60 mm de pro-
fundidade, ou 1 mm por minuto (Morel et al., 2012).
Fig. 3.7 – Ensaio de erosão acelerada com jacto de água (Walker et al., 2005)
Deve-se notar, contudo, que este ensaio reproduz condições particularmente severas, tipicamente
superiores às condições climáticas normais, podendo ser ajustado a condições climáticas locais. Este
ensaio é válido apenas para materiais de terra estabilizados (Morel et al., 2012).
b) Resistência à água corrente – Minke (2012) refere um ensaio semelhante ao ensaio de erosão acelerada com
jacto de água, que denomina de ensaio de resistência à água corrente, cujo objectivo consiste em simular as
piores chuvas que podem ocorrer na Europa. Neste, um jacto de água com 40 mm de diâmetro é projectado
contra um protótipo posicionado a 45o, com uma pressão de 3,24 m/s. Contudo, não refere qual o desgaste
aceitável para este tipo de ensaio, nem o período aconselhável de duração. A grande vantagem, face ao
ensaio anterior, é que refere uma pressão máxima adequada às condições climáticas europeias.
Uma variação deste teste é apresentada por Ogunye e Boussabaine (2002), para a análise de BTC. Nes-
te, a altura e a inclinação de projecção da água são ajustáveis, assim como a pressão de projecção da
água, de forma a o ensaio poder ser ajustado a diferentes condições climáticas. A base onde são colo-
cados os BTC é drenante, de forma a evitar a acumulação de água na parte inferior do bloco, o que con-
dicionaria os resultados do ensaio. No caso apresentado pelos autores, para reproduzir as condições de
incidência de chuva na Nigéria, adequaram a projecção de água a uma pressão de 0,5 kg/cm2 a uma
altura de 2 m, correspondendo a uma intensidade de 150 mm/h. As amostras sofreram uma exposição
de 120 h, de acordo com a duração média de chuva em países tropicais. O peso do protótipo é pesado
no fim do ensaio, sendo determinada a perda de matéria consequente.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
39
c) Ensaio de gotejamento de água – procura simular a acção da chuva em regiões de precipitação mode-
rada. De acordo com Morel et al. (2012), o ensaio consiste na libertação gota a gota de 100 ml de água
sobre um protótipo inclinado 27o face ao solo, através de um feltro posicionado a 400 mm de altura do
protótipo (Fig. 3.8). Os autores referem o índice de erosão de Frencham (1982), como um possível crité-
rio de categorização dos solos após o ensaio de gotejamento (Quadro 3.5).
Quadro 3.5 – Índice de erosão para o ensaio de gotejamento (Frencham, 1982)
ÍNDICE DE EROSÃO PROFUNDIDADE DE EROSÃO (mm) TIPO DE SOLO
1 0 Não-erosivo
2 0 - 5 Pouco erosivo
3 5 - 10 Erosivo
4 > 10 Muito erosivo
Fig. 3.8 – Ensaio de gotejamento (Heathcote, 2002)
d) Rácio de resistência num protótipo saturado e seco – este ensaio foi desenvolvido para testar BTC e
consiste na análise da resistência à compressão de um protótipo em estado seco e, depois, em estado
saturado. Os valores admissíveis para este ensaio são de 2 MPa no estado seco, 1 MPa no estado satu-
rado e, pelo menos, uma redução não superior a 50% entre o primeiro e o segundo. O ensaio assenta
no pressuposto de que, se o material tiver resistência suficiente no estado saturado, tê-la-á sempre
enquanto material de construção. Contudo, este ensaio é particularmente exigente e, conforme refe-
rem Morel et al. (2012), é dificilmente superável por BTC. De entre os ensaios executados, poucos pro-
tótipos estabilizados com menos do que 4% de cimento conseguiram passar o teste. Por essa razão,
indicam que um possível critério de análise alternativo consiste em considerar a resistência máxima a
que o material estará sujeito como a resistência mínima admissível em estado saturado.
A TERRA – PRINCÍPIOS ELEMENTARES
40
e) Erosão face à acção dos ciclos gelo/degelo – procura simular os ciclos gelo / degelo e o seu impacte
num material de construção em terra. O protótipo é colocado sobre um material absorvente saturado,
dentro de uma câmara frigorífica a -23 oC, durante um período de 24 h. O protótipo é então desconge-
lado num ambiente neutro, a 21 oC durante um período de 23 h, sendo depois escovado. Os ciclos gelo /
degelo são repetidos, até que o protótipo é seco num forno e medido o seu peso, determinando-se a
perda de material, assim como a erosão consequente do ensaio (Morel et al., 2012).
3.1.7.3) COMPORTAMENTO FACE À ACÇÃO DO CALOR
Para garantir um melhor enquadramento à concepção de um edifício em terra, assim como aos regulamentos
térmicos existentes, é importante que os materiais em terra sejam testados para aferir a sua reacção face à
acção do calor. Em ambos os casos, a análise permite promover a devida correcção necessária, tanto do ponto
de vista da concepção do edifício, como do cumprimento das exigências dos regulamentos térmicos em vigor. Os
ensaios utilizados são normalizados e visam aferir um conjunto de características que, no caso dos materiais à
base de terra, não estão parametrizadas a priori, por não se tratar de um material puramente industrial.
Inicialmente, deverá aferir-se qual a condutividade térmica do material de construção, determinando-se o seu
coeficiente de transmissão térmica, de forma a se perceber quais as exigências de isolamento térmico necessá-
rias para o edifício (Minke, 2012). A terra, como referido em 2.2.3, não tem necessariamente uma baixa conduti-
vidade térmica.
Depois, deverá analisar-se qual a sua capacidade térmica, nomeadamente a sua capacidade de armazenamento
e difusão de calor (Minke, 2012). Estes dados são igualmente preponderantes na análise do cumprimento regu-
lamentar térmico de um edifício.
Por fim, deverá perceber-se qual a sua expansão térmica, através da aferição do seu coeficiente de expansão
térmica linear. Este é particularmente importante para os rebocos de terra aplicados sobre suportes mais rígi-
dos, como uma alvenaria de tijolo, pedra ou betão (Minke, 2012). Caso o coeficiente de expansão térmica do
reboco seja muito diferente do suporte, o risco de desagregação aumenta consideravelmente.
3.2) ESTABILIZAÇÃO
A estabilização do solo pode ser definida como a modificação controlada da textura, estrutura e propriedades
mecânicas e físicas de um solo (Hall et al., 2012b).
Genericamente, pode ser classificada em três tipos de processos distintos: estabilização i) física, ii) mecânica e iii)
química (Burroughs, 2001; Houben e Guillaud, 2006; Reddy, 2012). A estabilização física refere-se à modificação
da textura (granulometria) da terra, a estabilização mecânica consiste na alteração da sua porosidade, densidade
e compressibilidade e a estabilização química refere-se à alteração das propriedades da terra pelas reacções
físico-químicas consequentes da adição de aditivos.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
41
Aos processos de estabilização estão associadas vantagens e desvantagens, recorrentes das especificidades dos
diferentes métodos utilizados (Hall et al., 2012b):
a) Vantagens – reduz o tempo de construção, uma vez que permite reduzir as espessuras necessárias das
paredes e sua consequente mão-de-obra; melhora significativamente a durabilidade e resistência de
um solo, especialmente quando este é fraco; pode reduzir a necessidade de aplicar acabamentos e tra-
tamentos de superfície;
b) Desvantagens – o custo da construção tipicamente aumenta; os materiais de estabilização podem não
ser acessíveis em muitos dos países em vias de desenvolvimento; complica o processo de construção, o
que pode aumentar o risco de ocorrência de erros; aumenta o potencial de impacte ambiental; e
potencialmente agrava o risco de saúde e segurança da obra.
De acordo com Burroughs (2001), a resistência do solo está, sobretudo, dependente da qualidade do solo, mais
do que do seu estabilizante. As características físicas de um solo são mais importantes para determinar o suces-
so da estabilização, do ponto de vista da resistência final do material, do que a percentagem ou tipo de estabili-
zante utilizado. O mesmo já não se passa quando se quer modificar a sua retracção ou plasticidade. Assim, os
processos de estabilização físicos (distribuição granulométrica) e mecânicos (compactação) têm uma relevância
superior na definição da resistência de um determinado solo, enquanto os processos de estabilização químicos
(adição de aditivos) condicionam sobretudo o nível de retracção e o nível de plasticidade do solo.
Das várias perspectivas analisadas sobre a estabilização da terra, vale a pena referir a abordagem de Minke
(2012). Minke (2012) parte do pressuposto de que apenas é necessário modificar as características de um solo
para aplicações específicas, uma vez que a melhoria de determinadas propriedades por estabilização pode pre-
judicar outras propriedades do solo (Fig. 3.9).
Fig. 3.9 – Influência de vários aditivos em diferentes propriedades de uma mesma amostra de terra arenosa (Minke, 2012)
A TERRA – PRINCÍPIOS ELEMENTARES
42
3.2.1) DISTRIBUIÇÃO GRANULOMÉTRICA
A estabilização da terra por correcção granulométrica é um tipo de estabilização física. Para obter uma maior
resistência de um determinado tipo de terra, é necessário reduzir a proporção de vazios no seu interior e
aumentar o contacto entre os grãos (Houben e Guillaud, 2006; Minke, 2012). Simultaneamente, a distribuição
granulométrica de um solo tem uma grande preponderância na redução da sua retracção (Schroeder, 2011).
Para procurar encontrar uma distribuição granulométrica adequável para a construção em terra, pode-se recor-
rer ao modelo de distribuição granulométrica de Fuller, que também é adequável para os terrenos de fundação
(Houben e Guillaud, 2006; Schroeder, 2011). Neste modelo, os vazios deixados pelos grãos maiores são preen-
chidos pelos grãos mais finos. A fórmula de Fuller consiste em:
P = 100 (d/D)n
Em que:
P – proporção de grão de um determinado diâmetro;
d – o diâmetro dos grãos de um dado valor de P;
D – o diâmetro dos grãos maiores;
n – o coeficiente de gradação.
Para os grãos esféricos, n = 0,5. Contudo, os grãos de terra dificilmente são esféricos, pelo que é usual conside-
rar-se valores de n entre 0,20 e 0,25 (Houben e Guillaud, 2006). Relativamente à dimensão dos grãos maiores
(D), esta deve ser determinada a priori, partindo de um valor máximo admissível que deverá ser garantido
durante o processo de preparação (Schroeder, 2011).
Minke (2011) refere Boemans (1990), que diz que a fórmula de Fuller não se aplica directamente à construção
em terra porque a percentagem de argila admissível é de apenas 2 a 3 % - o que é insuficiente para a construção
em terra. Prefere, portanto, adaptar esta fórmula, partindo de um valor de argila desejável à partida (10%), e
adequando o resto da distribuição granulométrica a esta condicionante. A fórmula resultante é:
P = 100 (d/D)n + 10
A curva de Fuller resultante para uma dimensão de grãos máxima de 4 mm é apresentada na Fig. 3.10.
Outra recomendação genérica é que a proporção de areia + gravilha para argila + silte deve ser 70:30 (Schroe-
der, 2011).
Geralmente, os solos têm ou uma quantidade excessiva de argila, ou um défice de areia. Para adequá-los para a
construção, é necessário corrigir essa proporção, podendo-se recorrer i) à mistura de diferentes tipos de solo, ii)
à diluição do solo por lavagem (nos casos dos solos muito ricos em finos), ou iii) adicionando inertes, como areia
ou gravilha (Fig. 3.11). Cada técnica de construção em terra requer texturas diferentes, pelo que a estabilização
física procura adequar essa distribuição granulométrica às suas exigências específicas (Houben e Guillaud, 2006;
Reddi et al., 2012).
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
43
Fig. 3.10 – Curva de Fuller adaptada para um valor de argila máximo de 10 % e uma dimensão de grãos máxima de 4 mm
(Boemans, 1990)
Fig. 3.11 – Terra antes (1) e depois (2) de corrigida granulometricamente (Schroeder, 2011)
3.2.2) COMPACTAÇÃO
A compactação é o método de estabilização mais generalizado e define-se pelo processo de organização das
partículas de terra num padrão mais denso, através de uma manipulação mecânica, resultando no aumento da
sua densidade seca (Minke, 2012; Reddi et al., 2012). Na prática, consiste na redução dos vazios de ar presentes
no interior da terra, através da acção de um determinado esforço de compressão ou de vibração. No estado
compactado, as variações volumétricas são mínimas e a sua resistência é máxima (Schroeder, 2011), reforçando
a sua capacidade portante e a previsibilidade do seu comportamento.
Os diferentes métodos de compactação podem ser classificados de quatro modos diferentes: compactação dinâmica
(ou de impacto), compactação estática, compactação por amassadura e compactação vibratória (Reddi et al., 2012).
A TERRA – PRINCÍPIOS ELEMENTARES
44
A compactação dinâmica consiste no processo de compactação através do impacto sequencial de uma carga a
partir de determinada altura, ou da passagem de um cilindro compressor, e adequa-se, sobretudo, à técnica de
construção em taipa. Pode ser executada manualmente ou de forma mecanizada. A compactação estática reporta-
se à compressão executada num molde, pela acção de pressão de uma tampa de igual dimensão, sendo tipicamen-
te referida para a técnica de BTC. A compactação por amassadura adequa-se sobretudo à técnica de construção
com terra empilhada e consiste no processo de calcamento manual da terra, com recurso a um objecto de com-
pressão. Nos casos em que se trata de uma terra arenosa, pode-se também recorrer à técnica de compactação
vibratória, em que o solo é compactado por vibração (Reddi et al., 2012). Os vários métodos de compactação espe-
cíficos serão desenvolvidos conjuntamente com as respectivas técnicas construtivas (Subcapítulo 4.2).
À semelhança do referido nos subcapítulos anteriores, o tipo de terra existente e sua distribuição granulométri-
ca, assim como a correcta preparação da mistura, são essenciais para a optimização da compactação. A Fig. 3.12
mostra as curvas de compactação típicas para quatro tipos de solo distintos, compactados com o método dinâ-
mico. Nelas, pode-se perceber que a obtenção de uma densidade seca mais elevada está particularmente
dependente das características do solo existente, quer seja da sua distribuição granulométrica, forma dos grãos
e quantidade e tipo de minerais de argila presente. Solos equilibrados e com uma granulometria maior conse-
guem obter uma densidade maior do que solos finos, muito argilosos (Schroder, 2011; Reddi et al., 2012). Solos
com maior predominância de argila montmorilonite terão um aumento de resistência à compressão mais eleva-
da do que solos com predominância de caulino, para iguais esforços de compressão (Minke, 2012).
Fig. 3.12 – Curvas de compactação típicas para quatro tipos de solos diferentes (Reddi et al., 2012)
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
45
Simultaneamente, a quantidade de água utilizada influencia directamente a sua densidade seca final, como se pode
subentender da Fig. 3.13. A adição de humidade durante o processo de compactação amacia as partículas de argila,
facilitando a compactação. Por outro lado, o filme de água que se cria sobre as partículas reduz a sua resistência ao
movimento, para que as partículas mais finas preencham o espaço entre as partículas mais grossas. Até um certo
ponto, a água preenche os vazios deixados pelo ar mas, a partir de determinada quantidade, reduz o efeito de
compactação. O limite entre estes dois estados é definido como a humidade óptima de compactação (HOC). Esse
limite varia consoante o tipo de solo e a quantidade de energia de compactação aplicada e resulta na máxima den-
sidade seca por unidade de volume (Schroder, 2011; Reddi et al., 2012).
A humidade óptima de compactação e a máxima densidade seca podem ser obtidos através do ensaio de Proc-
tor (Subcapítulo 3.1.2).
Fig. 3.13 – Curvas de compactação típicas consoante o esforço de compactação e a percentagem de humidade da amostra
(Reddi et al., 2012)
Para todos os tipos de solo e métodos de compactação, um dos efeitos do aumento do esforço de compactação
é o de reduzir o conteúdo de água necessário para se obter a maior densidade seca por unidade de peso (Reddi
et al., 2012), conforme demonstrado na Fig. 3.13. Este dado é importante, dado que permite reduzir a necessi-
dade de água da mistura, o que é benéfico do ponto de vista da minimização das desvantagens recorrentes do
processo de secagem da terra, nomeadamente o efeito de retracção e suas consequências.
Simultaneamente, a determinação da HOC é importante para reduzir o esforço mecânico necessário para atingir
a maior densidade seca por unidade de volume e, assim, procurar optimizar os gastos energéticos consequentes
do processo de compactação.
Contudo, como referido em 3.1.5, a quantidade de água presente na mistura tem, igualmente, um papel determi-
A TERRA – PRINCÍPIOS ELEMENTARES
46
nante na sua resistência à compressão, quando compactada. Tanto Minke (2012), como Schroeder (2011) referem
que é obtida uma maior resistência à compressão quando se usa uma quantidade de água superior à HOC.
Na sequência da investigação desenvolvida por Schroeder (2011), sobre a transferência de humidade e alteração
de resistência durante a construção de edifícios de terra, o autor recomenda que a compactação, em elementos
de terra comprimidos, deve ser executada com níveis de humidade 10 % superiores à HOC (Quadro 3.6). O estu-
do levou a cabo um conjunto de testes para aferir os valores de resistência à compressão simples (unconfined
compressive strength - UCS), consoante o nível de humidade de um conjunto de amostras de terra e de diferen-
tes tempos de secagem. As amostras utilizadas eram de terra natural (idêntica à disponível no local de constru-
ção), ou estabilizada por correcção granulométrica e pela adição de fibras vegetais.
Quadro 3.6 – Resultado de um conjunto de testes para aferir os valores de UCS, consoante a humidade de compactação e
o tempo de secagem de um conjunto de amostras de terra (Schroeder, 2011)
AMOSTRA SOLO SATURAÇÃO DE ÁGUA
DENSIDADE APÓS 7 / 28 / 90 DIAS DE SECAGEM (g/cm3)
UCS APÓS 7 / 28 / 90 DIAS DE SECAGEM (N/mm2)
I solo natural w ~ HOC 1,81 / 1,74 / 1,69 0,35 / 1,61 / 1,83
II solo natural w > HOC 2,04 / 1,97 / 1,92 0,31 / 1,17 / 3,89
III solo natural com agregados w ~ HOC 2,00 / 1,96 / 1,79 0,86 / 2,34 / 2,21
IV solo natural com agregados w > HOC 2,17 / 2,03 / 1,99 0,21 / 1,44 / 2,80
V solo natural com agregados e fibras w ~ HOC 1,77 / 1,74 / 1,70 0,42 / 0,77 / 2,09
VI solo natural com agregados e fibras w > HOC 1,94 / 1,85 / 1,77 0,39 / 1,36 / 2,43
VII solo natural com agregados e fibras w < HOC 1,64 / 1,62 / 1,53 0,39 / 0,99 / 0,90
Nota-se, contudo, a influência que o período de secagem tem face à aferição dos valores de UCS, consoante o
nível de humidade das amostras. O aumento da resistência ao longo do tempo é diferente. As amostras realiza-
das com uma humidade próxima da HOC atingiram uma UCS praticamente máxima ao fim de 28 dias. No mesmo
período, as amostras executadas com valores de humidade superior à HOC apenas tinham atingido 30 a 50 % da
UCS que viriam a apresentar ao fim de 90 dias. Conclui-se assim que a definição da UCS deve ser feita ao fim de
90 dias, uma vez que o processo de secagem da terra comprimida é significativamente mais lento do que, por
exemplo, o betão.
3.2.3) ADITIVOS
A incorporação de aditivos pode ser genericamente subdividida em cinco grupos principais: os aditivos não-
hidráulicos (cal aérea), para estabilizar solos que possuam grande coesão e uma granulometria fina, os aditivos
hidráulicos (ex. cimento) e os betumes, que são mais adequados para solos cujas partículas têm maior dimensão
(Fig. 3.14), as fibras, que podem ter um papel importante na redução da retracção dos solos e no aumento da
sua coesão e flexibilidade, e outros aditivos que confiram propriedades hidrófugas à terra (Hall et al., 2012b).
Tradicionalmente, são também utilizados outros aditivos orgânicos e inorgânicos, como óleos, sangue de ani-
mais, urina, estrume, resinas e outros polímeros. A sua utilização, no panorama da construção em terra contem-
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
47
porânea, não é expressiva face aos restantes métodos de estabilização, pelo que apenas serão abordados alguns
destes aditivos no subcapítulo de protecção de superfícies (Subcapítulo 4.1.6.5).
Fig. 3.14 a) e b) – Critério de selecção de estabilizantes comuns consoante as características do solo (Hou-
ben e Guillaud, 2006)
3.2.3.1) CAL
A utilização de cal tem melhores resultados quando aplicada em solos de elevada plasticidade, com uma percen-
tagem de argila superior, sendo particularmente adequada para controlar a dilatação e retracção da terra (Hall
et al., 2012b; Minke, 2012; Reddy, 2012).
A cal utilizada na construção pode ser classificada em cal hidráulica e cal aérea. A cal hidráulica endurece na pre-
sença da água, enquanto a cal aérea endurece em reacção com materiais pozolânicos e através da carbonatação. A
cal hidratada é geralmente utilizada para a estabilização de solos (Houben e Guillaud, 2006; Reddy, 2012).
Quando a cal é misturada com o solo, ocorrem reacções entre a cal e a argila, que levam à formação de agentes
cimentícios que envolvem as partículas do solo e criam laços entre elas, aumentando a sua resistência. Contudo,
estas reacções são lentas e prolongadas no tempo, pelo que a estabilização com cal é mais eficaz para controlar
a dilatação e retracção dos solos, do que para aumentar a sua resistência à compressão (Reddy, 2012). Não obs-
tante, é particularmente bem adaptada para técnicas de compressão (Houben e Guillaud, 2006).
Houben e Guillaud (2006) referem que a estabilização normal consiste na adição de 6 a 12 % de cal. Notam, contu-
do, que, com 2 a 3 %, se reduz imediatamente a plasticidade da terra e que a adição de 1 a 2 % de cal pode reduzir
a retracção de 8 a 10 % para 1% e suprimir a sua dilatação. Contudo, para cada tipo de terra existe uma percenta-
gem óptima de adição de cal, até à qual a resistência à compressão aumenta e a partir da qual baixa. Esta percen-
tagem óptima deve ser aferida a priori, pela análise cuidada do tipo de terra e pelo ensaio da sua estabilização.
Minke (2012) refere, contudo, que, para percentagens inferiores a 5 %, a resistência do solo pode, inclusive, redu-
A TERRA – PRINCÍPIOS ELEMENTARES
48
zir, uma vez que a cal interfere com a coesão dos minerais de argila (Fig. 3.15). Consequentemente, quanto maior
for a presença de argila, maior será a percentagem de cal necessária para a sua estabilização.
Fig. 3.15 – Alteração da resistência à compressão em diferen-
tes tipos de solo consoante a quantidade de cal adicionada
(Minke, 2012)
Fig. 3.16 – Alteração da resistência à compressão em dife-
rentes tipos de solo consoante o IP e o tempo de cura,
quando estabilizados com cal (Houben e Guillaud, 2006)
O tipo de argila existente também condiciona o comportamento da terra face ao tipo de estabilização utilizado.
De acordo com os estudos desenvolvidos por Minke (2012), a estabilização com cal obtém melhores resultados
em argila montmorilonite. Tal é igualmente defendido por Reddy (2012), referindo que o uso de cal é obrigatório
na execução de blocos de terra estabilizados que possuam, na sua constituição, minerais de argila expansiva,
como a montmorilonite.
Deve também notar-se que, quanto maior for o índice de plasticidade da terra, maior será o impacte da adição de
cal na sua resistência à compressão (Fig. 3.16) (Houben e Guillaud, 2006; Minke, 2012). Ademais, durante o proces-
so de carbonatação, a cal reage com o CO2, aumentando a sua resistência ao longo do tempo (Minke, 2012).
A adição de cal eleva a humidade óptima de compactação (HOC), uma vez que a cal, no seu processo de activa-
ção, consome mais água, ao mesmo tempo que reduz a densidade da terra para essa mesma HOC (Houben e
Guillaud, 2006; Minke, 2012).
3.2.3.2) CIMENTO
O uso de cimento é mais eficaz em solos cuja granulometria é maior e em que a presença de argila é inferior,
sendo particularmente adequado para aumentar a sua durabilidade e resistência (Houben e Guillaud, 2006;
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
49
Hall et al., 2012b; Minke, 2012; Reddy, 2012). Pode, também, ser utilizado para aumentar a coesão em solos
pouco coesos (Hall et al., 2012b), reduzir a retracção volumétrica dos solos (Houben e Guillaud, 2006;
Hall et al., 2012b) e a sua capacidade de absorção de água (Hall et al., 2012b).
Para a estabilização de terra, é preferível utilizar cimento Portland branco, em detrimento do cimento cinzento,
de forma a preservar a coloração do solo. As proporções terra / cimento são medidas com os elementos secos. A
adição de cimento pode chegar a representar 20% da mistura, se bem que a proporção normal seja inferior a
10% (Hall et al., 2012b). Assim como referido para a estabilização com cal, deve notar-se que, de acordo com
Minke (2012), para proporções inferiores a 5%, a resistência à compressão pode inclusivamente reduzir, sendo
necessário aferir a priori qual a percentagem mais adequada para os objectivos propostos. Da mesma forma, o
tipo de argila presente também condiciona a estabilização utilizada, sendo que, de acordo com os estudos
desenvolvidos por Minke (2012), a estabilização com cimento obtém melhores resultados em argilas caulínicas.
A presença de sais em solos estabilizados com cimento pode potenciar o desenvolvimento de eflorescências
(King, 1996). Para reduzir esta possibilidade, o cimento deve ser adicionado à terra seca imediatamente antes de
executada a mistura. O tempo entre a execução da mistura da terra / cimento e a sua aplicação tem também
impacte na resistência final do elemento de terra, devendo ser o mais curto possível. A parede, ou os blocos de
terra, devem igualmente ser mantidos húmidos e protegidos da acção directa do sol pelo menos durante sete
dias, para permitir a adequada hidratação do cimento (Hall et al., 2012b; Minke, 2012).
Como referido, vários autores indicam que a resistência à compressão dos solos está sobretudo dependente do
tipo de solo seleccionado e sua distribuição granulométrica (Burroughs, 2001; Houben e Guillaud, 2006; Min-
ke, 2012). Hall (2004), num estudo desenvolvido a partir de um conjunto de amostras analisadas em Hall e Djer-
bib (2004), estudou o aumento da resistência à compressão de três destas amostras de solo, quando estabiliza-
das com 3, 6 e 9% de cimento (Fig. 3.17). Com base nos resultados obtidos, acrescenta que:
a) A estabilização com cimento, num dado solo, não se traduz num aumento constante de resistência à
compressão face à percentagem de cimento adicionada;
b) O aumento da resistência à compressão, em diferentes solos estabilizados com cimento, varia consoan-
te a percentagem de cimento adicionada, mas também consoante o tipo de solo e sua distribuição gra-
nulométrica, não sendo sempre constante.
Logo, a relação entre a percentagem de cimento adicionada e o aumento de resistência à compressão resultante
não é constante (Fig. 3.18). Para a mesma percentagem de cimento, solos cujos agregados são maiores demons-
tram um aumento de resistência superior a solos argilosos ou siltosos.
A maior adequabilidade do cimento a solos de maior granulometria deve-se a duas razões. Primeiro, a superfície
de contacto entre os grãos de terra e o cimento, em terras de maior granulometria, é maior, facilitando o envol-
vimento da terra pelo cimento. Segundo, solos mais argilosos têm tendência a criar grumos. Estes, por serem de
difícil separação, dificultam a criação de uma mistura homogénea, que permita distribuir o cimento de forma
equilibrada por toda a terra, criando assimetrias no seu comportamento (Hall et al., 2012b).
A TERRA – PRINCÍPIOS ELEMENTARES
50
Fig. 3.17 – Relação entre a proporção de cimento adicionada e a
resistência à compressão em três solos analisados (Hall, 2004)
Fig. 3.18 – Aumento padrão da resistência à compressão
em diferentes tipos de solo, consoante a percentagem
de cimento adicionada (Houben e Guillaud, 2006)
Ao melhorar a distribuição granulométrica do solo e sua plasticidade, tornando-as mais adequadas à estabiliza-
ção com cimento, pode-se reduzir a percentagem de cimento adicionada e, consequentemente, o custo e a taxa
de dióxido de carbono incorporada na construção (Hall et al., 2012b).
A dificuldade de generalizar as proporções de estabilizante adequadas para cada tipo de resistência pretendida
reforça a necessidade de desenvolver testes preliminares, procurando adequar o tipo e quantidade de estabili-
zante utilizado ao tipo de solo disponível (Minke, 2012).
A estabilização da terra com cimento pode também contribuir para reduzir a retracção volumétrica dos solos (Hou-
ben e Guillaud, 2006; Hall et al., 2012b). Neves et al. (2010) recomendam as proporções volumétricas de cimento a
adicionar a cada mistura de terra indicadas no Quadro 3.7, consoante os valores de retracção linear apresentados.
Quadro 3.7 – Relação entre o valor de retracção linear da terra e as proporções de terra e cimento aconselháveis para a sua
estabilização (Neves et al., 2010)
RETRACÇÃO (mm) CIMENTO (volume) TERRA (volume) % DE CIMENTO FACE À TERRA
< 12 1 18 5,56%
12 - 25 1 16 6,25%
25 - 38 1 14 7,14%
38 - 50 1 12 8,33%
Relativamente à influência da estabilização com cimento na resistência e durabilidade dos solos face à acção da
água, Hall et al. (2012b) referem o trabalho desenvolvido por Walker (1995) sobre a durabilidade da terra aos
ciclos de humidificação e secagem, indicando que esta aumenta com a percentagem de cimento adicionada e
com a redução de argila presente na mistura.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
51
Hall et al. (2012b) referem ainda um estudo desenvolvido por Hall (2007), sobre o nível de penetração de humi-
dade e a possibilidade de condensação intersticial em paredes de terra compactada, estabilizada com cimento,
quando sujeitas a uma pressão de penetração de humidade. Neste, referem que:
a) As paredes de terra compactada estabilizadas com cimento são capazes de responder positivamen-
te aos requisitos impostos pela BS 4315-2 sobre a penetração de água da chuva, derivada da pres-
são resultante do seu impacto;
b) Ao fim de uma exposição de cinco dias ao impacto da chuva, não havia evidências de penetração
de humidade nas paredes testadas, ou de erosão significativa da sua superfície.
Num outro estudo publicado, Hall e Djerbib (2005) compararam duas amostras do mesmo solo, com e sem esta-
bilização de cimento (6%), expostas durante 60 minutos num teste de absorção superficial de água, conforme
definido pela BS 1881-208 (Fig. 3.19). A amostra de solo natural sofreu perda de integridade estrutural, dado
que o aumento de humidade provocou a perda de coesão das partículas, enquanto a amostra estabilizada com
6% de cimento permaneceu intacta, o que demonstra a adequabilidade da estabilização com cimento para redu-
zir a susceptibilidade das paredes de terra face à acção da água.
Fig. 3.19 – Comparação visual entre um cubo de terra compactada não estabilizada (esquerda) e um cubo de terra compac-
tada estabilizada com 6% de cimento (direita), após 1 h de exposição a um teste de absorção superficial de água (Hall e
Djerbib, 2005)
3.2.3.3) BETUME
O betume confere durabilidade ao solo e reduz a sua erosão face à acção da água, conferindo-lhe propriedades
impermeabilizantes (Houben e Guillaud, 2006; Hall et al., 2012b; Minke, 2012; Reddy, 2012). Simultaneamente, pode
aumentar a coesão dos solos pouco coesos (Houben e Guillaud, 2006). A sua utilização como estabilizante de blocos
de terra crua é histórica, remontando pelo menos ao século V D.C. (Minke, 2012). Contudo, a sua aplicação directa é
difícil, uma vez que apenas adere às partículas dos agregados se estes estiverem aquecidos (Hall et al., 2012b).
Por esta razão, o betume é tipicamente aplicado na estabilização da terra na forma de emulsões betuminosas,
em que o betume é disperso em água com recurso a um agente emulsificante (Hall et al., 2012b), ou por diluição
através da aplicação de um solvente (Houben e Guillaud, 2006; Minke, 2012). Assim que o solvente e a água
A TERRA – PRINCÍPIOS ELEMENTARES
52
evaporam, cria-se um filme de betume que adere às partículas de terra, envolvendo-as (Houben e Guillaud,
2006; Minke, 2012).
A estabilização com betume é tipicamente mais eficiente para terras com uma baixa proporção de argila (Hou-
ben e Guillaud, 2006; Minke, 2012). Por ser geralmente bastante fluido, mistura-se facilmente com a terra já
húmida. Por esta razão, é mais adequado para a estabilização de adobes, cuja confecção se faz com a terra num
estado mais líquido (Houben e Guillaud, 2006).
A dosagem tradicional consiste na adição de 2 a 3% de betume (valor de betume, e não de emulsão betumino-
sa), podendo, contudo, chegar a 8%. A resistência à compressão da terra em estado seco aumenta, tipicamente,
até a uma determinada dosagem, a partir da qual diminui (Houben e Guillaud, 2006). Deve, por isso, ser analisa-
da a priori qual a dosagem mais indicada. Simultaneamente, pode ser utilizado em conjunto com outros méto-
dos de estabilização, nomeadamente com cimento, melhorando complementarmente o seu comportamento
face à acção da água (Burroughs, 2001; Hall et al. 2012b). Nesse caso, de acordo com um estudo desenvolvido
por Marandi e Safapour (2009), o valor mais elevado de resistência à compressão é atingido quando adicionado
aproximadamente 3% de betume.
Do ponto de vista da eficácia da sua aplicação, o betume produz melhores resultados se aplicado em terras are-
nosas ou siltosas, cujo pH não seja elevado e com uma presença de sais baixa (Houben e Guillaud, 2006). A sua
acção torna-se mais eficaz caso a terra seja posteriormente comprimida (Houben e Guillaud, 2006; Minke, 2012),
uma vez que a sua aplicação reduz a densidade da terra em estado seco (Houben e Guillaud, 2006). Devido à sua
coloração natural, pode afectar a cor da terra, escurecendo-a (Houben e Guillaud, 2006).
Do ponto de vista da sua aplicação, como referido, a mistura do betume é mais fácil se se fizer com a terra em
estado líquido ou plástico (adobe ou argamassas). Caso se opte por uma técnica de compressão (taipa ou BTC), a
aplicação da terra deverá ser feita próxima da humidade óptima de compactação, o que dificulta a distribuição
homogénea do betume. Nesses casos, é preferível misturar o betume com uma porção pequena de terra, antes
de misturar com o resto da terra (Houben e Guillaud, 2006).
Do ponto de vista da cura da terra, é preferível secar os materiais estabilizados com betume num ambiente seco,
do que num ambiente húmido. Simultaneamente, as resistências de compressão obtidas são em função da
quantidade de betume aplicada e do tempo de secagem – maior resistência para um maior período de secagem
(Houben e Guillaud, 2006).
3.2.3.4) FIBRAS
O rácio de retracção da terra pode ser reduzido significativamente pela adição de fibras (Fig. 3.20) (Schroeder,
2011; Minke, 2012). Estas podem ser de origem natural ou sintética, e criam uma malha estrutural de reforço
que aumenta a coesão entre as partículas de terra e lhe confere maior flexibilidade (Hall et al., 2012b).
A estabilização típica consiste na adição de 1% de fibras, cuja mistura é feita no acto de preparação da terra, procu-
rando dar-lhe uma orientação aleatória, o que potencia o seu efeito (Hall et al., 2012b). A sua utilização pode ser
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
53
feita apenas com fibras, ou em complemento com outros métodos de estabilização (Rafalko et al., 2007).
Fig. 3.20 – Rácio de retracção de argamassas de terra com a adição de fibras (Minke, 2012)
Entre as suas principais vantagens, contam-se i) a variedade de materiais que podem ser utilizados na estabiliza-
ção (naturais, sintéticos ou recicláveis), ii) o facto de não requerer um trabalho extra no acto de preparação,
para além da mistura natural do solo, iii) a sua elevada compatibilidade com a maioria dos solos e iv) o facto de
poder ser aplicada em grandes volumes de terra (Hall et al., 2012b).
Contudo, as fibras, especialmente as naturais, podem ser biodegradáveis, deteriorando-se ao longo do tempo
(Hall et al., 2012b).
Para além das fibras naturais, tradicionalmente mais utilizadas (juta, sisal, bamboo, madeira, palha, fibra de coco
e fibra de palmeira), pode-se também utilizar fibras sintéticas, como fibras de polipropileno (PP), fibras de nylon
e fibras de álcool polivinílico (Hall et al., 2012b; Minke, 2012). O uso de fibras sintéticas, por ser muito difundido
na indústria do cimento, começa a ser estudado e divulgado como meio de estabilização de terra com fins cons-
trutivos. Tipicamente, a sua utilização está associada à estabilização conjunta com o uso de cimento (Hall et al.,
2012b). Sobre os desenvolvimentos na investigação sobre a estabilização de terra com fibras sintéticas, pode-se
consultar os trabalhos desenvolvidos por Cai et al. (2006), Tang et al. (2007) e Rafalko et al. (2007).
3.2.3.5) HIDRÓFUGOS
Devido à sua porosidade, a terra é um material muito permeável à água e susceptível à sua acção, o que a torna
um dos factores que mais influenciam a durabilidade das construções em terra. A penetração da água prejudica
a estrutura da parede, promove o desenvolvimento de eflorescências e prejudica o seu comportamento térmico.
A incorporação de aditivos hidrófugos na mistura de terra procura minimizar o movimento interno da água por
capilaridade, reduzindo a sua capacidade de absorção e o desenvolvimento subsequente de anomalias (Kebao e
A TERRA – PRINCÍPIOS ELEMENTARES
54
Kagi, 2012). Idealmente, ao mesmo tempo que reduzem a permeabilidade da terra, os aditivos utilizados devem
manter intacta a sua permeabilidade ao vapor de água, para que esta não condense no seu interior.
Os aditivos hidrófugos tradicionalmente utilizados eram constituídos à base de óleos ou gorduras naturais. Estes
aditivos contêm sais como os estearatos que, em reacção com a terra, funcionam como agentes impermeabili-
zantes que se incorporam na mistura (Houben e Guillaud, 2006). Contudo, de acordo com Kebao e Kagi (2012),
apesar de serem eficazes para reduzir a permeabilidade da terra, possuem uma durabilidade reduzida por não
estarem efectivamente ligados às partículas de terra, estando sujeitos a uma deterioração progressiva com o
tempo, pelo que desaconselham a sua utilização. Houben e Guillaud (2006) referem igualmente a preocupação
com a aplicação destes aditivos em simultâneo com o cimento, dado que se trata de sais – podendo potenciar o
desenvolvimento de eflorescências.
Actualmente, os aditivos que dão melhor resposta, de acordo com Kebao e Kagi (2012), são feitos à base de
silicone. Os aditivos hidrófugos de silicone contêm silanos e siloxanos reactivos. Estes reagem quimicamente
com a mistura de terra, criando uma camada repelente em torno dos poros. Esta ligação, de acordo com os
autores, é efectiva e durável, ao contrário dos aditivos tradicionais, que se depositam entre os poros. Os aditivos
à base de silicone, de acordo com Kebao e Kagi (2012), reduzem a absorção de água pela terra, mas mantêm a
sua permeabilidade ao vapor de água. Simultaneamente, não afectam a aparência da terra, preservando a sua
coloração e textura.
De acordo com os mesmos autores, quando adicionados numa proporção de 0,05%, os aditivos à base de silico-
ne reduzem a absorção de água em aproximadamente 80%, mostrando, igualmente, bons resultados contra a
ascensão por capilaridade.
Deve, contudo, notar-se que estes aditivos são eficazes perante condições atmosféricas naturais, não substituin-
do a aplicação de telas impermeabilizantes convencionais em construções enterradas, ou entre fundações e
paredes (Kebao e Kagi, 2012).
A sua aplicação antecede a conformação dos elementos, devendo ser adicionados à mistura de terra ainda
durante a fase de preparação. Lindsay (2012a) indica que estes devem ser primeiramente diluídos, para depois
serem borrifados sobre a mistura de terra enquanto esta está a ser preparada.
Devido ao seu efeito repelente de água, os aditivos hidrófugos à base de silicone tornam ineficaz a humidificação
das paredes para melhorar a sua cura. Deve-se, portanto, manter o nível de humidade da parede, prolongando o
período de permanência da cofragem. É igualmente conveniente revestir a parede com um plástico após a des-
cofragem, até que esteja satisfatoriamente estável (Kebao e Kagi, 2012).
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
55
4) ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
4.1) CONCEPÇÃO DOS ELEMENTOS CONSTRUTIVOS – REQUISITOS GERAIS
A concepção é essencial em qualquer sistema construtivo e em particular nas construções em terra, dada a sua
fraca resistência mecânica, elevado peso, susceptibilidade à acção da água e baixa resistência à tracção e flexão.
Contudo, referindo Minke (2012), “não é a terra, enquanto material de construção, que é responsável pelo insu-
cesso estrutural, mas sim o seu sistema estrutural, o seu layout e tipo de aberturas”.
Os requisitos associados à construção em terra, com vista ao aumento da resistência contra a acção do sismo e
das intempéries, podem ser extrapoláveis para a concepção geral em terra, pelo reforço genérico e precaução
que promovem nos seus sistemas construtivos (Morris, 2012). Mas nunca devem ser dissociados das boas práti-
cas construtivas e de concepção, adequadas ao material em questão (Houben e Guillaud, 2006). Em particular
quando se trata de uma perspectiva arquitectónica, a articulação destes princípios revela-se determinante para
o sucesso de uma construção.
