CURSO: DIREITO
DISCIPLINA: HISTÓRIA DO DIREITO
PROFª. DRª. LUCIENE DAL RI
APOSTILA DE HISTÓRIA DO DIREITO
PARTE I – DIREITO ROMANO
AVISO
O texto que segue é de cunho DIDÁTICO, sendo instrumento de apoio ao conteúdo e às
atividades realizadas em sala de aula. Em paralelo a este material didático, o aluno deve ler os
seguintes textos, disponibilizados na pasta de História do Direito:
- LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na história. São Paulo: Atlas, 2008, p.
28-47;
- JUSTINIANO I, Imperador do Oriente. Digesto de Justiniano, liber primus:
introdução ao direito romano. 3. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1999, p. 23-
43; e p. 57-65.
Proposta de diversão:
- Filmes: O gladiador, Ben-hur, Spartacus, A legião perdida, Alexandria.
- Série de TV: Roma.
- Livros: Júlio César (Shakespeare); Médico de Almas (Taylor Caldwell).
Introdução
O sistema jurídico romano é a origem dos sistemas jurídicos que fazem parte da família
de sistemas civil-romanísticos (ou Civil Law). O direito romano tornou-se referência na história
devido a sua forte estrutura lógica e à constante aderência à realidade social.
Reconstruir a complexidade do sistema jurídico romano não é algo fácil, porque ele não
pode ser resumido à apenas uma realidade jurídica devido ao longo período de existência de
Roma como reino, república e império.
Cabe esclarecer que estudaremos nesta apostila de direito romano a história do direito
romano referente ao Império Romano do Ocidente (753 a.C. à 476 d.C.). A história do direito do
Império Romano do Oriente será abordada apenas no que se refere ao Imperador Justiniano e ao
Corpus Iuris Civilis.
O direito é chamado pelos romanos de ius, com a especialização do sistema o ius foi
classificado como ius publicum (direito público) e o ius privatum (direito privado). O nome ius é
derivado da palavra iustitia (justiça: arte do bom e do equo) e gera outras palavras como
iurisprudentes e iurisconsultus (juristas), iurisprudentia (atividade dos juristas, pareceres,
doutrina).
ORIGEM E FORMAÇÃO DE ROMA
Roma é originária de diferentes populações. As fontes literárias atestam que Roma foi
composta inicialmente por população proveniente do Latio (cidades sabinas e albanas). A
doutrina afirma que ela também foi composta por população proveniente da Etrúria.
A origem latina de Roma é evidenciada pelos laços étnicos-culturais que a cidade
mantinha com as demais cidades daquela região. A presença etrusca é evidenciada na forma de
organização política e territorial da cidade, bem como em alguns de seus ritos.
A miscigenação das populações resultou numa cidade cultural e politicamente aberta às
pessoas vindas de outras comunidades: ver lenda do asilo do Capitólio.
As cidades do Latio tinham uma comunidade cultural que permitia o deslocamento dos
seus membros com a inclusão sócio-política através do domicílio. A primeira forma de cidadania
romana baseava-se no domicílio e na submissão da pessoa às normas romanas. O ponto de união
não era a raça, mas a cultura.
Os latinos cultuavam os mesmos deuses, realizavam os mesmos rituais, falavam o mesmo
idioma (latim). Cabe evidenciar que idioma e religião são elementos culturais muito fortes e que
proporcionam a coesão social.
Júpiter era a divindade central, garantidora da ordem e da justiça, cultuada em todo o
Latio. A religião e a atividade sacerdotal tinham um forte papel jurídico, político e social. A
classe sacerdotal era composta principalmente por homens alfabetizados e que desempenhavam o
papel de primeiros juristas. Colégio das vestais: mulheres virgens escolhidas em tenra idade nas
famílias aristocráticas e instruídas para a atividade sacerdotal desde a infância.
A LENDA DA ORIGEM DE ROMA
A antropologia ensina que todo o mito contém um núcleo de “verdade”, ou seja, contém
uma mensagem a ser repassada ao ouvinte. Os mitos romanos refletem a cultura e a concepção
que os romanos tinham de si próprios e de sua história. Tratar da história do direito romano
implica colocar a visão dos romanos como ponto central. Para entendermos os romanos, temos
que ver o mundo por meio da cultura romana.
Repasso aqui alguns pontos do mito da fundação de Roma:
Alba Lunga: Numitore deposto por Amúlio;
Rea Sílvia e Marte: nascimento de Rômulo e Remo;
Exposição dos gêmeos no Rio Tibre: o mito da loba;
Fundação de Roma: morte de Remo;
A importância das mulheres: o “Rapto das sabinas”.
DIVISÃO POLÍTICO-TEMPORAL
Para melhor compreendermos o desenvolvimento da história de Roma e do Direito
romano, cabe evidenciar que o direito romano passou por modificações e adaptações no tempo.
Indico aqui três grandes divisões político-temporais que influenciaram o direito romano.
1) Reino: 753 ao 509 a.C.
2) República: 509 ao 27 a.C.
3) Império: 27 a.C. ao 476 d.C.
- Principado: 27 a.C. ao 285 d.C.
- Dominatio (monarquia absoluta): 285 d.C. ao 476 d.C.(queda do Império romano
do ocidente).
REINO
Varro (Varrão: gramático e historiador romano, viveu durante os séculos II e I a.C.)
atribui a fundação de Roma ao que seria equivalente no calendário cristão ao ano 753 a.C.
Roma foi fundada no Latio, região da península itálica, conforme mapa da ocupação da
península itálica durante o VIII a.C. (abaixo).
A cidade de Roma é fundada de acordo com a vontade dos deuses (arte augural: colher e
interpretar os sinais por meio dos quais se manifestava a vontade divina, religião não revelada) e
por isso ocorreu dentro da concepção de Espaço (Palatino) e Tempo (753 a.C.), seguindo o ritual
etrusco de fundação da cidade: Mundus e Pomerium.
Roma é uma urbs: cidade do ponto de vista físico (casas, templos, ruas, basílicas, praças)
Roma é uma civitas: cidade com cultura própria, autônoma jurídica e politicamente.
Muitas são as dificuldades de conhecimento relativas à origem de Roma:
– Poucas fontes epigráficas (pedras, metais ou construções com escrita proveniente
daquele período);
– As fontes arqueológicas confirmam os principais dados da história contada pelos
romanos;
– Poucas fontes literárias que tratem do período mais antigo (séc. VIII-V a.C.).
CARACTERÍSTICAS AS SOCIEDADE ROMANA DO VIII-VI A.C.
- família: base da sociedade;
- conjunto de famílias: normas de origem privada entre famílias;
- sociedade agrária e pastorícia;
- pouco comércio;
- poucos escravos;
- força de trabalho constituída em maioria por pessoas livres;
- terras públicas com posse cedida aos patrícios em base à capacidade de cultivo;
- direito baseado nos costumes, impostos pelas classes;
- dentro da cidade é proibido o uso e porte de armas, espaço urbano da cidade como
lugar de convivência pacífica e organizada.
- cidade dividida em três tribos: Ramnes, Tities e Luceres
PESSOA No direito romano todo o ser humano é pessoa, ou seja, o escravo, a mulher, a criança, o
estrangeiro e o cidadão. Todos têm um papel jurídico na sociedade. A origem da palavra pessoa,
remonta à máscara de teatro grego e transmite a concepção de “papel do ser humano no teatro do
direito”.
No âmbito jurídico, a palavra pessoa implica originalmente a concepção do papel
(máscara) do homem no teatro do direito. O papel do homem no teatro do direito é variável de
acordo com a situação jurídica da pessoa (status personae) e implica o seu enquadramento a
partir de três ângulos diversos: o status libertatis, o status familiae, e o status civitatis.
- Status libertatis (situação jurídica da liberdade):
Dentro deste status o homem pode ser considerado como
- livre:
- ingênuo (nascido livre)
- liberto (nasce escravo, mas torna-se livre).
- escravo (servo).
O escravo é pessoa por ser humano, mas também é entendido como propriedade devido
ao seu status libertatis. O escravo que pertencesse a um romano e obtivesse a manumissão
(alforria), tornava-se não apenas livre, mas também cidadão romano.
- Status familiae:
- Pater familias;
- Filius familiae
- Status civitatis:
O status civitatis implica caracterizar o homem como
- cidadão,
- latino ou
- peregrino/estrangeiro.
Nestas situações, parte-se sempre da concepção de que a pessoa é livre.
O cidadão romano (civis) é entendido como parte do povo romano, unido a seus pares
pelo mesmo ius (direito, organização social), gozando de certos direitos e incumbidos de certos
deveres.
O status de latino apresenta peculiaridades que o colocam de forma intermediária entre o
cidadão e o peregrino, dispondo de prerrogativas não estendidas a todos como a eleição de
homens latinos para reis romanos e a possibilidade de voto nas assembleias romanas, uma vez
fixado o domicílio em Roma. Trata-se quase de uma cidadania romana em potencial suscitando o
debate na doutrina sobre os latinos serem ou não estrangeiros (no sentido de estranhos ou
externos à cultura romana).
O peregrino equivale ao conceito hodierno de estrangeiro, tendo direitos e deveres
reduzidos em relação ao cidadão romano.
A tutela jurídica à pessoa inicia com a concepção. Embora o aborto não fosse proibido
legalmente, era repudiado moralmente pela sociedade. Na Roma antiga já havia a previsão de
alimentos gravídicos (alimentos prestados à criança durante a gravidez para o seu pleno
desenvolvimento), pois reconhecia-se a diferença entre a mãe e o bebê.
DIREITO DE FAMÍLIA
Tratar da origem de Roma é tratar da origem de uma sociedade. A sociedade nasce das
relações entre as pessoas e tem como base a família. Após a consolidação das famílias e de suas
regras em determinado território, tem-se início as relações entre as famílias e consequentemente
as regras sociais (e o direito) entre famílias.
A família pode ser entendida em dois sentidos:
- família sentido estrito (pai, mãe, escravos e bens).
- família sentido amplo: gens (conjunto de famílias em sentido estrito, interligadas
por um ascendente masculino em comum já morto).
Família em sentido estrito é um grupo de pessoas livres submissas à potestas (poder) de
um pai de família (pater familias), ou seja, o ascendente masculino vivo, inclui também a
propriedade. A organização é patriarcal. A família romana em sentido estrito é um evento de
breve duração e existe enquanto viver o pater familias.
Quando morre o pai de família, os seus descendentes diretos (filhos) tornam-se pessoas
com plenas capacidades jurídicas e tornam-se também pater familias. A família em sentido
estrito divide-se em tantas outras famílias, que fazem parte da gens.
Adgnatio: vínculo de parentesco que une os diferentes membros da gens (família em
sentido amplo).
O objetivo da família é a ordem e defesa de seus membros. A família é um organismo
político e é base da organização social. Na Roma antiga as pessoas faziam parte somente da
família paterna – patriarcal.
PATRIA POTESTAS
A patria potestas é o domínio existente por parte do pai de família em relação aos demais
membros da família, poder símile àquele existente sobre as coisas. O pater decide sobre a vida e
a morte dos membros da família, assim como pode impor ou vetar qualquer relação jurídica aos
seus descendentes em âmbito de direito privado (situação aliviada tramite pecúlio). Este poder
inicialmente “absoluto” no âmbito do direito privado, sobre os descendentes sempre foi muito
atenuado pelo costume.
A patria potestas subdividia-se em três distintos poderes:
- poder em relação aos filhos após a legitimatio ou após a adoção,
- manus em relação às mulheres da família,
- dominica potestas em relação aos escravos.
