Apostila
Legislação Extravagante
Acesso Policial aos Dados
Telemáticos do Investigado
Professor Rilmo Braga Delegado PCGO
2
O Acesso Policial aos Dados Telemáticos
do Investigado
Em abril de 2014 foi publicada a Lei nº 12.965, conhecida como lei do
Marco Civil da Internet no país, que estabeleceu, em seu art. 22,uma hipótese
de reserva jurisdicional para o fornecimento de registros de conexão ou de
registros de acesso a aplicações de internet. Nesta esteira, doutrina e
jurisprudência se enveredaram para o caminho da vedação do acesso policial
aos dados telemáticos do investigado de forma absoluta, o que, à luz dos
princípios da proporcionalidade e da supremacia do interesse
público,definitivamente não pode prosperar, especialmente face à casuística e
imprevisibilidade inerente às atividades policiais que ocasionam inegável
mitigação ao princípio da legalidade administrativa.1
Hodiernamente, decisões do Superior Tribunal de Justiça e estudos
pontuais começam a contestar o rigor desmotivado da reserva jurisdicional
inerente à diligência policial em testilha. Visando uma abordagem teórica,
porém, com um viés eminentemente voltado para a prática policial e das
demais carreias jurídicas, o presente artigo se propõe a catalogar de forma
condensada e objetiva todas as hipóteses em que acesso policial aos dados
telemáticos do investigado pode ser licitamente realizado.
À guisa de introdução, merece registro que atualmente não há
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a temática, uma vez
que os precedentes da corte maior, consagrados no HC 210.746/SP e HC n.º
3
91.867/PA, com a conclusão de que o acesso aos dados telefônicos por parte
da Polícia durante uma abordagem não conduziria à nulidade das provas,
foram publicados em 2012, razão pela qual estão desatualizados e devem ser
desprezados. Afinal, na época das decisões supracitadas, o objeto de análise
do STF foi o acesso à telefones celulares tradicionais que não cumulavam
funções ligadas à internet, ou seja, não se tratava de smartphones, aparelhos
que permitem acessos telemáticos, amplamente utilizados nos dias de hoje.
O primeiro conceito que precisa ficar claro para a aprofundada análise do
tema é o de dados telemáticos. Em que pese controvérsias sobre o tema,
merece destaque a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que,
no HC 132.115/2018/PR, adotou a definição do renomado doutrinador
Guilherme de Souza Nucci:
Por fim, no que se refere a interceptação telemática (e-mail) levada à cabo e às
suas prorrogações, bem apontou o Superior Tribunal de Justiça,em sua decisão,
que “[o] sigilo da comunicação de dados por meios informáticos [telemáticos],
assim como os demais direitos individuais, não é absoluto, podendo ser afastado
para a apuração de crime por meio de decisão judicial devidamente
fundamentada”. Esse entendimento encontra amparo no campo acadêmico.
Confira-se: “entendemos válida a disposição feita no parágrafo único do art. 1°
desta Lei. Como já sustentamos (...), não há direito absoluto, motivo pelo qual a
comunicação estabelecida por meios ligados à informática (computador) e à
telemática (misto de computador com meios de comunicação), não deixa
de ser uma forma atualizada e moderna de comunicação telefônica. Por isso, se
houver finalidade de apuração de crime, com autorização judicial, pensamos ser
válida a interceptação de comunicação efetuada por esses meios (ex.:
conversação captada através de modem ou em determinados sites próprios para
isso)” (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 6ª ed. São Paulo: RT, 2012. p.372 – grifei).
Da leitura do excerto acima, conclui-se que dados telemáticos são
aqueles que envolvem um conjunto de tecnologias da informação e da
comunicação resultante da junção entre os recursos das telecomunicações
(telefonia, satélite, cabo, fibras ópticas etc.) e da informática (computadores,
periféricos, softwares e sistemas de redes), que possibilitam o processamento,
4
a compressão, o armazenamento e a comunicação de grandes quantidades de
dados (nos formatos texto, imagem e som), em curto prazo de tempo, entre
usuários localizados em qualquer ponto do planeta.
Superada a análise conceitual supracitada, para uma acurada análise de
legalidade e de constitucionalidade do acesso aos aplicativos de telemática,
corrobora a superação dos precedentes do STF apontados acima, a publicação,
no ano de 2014, a Lei nº 12.965, Lei do Marco Civil da Internet, que
estabelece os princípios, garantias e deveres para o uso da Internet no Brasil,
a qual proibiu expressamente o acesso aos dados telemáticos sem ordem
judicial:
Art. 7º. O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário
são assegurados os seguintes direitos:
I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
II - inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei;
III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo
por ordem judicial; [...]
Diante da constatação de que, após o surgimento e a massificação dos
smartphones, bem como da legislação supracitada, o Supremo Tribunal
Federal ainda não se manifestou sobre o acesso policial aos dados telemáticos
durante abordagens policiais ou após a regular apreensão do aparelho, se faz
necessário uma análise detalhada da jurisprudência do STJ, o qual tem
paradigma firme no sentido de que tais acessos, feitas cinco ressalvas que
serão analisadas detidamente adiante, carecem de ordem judicial.