4.1.1) IMPLANTAÇÃO
Na preparação de uma construção, é necessário conhecer o local, identificar os potenciais riscos naturais, esta-
belecer o nível de risco e projectar a construção em consonância com esta análise, de forma a reduzir a sua vul-
nerabilidade (Morris, 2012).
A maioria dos materiais de terra crua é particularmente susceptível ao contacto permanente com a água, por vezes
mesmo quando estabilizados, pelo que se torna essencial evitar a construção em zonas susceptíveis a inundações
(Fig. 4.1). Deve-se igualmente ter em consideração a existência de taludes na proximidade da construção, que pos-
sam ter canais de escoamento que estejam direccionados para a construção. Poderá ser necessário garantir o des-
vio destes canais ou simplesmente alterar o posicionamento da construção (Fig. 4.2) (Morris, 2012).
Fig. 4.1 a) e b) – Implantações perigosas (Morris, 2012)
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
56
Fig. 4.2 – Exemplo de implantação que minimiza os problemas naturais do local (Morris, 2012)
Ter em atenção à localização de edificações na proximidade de taludes é igualmente importante (Minke, 2012;
Morris, 2012), apesar de não ser específico das construções em terra (Fig. 4.3). A possibilidade de ocorrência de
deslizamentos de terra, especialmente após a ocorrência de chuvas intensas, pode ser muito prejudicial para as
construções, em particular para as construções em terra, devido à sua elevada massa (Morris, 2012).
A mesma questão coloca-se em zonas de moderada ou elevada sismicidade, à qual as construções em terra são
particularmente sensíveis. Caso a opção recaia por construir em terra, deve-se evitar zonas propícias ao movi-
mento dos solos, tais como zonas de maior pendente, rebordos de falésias ou de taludes, sendo a proximidade
com cumes de montanhas igualmente desaconselhável (Houben e Guillaud, 2006).
Caso o local esteja regularmente sujeito a tempestades e ventos fortes, deve-se tirar partido das protecções natu-
rais, nomeadamente do abrigo de colinas ou de vegetação que se oponham ao efeito dos ventos dominantes.
Deve-se igualmente evitar os terrenos com grande pendente, que têm tendência a acelerar a velocidade do vento,
assim como frinchas na topografia que possam canalizar os ventos (Houben e Guillaud, 2006).
Fig. 4.3 a) e b) – Proximidade de taludes propícios à ocorrência de deslizamentos de terra (Morris, 2012)
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
57
Independentemente da implantação escolhida, sempre que se construir num local sensível, é essencial prever o
reforço do sistema construtivo (ver subcapítulo 4.1.6.3 – Reforços específicos), para reduzir a vulnerabilidade da
construção.
4.1.2) DESENHO DA PLANTA
As regras de concepção de plantas, na arquitectura de terra, estão muito associadas à exposição das construções à
acção de sismos e intempéries. Advêm do maior esforço e risco a que as construções de terra estão sujeitas nestes
casos extremos, proporcionando um conjunto de soluções e contributos úteis para a concepção geral em terra.
O objectivo principal consiste em evitar que as paredes colapsem (Minke, 2012). Deve ser seleccionada uma estrutura
regular, que responda bem dinamicamente, dada a sua maior fiabilidade durante um sismo (Morris, 2012).
As plantas devem ser compactas e simétricas (Blondet et al., 2011b; Minke, 2012). Idealmente, têm uma forma
circular, evitando os cantos, onde se possam concentrar as forças horizontais, tal como é defendido pelos estu-
dos desenvolvidos no Building Research Institute, em Kassel (Minke, 2012), onde obtiveram melhores resultados
em ensaios de simulação de abalos sísmicos do que as soluções de planta ortogonal, que cederam mais rapida-
mente. Minke (2012) refere ainda que a opção de alargar e facetar as esquinas é igualmente positiva, dado que
se evita a concentração de esforços horizontais nesse ponto, promovendo a sua continuidade entre ambos os
membros da parede.
Devem ser evitados troços longos, sem travamento, ou corpos assimétricos contínuos. Nestes casos, deve-se
separar as estruturas, permitindo movimentos diferenciais entre os dois corpos (Minke, 2012; Morris, 2012).
Os edifícios podem ter uma planta regular mas possuir uma distribuição assimétrica das paredes, o que promove
uma sobrecarga nas paredes mais frágeis (Morris, 2012). Estas opções devem, por isso, ser igualmente evitadas.
A Fig. 4.4 ilustra as diferentes soluções de concepção de planta e classifica-as entre boas e más soluções, de
acordo com os princípios referidos.
4.1.3) NÚMERO DE PISOS
A limitação do número de pisos a construir está sobretudo associada à construção em zonas sísmicas. Não obs-
tante, a maioria dos regulamentos de terra vigentes limita as construções de terra a um máximo de dois pisos
(Schroeder, 2012).
Como as paredes de terra são muito pesadas, aumentam significativamente o risco em zonas de moderada e
elevada sismicidade, devendo-se evitar a construção de um segundo piso (Morris, 2012). Caso essa construção
seja incontornável, o piso térreo deve ser sólido, enquanto o piso superior deve ser leve, preferencialmente com
um tipo de estrutura que lhe confira flexibilidade – nomeadamente, em madeira (Minke, 2012). Telhados e lajes
pesadas devem ser evitadas (Minke, 2012) e deve ser garantida uma regularidade estrutural, contínua entre os
dois pisos (Morris, 2012).
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
58
Fig. 4.4 – Caracterização da adequabilidade das diferentes soluções de plantas em regiões de maior risco (Morris, 2012)
4.1.4) PROTECÇÃO CONTRA A ACÇÃO DA ÁGUA
A água é uma das principais fontes de anomalias das construções em terra, pelo que a construção tem que ser
projectada e executada com vista a minimizar o risco da sua incidência. A interferência da água com uma cons-
trução em terra é consequência de três factores potenciais (Houben e Guillaud, 2006):
a) Presença de água à superfície da construção;
b) Presença de uma abertura na referida superfície que permita a água penetrar;
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
59
c) Acção de uma força – pressão, gravidade, capilaridade – que faça com que a água penetre na abertura.
Reduzir o risco de ocorrência de qualquer um destes factores é reduzir o risco de ocorrência de anomalias deri-
vadas da água. Os locais mais susceptíveis são o topo e base das paredes, os peitoris, terraços e coberturas pla-
nas, as juntas entre materiais de comportamento diferenciado e todos os encontros que potenciem a acumula-
ção de água (Houben e Guillaud, 2006).
Conforme referido em 4.1.1, é necessário evitar a construção em zonas de fácil acumulação de água, ou frequen-
temente expostas a cheias ou inundações (Houben e Guillaud, 2006; Minke, 2012; Morel et al., 2012). Projectar
a cobertura para além da face das paredes e criar um embasamento sólido, com uma altura adequada (ver sub-
capítulos 4.1.6.2 e 4.1.8), são acções importantes para proteger as paredes de terra contra a água corrente, a
acção directa da chuva e do seu ricochete no pavimento (Houben e Guillaud, 2006; Minke, 2012; Morel et
al., 2012). Dever-se-á garantir a execução de uma cobertura impermeável e o perfeito escoamento das águas
para o exterior da construção, protegendo o topo das paredes e impedindo a sua acumulação e consequente
infiltração (Houben e Guillaud, 2006).
O pavimento da envolvente do edifício não deve ser muito denso, para que a chuva incidente não ressalte con-
tra a parede de terra. Uma boa solução passa por aplicar gravilha ou seixo rolado na envolvente das paredes,
que permite ao mesmo tempo a evaporação da água concentrada no solo em torno da construção (Houben e
Guillaud, 2006; Morel et al., 2012).
De forma a prevenir a ascensão capilar, deve-se impermeabilizar a superfície das fundações em contacto com o
terreno e do embasamento em contacto com a parede (Houben e Guillaud, 2006; Minke, 2012; Morel et
al., 2012). Uma solução corrente é a aplicação de telas betuminosas, apesar de também se poder aplicar mem-
branas plásticas (Minke, 2012). Dever-se-á ter em consideração que, no caso da taipa, a impermeabilização tem
que ter resistência suficiente para suportar o efeito da compressão. Uma solução possível para este problema
passa por colocar a barreira impermeabilizante a meio do embasamento, suficientemente afastada da base da
parede de terra (Morel et al., 2012).
Para suprimir os riscos de condensação, não se deve criar barreiras à evaporação da água. O tratamento das
superfícies das paredes deve garantir a sua difusão, ao mesmo tempo que não permite a sua infiltração pelo
exterior (ver Subcapítulo 4.1.6.5). Deve-se, igualmente, proteger os vãos exteriores da incidência directa da
chuva e sua acumulação, de forma a evitar a sua infiltração.
Os processos de estabilização da terra (ver Subcapítulo 3.2) visam regularmente minimizar o efeito da acção da
água, nomeadamente reduzindo a porosidade da terra, aumentando a sua resistência ou minimizando o efeito
de retracção e desenvolvimento consequente de fissuras, para reduzir a possibilidade de infiltração.
E, por fim, deve-se garantir uma manutenção constante das construções, nomeadamente com reparação de
todos os locais mais susceptíveis à entrada da água, como por exemplo as fissuras existentes nos paramentos
exteriores e as juntas entre blocos (Houben e Guillaud, 2006).
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
60
4.1.5) FUNDAÇÕES
Os princípios normativos e das boas práticas construtivas de fundações, em particular de estruturas maciças
monolíticas, aplicam-se igualmente no caso das construções em terra. Deve-se, contudo, salientar a sua impor-
tância especial na definição de uma construção em terra com qualidade, pela influência que tem na sua resposta
à acção sísmica e à acção da água.
A construção em terra crua de paredes maciças, de elementos (blocos) ou monolíticas, é pesada e pouco flexível.
A necessidade de evitar assentamentos diferenciais ganha, assim, particular relevância. As fundações devem ser
executadas sobre um solo bom e resistente, devendo ser suficientemente sólidas para assegurar uma boa
transmissão das cargas ao solo sem serem afectadas (Houben e Guillaud, 2006). Por deverem ser reforçadas, e
dada a sua exposição à humidade do terreno, a sua execução em terra torna-se problemática, devendo ser evi-
tada (Houben e Guillaud, 2006; Minke, 2012). A utilização de materiais mais resistentes e correntes, como pedra,
tijolos maciços cozidos ou betão armado, é preferível e mais segura (Houben e Guillaud, 2006).
De acordo com Minke (2012), as diferentes partes de um edifício não devem ter fundações a diferentes profun-
didades, nem com alturas diferentes. Caso o tenham, devem ser separadas, devido às suas distintas frequências
de ressonância, de forma a oscilarem independentemente. A ligação entre as fundações e o embasamento, e
entre estes e as paredes, deve ser efectiva, garantindo uma boa transmissão de forças.
A influência da água é igualmente determinante. Os materiais empregues deverão ser resistentes e estáveis peran-
te a presença da água. Devem ser protegidos da acção da água de superfície e da humidade, nomeadamente atra-
vés da evacuação das águas de superfície e da drenagem da sua envolvente e deve-se evitar as infiltrações através
de uma impermeabilização efectiva a toda a sua volta. É igualmente conveniente garantir uma protecção contra a
ascensão de água por capilaridade, através da impermeabilização da ligação entre as fundações e o embasamento,
ou parede, de forma a prevenir a degradação dos elementos em terra (Houben e Guillaud, 2006).
Por fim, devem estar protegidas de trabalhos executados na sua vizinhança, tais como a lavoura, agricultura e
jardinagem (Houben e Guillaud, 2006).
4.1.6) PAREDES
4.1.6.1) CONCEPÇÃO GERAL
A execução de paredes em terra está condicionada pelo tipo de técnica construtiva adoptada. Contudo, existem prin-
cípios genéricos que se aplicam à concepção de todas as paredes. Os restantes princípios gerais, dada a sua particula-
ridade, serão tratados em subcapítulos próprios (subcapítulos 4.1.6.2 a 4.1.6.5), enquanto os princípios de concepção
específicos de cada técnica construtiva serão tratados no subcapítulo 4.2 desta dissertação.
Dado que se trata de técnicas construtivas pouco industrializadas, uma boa execução é decisiva para garantir a
qualidade das paredes. Como na restante construção, para garantir a sua estabilidade, é necessário que as pare-
des sejam aprumadas e desempenadas. Dada a fraca resistência das paredes de terra a esforços de tracção,
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
61
flexão e corte, dever-se-ão evitar as cargas excêntricas, as cargas concentradas e os riscos de deformação (Hou-
ben e Guillaud, 2006). É igualmente essencial garantir a ligação aos restantes elementos da construção, nomea-
damente uma boa fixação às fundações, às lajes intermédias e à cobertura (Minke, 2012).
Outra característica que é inerente às construções em terra e transversal às várias técnicas construtivas é o con-
trolo da retracção da terra. Apesar de vários métodos de estabilização visarem controlar esta questão, o método
mais simples para reduzir as fendas por retracção nos elementos de construção em terra, conforme referido por
Minke (2012), consiste numa concepção adequada dos mesmos e numa correcta execução. Primeiro, deve redu-
zir-se a dimensão de cada elemento, não permitindo grandes superfícies contínuas, que tenderão a amplificar o
efeito da retracção da terra. Segundo, deve-se garantir um adequado tempo de secagem, nunca excessivamente
rápido. Terceiro, deve-se garantir o seccionamento dos elementos construtivos por juntas de dilatação, espaça-
das regularmente entre si.
Outro princípio regularmente abordado na bibliografia específica refere-se aos valores mínimos e máximos e à
proporção entre a altura e a espessura das paredes de terra. Estes valores, conforme referido por Cruz (2010),
variam muito consoante o autor analisado, pelo que se optou por incluir nesta dissertação os valores analisados
por Schroeder (2012), relativamente aos vários regulamentos de construção em terra vigentes.
Conforme referido por Schroeder (2012), a limitação dos valores mínimos de espessura das paredes é um dos
parâmetros referidos nos regulamentos construtivos em terra, para limitar a probabilidade de ocorrerem fissu-
rações e deformações excessivas. A esbelteza de uma parede responde ao rácio entre a sua altura e espessura
(h/e). Na construção tradicional, este rácio é geralmente 10, para paredes sem travamento lateral, e 18 para
paredes com travamento. Em zonas sísmicas, este rácio agrava-se substancialmente, sendo necessário aplicar
reforços específicos (ver subcapítulo 4.1.6.3 – Reforços específicos). O Quadro 4.1 dá uma perspectiva geral dos
valores recomendados para espessura e esbelteza de paredes com travamento, para diferentes técnicas cons-
trutivas, em regulamentos de terra existentes.
4.1.6.2) EMBASAMENTO
O embasamento é um elemento de protecção da parte inferior da parede, junto ao pavimento, podendo ser
constituído como um prolongamento das fundações, ou apenas como um revestimento da superfície exterior.
Dada a sua importância, todas as construções em terra devem considerar a integração de um embasamento.
A sua principal função é de proteger as paredes e fundações de uma construção em terra contra a acção da água
(Houben e Guillaud, 2006; Minke, 2012; Morel et al. 2012). Contudo, serve igualmente como elemento de pro-
tecção mecânica numa zona particularmente exposta a acções adversas (Houben e Guillaud, 2006)
Os embasamentos de uma construção em terra devem estar bem ligados às fundações e à parede para serem
efectivos, garantindo uma boa transmissão de forças desde a parede até ao solo (Minke, 2012). Devem ser
empregues na sua constituição materiais sólidos, resistentes, hidrófugos e pouco porosos. Em particular, devem
ser estáveis na presença e face à acção da água. Caso a sua estanqueidade à água não esteja assegurada, dever-
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
62
se-á optar pela impermeabilização da sua superfície (Houben e Guillaud, 2006). A sua altura deve ser eficaz para
garantir a protecção da parede. Houben e Guillaud (2006) indicam como referência as seguintes alturas, em
função do nível de pluviosidade existente:
a) ≥ 0,25 m em regiões secas;
b) ≥ 0,40 m em regiões de pluviosidade média;
c) ≥ 0,60 m em regiões de elevada pluviosidade;
d) ≥ 0,80/1,00 m em zonas inundáveis.
Quadro 4.1 – Valores recomendados para espessura e esbelteza de paredes em regulamentos de terra vigentes (Sch-
roeder, 2012)
N.º País Documento Sistema construtivo
Tipo de parede
a
Espessura mín. de parede e (mm)
Altura máx. h (mm)
Esbelteza máx. h/e (mm)
Distância máx. entre paredes de travamento (mm)
01 Alemanha Lehmbau Regeln (2009)
TP E/I 325/240 3250 10 4500
ABT E/I 365/240 3250 13,5 4500
TEP E/I 400/400 3250 8,1 4500
02 Austrália EBAA (2004) ABT E/I 200/125 4000/2700 20/21,6 3500
TP E/I 200/200 3000/4000 15/20 3500
03 EUA 14.7.4 NMAC (2006)
TP E/I 457/305 2438-3048 7315 (24 ft)
ABT 254/356 b
04 EUA ASTM E2392/E2392M (2010)
d
05 Índia IS: 2110 (1998) TCEP, ABTCE P/NP 300/200 3200 10,7/16
06 Índia IS: 13827 (1998) ABT, TP 8 x T 10 x e ou 64 x e2/h
07 Nova Zelândia
NZS 4297-9 (1998)
TP 250 3300 6 c
ABTCE 130 3300 16 c
08 Peru NTE E.080 (2000) ABT 400-500 2400-3000 ≤ 6
09 Suíça Regeln zum Bauen mit Lehm (1994)
TP E/I 300/500 b 3500 11,6/7 5000
ABT E/I 200/300 b 3500 17,5/11,7 5000
10 Zimbabué SAZS 724 (2001) TP 300 12 (não
estabilizada) 9000
16 (estabilizada
c/ cimento)
Legenda:
ABT - alvenaria de blocos de terra a) E/I: exterior /interior; P/NP: portante/não portante
ABTCE - alvenaria de blocos de terra comprimida estabilizada b) Um piso/parede do piso inferior de uma construção com dois pisos BTC - blocos de terra comprimida
TEP – terra empilhada c) Factor em zonas sísmicas Z > 0,6 (10 e 24 em Z ≤ 0,6 respectiva-mente) TP - taipa
TPEC - taipa estabilizada com cimento d) Recomendações empíricas de geometria: h ≤ 8 x e (para risco sísmico moderado); h ≤ 6 x e (para risco elevado)
A transição exterior entre o embasamento e a parede é de particular importância. Para que a água que escorra
pela parede não fique depositada nesta junta, deve garantir-se que o embasamento não é saliente relativamen-
te à face da parede (Fig. 4.5).
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
63
Fig. 4.5 a) e b) – Exemplo de soluções para embasamentos a) Solução não recomendável, que permite a infiltração de água
entre o embasamento e a parede de terra; b) Solução recomendável, que protege a parede da infiltração de água (Min-
ke, 2012)
Minke (2012) refere ainda que a utilização de embasamentos no interior da construção pode ser igualmente útil,
em particular nas zonas húmidas, como as instalações sanitárias e cozinhas. No caso de ocorrer um incidente e
estes espaços ficarem parcialmente alagados, o embasamento garante a protecção das paredes de terra. Deve,
nestes casos, ser revestido por um material mais resistente à água, ou que seja mesmo impermeabilizante.
4.1.6.3) REFORÇOS ESPECÍFICOS
As estruturas em terra têm que ser projectadas para aumentar a sua ductilidade, devendo ser reforçadas contra
a acção de esforços horizontais, procurando ligar eficazmente os vários elementos da construção (Minke, 2012;
Morris, 2012).
Na perspectiva referida na introdução a este subcapítulo 4.1, as principais vulnerabilidades dos sistemas cons-
trutivos em terra sobressaem quando sob a acção de esforços excepcionais, como aqueles provocados por uma
acção sísmica. Assumindo estruturas concebidas com paredes lineares ortogonais, as cargas sísmicas podem ser
genericamente divididas em esforços orientados na direcção do plano (ao longo do eixo da parede), ou na direc-
ção fora do plano (perpendicular ao eixo da parede) (Minke, 2001; Morris, 2012).
A orientação da aceleração tem consequências diferentes consoante a orientação da parede. A aceleração na
direcção do plano tem tendência a levantar as paredes do solo, deslocar a parede horizontalmente face ao seu
embasamento e causar o aparecimento de fendas diagonais (Fig. 4.6). A orientação na direcção fora do plano
aumenta a probabilidade de colapso das paredes, por requerer de si um comportamento mais flexível (Fig. 4.7).
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
64
Fig. 4.6 – Anomalias típicas em paredes não reforçadas sujeitas a uma acção sísmica orientada na direcção do plano (Morris, 2012)
Fig. 4.7 – Anomalias típicas em paredes não reforçadas sujeitas a uma acção sísmica orientada na direcção fora do plano (Mor-
ris, 2012)
O suporte das paredes orientadas na direcção fora do plano deve ser garantido em três níveis (Minke, 2001;
Morris, 2012):
a) Pelo topo, através da utilização de uma viga de coroamento ou de uma cobertura que funcione
como diafragma;
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
65
b) Através de paredes transversais (orientadas na direcção do plano), que funcionem como travamen-
to (os valores de espaçamento máximo entre paredes de travamento variam consoante os autores
– ver Quadro 4.1);
c) Pela base da parede, através das fundações.
Sempre que se utilizem diafragmas, vigas de coroamento ou paredes de travamento, estes transferirão as forças
das paredes orientadas na direcção fora do plano, para as paredes orientadas na direcção do plano (Morris, 2012).
Assim, estas têm que resistir i) à sua própria inércia, ii) à instabilidade consequente de qualquer elemento menos
resistente localizado no seu interior (como, por exemplo, aberturas), iii) a aproximadamente 50 % das cargas das
paredes na direcção fora do plano e iv) às forças de inércia da cobertura ou laje superior (Morris, 2012).
Para aumentar a resistência das paredes, para além de aumentar a sua ductilidade, é necessário garantir a efec-
tiva ligação das paredes a todos os elementos que lhe estão contíguos (Minke, 2012; Morris, 2012).
Uma cobertura que funcione como diafragma é tipicamente executada num plano horizontal único, ou com uma
curvatura muito reduzida. Tem que estar efectivamente ligada às paredes de terra e tem que ter resistência sufi-
ciente para não se deformar excessivamente (Morris, 2012). As vigas de coroamento podem ser executadas em
betão armado ou em madeira e devem estar igualmente bem ancoradas às paredes de terra e à cobertura (Min-
ke, 2012; Morris, 2012; Oliveira et al., 2010). Caso a viga de bordadura sirva de apoio à cobertura e não tenha a
espessura inteira da parede, deve localizar-se a meio da parede, centrada ao longo do seu eixo (Minke, 2001).
A ligação das paredes às fundações é igualmente essencial, de modo a transferir eficazmente as cargas para o
terreno e prevenir o levantamento das paredes ou o seu deslocamento horizontal face à base, em caso de abalo
sísmico (Morris, 2012).
O uso de reforços verticais contínuos a toda a altura da parede, desde as fundações até à viga de coroamento /
cobertura, e o recurso a reforços horizontais, garantirão maior ductilidade e integralidade à estrutura, reduzindo
a possibilidade de desmoronamento e de desenvolvimento de fissuras (Blondet et al., 2011b; Morris, 2012).
Os reforços verticais devem estar bem ligados às fundações e à viga de coroamento e podem ser executados em
estruturas metálicas ou de madeira (Fig. 4.8). Os reforços horizontais podem igualmente ser feitos em estruturas
de madeira ou malhas metálicas, sendo geralmente aplicados nos cantos (Fig. 4.9), dando continuidade entre os
diferentes elementos (Blondet et al., 2011b; Morris, 2012).
A utilização de uma estrutura em madeira ou bambu / cana, em particular nos pontos de ligação entre paramentos
ortogonais, é, de acordo com Blondet et al. (2008), uma das metodologias de reforço sísmico mais eficientes.
Em sistemas construtivos de alvenaria de blocos de terra crua, a estrutura de madeira pode ser vertical, horizon-
tal ou conjugada em ambas as direcções, sendo a solução conjugada a mais eficiente. O reforço consiste, primei-
ro, na construção da estrutura vertical, disposta com um espaçamento regular e efectivamente ancorada a uma
fundação de betão. A estrutura horizontal é disposta entre as fiadas de blocos e fixa à estrutura vertical por
pregagem ou por amarração. Esta estrutura é depois fixa à viga de coroamento (Blondet et al., 2008).
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
66
Fig. 4.8 – Exemplo de reforço vertical metálico (Mor-
ris, 2012)
Fig. 4.9 – Reforço horizontal num canto, em malha metálica
(Morris, 2012)
No caso da utilização em paredes de taipa, a estrutura será tipicamente disposta verticalmente ao longo de toda
a altura da parede, garantindo a sua efectiva fixação às fundações, que devem ser de betão para permitir o
empalme da estrutura (Fig. 4.10 e Fig. 4.11). A colocação de uma estrutura horizontal também é possível mas,
devido ao processo de compactação, é mais adequada a utilização de secções de madeira, localizadas entre
blocos de taipa, reforçando a ligação na zona das juntas (Oliveira et al., 2010).
Os elementos verticais de madeira devem ser colocados a meio da parede, com intervalos regulares, devendo
ser compatibilizados com a dimensão dos blocos e seus negativos para incorporar os reforços (Houben e Guil-
laud, 2006).
O comportamento diferencial entre a terra e o aço pode justificar a preferência pelo reforço em estruturas de
madeira, dada a sua maior compatibilidade com o material terra (Minke, 2012). Contudo, o comportamento do
aço é mais previsível do que o da madeira e a sua resistência também é superior, pelo que importa perceber
como minimizar as suas limitações.
De acordo com Lindsay (2012b), a principal dificuldade na aplicação de estruturas metálicas em construções de
terra consiste em minimizar o impacte da retracção da terra, que é nula no aço. Esta característica é particularmen-
te importante nos reforços metálicos, dado que estes, por estarem embebidos, são inseridos antes da conformação
da terra – logo, estando a parede ainda sujeita à retracção consequente do processo de secagem. Simultaneamen-
te, o seu comportamento diferencial tem tendência a gerar fissurações ao longo da parede de terra.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
67
Fig. 4.10 – Reforço vertical de uma
parede de terra em canas de bambu
encastradas em embasamento de
betão (Minke, 2012)
Fig. 4.11 – Corte exemplificativo de reforço em estrutura de madeira de uma cons-
trução em terra comprimida (Minke, 2012)
Para reduzir a sua ocorrência, devem-se tomar, de acordo com Lindsay (2012b), as seguintes precauções:
a) Reduzir a retracção linear da terra para 1%. Se necessário, pode-se recorrer aos vários métodos de
estabilização adequados para o efeito (ver subcapítulo 3.2);
b) No caso da inclusão de pilares metálicos embebidos na estrutura, garantir que estão afastados dos
topos da parede pelo menos 20% do total do comprimento da parede (Fig. 4.12);
c) Garantir um recobrimento ≥ 100 mm da estrutura metálica face à superfície da parede (Fig. 4.12);
d) Garantir o envolvimento das estruturas metálicas com espumas de células fechadas com uma espessura
≥ 15 mm, para dar folga a que a estrutura de terra retraia sem que chegue a afectar a estrutura metáli-
ca (Fig. 4.12);
e) Envolver todas as ligações entre os elementos da estrutura metálica com ≥ 25 mm de poliestireno ou
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
68
com uma espuma de preenchimento;
f) Garantir que o topo de todos os elementos metálicos são igualmente cobertos com uma espessura
≥ 25 mm de poliestireno (Fig. 4.12);
g) É aconselhável proteger o aço contra a corrosão, nomeadamente através do processo de galvanização.
Dadas as características da terra, a corrosão no interior de uma parede pode ter consequências destrutivas.
Genericamente, Lindsay (2012b) desaconselha o reforço com uso de armações com malha de varões metálicos,
dado que a sua inclusão dificulta o processo de compactação da terra e pode potenciar o desenvolvimento de
fissuração ao longo da superfície da parede.
Fig. 4.12 – Tratamento de pilares metálicos embebidos numa parede de taipa (Lindsay, 2012b)
O uso de pilares metálicos apenas é necessário em casos de concentração excessiva de esforços num determi-
nado local ou no fim de uma parede sem travamento. A sua utilização é também útil para garantir a execução de
paredes manifestamente mais altas ou para suportar vigas mais pesadas (Lindsay, 2012b).
Outra solução de reforço considerada extremamente eficiente na resposta que dá às acções sísmicas consiste no
envolvimento total das construções com malhas poliméricas contínuas (Torrealva et al., 2011). Devido à sua
flexibilidade, os reforços com malhas poliméricas são muito compatíveis com a terra, sendo particularmente
utilizados no reforço de construções em adobe. Aplicam-se pela superfície das paredes (interior e exterior),
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
69
envolvendo integralmente a construção (Fig. 4.13), sendo posteriormente revestidos com um reboco compatí-
vel, que os protege contra as acções atmosféricas, garantindo-lhes maior durabilidade (Blondet et al., 2011b;
Torrealva et al., 2011).
A sua aplicação, de acordo com Torrealva et al. (2009 e 2011) e Blondet et al. (2011b), melhora significativamente o
comportamento face às acções sísmicas, tanto na capacidade de deformação das paredes, como relativamente à
sua resistência, sendo essenciais para controlar a fissuração das paredes e evitar o seu desmoronamento. Simulta-
neamente, as malhas poliméricas adequam-se a qualquer tipo de configuração formal (Fig. 4.14) e podem ser apli-
cadas tanto em reabilitações como em construções novas (Torrealva et al., 2009; Torrealva et al., 2011).
Fig. 4.13 – Reforço com malhas poliméricas (Torreal-
va et al., 2011)
Fig. 4.14 – Reforço com malhas poliméricas (Torreal-
va et al., 2011)
As suas desvantagens consistem na aplicação obrigatória em complemento com um revestimento, o que impos-
sibilita a manutenção da aparência natural da terra conformada, assim como um aumento do custo da constru-
ção, devido ao custo inerente às malhas poliméricas e à mão-de-obra acrescida (Blondet et al., 2008).
4.1.6.4) ABERTURA DE VÃOS
Os vãos desestabilizam as paredes, pelo que devem ser bem proporcionados e localizados (Minke, 2012). Simul-
taneamente, são um foco tradicional de penetração de água, devendo ser bem detalhados (Houben e Guil-
laud, 2006).
Os vãos devem ser reforçados em toda a sua periferia, uma vez que, sob influência da acção sísmica, as forças
concentram-se nos cantos das aberturas, provocando o desenvolvimento de fendas (Minke, 2012). Preferen-
cialmente, devem ser fixados a elementos laterais mais resistentes, como pilares metálicos, de madeira ou betão
armado, fixos directamente às fundações.
Idealmente, os vãos devem prolongar-se, verticalmente, até à viga de coroamento (caso exista), evitando um
segundo lintel de reforço, dado que a zona sobre o lintel é mais frágil. Minke (2012) recomenda, igualmente, que
a zona sob o vão deve ser leve e flexível, por exemplo em madeira ou tabique (Fig. 4.15).
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
70
Fig. 4.15 – Classificação dos tipos de lintéis de reforço de vãos (Minke, 2012)
Caso se utilizem, os lintéis de reforço das padieiras têm que penetrar profundamente na parede, sendo que
Minke (2012) refere um mínimo de 40 cm, Morris (2012) de 30 cm e Houben e Guillaud (2006) não menos do
que 20 cm. Os lintéis podem ser executados em madeira, betão armado ou com perfis metálicos. A ancoragem
dos lintéis não deve sobrepor-se a nenhuma junta de dilatação entre painéis de terra, o que tenderia a desesta-
bilizar o vão (Lindsay, 2012b).
Sobre a aplicação de lintéis constituídos por perfis metálicos, Lindsay (2012b) refere que, para lintéis que requei-
ram uma resistência moderada, a sua fixação pode ser feita directamente à parede de terra, desde que esta seja
compactada e estabilizada. O topo do lintel deve ser rematado com uma chapa metálica que deve, por sua vez,
ser fixa com buchas químicas à parede, penetrando 2/3 da sua espessura (Fig. 4.16). Caso os lintéis requeiram
uma resistência elevada, Lindsay (2012b) recomenda a aplicação de um pilar metálico, embebido ou não na
parede, ao qual se fará a fixação do lintel.
Tradicionalmente, a dimensão do vão não deve ser maior do que 1,2 m, nem superior a 1/3 do comprimento da
parede (Minke, 2012). A distância entre vãos não pode ser curta, devendo ter pelo menos 1/3 da altura do vão
e não menos do que 1 m (Houben e Guillaud, 2006; Minke, 2012). Houben e Guillaud (2006) referem, ainda,
que o somatório da largura de todos os vãos não deverá exceder 35% do total da largura da parede em que os
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
71
vãos se inserem e que se devem evitar concentrações de aberturas numa mesma zona.
Fig. 4.16 – Viga em perfil metálico (Lindsay, 2012b)
A distância entre o vão e a esquina mais próxima não pode igualmente ser curta, sendo que Houben e Guillaud
(2006) e Minke (2012) recomendam não menos do que 1 m e Morris (2012) não menos do que 90 cm, caso a
terra seja estabilizada.
Morris (2012) refere ainda que, caso haja aberturas no primeiro e segundo piso coincidentes no mesmo plano,
estas devem ser alinhadas, devendo-se evitar aberturas maiores no piso inferior. Indica também, genericamente,
que se deve limitar a dimensão das aberturas e que deve existir um bom espaçamento entre aberturas.
Por fim, dever-se-á proteger o vão da água incidente das chuvas e garantir o fácil e rápido escoamento da água
incidente, não permitindo que esta se acumule na sua envolvente e penetre nos paramentos exteriores (Houben
e Guillaud, 2006).
4.1.6.5) TRATAMENTO DAS SUPERFÍCIES
Os revestimentos e acabamentos funcionavam, tradicionalmente, como meios de protecção da superfície das
paredes de terra. Contudo, tal como Morel et al. (2012) referem, com os actuais processos de estabilização, a
importância da aplicação de um revestimento sobre as paredes de terra diminuiu. Não revestir ou pintar as paredes
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
72
permite manter a aparência natural da terra, tirando partido da sua vertente estética. Não obstante, a sua aplica-
ção ainda é relevante, não só do ponto de vista da manutenção e reabilitação de construções antigas, como para
reforçar a sua protecção, ou ainda por permitir a personalização das paredes. Genericamente, a sua utilização é
mais relevante nas paredes de alvenaria de terra (adobe, BTC), do que nas paredes monolíticas (taipa, terra empi-
lhada), devido à maior fragilidade das juntas, devendo-se ter em consideração que um revestimento mal executado
pode ter consequências mais nefastas do que a ausência de um revestimento (Houben e Guillaud, 2006).
O princípio essencial de um revestimento é proteger a parede de terra, quer seja de acções mecânicas ou de
infiltração da água, mas mantendo a sua capacidade respiratória, para que a humidade existente no seu interior
possa ser expelida (Houben e Guillaud, 2006).
As soluções aplicáveis podem ser divididas entre aquelas que alteram a aparência da parede e as que preservam
a sua aparência. Já os requisitos de um revestimento ou acabamento variam consoante se aplique no interior ou
no exterior de uma construção. Enquanto a aplicação pelo exterior visa proteger a parede da erosão provocada
pelas intempéries e da penetração de água, a aplicação pelo interior procura manter activas as propriedades
higrotérmicas e acústicas da terra (Morel et al., 2012). Nessa perspectiva, a aplicação pelo interior é menos exi-
gente, permitindo a opção por soluções mais variadas.
a) Pinturas
Morel et al. (2012) referem que o acabamento por pintura, aplicado directamente sobre a superfície de terra,
não tem resultados muito positivos. A sua adesividade inicial é tipicamente boa, mas com o tempo tende a
desenvolver fissuras e a desagregar-se, devido aos comportamentos diferenciais entre suporte e pintura, criando
zonas de maior fragilidade. Simultaneamente, caso a tinta não permita a evaporação da humidade, esta pode
concentrar-se por trás da pintura, fragilizando a superfície da parede (Bui e Morel, 2007).
Minke (2012) refere que as pinturas nas superfícies de terra expostas têm que ser renovadas periodicamente,
dado que podem ser desgastadas pelo vento, chuva, geada ou raios ultravioleta. A sua utilização é mais eficiente
se for aplicada em complemento com um reboco, o que reduz a sua exposição face à movimentação do suporte
(Houben e Guillaud, 2006).
As pinturas têm que ser compatíveis com o suporte, quer seja a parede de terra ou um reboco, e têm que ser
permeáveis ao vapor de água, devendo ser suficientemente elásticas para acomodarem as variações dimensio-
nais da terra (Houben e Guillaud, 2006). As pinturas exteriores, para além de permitirem a evaporação da humi-
dade concentrada no seu interior, têm que ser impermeáveis à chuva. Kebao e Kagi (2012) referem que as pintu-
ras com tintas à base de silicone produzem bons resultados em superfícies de terra. Contudo, estas soluções são
tipicamente caras, o que pode dissuadir a sua aplicação.
O processo mais tradicional passa por caiar as paredes de terra. Entre as suas vantagens, podem-se referir a sua
disponibilidade, não necessidade de uso de mão-de-obra especializada, economia, compatibilidade com o supor-
te (mesmo se estabilizado com betume), boa regulação das trocas higrotérmicas entre suporte e ambiente e
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
73
capacidade anti-séptica (Houben e Guillaud, 2006). Contudo, este acabamento possui uma baixa resistência
mecânica, requerendo uma renovação periódica (Houben e Guillaud, 2006; Minke, 2012). O método comum
consiste em aplicar várias camadas finas, garantindo a sua penetração profunda no suporte, para que a cal não
descame durante a secagem. Minke (2012) recomenda a aplicação de três a quatro camadas, devendo a primei-
ra ser a mais fina. Como a caiação resulta num acabamento totalmente branco quando seco, pode-se adicionar
pigmentos compatíveis com a cal, como pó de terra, para alterar o tom original. A resistência da caiação pode
ser melhorada se forem adicionados aditivos, como a caseína ou óleo de linho, assim como sal, que, devido à sua
higroscopicidade, mantém a mistura húmida durante mais tempo, melhorando a sua cura (Houben e Guil-
laud, 2006; Minke, 2012).
b) Rebocos
Morel et al. (2012) indicam que os revestimentos do tipo reboco são mais adequados do que as pinturas, por
permitirem que a água penetre no seu interior, mas não chegue a atingir a parede, permitindo posteriormente a
sua difusão para o exterior. Os rebocos têm que ser compatíveis com o material terra (Houben e Guillaud, 2006),
devendo ter uma boa adesividade e uma elevada elasticidade (Minke, 2012). Caso o revestimento se degrade, a
sua degradação não pode implicar degradações irreversíveis do suporte, como a supressão de partes do muro
pelo descolamento do revestimento (Houben e Guillaud, 2006).
Os rebocos podem ser constituídos à base de areia ou silte, variando o ligante conforme se trate de uma aplica-
ção no interior ou no exterior. Podem, ou não, ser usados aditivos. Minke (2012) e Morel et al. (2012) referem
que rebocos com ligantes à base de cal, devido à sua maior resistência, são indicados para o exterior, enquanto a
aplicação interior permite o recurso a soluções mais vulneráveis, como argila ou mesmo estuques à base de
gesso. A utilização de cimento como ligante não é aconselhável, devido ao seu comportamento diferenciado
face ao suporte em terra e por ser impermeável ao vapor de água. Minke (2012) refere ainda que o consequente
desenvolvimento de fissuras permite a infiltração de água e a sua retenção no interior da parede, causando a
expansão da terra e a sua desagregação, assim como o empolamento do revestimento. Estas consequências são
ainda mais gravosas em climas frios, dada a existência de geada, que potencia a deterioração da parede.
A aplicação de revestimentos com grande capacidade impermeabilizante pode ter consequências negativas com
o tempo. Caso uma parte localizada da sua superfície seja mais fraca – quer seja devido à má execução ou sim-
plesmente por danos causados posteriormente – tal provocará a concentração de água nesse local, o que con-
duzirá ao seu enfraquecimento (Morel et al., 2012).
Morel et al. (2012) indicam que se deve deixar passar um ciclo sazonal inteiro (um ano), antes de executar o reves-
timento, para que a parede possa secar. À semelhança do que é tradicionalmente recomendado para a aplicação
de rebocos, as paredes devem estar livres de todos os elementos não consolidados, mas possuir rugosidade sufi-
ciente para permitir uma ligação efectiva entre revestimento e suporte. No momento da aplicação, o suporte deve
ser humidificado, de forma a potenciar a adesão do revestimento e a sua cura (Minke, 2012; Morel et al., 2012).
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
74
Por essa mesma razão, é importante evitar os períodos climáticos extremos (excessivo calor ou frio), por interferi-
rem com a sua secagem natural e com a adesividade do revestimento ao suporte (Morel et al., 2012).
Nos encontros construtivos mais susceptíveis, ou em locais expostos a condições térmicas mais extremas, pode-
rá ser importante reforçar a ligação do reboco com o suporte através da utilização de geomalhas ou malhas
metálicas (Minke, 2012). Por não estarem susceptíveis à acção da corrosão e por serem mais flexíveis, as primei-
ras são geralmente recomendadas (Minke, 2012).
Os rebocos à base de terra podem ser estabilizados, à semelhança da restante construção em terra (Houben e
Guillaud, 2006; Morel et al., 2012). A estabilização pode ser aplicada apenas na camada de acabamento final do
reboco ou em todas as camadas de aplicação.
c) Tratamentos de superfície que mantenham a aparência natural da terra
De acordo com Minke (2012), existem vários líquidos incolor que podem ser utilizados para impregnar as super-
fícies de terra, tornando-as repelentes à água. Deve-se assegurar que o tipo de agente utilizado penetra nos
poros da terra sem os fechar, para que a absorção de água reduza substancialmente, mas mantendo a sua capa-
cidade difusora de humidade (Kebao e Kagi, 2012; Minke, 2012).