A família romana em sentido estrito encontra na patria potestas (poder do pater familias)
o vínculo entre os seus indivíduos e consequentemente a sua existência. É a potestas que define o
grupo familiar em sentido estrito.
Em direito público o filho de família é cidadão romano, e em razão de sexo e de idade, é
igualado ao pai e pode participar das assembleias e assumir magistraturas.
A potestas do pai de família nega aos seus descendentes toda a capacidade de possuir e
adquirir, igualando de certa forma os filhos aos escravos, na uniforme submissão ao pater
familias. Os descendentes se distinguem dos escravos pela sua condição de homem livre e de
cidadão, tornando transitória a submissão doméstica.
ORGANIZAÇÃO POLÍTICA
Durante o período régio, Roma era administrada por três órgãos políticos:
- rei (rex);
- conselho de nobres - anciãos (senatus);
- assembleia: comício das cúrias (comitia curiata).
A) REX
Monarquia eletiva. Os reis eram escolhidos pelo senado e pela população. Numa Pompílio
foi aclamado rei pelo povo. Ele veio de outra cidade (comunhão cultural, cidadania baseada no
domicílio).
Os sete reis de Roma
- Rômulo (753-716 a.C.);
- Numa Pompílio (716-672 a.C.);
- Tulo Hostílio (672-640 a.C.);
- Anco Marcio (640-616 a.C.);
- Tarquínio Prisco (616-578 a.C.);
- Sérvio Túlio (578-534 a.C.);
- Tarquínio, o Soberbo (534-509 a.C.).
Competências do rei:
- propor leis à assembleia das cúrias ou das centúrias;
- guiar o exército;
- administrar a vida da comunidade;
- mediação entre homens e deuses (sacerdote);
- juiz.
B) SENADO
Senado: grupo de homens descendentes dos fundadores de Roma (patrícios). Senatus –
Senex. Durante a república este grupo será composto também por homens provenientes da plebe.
Competências do senado:
- ratificação das deliberações das assembleias (auctoritas);
- interregnum: quando o rei morre é o senado, através de seus membros, que exerce
as competências régias;
- consilium, conselho do rei.
C) ASSEMBLEIA DAS CÚRIAS
Assembleia das cúrias: mais antiga assembleia do povo, composta por 30 cúrias, divididas
em três tribos (Ramnes, Tities e Luceres/ 10 cúrias por tribo).
Competências da assembleia das cúrias:
- votar as leis propostas pelo rei;
- votar a guerra e a paz
- votar a adrogatio: permissão de adoção de um pater familias por outro (e
consequentemente de toda a família desse).
- aprovar a nomeação do rei;
- conceder ao novo rei o poder supremo (lex curiata de imperio);
Aspecto militar da assembleia das cúrias:
- Cada cúria oferecia uma centúria, ou seja, cem soldados de infantaria e dez
cavaleiros;
- Cada tribo tinha 10 cúrias, ou seja, cada tribo oferecia mil homens e cem cavaleiros;
- Resultado: o exército da cidade era composto por três mil soldados de infantaria e
trezentos cavaleiros.
- Neste período, a população total da cidade era de aproximadamente vinte mil
pessoas (16,5% alistada no exército).
- Honra em defender a cidade, cada um pagava as despesas para se armar.
DINASTIA TARQUÍNIA (616-509), ORIGEM ETRUSCA
A dinastia Tarquínia é composta pelos três últimos reis de Roma.
- Tarquínio Prisco (616-578 a.C.);
- Sérvio Túlio (578-534 a.C.);
- Tarquínio, o Soberbo (534-509 a.C.).
Eles são de cultura etrusca e geram consideráveis mudanças na sociedade romana. O
papel desempenhado pelo rei em sociedade passa a ser envolvido em simbolismo, afastando a
figura régia da população.
Durante a Dinastia Tarquínia, Roma passa por uma forte mudança político-social. O
sistema de produção não se limita mais àquele familiar, para uso doméstico. Reforça-se o
comércio e ocorre o crescimento populacional. O poder dos patrícios diminui e a plebe passa a
querer romper com a hegemonia patrícia e o sistema de clientela (estabelecido entre plebe e
patriciado nas relações de produção).
Principal contribuição da dinastia Tarquínia:
– criação do censo (controle periódico da riqueza da população) e da magistratura do
censor. Sérvio Túlio divide a cidadania romana em base a riqueza: cinco classes votantes
de acordo com a renda; a renda influencia também na organização do exército.
– criação do Comício das centúrias (Sérvio Túlio: 587-534 a.C.)
1. caráter político e militar, que substituiu paulatinamente o comício das cúrias;
2. composição em base à 193 centúrias (organização militar, que passa a ser unidade
votante);
3. estrutura que dava mais poder aos que tinham mais dinheiro, em base ao censo;
4. maior força política para o exército;
- ampliação do número de senadores: de 100 passa a ser 150.
- Senado perde a competência de ser conselho do rei.
- Rei sobrepõe-se fortemente aos demais órgãos de poder.
Se antes as cúrias forneciam centúrias, agora patrícios de um lado (cavalaria) e plebe de
outro (infantaria) vão se organizar em grupos diferentes que representam as centúrias. A
distribuição das unidades votantes não ocorre mais em base à gens e território (cúrias), mas em
base econômica.
Os patrícios enquanto classes censitárias mais altas vão ter maior representatividade.
Roma chega a ter 193 centúrias, mas estas não são chamadas cada ano para a guerra. Apenas 36
centúrias são chamadas por ano, o restante fica na reserva, ou seja, pode vir a ser chamado.
Na assembleia das centúrias, os cidadãos vão armados para comprovar de qual classe
fazem parte e a votação é feita no Campo de Marte, fora do pomerio, ou seja, dos muros da
cidade de Roma.
Competência do comício das centúrias
- eleição do rei
- votação das leis;
- decisão da guerra e da paz;
- processos políticos nos quais se decidia sobre a vida dos cidadãos.
Durante a Dinastia Tarquínia (etrusca) ocorrem as condições que levam à formação do
sistema republicano, devido ao distanciamento do rei em relação à população e a acentuação da
diferença de tratamento entre pobres e ricos, patrícios e plebeus.
O rei tornou-se um tirano (aquele que governa apenas para si), fato que levou à aprovação
no comício das centúrias da expulsão de Tarquínio, o Soberbo. O rei e a sua família foram
expulsos entre os anos de 510 e 509 a.C.
FONTES DE DIREITO NO PERÍODO DO REINO
O primeiro sistema jurídico romano é o ius quiritium (VIII-V), que regula
prioritariamente as relações entre as famílias, e pouco regula as relações dentro das famílias. O
objetivo do direito era assegurar a pacífica convivência entre as famílias na civitas.
O ius quiritium é baseado nas seguintes fontes:
- lei;
- costumes e mores maiorum;
- foedera (acordos entre os povos);
- jurisprudência pontifical/ interpretatio dos pontífices
Durante o reino desenvolve-se a jurisprudência pontifical: atividade jurídica exclusiva dos
sacerdotes. O colégio que desenvolveu a jurisprudência para o direito interno (civil) foi o colégio
dos pontífices (compilação/guarda do costume e do direito).
O colégio dos pontífices era um colégio sacerdotal considerado o guardião do direito
romano e mantinha o testemunho escrito de leis e costumes romanos. Os sacerdotes em geral são
os primeiros juristas romanos.
Ius civile Papirianum: leis emanadas pelos reis de Roma e compiladas por Sesto Papirio
para os pontífices durante o período real. A sistemática/organização na compilação das normas
era desenvolvida pelos sacerdotes romanos desde Numa Pompílio e reflete-se na Lei das XII
Tábuas em base ao objeto a ser tutelado.
DIREITO PENAL ROMANO ARCAICO
A relação entre direito e religião expande-se por todos os aspectos do sistema jurídico
romano, ao ponto de ser chamado de sistema jurídico-religioso. O direito romano não é laico,
mas permeado de religiosidade. O ius (direito) é baseado principalmente nos costumes, herdados
e construídos, dentro de Roma e nas leges regiae.
O direito penal também era muito influenciado por fatores religiosos. O crime e o delito
eram considerados uma ofensa aos deuses em geral. Os deuses deveriam ser acalmados, por meio
de rituais e sacrifícios, para não se voltarem contra toda a comunidade.
Ao rei cabia estabelecer quais eram os delitos que ofendiam aos deuses e como acalmar a
ira divina. Geralmente o rei aplicava normas jurídico-religiosas consuetudinárias, limitando-se a
interpretá-las ou especificá-las, mas ele também podia propor leis em assembleia (leis régias/ leis
do período real). As leis régias não nos chegaram integralmente, mas apenas através de citações
dos analistas, historiadores e eruditos romanos que viveram séculos mais tarde.
Cito como exemplo algumas leis régias do período de Rômulo:
-o patrono e o cliente não podiam violar os seus deveres recíprocos, pois se os
violassem seriam consagrados à deusa Dite e poderiam ser mortos por qualquer um;
-a mulher grávida condenada à morte, seria executada apenas após o parto;
-o marido não podia vender a mulher, sob pena de ser oferecido aos deuses.
O sistema criminal no período arcaico é objetivo, não interessando, portanto, a intenção
do autor, mas apenas o ato cometido. O direito romano classifica como crime aquele de natureza
pública, enquanto o delito é classificado como de natureza privada. Do período régio,
conhecemos apenas dois crimes (natureza pública): o perduellium e o parricidium.
- O perduellium é a alta traição à cidade. Nesta definição eram enquadrados
essencialmente: a relutância ao serviço militar, a deserção (militar), a passagem ao
grupo inimigo em tempo de guerra ou qualquer tipo de atentado à ordem política
constituída.
- O parricidium ainda não é um crime bem delineado pelos estudiosos em direito
romano. As hipóteses mais prováveis estão no homicídio do próprio pai (pater), de
um pater familias (pai de família) qualquer; ou de um senador (também chamado de
pater). A pena prevista para o parricidium era colocar o condenado amarrado dentro
de um saco com um animal (um galo ou uma serpente) e o lançar em água corrente
(Rio Tibre).
Os crimes romanos, por serem de caráter público, eram considerados também uma ofensa
aos deuses. Nesse caso, se o crime não fosse expiado por meio de rituais e sacrifícios, os deuses
se vingariam do autor do crime e de toda a comunidade. Por isso a sanção proposta ao crime não
é apenas uma sanção jurídica, mas é também uma sanção religiosa.
A concepção jurídico-religiosa era a seguinte: “tu deves te comportar de determinada
maneira, porque os deuses querem que seja assim. Se tu não te comportares assim os deuses se
vingaram de ti e de todos nós (membros do grupo)”. O “nós” implica em responsabilidade
coletiva que obriga a família, gens e toda a comunidade a intervir, aplicando a responsabilidade
individual, e punir o transgressor para que a punição ou vingança dos deuses não recaia sobre
todo o grupo.
REPÚBLICA: 509 – 27 a.C.
Em 509 ocorre a expulsão da dinastia Tarquínia e a formação da República em Roma.
Com a República modifica-se a forma de governo em Roma, deixando de lado os reis e
instituindo dois cônsules (magistrados = ocupantes de cargos públicos), eleitos anualmente, que
passam a governar a cidade.
Durante a República ocorre uma forte expansão romana (zona de dominação ou
influência) por meio de guerras e conquistas. Roma não impunha o seu direito, permitindo que as
comunidades anexadas e aliadas continuassem a viver de acordo com o próprio direito.
CONSULADO
A República é o contrário da realeza, porque dispõe de dois magistrados (cônsules) eleitos
anualmente que governam a cidade em colegiado, um limitando o poder do outro, visando evitar
a tirania. Os magistrados maiores (cônsul, pretor e censor) eram eleitos por meio de lei no
comício das centúrias e eram os únicos que podiam convocá-lo.