5
Antes mesmo de apresentar as cinco hipóteses autorizadoras do acesso
policial aos aplicativos telemáticos, nada melhor do que delinear os meandros
da jurisprudência do STJ no sentido da proibição de acesso aos dados
telemáticos de suspeitos de crimes:
A primeira e paradigmática decisão judicial proferida pela Sexta Turma
do Superior Tribunal de Justiça, no RHC n.º 51.531/RO/2016, assevera a
ilicitude da prova alcançada a partir do acesso direto da Polícia Judiciária, sem
prévia autorização judicial, aos dados e às conversas travadas pelo aplicativo
whatsApp contidos em aparelho celular apreendido durante prisão em
flagrante. Confira-se, preliminarmente, a ementa do julgado:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.
TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DA PROVA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO
JUDICIAL PARA A PERÍCIA NO CELULAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
EVIDENCIADO.
1. Ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas de whatsapp, obtidas
diretamente pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia autorização judicial.
2. Recurso ordinário em habeas corpus provido, para declarar a nulidade das
provas obtidas no celular do paciente sem autorização judicial, cujo produto
deve ser desentranhado dos autos.(STJ, RHC 51.531/RO, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 19/04/2016, DJe 09/05/2016). (grifei)
Na mesma esteira e pacificando parcialmente o tema, o STJ reiterou, no RHC
67.379/RN/2016, que o acesso policial aos dados telemáticos de aplicativos do
aparelho celular do suspeito exige ordem judicial:
(...)
PROCESSO PENAL, RECURSO EM HABEAS CORPUS . TRÁFICO DE DROGAS.
NULIDADE DAS PROVAS PRODUZIDAS NA FASE INQUISITORIAL. PRISÃO EM
FLAGRANTE. CRIME PERMANENTE. DESNECESSIDADE DE MANDADO DE BUSCA
E APREENSÃO. PROVAS EXTRAÍDAS DO APARELHO DE TELEFONIA MÓVEL.
AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. VIOLAÇÃO DO SIGILO TELEFÔNICO.
INÉPCIA DA DENÚNCIA E CARÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA PERSECUÇÃO
6
PENAL NÃO EVIDENCIADAS. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-
COMPROBATÓRIO. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA NÃO APLICÁVEL. LEI PENAL EM BRANCO HETERÓLOGA.
SUBSTÂNCIA PSICOTRÓPICA ELENCADA NA PORTARIA 344⁄98 DA ANVISA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(...)
3. O art. 5º da Constituição Federal garante a inviolabilidade do sigilo telefônico,
da correspondência, das comunicações telegráficas e telemáticas e de dados
bancários e fiscais, devendo a mitigação de tal preceito, para fins de
investigação ou instrução criminal, ser precedida de autorização judicial, em
decisão motivada e emanada por juízo competente (Teoria do Juízo Aparente),
sob pena de nulidade. Além disso, somente é admitida a quebra do sigilo quando
houve indício razoável da autoria ou participação em infração penal; se a prova
não puder ser obtida por outro meio disponível, em atendimento ao princípio da
proibição de excesso; e se o fato investigado constituir infração penal punida
com pena de reclusão.
(...)
9. Recurso parcialmente provido, tão somente para reconhecer a ilegalidade das
provas obtidas no celular do recorrente e determinar o seu desentranhamento dos autos.
(...)
Posição idêntica mantém o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás que,
em recentes decisões, concluiu estarem os dados de comunicação eletrônica
transferidos por meio do aplicativo whatsapp acobertados por sigilo, razão pela
qual o acesso, para fins de investigação de crime, está condicionado à prévia
autorização judicial. Avalie-se o exemplar:
HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. DECRETAÇÃO FUNDAMENTADA EM
DADOS DO APLICATIVO WHATSAPP. QUEBRA DE SIGILO SEM AUTORIZAÇÃO
JUDICIAL. PROVA ILÍCITA. ILEGALIDADE RECONHECIDA. Os dados de
comunicação eletrônica pelo aplicativo WhatsApp, realizada de forma
privada, estão acobertados pelo sigilo, permitindo a coleta para a
investigação de fato criminoso, mediante autorização judicial específica
e fundamentada, cedendo à regra constitucional da inviolabilidade,
assegurada pelo art. 5º, incisos X e XII, da Carta da República, pelo que
a inobservância faz com que a prova produzida seja considerada ilícita,
trazendo como consequência o seu desentranhamento. ORDEM
CONCEDIDA. (TJGO, HABEAS-CORPUS 191692-09.2016.8.09.0000, Rel. DES.
http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10641516/artigo-5-da-constituição-federal-de-1988http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/188546065/constituição-federal-constituição-da-republica-federativa-do-brasil-1988
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LUIZ CLAUDIO VEIGA BRAGA, 2A CAMARA CRIMINAL, julgado em 12/07/2016, DJe 2101 de 31/08/2016) (grifei)
Nesse mesmo contexto, os demais Tribunais dos Estados da Federação,
vem comungando da mesma linha de entendimento trazida pelos precedentes acima mencionados.
Inobstante os referidos precedentes, importante destacar e citar que o I Fórum Nacional de Juízes Criminais (FONAJUC) aprovou, por maioria, o
enunciado 7, nos seguintes termos:
O acesso ao conteúdo de todos os dados, dentre eles, aplicativos e contatos
telefônicos, em celular apreendido durante flagrante pela polícia, prescinde de autorização judicial.
Constatado que, em regra, o acesso aos aplicativos telemáticos por parte
da Autoridade Policial está condicionado à ordem judicial, se faz necessário
firmar balizas das cinco situações excepcionais, em que se dispensa a reserva
jurisdicional, quais sejam:
1) Acesso a mensagens de texto, chamadas efetuadas e recebidas e outros
dados que não envolvam acesso telemático;
2) Acesso aos dados telemáticos de telefone localizado em cumprimento de
mandado de busca e apreensão;
3) Acesso aos dados telemáticos em abordagens flagranciais emergenciais, em
que a demora pode causar transtornos investigativos irreparáveis,
especialmente à integridade da vítima ou ao sucesso da diligência;
4) Acesso aos dados telemáticos de telefone de pessoa morta, desde que haja
autorização do familiar responsável;
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5) Acesso aos dados telemáticos autorizado pelo proprietário do telefone.