Houben e Guillaud (2006) dividem os tratamentos de superfície em impregnações à base de produtos naturais
(e.g. óleo de linho) e de produtos químicos (e.g. silicone). A aplicação destes produtos procura conferir certas
propriedades à parede, nomeadamente melhorar a sua impermeabilização, potenciar a fixação dos grãos ou
promover o endurecimento da sua superfície.
Kebao e Kagi (2012) indicam que soluções como o acetato de polivinilo (PVA) e emulsões acrílicas ou de látex
não são, geralmente, adequadas para o tratamento de superfícies de terra compactada, dado que criam um
filme protector que impede a evaporação da humidade contida no interior da parede. Simultaneamente, são
facilmente deterioráveis por qualquer abrasão física ou mecânica, assim como pela acção da radiação UV, tendo
pouca durabilidade.
Os autores consideram que um tratamento de superfície à base de silicone é mais eficaz. Devido à sua reduzida
dimensão molecular, impregnam-se eficazmente na terra, criando uma camada repelente profunda, em vez de
criar um filme contínuo à superfície. Minke (2012) corrobora esta afirmação, referindo que estes elementos
reagem quimicamente com os minerais presentes na terra, reduzindo a sua permeabilidade em mais de 90%,
mas diminuindo a sua capacidade de difusão de humidade em apenas 5 a 8% (Figs. 4.17 e 4.18).
Apesar de a camada superficial poder ser mais rapidamente deteriorada pela acção de intempéries ou da radia-
ção UV, a camada interior não é igualmente afectada, podendo o tratamento durar, de acordo com Kebao e Kagi
(2012), até 10 anos.
Simultaneamente, este tipo de soluções não afecta a coloração e a textura da parede, mantendo a aparência
natural da terra (Kebao e Kagi, 2012).
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
75
Fig. 4.17 – Absorção de água por uma amostra de terra com-
primida natural e impregnada com um selante à base de silico-
ne (Kebao e Kagi, 2012)
Fig. 4.18 – Permeabilidade ao vapor de água de uma amostra
de terra comprimida natural e impregnada com um selante à
base de silicone (Kebao e Kagi, 2012)
Dado que os tipos de agentes repelentes disponíveis possuem, muitas vezes, diferentes composições, a sua apli-
cação deve ser primeiramente testada (Minke, 2012). Os repelentes são aplicados pelo menos em duas cama-
das, com recurso a rolos de pintura ou por aspersão. A segunda demão deve ser dada com a primeira pintura
ainda fresca. A superfície tem que estar seca e a uma temperatura entre 8 e 25 °C. A protecção deve ser renova-
da periodicamente, devido ao desgaste natural provocado pelo tempo (Minke, 2012).
Autores como Houben e Guillaud (2006) referem várias preocupações associadas com a utilização de impregna-
ções químicas, nomeadamente a sua restrição a superfícies que não venham a desenvolver fissuras superiores a
0,15 mm, sobretudo quando expostas. Referem, igualmente, que estes produtos, para serem eficazes, têm que
penetrar pelo menos 2 cm no interior da parede, dado que a sua aplicação pode criar uma camada mais rígida que
se pode destacar por inteiro do suporte. Estas preocupações reforçam o princípio referido por Minke (2012), de
que a compatibilidade e eficácia da aplicação destas soluções num suporte de terra devem ser extensivamente
testadas antes da aplicação final. A sua renovação periódica deve, igualmente, ser tida em conta.
4.1.7) PAVIMENTOS
Os pavimentos executados em terra têm que cumprir com os seguintes requisitos (Minke, 2012):
a) Resistir à abrasão;
b) Ser impermeáveis;
c) Não desenvolverem fissurações.
De acordo com Minke (2012), é difícil atingir estes objectivos com superfícies em terra, especialmente o critério de
resistência à abrasão. A solução mais fácil passa por revestir o pavimento de terra compactada com mosaicos, tijoleira,
madeira, pedra ou outro revestimento. Contudo, não é impossível executar pavimentos em terra adequados.
As boas práticas construtivas, relativamente à execução de pavimentos, são naturalmente aplicáveis. Nomeada-
mente, devem estar desimpedidos e bem nivelados, devendo ser aplicados sobre solos bem drenados e secos,
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
76
limpos de matéria orgânica e vegetal, devidamente arrumados e compactados (Houben e Guillaud, 2006).
Houben e Guillaud (2006) indicam um conjunto de preocupações que se deverá ter em consideração na execu-
ção de pavimentos térreos em terra. Por trabalharem de forma diferente, os pavimentos e as paredes estrutu-
rais devem estar desligados através de uma junta perimetral, preenchida com um material flexível mas resisten-
te. Dever-se-á prever a sua impermeabilização, impedindo a ascensão de humidade por capilaridade, quer seja
directamente através do pavimento, quer através das paredes. A utilização de terra estabilizada conferir-lhe-á
maior resistência. Poderá ser prevista a utilização de isolamento térmico dado que os pavimentos em terra são
pouco isolantes. Deve-se escolher um isolamento capaz de suportar as cargas, assente sobre um sistema ade-
quado que não permita a sua deformação. Deverá ser prevista a aplicação de um endurecedor de superfície
(tradicionalmente utilizam-se urina animal ou sangue de boi, sendo que hoje em dia se utilizam também silicatos
de sódio, óleos de linho e uma mistura de cal e caseína). Por fim, deve-se prever o acabamento da superfície,
sendo tipicamente indicada a aplicação de cera polida.
Minke (2012) e Houben e Guillaud (2006) apresentam um conjunto extensivo de soluções para pavimentos em
terra, que vale a pena consultar. A título exemplificativo, optou-se por referir a solução que Minke (2012) indica
como uma das mais eficazes, tanto do ponto de vista da adequabilidade aos requisitos indicados como dos
recursos e tempo consumíveis (Fig. 4.19).
O exemplo referido na Fig. 4.19 consiste numa camada inferior de 25 cm em gravilha, disposta sobre o terreno
compactado, para cortar a ascensão por capilaridade. Uma camada impermeabilizante de base betuminosa é
disposta sobre a gravilha, seguida de uma camada de isolamento térmico (o autor refere a aplicação de lã-de-
rocha). Depois, é disposta uma camada de 12 cm de terra mineral leve, estabilizada com 4% de cimento. A
camada final consiste numa argamassa de terra de granulometria grossa (para reduzir a retracção do solo), apli-
cada em duas camadas. O pavimento é, por fim, afagado e, uma vez totalmente seco, tratado com cera.
Fig. 4.19 – Corte por um pavimento de terra (Minke, 2012)
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
77
Caso a aplicação do pavimento se faça num piso elevado, o princípio construtivo consiste no recobrimento de
uma estrutura inferior (por exemplo em madeira) com terra. O recobrimento / preenchimento pode ser feito em
adobe ou terra compactada estabilizada, posteriormente acabada e tratada à semelhança do referido para os
pavimentos térreos (Minke, 2012).
A grande vantagem na aplicação de terra em pavimentos elevados consiste no aumento do isolamento térmico e
acústico consequentes da sua utilização. Contudo, são pavimentos de difícil execução, que requerem muita mão-
de-obra (Minke, 2012).
O ponto crítico da sua concepção é a zona dos apoios do pavimento nas paredes de terra. De acordo com Hou-
ben e Guillaud (2006), a sua concepção deve garantir que a carga do pavimento está igualmente distribuída ao
longo de todas as paredes. Deve-se evitar enfraquecer a secção da parede com a colocação do apoio do pavi-
mento, aumentando a superfície de apoio e, preferencialmente, descarregando o seu peso ao eixo da parede de
suporte (se necessário, deve-se proceder ao seu reforço). Por fim, deve-se prever a variação dimensional da
estrutura face às diferentes amplitudes térmicas e higroscópicas – que podem ter um impacte destrutivo nas
paredes de terra.
4.1.8) COBERTURAS
A função principal de uma cobertura numa construção de terra é proteger as paredes exteriores da incidência
directa da chuva e da água projectada pela própria cobertura (Houben e Guillaud, 2006; Minke, 2012).
As coberturas têm que ser leves, para reduzir a sobrecarga das paredes - particularmente em zonas de forte
sismicidade - e as suas cargas devem estar uniformemente distribuídas, evitando a concentração de esforços nas
paredes portantes. Conforme referido, é essencial uma boa fixação da estrutura da cobertura às paredes late-
rais, de forma a reduzir a sua potencial deformação (Houben e Guillaud, 2006; Minke, 2012). O recurso a vigas
de coroamento pode ser útil para facilitar essa fixação (Minke, 2012).
Em locais tipicamente expostos a fortes ventos e tempestades, a preocupação com a sua concepção é maior,
devido ao efeito de sucção produzido pelos ventos sobre a cobertura (Fig. 4.20). De acordo com Morris (2012),
como as paredes de terra têm pouca resistência à tracção, em zonas muito ventosas a melhor solução de ligação
entre a cobertura e as paredes passa por aplicar um reforço vertical contínuo, da cobertura às fundações. Em
alternativa, deverá garantir-se a ancoragem dos elementos de ligação entre a cobertura e a parede até a uma
elevada profundidade desta, ou através de uma ligação eficaz à viga de coroamento, caso exista.
Como nas construções em terra é normal prolongar-se a cobertura para proteger as paredes da incidência da
chuva, o problema da exposição ao vento é potencialmente mais gravoso.
Uma solução interessante consiste na execução de estruturas separadas, em que o suporte da cobertura se faz por
uma estrutura independente das paredes de terra, não incorporada nas paredes (Fig. 4.21). Desta forma, evita-se a
movimentação conjunta dos elementos quando sujeitos, por exemplo, a uma acção sísmica (Minke, 2001).
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
78
Fig. 4.20 a) e b) – Acção do vento sobre uma cobertura (Morris, 2012)
Naturalmente, as coberturas têm que ser impermeáveis e estanques, devendo, simultaneamente, evacuar a
água incidente o mais rapidamente possível. A sua execução deve ser rápida, evitando a exposição das paredes
de terra às potenciais intempéries. As paredes ainda não cobertas devem estar protegidas, caso ocorra precipi-
tação (Houben e Guillaud, 2006).
Fig. 4.21 – Projecto com estrutura da cobertura separada das paredes (Minke, 2012)
As coberturas podem ser planas, inclinadas ou abobadadas e podem, inclusivamente, ser executadas em terra.
As soluções de coberturas em terra são tipicamente tradicionais e pouco comuns em zonas de maior pluviosida-
de (Minke, 2012). A aplicação de terra em coberturas planas ou inclinadas está sobretudo associada com ao
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
79
melhoramento do seu comportamento térmico e acústico, sendo que estas soluções são tipicamente mistas,
aplicando-se a terra como complemento de uma estrutura primária, como a madeira (Minke, 2012).
As soluções construtivas executadas unicamente com recurso a elementos de terra crua materializam-se, tipi-
camente, em estruturas em forma de abóboda ou cúpula. O seu desenvolvimento deu-se, sobretudo, em regiões
onde existia pouca disponibilidade de madeira, obrigando os construtores locais a desenvolver soluções alterna-
tivas. A fragilidade do material às intempéries e os recursos que consome, assim como a complexidade da sua
execução e o desconhecimento das técnicas construtivas necessárias, torna-a uma solução pouco comum (Min-
ke, 2012). Simultaneamente, a construção de abóbodas de alvenaria de terra não reforçadas não é adequada em
regiões sísmicas (Houben e Guillaud, 2006; Dahmen e Ochsendorf, 2012).
As motivações que promovem a construção de abóbodas e cúpulas em terra são, sobretudo, de carácter ambiental
(Dahmen e Ochsendorf, 2012). O seu reduzido impacte, face às soluções comuns em betão armado ou tijolo cerâ-
mico, é o único motivo que pode conduzir à opção por uma cobertura em alvenaria de terra, dada a sua menor
resistência, comportamento menos previsível e fragilidade quando exposta a intempéries. Simultaneamente, refe-
rem Dahmen e Ochsendorf (2012), os métodos de concepção de estruturas eficientes em arco, abóboda ou cúpula,
são complexos, pouco conhecidos entre a comunidade contemporânea de projectistas e a maioria dos códigos
construtivos não considera abóbodas de alvenaria de terra como soluções construtivas viáveis. Aliado à falta de
experiência prática na construção destas estruturas, e por requererem tempo e uma mão-de-obra experiente,
tornam a sua aplicação menos atractiva.
Nessa perspectiva, se se pretende construir coberturas em terra, a principal vantagem na execução de abóbodas
e cúpulas reside no seu maior potencial formal, permitindo criar estruturas arquitectonicamente mais expressi-
vas (Dahmen e Ochsendorf, 2012). Minke (2012) refere ainda que, em climas quentes, devido à sua elevada
massa inerente e porque permitem atingir alturas mais elevadas ao centro do espaço, garantem um controlo
climático natural mais eficiente do que espaços cúbicos. Soluções derivadas das tradicionais abóbodas núbias
são particularmente interessantes por não necessitarem de recorrer a moldes de suporte temporário, enquanto
se constrói a estrutura principal. Estes moldes são de difícil execução e consomem muito material que é poste-
riormente desaproveitado (Minke, 2012), aumentando o custo financeiro e ambiental da construção.
A concepção e execução de abóbodas e cúpulas deve, portanto, ser particularmente cuidada. A pormenorização
é essencial para garantir a durabilidade destas estruturas, dado que qualquer penetração de água pode ter con-
sequências desastrosas na alvenaria de terra (Dahmen e Ochsendorf, 2012). Devido à sua configuração, as abó-
badas e cúpulas têm tendência a formar microfissuras no seu topo. Estas microfissuras são particularmente
prejudiciais por permitirem a penetração de água, pelo que é aconselhável a sua protecção com revestimentos
estanques (Houben e Guillaud, 2006).
O desenvolvimento extensivo dos critérios de concepção e execução de coberturas em terra não cabe no âmbito
desta dissertação. Sobre a execução pormenorizada de coberturas em terra, podem ser consultados autores,
como Minke (2001 e 2012) e Houben e Guillaud (2006), que têm um trabalho extenso sobre a matéria. Sobre os
desenvolvimentos mais recentes na concepção de estruturas em abóbodas e cúpulas em terra, pode igualmente
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
80
ser consultado o trabalho desenvolvido pelo grupo de investigação de estruturas de alvenaria do MIT e pelo
BLOCK Research Group, no ETH de Zurique, ou autores como Ochsendorf e Block (2009), Ochsendorf (2010) e
Dahmen e Ochsendorf (2012).
4.2) TÉCNICAS CONSTRUTIVAS
4.2.1) NOTA INTRODUTÓRIA
As técnicas de construção em terra podem dividir-se entre sistemas construtivos e sistemas de revestimento (Fernan-
des, 2006). Os primeiros foram sistematizados pelo CRATerre em três grandes grupos: i) estruturas monolíticas em
terra, ii) alvenarias de terra e iii) sistemas de preenchimento em terra de estruturas portantes (Fig. 4.22).
Nem todas estas técnicas têm igual expressão e preponderância no panorama construtivo actual. Tal como refe-
re Fernandes (2006), muitas têm várias adaptações regionais, desmultiplicando-se o número de técnicas existen-
tes conforme a identidade dos lugares, das culturas e das experiências construtivas locais.
A estes sistemas construtivos deve-se acrescentar os vários sistemas de revestimento em terra. Estes vão desde
os originais rebocos e estuques de terra, que têm tido uma grande evolução recente, até às técnicas actuais de
construção com terra seca (Röhlen e Ziegert, 2011), como os painéis pré-fabricados em terra leve, extrudidos ou
prensados, que são aplicados como revestimento de construções tradicionais, não necessariamente feitas em
terra. Esta é uma das áreas que tem tido maior desenvolvimento, ajudando a terra a posicionar-se enquanto
material de construção contemporâneo, integrável no panorama da construção civil corrente.
Contudo, dados os pressupostos desta dissertação, o enfoque será nos sistemas construtivos em terra, pelo que
os revestimentos não serão abordados, apesar da sua crescente difusão e investigação associada.
Foram seleccionadas quatro técnicas construtivas, com base na sua preponderância no panorama da construção
contemporânea em terra: i) Taipa, ii) Blocos de terra crua, ii) Terra projectada e iv) Terra empilhada (Cob).
O grande foco de desenvolvimento e aplicação moderna da terra em construção, hoje em dia, é a taipa. É a téc-
nica mais difundida, mais investigada, sobre a qual se pode encontrar mais informação disponível e número de
obras realizadas, independentemente da localização geográfica.
A construção com blocos de terra é, por outro lado, incontornável no panorama da construção em terra.
Optou-se por reunir num único subcapítulo o conjunto das técnicas associadas com o sistema de construção de
alvenarias de terra, dada a transversalidade dos seus princípios construtivos.
Ao conjunto das duas primeiras, foram acrescentadas duas técnicas construtivas que têm sobressaído recente-
mente: i) terra projectada e ii) terra empilhada. A primeira é relevante pelos desenvolvimentos recentes que
tem tido, com a adaptação de técnicas de projecção de betão ao sistema construtivo em terra, sobre estruturas
metálicas. A segunda, porque tem sido alvo de vários revivalismos e aplicações recentes, que justificam a sua
abordagem nesta dissertação.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
81
Estruturas monolíticas em terra Alvenarias de terra Terra como preenchimento de
estruturas
1 – Terra escavada 6 – Blocos apiloados 14 – Terra de recobrimento
2 – Terra plástica 7 – Blocos prensados 15 – Terra sobre engradado
3 – Terra empilhada 8 – Blocos cortados 16 – Terra palha
4 – Terra modelada 9 – Torrões de terra 17 – Terra de enchimento
5 – Terra prensada (Taipa) 10 – Terra extrudida 18 – Terra de cobertura
11 – Adobe mecânico
12 – Adobe manual
13 – Adobe moldado
Fig. 4.22 – Diagrama estabelecido pelo grupo CRATerre, das diferentes famílias de sistemas de construção, que utilizam a
terra como matéria-prima (adaptado de Houben e Guillaud, 2006)
O objectivo deste subcapítulo de técnicas construtivas consiste em retirar princípios específicos à construção em
terra, para alimentar a análise dos casos de estudo. Desta forma, procurou-se identificar as propriedades de
cada técnica construtiva, quais os tipos de aditivos compatíveis e seu método de execução. Sempre que possível,
foram incluídos dados sobre o custo de construção de cada técnica e mão-de-obra associada.
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
82
Os princípios construtivos abordados no subcapítulo 4.1 – Concepção dos elementos construtivos – são generi-
camente aplicáveis às técnicas construtivas abordadas, excepto quando referido em contrário.
4.2.2) TAIPA
A taipa (Fig. 4.23) é um método de construção monolítico, em que a mistura de terra é sobreposta em camadas
e compactada directamente no interior de um sistema de cofragem, podendo ser utilizada para construir pare-
des portantes ou não-portantes (Röhlen e Ziegert, 2011). Tradicionalmente, a taipa era mais difundida em zonas
cujos solos são mais adequados para a sua construção. Hoje em dia, de acordo com Röhlen e Ziegert (2011), as
construções em taipa utilizam solos de diferentes proveniências e características, pré-doseados industrialmente
de acordo com especificações definidas em projecto, permitindo a sua construção em qualquer local adequado
climaticamente à sua utilização. Tipicamente, a sua aplicação em paredes que confinem com o exterior é mais
apropriada em zonas temperadas ou quentes, menos húmidas, com temperaturas nocturnas inferiores que
permitam o arrefecimento das paredes (Lindsay, 2012a).
A sua execução pode ser tradicional, com recurso a tecnologias rudimentares e uma mão-de-obra intensiva (ain-
da viável e útil em países em desenvolvimento, onde a mão-de-obra não é cara e os recursos são escassos), ou
contemporânea, tecnologicamente desenvolvida, com recurso a aditivos e reforços adequados a níveis de exi-
gência regulamentar superiores (Easton e Easton, 2012).
Ambos os tipos de execução são viáveis, consoante o contexto em que se construir. Contudo, a opção por um
tipo de construção moderno ou um tipo de construção tradicional terá impacte no custo, no rendimento, na
produtividade e no impacte ecológico da construção.
Por um lado, o prolongado período de execução desta técnica construtiva pode-se tornar dissuasor da sua apli-
cação em obras de maior complexidade e exigência, onde os períodos de execução em obra são muito reduzi-
dos. Por outro, a construção em taipa em climas menos propícios à sua execução, como climas frios e chuvosos,
obriga a acelerar o processo construtivo por todos os meios necessários (recurso a meios mecânicos mais efi-
cientes e em maior quantidade, a um maior superior de operadores e de material de cofragem), para que se
possa construir o máximo possível no curto período climático favorável à execução da taipa - o que leva a um
aumento do custo da construção (Krayenhoff, 2012).
Uma solução potencial para estes problemas consiste na utilização de paredes pré-fabricadas em taipa, executa-
das em armazém e aplicadas num curto espaço de tempo em obra.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
83
Fig. 4.23 – Parede de taipa da Capela da Reconciliação (Röhlen e Ziegert, 2011)
4.2.2.1) PROPRIEDADES
A densidade seca da taipa situa-se entre 1700 e 2400 kg/m3. A densidade é testada em cubos com 20 cm de
aresta, sendo admissível uma tolerância de 10 % entre amostras (Röhlen e Ziegert, 2011).
Em comparação com as técnicas de construção com terra húmida, o rácio de retracção da taipa é bastante infe-
rior (Minke, 2012). Não obstante, a retracção de um elemento de taipa não deve exceder 2 % e 0,5 a 0,7 % caso
os elementos sejam aparentes (Röhlen e Ziegert, 2011). Deve ser testada a retracção da mistura de terra na sua
primeira aplicação e, a partir de então, a cada 10 m3 de terra aplicada, caso esta seja proveniente do local de
construção, ou a cada 50 m3 caso seja proveniente de uma mistura pré-doseada industrialmente.
Os valores de referência para a resistência à compressão de uma parede de taipa variam consoante os autores
analisados. De acordo com Röhlen e Ziegert (2011), encontra-se tipicamente entre 2 e 4 MPa para paredes de
taipa não estabilizada. Paredes de taipa portantes devem ter uma resistência à compressão simples de, pelo
menos, 2 MPa e uma espessura não inferior a 32,5 cm. Estes autores referem, igualmente, que para paredes
não-portantes, não existe uma resistência mínima admissível. A sua espessura não deve, contudo, ser inferior a
24 cm. Já Lindsay (2012b) indica que, em locais de moderada sismicidade, os requisitos de resistência à com-
pressão para paredes de taipa estabilizada com cimento não são inferiores a 6 MPa, podendo este valor ser
aumentado através da afinação da distribuição granulométrica da mistura e pela proporção de estabilizante
utilizada. Em locais onde não existam restrições sísmicas, o autor refere que uma resistência à compressão de
3,5 MPa é admissível. Por sua vez, Krayenhoff (2012) refere que em 2007 seria expectável obter resistências à
compressão na ordem de 6 MPa e que hoje em dia é expectável atingir 10 MPa, ou mesmo valores entre 20 e
30 MPa O máximo obtido, até 2012, foi de 46 MPa com a adição de 10% de cimento. Isto demonstra a evolução
rápida que a construção em taipa está a ter. Os valores aumentam devido à estabilização com aditivos como o
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
84
cimento, mas também devido ao maior conhecimento e controlo da distribuição granulométrica mais adequada
para a construção em terra.
A resistência à compressão simples é medida através da análise de, pelo menos, três cubos de teste com 20 cm de
aresta, executados com uma densidade idêntica à do elemento construtivo. O valor mais reduzido, obtido da análi-
se dos três cubos de teste, é adoptado como referência. A secagem dos cubos de teste não pode ser acelerada,
devendo a sua análise ser efectuada ao fim de aproximadamente seis semanas (Röhlen e Ziegert, 2011).
A taipa aplicada em paredes portantes deve exibir um módulo de elasticidade ≥ 750 N/mm2, o que geralmente é
cumprido por elementos com uma resistência à compressão simples de 2 MPa (Röhlen e Ziegert, 2011).
Devido à sua densidade, os elementos de taipa são genericamente classificados como não-inflamáveis, mesmo
quando a mistura contém fibras orgânicas incorporadas (Röhlen e Ziegert, 2011), e possui uma condutividade
térmica elevada, não funcionando bem enquanto isolante térmico (Quadros 4.2 e 4.3).
Quadro 4.2 – Coeficiente de condutividade térmica da taipa, consoante densidade (Röhlen e Ziegert, 2011)
Densidade seca (kg/m3)
Coeficiente de condutividade térmica (W/mK)
1.700 0,82
1.800 0,91
1.900 1,00
2.000 1,10
2.100 1,20
2.200 1,40
2.300 1,50
2.400 1,60
Quadro 4.3 - Necessidade de adição de isolamento térmico, consoante a espessura da parede de taipa, para obter uma con-
dutividade de 0,28 W/m2K (Röhlen e Ziegert, 2011)
Espessura parede de taipa (densidade 2200 kg/m3) (cm)
Espessura isolamento térmico (0,04 W/mK) (cm)
32,5 14
40 13
60 12
90 11
480 * 0
* Apenas a título informativo
Em comparação com a alvenaria de adobe, por ser uma técnica monolítica, tende a ter maior durabilidade (Min-
ke, 2012).
4.2.2.2) ADITIVOS
A experiência histórica e a prática actual em algumas partes do mundo indicam que a dosagem rigorosa e a exe-
cução cuidada de paredes de taipa não-estabilizada podem garantir o cumprimento dos requisitos estruturais
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
85
realísticos das construções de pequeno porte (Easton e Easton, 2012). De acordo com autores como Röhlen e
Ziegert (2011), existem poucos exemplos de construções em taipa estabilizada com recurso a aditivos na Alema-
nha, sendo normal que a sua execução seja feita sem o seu recurso. Contudo, em países como a Nova Zelândia,
Austrália e Estados Unidos da América, os códigos construtivos especificam níveis de resistência que não são
atingíveis sem o recurso à estabilização com cimento (Easton e Easton, 2012). Logo, o uso, ou não, de estabili-
zantes pode estar, em grande medida, dependente do local onde se fizer a construção.
A estabilização mais comum consiste na adição de cimento branco (ver subcapítulo 3.2.3.2) numa percentagem
em torno de 7 % (Easton e Easton, 2012; Hall e Swaney, 2012). Caso a terra não seja estabilizada com aditivos, a
percentagem de argila e silte utilizada na mistura deve ser superior, o que obriga a um maior rigor na selecção
do material, controlo da sua distribuição granulométrica e do seu coeficiente de retracção linear, dada a sua
maior tendência para retrair (Hall e Swaney, 2012).
4.2.2.3) EXECUÇÃO
A construção deve ser levada a cabo sob a orientação de um especialista com a experiência teórica e prática
deste método de construção. Dada a sua especificidade, o envolvimento da equipa projectista e do construtor
deve existir desde o início do projecto, para garantir a adequação do projecto ao método construtivo, o planea-
mento adequado da obra e a qualidade da construção. Nas construções em que existam paramentos visíveis,
deve ser garantida a execução de protótipos numa fase inicial da obra, para aferir e garantir a qualidade de exe-
cução pretendida (Röhlen e Ziegert, 2011).
a) Selecção, extracção e preparação da terra
A resistência e o aspecto de uma parede de terra acabada estão directamente relacionados com o tipo de terra e
mistura utilizadas. Simultaneamente, a origem da terra e o seu processamento têm uma grande relevância no
custo e no impacte ambiental do projecto. A selecção da terra – quer seja por extracção directa no local de obra,
ou por recurso a misturas pré-doseadas industrialmente – implica a ponderação entre o custo do material e a
qualidade da parede. A avaliação geotécnica, em conjunto com o teste preliminar das amostras construtivas, são
decisivas para a decisão sobre que tipo de terra utilizar (Easton e Easton, 2012).
Nem sempre os solos locais são adequados para a construção em taipa. Nesses casos, deve-se proceder à sua
correcção granulométrica, com recurso à mistura de solos e agregados de diferentes proveniências e caracterís-
ticas, de acordo com as especificações definidas em fase de projecto para cada uso específico (Lindsay, 2012a;
Röhlen e Ziegert, 2011). Solos montanhosos, com uma mistura de agregados equilibrada (variedade dimensio-
nal) e com suficiente coesão, são particularmente adequados. Agregados cuja superfície for mais irregular dão
maior estabilidade à estrutura de terra compactada do que agregados arredondados (Röhlen e Ziegert, 2011). A
Fig. 4.24 mostra uma curva granulométrica de uma mistura de terra adequada para a construção em taipa.
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
86
Fig. 4.24 – Curva granulométrica de uma mistura de terra adequada para a construção em taipa (Röhlen e Ziegert, 2011)
Sobre o processo genérico de selecção, extracção e preparação da terra, deve-se consultar os subcapítulos 3.1.3
a 3.1.5.
b) Cofragem
O sistema de cofragem de uma construção em taipa é comummente denominado por taipal e consiste num
sistema de cofragem adaptado ao sistema de construção por compressão, adequado para erigir paredes monolí-
ticas de terra (Fig. 4.25 e 4.26). É tipicamente constituído por dois painéis paralelos, ancorados entre si, que
servirão de molde para a conformação da taipa (Minke, 2012).
Fig. 4.25 – Sistema de cofragem Stabilform (Hall e Swaney, 2012) Fig. 4.26- Exemplo de sistemas de cofragem (Minke,
2012)
De acordo com Easton e Easton (2012), o sistema de cofragem utilizado representa o segundo factor com maior
preponderância no custo de uma parede de taipa, logo a seguir ao processamento e origem (local ou importada)
da terra. Tal como na execução de betão armado, existem várias estratégias para projectar e erigir uma cofra-
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
87
gem de taipa. A sua selecção será influenciada pelo custo, desenho estrutural, possível reutilização, tipo de aca-
bamento desejável e mão-de-obra, influenciando profundamente a produtividade da obra.
Os taipais podem ser feitos por troços (painel a painel) ou por traço contínuo (cofragem contínua) e os seus
materiais são os mais variados, como cofragens em painéis de madeira, contraplacados, metálicos ou fibra-de-
vidro, com recurso a sistemas industrializados ou manufacturados (Easton e Easton, 2012).
Os sistemas de cofragem painel a painel manufacturados apresentam, como vantagens, um custo inferior e o facto
de poderem ser reutilizáveis. Contudo, a sua assemblagem é mais difícil, apresentam uma baixa produtividade e
uma reduzida precisão – nomeadamente esquinas e juntas imperfeitas, desalinhamento entre superfícies cofradas
em diferentes períodos e juntas visíveis (Easton e Easton, 2012). De acordo com Oliveira et al. (2010), no caso das
cofragens executadas por troços, o arranque da fiada superior deve ser sempre desencontrado da fiada anterior, de
modo a garantir o desencontro entre juntas e, consequentemente, uma maior estabilidade da parede.
No caso dos sistemas de cofragens contínuas, os paramentos não apresentam juntas para secções superiores às
do sistema de painel a painel, garantem uma maior produtividade, um melhor acabamento e um maior período
de cura com os painéis ainda aplicados. Contudo, as suas desvantagens são um custo inicial superior, o potencial
desperdício de madeira e a necessidade de possuir zonas de armazenamento entre aplicações (Easton e Easton,
2012). No caso das cofragens contínuas, deve-se ter em atenção a tendência acentuada de fissuração das pare-
des devido à ausência de juntas verticais que permitam a retracção da terra, pelo que é aconselhável utilizar um
tipo de terra estabilizado (Oliveira et al., 2010) e garantir a redução da dimensão dos paramentos, promovendo
o seu seccionamento por juntas de dilatação (Minke, 2012).
O sistema deve assegurar a segurança do trabalhador, minimizando os riscos inerentes ao trabalho em altura
(Houben e Guillaud, 2006), facilitando o processo de montagem e desmontagem, devendo ser leves, simples e
manuseáveis, permitindo o fácil ajuste na direcção horizontal e vertical (Houben e Guillaud, 2006; Minke, 2012).
Os sistemas de cofragem utilizados para a construção de estruturas em betão são adequados para a cofragem de
taipa, assim como sistemas mais tradicionais executados no local da construção. De acordo com Röhlen e Ziegert
(2011), a cofragem tem que ser dimensionada para resistir a uma carga de superfície de 60 kN/m2. Tem que
estar bem ancorada ao solo, para prevenir a sua elevação durante a compactação, e deve ser verificada regular-
mente, para garantir que permanece aprumada. Os painéis devem ser suficientemente largos para garantir que
parte da parede compactada permanece cofrada enquanto se executa o troço seguinte, devendo assegurar-se
uma sobreposição de pelo menos 1 m, independentemente da geometria do elemento. À semelhança do betão,
para garantir uma boa execução das esquinas e das juntas de dilatação, pode-se utilizar bites triangulares para
facetar as arestas (Fig. 4.27) (Easton e Easton, 2012).
A disposição e quantidade de ancoragens utilizadas condicionam a compactação e a qualidade do elemento
construído (Fig. 4.28), pelo que se deve procurar reduzir a sua aplicação ao mínimo necessário (Röhlen e Ziegert,
2011). As ancoragens podem ser interiores, atravessando transversalmente a parede de taipa, ou exteriores.
Caso as ancoragens sejam feitas pelo interior da parede, uma vez retiradas, os vazios deixados pelas mesmas
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
88
têm que ser preenchidos (Minke, 2006). Simultaneamente, o uso de ancoragens interiores dificulta a introdução
de isolamento térmico no interior das paredes (Krayenhoff, 2012).
Fig. 4.27 – Junta de dilatação chanfrada
(Hall e Swaney, 2012)
Fig. 4.28 – Ancoragens no interior de uma cofragem
(Röhlen e Ziegert, 2011)
A superfície de cofragem determinará a textura e qualidade da superfície de taipa. Os painéis utilizados previa-
mente na execução de estruturas de betão não devem ser utilizados na execução de elementos de taipa, dado
que mantêm vestígios de cimento e óleos descofrantes – por vezes não detectáveis a olho nu - que influenciarão
a qualidade da superfície de terra (Röhlen e Ziegert, 2011). Segundo Minke (2012), deve-se ter particular cuida-
do com o tipo de superfície de painel utilizada e com o processo de desmontagem da cofragem, de forma a evi-
tar que as partículas de argila fiquem coladas ao painel. Todos os materiais podem ser empregues na sua consti-
tuição, desde que sejam garantidas as condições acima descritas (Houben e Guillaud, 2006).
c) Conformação e compactação
A terra deve ser vertida de forma homogénea, de uma altura não muito alta, para evitar a segregação das partí-
culas e a concentração dos agregados na superfície da cofragem. Uma vez colocada, a terra é espalhada com um
ancinho e compactada (Fig. 4.29) (Lindsay, 2012a; Röhlen e Ziegert, 2011). O controlo da textura à superfície é
feito pelos operadores no topo da cofragem, aproximando ou afastando os agregados de maior dimensão da
superfície da cofragem, para obter uma textura mais fina ou rugosa (Lindsay, 2012a).
A compactação pode ser manual ou mecânica e ambas podem ser igualmente eficazes (Easton e Easton, 2012). A
compactação manual é extremamente laboriosa e economicamente viável apenas para elementos de pequenas
dimensões ou em situações onde o custo da mão-de-obra é reduzido ou não relevante (Fig. 4.30). O peso de um
maço de compactação manual deve corresponder sensivelmente à largura da sua base, sendo que Röhlen e
Ziegert (2011) indicam que um maço de 12 kg com uma base de 12 x 12 cm é eficaz em termos de peso e
maneabilidade. Por sua vez, Minke (2012) indica que a base do maço de compactação não deve ser inferior a
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
89
60 cm2 ou superior a 200cm2, devendo o seu peso situar-se entre 5 e 9 kg. Indica, igualmente, que se deve alter-
nar o formato da cabeça do maço de compactação, sendo as cabeças arredondadas eficazes para a compactação
geral da terra e as cabeças planas, de arestas rectas, ideais para a compactação das esquinas.
Fig. 4.29 – Terra a ser espalhada com um ancinho
no interior de uma cofragem (Kapfinger, 2001)
Fig. 4.30 – Maços de compactação manual (Minke, 2012)
Contudo, o processo de compactação mais corrente em países industrializados é mecânico (Easton e Easton,
2012), quer seja dinâmico ou vibratório, com recurso a compressores pneumáticos (Fig. 4.31), cilindros compres-
sores (Fig. 4.33) ou placas vibratórias (Fig. 4.32). Cada situação ou fase de compactação pode requerer diferentes
equipamentos, dimensão e formato de cabeça, velocidade e força de compactação (Easton e Easton, 2012). A
primeira fase de compactação de uma camada de terra é tipicamente executada com uma cabeça maior, dando
depois lugar a cabeças mais pequenas para comprimir os locais de acesso mais difícil, como cantos e formas
complexas. Rolos compressores apenas são eficazes em troços longos e ininterruptos, dada a sua difícil maneabi-
lidade, requerendo, igualmente, o uso de compressores pneumáticos operados manualmente para finalizar as
laterais e os cantos (Röhlen e Ziegert, 2011). Já o uso de placas vibratórias apenas é eficaz em solos arenosos,
não podendo ser utilizado para compactar solos argilosos (Minke, 2012).
Cada camada de terra possui entre 10 e 15 cm de altura, sendo depois comprimida para aproximadamente 1/3
da sua espessura (Minke, 2012; Röhlen e Ziegert, 2011). Caso se utilizem placas vibratórias, as camadas de terra
aplicadas deverão ser menos espessas (7 cm) (Minke, 2012).
As camadas devem ser compactadas de forma homogénea, por passagens sucessivas ao longo de todo o troço
que está a ser executado e até ao ponto em que a compactação não seja mais possível. A compactação deve
partir do centro para as periferias, rematando no fim os limites ao longo da cofragem. Caso se aplique reforços,
como malhas poliméricas, estes devem ser introduzidos a 2/3 de cada camada de terra disposta, sendo depois
preenchido o último terço e apenas então se deve proceder à compactação (Röhlen e Ziegert, 2011). Caso o
sistema de cofragem utilize ancoragens interiores, estas devem ser contornadas durante a compactação, deven-
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
90
do-se evitar a compactação imediatamente sobre os varões, para que estes não se entortem, dificultando a sua
remoção posterior (Lindsay, 2012a).
Fig. 4.31 – Compressores pneumáticos (Minke, 2012)
Fig. 4.32 – Placa vibratória (Minke, 2012) Fig. 4.33 – Rolo compressor (Kapfinger, 2001)
Deve se notar que todo o processo de compactação será visível na superfície da parede, pelo que a sua execução
é crucial para a sua aparência final (Röhlen e Ziegert, 2011). Para obter linhas distintas entre camadas, estas
devem ser integralmente compactadas antes de se proceder à adição da camada de terra seguinte. Caso se opte
por produzir nuances contínuas ao longo da parede, deve-se optar por não compactar as camadas até ao seu
limite de compactação antes de se proceder à adição da camada seguinte, permitindo a mistura entre ambas as
camadas. Da mesma forma, pode-se obter variações de tonalidade entre camadas ao adicionar misturas de dife-
rente origem (Easton e Easton, 2012). As figuras 4.34 e 4.35 exemplificam diferentes resultados possíveis, con-
soante o tipo de técnica de compactação utilizada.
Tradicionalmente, as técnicas de taipa são executadas por blocos de 50 a 80 cm de altura, a partir da qual a
cofragem é movida ou estendida para o bloco seguinte. Devido à secagem temporária entre blocos, antes da
aplicação da primeira camada do bloco seguinte, o troço já executado é humidificado, o que provoca um aumen-
to da retracção desta última fracção de terra, podendo provocar o desenvolvimento de fissurações horizontais
entre camadas. Para colmatar essa retracção, aplica-se tradicionalmente uma camada de argamassa de cal antes
de proceder à execução do bloco seguinte. Devido à sua cura prolongada, a camada de argamassa de cal perma-
nece plástica durante várias semanas, acomodando a retracção natural da taipa (Minke, 2012). Caso se trate de
um sistema de cofragem contínua, este problema não se coloca, apesar de requerer um investimento superior e
de implicar, como referido, a estabilização da terra, caso não se seccione o paramento por juntas verticais espa-
çadas regularmente (Easton e Easton, 2012; Oliveira et al., 2010).
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
91
Fig. 4.34 – Superfície de taipa de aparência homogénea
(Easton e Easton, 2012)
Fig. 4.35 – Superfície de taipa com demarcação horizontal das
camadas (Easton e Easton, 2012)
Outra forma de contornar o desenvolvimento de fissurações horizontais passa por construir a parede por troços
verticais independentes, mais curtos (≤ 3,8 m), compactados de forma contínua até à altura do piso (Fig. 4.36).
Para garantir a estabilidade lateral entre paramentos, as juntas verticais são executadas em forma de encaixe
(macho/fêmea) e preenchidas após a cura inicial da parede com argamassa de terra estabilizada, por exemplo,
com óleo de linho (Minke, 2012) e seladas com um cordão de espuma de células fechadas (Fig. 4.37), colocado
antes da execução do troço seguinte (Lindsay, 2012a). Alternativamente, o projecto pode ser planeado de forma
modelar, fazendo coincidir a localização de vãos e/ou de uma estrutura complementar nos limites destes troços.