Os cônsules não respondiam pelos seus atos durante o período do cargo e tinham como
poderes: imperium e potestas.
Imperium: poder de exigir de cada cidadão a obediência, a supremacia que encontra o seu limite
apenas nos direitos essenciais do cidadão ou nas garantias dadas pela lei. Implica:
-coercitio: faculdade de prender e de punir o cidadão culpado;
-iurisdictio: administrar a justiça nas questões privadas.
-imperium militiae: comando do exército;
-imperium domi: poder de polícia no território da cidade;
-ius agendi cum populo et cum patribus: poder de convocar reuniões dos comícios e do
senado.
POTESTAS
Potestas: faculdade de expressar com a própria vontade aquela da comunidade, criando
direitos e obrigações (origem no poder do pater familias).
Os dois cônsules tinham poderes iguais e podiam exercitá-los salvo voto do outro. Na
prática, porém, eles acabaram dividindo as competências, cada um mantinha atividades diferentes
em base a um acordo.
O consulado é em origem reservado apenas aos patrícios, mas em 367 a.C. houve uma
grande revolta por parte da plebe, que conseguiu a sua participação na magistratura. Observou-se
então que a partir dessa data os plebeus e patrícios passaram a ocupar o consulado, cada grupo
representado por um cônsul.
SECESSÃO DA PLEBE
Em 494-3 a.C. houve a primeira secessão da plebe, que retira-se da cidade e se estabelece
no Monte Sacro. Roma estava em meio à guerra latina (guerra de sobreposição dos romanos
sobre as demais cidades do Latio) e os patrícios tinham medo de perder a guerra, então foram
procurar pelos plebeus. Estabeleceram um acordo em que a plebe teria:
- um concilium plebis (assembleia composta apenas por membros da plebe, sem a
presença de patrícios);
- dois tribunos da plebe (eleitos na assembleia da plebe);
- plebiscitos (plebis scitum), ou seja, deliberações de normas válidas apenas para a plebe.
Em 287 a.C. através da Lex Hortensia o plebiscito (deliberação da plebe) passou a valer
para todo o povo romano.
TRIBUNO DA PLEBE
O tribuno da plebe não é um magistrado, por não desempenhar um cargo público (para
todo o povo). O tribuno desenvolve um cargo relativo apenas à plebe e pode ser entendido como
um representante da plebe junto às assembleias públicas, ao senado e aos cônsules.
Os poderes do tribuno da plebe são:
- Ius agendi cum plebe: convocação da assembleia da plebe;
- Ius coercitionis: poder exercitável diante de todos os cidadãos, consiste no poder de:
- multar;
- prender revoltosos;
- conduzir coativamente imputados de reatos de caráter político diante dos tribunais
populares;
- matar sem o devido processo legal os inimigos do povo.
- direito de veto diante das propostas dos magistrados que fossem contrárias ao interesse
do povo. Os tribunos tornaram-se órgão de proteção dos interesses plebeus contra os
abusos dos magistrados. Neste sentido, podemos dizer que ele tem um poder negativo,
de veto/proibição.
Os tribunos eram eleitos na assembleia da plebe e nessa era votada também os plebiscitos.
Os magistrados eram eleitos no comício das centúrias.
Dictator, o ditador era um cargo de magistratura extraordinária, ou seja, não de uso
frequente que durava até seis meses em caso de guerra. Nesta situação, havia a suspensão das
magistraturas ordinárias e concentração de todos os poderes nas mãos do ditador, dando maior
rapidez e autoridade às decisões. O objetivo da ditadura é a sobrevivência de Roma nos
momentos de crise.
LEI DAS XII TÁBUAS
Após a queda da monarquia, Roma passou por um período de instabilidade política e
jurídica. Havia a necessidade de consolidar a república e buscava-se segurança jurídica, as
normas emanadas durante a monarquia estavam em decadência e não supriam mais as
necessidades sociais. A plebe queria novas normas e mais direitos, como por exemplo, a
permissão de casamento entre patrícios e plebeus.
Por conta de tal fato, em 451 a.C. as magistraturas foram suspensas e o poder foi
conferido a dois colégios sucessivos de dez homens (decemviros) para organizarem o direito,
escrevendo as normas públicas e privadas que regiam a sociedade romana. Esses homens eram os
decemviros e receberam a função de governar Roma com poderes plenos (como ditadores)
durante um ano, enquanto redigiam as leis.
Por conta de tais fatos, em 451 a.C. os decemviros publicaram X tábuas com dispositivos
normativos que regulavam a vida social. As X tábuas, porém, não abarcavam ainda a totalidade
das normas necessárias para a convivência social, deixando a positivação do direito de forma
lacunosa. Por essa lacunosidade resolve-se manter o colégio dos decemviros mais um ano com o
objetivo de colocar por escrito mais normas. Fez-se assim em 450 a.C. duas novas tábuas,
resultando na Lei das XII tábuas.
A Lei das XII tábuas foi colocada por escrito em tábuas de bronze e expostas em praça
pública, no foro romano, para que todos tivessem acesso ao texto da lei (desconsiderando o forte
analfabetismo da época). A Lei das XII tábuas trata de temas de direito público e de direito
privado, pouco inovando e pouco atendendo as expectativas da plebe. Conforme os romanos, a
Lei das XII tábuas teria apenas colocado por escrito os costumes da época, consolidando o poder
patrício.
A organização do texto foi feita de acordo com o objeto tutelado, alternando entre temas
públicos e privados.
Mesmo com a publicação da lei das XII tábuas os decemviros queriam ficar no poder de
forma extraordinária, mas graças ao despotismo na pretensão de obtenção de uma jovem romana
como escrava (Virgínia) fez-se uma revolução em Roma, tirando este poder dos decemviros e
recolocando as magistraturas ordinárias (consulado e outros).
A lei das XII tábuas ficou exposta no foro romano até o ano de 390 a.C., ano em que foi
destruída no saque de Roma pelos gálios. Mesmo com a destruição das tábuas, continuou-se a
conhecer o texto da lei pelo arquivamento de cópias junto ao senado e ao colégio dos pontífices e
pelo conhecimento difuso das normas pela população. Cícero afirmou que a lei das XII tábuas era
ensinada às crianças nas escolas, em forma de versos.
É a partir da lei das XII tábuas que se desenvolve fortemente o ius civile, por meio de
debate na jurisprudência pontifical. A jurisprudência sacerdotal já existia antes da Lei das XII
tábuas, mas tornou-se ainda mais evidente e forte após a dita lei.
PRAETOR
Em 367 a.C. cria-se a figura do pretor urbano (praetor), enquanto magistrado.
Inicialmente o cônsul administrava a justiça, mas com as constantes guerras em que Roma se
meteu, os cônsules passaram a estar pouco tempo dentro da cidade e consequentemente tinham
dificuldades em administrá-la. O pretor recebe então a função de administrar a justiça, e na falta
dos cônsules ele administra a cidade.
O pretor é magistrado menor em relação à dos cônsules, possuindo imperium e potestas
“minor”, mas com limite de atuação. Tem iurisdictio e ius agendi cum populo. Por este motivo,
na ausência dos cônsules em Roma cabia ao pretor administrar a cidade.
O pretor era eleito pelo comício das centúrias e no ato da sua nomeação ele proclamava da
tribuna o edito pretório (decreto no qual anunciava as linhas diretivas em base às quais ele
administraria a justiça no exercício do cargo). Inicialmente o edito do pretor não o vinculava
efetivamente no exercício de suas atividades, mas com o passar do tempo, o edito passou a
vincular as atividades do pretor principalmente no que era concernente às lacunas do sistema
jurídico, tornando-se fonte do direito romano.
O pretor urbano recebia litígios que envolviam tanto romanos, quanto estrangeiros. O
crescente número de processos que envolviam estrangeiros gerou a necessidade de criação de
uma magistratura específica para administrar os litígios que os envolvessem. Em 242 a.C. criou-
se então o cargo de pretor peregrino.
A partir de então, cabia ao pretor urbano administrar a justiça entre os cidadãos romanos,
aplicando o ius civile e o ius honorarium (conjunto de normas jurídicas originadas da
consolidação do edito e de algumas decisões do pretor); e cabia ao pretor peregrino a
administração da justiça nos casos que envolvessem estrangeiros ou romanos x estrangeiros,
aplicando o ius gentium.
Comício das tribos: último comício criado, por volta do III a.C., assembleia de todo o
povo dividido em 35 tribos (4 urbanas e 31 rústicas) cada tribo expressando um voto, convocados
pelo cônsul ou pretor, tinham competência para:
- aprovação de provimentos legislativos (lex);
- nomeação dos magistrados menores.
SISTEMAS JURÍDICOS VIGENTES EM ROMA
Em Roma, a sociedade era organizada em base a três sistemas jurídicos, aplicados na
teoria e/ou na prática de acordo com o status civitatis.
- ius naturale: direito presente na natureza (entre os animais). Exemplo de instituição do
ius naturale: matrimônio com fim de procriação, tutela dos filhos, legítima defesa. Este
sistema era usado a nível teórico entre os juristas.
- ius civile: direito praticado dentro da cidade de Roma pelos seus cidadãos (cives). Tipo
de sistema jurídico usado para resolver litígios entre cidadãos.
- ius gentium: direito das gentes, normas e institutos jurídicos presentes nos diferentes
povos, ex.: escravidão, matrimônio, posse, propriedade, compra e venda. Tipo de
sistema jurídico usado para resolver as relações entre estrangeiros e entre cidadão x
estrangeiro.
Os três sistemas (ius naturale, ius civile e ius gentium) funcionam como círculos em
intercessão, onde um sistema pode conter normas ou institutos jurídicos também presentes nos
demais sistemas.1
FONTES DO DIREITO NO PERÍODO REPUBLICANO
- leis;
- costumes (mores maiorum);
- iurisprudentia/jurisprudência: pontifical (maior privilégio) e laica;
- plebiscito;
- senatus-consultum (deliberações do senado dirigidas aos magistrados);
- ius honorarium (edito e decisões reiteradas do pretor)
- foedera (tratados);
INSTITUTOS DE DIREITO PRIVADO
MATRIMÔNIO
Segundo o ius naturale, o matrimônio é a união do macho e da fêmea (Dig. 1.1.1.3);
segundo o ius civile, é o ato jurídico que qualifica a união entre um homem e uma mulher, em
comunhão de vida, com o objetivo de constituir família.
O objetivo do matrimônio de acordo com o ius naturale e o ius civile é a procriação, ou
seja, ter filhos.
Características do matrimônio romano:
1 Em paralelo aos três sistemas têm-se o ius honorarium, que não chega a ser um sistema jurídico, mas um conjunto de normas restritas, originárias da
consolidação do edito e de algumas decisões do pretor.
- monogamia;
- exogamia (casamento fora da família);
- affectio maritalis: “aceitação racional das partes”; não é o amor, trata-se da vontade
consciente de estar e permanecer casado.
Requisitos do matrimônio válido:
• Recíproca capacidade matrimonial:
- que estejam em idade púbere (cerca 12 e 14 anos), capacidade adquirida através de
uma inspeção no corpo nos futuros esposos;
- que sejam livres; (em origem deveriam ser ambos cidadãos romanos da mesma ordem,
mudança com a Lex Canuleia de 445 a.C.).
• que não sejam parte da mesma família, parentes de 2° grau e nem cunhados;
• consenso daquele que tem a potestas sobre os futuros cônjuges, assim como de todos os
ascendentes intermédios entre o pater familias e o esposo.