A primeira exceção à reserva de jurisdição, para o acesso policial aos
dados telefônicos, materializa-se na jurisprudência de ambos tribunais
superiores. De acordo com o STJ o acesso às mensagens de texto da caixa de
entrada do telefone não caracteriza interceptação telefônica, de modo que
dispensada está a exigência de ordem judicial:
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE
DROGAS. DECRETO CONDENATÓRIO TRANSITADO EM JULGADO. IMPETRAÇÃO
QUE DEVE SER COMPREENDIDA DENTRO DOS LIMITES RECURSAIS.
ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DETIDA DO PLEITO EM SEDE DE
WRIT. CONJUNTO PROBATÓRIO APTO A DEMONSTRAR A AUTORIA DO DELITO.
PENA SUPERIOR A QUATRO ANOS DE RECLUSÃO. REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA.
IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA CORPORAL EM RESTRITIVA DE
DIRETOS. INEXISTÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE, NULIDADE ABSOLUTA OU TERATOLOGIA A SER SANADA. ORDEM DENEGADA.
(...)
VI. Existência de mensagens na caixa de entrada do aparelho de celular do réu
que corroboraram as demais provas da autoria do delito a ele imputado, não
havendo se falar em nulidade de tais elementos probatórios, pois a hipótese não
caracteriza interceptação telefônica, sendo despicienda a prévia autorização judicial.
IX. Ordem denegada, nos termos do voto do Relator. (HC 210.746/SP, Rel.
Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 26/06/2012, DJe 01/08/2012). (grifei)
O STF, na mesma toada, considera que o acesso aos dados telefônicos
não se submete à cláusula constitucional da reserva jurisdicional:
HABEAS CORPUS. NULIDADES: (1) INÉPCIA DA DENÚNCIA;(2) ILICITUDE DA
PROVA PRODUZIDA DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL; VIOLAÇÃO DE
REGISTROS TELEFÔNICOS DO CORRÉU, EXECUTOR DO CRIME, SEM
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL;(3) ILICITUDE DA PROVA DAS INTERCEPTAÇÕES
TELEFÔNICA SDE CONVERSAS DOS ACUSADOS COM ADVOGADOS,PORQUANTO
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ESSAS GRAVAÇÕES OFENDERIAM O DISPOSTO NO ART. 7º, II, DA LEI
8.906/96, QUE GARANTE O SIGILO DESSAS CONVERSAS. VÍCIOS NÃO
CARACTERIZADOS. ORDEM DENEGADA.
(...)
2.1 Suposta ilegalidade decorrente do fato de os policiais, após a prisão em
flagrante do corréu, terem realizado a análisedos últimos registros telefônicos
dos dois aparelhos celulares apreendidos. Não ocorrência. 2.2 Não se
confundem comunicação telefônica e registros telefônicos, que recebem,
inclusive, proteção jurídica distinta.Não se pode interpretar a cláusula
do artigo 5º, XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto
registro, depósito registral. A proteção constitucional é da comunicação
de dados e não dos dados. (grifei)
A doutrina de Henrique Hoffmann2 segue na mesma esteira:
Em relação aos dados telefônicos, não depende de prévia autorização judicial o acesso pela autoridade policial à agenda eletrônica e aos registros de ligações
(histórico de chamadas).[11] De igual forma, é lícita a requisição junto à
operadora de telefonia, pelo delegado de polícia, de dados de localização
pretéritos (ERBs às quais o investigado se conectou com o celular).[12] Todos
esses dados são estáticos e não revelam o teor de qualquer comunicação.
Todavia, para a obtenção de dados de localização em tempo real, o legislador,
que poderia ter deixado o acesso na esfera exclusiva do poder requisitório da
autoridade de Polícia Judiciária (pois tais informações não revelam o conteúdo da
comunicação), exigiu autorização judicial (artigo 13-B do CPP) para investigação
do crime de tráfico de pessoas (artigo 149-A do CP), que pode ser dispensada se
não houver manifestação judicial no prazo de 12 horas, em verdadeira cláusula de reserva de jurisdição temporária.[13]
Nestes termos, a primeira exceção consagra-se na legitimidade do
acesso policial ao telefone do suspeito para acessar aos dados telefônicos, tais
como mensagens de texto, chamadas efetuadas e recebidas e outras, desde
que não envolvam acesso telemático aos aplicativos que envolvam a conexão
com a internet, tendo em vista proibição prevista na Lei nº 12.965/2012
retromencionada.