Fig. 4.36 – Parede executadas por troços verticais inde-
pendentes (Lindsay, 2012a)
Fig. 4.37 – Pormenor de juntas verticais entre para-
mentos independentes (Lindsay, 2012a)
Uma solução interessante para reduzir os custos associados com a cofragem (material e mão-de-obra) consiste
em executar uma das faces da parede em alvenaria, contra a qual o paramento de taipa é compactado – funcio-
nando simultaneamente como cofragem perdida e acabamento da parede (Fig. 4.38). Nestas circunstâncias, é
apenas essencial garantir que o paramento de alvenaria tem resistência suficiente para suportar as cargas con-
sequentes do processo de compactação da taipa (Minke, 2012).
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
92
Fig. 4.38 – Parede de taipa executada com cofragem perdida
(Minke, 2012)
Fig. 4.39 - Retoque das faces de um vão após descofragem
(Minke, 2012)
A abertura de vãos é geralmente assegurada durante a conformação, incorporando os módulos das aberturas
directamente na cofragem, encimados por lintéis em terra estabilizada e reforçada, ou em materiais distintos
(ver subcapítulo 4.1.6.4), que garantam o suporte da secção de parede sobre o vão. Devido à sua essência mol-
dável enquanto fresca, a taipa permite o retoque das faces dos vãos (Fig. 4.39), assim como a execução directa
de aberturas mais pequenas nos paramentos (Minke, 2012).
d) Remoção da cofragem e secagem
As cofragens têm que ser mantidas durante o tempo necessário para que a parede desenvolva a resistência
suficiente, o que variará consoante as condições atmosféricas presentes (Lindsay, 2012a).
De acordo com Röhlen e Ziegert (2011), as paredes de taipa com a altura de um piso (em torno a 3,25 m) e um
rácio altura / espessura (h/e) igual a 10, podem ser executadas numa sequência contínua (painel a painel), sendo
a cofragem retirada por inteiro assim que a parede estiver suficientemente seca e a sua resistência for admissí-
vel. Caso o rácio h/e seja aproximadamente 7, a cofragem deve ser retirada por partes, das camadas inferiores
para as superiores, garantindo assim o prolongamento da cura da parede. Caso se continue a construção sobre
essa parede, deve-se garantir que a resistência e conformação da parede está suficientemente estável, para
evitar qualquer tipo de desmoronamento, dado o longo período de secagem a que as paredes de terra estão
sujeitas (especialmente quando são mais espessas).
Os painéis de cofragem e as ancoragens devem ser retirados com cuidado, para preservar o acabamento da
parede. Os vazios deixados pelas ancoragens são preenchidos com uma mistura de terra fresca e a sua superfície
tratada, podendo permanecer aparentes à superfície ou disfarçados (Lindsay, 2012a). Assim que a cofragem for
retirada, deve-se corrigir qualquer tipo de imperfeição patente na superfície da parede e escovar com uma esco-
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
93
va pouco abrasiva. Este procedimento permite realçar a textura dos agregados e, caso se aplique, criar uma
rugosidade suficiente para a garantir a adesividade de um revestimento (Röhlen e Ziegert, 2011).
Conforme referido, o processo de secagem condiciona o desenvolvimento de resistência da parede e pode con-
duzir ao desenvolvimento de fendas por retracção, pelo que é essencial garantir uma cura cuidada da parede,
nomeadamente no que se refere ao tempo de secagem, condições climatéricas, protecções contra a incidência
de chuva e ocorrência de geada ou excessivo calor (ver Subcapítulo 3.1.6 – Secagem e cura). A aplicação de
qualquer tratamento de superfície apenas deve ser feita após a secagem adequada da parede (Lindsay, 2012a).
4.2.2.4) ELEMENTOS EM TERRA COMPRIMIDA PRÉ-FABRICADA
Um método construtivo de taipa que tem vindo a ser progressivamente mais difundido consiste na execução de
paredes pré-fabricadas de taipa, executadas fora do local de construção, em fábrica.
A utilização de paredes pré-fabricadas em taipa permite colmatar as dificuldades de execução da taipa in situ em
climas frios e chuvosos. Permite, igualmente, reduzir o tempo de execução em obra e o acesso a locais de fraca
acessibilidade – o que pode ser muito útil em obras mais complexas, onde o período disponível de execução dos
trabalhos é muito reduzido. Pode, igualmente, ser útil quando se pretende incluir apenas um ou dois painéis de
terra, evitando a deslocação de toda uma equipa e equipamento para uma obra mais distante.
A pré-fabricação obriga a um cuidado acrescido no transporte dos elementos de terra, dada a sua natural fragili-
dade. A principal dificuldade associada com este método de construção prende-se com o manuseamento dos
painéis de taipa. Autores como Lindsay (2012b) defendem a introdução de elementos metálicos no seu interior,
fixos desde a base da parede, para permitir a sua elevação (Fig. 4.40). Uma solução simples, de acordo com o
autor, consiste na inclusão de um perfil em “T” ao longo de toda a base do painel, ao qual serão fixos dois varões
metálicos verticais, rematados em forma de gancho, para permitir a elevação do painel. Não explicita, contudo,
como remove os ganchos no final da operação.
Outros autores, como Rauch (2011), com uma vasta experiência na execução e aplicação deste tipo de painéis,
não recorrem à introdução de estruturas metálicas interiores, mas antes a sistemas de cintas que envolvem os
painéis, permitindo a sua elevação (Fig. 4.41). Em locais com um acesso fácil, tal permite a aplicação de paredes
com um peso ≤ 7.000 kg, que são elevadas e posicionadas com gruas.
O sistema permite construir paredes por secções a toda a altura, ou por partes, que funcionem individualmente ou
como sistema complementar de preenchimento de estruturas (Fig. 4.42 a 4.44). As combinações de elementos de
terra compactada com estruturas autónomas, em particular de madeira, têm-se mostrado, de acordo com Rauch
(2011), eficazes. A capacidade portante e higrotérmica da taipa, associada à sua modelação pré-fabricada, ade-
quam-se bem ao preenchimento da estrutura de madeira, complementando o seu comportamento estrutural,
sendo igualmente compatíveis com as suas propriedades higrotérmicas. Devido à sua materialidade, as juntas entre
painéis podem ser retocadas (Fig. 4.45), tornando-se quase imperceptíveis (Rauch, 2011).
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
94
Fig. 4.40 – Elevação de painéis pré-fabricados de taipa com
varões metálicos embebidos no painel (Lindsay, 2012ª)
Fig. 4.41 – Elevação de painéis pré-fabricados
de taipa com cintas (Rauch, 2011)
Uma maior procura poderia conduzir à multiplicação de unidades de produção deste tipo de painéis, reduzindo
as distâncias de transporte e os custos e impacte ambiental associado (Rauch, 2011).
Fig. 4.42
Fig. 4.43
Fig. 4.44
Fig. 4.45
Fig. 4.42 - 4.45 – Processo de transporte, elevação, colocação e retoque de painéis de taipa pré-fabricada (Kapfinger, 2001)
4.2.2.5) S.I.R.E. – STABILIZED INSULATED RAMMED EARTH
A estabilidade térmica é mais facilmente de atingir em situações onde exista muita massa isolada termicamente,
com uma capacidade substancial de armazenamento de calor (inércia). Enquanto o isolamento térmico reduz a
velocidade com que se dá a perda de calor no interior de uma construção, uma forte inércia térmica reduz o efeito
das variações de temperatura bruscas. Por vezes, uma elevada massa térmica aparenta funcionar como isolamento
térmico ao minimizar as flutuações de temperatura entre os dias solarengos e as noites frias. Contudo, como refere
Krayenhoff (2012), em climas frios, uma casa sem isolamento térmico e com paredes com uma elevada condutivi-
dade e massa térmica, será extremamente fria no inverno e dificilmente capaz de ser aquecida.
A taipa possui essa forte inércia. Contudo, conforme referido (Quadro 4.2), o coeficiente de transmissão térmica
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
95
de uma parede de taipa varia entre 0,82 e 1,6 W/m2K, o que é manifestamente insuficiente do ponto de vista do
isolamento térmico necessário para paredes exteriores face à legislação actual. Para colmatar a insuficiência
térmica da taipa, em particular em climas frios, deve-se proceder à correcção da constituição da parede, incluin-
do, nomeadamente, a introdução de isolamento térmico comum na sua constituição (Minke, 2012).
Para manter a aparência da terra em ambas as faces da parede, tirando partido das suas propriedades higrotér-
micas e estéticas, uma solução possível consiste em incorporar o isolamento térmico no interior da parede de
taipa. As placas de isolamento térmico são ensanduichadas entre dois paramentos de taipa com uma espessura
mínima de 175 mm (Lindsay, 2012a; Krayenhoff, 2012). Os dois paramentos são travados lateralmente através
da inclusão de varões de aço inoxidável com 8 mm de espessura e 280 mm de comprimento, espaçados de
600 mm entre si e encabeçados por elementos que ficam incorporados nos paramentos, garantindo, assim, o
seu funcionamento em conjunto (Lindsay, 2012a).
As paredes com isolamento térmico no interior requerem uma resistência à compressão superior à das paredes
sem isolamento térmico, dado que os dois paramentos de terra são menos espessos individualmente do que um
paramento de terra monolítico único (Krayenhoff, 2012).
Por outro lado, a presença dos varões de ancoragem transversais à cofragem dificulta a colocação do isolamento no
interior da parede. Se for viável e estiver disponível, uma solução de cofragem que não necessite de ancoragens
interiores é preferível quando se pretende isolar termicamente o interior das paredes de taipa (Krayenhoff, 2012).
O efeito do isolamento térmico nas paredes de taipa apenas é efectivo se todo o invólucro do edifício for eficaz-
mente isolado – a retenção de calor numa construção está dependente dos seus pontos mais fracos (como janelas,
portas ou vigas de bordadura mal isoladas) (Krayenhoff, 2012). Não obstante, o princípio mais importante do ponto
de vista do conforto térmico é o de garantir um projecto com um bom comportamento solar passivo (Lindsay,
2012a; Krayenhoff, 2012). Um grande nível de isolamento térmico visa manter a temperatura interior intacta, redu-
zindo as perdas no inverno e os ganhos no verão. Mas um bom isolamento térmico sozinho não é suficiente. É
essencial uma preocupação solar passiva durante a fase de projecto, garantindo nomeadamente (Lindsay, 2012a):
a) Aberturas francas na direcção predominante do sol, com paredes e pavimentos com grande inércia
térmica, para maximizar os ganhos energéticos no inverno;
b) O ensombramento eficaz destas mesmas aberturas, para reduzir a incidência interior do sol durante o
verão e regular os ganhos solares;
c) Reduzir ao máximo as aberturas a poente, não permitindo que o sol quente das tardes de verão pene-
tre no interior da construção;
d) Garantir a existência de ventilação transversal, para renovar o ar quente do verão durante as noites
mais frias.
4.2.2.6) CUSTO E MÃO-DE-OBRA
De acordo com Minke (2012), a produtividade de uma pessoa associada à construção tradicional de paredes de
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
96
taipa é de 20 a 30 h/m3, incluindo preparação, transporte e construção. Caso se optimize o sistema de cofragem e
se utilizem placas vibratórias como meio de compactação, essa produtividade aumenta para 10 h/m3. Actualmente,
defende o autor, utilizando apenas sistemas mecanizados de transporte, cofragem e compactação, a produtividade
pode chegar a ser de 2 h/m3, o que representa uma redução significativa do custo da mão-de-obra.
O custo da construção em taipa, de acordo com Lindsay (2012a), varia muito consoante o desenho do edifício, a
sua localização, acesso e condições de trabalho no local de construção. De acordo com o autor, no contexto
australiano, o custo de uma parede maciça com 300 mm de espessura pode rondar 350 a 450 $ australianos por
m2 (aproximadamente 235 a 305 €/m2 ao câmbio actual). Paredes com 400 mm de espessura sofrem um acrés-
cimo de custo de aproximadamente 20%. Nas situações construtivas mais exigente, com paredes que excedam
6 m de altura e 40 cm de espessura, o custo por m2 pode chegar a 850 $ australianos (aproximadamente
570 €/m2 ao câmbio actual).
Em 2012, de acordo com Krayenhoff (2012), o custo de uma parede de taipa com uma espessura média de
50 cm, na América do Norte, não era inferior a aproximadamente 810 $/m2 para paredes de taipa com isolamen-
to térmico no interior (aproximadamente 590 €/m2 ao câmbio actual) e 540 $/m2 para paredes sem isolamento
térmico no interior (aproximadamente 395 €/m2 ao câmbio actual).
Por sua vez, Röhlen e Ziegert (2011) referem que o reduzido número de construções em taipa na Alemanha se
deve, de acordo com os autores, ao elevado custo da mesma. Na Alemanha, uma parede de taipa com 30 cm de
espessura pode, de acordo com os autores, chegar a custar 900 €/m2, e não menos do que 300 €/m2, associado
ao elevado tempo de execução estimado por m2 (350 a 1250 min) e ao elevado custo de mão-de-obra praticado.
Curiosamente, Lindsay (2012a) refere que a predominância da localização das construções contemporâneas em
taipa em zonas rurais se deve, em parte, a uma questão de custo. A construção em terra necessita de espaço para
armazenar e misturar a terra e para o armazenamento do material de cofragem. A entrega de materiais e a aco-
modação de equipas deslocadas são bastante mais fáceis e baratas em zonas rurais. Simultaneamente, construir
em terra em pequenos lotes urbanos, com reduzida acessibilidade, pode tornar-se proibitivamente caro.
4.2.3) BLOCOS DE TERRA CRUA
Tradicionalmente, os blocos de terra são denominados de adobes, i.e., tijolos de terra crua, moldados à mão em
moldes de madeira e secados ao sol. A evolução das técnicas de execução de blocos levou ao desenvolvimento e
optimização das técnicas de conformação, tendo os blocos passado a ser comprimidos mecanicamente – dando
lugar aos denominados blocos de terra comprimida (BTC). A mistura de terra utilizada no fabrico destes blocos
pode ou não recorrer à adição de estabilizantes, como o cimento, que permitem o melhoramento das suas pro-
priedades físicas e mecânicas, mas que aumentam o seu custo e impacte ambiental.
Nas sociedades desenvolvidas, os blocos de terra crua raramente são utilizados para construir paredes portantes
de alvenaria. São antes vistos como elementos de preenchimento de estruturas, de forma a melhorar o seu
comportamento higrotérmico e acústico (Röhlen e Ziegert, 2011). Talvez por essa razão, em países como a Ale-
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
97
manha, a estabilização com cimento não é comum, não sendo necessário melhorar a sua resistência portante e
evitando-se, assim, o sobrecusto dos estabilizantes e a pior prestação ambiental.
A construção de paredes de alvenaria de adobe continua a ser uma opção viável, não obstante a sua aplicação se
restringir tipicamente às construções de carácter mais elementar de sociedades em desenvolvimento. No con-
texto da construção contemporânea, o melhoramento das propriedades dos blocos, consequente do processo
de compactação, tirou expressão à execução tradicional de adobes, pelo que esta dissertação se focará sobretu-
do em BTC (Fig. 4.46).
Fig. 4.46 – BTC do pavilhão N3, em Veneza (Rael, 2009)
4.2.3.1) PROPRIEDADES
As propriedades dos blocos de terra variam muito consoante o tipo de terra utilizada, a densidade dos blocos, o
tipo e quantidade de estabilizante utilizado e do método de execução utilizado (Reddy, 2012). Por esta razão, é
crucial proceder à análise regular da durabilidade e resistência dos blocos após a sua cura.
A dimensão dos blocos de terra crua produzidos industrialmente é tipicamente muito semelhante à dos tijolos
cerâmicos comuns (Minke, 2012), podendo adquirir vários tipos de formas consoante o fabricante (Fig. 4.47),
desde blocos sólidos a vazados, perfurados ou de encaixe (Reddy, 2012). De acordo com Reddy (2012), o rácio
entre altura da mistura pré-compactação (H) e pós-compactação (T) não deve ser inferior a 1,70 (H/T). Reddy
(2012) indica, igualmente, que a altura dos blocos não deve exceder 100 mm, para que a compactação seja
homogénea ao longo de todo o bloco, evitando variações de densidade no seu interior. Já os adobes tradicionais
possuem dimensões mais variáveis, consoante a experiência do fabricante e a sua localização geográfica.
A densidade dos blocos de terra está dependente da percentagem de humidade utilizada na conformação, dis-
tribuição granulométrica da mistura e esforço de compactação. Já a sua resistência está dependente da granu-
lometria da mistura, quantidade e tipo de argila presente, utilização de estabilizantes, humidade de compacta-
ção e densidade dos blocos (Reddy, 2012).
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
98
Fig. 4.47 – Diferentes formatos de BTC (Reddy, 2012)
A resistência à compressão de blocos de terra crua pode variar entre valores próximo do zero e superiores a
7,5 MPa. Contudo, para alvenarias portantes, o valor mínimo admissível, de acordo com Röhlen e Ziegert (2011),
é de 2 MPa e o módulo de elasticidade mínimo de 750 MPa.
Quanto maior for a densidade do bloco, maior será a sua resistência, independentemente da percentagem de
estabilizante utilizada (Fig. 4.48). Uma pequena variação na densidade produz uma elevada variação na resistên-
cia à compressão (Quadro 4.4) (Reddy, 2012).
Conforme referido (subcapítulo 3.2), a distribuição granulométrica da mistura tem uma grande influência na
capacidade de compactação da mesma, assim como a percentagem de humidade utilizada tem na resistência
obtida. Esta variação é particularmente notada quando a mistura é estabilizada com cimento (Quadro 4.5).
Fig. 4.48 – Relação típica entre densidade e resistência à compressão em BTC estabilizados com
cimento (Reddy, 2012)
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
99
Quadro 4.4 – Valores de referência de densidade e resistência à compressão para BTC estabilizados com diferentes percentagens de cimento (Prasanna Kumar, 2010)
Densidade seca Resistência à compressão húmida (MPa)
(kg/m3) 5 % cimento 8 % cimento
1.600 0,66 0,96
1.800 1,37 3,00
2.000 2,71 4,52
Quadro 4.5 – Relação entre conteúdo de água, percentagem de cimento utilizada e resistência à compressão em BTC estabilizados com cimento (Prasanna Kumar, 2010)
Conteúdo de cimen-to (%)
Resistência à compressão ao fim de 28 dias (MPa)
Humidade de compactação da mistura (%)
8,5 % 12 % 14,5%
5 % 1,10 1,15 1,37
8 % 2,31 2,38 3,00
12 % 2,94 3,90 4,44 (Densidade seca das amostras = 1800 kg/m3; Dimensão das amostras: 38 mm de diâmetro e 76
mm de altura; HOC de acordo com o ensaio Proctor: 11%)
Os blocos executados com uma baixa densidade (blocos de terra leves) são particularmente adequados para
melhorar o comportamento térmico das paredes (Fig. 4.49). A sua constituição pode incluir agregados leves,
como palha ou palha em pó, fibras de celulose, cortiça ou argila expandida (Minke, 2012)
Fig. 4.49 – Blocos de terra leve não cozidos, produzidos industrialmente (Minke, 2012)
Alguns países, como a Alemanha, já possuem normas que definem parâmetros de classificação e produção, regu-
lando as propriedades e características necessárias para os blocos de terra crua disponíveis no mercado e sua apli-
cação. O desenvolvimento destas normas marca uma evolução clara dos sistemas de produção artesanais, funda-
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
100
mentados na experiência, para um sistema de características cada vez mais industriais, que garante a incorporação
destes materiais no mercado regulamentado dos materiais construtivos contemporâneos.
De acordo com a ficha de informação técnica alemã TM Lehmsteine (DVL, 2011), referida por Röhlen e Ziegert
(2011), os blocos de terra podem ser classificados de acordo com a sua utilização (Quadro 4.6).
Quadro 4.6 – Classificação dos BTC consoante a sua utilização (TM Lehmsteine - DVL, 2011)
Área de aplicação Classificação de utilização
Alvenaria de blocos para preenchimento de estruturas de madeira em paredes
exteriores expostas à intempérie
Ia
Alvenaria de blocos em paredes exteriores expostas à intempérie Ib
Alvenaria de blocos em paredes exteriores revestidas, paredes interiores ou
alvenarias de revestimento
II
Aplicações variadas de blocos de terra seca (ex.: preenchimento de coberturas) III
Os blocos de terra classificados com uma utilização do tipo Ia e Ib devem ter uma estrutura homogénea, ser
suficientemente livres de humidade residual e resistentes ao congelamento, devendo apresentar uma dilatação
mínima face à presença de humidade. Caso sejam suficientemente resistentes, podem ser utilizados como alve-
naria portante. Genericamente, os blocos com uma utilização do tipo I não devem ser perfurados (Röhlen e Zie-
gert, 2011).
Os blocos classificados com uma utilização do tipo II devem ser suficientemente homogéneos, exibir uma estrutura
sólida e não devem dilatar excessivamente quando expostos à humidade presente no acto de aparelhamento da
parede e da aplicação de um revestimento. Caso sejam suficientemente resistentes, podem ser utilizados como
alvenaria portante. Não devem apresentar um nível de perfuração superior a 15% (Röhlen e Ziegert, 2011).
No caso dos blocos classificados com uma utilização do tipo III, estes devem apresentar-se suficientemente está-
veis para o tipo de aplicação pretendido, não havendo qualquer tipo de limitação à percentagem de perfurações
utilizada. Qualquer tipo de bloco cuja utilização não seja descriminada pelo fabricante enquadra-se na categoria
de utilização III (Röhlen e Ziegert, 2011).
Os blocos de terra, desde que não possuam fibras vegetais na sua composição, são classificados como incombus-
tíveis. Caso possuam fibras vegetais, a sua classificação face à acção do fogo está dependente da análise das suas
propriedades, sendo a sua densidade determinante nessa classificação (quanto maior for a sua densidade,
menor será a sua combustibilidade) (Röhlen e Ziegert, 2011).
De acordo com a classificação definida na ficha de informação técnica alemã TM Lehmsteine (DVL, 2011), a densidade
dos blocos de terra crua pode variar entre 0,50 e 2,2 kg/dm3. A variação da sua densidade terá influência tanto na
determinação da sua combustibilidade como na definição do seu coeficiente de transmissão térmica (Quadro 4.7).
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
101
Quadro 4.7 – Coeficiente de transmissão térmica de BTC consoante a sua densidade (TM Lehmsteine - DVL, 2011)
Densidade dos blocos de terra (kg/dm3) Coeficiente de transmissão térmica, λR (W/mK)
0,50 a 0,60 0,17
0,61 a 0,70 0,21
0,71 a 0,80 0,25
O,81 a 0,90 0,30
0,91 a 1,00 0,35
1,01 a 1,20 0,47
1,21 a 1,40 0,59
1,41 a 1,60 0,73
1,61 a 1,80 0,91
1,81 a 2,00 1,10
2,0 a 2,20 1,40
4.2.3.2) ESTABILIZAÇÃO
A durabilidade e resistência dos blocos de terra podem ser aumentadas através da sua estabilização, assim como a
sua vulnerabilidade face à acção da água e controlo de variação volumétrica. Enquanto a energia incorporada em
tijolos cerâmicos comuns é aproximadamente 2200 MJ/m3, em blocos de terra estabilizados com cimento é de 550-
770 MJ/m3 (Reddy, 2012), pelo que o argumento da redução do impacte ambiental a favor da utilização dos blocos
de terra se mantém, apesar de não ser tão efectivo como no caso dos blocos de terra não estabilizados.
A opção pela estabilização ou não da terra utilizada na execução de blocos está dependente do comportamento e
da durabilidade pretendidas, mas, sobretudo, da qualidade da terra disponível (ver subcapítulo 3.2). De acordo com
Reddy (2012), raramente a terra no seu estado natural pode ser utilizada para a execução de blocos. No caso de
BTC, o tipo de estabilização mais comum consiste na adição de cal ou cimento. Caso a argila seja mais expansiva
(e.g. montmorilonite), a utilização de cal como estabilizante pode ser fundamental. No caso das argilas menos
expansivas, a utilização de cimento é mais comum, reforçando simultaneamente a sua resistência e durabilidade.
Os valores típicos de cal e cimento utilizados na estabilização de BTC variam entre 5 e 10 % (Reddy, 2012).
No caso particular dos BTC estabilizados com cimento, caso a estabilização da mistura seja pouco homogénea,
podem desenvolver-se bolsas de argila não estabilizada, que se tornam pontos fracos dos blocos, susceptíveis à
acção da água e propensos a desestabilizar a alvenaria. De acordo com Reddy (2012), é essencial garantir a
homogeneidade da mistura estabilizada.
A estabilização tradicional de adobes consiste na adição de fibras vegetais. Dado que a sua conformação se faz
com um grau de humidade muito superior, o efeito da retracção é superior, pelo que a utilização de fibras vege-
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
102
tais visa reduzir essa retracção e controlar a sua fendilhação consequente, ao mesmo tempo que aumenta a sua
flexibilidade e resistência à tracção.
4.2.3.3) EXECUÇÃO DOS BLOCOS DE TERRA
A produção de blocos de terra varia consoante o método de execução utilizado. Face à taipa, a experiência do
operador tem uma relevância menor, dado que se trata de um processo tipicamente mais mecanizado, pelo que
ela é sobretudo mais relevante na execução de adobes.
a) Selecção, extracção e preparação da terra
O tipo de terra aconselhado para a execução de blocos de terra exclui seixos e gravilhas de maior dimensão e
concentra-se em maiores percentagens de areia e ligantes (silte e argila) (Dethier, 1993; Reddy, 2012).
Solos de granulometria superior, contendo argilas não expansíveis, são geralmente adequados para a produção
de BTC estabilizados com cimento. Solos excessivamente siltosos podem possuir uma resistência muito baixa,
inclusive para o seu manuseamento, devendo a mistura ser corrigida com a adição de areia. Todos os solos que
possuem argilas expansíveis devem ser estabilizados com cal. Genericamente, todos os solos com presença de
matéria orgânica não são adequados para a execução de blocos de terra (Reddy, 2012).
De acordo com Minke (2012), a mistura de terra adequada para a execução de blocos de terra deve conter uma
grande percentagem de areia, para garantir uma maior resistência à compressão com uma retracção mínima,
mas ao mesmo tempo ter argila suficiente para que possua a coesão suficiente para que seja manuseado. Uma
distribuição granulométrica adequada, de acordo com o autor, consiste em 14% de argila, 22% de silte, 62% de
areia e 2% de gravilha.
De acordo com Röhlen e Ziegert (2011), os fabricantes devem indicar os agregados que não faziam parte do solo
utilizado e que foram adicionados. O mesmo princípio aplica-se a todos os aditivos utilizados, quer sejam natu-
rais (fibras vegetais, que reduzem a retracção da terra durante a secagem) ou sintéticos (cimento ou cal).
Deve-se ter particular atenção à quantidade de sais presentes na mistura, que deve ser mínima, de forma a
minimizar o desenvolvimento de eflorescências futuras.
Sobre o processo genérico de selecção, extracção e preparação da terra, deve-se consultar os subcapítulos 3.1.3
a 3.1.5.
b) Conformação
Conforme referido, os blocos de terra crua podem ser conformados de várias formas: manualmente (utilizando
um molde manual), numa prensa ou por extrusão (Minke, 2012; Röhlen e Ziegert, 2011).
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
103
Os blocos executados manualmente são feitos através do preenchimento de um molde com uma mistura de terra
em estado plástico, retirando-se o excesso e alisando a superfície com uma espátula ou arame (Minke, 2012; Röh-
len e Ziegert, 2011). A base sobre a qual forem executados os blocos deverá ser plana e resistente, dado que os
moldes podem não ter fundo, e os moldes devem ser resistentes e duráveis, de faces prismáticas, em madeira,
metal ou plástico, devendo garantir uma fácil desmoldagem (Houben e Guillaud, 2006). O molde deve ser lavado a
cada utilização, garantindo uma superfície limpa para cada nova modelação, devendo estar molhado no momento
da conformação para facilitar a modelação e a extracção do bloco (Houben e Guillaud, 2006).
Os blocos executados numa prensa são feitos através do preenchimento do molde da prensa com uma mistura
de terra estabilizada ou não, que é posteriormente prensada por compactação estática com uma tampa ajustada
ao molde e elevado no acto da abertura, para que o bloco seja facil de retirar (Fig. 4.50) (Röhlen e Ziegert, 2011).
A técnica de compressão de terra num molde para produzir blocos de terra crua remonta ao final do século XVIII,
em França, desenvolvida pelo Arq.º François Cointeraux (ver Subcapítulo 2.1). Contudo, esta técnica ficou mais
conhecida mundialmente com a invenção da prensa CINVA Ram, em 1952 na Colômbia.
Fig. 4.50 – Etapas de compactação estática de BTC (E-D): a) preenchimento do molde com a mistura, b) compactação pelo
encerramento da tampa e subida do pistão, c) ejecção do bloco (Redy, 2012)
O nível de humidade com que se executa a conformação varia consoante os autores analisados. Enquanto Röhlen e
Ziegert (2011) indicam que ela deve ser feita com a humidade natural da terra, Reddy (2012) indica que é preferível
a humidade óptima de compactação (10-14 %). Como refere Minke (2012), caso a execução dos blocos seja feita
com uma percentagem de humidade muito reduzida e não se utilize cimento como estabilizante, a sua aplicação
em obra pode ser feita directamente após a sua execução, para além do que reduz substancialmente a retracção da
terra. Contudo, quanto menor for a humidade utilizada, maior poderá ser a necessidade de utilizar cimento como
estabilizante (4 a 8%), para garantir a resistência necessária do bloco (Minke, 2012). Deve, contudo, notar-se que a
humidade é essencial para que o cimento possa reagir eficazmente (Reddy, 2012).
Como alternativa à produção manual individualizada (Fig. 4.51), pode-se produzir industrialmente blocos de
terra compactada, através de prensas automáticas (Fig. 4.52) com capacidade de produção até 4.000 blocos por
dia. A fabricação individualizada de blocos prensados no local de construção através do recurso a prensas moví-
veis pode não ser a decisão economicamente mais eficiente, devido ao custo de investimento, manutenção e à
necessidade de utilização intensiva que requer para amortizar o investimento. A solução mais optimizada consis-
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
104
te na sua produção em fábrica (Fig. 4.53), apesar do inerente custo de transporte posterior (Minke, 2012).
Fig. 4.51 – Produção manual de BTC
(Minke, 2012)
Fig. 4.52 – Prensa automática de BTC
(Minke, 2012)
Fig. 4.53 – Fábrica de BTC
(Minke, 2012)
Os blocos extrudidos são executados individualmente pela compressão de uma mistura de terra em estado plás-
tico através de um molde e cortados à saída do mesmo (Röhlen e Ziegert, 2011).
c) Secagem e cura
O tempo necessário para a secagem e cura dos blocos de terra está muito dependente da técnica de execução utiliza-
da. Enquanto os tradicionais adobes necessitam de um período de secagem prolongado (até a um mês, consoante as
condições atmosféricas), inicialmente protegido do calor excessivo para que a secagem seja homogénea, os BTC
podem não necessitar de um período de secagem prolongado caso não sejam estabilizados (Minke, 2012).
Caso se trate de BTC estabilizados com cimento, os blocos necessitam de ser curados após a sua execução
(Fig. 4.54), devendo ser borrifados com água 3 a 4 vezes por dia, durante 4 semanas (Reddy, 2012). Uma vez
completa a cura, os blocos são deixados a secar em armazém, para depois poderem ser aplicados.
Se se pretender, o processo de cura pode ser acelerado através da secagem em estufa a 80 oC, durante 10-12 h
(Reddy, 2012).
Fig. 4.54 – Empilhamento e cura de BTC (Reddy, 2012)
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
105
4.2.3.4) EXECUÇÃO DAS PAREDES DE BLOCOS DE TERRA
Os princípios referidos em 4.1.6 (concepção de elementos construtivos – paredes) devem sempre ser tidos em
consideração. Não obstante, as paredes de blocos de terra têm algumas premissas específicas face à restante cons-
trução de paredes de terra, em particular caso se trate de paredes portantes ou não portantes. A resistência de
uma parede de alvenaria de blocos de terra é sempre muito inferior à resistência individual do bloco, equivalendo,
de acordo com Reddy (2012), a aproximadamente 40 % da resistência do bloco. Para além de fenómenos de encur-
vadura, isto deve-se à combinação de esforços resultante do comportamento diferenciado entre blocos e argamas-
sa, que sujeitam os blocos a esforços de tracção, apesar de estes serem aplicados à compressão.
Deve-se verificar que se cumprem as boas práticas da construção, assentamento e aparelhagem de paredes de
alvenaria, nomeadamente que os tijolos deverão ser dispostos em fiadas desencontradas, preferencialmente a
meia dimensão, e que o paramento construído se mantém aprumado e desempenado ao longo de todo o seu
desenvolvimento vertical (Houben e Guillaud, 2006).
As paredes de blocos de terra são definidas como portantes quando suportam cargas verticais e/ou horizontais e
são limitadas, na maioria dos regulamentos disponíveis, a construções com um máximo de dois pisos (Röhlen e
Ziegert, 2011). A sua aplicação está dependente das boas práticas de execução de paredes de alvenaria portan-
tes, devendo ser supervisionada por profissionais experientes na execução de paredes de blocos de terra, dada a
sua especificidade. A necessidade de reforço das estruturas pode ser particularmente necessária, em particular
se se tratar de regiões sísmicas (ver subcapítulo 4.1.6.3).
A espessura mínima de uma parede portante, de acordo com Röhlen e Ziegert (2011), é de 36,5 cm para uma
altura máxima de 3,25 m, excepto se a altura do piso for inferior a 2,75 m e os pontos de suporte das cargas
estiverem distribuídos entre 4 e 6 m, para cargas ≤ 2,75 kN/m2. Quanto maior for a espessura da parede, menor
terá que ser o espaçamento entre paredes de travamento, de 4,5 m para paredes de 36,5 cm de espessura, até
7 m para paredes com mais de 49 cm de espessura.
As cargas devem estar centradas face à parede, para evitar excentricidades e a aplicação de uma viga de coroa-
mento é tipicamente essencial (ver subcapítulo 4.1.6.3).
No caso das paredes de blocos de terra não portantes, estas apenas estão sujeitas ao seu próprio peso e, no caso
de serem exteriores, à acção do vento. Tipicamente, compreendem apenas a altura de um piso e devem ter um
rácio h/e ≥ 15 para prevenir a sua deformação, devendo evitar-se a execução de troços superiores a 3 m de
comprimento sem travamento. A forma mais eficaz de garantir esse travamento consiste na inclusão de prumos
de madeira dispostos verticalmente, integrados no interior da parede (Fig. 4.55). Caso se pretenda reduzir o
rácio h/e, pode-se optar por aumentar o número de prumos verticais, reduzindo o seu espaçamento para valo-
res inferiores a 1 m e a espessura da parede para apenas um bloco de terra (Röhlen e Ziegert, 2011).
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
106
Fig. 4.55 – Preenchimento de estrutura de madeira com blocos de terra (Röhlen e Ziegert, 2011)
No caso das paredes mais finas, deve-se restringir a altura máxima dos paramentos a ser executada cada dia,
para que a argamassa de terra possa transferir a sua humidade para os blocos e desenvolva a resistência sufi-
ciente para suportar o peso próprio da parede. Consoante a espessura da parede, os valores indicados para a
execução diária em altura variam entre 1,5 e 2,5 m (Röhlen e Ziegert, 2011).
Devido à susceptibilidade dos blocos à acção da água, estes devem ser protegidos da chuva enquanto permane-
cerem no local da construção. Como regra, todos os blocos desenvolvidos em fábrica devem chegar à obra em
paletes integralmente seladas em plástico (Minke, 2012).
A execução das alvenarias faz-se por sobreposição de camadas de blocos e argamassa. O objectivo de uma
argamassa numa parede de alvenaria é de desenvolver uma boa adesividade entre os blocos e de prevenir a
ingressão de água e humidade pelas suas juntas (Reddy, 2012). As juntas verticais, tal como as juntas horizontais,
devem ser igualmente preenchidas com argamassa, de forma a aumentar a sua resistência à compressão, à fle-
xão e ao corte (Houben e Guillaud, 2006).
As argamassas aplicáveis em alvenarias de blocos de cimento são tipicamente i) argamassas de terra, ii) arga-
massas de cal hidráulica ou iii) argamassas de terra estabilizada com cimento. A utilização de argamassas consti-
tuídas unicamente à base de cimento não é aconselhável, devido à sua forte rigidez (Minke, 2012). As argamas-
sas de terra estabilizada com cimento apresentam como vantagem a sua boa trabalhabilidade, uma boa reten-
ção de água, um custo mais reduzido e a aparência e textura semelhante à da terra, sendo as mais comuns para
a aplicação de blocos de terra (Reddy, 2012). A opção pela sua estabilização com cimentos aumenta, de acordo
com Houben e Guillaud (2006), em 25% a resistência à compressão de uma parede de blocos de terra e duplica a
sua resistência ao corte.
O conteúdo de argila deve variar entre 4 e 10% e a mistura deve conter uma quantidade elevada de areia grossa, para
evitar uma retracção excessiva (Minke, 2012). O tipo de argila utilizado deve ser pouco expansivo (Reddy, 2012).
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
107
Ao contrário dos tijolos cerâmicos comuns, os blocos de terra podem ser cortados facilmente em obra com uma
simples serra, permitindo uma fácil adaptação ao longo do processo construtivo (Minke, 2012).
A superfície das alvenarias de blocos de terra pode permanecer aparente, ou ser revestida. Sobre os vários
métodos de tratamento de superfície de paredes, ver subcapítulo 4.1.6.5.
4.2.3.5) CUSTO E MÃO-DE-OBRA
Na Alemanha, de cordo com Röhlen e Ziegert (2011), o custo das construções de blocos de terra situa-se em:
a) Custo de paramentos de blocos de terra com 11,5 cm de espessura, como preenchimento de estrutura
de madeira, revestidas em ambas as faces com rebocos de terra – entre 112,5 e 137,5 €/m2;
b) Custo de paramentos exposto de blocos de terra com 36,5 cm de espessura – entre 135 e 155 €/m2
Estes valores são de 2010, para uma quantidade de 100 m2, com base num custo unitário de trabalho de 40 €/h,
excluindo IVA.
O rendimento expectável de produção de blocos de terra é extremamente variável, consoante o método de
produção seja manual, semi-mecanizado ou totalmente mecanizado. De acordo com Minke (2012), uma pessoa
pode chegar a produzir 300 adobes por dia, mas apenas 150 a 200 BTC no mesmo período. Contudo, de acordo
com Houben e Guillaud (2006), pode-se considerar os valores apresentados no Quadro 4.8 como referência.
Quadro 4.8 – Rendimento expectável de produção de tijolos de adobe por uma equipa (Houben e Guillaud, 2006)
Tipo de execução Blocos/dia Nº Trabalhadores
Mecanizada 20 000 5 – 6
Semi-mecanizada 10 000 5 – 6
Manual - experiente 2 500 4 – 5
Manual - inexperiente 500 4 – 5
4.2.4) TERRA PROJECTADA – PISE
O nome da técnica deriva do acrónimo inglês PISE (Pneumatically impacted stabilized earth), diferente do termo
francês Pisé referente à taipa. Consiste na execução de paredes monolíticas de terra estabilizada com cimento,
reforçadas interiormente com uma estrutura tipicamente metálica (Minke, 2012). A terra é projectada com uma
elevada pressão de ar contra uma cofragem aberta de um dos lados, com recurso à tecnologia utilizada para
projectar betão (Fig. 4.56). A terra utilizada é cuidadosamente seleccionada e aplicada com um nível de humida-
de superior ao da taipa.
Esta técnica é igualmente útil como meio de preenchimento de estruturas em terra degradadas, apesar de esta
sua vertente não se integrar no âmbito desta dissertação. Já se encontram, igualmente, exemplos da utilização
desta técnica como meio de preenchimento de estruturas de formas orgânicas, sem utilização de cofragens.
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
108
Da bibliografia consultada, sobressai que não se trata de uma técnica construtiva muito divulgada e documentada.
Fig. 4.56 – Tecto com PISE projectado, antes de ser estucado (Minke, 2012)
4.2.4.1) PROPRIEDADES
A rapidez de execução e o reforço anti-sísmico (garantido pela estrutura metálica) são claramente as principais
vantagens da terra projectada, juntamente com a ampla gama formal que permite realizar. Contudo, a técnica
consome bastante combustível e requer a utilização de equipamentos menos correntes e de uma mão-de-obra
especializada, tornando-se uma tecnologia mais cara (Easton, 2012).
A resistência à compressão e durabilidade dos elementos construídos em terra está particularmente dependente
da força de impacto e da quantidade de estabilizante utilizada (Easton, 2012). A utilização de uma armadura
metálica contribui determinantemente para a resistência da construção como um todo, colmatando a menor
prestação da terra face a esforços de tracção ou flexão.
A tendência para uma maior retracção, devido ao maior teor de humidade que a mistura possui face a outras
técnicas construtivas, tem que ser contrariada através de uma rigorosa distribuição granulométrica e homoge-
neidade da mistura, em conjunto com um processo de cura criterioso.
O potencial conflito entre o comportamento diferencial da estrutura metálica face à terra não é explicitamente
abordado na bibliografia consultada. Não obstante, deverá ser uma fonte de preocupação.
4.2.4.2) ESTABILIZAÇÃO
O principal aditivo utilizado na execução da terra projectada é o cimento, apesar de também se poder adicionar
cinzas volantes ou fibras vegetais (Easton, 2012). Além de aumentar a resistência da terra, o cimento permite
reduzir a sua retracção, o que é benéfico, dada a elevada humidade com que a terra é aplicada.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
109
A aplicação normal, de acordo com Minke (2012), é de 10 % de cimento. O tipo de cimento utilizado está mais
dependente da cor pretendida do que da resistência obtida, uma vez que os requisitos estruturais são geralmente
inferiores aos do betão (Easton, 2012). A utilização de cinzas volantes permite reduzir a dependência do cimento e
melhorar a trabalhabilidade e resistência à fissuração da mistura. Caso sejam utilizadas (numa proporção até 30 %
do conteúdo de cimento), a percentagem do estabilizante face à mistura de terra sobe para 12 % (Minke, 2012).