As consequências da validade do matrimônio:
• na legitimidade dos filhos. Se os pais são casados, a criança segue o status (cidadão ou não)
do pai; se os pais não são casados a criança segue o status da mãe. Esta regra é observada em
todo o mundo antigo;
• submissão à potestas do pater familias e ao status (cidadão ou peregrino) deste;
• expectativa de sucessão;
O matrimônio distingue-se em dois tipos, quanto à transmissão da manus (potestas sobre a
mulher): cum manu e sine manu
• matrimônio cum manu é o ato jurídico no qual a mulher sai de sua família de origem e entra
em uma nova família, na condição de filha e com a particular função de dar descendência
legitima ao pater familias ou a um de seus descendentes. No matrimônio cum manu ocorre a
transferência da manus (poder) sobre a mulher para a família do marido. A mulher rompe
todos os vínculos com a sua família de origem e assume a situação de filha na nova família,
criando vínculos familiares e jurídicos com esta. Fim da expectativa de sucessão em relação
a sua família de origem.
Com a dinâmica da sociedade romana, melhora das condições econômicas e início da
liberalização dos costumes, durante a República, houve a adaptação do direito e se criou o
matrimônio sine manu (provável surgimento entre os séculos V-III a.C.), mantendo a mulher
protegida sob a potestas da sua família de origem, embora morasse com o marido.
No matrimônio sine manu (sem a transferência da manus/poder sobre a mulher) a esposa
não rompe o vínculo com a sua família de origem. O matrimônio é temporário e mantém o
objetivo de procriação. A mulher neste tipo de matrimônio não se torna parte efetiva da família
de seu marido e não terá nenhum direito sobre seus filhos e nem expectativas de sucessão em
relação à família do marido. Com a morte do marido ela volta a habitar com a sua família de
origem.
DOTE
O dote não é uma pratica presente desde as origens do direito romano. Este se desenvolve
com a mentalidade de cooperação dos cônjuges na vida econômica e moral da família. O dote
origina-se dentro do matrimônio cum manu. A mulher, então, privada da expectativa de sucessão
em relação a sua família de origem, passa a levar consigo alguns bens para a família do marido,
como forma de indenizá-la pela ausência na sucessão e de servir como contribuição para a vida
conjugal e despesas da esposa. Ao entrar na potestas do marido ou de seu pater familias,
automaticamente todos os bens desta eram transmitidos aquele.
No matrimônio sine manu o dote também pode ocorrer, mas como contribuição às
despesas da esposa, uma vez que sua expectativa de sucessão em relação a sua família de origem
mantém-se intacta.
O dote na concepção romana não pode ser visto como um negócio jurídico, mas como
uma obrigação social ou como um fim econômico a ser perseguido por meio do matrimônio.
Manifesta-se na sociedade romana a tendência de restringir o uso do dote ao interesse da
mulher. Com a dissolução do matrimônio o marido ou pater familias daquele era obrigado a
devolver o dote à esposa. A restituição é imediata para coisas infungíveis (coisas que são
consideradas na sua específica individualidade) não estimadas e em três parcelas anuais no que se
trata de dinheiro e outras coisas fungíveis (bem móveis que podem ser substituídos por outros da
mesma espécie, qualidade e quantidade – coisas que se contam, medem ou pesam e não
são consideradas em sua individualidade).
Caso o pater familias não o fizesse, era cabível a ação rei uxoriae para reaver os bens do
dote com a dissolução do matrimônio. A ação só pode ser proposta pela parte prejudicada (ex
esposa).
POSSE E PROPRIEDADE
Posse – situação de pertença de uma coisa a um sujeito; era caracterizada pela material
disponibilidade da coisa, a qual era acompanhada da vontade de ter para si (origem da
propriedade romana).
A propriedade é o senhorio do homem sobre a coisa, garantido pelo direito através da
exclusão de outro poder sobre a coisa. É o direito que faz com que a vontade do titular seja
decisiva em relação à coisa. Direito de usar, gozar, dispor (alienar, abandonar, destruir). A
propriedade romana é em específico voltada para a propriedade fundiária. Desta ideia de absoluto
sobre a coisa nascem os direitos reais enquanto relação do indivíduo com a coisa, no sentido de
trazer-lhe algum direito de agir. Reflete o poder do pater-familias principalmente no seu caráter
absoluto (sem limitações). Em origem o pater-familias era titular único do direito sobre a sua
casa e coisas. Ele era um pequeno soberano.
PASSAGEM POLÍTICA DA REPÚBLICA AO IMPÉRIO
Triunvirato: conceito
No século I a.C., entre 59 e 53 a.C., houve o primeiro Triunvirato Romano, formado por
Júlio César, Pompeo Magno e Marco Licínio Crasso. Tratava-se de um acordo informal de
favores entre os três fortes personagens da sociedade romana.
O segundo Triunvirato foi oficialmente reconhecido, sendo chamado de Triunviros para a
Organização do Povo. Este foi formado em 43 a.C. por Octaviano Augusto, Emílio Lépido e
Marco António, tendo estes o poder supremo por 5 Anos.
Júlio César, centralização do poder, ditador entre 48 e 44 a.C. Em 44 a.C. César Morre,
desde então Otaviano Augusto vai juntando poderes para tornar-se imperador/príncipe.
Império: 27 a.C. – 476 d.C.
Período Clássico, séculos II a.C. ao II d.C.
O período imperial é dividido em duas fases:
- Principado 27 a.C. – 285 d.C.;
- Dominatio 285 d.C. – 476 d.C.
Principado 27 a.C. – 285 d.C.
O príncipe é o primeiro cidadão entre os senadores, qualificando o governo de Roma
como diarquia/dualidade: o príncipe e o senado.
Durante o I século a.C. ocorre já o esvaziamento das instituições republicanas, ao ponto
de Otaviano afirmar que quer restaurar as instituições republicanas. Na realidade durante todo o
principado acentua-se que as entidades republicanas vão sendo paulatinamente esvaziadas
durante o I d.C., ao ponto que as assembleias deixam de aprovar leis. O príncipe ganha poder e
em base a auctoritas passa a ter uma atividade normativa autônoma. A figura do príncipe passa a
ser regida por dois princípios basilares.
- O príncipe está acima da lei (princeps legibus solutus);
- As disposições normativas do príncipe tinham valor de lei (quod principi placuit, legis
habet vigorem).
A atividade normativa do príncipe chama-se de forma genérica constitutio (constituição) e
torna-se a principal fonte do direito, abarcando os tipos:
- edicta (normas de caráter geral e abstrato),
- mandata (instruções voltadas aos funcionários imperiais),
- rescripta (pareceres do imperador sobre pontos obscuros do direito),
- decreta (decisões do imperador quanto a casos específicos) e
- epistulae (instruções ou conselhos voltados a magistrados imperiais sobre
determinadas situações).
Durante o período clássico (séculos IIa.C. a IId.C.), o direito romano estabilizou-se por
conta da intervenção do príncipe e a jurisprudência sofreu com isso sendo diferenciada pelo
poder central (ius respondendi) e absorvida na mesma organização burocrática imperial que
lançou as bases para uma nova concepção de direito, que era cada vez menos fruto do povo e
cada vez mais ligada à figura do príncipe.
- Direito como vontade do príncipe;
- Norma como imposta por um poder legiferante.
Roma dominava uma vasta região da Europa e do norte da África, mas não impunha a
totalidade do seu direito aos peregrinos (estrangeiros).
Mapa do Império Romano em 117 d.C.: sob o Imperador Trajano
212 d.C. edito de Antonino Caracalla – todos os residentes no império romano tornam-se
cidadãos. A concessão da cidadania teve reflexos no que concerne o direito a ser aplicado nas
diferentes províncias. Enquanto até 212 d.C. cada um dos povos sujeitos a Roma tinha
continuado a viver, no que concerne às relações familiares e patrimoniais, de acordo com o seu
próprio direito; a partir da Constituição de Antonino Caracalla também nessas relações passava a
ter vigor o Direito romano. O direito romano passa a ser imposto às pessoas de diferentes partes e
culturas do império romano. Entre o Direito romano e aquele dos outros povos as margens do
mar mediterrâneo existiam grandes diferenças. Nem mesmo a maior vontade de seguir o direito
romano teria sido suficiente para vencer a pressão do direito local. Delineou-se então desde o
século III d.C., entre o Direito romano e os outros Direitos uma espécie de resistência e de
adaptações. Os Direitos dos povos conquistados prevaleceram em muitos aspectos sobre o
Direito romano, gerando uma adaptação na aplicação desse de acordo com o Direito local. O
direito romano torna-se então “corrompido”, sendo flexibilizado na prática pelas diferentes
culturas (ver tema transversal sobre cidadania).
Problemas de sucessão ao trono do império: muitos eram filhos, pertenciam à mesma casa
imperial. Durante o século I d.C. criou-se a possibilidade que o príncipe adotasse aquele que ele
escolheu para a sua sucessão.
Dinastias: Giulio-Claudia; Flavia; Antonino; Severo.
DOMINATIO
O principado vai até 285 a.C., quando sobe ao poder Diocleciano(285-305 d.C.) e inicia a
dominatio, espécie de monarquia absoluta, onde a eleição do imperador ocorre através da pressão
do exército. Sob Diocleciano o Império romano (dominava todo o mediterrâneo e a maior parte
do mundo conhecido) foi dividido em: Império romano do ocidente (instável, cai em 476 d.C.) e
o Império romano do oriente (estável, cai em 1452/3). Os dois impérios interligados possuíam
cada um Augusto (imperador) e um César (vice-imperador).
297 d.C. Tetrarchia: divisão do império romano entre dois imperadores (augustos, com pares
poderes), auxiliados por dois Césares: Diocleciano - Costanzo e Maximiano – Galério.
297 d.C. Divinização do imperador.
O objetivo da divisão e criação de dois imperadores com “vice” era evitar a instabilidade
que ocorria quando da morte do imperador sem deixar sucessor. Os dois imperadores
trabalhariam em sincronia sendo, porém, os decretos de um imperador valiam apenas na parte em
que aquele administrava, devendo ser ratificados pelo outro para que vale-se nas duas partes do
império.
313 d.C. edito de tolerância de Constantino – edito de tolerância religioso. A partir de então
Constantino começa a apoiar ao cristianismo, subvencionando-o com terrenos e dinheiro para a
construção de igrejas. Concílio de Nicéia em 325 d.C., definição dos textos bíblicos. Batismo.
390 d.C. Edito de Tessalônia: imperador Teodósio torna o cristianismo religião oficial do
império.
Durante a dominatio observam-se os primeiros esforços de codificação, com obras
privadas usadas para o aprendizado do direito. Caráter pedagógico da codificação.
Lembrem a professora de diferenciar a forma de Codex daquela de Liber!
Códigos privados são coletas de constituições imperiais feitas no império romano do
oriente. Os primeiros códigos são coletâneas não oficiais, feitas por pessoas privadas.
- Codex Gregorianus, 291 d.C. (com constituições de 196 d.C. à 291 d.C.);
- Codex Hermogenianus, 295 d.C. ()
Códigos públicos/oficiais:
- Codex Theodosianus, foi publicado em 438 d.C. na parte oriental do Império e logo
adotado pelo Imperador do ocidente Valentiniano III. O código entrou em vigor em
1/1/439 d.C. em todo o Império e constitui a continuação do Codex Gregorianus e do
Codex Hermogenianus, sendo uma coleta de constituições imperiais. O conteúdo do
código não nos chegou de forma íntegra, mas por meio de manuscritos incompletos.