A segunda hipótese excepcional que precisa ser pontuada, em que o
acesso aos dados telemáticos do telefone do suspeito poderá ser realizado pela
abordagem policial, se consagra na jurisprudência consolidada do STJ no
https://sei.go.gov.br/sei/controlador.php?acao=documento_visualizar&acao_origem=procedimento_visualizar&id_documento=8417992&arvore=1&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=6652&infra_hash=083c57063955373ca9f86a7a06347ad6d16849ca7329d3420afef62e5d61b9c1#sdfootnote11symhttps://www.conjur.com.br/2017-jun-13/academia-policia-delegado-policia-acessar-dados-autorizacao-judicial#sdfootnote11symhttps://www.conjur.com.br/2017-jun-13/academia-policia-delegado-policia-acessar-dados-autorizacao-judicial#sdfootnote12symhttps://www.conjur.com.br/2017-jun-13/academia-policia-delegado-policia-acessar-dados-autorizacao-judicial#sdfootnote13sym
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sentido de que a ordem judicial de mandado de busca e apreensão traz em seu
bojo, de forma implícita, a autorização para o acesso aos dados telemáticos do
smartphone do alvo da diligência:
PROCESSUAL PENAL. OPERAÇÃO "LAVA-JATO". MANDADO DE BUSCA E
APREENSÃO. APREENSÃO DE APARELHOS DE TELEFONE CELULAR. LEI 9296/96.
OFENSA AO ART. 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA.
DECISÃO FUNDAMENTADA QUE NÃO SE SUBORDINA AOS DITAMES DA LEI
9296/96. ACESSO AO CONTEÚDO DE MENSAGENS ARQUIVADAS NO APARELHO. POSSIBILIDADE. LICITUDE DA PROVA. RECURSO DESPROVIDO.
I - A obtenção do conteúdo de conversas e mensagens armazenadas em
aparelho de telefone celular ou smartphones não se subordina aos
ditames da Lei 9296/96.
II - O acesso ao conteúdo armazenado em telefone celular ou
smartphone, quando determinada judicialmente a busca e apreensão
destes aparelhos, não ofende o art. 5º, inciso XII, da Constituição da
República, porquanto o sigilo a que se refere o aludido preceito
constitucional é em relação à interceptação telefônica ou telemática
propriamente dita, ou seja, é da comunicação de dados, e não dos dados em si mesmos.
III - Não há nulidade quando a decisão que determina a busca e apreensão está
suficientemente fundamentada, como ocorre na espécie.
IV - Na pressuposição da ordem de apreensão de aparelho celular ou
smartphone está o acesso aos dados que neles estejam armazenados,
sob pena de a busca e apreensão resultar em medida írrita, dado que o
aparelho desprovido de conteúdo simplesmente não ostenta virtualidade
de ser utilizado como prova criminal.
V - Hipótese em que, demais disso, a decisão judicial expressamente determinou
o acesso aos dados armazenados nos aparelhos eventualmente apreendidos,
robustecendo o alvitre quanto à licitude da prova. Recurso desprovido. (STJ, RHC
75.800/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em
15/09/2016, DJe 26/09/2016). (grifei)
No RHC nº 77.232/SC/2017, o STJ reitera de forma ainda mais clara o
entendimento de que é lícito o acesso ao aparelho telefônico do suspeito em
cumprimento de mandado de busca e apreensão:
11
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E
ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO . DADOS ARMAZENADOS NO APARELHO CELULAR.
INAPLICABILIDADE DO ART. 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DA LEI N. 9.296⁄96.
PROTEÇÃO DAS COMUNICAÇÕES EM FLUXO. DADOS ARMAZENADOS. INFORMAÇÕES
RELACIONADAS À VIDA PRIVADA E À INTIMIDADE. INVIOLABILIDADE. ART. 5º, X, DA CARTA
MAGNA. ACESSO E UTILIZAÇÃO. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. INTELIGÊNCIA
DO ART. 3º DA LEI N. 9.472⁄97 E DO ART. 7º DA LEI N. 12.965⁄14. TELEFONE CELULAR
APREENDIDO EM CUMPRIMENTO A ORDEM JUDICIAL DE BUSCA E APREENSÃO.
DESNECESSIDADE DE NOVA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA ANÁLISE E UTILIZAÇÃO DOS
DADOS NELES ARMAZENADOS. RECURSO NÃO PROVIDO.
(...)
III - A jurisprudência das duas Turmas da Terceira Seção deste Tribunal Superior
firmou-se no sentido de ser ilícita a prova obtida diretamente dos dados
constantes de aparelho celular, decorrentes de mensagens de textos SMS,
conversas por meio de programa ou aplicativos (" WhatsApp "), mensagens
enviadas ou recebidas por meio de correio eletrônico, obtidos diretamente pela
polícia no momento do flagrante, sem prévia autorização judicial para análise dos dados armazenados no telefone móvel.
IV - No presente caso, contudo, o aparelho celular foi apreendido em
cumprimento a ordem judicial que autorizou a busca e apreensão nos
endereços ligados aos corréus, tendo a recorrente sido presa em
flagrante na ocasião, na posse de uma mochila contendo tabletes de maconha.
V - Se ocorreu a busca e apreensão dos aparelhos de telefone celular, não há
óbice para se adentrar ao seu conteúdo já armazenado, porquanto necessário ao
deslinde do feito, sendo prescindível nova autorização judicial para análise e
utilização dos dados neles armazenados.