Autores como Marcelo Cortés, do Chile, utilizam igualmente misturas de terra estabilizadas com fibras vegetais e
cal. A adição de cal faz-se na proporção de 10 % e, para além do aumento da resistência que promove, eleva o
pH da mistura, reduzindo a probabilidade da estrutura metálica desenvolver corrosão (Minke, 2012).
4.2.4.3) EXECUÇÃO
Face às restantes técnicas construtivas em terra, a terra projectada requer a utilização de equipamentos menos
correntes e de uma mão-de-obra especializada.
Etapas de execução de uma parede em PISE: Fig. 4.57 – Cofragem e armadura, Fig. 4.58 – Projecção da terra,
Fig. 4.59 – Aparamento do excesso de terra projectada, Fig. 4.60 – Acabamento com reboco (Minke, 2012)
a) Selecção e preparação da terra.
A selecção da terra é essencial para reduzir a retracção e melhorar a resistência e durabilidade do elemento em
terra projectada (Easton, 2012). A terra tem de estar livre de matéria orgânica e ter uma proporção equilibrada
de agregados, cuja dimensão não deve exceder 12 mm (Minke, 2012). Easton (2012) refere que uma mistura
com as proporções indicadas no Quadro 4.9 costuma apresentar bons resultados.
As restrições da selecção do solo para terra projectada são superiores, por exemplo, às da taipa, quer seja devi-
do à técnica de projecção em si quer à maior necessidade de água que requer. A importância de restringir a
percentagem de argila a um máximo de 15 % deve-se à necessidade de controlar a retracção da terra. Pela
mesma razão, deve-se evitar os tipos de argila expansível. Poderá ser necessário recorrer à adição de areia e de
gravilha de menores dimensões para corrigir os solos disponíveis.
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
110
Quadro 4.9 – Análise granulométrica de uma amostra de terra para PISE (Easton, 2012)
Dimensão da abertura do peneiro (mm) % de terra que passa no peneiro
12,70 100
9,50 97
4,75 77
2,36 54
1,18 38
0,60 29
0,30 22
0,15 18
0,075 15
Face à elevada especificidade da técnica construtiva, é essencial proceder ao teste intensivo da mistura e da técnica de
projecção, com a produção de protótipos em quantidade suficiente para garantir um bom resultado (Easton, 2012).
b) Sistema de cofragem
O sistema de cofragem é bastante diferente do utilizado para a execução da taipa, dado que pelo menos uma
das faces deverá estar aberta. A sua aplicação é essencial para garantir o preenchimento integral do volume da
parede, em particular a zona por trás da armadura (Easton, 2012).
A cofragem posterior pode ser feita com qualquer tipo de material rígido. Podem, ou não, utilizar-se sistemas
industriais de cofragem, devendo a opção ser feita com base na análise de um conjunto de critérios (se se trata
de um sistema reutilizável, qual o custo da aquisição vs. aluguer do sistema, velocidade de aplicação, etc.)
As aberturas são executadas com a aplicação de moldes em negativo, que permanecem fixos à cofragem duran-
te a projecção da terra. Estes moldes devem permanecer aplicados durante um período mais prolongado do que
a restante cofragem, para garantir a efectiva cura dos elementos de terra (Fig. 4.57).
Começam igualmente a desenvolver-se soluções de projecção de terra sobre estruturas que não requerem o uso
de cofragens, como é exemplo o projecto Hypermud, do escritório DUS Architects (Fig. 4.61). Estas aplicações
são feitas directamente contra uma estrutura que simultaneamente modela a forma final do elemento e lhe
confere resistência e estabilidade. O acabamento é dado posteriormente, não estando dependente da cofragem.
c) Estrutura de reforço
O reforço estrutural das paredes de PISE visa conferir-lhes flexibilidade e resistência à tracção. Devido à sua
elevada massa, de acordo com Easton (2012), as construções em terra têm uma maior resistência aos esforços
laterais, pelo que as estruturas utilizadas são mais leves do que as utilizadas em betão armado.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
111
Fig. 4.61 a, b e c – Projecto Hypermud (DUS Architects – http://www.dusarchitects.com)
A estrutura de reforço deste tipo de sistema é geralmente executada com elementos metálicos. Caso se trate do
revestimento de uma superfície existente, em que a espessura seja inferior a 8 cm, a solução mais comum con-
siste na aplicação de malhas metálicas, fixas ao paramento anterior. Já na aplicação em paredes maciças de
maior espessura, a utilização de uma estrutura armada em varões de aço, à semelhança das armaduras utiliza-
das em betão armado, é mais comum (Easton, 2012).
Em qualquer caso, a disposição e forma da armadura deve ser tal que facilite a aplicação e o preenchimento do
molde pela terra projectada. Por essa razão, Easton (2012) desaconselha a utilização de varões de diâmetro
superior a 16 mm. A armadura deve estar bem fixa no momento da projecção da terra, para evitar a sua deslo-
cação. O recobrimento mínimo dos varões é, de acordo com o autor, de 5 cm.
d) Projecção da terra
O equipamento necessário para projectar terra consiste no equipamento de mistura, compressor de ar, máquina
de projectar, mangueiras e bocal. A qualidade da terra projectada está dependente da qualidade e manutenção
do equipamento utilizado, do operador da máquina e do operador responsável pela projecção, do controlo da
água de mistura, da velocidade de projecção e da técnica de projecção. Em qualquer, caso, a experiência e habi-
lidade da equipa de trabalho é determinante no sucesso da aplicação da terra projectada (Easton, 2012).
A mistura entre terra e cimento deve estar bem feita, sendo conduzida em estado seco sob pressão de ar para a
boca da pistola de projecção, onde lhe é adicionada água imediatamente antes da projecção (Minke, 2012). A
água adicionada deve ser limpa e livre de substâncias que possam prejudicar o cimento, ou manchar a superfície
do elemento. O excesso de água pode causar o escorrimento da terra, enquanto a falta dela pode criar bolsas de
terra seca, fragilizando o elemento construtivo (Easton, 2012).
Para uma mangueira de 38 mm, o compressor tem que conseguir produzir 21 m3 de ar por minuto. Como regra
empírica, Minke (2012) indica que a pressão à saída da boca da pistola tem que ser ≥ 275 kPa. A velocidade de
impacto da terra é um factor importante na determinação das propriedades da terra projectada, sendo contro-
lada pelo operador da máquina de projecção a mando do operador de projecção (Easton, 2012).
A experiência e habilidade do operador de projecção são cruciais para garantir um fluxo constante e homogéneo
da mistura, assim como da técnica de projecção. As principais preocupações durante a projecção são a aplicação
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
112
de material em excesso (que pode ficar preso a elementos que estão por projectar, reduzindo, ao secar, a adesi-
vidade futura do material que vier a ser projectado) e o ricochete da mistura (que implica maior desperdício de
material). Sempre que possível, as secções projectadas devem ser preenchidas integralmente a toda a sua
espessura, para evitar laminações. A distância de projecção situa-se, geralmente, entre 0,6 e 1,8 m. Geralmente
a projecção deve ser feita numa inclinação descendente (Fig. 4.58) com um ângulo de 30oa 40o, num movimento
circular curto a uma distância constante (Easton, 2012).
e) Acabamento
O acabamento mais comum das superfícies de terra projectada consiste em aparar o excesso de mistura projec-
tada, de forma a obter uma superfície lisa (Fig. 4.59).
Alternativamente, pode optar-se por deixar a superfície projectada à vista, o que significará, necessariamente,
obter uma superfície mais texturada – o que pode ajudar a reduzir a percepção de pequenas fissuras provocadas
pela retracção do material.
Caso se pretenda uma textura mais regular, mas ainda texturada, mantendo a aparência da projecção, deverá
projectar-se uma camada final mais húmida, com uma espessura de pouco mais de 5 mm, sobre a parede alisada
toscamente com recurso a uma tábua de madeira. Deve, contudo, ter-se em atenção que esta camada de aca-
bamento poderá ter maior tendência a desagregar-se ou fissurar (Easton, 2012). Alternativamente, pode-se
proceder ao revestimento com um reboco final (Fig. 4.60).
f) Cura
Todas as estruturas de terra projectada devem ser devidamente curadas, para que a sua potencial resistência e
durabilidade sejam integralmente atingidas (Easton, 2012). A cofragem deve permanecer aplicada pelo menos
12 h após a projecção da terra. Em climas temperados ou frios, o processo de cura á mais simples, podendo a
mistura presente no interior das paredes espessas ser suficiente para que a sua cura se desenvolva eficazmente.
A exposição a elevadas temperaturas, sol e vento forte devem ser evitadas. Perante esse tipo de condições,
deve-se projectar água sobre a sua superfície várias vezes ao dia, ou garantir-se a protecção da estrutura com o
seu integral recobrimento com plásticos para manter a humidade no seu interior (Easton, 2012).
4.2.5) TERRA EMPILHADA – COB
Quando comparada com as técnicas modernas de construção em terra, a terra empilhada, ou cob, do termo
inglês, é uma solução quase arcaica. Devido à sua simplicidade, é uma das técnicas de construção em terra maci-
ça mais antigas, tendo sido alvo de um conjunto de revivalismos nos últimos anos (Fig. 4.62 e 4.63).
A sua simplicidade construtiva garantia uma execução mais rápida do que as técnicas tradicionais de taipa e de
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
113
alvenarias de adobe, chegando a demorar menos 25% do tempo de execução, o que lhe conferia uma vantagem.
Com o desenvolvimento tecnológico da taipa e da alvenaria de blocos de terra, esta vantagem desvaneceu-se,
dado que a execução do cob continua a ser bastante rudimentar, apenas beneficiando dos novos processos
mecanizados para o processo de preparação da terra (Röhlen e Ziegert, 2011).
Devido à sua elevada espessura e ao nível de humidade utilizado na sua execução, as paredes de cob possuem
um elevado período de secagem e uma grande tendência para retraírem, o que é normalmente visto como uma
desvantagem (Minke, 2012; Röhlen e Ziegert, 2011).
A bibliografia disponível é mais escassa, face às restantes técnicas construtivas abordadas nesta dissertação.
Fig. 4.62 – Parede de cob sobre embasamento de pedra (Detai, 2011)
Fig. 4.63 – Casas em cob no Bangladesh (Rauch, 2011)
4.2.5.1) PROPRIEDADES
Os valores típicos das propriedades das construções de cob remetem para as construções tradicionais e para os
valores obtidos da sua análise. Estes situam-se em torno dos valores apresentados no Quadro 4.10.
Quadro 4.10 – Valores típicos para as construções tradicionais de cob (Adaptado de Röhlen e Ziegert, 2011)
Densidade seca 1400 - 1700 kg/m3
Resistência à compressão 0,6 - 1,3 MPa
Módulo de elasticidade 250 - 400 MPa
Condutividade térmica 0,6 - 0,8 W/mK
Coeficiente de condução térmica (U) 0,85 W/m2K (para paredes com 60 cm e com uma densida-
de de 1500 kg/m3, rebocadas em ambas as faces)
ESTRATÉGIAS CONSTRUTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM TERRA
114
4.2.5.2) EXECUÇÃO
Por vezes visualmente confundida com a taipa, a técnica de cob consiste na aplicação de camadas de 50 a 80 cm
de altura e 45 a 60 cm de largura de terra misturada com palha, modelada em estado húmido, sem o recurso a
nenhum tipo de cofragem. O excesso de terra disposto em cada camada é aparado lateralmente com recurso a
uma pá de abas planas, após a terra ter endurecido parcialmente, de forma a garantir o aprumo da parede
(Fig. 4.64) (Minke, 2012; Röhlen e Ziegert, 2011). Este excesso pode, posteriormente, ser reintegrado na mistura
que está a ser preparada e reaplicado nas camadas sucessivas (Röhlen e Ziegert, 2011).
A aplicação das camadas pode ser feita directamente com as mãos, ou com o recurso a um forcado. Quanto mais
vigorosa for a aplicação, melhor será a sua compactação, não sendo aplicada qualquer camada de argamassa
entre aplicações. O uso de fibras vegetais, além de controlar a retracção da terra (a aplicação é feita com um
nível elevado de humidade), não permite que a mistura deslize para fora da parede. A pessoa que está a aplicar
a terra posiciona-se sobre a camada anterior já executada, aplicando diagonalmente a terra em cada nova
camada, na direcção contrária à inclinação da camada anterior (Fig. 4.65). Cada camada é executada ao longo de
todo o perímetro do edifício antes de proceder para a camada seguinte, dando tempo à camada anterior para
endurecer (Minke, 2012; Röhlen e Ziegert, 2011). O rácio entre a altura das camadas e a espessura da parede
não deve exceder 1,5/1 (Röhlen e Ziegert, 2011).
Fig. 4.64 – Aparamento do excesso
de terra da superfície de uma parede
de cob (Röhlen e Ziegert, 2011)
Fig. 4.65 – Aplicação da segunda camada de terra na construção de uma pare-
de de cob (Röhlen e Ziegert, 2011)
Como não utiliza nenhum tipo de cofragem, o cob facilita a execução de cantos boleados e formas mais compli-
cadas que, com cofragem, são particularmente difíceis de executar. Contudo, por necessitar de uma espessura
tão elevada, não se adequa igualmente bem para executar as paredes divisórias interiores – o que pode condi-
cionar a execução de paredes de travamento no mesmo material e, consequentemente, a altura máxima e
espessura mínima das paredes (Röhlen e Ziegert, 2011).
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
115
Solos muito ricos em argila ou em agregados de maior dimensão não são adequados para a construção de cob.
De acordo com Watson e McCabe (2011), a proporção adequada para a mistura de terra consiste em 30-40 % de
gravilha, 25-30 % areia, 10-20 % de silte e 10-25 % de argila, não devendo os agregados exceder 50 mm de largu-
ra. A palha utilizada deve estar homogeneamente distribuída, para evitar a concentração em aglomerados.
Quanto mais coeso for o solo, maior será a necessidade de adicionar palha. Quanto mais curta for a palha,
menor será a sua resistência, apesar da sua preparação e maneabilidade ser mais fácil. Tipicamente, a adição de
palha faz-se na proporção de 22 a 28 kg/m3 (Röhlen e Ziegert, 2011).
Sobre o processo genérico de selecção, extracção e preparação da terra, deve-se consultar os subcapítulos 3.1.3
a 3.1.5.
A aplicação de revestimentos pode igualmente ser feita (ver subcapítulo 4.1.6.5). Contudo, devido ao seu eleva-
do tempo de secagem, apenas deverá ser aplicado um ano após a execução das paredes, para que este não seja
influenciado pela retracção desenvolvida pela parede (Röhlen e Ziegert, 2011).
ANÁLISE CRÍTICA DE CASOS DE ESTUDO
116
5) ANÁLISE CRÍTICA DE CASOS DE ESTUDO
Este capítulo consiste na análise de um conjunto de casos de estudo à luz do levantamento do estado da arte
feito ao longo dos capítulos anteriores.
Procurou-se fazer a análise arquitectónica de cada caso de estudo seleccionado, na perspectiva das estratégias
construtivas adoptadas no contexto específico de cada projecto, de forma a perceber o âmbito de aplicação da
terra e quais as adaptações possíveis e necessárias a cada contexto.
O objectivo é perceber como a adaptação prática das estratégias construtivas referidas ao longo da dissertação,
face ao contexto específico de cada projecto, podem contribuir para o estado da arte.
5.1) CRITÉRIOS DE SELECÇÃO DOS CASOS DE ESTUDO
No contexto desta dissertação, dos seus objectivos e dimensão, o número de casos a analisar será sempre limi-
tado. A selecção feita foi pessoal e, consequentemente está sujeita a alguma subjectividade.
Procurou-se seleccionar projectos que interpretem as condicionantes e premissas construtivas da construção em
terra de forma original, num contexto de arquitectura contemporânea. Procurou-se casos que reinterpretem a
construção tradicional em terra, as suas premissas, propriedades e características construtivas, tirando partido
das suas vantagens e contornando as suas condicionantes, de forma a demonstrar o potencial da utilização da
terra no contexto da construção contemporânea.
A opção recaiu em soluções em que a terra é aplicada predominantemente em estruturas monolíticas maciças,
em detrimento de soluções leves de revestimento, por aquelas oferecerem um maior potencial de análise.
Na maioria dos casos seleccionados, a terra apresenta-se como o elemento construtivo principal da edificação,
tal como ela é tradicionalmente utilizada. Contudo, para demonstrar a sua capacidade de integração como ele-
mento construtivo complementar, optou-se igualmente por incluir casos de estudo em que a terra se apresenta
integrada num conjunto alargado de materiais utilizados.
Foram seleccionados 5 casos de estudo, de dimensão semelhante, todos relativamente recentes. Os projectos
localizam-se em contextos climáticos e económicos distintos e possuem tipologias de utilização variadas, para
demonstrar o espectro alargado da aplicação da terra e perceber quais as adaptações necessárias a cada contex-
to, procurando dessa análise tirar conclusões sobre a aplicabilidade contemporânea da terra. Pela mesma razão,
não se optou por cingir a análise a uma técnica construtiva exclusiva, dado que a adaptação a diferentes contex-
tos construtivos também é feita por via da técnica seleccionada. Nessa perspectiva, procurou-se manter o enfo-
que na reinterpretação das estratégias construtivas a cada contexto, não a condicionando apenas às técnicas
construtivas utilizadas.
A opção procurou recair sobre casos em que a linguagem arquitectónica utilizada é predominantemente con-
temporânea, apesar de esta classificação ser, por natureza, subjectiva.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
117
5.2) METODOLOGIA DE ANÁLISE
A metodologia de análise desenvolvida está dividida em três etapas distintas:
a) Casos de estudo;
b) Análise comparativa;
c) Considerações finais.
Cada caso de estudo está organizado em três partes: i) ficha técnica, ii) descrição arquitectónica e iii) análise
arquitectónica e construtiva.
O objectivo da ficha técnica consiste em usar parâmetros comparáveis entre todos os projectos, que permitam
identificar as respostas individuais de cada caso de estudo, face às características principais da construção em
terra. Para esta recolha, foram utilizadas as referências indicadas no capítulo da bibliografia, não sendo, contu-
do, referidas directamente na ficha. Quando não se encontraram dados sobre determinados campos da ficha
técnica, estes foram deixados em branco.
A descrição arquitectónica visa, de uma forma relativamente sucinta, descrever os princípios gerais de cada caso. É
sustentada por bibliografia seleccionada, que é referida ao longo do texto e, igualmente, pela leitura pessoal de
cada projecto, feita com base nos elementos disponíveis (desenhos técnicos, fotografias e detalhes construtivos).
A análise construtiva e arquitectónica é, sobretudo, pessoal. Procura identificar as soluções técnicas utilizadas,
destacando as estratégias construtivas e arquitectónicas mais relevantes, quais os potenciais riscos associados e,
se possível, indicar possíveis alternativas para evitar esses riscos. O enfoque da análise é na terra e em como a
construção se adaptou às suas características e condicionantes.
A análise comparativa parte da selecção dos parâmetros evidenciados na análise dos casos de estudo. Procura
identificar como esses parâmetros são respondidos em cada projecto, analisando-os em comparação entre si
para, face ao estado da arte desenvolvido, interpretar o que está em linha com o referido, que variações se
detectaram e que conclusões específicas se podem evidenciar para cada parâmetro.
ANÁLISE CRÍTICA DE CASOS DE ESTUDO
118
5.3) LISTAGEM DOS CASOS DE ESTUDO
01_CAPELA DA RECONCILIAÇÃO, BERLIM, ALEMANHA, 2000
RUDOLF REITERMANN E PETER SASSENROTH
TAIPA
02_CASA RAUCH, SCHLINS, ÁUSTRIA, 2008
MARTIN RAUCH E ROGER BOLTSHAUSER
TAIPA
03_CASA FLURY, DEITINGEN, SUÍÇA, 2009
SPACESHOP ARCHITEKTEN
COB
04_METI – ESCOLA, RUDRAPUR, BANGLADESH, 2005
ANNA HERINGER E EIKE ROSWAG
COB
05_CASA PALMER-ROSE, TUCSON, ARIZONA, EUA, 1998
RICK JOY
TAIPA
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
119
5.4) CASOS DE ESTUDO
5.4.1) PROJECTO 1 – Capela da Reconciliação
N. ELEMENTOS VARIÁVEIS
Função/tipologia Capela rel igiosa 1
Local ização Berl im, Alemanha 1.1 Localização Tipo de cl ima Temperado marítimo
Ano de construção 2000 Sismicidade Baixa s ismicidade
Custo 971.454 € 1.2 ABC 315 m2
Arquitectos Rudolf Rei termann e
Peter Sassenroth
1.3 Número de pisos 1 Inclui apenas um pequeno mezanino para o coro
2
2.1 Taipa x Compactada mecanicamente
IMAGENS Cob
2.2 Origem da terra Local , corrigida
Importada x Importada de uma loca l idade próxima e misturada com
fragmentos cerâmicos da antiga igreja
2.3 Mistura de terra
utilizada e
características
x Gravi lha e fragmentos cerâmicos da igreja pre-exis tente - 55 %
Argi la - 4 %
Humidade de compactação - 8,2 %
Retracção l inear - 0,15 %
2.4 Est. Fís ica x Correcção granulométrica e adição de fibras
Est. Mecânica x Compactação mecânica
Est. Química
2.5 Terra portante
Estrutura mista x Paredes de ta ipa são autoportantes .
Cobertura parcia lmente independente, apoiando-se
peri fericamente em prumos de madeira e centra lmente sobre
as paredes de ta ipa
Terra não estrutura l
2.6 Pedra
Ti jolo
Betão armado x
2.7 Lajes que funcionem
como diafragmas
N/A
Viga de coroamento x Em betão armado, embutida na parede, à qual uma segunda
viga de madeira , que faz parte do s is tema de cobertura, é fixa
Paredes de travamento N/A
Estrutura interna
complementar
N/A
Reforços pontuais /
Outros reforços
x Reforço dos vãos com l intéis de betão armado, embebidos na
parede.
3
3.1 Altura (h) 7,2 m
Espessura (e) 0,6 m
Rácio h/e 12
3.2 Projecção da cobertura x Variável , entre aprox. 1 e 4 m
Revestimento exterior N/A
Outras x Peris ti lo, rodeando toda a envolvente, com ripado em prumos
vertica is de madeira
3.3 Materia l N/A
Altura N/A
3.4 Paredes exteriores N/A
Paredes interiores N/A
3.5 Quantidade 3
Materia l x Vãos de madeira , acabados c/ uma mistura de argi la e caseina
Dimensão máxima 2,30 m Valor aproximado de largura
3.6 Quantidade 2 Integrados no ripado
Dimensão máxima 2 m Valor aproximado de largura
3.7 Salpica x Pavimento do peris ti lo sa lpica , mas está protegido pelo louvre
e pela projecção da cobertura
Não sa lpica
3.8 Cobertura x Estrutura de madeira
Paredes x - Ripado exterior em madeira;
- Antecâmara e nicho do a l tar revestidos com estuque de terra ,
acabado com cera. Do lado exterior foi adicionado pó de carvão
à mistura para escurecer o estuque
Pavimentos x No núcleo centra l , pavimento em terra comprimida, acabado
com cera
3.9 Integração de infra-
estruturas
Descrição x Infra estruturas independentes das paredes de ta ipa, estando
integradas na cobertura e nos elementos que não são de terra .
Não é claro como se faz a drenagem das águas pluvia is mas ,
dada a sua pendente, deverão estar integradas no exterior do
peris ti lo
4 DESCRIÇÃO SINTÉTICA DO PARTIDO ARQUITECTÓNICO
Capela organizada em duas el ipses i rregulares , orientadas sobre eixos dis tintos , que del imitam um peris ti lo exterior
envolventente, com um ripado de madeira leve e transparente, funcionando como ante-câmara do núcleo centra l de
oração, que é encerrado por uma parede maciça contínua de ta ipa.
Pavimento exterior da
envolvente da parede
SOLUÇÕES ARQUITECTÓNICAS
Paredes de ta ipa não estão revestidas
Materias
complementares aos
elementos em terra
Revestimento paredes
de terra
Vãos integrados em
paredes de terra
Vãos independentes
das paredes de terra
Não possui embasamento
Reforços estruturais
Dimensão paredes de
terra
Fundações
Protecção das paredes
exteriores em terra
Embasamento
FICHA TÉCNICA - CAPELA DA RECONCILIAÇÃO RESPOSTA E OBSERVAÇÕES
Técnica construtiva em
terra utilizada
Tipo de estabilização
utilizada
Estrutura principal
Construtor terra Lehm Ton Erde Martin
Rauch, Schl ins
SOLUÇÕES TÉCNICAS
DESCRIÇÃO GERAL
Fig. 5.1 - Persp. exterior (@Bruno Klomfar)
Fig. 5.2 - Persp. do peristilo (@Bruno Klomfar)
Fig. 5.5 - Planta (Rael, 2009)
Fig. 5.3 - Persp. interior (@Bruno Klomfar)
Fig. 5.4 - Axonometria (Rael, 2009)
ANÁLISE CRÍTICA DE CASOS DE ESTUDO
120
b) Descrição arquitectónica
A Capela da Reconciliação, em Berlim, foi construída no ano 2000, sobre as fundações da antiga igreja da Recon-
ciliação, que havia sido destruída em 1985. Por se localizar na faixa contígua ao muro de Berlim, que separava o
território da antiga República Democrática Alemã da República Federal da Alemanha, a antiga igreja dificultava o
controlo entre as duas fronteiras, pelo que foi demolida. A proposta de construção de uma nova capela no local
da antiga igreja surge como uma forma de comemorar o décimo aniversário da queda do muro em 1989, home-
nageando a reunificação da Alemanha.
O uso da terra surge como alternativa à primeira proposta por parte dos arquitectos em betão e vidro, que a
comunidade considerou opressiva, face à memória do local (Kapfinger, 2001; Rael, 2009). A sua execução em taipa
e madeira fez dela o primeiro edifício público a ser construído em terra na Alemanha em 150 anos (Rael, 2009).
Para aprovar o projecto, foi necessária uma licença especial de construção, devido ao desconhecimento das
autoridades face ao método construtivo em taipa. Entre outras solicitações, foi requerida a utilização de um
factor de segurança sete vezes superior ao requerido para novas construções, o teste cuidado do material utili-
zado e a supervisão tanto do processo de produção como de aplicação. A supervisão da construção foi feita pela
Universidade Técnica de Berlim (Hall e Swaney, 2012; Kapfinger, 2001).
A capela está organizada em duas elipses irregulares, descentradas e não sobrepostas. A elipse central define o perí-
metro do interior da zona de oração da capela, enquanto o espaço remanescente, entre a primeira e a segunda elipse,
define um peristilo, que funciona como uma galeria de circulação que antecede a entrada no núcleo da capela.
A separação entre o peristilo e o núcleo central da capela é feito por uma parede curva contínua de 43 m em
taipa, com 7,2 m de altura e 0,6 m de espessura, que incorpora, na sua mistura, restos cerâmicos da antiga igreja
(Kapfinger, 2001; Minke, 2012; Rael, 2009). O perímetro exterior do peristilo é definido por um ripado de pru-
mos verticais de madeira, dispostos com um espaçamento constante, que funcionam como um filtro entre o
exterior e o interior da capela, permitindo a circulação de luz, ar e som, mas reduzindo a permeabilidade visual
para o exterior e, assim, funcionando como uma galeria que antecede a entrada no núcleo da capela.
Os acessos do exterior para o peristilo e deste para o núcleo da capela são desalinhados, acentuando a função de
filtro que o peristilo tem face ao exterior, garantindo um momento de pausa que antecede o ingresso no núcleo da
capela. A entrada e o altar do núcleo central estão alinhados por um eixo com uma orientação nascente poente, de
acordo com os princípios clássicos de orientação das igrejas cristãs. Um segundo eixo é estabelecido pela colocação
de parte do retábulo do antigo altar num nicho da parede de taipa. Este eixo marca a orientação da antiga igreja,
localizando-se o retábulo sobre a zona do antigo altar (Kapfinger, 2001; Rael, 2009).
O novo altar foi pré-fabricado em taipa fora do local de construção e transportado, no final, para o seu interior.
O altar posiciona-se sobre uma pedra original da antiga igreja, acentuando o paralelismo entre as duas edifica-
ções (Rael, 2009).
As paredes dos prismas que se projectam para fora da parede de taipa e que definem o nicho do altar e a ante-
câmara de acesso ao interior da capela são revestidas a estuque de terra pigmentado – claro pelo interior, escu-
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
121
ro pelo exterior (Kapfinger, 2001).
O pavimento interior do núcleo central da capela é feito em terra compactada, polida com cera. A cobertura é
feita em estrutura de madeira, fixa a prumos verticais no perímetro exterior do peristilo e apoiada centralmente
sobre a viga de bordadura da parede curva de taipa, à qual é fixa.
A iluminação natural no interior da capela é feita com recurso a um vão, situado no topo do mezanino do coro, e
de uma grande clarabóia quadrangular, localizada sobre o altar. A luz artificial utilizada no peristilo encontra-se
direccionada para as paredes de taipa, acentuando a sua presença, o que produz um efeito fortíssimo quando
visto pelo exterior.
c) Análise construtiva e arquitectónica
O projecto da Capela da Reconciliação possui várias características e soluções construtivas interessantes que
vale a pena referir, nomeadamente:
a) A utilização de um peristilo exterior da capela, que funciona como filtro exterior das paredes de terra e
galeria de acesso ao interior da capela, protegendo a superfície das paredes de taipa da acção directa
das intempéries. A mesma estratégia é responsável por permitir a construção das paredes de taipa
directamente desde a cota de soleira, sem recurso a um embasamento;
b) O uso de uma planta oval que, de acordo com a bibliografia referida, garante uma maior estabilidade
das construções em terra (nomeadamente face a acções sísmicas);
c) O facto de as curvaturas da elipse não serem constantes obriga a um sistema de cofragem complexo e
pouco comum, todo fabricado in situ, com recurso a tábuas de pinho curvadas manualmente para per-
mitir uma superfície plana, não facetada;
d) A execução de uma parede curva contínua ao longo de todo o perímetro da capela, com 7,2 m de altura
e 0,6 m de espessura, sem juntas e sem fissuração evidente. Isto deve-se, de acordo com Minke (2012)
e Kapfinger (2001), à reduzida percentagem de argila utilizada (apenas 4%) e à reduzida humidade de
compactação (8,2%), que permitiu reduzir a retracção a apenas 0,15%;
e) De acordo com bibliografia consultada, a parede apresenta uma resistência à compressão de 3,2 MPa, em
linha com os valores referidos para paredes de taipa não estabilizada com cimento (4.2.2.1). A medição foi
feita em cubos de teste de 20x20x20 cm e ao longo da obra por via de testes não destrutivos;
f) A estrutura de suporte da cobertura é parcialmente independente das paredes de terra, apenas se
apoiando centralmente na viga de bordadura das paredes. Esta solução permite retirar parte da função
de suporte da cobertura às paredes de terra, o que é positivo do ponto de vista da estabilidade da cons-
trução. Simultaneamente, colmata o potencial efeito dos ventos sobre a projecção da cobertura, dado
que os pontos de apoio de localizam no seu perímetro exterior;
g) Enquanto espaço de culto, de permanência pouco prolongada, não possui requisitos térmicos ao nível
de, por exemplo, uma habitação. Isto permite evitar o uso de isolamento térmico adicional, tirando
ANÁLISE CRÍTICA DE CASOS DE ESTUDO
122
apenas partido das propriedades higrotérmicas e acústicas da terra e das suas paredes maciças – à
semelhança das igrejas tradicionais;
A organização proposta para a capela é muito interessante. Os autores reinterpretam o princípio da antecâmara
que antecede a entrada na nave principal de qualquer igreja de cruz latina através da criação de um peristilo,
que contorna o núcleo central da igreja. Desta forma, o ingresso no núcleo da capela é retardado, criando um
espaço de transição entre exterior e interior, que permite desacelerar o ritmo da cidade e criar uma transição
menos abrupta para o espaço de oração.
A utilização de um ripado de madeira ao longo do perímetro exterior deste peristilo reforça esta vontade de criar
uma transição entre exterior e interior, filtrando a luz e o som, mas não ocultando imediatamente a sua percepção
desde o espaço do peristilo. O uso da massa da parede curva contínua de taipa culmina esta transição de espaços,
ao reforçar o isolamento do local de oração face ao exterior. Os autores reduziram o número de vãos e criaram
uma pequena antecâmara de ingresso, que reduz ainda mais a comunicação entre interior e exterior.
Se bem que estes princípios poderiam ter sido igualmente atingidos com outro material maciço, como o betão, a
opção pela construção em terra e madeira em detrimento de outros materiais correntes, por ser vista como
ecológica, reforça a homenagem à carga histórica do local. Simultaneamente, tira partido das capacidades acús-
ticas e higrotérmicas da terra no interior do espaço de oração, o que não seria igualmente eficaz se se utilizasse
uma parede de betão armado.
O principal risco que se pode referir na Capela da Reconciliação relaciona-se com a potencial acumulação de água
ao nível do pavimento, que possa danificar a parede de taipa pela sua base. Conforme referido, a construção não
possui um embasamento. Esta solução apenas é possível devido à existência de um peristilo que protege as pare-
des de taipa da acção directa das intempéries. Contudo, caso se acumulem lençóis de água no exterior da constru-
ção, estes poderão estender-se até às paredes de taipa. Por essa razão, é aconselhável garantir:
a) Que a inclinação do pavimento do peristilo direcciona a água para o exterior da capela;
b) Que a envolvente da construção se encontra bem drenada, de forma a evitar a acumulação de água nas
redondezas da capela;
c) Que a capela se encontra num ponto suficientemente elevado face ao terreno envolvente, para que a
tendência de escorrência das águas seja na direcção oposta à da capela.
A informação recolhida na bibliografia consultada não esclarece a esta questão nem se tais medidas de preven-
ção foram adoptadas.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
123
5.4.2) PROJECTO 2 – Casa Rauch
a) Ficha de análise
N. ELEMENTOS VARIÁVEIS
Função/tipologia Habitação uni fami l iar 1
Local ização Schl ins , Áustria 1.1 Localização Tipo de cl ima Temperado marítimo. Montanhoso
Ano de construção 2008 Sismicidade Baixa a moderada
Custo 1.500.000 € 1.2 ABC 290 m2
1.3 Número de pisos 3
2
2.1 Taipa x Compactada mecanicamente
Cob
IMAGENS 2.2 Origem da terra Local , corrigida x Integra lmente proveniente do loca l de construção
Importada
2.3 Mistura de terra
utilizada e
características
x A terra foi processada loca lmente. Todos os agregados de dimensão
superior a 70 mm foram rejei tados . Os restante foram tri turados até
uma dimensão máxima de 30 mm. Não referem a proporção de argi la e
s i l te uti l i zada
2.4 Est. Fís ica x Correcção granulométrica
Est. Mecânica x Compactação mecânica
Est. Química x Estabi l i zação dos pavimentos de terra e l intéis de reforço com ca l ,
caseina e, por vezes , cimento. As paredes não têm qualquer tipo de
aditivos
2.5 Terra portante x
Estrutura mista
Terra não estrutura l
2.6 Pedra
Ti jolo
Betão armado x
2.7 Lajes que funcionem
como diafragmas
N/A
Viga de coroamento x Entre pisos , como apoio das la jes , fei tas em argamassa de terra
estabi l i zada com ca l , armadas pelo interior com varões de aço
Paredes de travamento x Apenas no piso térreo
Estrutura interna
complementar
N/A
Reforços pontuais /
Outros reforços
x Foram uti l i zados três tipos de l intéis de reforço dos vãos :
a) vigas metál icas , embebidas na parede;
b) armados c/ varões de aço, pré-fabricados in s i tu, de argamassa de
terra estabi l i zada c/ ca l , embebidos na parede;
c) armados c/ varões de aço, pré-fabricados in s i tu, de argamassa de
terra estabi l i zada c/ cimento, embebidos na parede
3
3.1 Altura (h) 9 m Aproximadamente 3 m por piso,excepto escri tório (6m)
Espessura (e) 0,45 m Excepto do núcleo de escadas , onde chegam a atingir 0,65 m
Rácio h/e 6,7 Rácio por piso. Excepção na parede do escri tório (13,3)
3.2 Projecção da cobertura N/A As la jetas cerâmicas da cobertura têm uma projecção ≤ 3 cm
Revestimento exterior N/A
Outras x Incrustação de ti jolo cerâmico, disposto horizonta lmente em camadas
contínuas , projectadas 2 a 3 cm da face da parede
3.3 Materia l Cerâmico
Altura 30 cm
3.4 Paredes exteriores N/A
Paredes interiores x Nos pisos 1 e 2 são revestidas com placas de i solamento térmico e
estuque de terra projectado.
No piso térreo não têm revestimento
3.5 Quantidade 18 11 exteriores ; 7 interiores
Materia l x Madeira . Parapeito em la jetas cerâmicas
Dimensão máxima 6 m A toda a largura da casa
3.6 Quantidade 4
Dimensão máxima 2 m
3.7 Salpica x Lajetas cerâmicas dos terraços
Não sa lpica x Terreno natura l com cobertura vegeta l
3.8 Cobertura x - Cobertura da casa e dos terraços em estrutura de madeira revestida c/
uma sequência de camadas de: i ) terra misturada com cortiça e ca l , i i )
es tei ras de junco (20 cm), i i i ) pa inel de madeira de 3 camadas , iv) 3
telas betuminosas (0,4 cm), v) rochas ígneas fragmentadas e vi ) ti jolei ra
cerâmica.
- Cobertura do núcleo de escadas pré-fabricada em mistura de betão
leve armado, revestido pelo interior c/ estuque de terra .
Paredes x Estruturas de madeira revestidas c/ mistura de argi la e caseína,
impregnadas c/ óleo de l inho e pol idas c/ cera natura l
Pavimentos x Lajes em estrutura de madeira ou de la jetas cerâmicas , revestidas c/
uma camada de 12 cm de terra estabi l i zada com ca l , compactada e
acabada com caseína e cera
3.9 Integração de infra-
estruturas
Descrição x Sis tema de aquecimento e a lgumas infra-estruturas eléctricas estão
integradas no s is tema de isol . térmico pela face interior das paredes .
Apl icação de luminárias nos tectos , nas placas de terra leve revestidas
c/ estuque de terra . Não é claro como se faz a drenagem das águas da
cobertura
4
Nota: 30 % do custo da casa refere-se à investigação necessária para concretizar várias das soluções construtivas apl icadas ,
conforme é indicado pela a anál ise fei ta pela UIA - Susta inable by Des ign. O custo da obra em s i deveria ficar em 1.000.000 €.
Fundações
Reforços estruturais
DESCRIÇÃO SINTÉTICA DO PARTIDO ARQUITECTÓNICO
SOLUÇÕES ARQUITECTÓNICAS
Protecção das paredes
exteriores em terra
Embasamento
Revestimento paredes
de terra
Materias
complementares aos
elementos em terra
Tipo de estabilização
utilizada
Estrutura principal
Dimensão paredes de
terra
Vãos integrados em
paredes de terra
Vãos independentes
das paredes de terra
FICHA TÉCNICA - CASA RAUCH RESPOSTA E OBSERVAÇÕES
DESCRIÇÃO GERAL
SOLUÇÕES TÉCNICAS
Técnica construtiva
utilizada
Arquitectos Roger Boltshauser,
Martin Rauch
Construtor terra Lehm Ton Erde Martin
Rauch, Schl ins Áustria
Todos interiores , integrados em estruturas de madeira
Apenas revestimento superficia l
Pavimento exterior da
envolvente da parede
Apenas com reforços horizonta is pontuais
Casa de três pisos assumidamente onde 85% dos materia is uti l i zados são originários do terreno da construção, com uma
volumetria base para lelepipédica parcia lmente encastrada em terreno incl inado, com express ivos vazios em planta, corte e
a lçado, enriquecendo os espaços de forma s imultaneamente s imples e complexa.
Fundações corridas em betão armado com 0,45x0,60 m (largura x a l tura),
impermeabi l i zadas com tela betuminosa
Fig. 5.6 - Persp. exterior (@ Beat Bühler)
Fig. 5.9 - Sala (@ Beat Bühler)
Fig. 5.7 - Núcleo de escadas (@ Beat Bühler)Fig. 5.8 - Núcleo de escadas (@ Beat Bühler)
Fig. 5.10 - Casa de banho (@ Beat Bühler)
Fig. 5.11 - Axonometria (Kapfinger e Simon, 2011)
ANÁLISE CRÍTICA DE CASOS DE ESTUDO
124
b) Descrição arquitectónica
Martin Rauch e a sua empresa Lehm Tom Erde, de Schlins, Áustria, são responsáveis pela construção de inúme-
ros edifícios em terra e uma referência mundial na área da construção em terra. A casa que desenvolveu para
uso pessoal, em cooperação com o arquitecto Roger Bolsthauser, é um reflexo dessa experiência. O processo de
construção da casa encontra-se integralmente descrito no livro The Rauch House - A Model of Advanced Clay
Architecture - Roger Boltshauser, Martin Rauch (Kapfinger e Simon, 2011), que é inteiramente dedicado à casa e
que serviu de referência para esta descrição.