Sabe-se, porém, que ele influenciou a legislação de reinos bárbaros, como a dos
Visigodos (presente no oeste da França e na Espanha por meio da Lex romana
visigothorum – breviário de Alarico, 506 d.C.) e dos Longobardos (Edictum
longobardorum – Rei Rotário 634 d.C.).
FONTES DO DIREITO NO PERÍODO IMPERIAL
As constituições imperiais tornam-se a principal fonte do direito. O direito romano
clássico contrapõe-se ao um direito vivo, usado pela população. Torna-se um direito imposto por
Roma a todas as demais partes do império.
Com o Império ocorre uma expansão das fontes do ius civile. Têm-se então as leis, os
plebiscitos, os senatus consultum, o edito dos magistrados, os decretos do príncipe e a
jurisprudência. Os costumes embora sejam elementos basilares na cultura romana, são colocados
em segundo plano diante dos elementos citados.
TEMAS TRANSVERSAIS DE DIREITO ROMANO: 1. CIDADANIA; 2.
JURISPRUDÊNCIA; 3. TORTURA
Civis, hostis ac peregrinus.
Representações da condição do homem livre na ordem jurídica da Roma antiga
Arno Dal Ri Jr. *; Luciene Dal Ri
**
Cum igitur hominum causa omne ius constitutum sit (...)
Herm. dig. 1.5.2
1. Introdução
Entre os mais significativos jurisconsultos de seu tempo, Hermogeniano afirmava que “o
direito é constituído por causa dos homens”. Forte no seu conteúdo, a frase contempla no direito
* Doutor em Direito Internacional pela Universidade Luigi Bocconi de Milão, com pós-doutorado pela Université
Paris I (Panthéon-Sorbonne). Mestre em Direito e Política da União Européia pela Universidade de Pádua. Professor de Teoria e História do Direito Internacional nos cursos de graduação e de pós-graduação stricto sensu em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Endereço: Avenida Luiz Boiteux Piazza, 4410, casa 35, cond. Blascke, Ponta das Canas, Florianópolis – SC. Cep: 88.056000. E-mail: [email protected].
* * Doutora em Direito Civil-romanístico pela Università degli Studi di Roma – La Sapienza. Mestre em Estudos Medievais pela Pontificia Università Antonianum. Professora de História do Direito no curso de graduação em Direito e no programa de pós-graduação stricto sensu, Mestrado e Doutorado, em Ciência Jurídica na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Endereço: Rua XV de Novembro, 100, apto. 93. Itajaí – SC. Cep. 88301-420. Telefone 47 33441084/47 96654806. E-mail: [email protected].
o fenômeno regulador das relações sociais, das relações entre homens. A condição do ser humano
no universo jurídico da Roma Antiga, ou seja, o status personae, manifesta-se como a forma de
enquadramento normativo dos vários tipos de sujeitos que se abrigariam sob a expressão
“Pessoa”.2 Rico nas suas nuances, o status personae pode ser analisado a partir de três ângulos
diversos: o status libertatis, o status familiae, e o status civitatis. O enquadramento em cada
situação jurídica reflete-se nas suas próprias variáveis. Com isso, pode-se notar a existência de
uma concepção imersa em um sistema jurídico, onde todos os elementos estão interligados.
Dentre as situações jurídicas da pessoa, o status que sofreu maior variação de suas normas
no tempo foi o status civitatis. Assim se deu em razão deste último ter sido um dos principais
instrumentos jurídicos utilizados por Roma nas suas relações com o interior e com o exterior do
povo romano, definindo quem é cidadão, e consequentemente, quem não é. Observa-se porém
que a abertura de Roma ao estrangeiro foi profundamente modificada entre o período final do
reino e a metade do período republicano, enrijecendo a política de abertura ao estrangeiro e de
concessão da cidadania, sem para tanto alterar o processo de expansão de Roma e de aumento da
civitas, concebida como potencialmente universal.
A mudança de parâmetros na relação com o estrangeiro e o enrijecimento na política de
concessão da cidadania são os temas desta contribuição, que investiga as causas externas e as
consequências internas de tais fatos.
Para a compreensão dos institutos relativos ao status civitatis e, consequentemente, à
participação na civitas, será utilizada uma abordagem das fontes romanas jurídicas e literárias.
Dar-se-á, ainda, ênfase à terminologia utilizada, tomando em consideração o fértil debate da
doutrina sobre o tema. Para uma melhor delimitação do civis, aborda-se também, em contraponto
à cidadania, a condição de “não romano” que abrange tanto o status jurídico de latinus, quanto o
status jurídico de peregrinus.
2. Primeira construção da “Cidadania”
A Roma antiga apresenta nos conceitos de Quiris e de civis, ligados intimamente à noção
2 Sobre a identificação entre homem e pessoa no direito romano, particularmente em Gaio, ver LUBRANO, 2002,
p. 191 s.
de status civitatis e de civitas – enquanto elementos que vinculam o ser humano como tal a uma
determinada ordem jurídica –, delineamentos que conduzem a uma “ideia de cidadania”. Deste
modo, portanto, o Quiris, e posteriormente o civis, seriam entendidos como partes do povo
romano, unidos pelo mesmo ius, gozando de certos direitos e incumbidos de certos deveres. Tudo
isso por, justamente, serem considerados parte do povo romano.
O uso linguístico mais antigo para identificar a “pessoa parte” do populus Romanus
Quirites ganha abrigo na expressão Quiris. A este se aplicava o ius Quiritium, enquanto
particular esfera do ius concernente à cidadania.3
A origem e a aplicação dos termos remetem ao
período arcaico4.
O significado e a origem do termo Quiris são incertos, embora seja pacífico na doutrina a
sua concepção como cidadão e antecedente histórico de civis. As passagens que tratam o termo
Quiris denotam-no como pessoa que participa do populus Romanus Quirites na sua
universalidade, refletindo a parte e o todo.
A concepção de civis deve ser trabalhada em conjunto com a concepção de civitas, visto a
origem e a intrínseca ligação existente entre os termos. A civitas era inicialmente a qualidade
própria do cidadão, desenvolvendo posteriormente o significado de conjunto de cidadãos5. Fruto
deste fenômeno, a construção da cidadania enquanto instituto jurídico da Roma antiga não é
delineada apenas como uma ligação entre partes da comunidade, formando-a, mas é vinculada a
um espaço geográfico de exercício de tais direitos. Será o território da cidade, o interior do
pomerium, a dar concretude, materialidade, a este espaço. Por este motivo, a concepção de
3 O conceito ius Quiritium será utilizado mesmo em fontes de idade imperial para indicar o direito de cidadania
romana, e em particular aquele concedido aos latinos, enquanto no caso da concessão aos peregrinos o termo mais usado era de civitas romana. CATALANO, 1974, p. 146: «Ius Quiritium e civitas Romana sono espressioni, riferentisi allo status di „cittadino‟ romano, cioè di parte del populus Romanus Quirites, le quali hanno origini storiche diverse. La prima espressione è certamente più antica (come Quiris è anteriore a civis) e risponde a una concezione di populus più concreta, in cui prevale l‟aspetto della pluralità dei Quirites; la seconda, pur sempre concepita come ius omnium risente in qualche modo del processo di astrazione subito da populus in connessione al decadere dell‟importanza politica e sociale dei comitia».
4 O período arcaido pode ser definido, segundo Orestano (1967, p. 40), como o período que compreende a data tradicional da fundação de Roma e a Lei das XII tábuas.
5 Dentro de uma análise semântica, Crifò (2004, p. 26 s.) teoriza que a passagem do significado de civitas como cidadão para o significado de conjunto de cidadãos e posteriormente cidade reflete a lógica de construção de Roma. A civitas romana é então concebida como uma organização social baseada na estrutura patriarcal-gentilícia religiosa, feita a partir do cidadão e para o cidadão. Ver CRIFÒ1, 2004, p. 24.
cidadania no universo jurídico romano é intimamente ligada a um direito do cidadão da cidade.6
a) A pertença à gens
Desde as primeiras fases do período arcaico, um dos elementos de mais forte caracterização
do civis romano encontra-se no fato de se pertencer ou não a uma gens romana. Consideradas
organismos anteriores e constituidores da civitas, a gens e a família assumiam a condição de
pressupostos políticos e sociais de Roma.
O pressuposto de liberdade e de vínculo com Roma, concretizado no fato de pertencer a
uma gens, pode ser observado desde o período mais remoto da cidade. Este é transmitido através
do nascimento, como delineia o jurista romano Gaio, na sua obra Institutiones. É muito claro na
exposição de Gaio que o sistema jurídico romano era baseado no critério ius sanguinis para a
concessão da cidadania, estendendo-a também por adoção, por manumissão (concessão da
liberdade ao escravo) e concessão individual ou coletiva.
b) A pertença ao populus
As diferentes interpretações dadas às fontes e ao termo populus em relação às suas partes
(os cidadãos) e à constituição romana, com as suas conseqüências, fazem com que o estudo do
tema torne-se bastante complexo. As doutrinas alemãs e italianas, neste âmbito, forneceram
contribuições fundamentais para o debate, apresentando contrastes e intersecções, em muito fruto
de uma forte influência filosófica e política.
Mesmo com tantas interpretações a concepção do termo populus, em relação à sua origem
filológica poplus-, encontra-se pacificada na doutrina sendo considerada como “multidão”,
também relativa a um “insieme di armati”.7 Deixando de lado a concepção política de povo,
6 A afirmação de Crifò (2004, p. 28) sobre o vínculo entre o instituto de cidadadania e o território romano é
contraposta à de Gaudemet (2002, p. 180) “La citoyenneté dans la Rome classique n'implique aucune référence à une donnée territoriale”. Cabe delinear, no confronto entre os dois autores, a ligação entre cidadania e território para o exercício de alguns direitos como o ius suffragii e a provocatio ad populum (até o início do II a.C.), pondera-se, porém, que concessão da cidadania romana não encontra limites em origem e território, podendo ser adquirida por qualquer homem. Ver a propósito da concepção espacial romana: CATALANO, 1978, p. 479 ss.
7 A origem indoeuropeia do termo é encontrada também junto aos Umbros através do termo poplo-, sobre a definição latina de poplus e aquela umbra de poplo-, teuta/tota-, ver: CATALANO, 1965, p. 486, nt. 144ª;
opta-se em centrar o debate no que concerne à composição e às prerrogativas do povo em
assembléia, elementos que ainda são fonte de inumeras controvérsias doutrináriais, estas últimas
surgidas em teorias que se delineiam a partir do século XIX.
A composição do povo, no período arcaico, é apresentada pela doutrina através de duas
correntes:
a) a primeira delas limitando a concepção de povo ao conjunto de pessoas que teria a
cidadania, concedida somente ao elemento gentilício. Nesse sentido, o povo reunido em
assembléia mantém o caráter gentilício da mesma, como acontece nas teorias propostas por
Mommsen8 e por De Martino (1973, I, p. 89 ss.)
9;
b) a segunda, afirmando a ausência em época mais antiga do exclusivismo da cidadania
como elemento de composição do povo, como manifesta Bellini (1961, p. 226 e ss.).10
Com uma
orientação diferente, mas sempre voluntarista, Catalano (2003, p. 101), afirma a composição do
populus por homens, que vivem de acordo com o direito romano.11
Nesse sentido, também
manifesta-se Amirante ao afirmar que a aplicação do conceito de cives expande-se aos latinos,
devido à comunhão de direito e religião.12
CATALANO, 1974, p. 108 e ss. especialmente p. 114, que indica DEVOTO, 1954, p. 29 s. Diversamente, COLI, 1958, p. 79 ss.; DE FRANCISCI, 1959, p. 736.