Recurso ordinário não provido. (grifei)
Diante do exposto, em que pese ser extremamente recomendável que a
Autoridade Policial, ad cautelam, represente pela ordem judicial também para
acesso aos dados telemáticos, não há falar em reserva jurisdicional para a
abordagem policial ao telefone do suspeito durante o cumprimento de
mandado de busca e apreensão.
http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10641516/artigo-5-da-constituição-federal-de-1988http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10730639/inciso-xii-do-artigo-5-da-constituição-federal-de-1988http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/188546065/constituição-federal-constituição-da-republica-federativa-do-brasil-1988http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/103847/escuta-telefônica-lei-9296-96http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10641516/artigo-5-da-constituição-federal-de-1988http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10730704/inciso-x-do-artigo-5-da-constituição-federal-de-1988http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/188546065/constituição-federal-constituição-da-republica-federativa-do-brasil-1988http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/188546065/constituição-federal-constituição-da-republica-federativa-do-brasil-1988http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/103340/lei-geral-de-telecomunicações-lei-9472-97http://www.jusbrasil.com.br/topicos/11284316/artigo-7-da-lei-n-9472-de-16-de-julho-de-1997http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/117197216/lei-12965-14
12
A terceira exceção, ainda mais relevante para a prática policial, firmada
pelo STJ, no RESP 1.661.378/2017, é a proporcionalidade do acesso ao
smartphone do suspeito em caso de flagrância delitiva de crimes graves em
situações emergenciais:
(...)
1. É inequivocamente nula a obtenção de dados existentes em aparelhos de
telefonia celular ou em outros meios de armazenamento de dados, sem
autorização judicial, ressalvada, apenas, excepcionalmente, a colheita da
prova através do acesso imediato aos dados do aparelho celular, nos
casos em que a demora na obtenção de um mandado judicial puder
trazer prejuízos concretos à investigação ou especialmente à vítima do
delito (STJ RESP 1.661.378/2017).
(...)
Deste modo, cristalina a lição do STJ no sentido de que, a percepção
desse risco de perecimento do elemento informativo a ser confeccionado e da
relevância dos objetivos da abordagem, podem legitimar a vistoria direta pela
Polícia Judiciária e desacompanhada de ordem judicial aos dados contidos em
aparelho celular em situações excepcionais, tais como em casos de extorsão
mediante sequestro, tráfico de grande volume de drogas, e outros.
Consoante disposto por João Biffe Junior e Joaquim Leitão Junior:
Em situações excepcionais, nas quais as peculiaridades do caso concreto
demonstrem, de forma inequívoca, a urgência na obtenção das
informações e/ou o risco concreto de perecimento dessas,justificada a
excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e
penal do agente ou autoridade policial, poderão os policiais proceder ao
acesso dos arquivos e registros existentes no referido aparelho,
inclusive com a consulta a aplicativos de comunicação, vez que a
expectativa de privacidade não pode servir para amparar crimes que estão em
13
plena consumação (ex.: extorsão mediante sequestro e tráfico de drogas) e
tampouco ser utilizada para salvaguardar associações e organizações criminosas,
legitimando a impunidade. 3 (grifei)
No caso “R. VS Fearon”, a Suprema Corte do Canadá considerou o, em
acirrada votação, 4 votos a 3, pela legitimidade do acesso pela polícia, quando
de prisão em flagrante delito, aos dados armazenados em aparelho celular,
dispensada prévia autorização judicial, por força da urgência que recobre a
diligência. O caso foi citado pela Excelentíssima Ministra Maria Thereza de Assis
Moura, no voto proferido no julgamento do Recurso em Habeas Corpus n.º
51.531, do Estado de Rondônia, onde se enfatizou a necessidade da presença
do fator urgência para a realização da diligência.
Naquela oportunidade, a Corte reputou admissível o acesso excepcional
aos dados do aparelho celular quando houvesse um “elemento de urgência”,
ínsito à própria prisão em flagrante, a fim de garantir os objetivos da
persecução penal, auxiliando as autoridades policiais na identificação e
mitigação de riscos à segurança pública. A Corte canadense estabeleceu quatro
critérios de legitimidade da medida: (a) a licitude da prisão; (b) o acesso
imediato aos dados do aparelho celular, para garantir que este se deu no
propósito de proteger as autoridades policiais, o suspeito ou o público,
preservar elementos de prova e, se a investigação puder ser impedida ou
prejudicada significativamente, descobrir novas provas; (c) a restrição do
acesso apenas a correspondências eletrônicas, textos, fotos e chamadas
recentes; e (d) a documentação detalhada dos dados examinados e de como
se deu esse exame, com a indicação dos aplicativos verificados, do propósito,
da extensão e do tempo do acesso. O último requisito auxilia na posterior
revisão judicial e permite aos policiais agir em estrito cumprimento às demais
condições expostas.2 (grifei)
https://sei.go.gov.br/sei/controlador.php?acao=documento_visualizar&acao_origem=procedimento_visualizar&id_documento=8417992&arvore=1&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=6652&infra_hash=083c57063955373ca9f86a7a06347ad6d16849ca7329d3420afef62e5d61b9c1#sdfootnote11symhttps://sei.go.gov.br/sei/controlador.php?acao=documento_visualizar&acao_origem=procedimento_visualizar&id_documento=8417992&arvore=1&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=6652&infra_hash=083c57063955373ca9f86a7a06347ad6d16849ca7329d3420afef62e5d61b9c1#sdfootnote12sym
14
Nessa toada, fica claro que o acesso direto ao conteúdo guardado nos
aparelhos celulares pela Polícia Judiciária, independente de autorização
judicial, é legítimo quando presente a urgência da diligência, a qual se detecta,
em especial, em situações de flagrante delito de crimes graves. Isto porque,
consoante já explanado, a verificação pode auxiliar na identificação e na
redução dos riscos à segurança e à ordem públicas, na localização de vítimas e
de produtos de crime, na prisão de coautores do delito, na preservação de
vestígios, na prevenção da evasão de suspeitos e na conclusão eficaz da
apuração criminal. Além disso, a obtenção imediata permite a conservação dos
elementos informativos, impedindo a exclusão remota dos dados.