A casa organiza-se em três pisos, progressivamente mais privados. A casa reflecte esta crescente privacidade na
organização do programa e no progressivo tratamento dado às superfícies de terra. O acesso principal é feito ao
nível do piso térreo, onde se encontra uma garagem, um armazém, uma suíte para visitas e uma casa de banho
social. O segundo piso dá lugar a uma sala de estar, uma cozinha aberta para uma sala de jantar, um escritório
de pé direito duplo e dois terraços, com acesso directo desde a sala de jantar. No último piso, encontram-se dois
quartos com uma casa de banho comum.
As plantas resultam de uma jogo de cheios e vazios sobre um volume paralelipipédico de implantação semi
encastrada no terreno com o qual estabelece uma forte ligação por inserção e contraste. 41% da sua superfície
encontra-se enterrada na encosta inclinada, encontrando-se o segundo piso parcialmente de nível com o exte-
rior. Ao nível do piso térreo, foram aproveitadas supressões na encosta para executar duas extensões enterradas
em forma de gruta, que afastam pontualmente o terreno da encosta da superfície das paredes de taipa.
A articulação vertical da casa é feita por um núcleo de escadas em caracol com paredes de taipa aparente, onde
estão incrustados, em consola, os degraus com 8 cm de espessura, fixos a pré-aros inseridos 22 cm no interior da
parede. As arestas deste núcleo de escadas são arredondadas, dando maior estabilidade às paredes maciças de
taipa, que chegam a ter 65 cm de espessura. O tecto das escadas é iluminado por um conjunto de clarabóias
circulares, incrustadas no tecto pré-fabricado em betão leve armado. Cada degrau é pré-fabricado numa mistura
de terra armada, cimento e agregados coloridos, e possui um pequeno negativo igualmente circular, preenchido
com vidro, que facilita a iluminação da base das escadas. Ao centro, fixo aos patamares intermédios e ao pavi-
mento, encontra-se um corrimão contínuo em chapa metálica com 1 cm de espessura.
85% do material utilizado na construção da casa é originário do local da construção, quer seja pela aplicação
directa na taipa, nos pavimentos de terra compactada e nos estuques de terra, quer pela utilização da terra
como matéria-prima dos mosaicos e lajetas cerâmicas produzidos.
As paredes em taipa têm em média 45 cm de espessura e perfazem a estrutura portante da casa, prolongando-
se ao longo de todo o seu perímetro exterior. As superfícies das paredes são progressivamente mais polidas, do
exterior para o interior da casa. No exterior, a taipa apresenta-se revestida com camadas horizontais contínuas
de tijolo cerâmico, espaçadas 30 cm entre si e projectadas 3 cm para além da face da parede. Estas camadas
visam proteger a parede de taipa da erosão provocada pela chuva, reduzindo a sua velocidade de escorrimento
ao longo da face exterior da parede. No interior ao nível do piso térreo, no espaço da garagem, hall e armazém,
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
125
as paredes mantêm a aparência da taipa, assim como o interior do núcleo de escadas que se prolonga até à
cobertura. A partir do primeiro piso, a superfície da taipa dá lugar a um sistema misto de isolamento térmico em
placas de junco e estuque de terra, que preenche as superfícies das divisões interiores. Este progressivo cuidado
das superfícies é acompanhado pelos tectos dos pisos superiores, que são igualmente revestidos com estuque
de terra, assim como as madeiras utilizadas nos vãos e divisórias interiores, que são revestidas com uma mistura
de argila e caseína, impregnadas com óleo de linho e polidas com cera natural. Todos os pavimentos são em
terra compactada aparente, com excepção das casas-de-banho e hall do piso térreo.
Os vãos exteriores da casa têm dimensões consideráveis. O maior tem cerca de 6 m, perfazendo toda a largura da
casa. É localizado no último piso, o que significa que tem menos peso sobre ele do que os vãos dos pisos inferiores.
Todos os vãos são executados em madeira, apresentado tipicamente uma secção fixa maior e uma a duas secções
mais estreitas, que permitem a sua abertura. Como reforço dos vãos, foram aplicados lintéis embebidos nas pare-
des. As ombreiras dos vãos interiores das paredes de taipa mantêm a sua aparência natural e não possuem qual-
quer tipo de protecção acessória. Os restantes vãos estão incorporados nas estruturas divisórias em madeira.
A cobertura da casa é plana, assim como os dois terraços exteriores. Os três são revestidos com lajetas cerâmi-
cas produzidas com a mesma terra seleccionada no terreno da construção, misturada com areia de sílica e cozi-
das a 970 oC.
c) Análise construtiva e arquitectónica
A estratégia de concepção utilizada é corajosa, mas possivelmente arriscada. A execução de uma construção em
três pisos, integralmente suportados pela estrutura em taipa não estabilizada, parcialmente enterrada numa
encosta inclinada, com uma cobertura plana e dois terraços, é uma excepção face à maioria das construções em
terra existentes.
A casa é o culminar de uma longa experiência construtiva em terra, combinando soluções e técnicas que foram
desenvolvidas e aprofundadas ao longo da carreira de Rauch – um autêntico mostruário de construção em terra,
que a torna tão relevante no panorama da construção em terra contemporânea. O facto de 85% da casa ser
originária do terreno de construção é admirável e reflecte-se na diversidade de soluções construtivas utilizadas:
a) Fundações contínuas em betão armado ao longo de todo o perímetro das paredes de taipa, com uma
espessura de 45 cm (idêntica à das paredes) e 60 cm de altura, integralmente impermeabilizadas, para
que não ocorra ascensão de humidade por capilaridade para as paredes de taipa;
b) Paredes de contensão em taipa (do interior para o exterior): i) parede de taipa com 45 cm de espessu-
ra, apoiadas directamente sobre as fundações; ii) tela betuminosa (0,4 cm); iii) isolamento térmico
(10 cm); iv) duas telas betuminosas (0,4 cm cada); v) camada de drenagem; vi) cascalho até ao terreno
natural e vii) drenagem contínua na base, junto às fundações;
c) Paredes de taipa acima do solo (do exterior para o interior): i) primeira camada com 45 cm de espessura
em taipa, com camadas de tijolo cerâmico dispostas horizontalmente pelo exterior; ii) interior constituído
ANÁLISE CRÍTICA DE CASOS DE ESTUDO
126
por duas placas de junco, que funcionam como isolamento térmico (total 10 cm), sobre a qual foi projec-
tado o estuque de terra com 3 cm, reforçada com uma rede de fibra de vidro. Na superfície interior dos
painéis, foi colocada uma rede de tubos de 8 mm de espessura, com vista ao aquecimento térmico da
casa. A água destinada ao aquecimento das paredes não deverá ter uma temperatura superior a 28 oC;
A solução de colocar o isolamento térmico apenas pelo interior justifica-se devido à maior facilidade de
execução. A colocação do isolamento pelo interior da parede, para além de ser tecnicamente mais difí-
cil, obrigaria ao aumento da espessura total das paredes, dado que estas são portantes. A redução da
sua inércia pelo interior é colmatada pela forte inércia dos pavimentos, enquanto o estuque de terra
com 3 cm de espessura mantém as propriedades higroscópicas da terra activas;
d) Cobertura da casa e dos terraços em estrutura de madeira revestida com a seguinte sequência de camadas
(de baixo para cima): i) terra misturada com cortiça e cal, ii) esteiras de junco (20 cm), iii) painel de madeira
de três camadas, iv) três telas betuminosas (0,4 cm), v) rochas ígneas fragmentadas e vi) tijoleira cerâmica;
e) Cobertura do núcleo de escadas em cúpula pré-fabricada de betão leve armado, revestido pelo interior
com estuque de terra. Os negativos circulares da laje são integralmente preenchidos com vidro, que
permitem a entrada de luz natural para o seu interior;
f) Uso de dois sistemas de lajes distintos entre pisos e na cobertura: i) vigas de madeira na maioria das
lajes dos pisos intermédios e cobertura, colocadas paralelamente com afastamento mínimo, penetran-
do dois terços da espessura da parede e assentes sobre a viga perimetral, embebida nas paredes; ii)
lajetas cerâmicas dispostas alternadamente em “v”, travadas com um perfil metálico nas arestas infe-
riores, na laje do primeiro piso sobre a garagem e armazém;
g) Pavimentos interiores feitos numa camada de 12 cm de terra estabilizada com cal, compactada e aca-
bada com caseína e cera, sobre uma camada de terra misturada com cortiça e estabilizada com cal, dis-
posta sobre as lajes ou, ao nível do piso térreo, sobre o terreno compactado e impermeabilizado. Ape-
nas os pavimentos das casas de banho e do hall de acesso no piso térreo são revestidas com mosaicos
cerâmicos, cuja matéria-prima é, contudo, igualmente originária do terreno da construção;
h) Tectos que seguem a estratégia de progressivo refinamento das superfícies da casa: as lajetas do tecto
da garagem e armazém permanecem aparentes, enquanto os tectos das lajes dos pisos superiores são
revestidos com painéis de terra leve e acabados com estuque de terra.
A estética escolhida é claramente contemporânea, reinterpretando o rectângulo base que delimita a implantação
da casa, mas desenvolvendo supressões ao mesmo rectângulo à medida que se eleva, das quais tiram partido para
a criação dos terraços, que ampliam o espaço interior ao nível do piso térreo e o projectam para o exterior.
O uso da massa é muito presente, tirando partido da sua espessura para acentuar os espaços de atravessamento e,
ao nível dos vãos exteriores, criar parapeitos interiores profundos, que em articulação com os caixilhos das janelas
potenciam o uso dos espaços. A forma como a articulação vertical é feita ao longo das escadas de paredes maciças
(65 cm), com a cobertura preenchida com negativos que iluminam o seu interior, enfatizando a articulação do piso
térreo, escavado e denso, com os pisos superiores, mais leves e abertos.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
127
O desenvolvimento de um tratamento de superfícies de textura crua e rugosa do exterior, para uma textura
progressivamente mais tratada no interior, responde bem às acções mecânicas a que as paredes podem estar
sujeitas. A forma como a distribuição programática acompanha este conceito – do público para o privado – é
igualmente coerente. As soluções interiores são fascinantes e diversificadas, apresentando-se bem integradas e
protegidas. A escolha da madeira como material por excelência de complemento da terra é perspicaz, dada a sua
compatibilidade. Da mesma forma, a inclusão dos mosaicos cerâmicos, feitos com a mesma terra das paredes,
surpreendem pela compatibilidade das texturas e do brilho das superfícies, mas introduzem variações de cor e
padrões que enriquecem os espaços interiores, além de que protegem contra a acção da água. A aplicação de
materiais de maior impacte ambiental, como o cimento, apenas é feita em casos muito específicos, como as
fundações ou alguns elementos de reforço.
Todavia, as soluções aplicadas não deixam de comportar alguns riscos. Antes de mais, a casa tem três pisos – o
que é raro em construções de terra portante. De acordo com Kapfinger e Simon (2011), os cálculos apresentados
indicam que as paredes de taipa com 45 cm de espessura possuem resistência suficiente para executar uma
construção deste tipo.
41% da casa está soterrada, num terreno inclinado. As paredes de contenção são igualmente feitas com taipa.
Apesar de estarem protegidas pelo exterior, caso se dê alguma infiltração através da impermeabilização exterior
das paredes enterradas, estas podem deteriorar-se rapidamente.
A utilização de uma cobertura plana e dois terraços, revestidos com lajetas cerâmicas cozidas, sugere alguma
vulnerabilidade. Em linha com o ponto anterior, as consequências de qualquer tipo de infiltração podem ser
destrutíveis e de difícil reparação.
O uso de um telhado pouco saliente num clima montanhoso, frio e chuvoso tem, igualmente, um risco associa-
do. A potencial erosão provocada pela chuva é colmatada pela colocação de camadas horizontais contínuas de
tijolo cozido ao longo da fachada, salientes 3 cm e espaçadas verticalmente 30 cm. Estas camadas reduzem a
velocidade de escorrimento da água na fachada e, assim, a sua erodibilidade. Contudo, é uma solução tradicio-
nalmente aplicada em alguns países quentes africanos. A sua aplicação num clima montanhoso e chuvoso do
centro da Europa pode vir a demonstrar maior propensão para que ocorra erosão nas paredes exteriores, devido
à acção da chuva, vento e neve.
Por fim, a utilização de lajetas cerâmicas dispostas na vertical como embasamento, na ligação entre as paredes e
o pavimento exterior, pode ser considerada uma protecção frágil contra a água que pode escorrer ao longo da
encosta. Pela bibliografia consultada, não é claro que seja uma protecção eficaz e uma alternativa segura à apli-
cação de um embasamento maciço.
ANÁLISE CRÍTICA DE CASOS DE ESTUDO
128
5.4.3) PROJECTO 3 – Casa Flury
a) Ficha de análise
N. ELEMENTOS VARIÁVEIS
Função/tipologia Habitação uni fami l iar 1
Local ização Deitingen, Suíca 1.1 Localização Tipo de cl ima Temperado marítimo
Ano de construção 2009 Sismicidade Baixa a moderada
Custo --- 1.2 ABC 328 m2
Arquitectos Spaceshop
Architekten
1.3 Número de pisos 2 Tiram proveito das fundações elevadas para fazer
um piso enterrado em a lvenaria de pedra
Construtor terra Ralph Künzler 2
IMAGENS 2.1 Taipa
Cob x
2.2 Origem da terra Local , corrigida
Importada x Importada de uma loca l idade a 5 km de dis tância
2.3 Mistura de terra
utilizada e
características
---
2.4 Est. Fís ica x Adição de fibras vegeta is (pa lha)
Est. Mecânica x Compactação manual
Est. Química
2.5 Terra portante
Estrutura mista
Terra não estrutura l x As paredes de cob não têm função estrutura l . Es ta
é integra lmente garantida pela estrutura de
madeira
2.6 Pedra x Aparelhadas com argamassa de ca l
Ti jolo
Betão armado
2.7 Lajes que funcionem como
diafragmas
N/A
Viga de coroamento x Apesar de funcionar como travamento das paredes
de cob , es tá sobretudo integrada na estrutura de
madeira , da qual é parte integrante
Paredes de travamento x Contudo são pouco relevantes , dado que cons is tem
numa única dobra das paredes no fim das divisões
Estrutura interna
complementar
x A estrutura principa l da casa é em madeira ,
parcia lmente integrada nas paredes de cob , o que
lhes garante maior estabi l idade
Reforços pontuais /
Outros reforços
N/A
3
3.1 Altura (h) 2,40 e
2,90 m
Valores aproximados
Espessura (e) 0,8 m
Rácio h/e 3,6 Rácio para o va lor de parede mais elevado
3.2 Projecção da cobertura x Projecção variável de aprox. 50 a 120 cm
Revestimento exterior N/A
Outras N/A
3.3 Materia l Pedra
Altura ≥0,50 m Variável ao longo da casa. Mínimo 0,50 m
3.4 Paredes exteriores N/A
Paredes interiores N/A
3.5 Quantidade 2 Um em cada parede
Materia l N/A Não possuem revestimento
Dimensão máxima 0,90 m Valor aproximado de largura
3.6 Quantidade 7
Dimensão máxima 5 m Valor aproximado de largura
3.7 Salpica
Não sa lpica x Gravi lha e relva
3.8 Cobertura x Estrutura e revestimento interior em madeira ,
preenchida com fardos de palha e revestida com
uma camada de substracto vegeta l
Paredes x Estrutura e revestimento em madeira
Pavimentos x Estrutura e revestimento em madeira , preenchida
com fardos de palha
3.9 Integração de infra-
estruturas
Descrição x Insta lação das das infra-estruturas é fei ta pelo
exterior das paredes , em l igação directa entre
pavimento e tecto, ou fixas às paredes de madeira .
Integração nas paredes de cob é tota lmente
evi tada. O escoamento das águas da cobertura faz-
se através de gárgulas , que a projectam para uma
dis tância segura das paredes de terra
4
FICHA TÉCNICA - CASA EM FLURY RESPOSTA E OBSERVAÇÕES
DESCRIÇÃO GERAL
SOLUÇÕES TÉCNICAS
Técnica construtiva
utilizada
Dimensão paredes de
terra
Protecção das paredes
exteriores em terra
Embasamento
Tipo de estabilização
utilizada
Estrutura principal
Fundações
Reforços estruturais
SOLUÇÕES ARQUITECTÓNICAS
Casa com uma forte componente sustentável , organizada em três zonas rectangulares , dispostas de forma
i rregular num piso sub-elevado, divididas por duas espessas paredes de terra s imétricas , com estrutura
interior em madeira sobre embasamento em pedra e cobertura projectada ao longo do perímetro envolvente.
Revestimento paredes
de terra
Vãos independentes
das paredes de terra
Pavimento exterior da
envolvente da parede
Materias
complementares aos
elementos em terra
DESCRIÇÃO SINTÉTICA DO PARTIDO ARQUITECTÓNICO
Vãos integrados em
paredes de terra
Fig. 5.12 - Vista exterior (@ Stefan Weber)
Fig. 5.14 - Cozinha (@ Stefan Weber)
Fig. 5.17 - Corte (Detail, 2011)
Fig. 5.15 - Zona de dormir (@ Stefan Weber)
Fig. 5.13 - Sala (@ Stefan Weber)
Fig. 5.16- Planta (Detail, 2011)
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
129
b) Descrição arquitectónica
A Casa Flury, em Deitingen, é propriedade de um jardineiro, que quis construir uma habitação sustentável e
ecológica, com recursos energéticos mínimos. A descrição da casa e o seu processo de construção podem ser
encontrados em algumas publicações e no sítio dos arquitectos, tendo a publicação da Detail 2011/4, devido à
sua idoneidade e reconhecida qualidade na divulgação técnica de construções, servido de referência principal
para esta descrição arquitectónica, conjuntamente com a análise directa dos desenhos e fotografias disponíveis.
A casa situa-se numa propriedade rural e é uma extensão autónoma de uma antiga casa agrícola existente.
Encontra-se parcialmente sub-elevada, organizando-se em planta em três espaços rectangulares, divididos por
duas paredes em cob, com 80 cm de espessura, dispostas em forma de “L”.
A entrada dá acesso directo para a sala de estar, que se encontra num nível 50 cm mais baixo do que o restante
piso. Através desta, acede-se à cozinha e dois espaços de refeição (abertos entre si), através das quais se acede à
zona de dormir, constituída por um quarto e uma sala de apoio, separados por uma casa de banho central. Os
três espaços interiores são ligados por aberturas estreitas nas paredes maciças de cob, enquanto o perímetro
exterior da casa é constituído por grandes vão envidraçados, inscritos entre os limites das duas paredes de terra,
que se abrem para o jardim e terraço adjacente. No piso inferior, com acesso pelo exterior, foram aproveitadas
as fundações elevadas da casa para fazer uma arrecadação enterrada, a toda a dimensão da casa.
A escolha dos materiais e o seu método construtivo obedeceu a um critério de redução da taxa de energia incorpo-
rada na construção, procurando-se tirar partido, na sua articulação, das suas qualidades técnicas, tectónicas e plás-
ticas. Os três principais materiais utilizados – paredes em cob, estrutura, pavimento, tectos e caixilharia em madeira
e embasamento em pedra – provêm de uma distância inferior a 10 km do local de construção e não necessitaram
de grandes meios de processão. Na mesma linha, todos os trabalhadores que participaram na obra, com excepção
dos técnicos de construção em terra, vieram de uma distância inferior a 20 km.
As paredes de cob não têm aqui uma função estrutural, tendo a técnica sido utilizada como forma de preenchi-
mento da estrutura em madeira. A elevada espessura utilizada nas paredes de cob (80 cm) resulta da necessida-
de de estabilidade das paredes, consequente do seu método construtivo – sem recurso a cofragem e compacta-
ção mecânica intensiva – mas, também, como forma de atingir um coeficiente de transmissão térmico dentro
dos limites legais, de 0,66 W/m2K.
Estas paredes assentam sobre o pavimento, apesar de estarem parcialmente sobrepostas com as paredes de
fundação elevadas em pedra aparelhada. Tanto o pavimento como a cobertura são executados em madeira e
preenchidos no interior com palha – que actua como isolamento térmico – não incluindo qualquer revestimento
de terra. Sobre a estrutura da cobertura, que se projecta para além da fachada, executou-se um revestimento
ajardinado. O peso da cobertura é transmitido através dos pilares em madeira, inseridos no interior das paredes
de terra e ao longo da periferia dos vão exteriores até às fundações elevadas. Os caixilhos exteriores em madeira
integram-se com a estrutura da casa, integralmente executada em madeira.
As paredes de terra regulam higroscopicamente o ambiente interior da casa e servem como armazenadoras de
ANÁLISE CRÍTICA DE CASOS DE ESTUDO
130
calor, devido à sua maior inércia térmica, em complemento do sistema de aquecimento da casa, que funciona
pelo exterior das paredes. A rede de aquecimento funciona à base de água. A caldeira utilizada é alimentada a
lenha. A casa não possui rede de telecomunicações e a energia eléctrica é fornecida por uma pequena central
fotovoltaica, situada na casa ao lado. Toda a água é captada por um furo próximo da casa e é reutilizada no sis-
tema de rega do jardim.
c) Análise construtiva e arquitectónica
A principal característica que sobressai da Casa Flury, em Deitingen, é a sua forte sustentabilidade, à qual deveu
o Prémio Especial para Arquitectura Ecológica, da revista Detail, em 2011. A casa foi pensada para ser integral-
mente reciclável e todos os resíduos produzidos são reutilizados na lide diária da propriedade. Tanto do ponto
de vista dos materiais utilizados e sua disponibilidade na proximidade do local de construção, como dos meios
de produção e mão-de-obra utilizada, a casa é paradigmática na articulação de princípios de construção ecológi-
ca e de utilização sustentável ao longo do seu ciclo de vida. A integração destes pressupostos sustentáveis com
uma arquitectura expressamente contemporânea é notável.
A integração do elemento terra neste conjunto de materiais e princípios construtivos é muito interessante. Ao
contrário de outras edificações, a terra não tem aqui um papel predominante. A estrutura principal da casa é em
madeira e este é o material mais presente, tanto na estrutura, como nos pavimentos, tectos e caixilharia exte-
rior. Contudo, a presença da terra é determinante no cômputo final da casa, pela forma como se diferencia e
como divide e articula os seus três espaços principais. A terra traz uma textura complementar à casa, aquecen-
do-a e conferindo-lhe uma dimensão maciça, térrea, que complementa a presença da madeira – material com o
qual é muito compatível.
Do ponto de vista construtivo, as paredes de terra integram-se na estrutura de madeira, tirando partido dos seus
prumos verticais como travamento interior. Esta solução é relevante, dado que a técnica de construção em cob
é, tipicamente, menos resistente do que outras técnicas construtivas em terra, como a taipa. A sua elevada
espessura (80 cm) deve-se apenas i) à estabilidade da parede e ii) obtenção de um coeficiente de transmissão
térmica de 0,66 W/m2K. Como a densidade do cob é inferior às soluções de terra compactada mecanicamente, a
solução da parede é regulamentarmente viável sem o recurso a um isolamento térmico adicional. A presença da
palha ajuda igualmente à diminuição da transmissão térmica da mistura, contribuindo para esta estratégia.
Assim, a terra é libertada da sua função estrutural e contorna-se a sua maior dificuldade de agir como isolamen-
to térmico, conferindo massa e espessura à casa (o que é benéfico do ponto de vista arquitectónico) e aumen-
tando a sua inércia. Simultaneamente, contribui para regular higroscopicamente o ambiente interior, mantendo
a humidade do ar estável ao longo do ano, ao mesmo tempo que absorve os odores presentes.
Igualmente relevante, do ponto de vista construtivo, é a solução de elevar as fundações em pedra aparelhada. O
desenvolvimento de um pavimento elevado facilita a ventilação do piso principal da casa em madeira. Simulta-
neamente, reduz a exposição das paredes à acção da água, protegendo-as tanto da ascensão de humidade por
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
131
capilaridade, como da potencial acumulação de água na sua envolvente exterior.
As fundações não estão alinhadas pelo interior com as paredes de cob, mas antes com a estrutura de madeira, o
que acentua o facto de as paredes de terra não terem uma função estrutural. É igualmente interessante a solu-
ção de prolongar a pedra das paredes de fundação pela face exterior, criando um embasamento contínuo ao
longo do perímetro exterior das paredes de cob, o que é eficaz na protecção das paredes contra a acção da água,
ao mesmo tempo que introduz variações nos planos opacos da fachada.
Igualmente relevante, do ponto de vista da estratégia de protecção das paredes de terra contra a acção da água,
é a projecção da cobertura ao longo de todo o perímetro da casa. Os autores tiram partido da estrutura inde-
pendente em madeira, desenvolvendo uma cobertura que chega a estar 1,20 m projectada em consola das
paredes de terra.
Ainda do ponto de vista construtivo, vale a pena referir a solução adoptada de integração do sistema de aqueci-
mento da casa. Este funciona numa rede de tubagens de água quente aparente, que, partindo do pavimento
para a cobertura, nunca chega a interferir com as paredes de terra. Reduz-se, assim, os potenciais inconvenien-
tes de uma rede de infraestruturas embebida nas paredes terra – difícil manutenção, risco de infiltrações, res-
tauração complicada de aberturas de roços, etc.
É ainda de salientar a utilização de uma cobertura ajardinada. As paredes de terra são sempre susceptíveis à
infiltração de água. Por ter na sua constituição palha, as paredes de cob estão mais sujeitas à biodegradação do
que as restantes técnicas construtivas em terra. A utilização de uma cobertura ajardinada é eficaz do ponto de
vista do isolamento da casa e da perspectiva da estratégia ecológica associada a este projecto, garantindo uma
superfície verde que colmata a área de vegetação desbravada para a sua construção. Contudo, é necessária uma
preocupação acrescida com a potencial infiltração de água, dada a fragilidade das paredes de cob face à sua
acção.
Do ponto de vista da composição formal da casa, é de destacar a configuração das duas paredes de cob em “L”.
Com uma geometria muito simples, delimita os três rectângulos desalinhados, que configuram os espaços prin-
cipais da casa, e abre-os para o exterior. Simultaneamente, confere-lhes autonomia e privacidade, dado que
estes nunca são visíveis entre si do interior para o exterior.
Esta separação é acentuada pela elevada espessura das paredes de cob, da qual tiram partido para fazer as tran-
sições entre os três espaços da casa, através de uma abertura estreita em cada parede. Esta estratégia acentua a
privacidade entre as divisões, apesar de nenhum dos vãos interiores poder ser encerrado.
Desta forma, os autores abrem individualmente as três divisões para o jardim e terraço exterior, através de um
conjunto de vãos corridos em madeira no perímetro da casa, restringidos pelos limites das paredes de terra.
Tirando partido da estrutura em madeira autónoma das paredes de terra, conseguem desenvolver envidraçados
corridos, de grande amplitude – em contraste com as características dimensões reduzidas dos vãos das constru-
ções em terra.
ANÁLISE CRÍTICA DE CASOS DE ESTUDO
132
5.4.4) PROJECTO 4 – METI – Escola no Bangladesh
a) Ficha de análise
N. ELEMENTOS VARIÁVEIS
Função/tipologia Escola 1
Local ização Rudrapur, Bangladesh 1.1 Localização Tipo de cl ima Tropica l húmido
Ano de construção 2005 Sismicidade Moderada a elevada s ismicidade
Custo 19.000 € 1.2 ABC 325 m2
Arquitectos Anna Heringer e Eike
Roswag
1.3 Número de pisos 2 O primeiro piso é em cob , enquanto o segundo é em
estrutura de bambu
Construtor terra População loca l 2
IMAGENS 2.1 Taipa
Cob x
2.2 Origem da terra Local , corrigida x
Importada
2.3 Mistura de terra
utilizada e
características
x Terra loca l , sobretudo à base de s i l te, com pouca
percentagem de argi la e gravi lha, misturada
artesenalmente por búfa los
2.4 Est. Fís ica x Adição de fibras vegeta is (pa lha de arroz)
Est. Mecânica x Compactação manual
Est. Química
2.5 Terra portante
Estrutura mista x Terra no piso térreo e bambu no piso superior
Terra não estrutura l
2.6 Pedra
Ti jolo x Ti jolo cerâmico maciço
Betão armado
2.7 Lajes que funcionem como
diafragmas
x
Viga de coroamento x Em estrutura de bambu
Paredes de travamento x O espaço lúdico actua como uma grande parede de
travamento, ao longo de toda a fachada posterior da
escola
Estrutura interna
complementar
x Em bambu, na parte superior das paredes de cob ,
integrando uma viga de bordadura, fixação do
pavimento superior e lançando da estrutura do piso
superior em bambu
Reforços pontuais /
Outros reforços
x Reforço dos vãos com l inteis em canas de bambu,
embebidos na parede
3
3.1 Altura (h) 3,5 m
Espessura (e) 0,50 m
Rácio h/e 7
3.2 Projecção da cobertura x Projecção variável entre aprox. 2 a 3 m
Revestimento exterior N/A
Outras N/A
3.3 Materia l Ti jolos Ti jolos cerâmicos maciços , revestidos com reboco de
cimento
Altura 0,40 m
3.4 Paredes exteriores N/A
Paredes interiores x Revestidas com estuque de terra colorido
3.5 Quantidade 42
Materia l x Os vão mais pequenos são revestidos com reboco à
base de ca l . Os vãos de sacada não possuem
revestimento
Dimensão máxima 1,5 m Valor aproximado de largura
3.6 Quantidade 54 Todos loca l i zados na estrutura de bambu do piso
superior
Dimensão máxima 1,2 m Valor aproximado de largura
3.7 Salpica x Pavimento revestido com reboco de cimento, em frente
à fachada principa l
Não sa lpica x Terreno natura l
3.8 Cobertura x Cobertura em chapa de zinco ondulada, suportada por
estrutura em canas de bambu
Paredes x No piso superior em estrutura de bambu
Pavimentos x Em terra compactada. No piso superior, sobre estrutura
em canas de bambu
3.9 Integração de infra-
estruturas
Descrição x escola possui poucas infra estruturas , estando os
interruptores integrados nas paredes de cob , sob o
estuque de terra , e as luminárias no tecto, entre a
estrutura de bambu. Águas pluvia is são projectadas
di rectamente para o exterior, a uma dis tância
cons iderável da superfície das paredes
4
Revestimento paredes
de terra
Vãos integrados em
paredes de terra
Pavimento exterior da
envolvente da parede
Materias
complementares aos
elementos em terra
DESCRIÇÃO SINTÉTICA DO PARTIDO ARQUITECTÓNICO
FICHA TÉCNICA - METI - ESCOLA EM RUDRAPUR RESPOSTA E OBSERVAÇÕES
DESCRIÇÃO GERAL
SOLUÇÕES TÉCNICAS
Técnica construtiva
utilizada
Tipo de estabilização
utilizada
Estrutura principal
Fundações
Reforços estruturais
Vãos independentes
das paredes de terra
Escola construída num contexto rura l , de ba ixo custo de execução e reduzido impacte ambienta l , es truturada em
dois pisos de l inguagem oposta - maciça e pesada no piso inferior, leve e permeável no piso superior -
conjugando s is temas construtivos e materia is loca is com uma arquitectura de enra izamento loca l mas
contemporânea.
SOLUÇÕES ARQUITECTÓNICAS
Dimensão paredes de
terra
Protecção das paredes
exteriores em terra
Embasamento
Fig. 5.18 - Fachada principal (@ Kurt Hoerbst)
Fig. 5.19 - Piso superior (@ Kurt Hoerbst)
Fig. 5.20 - Sala piso térreo (@ Kurt Hoerbst)
Fig. 5.21 - Espaços informais (@ Kurt Hoerbst)
Fig. 5.22 - Corte (Rael, 2009)
Fig. 5.23 - Planta piso 0 (Rael, 2009)
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
133
b) Descrição arquitectónica
O Bangladesh caracteriza-se por ser uma região fértil e anualmente mitigada por fortes monções. A terra é
abundante, mas possui pouca argila. A reduzida disponibilidade de palha e quase total indisponibilidade de
pedra resulta em construções tradicionais em cob frágeis face à acção das monções, o que muitas vezes resulta
na necessidade de reconstruir anualmente as construções (Rael, 2009).
O projecto da Escola foi comissariado pelo Modern Educational Training Institute (METI, do Bangladesh, e reali-
zado em cooperação com a organização não-governamental de desenvolvimento Dipshikha e duas organizações
humanitárias alemãs, na localidade rural de Rudrapur, no Bangladesh, com 1.500 pessoas.
A abordagem da equipa de projecto, que lhe garantiu o Prémio Aga Khan para a arquitectura de 2007, consistiu
em utilizar um tipo de construção que é familiar à população local, mas melhorada e desenvolvida. O princípio
de intervenção consistiu em promover o desenvolvimento contínuo de conhecimentos e competências da popu-
lação – em linha com os princípios educativos não-formais defendidos pelo METI. Assim, toda a construção
recorreu a materiais locais e facilmente disponíveis – terra e bambu – e mão-de-obra local, que foi treinada e
orientada pela equipa de projecto. O objectivo consistiu em implementar um projecto local, sustentável, adap-
tado às características e condicionantes específicas do sítio de projecto e do seu clima, utilizando materiais e
métodos de construção familiares à população, mas com uma abordagem construtiva nova, mais duradoura,
com uma linguagem arquitectónica diferenciadora, que pudesse ser adoptada pela comunidade local ao longo
dos tempos (Pawlitschko, 2007; Roswag, 2007).
A construção da escola foi integralmente feita por um conjunto de trinta trabalhadores locais, tendo os profes-
sores e alunos participado igualmente no processo construtivo. A obra durou quatro meses a ser realizada,
durante os quais os trabalhadores receberam formação e orientação da equipa alemã e austríaca. Utilizaram
búfalos para misturar a terra com água e foi adicionada palha de arroz para melhorar a sua coesão. Não utiliza-
ram qualquer tipo de maquinaria na sua execução (Rael, 2009).
O edifício está organizado em dois corpos rectangulares com dois pisos cada, separados por um núcleo de esca-
das aberto ao centro. O piso inferior é integralmente construído em cob, utilizando as paredes maciças de terra
para delimitar três salas de aula. As três salas possuem cada uma quatro vãos exteriores de sacada, encerrados
com portadas e cortinas coloridas de tecido, através dos quais se garante a sua acessibilidade independente. Nas
restantes paredes periféricas, foram deixadas pequenas aberturas rectangulares, que permitem ventilar os
espaços interiores. Ao longo da fachada posterior, construíram espaços informais em forma de pequenas grutas,
que podem ser apropriados pelos alunos para estudar, fazer trabalhos de grupo, descansar ou apenas brincar. As
paredes de terra no piso inferior foram deixadas aparentes ao longo de toda a fachada exterior do edifício e
revestidas com um estuque de terra nas faces interiores, pintado com uma aguada de cal colorida, dando luz e
vida aos espaços de estudo (Pawlitschko, 2007).
No piso superior, localizam-se duas amplas salas de aula, com a dimensão integral de cada um dos corpos do edifício.
Em oposição ao piso térreo, o segundo piso é bastante aberto e permeável. Tendo sido construído em bambu, a sua
ANÁLISE CRÍTICA DE CASOS DE ESTUDO
134
estrutura encontra-se integrada com a estrutura de bambu da laje entre pisos, a partir da qual se projecta até ao topo
do piso, onde suporta uma larga cobertura metálica de uma água. Esta cobertura projecta-se extensivamente para
além das paredes periféricas da escola, de forma a protegê-las da incidência directa do sol e da chuva.
A estrutura em três camadas de bambu da laje entre pisos foi revestida com terra por cima, para acomodar as
salas de aula do piso superior, e deixada exposta na face inferior, criando a textura que caracteriza o tecto das
salas do piso térreo. O perímetro exterior do piso superior é encerrado por um conjunto contínuo de portadas,
integradas na estrutura de bambu. Na sua base, foi construído um murete periférico com 50 cm de altura, em
terra, que delimita o espaço e funciona como banco corrido. O tecto foi revestido com tecidos coloridos, confe-
rindo cor, textura e alegria ao espaço.
c) Análise construtiva e arquitectónica
A capacidade de repensar os sistemas de construção tradicionais, sua imagem e materialidade, é uma forma
essencial de contrariar a conotação da construção em terra com uma construção pobre. Simultaneamente, ajuda
a quebrar o preconceito das populações em países em desenvolvimento de que a sua evolução tem que estar,
necessariamente, associada à alteração dos métodos e materiais construtivos, aproximando-se de uma imagem
de construção ocidental importada, que é, por natureza, menos sustentável.
O principal destaque do projecto da escola em Rudrapur prende-se com a metodologia de trabalho utilizada e
com a forma como essa metodologia foi aplicada:
a) Uma forte componente sustentável, o reduzido impacte ambiental e o baixo custo da construção, atra-
vés da utilização de materiais e de mão-de-obra disponíveis localmente e da aplicação de métodos
construtivos que não requerem o uso de tecnologias indisponíveis naquela região;
b) A utilização de sistemas construtivos que derivam de técnicas construtivas artesanais, adaptados e
desenvolvidos de forma a dar uma resposta mais eficiente às condicionantes locais, trazendo-lhes uma
acrescida qualidade construtiva;
c) A abordagem direccionada para o empoderamento da população local, através do desenvolvimento de
conhecimentos e competências, que podem ser úteis posteriormente no desenvolvimento de novas
edificações, mais resistentes e com maior qualidade, na localidade.
Sobressai deste projecto a articulação destes três factores (sustentabilidade, desenvolvimento das técnicas cons-
trutivas tradicionais e empoderamento) com uma linguagem diferenciadora, que não deixa de ser contemporâ-
nea. A sua imagem não pode ser desassociada do contexto em que foi construída, mas diferencia-se claramente
das construções tradicionais em terra familiares àquela população.
Do ponto de vista construtivo, uma das principais preocupações identificadas pelos autores do projecto é a
degradação dos edifícios tradicionais em terra no período das monções, durante o qual aproximadamente 70%
do país fica inundado (Pawlitschko, 2007). A acumulação de água nos solos provoca a desintegração das paredes
desprotegidas. As construções em cob são, muitas vezes, erigidas directamente do solo. A solução que desenvol-
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
135
veram consistiu na construção de fundações resistentes e elevadas, em forma de embasamento, e no reforço da
construção com bambu. A opção por materiais mais resistentes, como o betão, era demasiado cara face à dispo-
nibilidade económica da população em causa, pelo que as fundações com 50 cm de profundidade foram feitas
com tijolos maciços cozidos, elevando-se 40 cm face ao terreno. A ligação entre o embasamento e as paredes de
cob foi impermeabilizada, criando uma barreira de vapor que protege as paredes da ascensão de humidade por
capilaridade, dado que os terrenos ficam particularmente húmidos durante o período das monções (Pawlitschko,
2007; Rael, 2009). Contudo, face à bibliografia consultada, não é claro que os 40 cm de altura do embasamento
sejam suficientes em terrenos inundáveis.
A técnica de construção em cob utilizada está perfeitamente em linha com a descrição referida no subcapítulo
4.2.4.2, apesar de representar uma melhoria dos métodos construtivos locais, que não recorriam à adição de
fibras vegetais como estabilizante (Lim, 2007). As paredes apresentam uma espessura significativa (50 cm) e os
espaços informais maciços em terra, ao longo de toda a fachada posterior, podem agir como travamento da
construção. Contudo, os membros das paredes de cob, entre os vãos de sacada da fachada principal, são estrei-
tos. A sua proporção, face à dimensão e quantidade de aberturas, poderá ser insuficiente do ponto de vista sís-
mico – sobretudo quando se trata de uma zona de moderada a elevada sismicidade – apesar do seu topo estar
interligado por uma viga de coroamento.
A opção pelo uso do bambu como material complementar é relevante. Dada a sua leveza e natural compatibili-
dade com a terra, a estrutura em bambu permitiu acrescentar um segundo piso à construção, por não ter um
peso incomportável para as paredes em cob do piso inferior. Desta forma, conseguem acrescentar duas novas
salas de aula cobertas, que dão maior capacidade à escola, e conseguem atingir a altura de dois pisos, o que é
raro em construções em terra feitas neste tipo de contextos.
A estrutura de bambu reforça a estrutura das paredes de cob, criando uma viga de coroamento integrada nas
paredes periféricas, que se articula com a estrutura de três camadas de bambu da laje intermédia (Lim, 2007;
Pawlitschko, 2007). A estrutura do pavimento projecta-se para o exterior das paredes de terra e serve de ponto
de fixação para os prumos verticais que suportam a cobertura, entre os quais se encontram integradas as porta-
das. Estas portadas conferem leveza ao segundo piso, permitindo uma maior transparência, permeabilidade ao
ar e controlo da luz, ao mesmo tempo que encerram os espaços educativos. Simultaneamente, esta estrutura de
bambu suporta a cobertura metálica do edifício, que se projecta para além das paredes exteriores de terra, pro-
tegendo-as da incidência directa da chuva.
A estratégia climática utilizada tira partido do tipo de clima presente - Verões húmidos e quentes e Invernos
temperados – permitindo o uso da terra por si sem recurso a isolamentos adicionais. O cob tem menor densida-
de que outras técnicas construtivas em terra e é misturado com palha, pelo que tem menor condutividade tér-
mica. O piso superior em bambu, permeável ao ar, protege a cobertura do piso inferior da incidência directa do
sol, enquanto a abertura de vãos em ambas as faces opostas das fachadas do piso inferior garante uma ventila-
ção cruzada, que facilita a renovação de ar no interior das salas. Apenas as portas das salas de aula podem ser
encerradas (Roswag, 2007; Pawlitschko, 2007).