8 MOMMSEN, 1887, III, p. 03: “so dass die Bürgerschaft im rechtlichen Sinn gebildet wird durch die Gesammtheit der zur Zeit vorhandenen freien Geschlechtsgenossen, der quirites, später cives”. O povo demonstra-se nessa interpretação como soberano e investe o rei no seu poder, assimilável a uma magistratura única e vitalícia. A plebe passou a participar ativamente das decisões tomadas em assembléia somente com a reforma serviana. Ver: CARLE, 1888, p. 180; ss. COSTA, 1906, p. 49.
9 DE MARTINO, 1973, I, p. 89 ss.: “Entrambi i organi di questa primitiva comunità di villaggio erano esclusivamente patrizi, il che significa che il popolo era costituito ancora soltanto da coloro che appartenevano ai grandi gruppi gentilizi”.
10 A interpretação de Bellini identifica-se com alguns aspectos daquela de Jhering, que partindo da tradição relativa à origem de Roma entende o povo romano como formado por homens provenientes de diferentes origens. JHERING, 1880, I, p. 94 ss.
11 Como conseqüência dessa concepção o direito romano não é feito para os cidadãos romanos, mas para os homens, evidenciando o seu universalismo. Em contrapartida constata o autor uma forte política de concessão da cidadania que concebe o “ser romano” através do viver de acordo com os costumes e a cultura romana, ver Cic. rep. 1,39 e Alf. dig. 5,1,76.
12 Luigi Amirante (1991, p. 109 ss.) baseando-se no relato de Lívio e Strabão analisa a aceitação de estrangeiros como reis de Roma e conclui que: “Non potrebbe essere più chiaro che qui peregrinus sta ad indicare colui che non è latino, che appartiene ad altro diritto e ad altri culti. E per converso come cives 'concittadini', coloro che hanno in comune diritti e religione”.
A hipótese sustentada por Mommsen (MOMMSEN, 1887, III, p. 5 ss.) e por De Martino
(DE MARTINO, 1973, I, p. 79 e 106 ss.), afirmando a fundação da cidade com a divisão da
população em duas categorias (plebéia e patrícia), sendo a plebe excluída da cidadania por não
pertencer à federação originária das gentes não encontra respaldo nas fontes que tratam do
período régio. O próprio De Martino (1973, I, p. 106 ss.) reconhece que a sua proposta de
estrutura federativa é incompatível com a tradição da fundação de Roma.
Nesse sentido, Plutarco, Floro, Lactancio, Eutropio, Agostinho e Columela, ao tratarem da
fundação da cidade e da formação do povo romano, prescindem do elemento gentílico e não
tratam de cidadania.13
O conceito de povo vem então proposto como “una 'multitudine' avente certe
caratteristiche. Non si tratta di una cosa 'personificata', quale lo 'Stato'” (CATALANO, 2003, p.
101). O “povo” passa a ser apresentado como algo concreto, permitindo uma abstração somente
enquanto unidade, ou seja, conjunto de homens. Não se condiciona pelo elemento gentilício,
enquanto portador de cidadania, mas fundamenta-se no voluntarismo da multidão e,
conseqüentemente, dos homens em viver de acordo com o direito romano14
.
O termo “multidão” denota o reconhecimento de todos os seres humanos (homens e
mulheres) como parte do populus. Tal fato somado à abertura da comunidade dentro da Liga
latina ainda em tardo período régio demonstra independência em relação a um conceito
exclusivista ou étnico de cidadania. Essa, em período arcaico, era baseada em uma concepção
universalista ou voluntarista, que reconhecia aos habitantes de Roma, independente de suas
origens, a possibilidade de fazer parte do direito romano.15
Nesse sentido, Bellini16
afirma que
13 Plutarco (Rom. 9,3), Floro (Epit. 1,1,9), Lactancio (inst. 2,6), Eutropio (Brev. 2,1), Agostinho (civ. 1,34) e Columela
(r.r. 1 praef. 18). De forma pouco clara Dionísio de Halicarnasso (2,9,2) afirma que Rômulo confiou os plebeus aos patrícios, não identificando a composição das duas categorias. Sobre cidadania romana, ver CRIFÒ, 1960, p. 1 ss.; CRIFÒ, 2003, p. 23 ss. Sobre Asilo: CRIFÒ, 1958, p. 191 ss.
14 Sêneca (ira, 2,31,7) transcende à cidadania através do universalismo, ao tratar da pátria em base a concepção de pertença a uma “cidade” ainda maior : “Nefas est nocere patriae; ergo ciui quoque, nam hic pars patriae est — sanctae partes sunt, si uniuersum uenerabile est; ergo et homini, nam hic in maiore tibi urbe ciuis est. Quid si nocere uelint manus pedibus, manibus oculi? Vt omnia inter se membra consentiunt quia singula seruari totius interest, ita homines singulis parcent quia ad coetum geniti sunt, salua autem esse societas nisi custodia et amore partium non potest”. Nesse sentido, o jurista Alfeno (dig. 5,1,76), compara o povo a um corpo, que pela sua espécie defini-se como tal, independente da mudança das suas partes.
15 Essa mesma concepção universalista, embora com novos instrumentos, se fará presente em 212 d.C. com o edito de Antonino Caracala, que expande a cidadania, salvo exceções, a todos os habitantes do império.
havia originariamente uma relação de igualdade entre as comunidades, permitindo um contínuo
intercâmbio dos seus elementos constitutivos.
Tal teoria implica na ausência em época mais antiga de uma imposição racial no que
concerne a cidadania. Ser cidadão “implique la volonté politique qui fait d'un homme un quirite,
c'est-à-dire le rend partie du populus Romanus Quirites” (CATALANO, 1982, p. XXII; 2003, p.
101)17
. É, consequentemente, viver de acordo com o direito romano. Com isso, Roma passa a
valorizar, então, uma forte política de concessão da cidadania baseada no viver de acordo com o
direito e a cultura romana.18
Os princípios de civitas augescens e civitas amplianda estariam presentes no universalismo
romano – para a concessão da cidadania –, através do instituto de asilo de Rômulo no Capitólio19
,
manifestando-se também na manumissio dos escravos, bem como no fato de a plebe ser vista,
enquanto conjunto de homens não ligado a nenhuma gens, também como cives e, portanto, como
partes do povo (CATALANO, 2007; 1974, p. 116 ss.; 1982, p. XXII s.). Tal fenômeno faz com
que o elemento voluntarista, presente a partir da fundação de Roma – voltado sobretudo a
construção de um povo constituído pelo conjunto de cidadãos –, conduza a uma concepção
universalista de cidadania que, por sua vez, gera uma concepção universalista do direito romano,
feito não somente para os cidadãos romanos, mas para os homens.
16
BELLINI, 1961, p. 226: “Nell’assenza per l’epoca più antica di un esclusivismo cittadino (che solo lentamente si verrà maturando), le comunità tribali si trovano su un piede di parità, che permette un continuo interscambio dei loro elementi. Dei re di Roma, escludendo i mitici fondatori Albani, Tullo è di Medulia, Numa e Anco di Cures. Assumendo che sotto i fatti storici si nasconda un fondamento storico, può supporsi che cosi si localizzassero nell'oppidum romano capi di formazione più vaste, comprensive delle località di origine, ovvero che il sentimento comunitario rendesse facile l'interscambio degli elementi dirigenti: probabilmente le due cose allo stesso tempo, in una realtà che può suporsi fluida e non definita. (...) sotto questo punto di vista il Ius Latii dell’epoca storica non sarebbe la condizionata e limitata estensione alle comunità sociae dei diritti della civitas, ma è il sopravvivere di un’eguaglianza sociale che, al sovvraporsi della organizzazione cittadina e nel processo di giuridicizzazione del costume, permane sotto la forma di un privilegio concesso dalla città egemone”. O autor indica como trabalho anterior com a mesma concepção: SHERWIN WHITE, 1939, p. 10. Concordando com Bellini sobre a fluidez do “stato di cittadinanza” SERRAO, 2006, p. 204. Em contraposição, Ellul entende que a igualdade ocorre somente entre as cidades latinas desde o inicio por conta da origem religiosa em comum. Os latinos, provenientes de Alba terminam por ter instituições próximas e que os permite de usar um direito comum. ELLUL, 1999, p. 232.
17 Ver Cic. rep. 1,39 e Alf. dig. 5,1,76. 18 Nesse sentido, também se manifesta Amirante ao afirmar que a aplicação do conceito de cives expande-se aos
latinos, devido à comunhão de direito e religião. Amirante (1991, p. 109 ss.) baseando-se no relato de Lívio e Strabão analisa a aceitação de estrangeiros como reis de Roma e conclui que: “Non potrebbe essere più chiaro che qui peregrinus sta ad indicare colui che non è latino, che appartiene ad altro diritto e ad altri culti. E per converso come cives 'concittadini', coloro che hanno in comune diritti e religione”.
19 Liv. 1, 8, 4. O “asilo no Capitólio” foi criado por Rômulo para a concessão da cidadania à pessoas estrangeiras, em geral banidas ou fugidas das cidades vizinhas, e visava aumentar a população de Roma.
Essa concepção sofreu modificações a partir do final do reino e metade da república. Neste
período o reconhecimento de igualdade entre os elementos das comunidades passou a ocorrer
apenas entre latinos e revestindo-se daquilo que se tornaria o ius latii. Tem-se dessa forma uma
nova concepção de civitas, com a consolidação da unidade composta pelas partes.20
Mesmo com
essa limitação, permanecem indícios da abertura originária do sistema romano através da Lei das
XII tábuas denotando a participação do estrangeiro ao ius. 21
3. As guerras de expansão romana e o enrijecimento da assimilação do estrangeiro
Uma análise exaustiva do conceito de cidadania em Roma deve levar em conta, ainda, o
seu contrapondo conceitual, ou seja, o status de quem não era cidadão romano. O termo mais
antigo usado para indicar o estrangeiro era hostis. Na sua origem, este conceito não apresentava
conotação negativa, tratando apenas da constatação da não pertença de alguém à comunidade
romana.22
Pesquisas recentes23
têm evidenciado a existência de diferentes teses no que concerne à
tutela jurídica prestada ao estrangeiro no âmbito do ordenamento romano. Por primeiro tem-se a
tese da hostilidade natural, que remonta a Mommsen, asseverando que em época primitiva
estivesse em vigor o princípio da ausência de direito do estrangeiro fora dos limites da sua
cidade. Tal princípio somente sofreria uma flexibilização através do instituto de hospitium
privado. Em posição contrária, autores como Frezza rejeitam a tese de hostilidade natural, mas
entendem que havia restrições aos estrangeiros antes do III a.C. Uma terceira posição, ainda,
representada por Heuss, afirma a existência de um comércio internacional também na ausência de
20 Assim a ideologia de uma comunidade unitária encontra suas raízes no mundo etrusco, sendo posteriormente
transmitida para Roma. SERRAO, 1975, p. 19; NOCERA, 1992, p. 14. Tondo afirma que populus e plebs apresentam-se então como aspecto militar e social do mesmo elemento constitucional (TONDO, 1981, I, p. 83 ss. esp. 86). Povo e senado apresentam-se então como elementos fundamentais para o enquadramento da população romana. Com diferente leitura sobre a expressão populus plebes que: CATALANO, 1974a, p. 682: “populus plebesque indica il crescente potere della parte plebea, populus plebesve la raggiunta parificazione sul piano del potere normativo e cioè l'assimilazione della ‘parte’ nel ‘tutto’”. A teoria afirmada por Tondo remonta de certa forma àquela de Niebuhr, que interpreta a expressão populus Romanus Quirites com idêntico significado de populus plebes que Romana. Como manifesta Catalano (populus Romanus Quirites, p. 24) o Niebuhr usa «Volk» seja para indicar a plebs, seja para indicar a multidão. NIEBUHR, 1811, I, p. 373 ss.