No concernente à atuação prática do Delegado de Polícia, quando da
apreensão de aparelhos celulares, merecem registro as propostas formuladas
por João Biffe Junior e Joaquim Leitão Junior3, recomendando-se a instituição
desta rotina:
3.1. Da apreensão em virtude de prisão em flagrante delito
Com a apreensão do aparelho de telefonia celular em virtude da prisão em flagrante, deverá a autoridade policial:
a) determinar que o agente responsável pela apreensão certifique o horário em que esta ocorreu;
b) em seguida, o aparelho deverá ser colocado em “modo avião” e desabilitada a
função Wi-Fi, evitando a intercepção do fluxo da comunicação (recebimento de
novas mensagens) quando o objeto já estava em poder do Estado;
c) deverá a autoridade policial ou policial responsável pela operação realizar um
despacho escrito, justificando a necessidade de afastamento da expectativa de
privacidade do possuidor do aparelho em virtude das peculiaridades do caso
concreto, demonstrando, de forma inequívoca, a urgência na obtenção das
informações e/ou o risco concreto de perecimento destas;
d) havendo necessidade de acesso a mensagens posteriores à apreensão,
enviadas, mas não recebidas pelo destinatário, deverá a autoridade policial ou o
membro do Ministério Público representar/requerer à autoridade judiciária que
permita a interceptação do fluxo de dados. Com o deferimento do pedido, o
aparelho poderá ter sua funcionalidade restabelecida (desligando-se a função air
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plane mode), reconectando-o à rede mundial de computadores, com a interceptação de toda a comunicação realizada por meio dos aplicativos e SMS;
e) caso o aparelho se encontre bloqueado com senha, sendo, portanto,
necessária realização de perícia para degravação dos dados registrados,
recomenda-se a obtenção de autorização judicial, evitando qualquer alegação de nulidade por interceptação de comunicações em tempo real;
f) por fim, se a busca exploratória for autorizada pelo usuário do celular
(proprietário ou possuidor), recomenda-se que seja colhido termo de anuência,
tomando-se as cautelas de colocar o aparelho em modo de voo e desligar a conexão Wi-Fi, evitando qualquer alegação de interceptação em tempo real.
3.2. Da apreensão em virtude de cumprimento de mandado de busca e apreensão
Com a apreensão do aparelho de telefonia celular em virtude do cumprimento de
mandado de busca e apreensão, deverá a autoridade policial ou membro do
Ministério Público tomar as seguintes cautelas:
a) a representação policial ou manifestação ministerial deverá conter a
autorização para apreensão de equipamentos eletrônicos (computadores,
tablets, aparelhos de telefonia celular, HD e mídias diversas) e acesso ao conteúdo neles armazenados;
b) além disso, deverá conter expressamente na representação ou manifestação
ministerial o pedido para interceptação do fluxo da comunicação de dados
transmitidos pelos equipamentos apreendidos, possibilitando que, após a
apreensão, as mensagens recebidas via aplicativos ou por meio de SMS sejam lícitas e possam ser utilizadas em juízo.3
Henrique Hoffmann1, com a clareza de sempre, corrobora o
entendimento acima e deixa claro que "Apenas excepcionalmente, em
situações urgentes nas quais a obtenção de um mandado judicial possa trazer
prejuízos concretos à investigação ou especialmente à vítima do delito (ex:
sequestro), pode a Polícia Judiciária obter diretamente os dados".
A quarta hipótese que dispensa a ordem judicial é o acesso aos dados
telemáticos de telefone de pessoa morta, desde que haja autorização do
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familiar responsável, na esteira da jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO E PORTE
ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ART.
41, DO CPP. INOBSERVÂNCIA. DADOS E DE CONVERSAS REGISTRADAS NO
WHATSAPP. EXTRAÇÃO SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO.
(...)
2. Não há ilegalidade na perícia de aparelho de telefonia celular pela
polícia na hipótese em que seu proprietário – a vítima – foi morto, tendo
o referido telefone sido entregue à autoridade policial por sua esposa,
interessada no esclarecimento dos fatos que o detinha, pois não havia
mais sigilo algum a proteger do titular daquele direito (RHCNº 86.076/MT/2017). (grifei)
(...)
Deste modo, inexorável a conclusão de que o familiar responsável pelo
aparelho telefônico de pessoa falecida tem legitimidade para autorizar o acesso
policial à quaisquer informações que constem no telefone, inclusive dados
telemáticos de aplicativos telefônicos acessados pela internet.
A quinta e última exceção, nos termos do Parecer nº 201600007003083
desta Assessoria Técnico-Policial lavrado pela Excelentíssima Doutora Fabine
Drews Alvim, fica por conta das hipóteses em que houver a autorização,
expressa e inequívoca, do usuário do aparelho celular para o acesso aos dados
pela Polícia Judiciária, o que, por óbvio, afasta a necessidade da ordem
judicial:
(...)
Em que pese a garantia à inviolabilidade da vida privada e da intimidade, por ser
direito da personalidade, seja indisponível e irrenunciável, uma vez que
relacionada ao princípio da dignidade da pessoa humana, o seu titular, em razão
http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10676044/artigo-41-do-decreto-lei-n-3689-de-03-de-outubro-de-1941http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1028351/código-processo-penal-decreto-lei-3689-41
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da capacidade de autodeterminação, pode optar por de parcela do exercício dela
dispor. Relembre-se que se trata de direito da personalidade, e não de dever da
personalidade, de modo que o exercício pleno ou limitado da prerrogativa se dá
em consonância com a convicção do titular. O vínculo existente entre privacidade
e liberdade revela que a proteção à intimidade e à vida privada se dá como
pressuposto ao exercício da liberdade de consciência, de crença e de expressão,
em resguardo a influências alheias que ameacem ou perturbem o livre
desenvolvimento da personalidade, de modo que não obstada a exposição a critério do próprio titular.