ANÁLISE CRÍTICA DE CASOS DE ESTUDO
136
Dado se tratar de uma zona de moderada a elevada sismicidade, a estrutura da planta poderá compreender
alguns riscos. De acordo com o referido em 4.1.2, apesar de a planta ser rectangular, a distribuição das paredes é
assimétrica, concentrando-se na fachada principal o conjunto extenso de vãos de entrada para a sala de aula,
que fragilizam esta fachada em oposição ao corpo maciço na parte posterior do edifício. Contudo, a articulação
que fazem entre os dois pisos – maciço e pesado no piso inferior, leve e aberto no piso superior – é uma boa
estratégia do ponto de vista sísmico, assim como o reforço dos vãos com canas de bambu embebidos nas pare-
des de cob. Simultaneamente, esta estratégia de sobreposição de dois níveis antagónicos, peso em oposição a
leveza, confere elegância ao edifício.
No piso inferior, tiram partido da maleabilidade do cob para criar os espaços de educação informal para as crian-
ças, trazendo uma componente lúdica ao edifício e dando vida à escola. Estes espaços, assim como as paredes
interiores de cob, são revestidos com estuque de terra e pintados com uma aguada colorida de cal, que contras-
ta com a aparência crua do exterior, trazendo mais conforto e vida para os espaços interiores. Os vãos exteriores
mais pequenos foram revestidos com um reboco de cal que se estende para o exterior, criando um aro envol-
vente, para lhes conferir maior resistência face à acção das chuvas.
A métrica de distribuição dos prumos verticais de bambu, em contraposição com as aberturas dos vãos alinha-
dos de ambos os pisos, dá ritmo e dinamismo à fachada. Igualmente interessante é a estratégia de variedade
cromática utilizada. A cor traz vida ao edifício, realçando a coloração térrea das paredes exteriores de cob. A luz
atravessa os tecidos coloridos, dispostos na cobertura e nas portas das salas de aula do piso térreo, irradiando
cor para o interior dos espaços.
O sistema de cores utilizado nas portadas exteriores do piso térreo é igualmente relevante: todas são pintadas
com a cor azul no exterior, mas possuem cores diferentes no interior. Assim, não só é claro quais são as portadas
que estão abertas, como a imagem do edifício vai variando ao longo do dia, consoante estas estejam abertas ou
fechadas. Cor, texturas, diferentes materialidades e formas articulam-se ao longo do edifício, conferindo-lhe vida
– o que parece ser particularmente pertinente, dado se tratar de uma escola.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
137
5.4.5) PROJECTO 5 – CASA PALMER-ROSE
a) Ficha de análise
N. ELEMENTOS VARIÁVEIS
Função/tipologia Habitação uni fami l iar 1
Local ização Arizona, EUA 1.1 Localização Tipo de cl ima Tropica l seco /semiárido
Ano de construção 1998 Sismicidade Baixa s ismicidade
Custo --- 1.2 ABC 260 m2
Arquitectos Rick Joy 1.3 Número de pisos 1
Construtor terra Rammed Earth Solar
Homes
2
IMAGENS 2.1 Taipa x Compactada mecanicamente
Cob
2.2 Origem da terra Local , corrigida x Proveniente de 3 loca is na proximidade da casa
Importada
2.3 Mistura de terra
utilizada e
características
x Mistura foi corrigida granulometricamente de acordo
com uma proporção pré-definida de argi la , s i l te e
gravi lha, tendo recebido um aditivo de óxido de ferro
para obter uma coloração mais a laranjada
2.4 Est. Fís ica x Correcção granulométrica
Est. Mecânica x Compactação mecânica
Est. Química x Adição de cimento Portland
2.5 Terra portante x
Estrutura mista
Terra não estrutura l
2.6 Pedra
Ti jolo
Betão armado x
2.7 Lajes que funcionem
como diafragmas
N/A
Viga de coroamento x Em betão armado, à qual é fixa a estrutura metál ica da
cobertura
Paredes de travamento x Sobretudo na zona centra l , de união dos dois corpos
principa is da casa
Estrutura interna
complementar
x Com pi lares metál icos , integrados nas paredes de ta ipa,
que apoiam pontualmente a estrutura metál ica da
cobertura nos pontos mais críticos
Reforços pontuais /
Outros reforços
x Reforço dos vãos com l intéis metál icos , embebidos na
parede
3
3.1 Altura (h) 4,5 m Altura máxima apróximadamente 4,5 m
Espessura (e) Variável Variável , de 0,45 m a 1,5 m
Rácio h/e 10 Para o va lor mínimo de espessura
3.2 Projecção da cobertura ≤ 1,2 m Projecção variável . Em a lgumas das faces das paredes
faz apenas um pequeno rufo
Revestimento exterior N/A
Outras N/A
3.3 Materia l Betão
Altura Variável 0,45 a 2 m
3.4 Paredes exteriores N/A
Paredes interiores N/A
3.5 Quantidade 22
Materia l x Caixi lharia em madeira nos vãos exteriores . Portas
pivotantes também em madeira
Dimensão máxima 3 m Valor aproximado de largura
3.6 Quantidade 16
Dimensão máxima 7,5 m Valor aproximado de largura
3.7 Salpica x Lajetas em betão armado em zonas pontuais , como no
a lpendre
Não sa lpica x Terreno natura l
3.8 Cobertura x Cobertura em estrutura metál ica , revestida pelo interior
com madeira e pelo exterior com chapa ondulada de
zinco
Paredes x Em estrutura e revestimento de madeira , com excepção
das casas-de-banho que têm um revestimento cerâmico
Pavimentos x Betoni lha esquartelada, com pigmentação escura, no
pavimento de toda a casa
3.9 Integração de infra-
estruturas
Descrição x Integração das infra-estruturas eléctricas é fei ta
parcia lmente nas paredes de ta ipa. As restantes estão
loca l i zadas nas paredes de madeira e nos
embasamentos de betão armado, enquanto as
luminárias encontram-se, sobretudo, nos tectos . A
drenagem das águas da cobertura é fei ta através de
gárgulas , que se projectam por uma dis tância
cons iderável para o exterior
4
FICHA TÉCNICA - CASA PALMER-ROSE RESPOSTA E OBSERVAÇÕES
DESCRIÇÃO GERAL
SOLUÇÕES TÉCNICAS
Técnica construtiva
utilizada
Tipo de estabilização
utilizada
Estrutura principal
Fundações
Reforços estruturais
Com reforços pontuais metál icos para apoiar a estrutura
da cobertura
Pavimento exterior da
envolvente da parede
Materias
complementares aos
elementos em terra
DESCRIÇÃO SINTÉTICA DO PARTIDO ARQUITECTÓNICO
Nota: esta ficha técnica diz apenas respeito à casa principa l , não incluindo o corpo da garagem
Referência da arquitectura de terra , com uma plasticidade acentuada e uma l inguagem arquitectónica
plenamente contemporânea, resultante da conjugação da terra com materia is dis tintos na edi ficação de uma casa
de compos ição sens ível e geometria complexa, mas profundamente integrada na pa isagem.
Vãos independentes
das paredes de terra
SOLUÇÕES ARQUITECTÓNICAS
Dimensão paredes de
terra
Protecção das paredes
exteriores em terra
Embasamento
Revestimento paredes
de terra
Vãos integrados em
paredes de terra
Fig. 5.24 - Fachada norte (@ Timothy Hursley)
Fig. 5.25 - Vãos interiores (@ Timothy Hursley)
Fig. 5.26 - Quarto (@ Timothy Hursley)
Fig. 5.27 - Corte transversal (Joy, 2002)
Fig. 5.28 - Planta (Joy, 2002)
ANÁLISE CRÍTICA DE CASOS DE ESTUDO
138
b) Descrição arquitectónica
A casa Palmer-Rose situa-se num terreno amplo de 16.000 m2, em Tucson, Arizona, encontrando-se rodeada por
vegetação nativa, típica do clima semiárido envolvente, na proximidade das montanhas de Santa Catalina. O
posicionamento da casa a uma cota baixa, 7 m abaixo do nível da estrada vizinha, e o uso de uma materialidade
e coloração próximas da envolvente, fazem com que à distância a casa se integre e desvaneça na paisagem.
Procurou-se deixar intacta a vegetação presente no local de construção, tendo-se evitado o abate de qualquer
tipo de árvore ou cacto existente (Rael, 2009).
A casa de um único piso organiza-se em dois volumes rectangulares separados e articulados de forma irregular,
que dividem o espaço público do espaço privado. Ao centro encontra-se a entrada, enfatizada pelo encontro
entre os dois volumes, a partir da qual se acede ao lado mais público da casa. Neste volume, encontram-se a sala
de estar aberta para a cozinha, que possui um espaço de preparação posterior. Como extensão da sala foi criado
um alpendre exterior, aberto para norte e este, que é delimitado pela cobertura e por uma espessa parede de
terra com mais de um metro de espessura, onde se encontra integrada uma lareira (Joy, 2002; Rael, 2009).
O segundo volume incorpora o lado privado da casa e contém um quarto principal, ao qual estão associados um
escritório, casas-de-banho, um pequeno Spa, arrumos e um alpendre exterior. A sua implantação foi ligeiramente
rodada para que o quarto receba a luz da manhã vinda de este (Rael, 2009), protegendo simultaneamente os vãos
da sala da luz de poente. Acede-se a esta ala da casa através de um espaço de transição em “V”, que enfatiza a
separação entre os dois volumes, dando maior privacidade à ala do quarto (Joy, 2002).
Ambos os corpos possuem uma cobertura em duas águas invertidas, com uma inclinação ascendente a partir de
um eixo interior para as fachadas. Os espaços interiores abrem-se para norte e para as montanhas de Santa
Catalina, através de um conjunto de grandes vãos que se estendem do embasamento até à cobertura, e fecha-se
a sul, nascente e poente, com um perímetro maciço em taipa que protege o interior da incidência directa do sol
(Rael, 2009). Nestas paredes, foram deixadas apenas algumas aberturas estrategicamente localizadas, que tiram
partido da luz incidente para criar um jogo intenso de luz e sombra no interior.
As paredes são acentuadas pela textura aparente dos painéis de cofragem, que dão plasticidade à sua superfície, em
articulação com a disposição dos pequenos vãos, de alguns nichos e do posicionamento de clarabóias estreitas na
cobertura, que permitem a entrada de luz rasante ao longo das superfícies de algumas paredes de taipa e do tecto.
No exterior, independente, uma segunda construção alberga a garagem, uma oficina e um quarto de hóspedes.
Este volume encontra-se integralmente revestido com uma chapa metálica oxidada, que contrasta com a facha-
da térrea sul da casa principal, onde a taipa é preponderante, mas mantendo a tonalidade típica da paisagem
envolvente. Ambos os corpos delimitam um pátio exterior de transição (Joy, 2002).
c) Análise construtiva e arquitectónica
A casa Palmer-Rose é uma das principais referências da construção contemporânea em terra, apesar da sua já
relativa idade. Foi um dos primeiros projectos que trouxe visibilidade ao tema da arquitectura de terra, dada a
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
139
sua acentuada plasticidade e inscrição numa linguagem arquitectónica plenamente contemporânea, que se
integra profundamente na paisagem e se dilui na sua envolvente.
O projecto vive da contraposição entre materiais – a terra das paredes de taipa e o betão armado das fundações
e embasamento (pesados e maciços), contra o metal da cobertura e os grandes envidraçados dos vãos que se
abrem a norte (leves e contrastantes).
A terra seleccionada para a execução da taipa provém de três locais na proximidade da casa. Possui uma proporção
pré-definida de argila, silte e gravilha, estabilizada com cimento Portland, para obter os requisitos de resistência à
erosão e integridade estrutural pretendidos, tendo sido compactada mecanicamente com recurso a martelos
pneumáticos (Joy, 2002). Não é referido, contudo, qual a percentagem de cimento utilizada. A mistura foi aditivada
com óxido de ferro, para obter a coloração final alaranjada, que ajuda a integrar a casa na envolvente.
O uso do betão armado no embasamento, laje térrea e fundações confere protecção às paredes de taipa, isolan-
do-as do terreno envolvente. O embasamento em betão armado possui a mesma espessura das paredes de
taipa, transformando-se em bancos corridos de apoio na zona dos vãos exteriores de grandes dimensões.
O suporte da cobertura é auxiliado por uma estrutura metálica integrada pontualmente nas paredes de taipa,
para reforçar o apoio dos pontos mais críticos da cobertura em estrutura metálica. Reforços metálicos foram
igualmente utilizados para suportar os vãos das aberturas, estando integrados nas paredes como lintéis (Rael,
2009). Conforme referido (4.1.6.3), o comportamento diferencial entre a terra e os elementos metálicos é eleva-
do, sendo necessário proceder ao isolamento da estrutura metálica embebida na terra. Contudo, a bibliogafia
consultada não é esclarecedora se estas medidas foram utilizadas.
O vidro utilizado nos vãos de grandes dimensões é estrutural, tendo sido desenhado especificamente para resis-
tir às condições extremas do deserto. Pelo exterior, foi aplicada uma chapa de vidro com 2,5 cm de espessura,
revestido com uma camada protectora para reflectir a luz directa e indirecta do sol, enquanto pelo interior apli-
cou-se uma chapa de vidro temperado transparente com 6 mm de espessura (Rael, 2009). As chapas de vidro
apoiam directamente sobre o embasamento de betão armado e estendem-se até à cobertura, estando suporta-
das por montantes de vidro dispostos verticalmente (Joy, 2002).
Em complemento da terra e do vidro, utilizou-se:
a) Betonilha esquartelada, com pigmentação escura, no pavimento de toda a casa;
b) Cobertura em estrutura metálica, revestida pelo interior com madeira, com focos de luz embutidos, onde
se localizam por vezes ventoinhas de tecto, e pelo exterior com chapa ondulada de zinco, que contrasta
fortemente pela cor e leveza que possuem, com as paredes exteriores de taipa;
c) Madeira nas divisórias interiores, assim como nas portas pivotantes dos vãos interiores e na caixilharia
dos vãos exteriores mais pequenos;
d) Revestimentos cerâmico com pastilha nas zonas de banho das instalações sanitárias.
As coberturas com duas águas inclinadas para o interior possuem uma caleira única central de recolha das águas
pluviais, que se prolonga até ao exterior da casa, onde se projecta por 2 a 3 metros, longe das paredes de taipa,
ANÁLISE CRÍTICA DE CASOS DE ESTUDO
140
evitando a sua queda na proximidade das paredes e, portanto, protegendo-as. O revestimento em chapa ondu-
lada projecta-se igualmente para além da face das paredes, de forma a reduzir o impacte da chuva sobre o topo
das paredes. Deve contudo notar-se que esta projecção não é constante, existindo apenas ao longo do períme-
tro mais alto da cobertura, nas duas fachadas opostas. Nas restantes duas, a cobertura remata apenas como um
pequeno rufo, o que poderá constituir um risco para estas paredes.
A estratégia de inverter a inclinação típica das coberturas confere ao interior da casa uma plasticidade forte
(veja-se o exemplo da sala de estar) e abre-o para o exterior a norte, dado que a inclinação da cobertura se
direcciona para o céu e para as montanhas de Santa Catalina – em vez de projectar a vista para o solo, como
acontece nas típicas coberturas de duas águas com uma inclinação descendente para o exterior das construções.
Como esses grandes vãos se localizam unicamente na fachada norte, a estratégia não põe em causa a protecção
do interior da incidência directa do sol do deserto. Esta protecção é garantida pelas paredes de taipa espessas
que delimitam o perímetro exterior nos quadrantes nascente, sul e poente. Assim, protegem o interior da casa
da incidência directa do sol e tiram partido da luz forte e direccionada a sul, criando pequenas aberturas que
dramatizam o espaço interior com contrastes incisivos de claro-escuro.
O jogo de luz e sombra é muito presente ao longo da casa, quer seja pelas referidas aberturas a sul, quer pelo
posicionamento de alguns vãos na cobertura e na ligação desta com as paredes, que permitem a entrada de luz
rasante ao longo de algumas paredes de taipa e do tecto, acentuando a textura da terra e dos negativos deixa-
dos pela cofragem.
Num clima de deserto, a protecção contra o calor é essencial. A taipa, com a sua elevada espessura e massa, dá
uma boa resposta durante o Verão quente, isolando o interior do sol incidente e permitindo o arrefecimento das
paredes durante a noite.
Contudo, a resposta durante o Inverno poderá não ser tão efectiva, quando as temperaturas médias são inferio-
res e as noites são frias, não chegando a permitir o aquecimento da terra e tornando-se a taipa um grande con-
dutor permanente de frio para o interior. Não fica, portanto, claro se a não inclusão de isolamento térmico nas
paredes é uma estratégia eficaz neste tipo de clima extremo.
5.5) ANÁLISE COMPARATIVA DOS CASOS DE ESTUDO
A amostra de casos escolhidos não pode ser considerada representativa de toda a construção em terra que está
a ser desenvolvida a nível mundial, pelo que a sua análise é sempre relativa e direccionada para os casos em ques-
tão. Não deixa, no entanto, de levantar questões extrapoláveis para a arquitectura de terra em geral.
Foram seleccionados os factores que, de entre os casos de estudo analisados, demonstraram maior relevância,
influência nos projectos e comparabilidade. A análise procura posicionar-se em função das especificidades trans-
versais da construção em terra, recolhidas ao longo do estado da arte, assentando num conjunto de parâmetros
externos (clima, sismologia do local, contexto económico) e de parâmetros internos, associados a opções de
projecto (função do edifício, técnica de construção, tipo de estrutura, reforços específicos, uso de estabilizantes,
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
141
desenho das plantas, tipos de protecção contra a acção da água, materiais complementares à terra, revestimen-
to de superfícies, abertura de vãos e integração de infra-estruturas).
5.5.1) ADAPTAÇÃO AO CLIMA
Os projectos analisados estão situados em três tipos de clima distintos: clima temperado marítimo (3), tropical
húmido (1) e semiárido (1).
Os três projectos localizados num clima temperado marítimo (Capela da Reconciliação, Casa Rauch e Casa Flury)
estão condicionados pelo tipo de clima frio e chuvoso. A execução de construções de terra em climas onde a
chuva é um factor sempre relativamente presente, obriga a uma acrescida preocupação com a protecção das
paredes durante a sua execução.
Dado que a terra, e em particular a taipa, tem uma elevada condutividade, não funciona bem como isolante
térmico. Por esta razão, foi necessário incluir isolamento térmico pela face interior das paredes exteriores da
Casa Rauch. Esta opção condiciona a inércia térmica das paredes de terra, o que foi compensado pela inclusão
de terra compactada nos pavimentos. O cob, por outro lado, possui uma menor condutividade do que a taipa.
Não obstante, na Casa Flury, foi necessário aumentar fortemente a sua espessura (80 cm), de forma a cumprir os
regulamentos térmicos vigentes. No caso da Capela da Reconciliação, devido ao tipo de função que tem, foi
evitada a aplicação de isolamento térmico em detrimento de uma espessura de parede de 60 cm.
As fortes monções anuais e a temperatura e humidade altas, constantes ao longo do ano, condicionam o projecto
do METI, localizado num clima tropical húmido. Do ponto de vista da temperatura, optou-se por não encerrar os
vãos, para que o ar circule livremente pelo interior da escola, e protegeu-se a cobertura do piso de terra da inci-
dência directa do sol, com a execução de um segundo piso permeável ao ar, em bambu. O curto período de cons-
trução (de Setembro a Dezembro) coincide com o final da época das monções e com o Inverno, que é tradicional-
mente menos chuvoso. Apesar da bibliografia consultada não referir explicitamente esta condição, esta coincidên-
cia parece denotar uma preocupação em evitar a construção durante o período mais chuvoso e húmido (de Março
a Outubro), o que é relevante do ponto de vista da execução das paredes de cob.
No caso da casa Palmer-Rose, a taipa adequa-se bem, sem uso de isolamento térmico adicional, ao clima semiárido,
quase desértico, caracterizado por ter pouca pluviosidade e temperaturas elevadas. Contudo, o posicionamento e
exposição da casa foram cuidadosamente orientados, para evitar a exposição solar directa para o interior da casa.
Pode-se, portanto, concluir que o desenvolvimento dos cinco projectos foi fortemente condicionado pelas carac-
terísticas do clima em que se situam. Constata-se, igualmente, que os tipos de adaptações necessárias diferem
profundamente consoante o tipo de clima onde se inserem as construções, resultando em projectos com uma
aparência e expressão distintas, consoante a sua localização climática.
Do ponto de vista da acção directa da chuva, todos os projectos demonstram claramente o uso de sistemas de
protecção contra a sua incidência. Contudo, dada a sua especificidade, são desenvolvidos em 5.5.10.
ANÁLISE CRÍTICA DE CASOS DE ESTUDO
142
5.5.2) ADAPTAÇÃO AO CONTEXTO SISMOLÓGICO
Curiosamente, todos os casos de estudo em países desenvolvidos, de acordo com os dados disponíveis, encon-
tram-se em zonas sísmicas de baixa a moderada sismicidade. Apenas o caso de estudo num país em desenvolvi-
mento (Bangladesh) se encontra numa região de maior sismicidade.
A construção de estruturas portantes de terra em zonas sísmicas é uma opção com um risco elevado associado.
No caso do METI, apesar do forte argumento da sustentabilidade, a opção de construir em terra está associada à
falta de recursos disponíveis e ao desejo de desenvolver um tipo de construção com a população, num contexto
onde a construção em terra é predominante. Não deixa de ser curioso que esta opção por construir em terra
esteja condicionada por estes factores, o que poderá suscitar a questão se esta opção (ou este tipo de constru-
ção pouco reforçada) seria igualmente adequada caso os recursos disponíveis fossem outros.
A falta de dados disponíveis não permite uma conclusão mais abrangente sobre se a opção de construir em ter-
ra, nos quatro projectos localizados em países desenvolvidos, esteve relacionada com a baixa a moderada sismi-
cidade das suas localizações. Não permite igualmente concluir se a opção por construir em terra se teria manti-
do, caso a sismicidade dos locais fosse maior.
5.5.3) ADAPTAÇÃO AO CONTEXTO ECONÓMICO
Dos cinco projectos analisados, apenas um (METI) se encontra localizado num país em desenvolvimento. Os
restantes quatro encontram-se em países desenvolvidos (Alemanha, Áustria, Suíça e EUA).
No caso do METI, o projecto caracteriza-se pelo seu baixo custo (mesmo do ponto de vista dos padrões locais) e
pelo seu reduzido tempo de construção (quatro meses). O processo de construção foi sobretudo manual, com
recurso a materiais e mão-de-obra locais, mas com consultoria técnica externa alemã e austríaca, cujos custos
não foram todavia imputados à construção.
Os restantes quatro projectos foram executados por empresas especializadas na área da construção em terra,
com processos de preparação e execução da terra mecanizados. Apenas a Casa Flury, devido à técnica construti-
va escolhida (cob), utilizou um processo construtivo em terra menos mecanizado.
É relevante a proveniência da terra e a sua distância face ao local de construção. Todos os projectos utilizam
terra proveniente do próprio local, ou de uma localidade próxima – o que denota uma preocupação com a redu-
ção dos custos de transporte da terra e com o impacte ambiental associado.
Com excepção da Capela da Reconciliação, nenhum dos casos de estudo está localizado em contextos profun-
damente urbanos, o que está em linha com o que Lindsay (2012a) defende (4.2.2.6), de que o espaço para arma-
zenar e misturar a terra e para o armazenamento das cofragens (no caso da taipa) está mais disponível em con-
textos rurais. Da mesma forma, a acomodação de equipas deslocadas é, tipicamente, mais barata em contextos
rurais. No caso específico da Capela da Reconciliação, dadas as características do local, a falta de espaço envol-
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
143
vente não era uma condicionante.
Apesar de nem todos os casos estudados apresentarem valores relativos ao custo da construção, a comparação
entre os dois casos europeus cujos valores estão publicados (Capela da Reconciliação e Casa Rauch) e a Escola no
Bangladesh é representativa da diferença de custos associada a estes métodos construtivos e da sua susceptibi-
lidade ao contexto económico, tipo de mão-de-obra utilizada e recursos disponíveis – o que se encontra em
linha com o referido no estado da arte. Naturalmente que esta comparação de valores não pode ser directa –
dado que o custo dos materiais e da mão-de-obra difere profundamente – mas, utilizando o caso específico no
Bangladesh, a diferença entre construir em terra ou construir com tijolos cerâmicos é, de acordo com Pawlitsch-
ko (2007), significativa face aos valores de construção locais (50% do valor da segunda).
Constata-se que o contraste da aplicação entre países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento é notório,
por via do custo (dos materiais e da mão-de-obra) e disponibilidade tecnológica associada. A maior disponibili-
dade de recursos nos países desenvolvidos facilita os processos construtivos, mas representa, juntamente com o
custo da mão-de-obra, um aumento do custo de construção. Nos países em desenvolvimento, o engenho é cru-
cial para contornar as limitações de recursos, mas a possibilidade de usar materiais disponíveis localmente e a
existência de uma mão-de-obra barata permitem a contenção do custo construtivo.
Daí que se possa concluir que as estratégias adoptadas em contextos de desenvolvimento são um valioso contri-
buto para a construção contemporânea em terra, pela forma como encontram soluções alternativas para con-
tornar as fragilidades naturais da terra e por poderem contribuir para encontrar estratégias para reduzir os cus-
tos de construção.
Por outro lado, o elevado custo das construções em terra em contextos desenvolvidos pode ser dissuasor da sua
aplicação, assim como a sua execução em contextos urbanos – o que se encontra em linha com o referido no
estado da arte.
5.5.4) TIPO DE FUNÇÃO DO EDIFÍCIO
Dos cinco projectos analisados, três são habitações unifamiliares, um é uma capela religiosa e outro é uma escola.
A aplicação da terra nas habitações unifamiliares favorece alguns factores particulares das habitações, mas tam-
bém tende a condicionar algumas das opções construtivas.
Por um lado, é notório como nos três casos estudados (Casas Rauch, Flury e Palmer-Rose) se tira partido dos
espaços de transição acentuados pela espessura das paredes maciças de terra, permitindo gerir o isolamento
pretendido entre compartimentos e entre estes e o exterior. O uso das paredes sem revestimento pelo interior
(ou com revestimento de estuque de terra) aquece o espaço, confere-lhe textura e mantém activas as proprie-
dades acústicas e higrotérmicas da terra. Igualmente interessante é a forma como permite aproveitar a espessu-
ra das paredes para incorporar lareiras (Casa Rauch e Casa Palmer-Rose).
Por outro lado, existe uma necessidade acrescida de protecção nas zonas húmidas (casas-de-banho e cozinhas).
ANÁLISE CRÍTICA DE CASOS DE ESTUDO
144
A integração de infra-estruturas é mais complexa, como é exemplificado na Casa Flury, onde se evita a localiza-
ção de infraestruturas nas paredes de terra, puxando-as sempre do pavimento ou tecto, deixando-as aparentes,
ou integrando-as nas paredes que não são de terra (ver 5.5.14). A maior necessidade de controlo térmico tem
influência na estratégia construtiva adoptada, como são exemplos as casas Rauch e Flury. Na primeira, o reco-
brimento das paredes interiores com isolamento térmico reduz a inércia das paredes, que é compensada pelo
pavimento em terra, e teria retirado a capacidade de regular higroscopicamente o ar interior se não fosse o
revestimento interior ser feito em estuque de terra. Na segunda, levou ao aumento expressivo da espessura das
paredes, para garantir o coeficiente de transmissão térmico exigido.
No caso da Capela da Reconciliação (tipologia religiosa), a maior preocupação com o isolamento do espaço de
culto tende a adequar-se bem ao uso de terra, quer seja pela espessura das paredes, que garantem o isolamento
visual e acústico do núcleo interior de culto, quer pelo controlo higroscópico do ar interior e pela absorção dos
sons aéreos, devido à sua aplicação sem revestimento. A sua elevada espessura potencia igualmente a transição
entre espaços, o que é benéfico do ponto de vista do isolamento do núcleo interior dedicado à oração.
Por outro lado, o uso da taipa foi crucial para conseguir obter uma estrutura portante contínua com 7,2 m de
altura – o que, do ponto de vista do projecto, era importante, permitindo criar uma espaço unitário, maciço e
plasticamente forte.
No caso do METI (tipologia escolar), a maior necessidade de luz natural no interior, obriga ao aumento do núme-
ro de aberturas no perímetro exterior do edifício, o qual é constatável pelo elevado número de vãos integrados
nas paredes de terra (42). Esta característica condicionou o método construtivo utilizado, obrigando a um maior
reforço, tanto da estrutura, como dos vãos. O condicionamento da dimensão das aberturas, devido ao tipo de
técnica construtiva utilizada (cob), está igualmente associado à quantidade de vãos incluídos. Esta necessidade,
associada à dificuldade de executar dois pisos em terra nas condições específicas daquele local, levaram ao
desenvolvimento de um segundo piso leve em bambu – que permite colmatar esta insuficiência, criando duas
salas de aula amplas, com portadas envolventes reguláveis, permeáveis à luz e ao ar.
O uso da terra permite aquecer o espaço, conferindo-lhe uma certa naturalidade, que se aproxima da realidade
natural envolvente – o que é positivo do ponto de vista da ambiência que se cria.
O uso de cores e texturas complementares, quer seja pela aplicação de tecidos, quer pela pintura dos vãos e das
superfícies interiores, revestidas a estuque de terra, permite dar uma vida acrescida ao edifício. Nesta linha, as
potencialidades formais do cob permitiram criar os espaços de educação informal em forma de grutas, que se
adequam bem à tipologia escolar do edifício, articulando vertentes formais e informais de aprendizagem.
Assim, constata-se que o tipo de função do edifício tende a influenciar a estratégia construtiva adoptada e a
forma de construir com terra, podendo as características da terra ser aproveitadas ou tenderem a condicionar as
soluções aplicadas, em função do uso do edifício.
É igualmente constatada a diversidade de tipologias funcionais em que a terra pode integrar-se, quer sejam as
três tipologias estudadas (habitações unifamiliares, equipamentos escolares ou religiosos), quer outras tipologias
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
145
que, não tendo sido abordadas nestes casos de estudo, podem ser constatadas através da bibliografia consulta-
da (como espaços de trabalho ou outro tipo de equipamentos públicos).
5.5.5) TÉCNICAS DE CONSTRUÇÃO UTILIZADAS
Foram utilizadas duas técnicas construtivas nos cinco casos de estudo: taipa (em três) e cob (em dois). Com base
na análise feita, a aplicação de ambas as tecnologias construtivas demonstra estar em linha com o referido no
estado da arte.
Nos dois casos de estudo analisados, o cob é aplicado de forma tradicional. Nenhum demonstrou variações ao
tipo de aplicação descrito em 4.2.4.2, nem no método de aplicação, nem no tipo de estabilizante utilizado (ape-
nas adição de fibras vegetais). A única diferença consiste na forma como a preparação da terra foi feita, tendo
sido utilizados animais para a sua mistura no projecto do METI, que é uma das formas tradicionais de misturar a
terra com a palha.
Já a taipa, conforme referido em 4.2.2, demonstra ser uma tecnologia mais desenvolvida, podendo requerer o
uso de diferentes sistemas de aplicação e de tecnologias construtivas complementares, nomeadamente sistemas
de cofragem mais complexos, permitindo, igualmente, atingir alturas superiores, mesmo quando não é estabili-
zada quimicamente, como acontece na Casa Rauch e na Capela da Reconciliação.
Nenhum dos casos estudados que utilizaram taipa optou por seccionar verticalmente os paramentos para, através
desta estratégia, reduzir a fissuração por retracção. No caso da Casa Palmer-Rose, esta retracção foi evitada,
nomeadamente, pelo uso de cimento como estabilizante. Nos restantes casos (Capela da Reconciliação e Casa
Rauch), é notável como, com processos de cofragem contínua e sem o uso de cimento, se evitou a fissuração verti-
cal excessiva, o que contradiz o referido no estado da arte (4.2.2.3). Para o executar, foi provavelmente necessária
uma adequada distribuição granulométrica e um controlo apertado do processo de cura.
Dos casos analisados, a taipa é mais facilmente utilizada de forma estrutural, enquanto o cob se encontra mais
vezes integrado em estruturas mistas, ou sem função estrutural. Esta constatação está em linha com o princípio
de que a técnica de cob é, por natureza, menos resistente.
Pela análise feita, os vãos integrados nas paredes de taipa são maiores, em oposição aos vãos integrados nas
paredes de cob – a largura do maior vão integrado numa parede de taipa é de 6 m, enquanto nas paredes de cob
é de 1,2 m. Da mesma forma, a maioria dos vão integrados nas paredes de taipa tem, em média, uma dimensão
superior à dos vãos das paredes de cob. Contudo, esta constatação pode ser circunstancial, uma vez que, com a
aplicação de reforços específicos, ambas os tipos de construção permitem vencer vãos maiores.
Do ponto de vista plástico, o cob, devido à sua maleabilidade e aplicação manual, permite uma maior plasticidade.
Já a taipa é restringida pela sua dependência do uso de uma cofragem. Uma forte plasticidade pode igualmente ser
conseguida, mas requer o uso de sistemas de cofragem mais complexos – como são exemplos a parede curva con-
tínua da Capela da Reconciliação e o núcleo de escadas da Casa Rauch – o que tende a encarecer a construção.
Contudo, espaços como as grutas do METI não são facilmente exequíveis unicamente com taipa.
ANÁLISE CRÍTICA DE CASOS DE ESTUDO
146
5.5.6) SISTEMA ESTRUTURAL
Nos cinco casos de estudo, foram utilizados três sistemas estruturais: em terra portante (Casa Rauch e Casa Pal-
mer-Rose), mistos (Capela da Reconciliação e METI) e independentes das paredes de terra (Casa Flury).
Em todos os casos, houve uma preocupação com a constituição e execução de fundações resistentes. A maioria é
feita em betão armado (3). Apenas as duas construções em cob, por razões diferentes, optaram por materiais
alternativos – pedra, no caso da Casa Flury, devido à disponibilidade do material e para evitar o acrescido impacte
ambiental do uso de betão, e tijolo, no caso do METI, por ser pouco disponível e cara a execução de fundações com
outro material, como o betão armado. Nenhum dos casos de estudo utilizou terra para executar as fundações.
As alturas praticadas são, genericamente, baixas. Praticamente todos os projectos têm apenas um piso. Curio-
samente, em ambos os casos em que as paredes são mais altas (Casa Rauch e Capela da Reconciliação), a técnica
utilizada foi a taipa e não se utilizou cimento na sua estabilização. Os três pisos da Casa Rauch são claramente
uma excepção, nomeadamente porque se trata de um caso em que a terra é utilizada como elemento principal
da estrutura.
Relativamente aos rácios utilizados entre altura e espessura (h/e), os dois projectos em cob cumprem integral-
mente os valores referidos no regulamento alemão para paredes de cob (que é o único que determina rácios
para esta técnica construtiva) – 3,6 na Casa Flury e 7 no METI. Já relativamente aos projectos em taipa, os valo-
res são menos constantes – 12 na Capela da Reconciliação, 10 na Casa Palmer-Rose e 6,7 na maioria das paredes
da Casa Rauch. Como todos se localizam em zonas de fraca sismicidade, os valores apresentados estão generi-
camente dentro dos limites médios indicados em 4.1.6.1, apesar de a Capela da Reconciliação ultrapassar os
valores referidos no regulamento alemão (que à época não estava ainda em vigor). Contudo, o conjunto de
paredes do escritório da Casa Rauch, por ter um pé direito duplo, ultrapassa claramente estes valores (13,3),
apesar de as restantes paredes entre pisos se enquadrarem no valor indicado no regulamento suíço, que é o
único que condiciona os rácios face ao número de pisos e ao posicionamento das paredes neles.
As lajes e coberturas dos casos analisados são feitas com vigas metálicas (Casa Palmer-Rose), de madeira (Capela
da Reconciliação, Casa Rauch e Casa Flury) ou de bambu (METI). Nos casos da Casa Rauch e do METI, são reves-
tidos com terra compactada. Nos restantes casos, as vigas são cobertas por outros materiais que não a terra.
Tipicamente, todas as vigas utilizadas nas lajes entre pisos e na cobertura apoiam-se nas vigas de coroamento
das paredes de terra. Apenas no caso do METI a cobertura é independente das paredes de terra, estando supor-
tada pela estrutura de bambu.
Nos sistemas mistos estudados, a estrutura complementar é feita em madeira ou bambu (Capela da Reconciliação
e METI). No caso do METI, é a estrutura em bambu que permite executar o segundo piso, tendo havido a preocu-
pação de a fazer coincidir com os paramentos de cob do piso inferior. No caso da Capela da Reconciliação, as vigas
de madeira da cobertura encontram-se sobretudo suportadas pelos prumos verticais de madeira, localizados na
periferia do peristilo, apoiando-se circunstancialmente na viga de bordadura, que encabeça as paredes de taipa.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
147
A contenção do número de pisos na maioria dos projectos, o respeito genérico dos rácios entre altura e espessura,
a preocupação pela execução de fundações resistentes e a articulação entre paredes e sistemas de lajes e cobertu-
ras permitem constatar que a questão estrutural é incontornável em todos os projectos, revestindo-se de particular
relevância nos projectos em que a terra tem uma função portante. Pode, portanto, concluir-se que é particular-
mente condicionante das estratégias construtiva e composições formais adoptadas, assim como dos consequentes
métodos de reforço utilizados para suprimir algumas fragilidades específicas (ver 5.5.7).
O uso da terra em sistemas estruturais tão distintos – terra como elemento portante, sistemas mistos, ou sistemas
independentes, em que a terra funciona apenas como elemento de preenchimento – demonstra a multiplicidade
de aplicações da terra. As soluções alternativas, em que a terra não é utilizada como o elemento principal do siste-
ma estrutural da edificação, demonstram uma forma de contornar as suas debilidades estruturais e, não necessa-
riamente, perder o seu valor, mantendo o aproveitamento dos seus benefícios.
5.5.7) MÉTODOS DE REFORÇO
Todos os casos de estudo analisados utilizaram algum tipo de reforço estrutural.
O uso de vigas de coroamento é uma constante em todos os projectos, mas aplicadas em materiais distintos. A
opção mais frequente foi a utilização de vigas de betão armado (Capela da Reconciliação e Casa Palmer-Rose). No
caso da Casa Rauch, foram utilizadas vigas em argamassa de terra estabilizada com cal e armada pelo interior com
varões metálicos. O METI possui vigas de bambu, interligadas com o sistema da laje de cobertura do piso térreo e
com a estrutura de bambu do segundo piso, enquanto na Casa Flury as vigas de coroamento são em madeira, ape-
sar de possuírem uma função secundária, dado que as paredes de cob não têm uma função estrutural e porque
contêm uma estrutura interna em prumos verticais de madeira que garantem o seu travamento. Em todos os
casos, os sistemas de lajes entre pisos ou de cobertura apoiam-se directamente nestas vigas de coroamento.
O reforço dos vãos foi tipicamente feito pela inclusão de lintéis embebidos nas paredes de terra, mas em mate-
riais distintos – metálicos no caso da Casa Palmer-Rose e em alguns vãos da Casa Rauch, em bambu no METI, em
argamassa de terra estabilizada com cal e armada pelo interior na generalidade dos vãos da Casa Rauch e em
betão armado no caso da Capela da Reconciliação. Apenas no caso da Casa Flury não foram, aparentemente,
utilizados lintéis nos dois vãos integrados nas paredes de terra, provavelmente devido à sua reduzida largura
(90 cm) e à sua proximidade da viga de coroamento.
Nos casos das casas Flury e Palmer-Rose, foram utilizados reforços nos interiores das paredes. Na primeira, a estru-
tura em madeira da casa encontra-se integrada no interior das paredes de cob, com um espaçamento constante,
funcionando como travamento das paredes. Na segunda, foram aplicados prumos metálicos verticais, igualmente
embebidos nas paredes de taipa, para suportar pontos específicos da cobertura em estrutura metálica.
O uso de paredes de travamento em terra não é uma constante. Apenas nos casos da Casa Rauch e do METI
estas têm uma função activa no piso térreo. No caso da Casa Palmer-Rose, as paredes de travamento são pouco
efectivas, com excepção do núcleo central de transição entre os dois corpos principais.
ANÁLISE CRÍTICA DE CASOS DE ESTUDO
148
5.5.8) ESTABILIZAÇÃO
Todos os projectos utilizaram algum tipo de estabilização no seu método de construção.
A correcção granulométrica da mistura é referida em todos os casos em que a técnica construtiva é a taipa
(Capela da Reconciliação, Casa Rauch e Casa Palmer-Rose). Nos casos em que a técnica construtiva é o cob, não é
referido qualquer tipo de correcção granulométrica.
A estabilização da terra por compactação é utilizada em todos os casos de estudo, sendo, contudo, mais expres-
siva quando se utilizou a taipa, onde a compactação é, em todos os casos, mecanizada. Nos projectos em que se
utilizou cob, existe igualmente compactação da terra, mas apenas manual – o que é menos efectivo.
Existe estabilização pela adição de fibras vegetais em ambos os casos em que o cob foi a técnica utilizada (METI e
Casa Flury), o que está em linha com os princípios construtivos desta técnica de construção.
Nos projectos construídos no contexto europeu (todos localizados no centro da Europa), a estabilização com
aditivos químicos, como o cimento, foi sempre evitada, o que se encontra em linha com a bibliografia consulta-
da, que refere a tendência para evitar este tipo de estabilização. Conforme referido (4.2.2.2), a sua utilização é
mais comum em países como a Nova Zelândia, Austrália e Estados Unidos da América, onde os códigos constru-
tivos especificam valores de resistência que não são fáceis de atingir sem o recurso à estabilização com cimento.
Dos casos analisados, apenas a Casa Palmer-Rose utilizou cimento na estabilização da mistura de terra, o que
está em linha com o referido.