21 Gell. noct. att. 20,1,47 (FIRA, tab. III, 5); “tratados” que limitavam o comércio (como aquele de Cartago) e Festus, Status dies p. 314 L. Sobre o assunto ver: CATALANO, 1965, p. 66 ss; Id. 1974, p. 140 ss.
22 Ver ERNOUT, et MEILLET, 1, p. 301; BENVENISTE, 1969, I, p. 93. 23 CATALANO, 1965, p. 53 ss.
tratados. Nessa direção, afirma também De Martino, ou seja, de que tendo por base a fides, o
estrangeiro poderia ser juridicamente tutelado. Em relação ao período mais antigo, tendo por base
pesquisas sobre o ius fetiale, não haveria para os romanos a impossibilidade de que os
estrangeiros, mesmo não ligados à Roma por tratados, fossem sujeitos de atos solenes e de
relações consideradas pelo ius (CATALANO, 1965, p. 65).
Neste período, formado pela comunidade gentilícia até a consolidação da civitas, entende-
se que provavelmente não houve uma clara distinção do ponto de vista jurídico entre cidadão e
estrangeiro, sendo possível que este último viesse a fazer parte ao ius. Assim sendo, o ius
romano, baseado na sua natureza universalista, abarcaria tanto cidadãos, quanto estrangeiros,
dentro de uma maior ou menor tutela, de acordo com a existência ou não de particulares foedus.24
Esta concepção jurídica de direitos do estrangeiro pode, ainda, ser encontrada na Lei das XII
tábuas25
, assim como encontra-se nos escritos de Gélio (noct. att. 16,4,4.) e de Festo (v. Status
dies <cum hoste> p. 414-416 L.).
Nell'epoca più antica lo straniero in generale era indicato con hostis,
mentre il “nemico” era perduellis. Solo in un secondo momento lo
straniero verrà designato come peregrinus e si affermerà l'uso di hostis
nel senso di “nemico”, ossia di indivíduo appartenente ad un stato di
guerra con Roma. (SERRAO, 2006, p. 344)
A abertura de Roma ao estrangeiro, fruto da cultura universalista também presente no ius
– e que facilitava a concessão da cidadania Romana –, foi indicada por Lívio através do Asilo no
Capitólio (Liv. 1,8,4) e da própria formação da cidade. Esta mesma, contudo, provavelmente foi
modificada entre o final do reino e a metade da república. Observa-se tal fato devido a mudança
no significado do termo hostis. Esse, inicialmente significava “estrangeiro”, passando com o
tempo a adquirir outro significado, ou seja, aquele de “inimigo”.
Segundo De Martino (1973, p. 20.), uma hipótese relativa a esta mudança é o longo
período de guerras de expansão nas quais Roma esteve envolvida. Este provavelmente acabou
por desencadear um processo que conduziu a um rompimento com a abertura romana ao
24 Ver sobre o tema o foedus Cassianum entre romanos e latinos em 493 a.C. e os dois tratdos de Roma com
Cartago em 509 a.C. e 348 a.C. De forma contrária, Capogrossi Colognesi entende que o forte interesse das partes no Tratado de Cartago em prover a tutela dos seus cidadãos que venham a encontra-se no âmbito de influência da contraparte, “mostra tuttavia che solo un apposito accordo internazionale poteva vincolare gli ordinamentistatali dell'epoca a fornire una adeguata protezione giuridica agli stranieri”. COLOGNESI, 2004, p. 79.
25 Ver Tab. I,5; II,2: VI,4.
estrangeiro, afetando, consequentemente, a política flexível de concessão da cidadania. A
mudança é atribuída ao período posterior à emanação das XII tábuas, provavelmente nos anos das
guerras de expansão na Itália, evidenciando a impossibilidade de especificar como e por quais
causas tal fenômeno ocorreu.26
O gênero “não cidadão” demonstra-se, portanto, constituído por diferentes espécies que
iam do estrangeiro que não pertencia a um povo em guerra com Roma e que não era ligado à
Roma por um particular tratado ou vínculo étnico, ao estrangeiro ligado a Roma pelos foedera;
aos grupos que por circunstâncias e motivos diferentes tinham encontrado asilo na cidade, aos
habitantes das cidades latinas ligadas à Roma por tratados e por vínculos étnicos, aos quais era
reservada uma posição privilegiada, visto que constituíam um status intermediário entre cives e
peregrini, com subdivisões no que refere-se ao exercício de direitos (SERRAO, 2006, p. 347).27
Esse mosaico de relações pode ser mais facilmente compreendido se partirmos da
constatação de que no período republicano a distinção do status jurídico das pessoas em relação
ao povo romano era de três tipos: cives Romani, ou seja, todos aqueles reconhecidos como
cidadãos romanos; latini, habitantes das cidades latinas que faziam parte do foedus latinum;
peregrini, estrangeiros e consequentemente pessoas que não fossem cives ou latini (CERAMI;
CORBINO, 1996, p. 104).
Por conta desta mudança em relação ao estrangeiro, é possível observar a modificação dos
requisitos para a concessão da cidadania romana, passando a ser regulada da seguinte forma :
a) por nascimento:
- de um casamento válido, sendo o pai cidadão romano no momento da concepção,
mesmo que a mãe não seja cidadã28
;
26 Sobre a mudança de significado do termo hostis ver: BENVENISTE, 1969, p. 93. 27 Várias eram as distinções quanto aos peregrinos no que refere-se às limitações ao exercício de direitos. Aos
possuidores de melhores condições era reconhecido o direito ao commercium e ao connubium com os romanos e com os latinos, assim como o direito ao testamenti factio, ou seja, de ser nomeado herdeiro de testamento de um cidadão romano. Por serem considerados para todos os efeitos estrangeiros, em sua grande maioria os peregrini não estavam sujeitos ao direito romano, mas sim ao ius gentium aplicado pelo pretor peregrino. Ver STADTMÜLLER, 1951, p. 34.
28 “O que temos falado a respeito do fato que aquele que nasce de uma cidadã Romana e de um peregrinus, entre os quais não existe matrimônio, nasce peregrinus, é estabelecido pela Lei Mincia. Esta dispõem, também, que este segue a condição do genitor mais desavantajado. A mesma lei, de fato, dispõe que, quando, ao contrário, um peregrinus tenha pego como esposa uma cidadã Romana com a qual não existia matrimônio, aquele que nasce de
- de mãe romana, fora de uma casamento válido. Se a criança não nasceu de um
casamento válido, de acordo com o direito romano, ela segue a condição jurídica da
mãe29
;
- ao filho de peregrinos, se antes do nascimento, seja estada concedida a cidadania,
seja a ambos os genitores, seja somente ao pai, se a mãe tenha obtido ao menos o
connubium, condição necessária para o matrimônio legítimo.
b) Após o nascimento:
- por concessão individual e estritamente pessoal;
- por concessão coletiva;
- por consequência automática do verificar-se de certas condições como, por
exemplo, o domicílio em Roma de um Latino;
- por manumissão por parte do dominus.
O aumento do campo de regulação das normas voltadas à concessão da cidadania reflete
não apenas o enrijecimento da relação com o estrangeiro, assim como a maior preocupação no
que se refere aos direitos concernentes à cidadania, levando até mesmo à guerra de Roma com
seus aliados.
4. A liberdade como pressuposto da cidadania
A liberdade para os romanos é uma condição presente desde o direito natural, sendo
considerada como um pressuposto da cidadania. Um homem livre pode não ser cidadão, mas todo
uma tal união seja peregrinus. A Lei Mincia é particularmente oportuna neste caso: na ausência desta lei, de fato, seria indevido derivar um outro status. Já o que nasce daqueles entre os quais não existe matrimônio aquista o status da mãe, segundo o direito das gentes. Mas, é supérflua aquela parte da lei onde vem estabelecido que, de um cidadão Romano e de uma peregrinus, nasce um peregrinus. Este, de fato, seria peregrinus segundo o direito das gentes também na ausência de tal lei. Isto vale somente para as nações e as gentes estrangeiras, mas também para quantos são chamados Latini, que tinham próprios povos e próprias cidades e eram contados entre os peregrini. Pelo mesmo motivo, ao contrário, nasce um cidadão Romano de um Latino e de uma cidadã Romana, seja o matrimônio contraído em base a Lei Elia Senzia seja de outro modo. Mas, alguns tiveram que, de um matrimônio contraído em base a Lei Elia Senzia, nascesse um Latino, já que se considerava que, neste caso, o matrimônio entre eles fosse concedido pelas Leis Elia Senzia e Iunia e que, sempre, o matrimônio faz com que aquele que nasce siga o status do pai. Quando, ao invés, o matrimônio tenha sido contraído de outro modo, aquele que nasce, segundo o direito das gentes, segue o status da mãe, e é, por tanto, cidadão Romano. Mas, segundo o direito vigente em base a um senatoconsulto emanado por proposta do divo Adriano, aquele que nasce de um Latino e de uma cidadã Romana é de qualquer modo cidadão Romano”. Gai. inst. 1, 78-80.
29 Conforme nos lembra Giuliano Crifò (2004, p. 33), nos casos em que o filho segue a condição da mãe: “è cittadino se la madre è cittadina al momento del parto, non lo è se la madre lo era in gravidanza, ma ha cessato di esserlo al momento del parto, nè lo sarà, alla fine della repubblica, se nasce da una cittadina e da un Latino o peregrino (Lex Minicia)”.
cidadão é obrigatoriamente um homem livre. A origem da palavra libertas testemunharia está
ligação. Conforme Crifó (1984, p. 22), liber significa “aquele que pertence à estirpe”, e libertas,
enquanto condição de livre, deveria indicar o complexo das faculdades que a estirpe reconhece ao
seu componente. A liberdade no âmbito da cidadania se reveste de um significado jurídico e
político. O significado político está na sua ligação com a civitas e a participação ao poder
político, implicando a liberdade do povo romano na sua totalidade diante de uma ameaça externa
ou interna. A liberdade não política, por sua vez, seria estabelecida pelo direito e necessariamente
limitada, correspondendo à ideia de autonomia grega. Trata-se da liberdade garantida pelo direito
como consequência de ser cidadão romano. A civitas romana, como é possível constatar,
encontra-se intrinsecamente ligada à noção de liberdade, garantindo através do ius a sua
conservação aos cidadãos e aos povos submissos à Roma. A civitas romana representa, portanto,
um conjunto de homens livres.
Dentre as liberdades de direito, são garantidas ao cidadão o direito a contrair matrimônio
válido com pessoa romana ou latina, o direito à tutela aos atos de comércio e o direito ao voto. A
liberdade gerava ao romano e ao estrangeiro o direito de não ser submetido a todo e qualquer tipo
de tortura. De acordo com o sistema jurídico romano, o homem livre não pode ser flagelado, mas
apenas receber chibatadas.
Os aspectos político e jurídico da liberdade romana não implicariam, porém, em uma
ideia de igualdade. Como delineado por Giuliano Crifò (1984, p. 22),
Roma dá alla libertà una estensione ed un contenuto giuridico diversi,
secondo la classe sociale e la categoria a cui appartengono gli individui,
classe e categoria per le quali é d'altronde assicurata una larga mobilità.