Nesse aspecto, a autorização de acesso, expressa e inequívoca, firmada
pelo titular, em termo próprio, na presença de duas testemunhas, em
que esclarecida a sua abrangência e a sua finalidade, dispensa, em qualquer caso, a autorização judicial. (grifei)
(...)
Ademais, o entendimento sufragado acima é corroborado por João Biffe
Junior e Joaquim Leitão Junior4:
(...)
3.1. Da apreensão em virtude de prisão em flagrante delito
Com a apreensão do aparelho de telefonia celular em virtude da prisão em
flagrante, deverá a autoridade policial:
(...)
f) por fim, se a busca exploratória for autorizada pelo usuário do celular
(proprietário ou possuidor), recomenda-se que seja colhido termo de
anuência, tomando-se as cautelas de colocar o aparelho em modo de
voo e desligar a conexão Wi-Fi, evitando qualquer alegação de
interceptação em tempo real. (grifei)
Na mesma esteira, Henrique Hoffmann2, conclui que "Obviamente,
quando o proprietário autorizar o acesso às informações, pode ser feito pela
Polícia Judiciária.
Superada a celeuma acerca do acesso policial ao conteúdo telemático do
aparelho telefônico do apreendido, seja durante a abordagem de suspeitos, na
unidade policial ao final da diligência ou na realização de exames periciais,
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recentemente, outro tema, que guarda extrema pertinência, tornou-se
destaque no mundo jurídico, qual seja a legalidade do espelhamento do
aplicativo whatsapp do suspeito.
O debate fulcral ocorreu no julgamento do HC 454.228/2018 realizado
pelo Superior Tribunal de Justiça e o colendo tribunal firmou relevante e
acertado paradigma no sentido da ilegalidade de eventual autorização judicial
para que investigadores realizem o espelhamento do aplicativo whatsappdo
suspeito.
A diligência, muito conhecida no mundo policial, é realizada, em regra,
através da leitura instantânea em um computador, do Código QR (Quick
Response) do aplicativo whatsapp instalado no smartphone do suspeito,
visando o monitoramento policial em tempo real das conversas do suspeito, o
que passa a ser feito através do site whatsapp web. O espelhamento
costumeiramente ocorre em uma rápida apreensão ou contato policial com o
aparelho, sem que o alvo da diligência perceba que teve seu aplicativo
“clonado”, o que é condição de sucesso da empreitada.
O STJ negou a analogia pretendida pelo juiz de primeira instância,
alegando especialmente que a lesão à intimidade é muito mais exacerbada,
abrange inúmeros usuários e viabiliza acesso de informações anteriores ao
decreto autorizador, razão pela qual se trata de procedimento ilegal:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL.
TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO. AUTORIZAÇÃO
JUDICIAL DE ESPELHAMENTO, VIA WHATSAPP WEB, DAS CONVERSAS
REALIZADAS PELO INVESTIGADO COM TERCEIROS. ANALOGIA COM O
INSTITUTO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. IMPOSSIBILIDADE.
PRESENÇA DE DISPARIDADES RELEVANTES.
ILEGALIDADE DA MEDIDA. RECONHECIMENTO DA NULIDADE DA
DECISÃO JUDICIAL E DOS ATOS E PROVAS DEPENDENTES.
PRESENÇA DE OUTRAS ILEGALIDADES. LIMITAÇÃO AO DIREITO DE
PRIVACIDADE DETERMINADA SEM INDÍCIOS RAZOÁVEIS DE AUTORIA E
MATERIALIDADE. DETERMINAÇÃO ANTERIOR DE ARQUIVAMENTO DO
INQUÉRITO POLICIAL. FIXAÇÃO DIRETA DE PRAZO DE 60 (SESSENTA)
19
DIAS, COM PRORROGAÇÃO POR IGUAL PERÍODO. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO PROVIDO. (STJ; HC 454.228; Proc.
2018/0141168-0; SC; Relª Minª Laurita Vaz; Julg. 09/10/2018; DJE 19/10/2018; Pág. 5427)
Definitivamente, o espelhamento de aplicativos guarda muito mais
proximidade com a atividade de um detetive particular que atua na surdina e
não se coaduna com uma constitucional e legal investigação policial,
especialmente porque não se vislumbra proporcionalidade entre o grau de
lesão ao bem jurídico intimidade e os benefícios que podem ser gerados pela
diligência, os quais podem ser obtidos através de inúmeras outras atividades
de inteligência policial, razão pela qual por mais que a medida seja adequada,
ela não é necessária5.
Pelos fatos e argumentos supracitados, constata-se que, no atual
panorama legal e jurisprudencial brasileiro, em regra, exige-se ordem judicial
para o acesso aos aplicativos telemáticos por parte da Autoridade Policial,
feitas as cinco ressalvas excepcionais elencadas acima, hipóteses em que o
Delegado de Polícia tem legítimo, legal e constitucional acesso à quaisquer
informações, inclusive telemáticas, que estejam no aparelho telefônico do
suspeito.