5.5.9) COMPOSIÇÃO FORMAL DAS IMPLANTAÇÕES DOS PROJECTOS
As restrições associadas com a composição formal das implantações dos projectos em terra estão, sobretudo,
associadas às condicionantes de construção em locais de maior sismicidade.
De entre os casos estudados, apenas o METI se enquadra nestes parâmetros. Curiosamente, a sua configuração
não respeita os critérios referidos na bibliografia consultada. Apesar de a planta ser rectangular, a distribuição
das paredes é irregular, concentrando-se um corpo maciço na parte posterior do edifício, em oposição à fachada
mais estreita de entrada nas salas de aula, que está muito esventrada pela localização dos quatro acessos em
cada sala de aula.
Os projectos das três casas apresentam sempre plantas de base rectangular, apesar de possuírem configurações
distintas. A separação em dois corpos da Casa Palmer-Rose melhora, de acordo com a bibliografia consultada, o
comportamento sísmico da construção. Seria, contudo, mais eficiente se estes corpos fossem efectivamente
separados. A irregularidade da composição da Casa Rauch, caso se localizasse numa região de maior sismicidade,
não deveria ser adequada, dada a irregularidade da distribuição das paredes (mas, nesse caso, também não teria
três pisos de altura). Na Casa Flury, dado que as paredes de cob não têm função estrutural e como se encontram
travadas pelo interior por prumos de madeira espaçados regularmente, esta questão não se coloca.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
149
Vale ainda a pena referir a configuração da Capela da Reconciliação, cuja planta oval se enquadra nos pressupostos
mais indicados para a construção em terra. A sua configuração apenas seria mais adequada se o desenho da oval fosse
mais regular, ou mesmo circular. Contudo, esta opção alteraria profundamente a imagem final do edifício pretendida.
5.5.10) MÉTODOS DE PROTECÇÃO CONTRA A ACÇÃO DA ÁGUA
A preocupação com a protecção das edificações em terra contra a acção da água demonstrou estar presente em
todos os projectos analisados.
A maioria dos casos de estudo opta pela projecção da cobertura (pelo menos 50 cm) como meio de protecção
contra a acção da chuva. Apenas a Casa Rauch e, pontualmente, a Casa Palmer-Rose, não utilizam uma projecção
expressiva da cobertura.
O uso de embasamentos, ou de algum tipo de protecção da ligação das paredes com o pavimento exterior, é
uma constante em todos os projectos. Apenas no caso da Casa Rauch esta protecção pode-se considerar poten-
cialmente frágil, sendo constituída apenas por um revestimento de 30 cm de altura com lajetas cerâmicas. No
caso da Capela da Reconciliação, a não aplicação de um embasamento é colmatada pelo uso de um peristilo em
torno do núcleo central, que evita o contacto das paredes de taipa com a envolvente e as protege contra a acção
directa da chuva. Contudo, apenas na Casa Flury a ligação entre o embasamento e as paredes é reforçada, pelo
prolongamento dos prumos de madeira (localizados no interior das paredes) até meio do embasamento, respei-
tando o princípio referido em 4.1.6.2 e 4.1.6.3 da ligação eficaz entre todos os elementos da construção.
A preocupação com a potencial ascensão por capilaridade das fundações para as paredes está, de alguma forma,
presente em todos os casos de estudo, sendo comum a aplicação de uma camada impermeabilizante entre as
fundações ou embasamentos e as paredes de terra.
Denota-se, igualmente, uma preocupação com o tratamento da envolvente exterior das paredes de terra, para que a
água da chuva não salpique na sua direcção. Apenas os terraços da Casa Rauch não apresentam esta preocupação.
Constata-se que, enquanto o uso da terra em climas secos é mais natural, a adaptação necessária a climas chuvosos
requer maior criatividade e engenho. De entre estes casos, vale a pena referir o uso de um peristilo envolvente às
paredes de terra na Capela da Reconciliação, a aplicação, na Casa Rauch, de tijolo cerâmico disposto em camadas ao
longo da superfície exterior das paredes, para reduzir a velocidade de escorrimento da água e a sua erosão conse-
quente, e a execução de uma cobertura extremamente proeminente, em bambu, no caso do METI, devido à acção das
monções e ao afastamento das paredes de cob, consequente da existência de um segundo piso intermédio.
Pode, portanto, concluir-se que a necessidade de protecção contra a acção da água é condicionante tanto do ponto de
vista das soluções técnicas de construção em terra aplicadas, como do ponto de vista da composição e articulação de
elementos, de forma a proteger as paredes da sua incidência, o que está em linha com o estado da arte.
ANÁLISE CRÍTICA DE CASOS DE ESTUDO
150
5.5.11) COMPLEMENTARIDADE DE MATERIAIS
Entre os vários casos estudados, é notória a opção pela madeira como material complementar à terra, o que se encon-
tra em linha com o referido ao longo do estado da arte, dada a compatibilidade natural entre os dois materiais.
O uso da madeira faz-se tanto de um ponto de vista estrutural (Capela da Reconciliação, Casa Rauch e Casa
Flury), como do ponto de vista da execução das paredes complementares (Capela da Reconciliação, Casa Rauch,
Casa Flury e Casa Palmer-Rose), dos caixilhos dos vãos exteriores (Capela da Reconciliação, Casa Rauch, Casa
Flury, Casa Palmer-Rose), ou das portas dos vãos (Capela da Reconciliação, Casa Rauch, Casa Palmer-Rose e
METI), dos revestimentos de mobiliário fixo (Casa Rauch, Casa Flury e Casa Palmer-Rose) e do revestimento de
pavimentos e tectos (Casa Flury e Capela da Reconciliação). O uso do bambu na estrutura e portadas exteriores
do METI, enquanto material da família da madeira, enquadra-se igualmente nesta categoria.
O uso de outros materiais construtivos é circunscrito a elementos específicos dos casos estudados. Foram utili-
zados elementos em betão armado nos degraus pré-fabricados in situ e na cobertura do núcleo de escadas da
Casa Rauch, ou no embasamento da Casa Palmer-Rose. O embasamento e as fundações da Casa Flury são feitos
em pedra. O uso de elementos metálicos apenas é verificado na estrutura da cobertura da Casa Palmer-Rose e
no revestimento da cobertura desta e do METI, assim como nos reforços internos da Casa Palmer-Rose.
Foram utilizados revestimentos em mosaico cerâmico sobretudo nos espaços húmidos (casas Rauch e Pal-
mer-Rose) e, na Casa Rauch, foram aplicadas lajetas em tijolo cerâmico no revestimento dos terraços e cobertu-
ra plana, assim como ao longo das paredes exteriores em taipa, dispostas em camadas contínuas, como método
de protecção contra a acção da chuva.
5.5.12) REVESTIMENTOS DAS SUPERFÍCIES DE TERRA
Um dos critérios de selecção dos casos de estudo consistiu na escolha de projectos em que a terra fosse aplicada
maioritariamente sem revestimento, mantendo-se aparente, pelo que a análise do uso de revestimentos das
paredes de terra como forma de protecção contra as acções mecânicas ou da água, nos casos estudados, não
pode ser conclusiva.
As excepções integradas nestes casos de estudo referem-se ao revestimento interior de alguns dos projectos.
Entre estes, destacam-se os estuques de terra da Casa Rauch e do METI. Os primeiros, pela face interior das
paredes de taipa, sobre o sistema de isolamento térmico em placas de junco, e como acabamento das placas de
terra leve dos tectos, que revestem a parte inferior das vigas de madeira das lajes entre pisos e cobertura. Os
segundos, igualmente pela face interior das paredes de cob e no revestimento dos espaços informais lúdicos em
forma de gruta, tendo sido pintados com uma aguada colorida à base de cal.
Como referido em 5.5.11, foram igualmente aplicados revestimentos cerâmicos nos espaços húmidos das casas, o que
acentua a fragilidade da terra face à acção da água e a necessidade consequente de proteger os seus elementos.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
151
5.5.13) ABERTURA DE VÃOS
Os vãos foram classificados na análise feita como estando integrados nas paredes de terra ou como sendo inde-
pendentes destas, localizados entre paredes. O número dos primeiros face aos segundos não é conclusivo,
variando muito consoante o projecto em causa.
Já relativamente à dimensão das aberturas a comparação não produz o mesmo resultado. Em praticamente
todos os casos estudados (com excepção da Casa Rauch), os vãos incorporados nas paredes de terra são mais
pequenos do que os vãos entre paredes, pelo que se constata que a abertura de vãos entre paredes de terra, em
alternativa à sua abertura integrada nas paredes, permite a obtenção de vãos maiores. Esta é uma boa estraté-
gia para contornar as limitações da terra e garantir a execução de vãos maiores nas construções (ver em particu-
lar as soluções utilizadas na Casa Flury e na Casa Palmer-Rose). Contudo, tem como implicação a necessidade de
garantir coberturas cuja estrutura portante tem que ser mais resistente, quer seja pelo recurso a uma estrutura
complementar, independente das paredes de terra (como no caso da Casa Flury), quer pela integração de refor-
ços específicos no interior das paredes de terra, que suportem pontualmente a cobertura nos pontos mais frá-
geis (como é o caso da Casa Palmer-Rose).
Por outro lado, a dimensão das aberturas, conforme referido em 5.5.5, de acordo com os casos estudados, varia
consoante a técnica construtiva utilizada, sendo os vãos integrados nas paredes de taipa tipicamente maiores do
que os vãos integrados nas paredes de cob. Não obstante, conforme referido, o uso de reforços específicos nos
vãos poderia contornar esta característica.
Por fim, o reforço dos vãos integrados nas paredes de terra é constante ao longo dos casos de estudo, em parti-
cular da sua padieira, através da aplicação de lintéis embebidos nas paredes, ou através do prolongamento dos
vãos até à viga de bordadura (ver 5.5.7).
5.5.14) INTEGRAÇÃO DE INFRA-ESTRUTURAS
As soluções adoptadas de integração de infra-estruturas, nos casos estudados, não são constantes.
No casa da Capela da Reconciliação, as infra-estruturas são independentes das paredes de taipa, estando sobretudo
integradas na cobertura e, pontualmente, nas paredes e elementos que não são de terra. Não é claro como se faz a
drenagem das águas da cobertura mas, dada a sua pendente, deverão estar integradas no exterior do peristilo.
A Casa Rauch tira partido do uso do sistema de isolamento térmico pela face interior das paredes para integrar o
sistema de aquecimento e, pontualmente, algumas infra-estruturas eléctricas. A aplicação de luminárias é feita
nos tectos, nas placas de terra leve revestidas com estuque de terra. Como a casa não é pintada, é de realçar
que qualquer intervenção, quer seja nas paredes quer nos estuques, será difícil de disfarçar. Não é claro como se
faz a drenagem das águas da cobertura, se bem que aparente ser feita por tubagens pelo interior da construção
(o que, a verificar-se, representa um risco potencial).
No caso da Casa Flury, a instalação das infra-estruturas é feita pelo exterior das paredes, em ligação directa
ANÁLISE CRÍTICA DE CASOS DE ESTUDO
152
entre pavimento e tecto – como é o caso do sistema de aquecimento – ou fixas às paredes de madeira. A inte-
gração nas paredes de cob é totalmente evitada. O escoamento das águas da cobertura faz-se através de gárgu-
las, que a projectam para uma distância segura das paredes de terra.
No METI, a escola possui poucas infra-estruturas, estando parte integradas nas paredes (interruptores), locali-
zando-se as luminárias no tecto, entre a estrutura de bambu. Do ponto de vista da drenagem das águas da
cobertura, dada a sua configuração, é projectada directamente para o exterior, a uma distância considerável da
superfície das paredes.
No caso da Casa Palmer-Rose, parte da integração das infra-estruturas eléctricas é feita nas paredes de taipa,
nomeadamente interruptores e tomadas eléctricas. As restantes estão localizadas nas paredes que não são de
terra e nos embasamentos de betão armado, enquanto as luminárias se encontram, sobretudo, integradas nos
tectos. A drenagem das águas da cobertura é feita através de uma gárgula em cada corpo da casa, que se projec-
ta por uma distância considerável para o exterior da construção.
As soluções apresentadas são interessantes, denotando uma tendência para evitar as paredes de terra sempre
que possível – não obstante esta localização não ser totalmente evitada em três dos casos de estudo. Isto
dever-se-á, sobretudo, à dificuldade de manutenção e retoque de roços que sejam executados a posteriori nas
paredes de terra.
Do ponto de vista da drenagem das águas da cobertura, com a excepção potencial da Casa Rauch, é notória a
preocupação com o caminho que a água faz até ao exterior, procurando evitar as possíveis anomalias decorren-
tes do seu indevido escoamento.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
153
6) CONCLUSÃO E DESENVOLVIMENTOS FUTUROS
A conclusão desta dissertação está organizada em quatro partes que procuram sintetizar a investigação e análise
feitas:
a) Conclusões gerais, que enquadram os objectivos da dissertação e as conclusões da investigação desen-
volvida ao longo dos capítulos 2, 3 e 4;
b) Conclusões dos casos de estudo, cujo enfoque são as considerações finais da análise dos casos de estudo;
c) Considerações finais, que procuram sintetizar as premissas para o desenvolvimento contemporâneo da
construção em terra, face à análise global desenvolvida;
d) Desenvolvimentos futuros, que visam delinear um conjunto de linhas de investigação e aprofundamen-
to possíveis para esta temática.
6.1) CONCLUSÕES GERAIS
Era objectivo desta dissertação estudar como pode a terra enquadrar-se eficazmente no contexto da construção
corrente das sociedades desenvolvidas, através do estudo das técnicas construtivas e das estratégias de concepção
arquitectónica em terra actuais, contrapostas pela análise de um conjunto de cinco casos de estudo contemporâneos.
A dissertação procurou focar-se na arquitectura de terra contemporânea, capaz de responder a conceitos e
exigências modernas, aceitando a terra enquanto elemento construtivo maciço, aparente, capaz de assumir a
sua capacidade estética enquanto material de acabamento final.
Perante os pressupostos definidos e pela análise feita, constatou-se que a terra possui um conjunto de limitações e
vantagens enquanto material construtivo. Apesar da sua aplicação na construção ser ancestral, a construção em
terra não representa uma alternativa construtiva corrente nas sociedades desenvolvidas, de que é exemplo a
realidade portuguesa, onde o número de construções em terra não só é baixo, como representa uma muito baixa
percentagem das novas construções erigidas desde meados do século XX. Nota-se, contudo, uma investigação
progressiva nas últimas décadas, que tem vindo a reposicionar a terra no panorama da indústria da construção.
Por um lado, ainda existe um conhecimento pouco sistematizado do seu comportamento (Easton e Easton,
2012). A sua fraca resistência mecânica, baixa resistência à tracção e susceptibilidade face à acção da água
(Augarde, 2012; Minke, 2012) dificultam a sua utilização e impõem precauções construtivas com vista à sua
protecção. A, à data, reduzida industrialização da construção em terra (Hall et al., 2012a; Schroeder, 2012), falta
de enquadramento legal (Cid et al., 2011; Schroeder, 2012) e o seu elevado custo no contexto das sociedades
desenvolvidas (Lourenço, 2002; Easton e Easton, 2012), associadas ao preconceito de que se trata de uma cons-
trução pobre (Blondet et al., 2008), dificultam a sua implementação corrente.
Por outro lado, o uso da terra em estado cru, a potencial disponibilidade do material no local de construção e a
sua reciclabilidade minimizam a taxa de carbono incorporada nas edificações e permitem restringir o seu impac-
te ambiental (Hall et al., 2012a; Minke, 2012). Associadas à sua forte plasticidade, textura e cor, à sua incombus-
tibilidade (Minke, 2012) e a um bom comportamento higrotérmico e acústico (Hall e Casey, 2012), justificam o
CONCLUSÃO E DESENVOLVIMENTOS FUTUROS
154
seu desenvolvimento futuro.
O posicionamento da arquitectura de terra contemporânea tem que ser tal que procure maximizar as vantagens
e potencialidades da terra e contornar as suas limitações e condicionantes.
Da análise efectuada ao enquadramento legal actual da construção em terra, constata-se que a legislação, a
nível mundial, ainda não é suficientemente conclusiva (Cid et al. 2011; Schroeder, 2012). Não toma em conside-
ração o factor sustentabilidade, é parca e os critérios utilizados não são os mesmos, o que dificulta a sua imple-
mentação na indústria e a sua comparabilidade com os restantes materiais construtivos. Constata-se a necessi-
dade de criar uma terminologia normalizada e internacionalmente aceite para materiais e sistemas de constru-
ção em terra, sobressaindo duas novas linhas de desenvolvimentos para a produção de normas e documentos
normativos para a construção em terra a nível internacional: o enquadramento ecológico das novas normas
produzidas para os materiais e técnicas de construção e os novos métodos de produção dos materiais de terra.
Enquanto material não normalizado, a procura de maior rigor, qualidade e homogeneidade dos elementos cons-
trutivos em terra é feita através da análise e adequação a critérios progressivamente mais rigorosos. Estes
reflectem-se em duas vertentes; por um lado, na necessidade de aferir cuidadamente as características da terra
disponível, para apoiar a definição da estratégia construtiva a adoptar e o tipo de estabilização necessário para
melhorar as suas propriedades; por outro, no sentido de conduzir uma análise constante ao longo do processo
construtivo, para garantir a conformidade com os pressupostos definidos em projecto e a homogeneidade dos
elementos construtivos ao longo da obra.
A resistência de uma amostra está sobretudo dependente das características físicas de um solo e da sua compac-
tabilidade que é, por sua vez, dependente do tipo de terra utilizado, da sua distribuição granulométrica e da
humidade de compactação utilizada (Burroughs, 2001; Reddi et al., 2012; Reddy, 2012; Schroeder, 2011). A
estabilização por via química contribui igualmente para melhorar a resistência de um solo, mas é proporcional à
sua qualidade (Hall, 2004). Já do ponto de vista do controlo da retracção e do índice de plasticidade de uma
determinada mistura, a estabilização química pode ser extremamente eficiente (Burroughs, 2001), pelo que se
conclui que a qualidade de um solo é determinante para a resistência final obtida e que os processos de estabili-
zação permitem melhorar determinadas características de uma mistura de terra para uma aplicação específica.
Corrigir e estabilizar um solo não é necessariamente mais barato e menos poluente do que importar um solo já
adequado para a técnica construtiva pretendida (Easton e Easton, 2012). A opção pelo tipo de estratégia adop-
tada tem que ser estudada caso a caso, consoante a qualidade do solo, equipamentos e mão-de-obra disponí-
veis, procurando melhorar o comportamento da terra sem pôr em causa a sua sustentabilidade e procurando
reduzir os seus custos de aplicação.
A selecção da estratégia construtiva é consequente desta ponderação. Por um lado, existe a necessidade de uma
apropriada concepção dos elementos construtivos, dada a fraca resistência mecânica, elevado peso, susceptibi-
lidade à acção da água e baixa resistência à tracção e flexão da terra. Por outro, depende do tipo de técnica
construtiva utilizada e sua adequação ao contexto específico e pressupostos construtivos adoptados.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
155
Dado que se trata de técnicas construtivas pouco industrializadas, uma boa execução é decisiva para garantir a
qualidade dos elementos de terra construídos. Entre os vários factores a ter em consideração na concepção das
construções em terra, salientam-se a necessidade de adequação ao contexto, a preocupação com a protecção
contra a acção da água, a selecção do sistema estrutural e a necessidade de garantir critérios de execução rigo-
rosos, em linha com as boas práticas construtivas em terra. Entre estas, salientam-se i) os meios de controlo da
retracção natural da terra e os sistemas para evitar a sua fissuração, ii) o cuidado a ter com a abertura de vãos
no seu interior e iii) o reforço da construção, por via da ligação efectiva entre elementos construídos, com vista a
aumentar a sua ductilidade e resistência a esforços horizontais.
Constatou-se que os requisitos associados à construção em terra com vista ao aumento da sua resistência contra
a acção do sismo e das intempéries podem ser extrapoláveis para a concepção geral em terra, pelo reforço gené-
rico e precaução que promovem nos sistemas construtivos (Morris, 2012). Conforme refere Minke (2012), não é
a terra, enquanto material de construção, que é responsável pelo insucesso estrutural, mas sim o seu sistema
estrutural, o seu layout e o tipo de aberturas.
De entre as técnicas construtivas analisadas, constata-se que a taipa e os blocos de terra crua são as técnicas
mais investigadas, sobre as quais se pode encontrar mais informação disponível e número de obras realizadas.
De entre as duas, a taipa é aquela que demonstra ter maior capacidade de integração enquanto elemento aparente
nas construções contemporâneas em terra e de funcionar como elemento estrutural. Simultaneamente, é a técnica
que tem tido mais desenvolvimentos actuais, nomeadamente por via dos meios utilizados para a sua conformação
e de estratégias construtivas alternativas, como a pré-fabricação. O seu principal desafio é sobretudo técnico, com
vista a melhorar a eficiência de execução e de poder responder a critérios progressivamente mais padronizáveis.
Os blocos de terra possuem a vantagem de poder ser mais facilmente industrializados, não obstante terem a
tendência de ser aplicados enquanto técnica não estrutural. Podem mais facilmente competir no mercado das
alvenarias, tendo muito a ganhar com o desenvolvimento de legislação que beneficie a produção e aplicação de
materiais ecológicos, em detrimento de materiais mais poluentes. Por esta via poderá haver um aumento da sua
procura, o que poderá levar a uma acrescida capacidade de produção e consequente redução de custos, o que
tenderá a torná-los mais competitivos.
As outras duas técnicas analisadas posicionam-se de forma distinta. A terra projectada demonstra um grande
potencial de integração da terra na construção corrente, sobretudo devido à sua rapidez de execução, reforço
anti-sísmico e aplicação em estruturas de formas complexas, mas também enquanto elemento de reabilitação
de estruturas existentes. Contudo, é tecnicamente exigente, necessitando de mão-de-obra especializada e de
sistemas de projecção complexos, que tendem a encarecê-la. A sua evolução implicará a garantia de compatibi-
lidade entre os materiais de reforço e a terra (nomeadamente no caso das estruturas metálicas) e o progressivo
controlo de custos.
O cob possui a vantagem de ser uma técnica menos exigente do ponto de vista técnico e de necessitar de uma
mão-de-obra menos especializada. Contudo, tende a necessitar de muito material, devido à sua elevada espes-
CONCLUSÃO E DESENVOLVIMENTOS FUTUROS
156
sura, e de muita mão-de-obra, o que pode representar um custo acrescido de construção. Simultaneamente, a
sua menor resistência tende a que não seja aplicado enquanto sistema estrutural, necessitando de reforços
específicos ou funcionando sobretudo enquanto elemento de preenchimento de estruturas.
Apesar de a dissertação se focar nos sistemas construtivos maciços, constatou-se que os sistemas de revesti-
mento têm tido um desenvolvimento e penetração acentuados em alguns mercados desenvolvidos, nomeada-
mente os estuques de terra e os painéis pré-fabricados em terra leve. Na perspectiva da integração da terra na
construção contemporânea corrente, este é um campo com grande potencial de desenvolvimento.
6.2) CONCLUSÕES DOS CASOS DE ESTUDO
A análise dos casos de estudo revelou uma capacidade de adaptação e apropriação dos princípios construtivos em
terra muito particular e que tende a valorizar individualmente cada projecto. Esta constatação está associada às
respostas que cada caso trouxe para as condicionantes e vantagens que são transversais a toda a construção em terra.
Dos parâmetros analisados, constata-se que aqueles que se tornam mais determinantes e que tendem a condi-
cionar mais a execução de um projecto em terra são:
a) Adaptação ao contexto económico e disponibilidade de recursos;
b) Adaptação ao clima e, em particular, à acção da chuva e da temperatura;
c) Adaptação à função do edifício;
d) Se a terra terá, ou não, função estrutural.
A adaptação ao contexto económico e a disponibilidade de recursos, nomeadamente a disponibilidade de equi-
pamento, mão-de-obra e, naturalmente, matéria-prima, são determinantes para definir a viabilidade e o tipo de
projecto a ser construído. Enquanto a disponibilidade de recursos facilita a construção em países desenvolvidos,
mas tem tendência a aumentar o custo da obra, a construção em países em desenvolvimento garante a disponi-
bilidade de uma mão-de-obra mais acessível e barata, o que permite controlar o custo da construção, mas
requer o uso de soluções construtivas tecnologicamente menos evoluídas e implica gerir o preconceito de que se
trata de uma construção pobre (e referente ao seu passado). Como se verificou nos casos de estudo, estas situa-
ções podem potenciar o desenvolvimento de soluções alternativas e têm tendência a condicionar as soluções
aplicadas e a imagem do edifício.
A adaptação ao clima e, em particular, à acção da chuva e da temperatura é outro dos factores preponderantes
na estratégia a adoptar. A localização em contextos de maior pluviosidade tenderá a implicar uma protecção
acrescida das paredes de terra, o que influenciará determinantemente a sua imagem. Pode, como se constatou
nos casos de estudo, potenciar o desenvolvimento de soluções alternativas e, por essa via, conferir maior valor
aos projectos. A gestão do conforto térmico é igualmente crucial, em particular quando se trata de países frios,
dada a maior condutividade natural da terra. Tenderá a restringir a espessura mínima das paredes e a implicar
potencialmente a inclusão de isolamento térmico, o que terá um impacte directo nas soluções de revestimento e
na aparência das suas superfícies.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
157
O tipo de utilização que o edifício terá vai influenciar fortemente as soluções adoptadas. As necessidades recor-
rentes da sua função tenderão a condicionar as estratégias construtivas, o tipo de técnicas utilizado e a configu-
ração formal dos edifícios. Ficou, contudo, clara a diversidade de tipologias funcionais em que a terra se pode
integrar e os contributos que as suas propriedades podem dar a cada função, não obstante as necessárias adap-
tações decorrentes do seu uso.
A opção pelo tipo de estrutura utilizada terá igualmente uma preponderância elevada nas soluções construtivas
e na imagem do edifício. A terra tanto pode ser aplicada como elemento estruturante de uma construção, como
em sistemas estruturais mistos, ou como material não-estrutural, de preenchimento de estruturas.
O uso da terra como elemento estruturante reforça o significado da sua utilização e dá preponderância à ima-
gem da terra como elemento construtivo, obrigando, contudo, a uma preocupação acrescida com o sistema
estrutural adoptado e com o reforço de fragilidades específicas. Por outro lado, a sua utilização em complemen-
to de um sistema estrutural misto, ou independente da estrutura (sem função estrutural), permite posicionar a
sua utilização de forma mais transversal, potenciando o seu enquadramento num quadro construtivo mais
amplo. Esta opção permite contornar algumas das suas condicionantes naturais, evitando, nomeadamente, a sua
maior fragilidade como elemento estrutural – o que poderá possibilitar o não-uso de vários tipos de reforços
estruturais adicionais, que tenderão a reduzir a sua sustentabilidade.
Fica, igualmente, a convicção de que a adaptação às características sismológicas do local seria igualmente
determinante, apesar de a análise dos casos de estudo não poder ser conclusiva.
A maioria dos restantes parâmetros é decorrente das condicionantes impostas por estes cinco factores, embora
condicionem, por sua vez, as decisões consequentes.
É o caso da opção pela técnica construtiva utilizada. Por um lado, é consequente i) da decisão se a terra terá, ou
não, uma função estrutural e ii) se existe a disponibilidade de recursos para a executar com os meios mais efica-
zes. Por outro, uma vez seleccionada, terá impacte na capacidade plástica do edifício, na sua resposta climática e
no tipo de reforços e estabilização que se poderá necessitar.
Decisões como a quantidade e dimensão dos vãos são consequentes da função do edifício e do tipo de uso que
este terá, mas também da opção pela técnica construtiva utilizada. Por outro lado, condicionam a estratégia
utilizada para a sua abertura – integrados nas paredes de terra (tipicamente mais pequenos ou necessitando de
reforços mais complexos) ou localizados entre paredes de terra (naturalmente com dimensões menos restritivas,
mas obrigando a um sistema de cobertura com uma estrutura independente das paredes de terra ou com refor-
ços específicos integrados nas paredes, para reforçar o suporte da cobertura).
O tipo de estabilização utilizada está condicionado pela técnica construtiva escolhida, mas igualmente pelas
características do solo disponível e pela mais ou menos acentuada função estrutural da terra. Por um lado, per-
mite melhorar as características da mistura mas, por outro, pode ter um impacte directo na taxa de carbono
incorporada no edifício, caso seja necessário utilizar meios de estabilização mais poluentes.
Parâmetros como o tipo de revestimento ou os materiais complementares utilizados estão mais dependentes de
CONCLUSÃO E DESENVOLVIMENTOS FUTUROS
158
princípios transversais à construção em terra do que das condicionantes referidas, assim como do modelo de
integração das infra-estruturas. Não obstante, a viabilidade da sua aplicação está sempre dependente da estra-
tégia construtiva adoptada, que está, em si, condicionada pelos factores anteriores.
A estes factores deve-se acrescentar a gestão do enquadramento legal em que se encontra o edifício e a maior
ou menor adequação deste face às características específicas da construção em terra – assim como o seu
enquadramento num contexto construtivo que valorize princípios de construção sustentável.
Da análise dos casos de estudo, sobressai a diversidade de soluções utilizadas para contornar as condicionantes
da terra, de forma a poder tirar partido dos seus benefícios e poder potenciar a sua utilização, em detrimento de
outros materiais mais poluentes. Nota-se, contudo, que existem várias soluções referidas ao longo da disserta-
ção que não foram usadas (nomeadamente referentes aos reforços das construções e aos métodos de estabili-
zação), enquanto outras são muito frequentes, em particular no que concerne à protecção contra a acção da
água (nomeadamente soluções como a projecção da cobertura, o uso de embasamentos e fundações sólidas, ou
o corte da ascensão de humidade por capilaridade).
Por outro lado, os casos de estudo confirmam a possibilidade de tirar partido das vantagens da construção em
terra, nomeadamente posicionando-a como um material manifestamente sustentável, que permite o controlo
higrotérmico e acústico, a absorção de cheiros e que possui uma forte componente estética, realçando em parti-
cular as suas propriedades plásticas, textura, coloração e potencial tectónico.
Da experiência resultante dos casos de estudo, conclui-se que as limitações do material terra não implicam,
necessariamente, limitações da linguagem arquitectónica e a sua maior ou menor contemporaneidade. Esta está
mais dependente da qualidade do projecto do que do material.
Pode-se, sim, referir que a existência de maiores condicionantes do material potencia as soluções alternativas
para a sua integração na construção – o que, no cômputo geral, acaba por potenciar os projectos em si.
6.3) CONSIDERAÇÕES FINAIS
A crescente qualidade da construção em terra e variedade de tipologias construtivas a que dá resposta, parece
denotar uma progressiva integração na indústria da construção. Contudo, se se pretende que esta integração
seja mais efectiva, terá que se continuar a investir num conjunto de campos específicos.
Tal como Hall et al. (2012a) indicam, a garantia de um nível de conforto em linha com as expectativas do utiliza-
dor corrente de uma sociedade desenvolvida deve ser atingida sem comprometer a redução do impacte e a
maximização da sustentabilidade da construção, tanto do ponto de vista primário da redução das emissões con-
sequentes do processo operacional, aproximando-se de valores próximos do zero, como do ponto de vista
secundário do nível de dióxido de carbono incorporado nas construções e da energia implícita na sua futura
demolição ou alienação. O primeiro desafio para a construção em terra nas sociedades desenvolvidas é técnico:
aumentar a eficiência e a segurança construtiva ao mesmo tempo que se garante que se mantém uma baixa taxa
de carbono incorporada na construção.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
159
O segundo desafio é o de se poder comparar aos restantes materiais construtivos correntes. A construção em
terra está geralmente associada a técnicas de construção tradicionais, não industrializadas e tecnicamente pou-
co reconhecidas. Tal como Schroeder (2012) refere, na perspectiva de reconhecer a construção em terra
enquanto um sistema de construção corrente, é necessário que os vários materiais e sistemas construtivos pro-
duzidos em terra sejam tecnicamente reconhecidos. Sistemas de construção tecnicamente reconhecidos reque-
rem materiais produzidos industrialmente, com parâmetros predefinidos, cuja obtenção requer o uso de testes
de qualidade normalizados e reprodutíveis, levados a cabo por laboratórios autorizados com pessoal qualificado,
recorrendo a equipamentos de teste certificados.
Apesar da penetração da construção em terra se fazer mais facilmente nos países cuja cultura construtiva é assente
no uso de paredes maciças, é essencial desenvolver a capacidade de incorporação destas técnicas construtivas
globalmente. Para isso, é igualmente importante evoluir em direcção à redução do custo de construção da terra
nas sociedades desenvolvidas, sem com isso comprometer a sua capacidade sustentável, e de alargar o corpo de
especialistas e aplicadores habilitados (Easton e Easton, 2012).
6.4) DESENVOLVIMENTOS FUTUROS
As linhas de investigação futuras que sobressaem da análise feita ao longo desta dissertação, com vista à pro-
gressiva integração da terra na indústria da construção, podem ser divididas em duas vertentes: i) a construção
de terra e seus campos genéricos de desenvolvimento futuro e ii) a arquitectura de terra em geral e em particu-
lar as estratégias de concepção utilizadas.
Do ponto de vista genérico da construção em terra e dos seus campos de desenvolvimento futuro, o desenvol-
vimento de novas investigações poderá ser direcionado para:
a) Técnicas construtivas específicas: como tornar uma determinada técnica mais eficiente e como reduzir o
custo da sua execução, mantendo uma baixa taxa de carbono incorporada na construção. nomeadamente
através dos processos de industrialização que estão a ser desenvolvidos para os sistemas de construção
em terra, como a pré-fabricação de sistemas construtivos ou de sistemas de revestimento;
b) O contexto legal da construção em terra, nomeadamente para uma das duas linhas identificadas de
desenvolvimento para a produção de normas e documentos normativos para a construção em terra a
nível internacional: o enquadramento ecológico das novas normas produzidas para os materiais e técni-
cas de construção e os novos métodos de produção dos materiais de terra;
c) Os sistemas de estabilização e, em particular, aqueles que permitam a redução da susceptibilidade da
terra face à acção da água, ao aumento da sua resistência ou à melhoria das suas propriedades térmi-
cas, com vista à contribuição para a definição de parâmetros de análise dos elementos em terra;
d) A compatibilidade entre a terra e outros materiais correntes de construção, nomeadamente a madeira,
o metal e o betão, com vista à integração do material terra em sistemas construtivos mistos, ou ao seu
uso enquanto elementos de reforço interior dos elementos em terra.
CONCLUSÃO E DESENVOLVIMENTOS FUTUROS
160
Sobre a arquitectura de terra em geral e em particular as estratégias de concepção arquitectónicas, face ao
modelo de análise de casos de estudo utilizado nesta dissertação, estas poderiam ser desenvolvidas por via de:
a) Alargar o corpo de casos de estudo analisados;
b) Procurar ampliar a quantidade de dados disponíveis para cada caso de estudo, para tornar a compara-
ção entre projectos mais efectiva e a consequente verificação do estado da arte;
c) Concentrar a análise de casos de estudo em apenas um dos factores definidos, procurando perceber as
adaptações necessárias da construção em terra a estes requisitos, nomeadamente: numa única técnica
construtiva, num determinado contexto económico ou climático específico, em situações em que a ter-
ra tem uma função estrutural ou em situações em que a terra não tem essa função, apenas localizados
em contextos urbanos ou selecionando apenas uma tipologia funcional específica;
d) Utilizar a proposta anterior, mas desenvolver binómios comparativos: entre duas técnicas, entre dois
contextos climáticos distintos, entre ter ou não ter função estrutural, entre contextos urbanos e contex-
tos rurais, entre tipologias funcionais;
e) Desenvolver um documento de recomendações para a concepção da arquitectura em terra, em linha
com o contexto determinado.
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
161
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Rael, Ronald - Earth Architecture. Princetown Architecture Press, New York, 2009.
ANEXOS
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
A1
ANEXO 1
FOTOGRAFIAS E DESENHOS TÉCNICOS DO PROJECTO DA CAPELA DA RECONCILIAÇÃO
ANEXO 1 – FOTOGRAFIAS E DESENHOS TÉCNICOS DO PROJECTO DA CAPELA DA RECONCILIAÇÃO
A2
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
A3
Axonometria (Rael, 2009)
Corte (Rael, 2009)
Planta (Rael, 2009)
ANEXO 1 – FOTOGRAFIAS E DESENHOS TÉCNICOS DO PROJECTO DA CAPELA DA RECONCILIAÇÃO
A4
Perspectiva exterior (@ Bruno Klomfar) Peristilo (@ Bruno Klomfar)
Perspectiva exterior (@ Bruno Klomfar) Peristilo (@ Bruno Klomfar)
Perspectiva exterior (@ Bruno Klomfar) Altar (@ Bruno Klomfar)
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
A5
Obra (Kapfinger, 2001)
Obra (Kapfinger, 2001)
ANEXO 2 – FOTOGRAFIAS E DESENHOS TÉCNICOS DO PROJECTO DA CASA RAUCH
A6
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
A7
ANEXO 2
FOTOGRAFIAS E DESENHOS TÉCNICOS DO PROJECTO DA CASA RAUCH
ANEXO 2 – FOTOGRAFIAS E DESENHOS TÉCNICOS DO PROJECTO DA CASA RAUCH
A8
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
A9
Axonometria (Kapfinger e Simon, 2011)
Perspectiva exterior (@Beat Bühler)
ANEXO 2 – FOTOGRAFIAS E DESENHOS TÉCNICOS DO PROJECTO DA CASA RAUCH
A10
Planta piso 0 (Kapfinger e Simon, 2011) Planta piso 1 (Kapfinger e Simon, 2011) Planta piso 2 (Kapfinger e Simon, 2011)
Perspectiva exterior (@Beat Bühler)
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
A11
Corte longitudinal (Kapfinger e Simon, 2011)
Corte longitudinal (Kapfinger e Simon, 2011)
Terraço exterior (@ Beat Bühler) Terraço exterior (@ Beat Bühler)
ANEXO 2 – FOTOGRAFIAS E DESENHOS TÉCNICOS DO PROJECTO DA CASA RAUCH
A12
Quarto principal (@ Sebastian El Khouli) Sala (@ Sebastian El Khouli)
Casa-de-banho (@ Beat Bühler)
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
A13
Corredor piso 1 (@ Beat Bühler) Núcleo de escadas (@ Beat Bühler)
Núcleo de escadas (@ Beat Bühler) Núcleo de escadas (@ Beat Bühler)
ANEXO 3 – FOTOGRAFIAS E DESENHOS TÉCNICOS DO PROJECTO DA CASA FLURY
A14
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
A15
ANEXO 3
FOTOGRAFIAS E DESENHOS TÉCNICOS DO PROJECTO DA CASA FLURY
ANEXO 3 – FOTOGRAFIAS E DESENHOS TÉCNICOS DO PROJECTO DA CASA FLURY
A16
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
A17
Planta (Detai, 2011)
Corte transversal (Detai, 2011)
Perspectiva exterior (@ Stefan Weber) Perspectiva exterior (@ Stefan Weber)
ANEXO 3 – FOTOGRAFIAS E DESENHOS TÉCNICOS DO PROJECTO DA CASA FLURY
A18
Corte construtivo (@ Spaceshop Architekten)
Sala (@ Stefan Weber) Quarto (@ Stefan Weber)
Cozinha (@ Stefan Weber) Parede de cob em construção (@ Spaceshop Architekten)
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
A19
ANEXO 4
FOTOGRAFIAS E DESENHOS TÉCNICOS DO PROJECTO METI – ESCOLA NO BANGLADESH
ANEXO 4 – FOTOGRAFIAS E DESENHOS TÉCNICOS DO PROJECTO METI – ESCOLA NO BANGLADESH
A20
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
A21
Planta piso 0 (Rael, 2009)
Planta piso 1 (Rael, 2009)
Alçados (@ Anna Heringer e Eike Roswag)
ANEXO 4 – FOTOGRAFIAS E DESENHOS TÉCNICOS DO PROJECTO METI – ESCOLA NO BANGLADESH
A22
Corte transversal (Rael, 2009)
Fachada principal (@ Kurt Hoerbst)
Fachada posterior (@ Kurt Hoerbst) Sala de aula do piso 1 (@ Kurt Hoerbst)
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
A23
Pormenor das portadas do piso 1 (@ Kurt Hoerbst)
Sala de aula do piso 0 (@ Kurt Hoerbst) Perspectiva exterior (@ Kurt Hoerbst)
Espaços de educação informal (@ Kurt Hoerbst) Espaços de educação informal (@ Kurt Hoerbst)
ANEXO 5 - FOTOGRAFIAS E DESENHOS TÉCNICOS DO PROJECTO DA CASA PALMER-ROSE
A24
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
A25
ANEXO 5
FOTOGRAFIAS E DESENHOS TÉCNICOS DO PROJECTO DA CASA PALMER-ROSE
ANEXO 5 - FOTOGRAFIAS E DESENHOS TÉCNICOS DO PROJECTO DA CASA PALMER-ROSE
A26
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
A27
Planta (Joy, 2002)
Corte transversal (Joy, 2002)
ANEXO 5 - FOTOGRAFIAS E DESENHOS TÉCNICOS DO PROJECTO DA CASA PALMER-ROSE
A28
Perspectiva exterior (@ Timothy Hursley) Vãos interiores (@ Timothy Hursley)
Fachada exterior (@ Timothy Hursley)
Alpendre exterior (@ Timothy Hursley)
Alpendre exterior (@ Timothy Hursley)
ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA EM TERRA
A29
Quarto (@ Timothy Hursley) Quarto (@ Timothy Hursley)
Sala (@ Timothy Hursley) Sala (@ Timothy Hursley)
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