Visando a melhor inteligibilidade do leitor repise-se referidas hipóteses:
1) Acesso a mensagens de texto, chamadas efetuadas e recebidas e outros
dados que não envolvam acesso telemático;
2) Acesso aos dados telemáticos de telefone localizado em cumprimento de
mandado de busca e apreensão;
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3) Acesso aos dados telemáticos em abordagens flagranciais emergenciais, em
que a demora pode causar transtornos investigativos irreparáveis,
especialmente à integridade da vítima ou ao sucesso da diligência;
4) Acesso aos dados telemáticos de telefone de pessoa morta, desde que haja
autorização do familiar responsável;
5) Acesso aos dados telemáticos autorizado pelo proprietário do telefone.
Feita a reprise, nos cumpre refletir ainda acercadas garantias
constitucionais que sempre estarão em rota de colisão, quando da investigação
policial. Ora, é preciso garantir os direitos do investigado, mas, devemos
enxergar também os direitos da coletividade. Havendo um conflito de
garantias, devemos só pesar levando sempre em consideração os princípios da
proporcionalidade e da supremacia do interesse público. Deste modo, não há
outro caminho senão o da mitigação das garantias individuais, fazendo
prevalecer o interesse da coletividade.
Enfim, fora as exceções acima explicitadas e não se tratando de acesso a
fluxo de informações em tempo real, este protegido pelo artigo 5º, XII, da CF
e pela Lei 9.296/96, que versa sobre as interceptações das comunicações
telefônicas e telemáticas, não há falar em impedimento legal ao acesso policial
às informações já materializadas no dispositivo móvel, o que se assemelha a
uma mera anotação feita em uma simples agenda.
Por fim, deixamos uma simples pergunta e reflexão: Em uma abordagem
policial onde foram achados com um determinado investigado 5kg de cocaína,
bem como um caderno contendo informações financeiras e de fornecedores da
droga, poderia ou não, o policial ter acesso a esse conteúdo? Qual a diferença
deste conteúdo se encontra materializado em uma agenda ou em um
dispositivo móvel?
21
Referências
1 STF HC 70814-5/SP.
2 HOFFMANN, Henrique. Delegado de polícia pode acessar dados sem
autorização judicial. Disponível em https://www.conjur.com.br/2017-jun-
13/academia-policia-delegado-policia-acessar-dados-autorizacao-judicial.
Acesso em
em 11 de março de 2016, às 10h30min.
3 BIFFE JUNIOR, João; LEITÃO JUNIOR, Joaquim. O acesso pela polícia a
conversas gravadas no Whatsapp e as gerações probatórias decorrentes das
limitações à atuação estatal. Disponível em
http://genjuridico.com.br/2016/08/12/o-acesso-pela-policia-a-conversas-
gravadas-no-whatsapp-e-as-geracoes-probatorias-decorrentes-das-limitacoes-
a-atuacao-estatal/. Acesso em 11 de março de 2016, às 11h50min.
4 BIFFE JUNIOR, João; LEITÃO JUNIOR, Joaquim. Conotações práticas acerca
do acesso pela polícia a conversas gravadas no Whatsapp. Disponível em
http://genjuridico.com.br/2016/09/16/conotacoes-praticas-acerca-do-acesso-
pela-policia-a-conversas-gravadas-no-whatsapp/. Acesso em 11 de março de
2016, às 12h50min.
5 Alexy Robert. Teoria dos Direitos e Garantias Fundamentais, Malheiros,
2006, pg. 116 a 120.
https://sei.go.gov.br/sei/controlador.php?acao=documento_visualizar&acao_origem=procedimento_visualizar&id_documento=8417992&arvore=1&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=6652&infra_hash=083c57063955373ca9f86a7a06347ad6d16849ca7329d3420afef62e5d61b9c1#sdfootnote11anchttps://sei.go.gov.br/sei/controlador.php?acao=documento_visualizar&acao_origem=procedimento_visualizar&id_documento=8417992&arvore=1&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=6652&infra_hash=083c57063955373ca9f86a7a06347ad6d16849ca7329d3420afef62e5d61b9c1#sdfootnote11anchttps://sei.go.gov.br/sei/controlador.php?acao=documento_visualizar&acao_origem=procedimento_visualizar&id_documento=8417992&arvore=1&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=6652&infra_hash=083c57063955373ca9f86a7a06347ad6d16849ca7329d3420afef62e5d61b9c1#sdfootnote11anchttp://genjuridico.com.br/2016/08/12/o-acesso-pela-policia-a-conversas-gravadas-no-whatsapp-e-as-geracoes-probatorias-decorrentes-das-limitacoes-a-atuacao-estatal/http://genjuridico.com.br/2016/08/12/o-acesso-pela-policia-a-conversas-gravadas-no-whatsapp-e-as-geracoes-probatorias-decorrentes-das-limitacoes-a-atuacao-estatal/http://genjuridico.com.br/2016/08/12/o-acesso-pela-policia-a-conversas-gravadas-no-whatsapp-e-as-geracoes-probatorias-decorrentes-das-limitacoes-a-atuacao-estatal/https://sei.go.gov.br/sei/controlador.php?acao=documento_visualizar&acao_origem=procedimento_visualizar&id_documento=8417992&arvore=1&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=6652&infra_hash=083c57063955373ca9f86a7a06347ad6d16849ca7329d3420afef62e5d61b9c1#sdfootnote11anchttps://sei.go.gov.br/sei/controlador.php?acao=documento_visualizar&acao_origem=procedimento_visualizar&id_documento=8417992&arvore=1&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=6652&infra_hash=083c57063955373ca9f86a7a06347ad6d16849ca7329d3420afef62e5d61b9c1#sdfootnote11ancTop Related