A diferente extensão de direitos reflete-se no fato de que as pessoas pertencentes à plebe
possuem um conjunto de direitos menor do que aqueles pertencentes ao patriciado. A diferença
no conteúdo reflete-se na diversa graduação de valor atribuído ao voto de cada cidadão. Desta
forma, todos tinham direito a voto, mas a efetiva participação ao poder público era diferenciada,
tendo as classes mais elevadas a maioria dos votos e, consequentemente, um poder muito maior.
Tal distinção na participação política, embora marcante, não é constatável desde a fundação da
cidade, mas instaurada apenas com a dinastia Tarquinia, pelo rei Sérvio Túlio e mantida durante
toda a república, tendo suas bases em fatores vinculantes como a economia, o nascimento e a
carreira (Liv. 1,43,10).
5. Direitos e obrigações do cidadão romano
O vínculo fundante entre cidadania e liberdade pode ser materialmente constatado no caso
de escravos fugitivos de outras cidades que pediam asilo no capitólio. Devido a este instituto os
escravos asilados recebiam, junto com a cidadania, o status de homem livre. O mesmo se dava
nos casos de manumissio, em que o ser humano recebia, junto com a liberdade, a cidadania.
As prerrogativas de ser cidadão implicam liberdade política e liberdade de direito,
denotando a importância da instituição de cidadania, bem como evidenciando o interesse gerado
por essa durante toda a história de Roma. Como delineia Crifò (2004, p. 34)30
, quem é
reconhecido como cidadão pode tornar-se chefe de família, sendo titular da patria potestas, da
manus sobre as mulheres e do dominium sobre coisas e escravos. Como cidadão e pater familias,
o pode manumitir escravos, instituir culto privado, oferecer proteção e assistência a estrangeiros
e concidadãos, realizar negócios jurídicos inter vivos, instituir e ser instituído herdeiro em um
testamento, suceder ab intestato, arrogar, adotar, emancipar, ser tutor. Pode agir processualmente,
votar nas assembleias populares e, consequentemente, participar às decisões sobre a paz e sobre a
guerra, sobre concessões ou não da liberdade, sobre eleições de magistrados, sobre o exército,
tributos, vida dos compatriotas, honras, triunfos. Pode exercitar ações populares, ser juízes nos
processos civis e jurado naqueles criminais, ser eleito magistrado, exercitar o ius militiae, fazer
parte dos colégios sacerdotais, colher auspícios, fundar uma tumba, exercitar o ius provocationis,
subtrair-se através do exilium à pena capital.
A cidadania romana em seu aspecto jurídico permitiu a afirmação de instrumentos para
proteger o cidadão romano das arbitrariedades dos magistrados, limitando fortemente o exercício
do poder da magistratura diante dos membros da comunidade. Um desses instrumentos é a
provocatio ad populum (também conhecida como ius provocationis) (GROSSO, 1997, p. 135)31
.
A provocatio é instituto jurídico típico do período republicano e consistia na apelação ao povo,
objetivando impedir a execução de uma condenação penal emanada por magistrado. Durante o
império, a provocatio protegia o cidadão também da fustigação, da tortura e da reclusão.32
Tal
instituto foi inicialmente proposto com previsão de uso restrito aos limites da cidade de Roma.
30 Em linha levemente diversa GAUDEMET, 2002, p. 183. 31
As normas que regulam este status privilegiado eram previstas em diversas leis romanas, entre elas, as mais
importantes eram a Lex Valeria Horatia de provocatione e as Leges Porciae de provocatione. ROTONDI, 1962, p.
235 e 268. 32
Uma das Leges Porciae de provocatione proibiu a fustigação ao cidadão, e a Lex Iulia de vi publica et privata,
em 17 a.C., que proíbe o uso da tortura aos cidadãos. A apuração de crimen lesa maiestatis (crime por atentar
contra a majestade do imperador ou do império romano) será, porém, uma exceção a esta lei.
Apenas a partir de uma das Leges Porciae de provocatione, no início do século II a.C., passou a
ser permitido o uso da provocatio fora dos limites da cidade de Roma (ROTONDI, 1962, p. 268).
A utilização deste instituto vem apresentada com muita clareza pela história do cidadão
romano Saulo de Tarso, mais conhecido no Ocidente como São Paulo. Em alguns versículos do
livro “Atos dos Apóstolos”, Lucas conta como, em várias ocasiões, São Paulo – que mesmo
sendo grego de nascimento era portador da cidadania romana –, conseguiu impor a sua condição
jurídica nas adversidades diante a qual se viu na sua pregação33
. O grito civis romanus sum,
tantas vezes utilizado por São Paulo nestas situações, é a afirmação de um direito perante a
autoridade romana, materializado em um forte sistema de garantias jurisdicionais e de proteção
do cidadão34
.
33
Atos dos Apóstolos, 16, 35-37: “Assim que amanheceu os estrategos mandaram os litores dizer ao carcereiro: põe
esses homens em liberdade. O carcereiro transmitiu a Paulo aquelas palavras: os estrategos mandaram dizer que
vos pusesse em liberdade. Sai, pois, e ides-vos em paz. Mas Paulo disse aos litores: Açoitaram-nos em público,
sem julgamento, a nós que somos cidadãos romanos, meteram-nos na prisão, e agora manda-nos sair às escondidas!
– Não esta bem! Venham eles próprios conduzir-nos lá para fora”. Atos dos Apóstolos, 22, 25-29: “Mas, quando
iam amarrá-lo para ser açoitado, Paulo disse ao centurião de serviço: Tendes autoridade para açoitar um cidadão
romano, que nem sequer foi julgado? Ouvindo isso, o centurião correu a avisar o tribuno: Que vais fazer? - disse
ele - esse homem é cidadão romano! O tribuno foi ter com Paulo e perguntou-lhe: Dize-me, tu és cidadão romano?
Sou, respondeu ele. O tribuno continuou: eu adquiri por muito dinheiro, esse direito de cidadania. Paulo retorquiu:
Pois eu já nasci com esse direito. Os que o iam interrogar retiraram-se imediatamente e o tribuno ficou cheio de
medo ao saber que tinha mandado prender e agrilhoar um romano.” Atos dos Apóstolos, 25, 9-12: “Mas, como
desejava capitar as boas graças dos judeus, Festo respondeu: queres subir a Jerusalém para lá seres julgado sobre
este assunto, na minha presença? Paulo replicou: Estou perante o tribunal de César. Devo ser julgado aqui. Não fiz
mal nenhum aos judeus, como sabes perfeitamente. Mas, se, de fato, sou culpado, se cometi algum crime que
mereça a morte, não recuso morrer. Se, porém, não ha fundamento nas acusações dessa gente contra mim, ninguém
tem o direito de me entregar a eles. Apelo para César! Então, depois de conferenciar com seu o conselho, Festo
respondeu: Apelaste para César, irás a César”. 34
Um outro episódio significativo, neste âmbito, é o citado por Cícero na obra In Verrem secundae liber V (62, 161-
63, 163; 65, 167-65, 168): “Quando de repente ordena que o homem seja arrastado da prisão para o meio da praça,
seja despido e amarrado e que sejam preparados os azorragues. Aquele pobre coitado clamava dizendo que era
cidadão romano, municípe de Compsa; que tinha servido no exército com Lucius Raecius, destacadíssimo membro
da cavalaria romana, o qual exercia o comércio em Palermo, e que tudo isso Verre poderia muito bem saber (...);
em seguida ordenou que o homem fosse açoitado com extremo rigor. Um cidadão romano, senhores juízes, era
açoitado no meio da praça de Messina e, no entanto, nenhuma outra voz se podia ouvir, a não ser a daquele coitado
que, entre golpes dos açoites, dizia: “Sou um cidadão romano!”. Evocando assim a sua condição de cidadão,
julgava estar evitando os golpes de açoite e afastando de si a tortura. Isto não somente não ocorreu – para que a
força dos golpes fosse sustada – mas ainda, quanto mais implorava e quanto mais invocava o título de cidadão, a
cruz, a cruz, digo era preparada para aquele infeliz, aquele coitado que jamais vira tal suplício! Oh doce nome da
liberdade! Oh exímio privilégio dos nossos cidadãos! Oh Lei Pórcia e Lei de Sempronius! Oh poder dos tribunos
tão profundamente desejado e finalmente conferido ao povo romano! É por caso, pois, a supressão de todas estas
garantias que leva o cidadão romano, em uma das Províncias romanas, em uma cidadela de confederados, a ser
amarrado e entregue aos golpes de açoite em praça pública por aquele que, através do benefício do povo romano
era revestido das mais altas honras? (...) Tu ousastes mandar crucificar alguém que dizia ser cidadão romano? (...)
Homens de baixa condição, de humildes origens vão pelo mar, se dirigem a países nunca vistos antes, onde nem
podem ser conhecidos aos habitantes do lugar onde chegam nem encontrar quem se tutele a identidade deles. Não
Uma garantia jurisdicional forte também era constituída pelo postliminium, ou seja, o
direito do cidadão romano capturado pelo inimigo ou ilegalmente reduzido à escravidão reaver
sua condição jurídica como antes da captura ou da escravidão, a partir do ingresso no território
romano.35
O postliminium atua sobre todos os vínculos jurídicos do cidadão, menos sobre o
matrimônio, considerado como comunhão de vida e baseado na convivência material e na affectio
maritalis.
Como é de se esperar, a cidadania não implicava apenas direitos, mas também obrigações.
O cidadão romano tinha basicamente duas obrigações em relação ao Estado: o pagamento dos
tributos e a prestação de serviço militar (GAUDEMET, 2002, p. 182). O serviço militar, que por
muito tempo foi considerado uma honra e um privilégio, começou a entrar em desuso no final do
período da república, quando grande parte dos alistados não eram mais romanos. Tratava-se
sobretudo de pessoas de diferentes origens que buscavam a cidadania romana ou simplesmente a
possibilidade de receber um soldo de Roma. De qualquer forma, por longo tempo entre os povos
conquistados continuou viva a ideia de que servir no exército romano ainda seria uma grande
honra, motivo de ascensão social e de status (GAUDEMET, 2002, p. 184)36
.
Nesta lógica movida pela busca da honra e da ascensão social, os cidadãos deveriam
constantemente demonstrar possuir alguns atributos que caracterizariam o vínculo com a pátria
romana, tais como coragem, respeito aos deuses, lealdade e fidelidade. Estes contextualizavam-se
como valores máximos, sendo exaltados pelos filósofos e juristas romanos. Entre esses últimos,
destaca-se a figura de Marco Tulio Cícero (off. 1,57)37
, quando afirmava que
obstante tudo, confiantes exclusivamente na prerrogativa deles de cidadãos romanos, pensam que estarão seguros
(...) tem a esperança ainda de encontrar neste título uma válida proteção em qualquer país que cheguem. Tira esta
esperança, tira esta proteção aos cidadãos romanos, anula ainda o socorro inerente nas palavras “sou um cidadão
romano!”, autoriza um pretor ou quem for que seja a infligir impunemente o suplício que mais lhe agrada a dano de
alguém que se proclama cidadão romano, com o pretexto de não conhecer a sua identidade: com uma desculpa
como esta terás imediatamente impedido aos cidadãos romanos o acesso a todas as nossas províncias, a todos os
reinos, a todos os Estados livres, a toda a terra, sempre amplamente acessíveis aos nossos compatriotas”. 35
Ver sobre o assunto GAUDEMET, 2002, p. 186; CURSI, Maria Floriana. La struttura del “postliminium”
nella repubblica e nel principato. Napoli: Jovene, 1996. 36
Segundo Claude Nicolet, na concepção romana os filhos dos ricos seriam sempre os melhores soldados, já que
estes teriam um maior interesse em defender a cidade e os benefícios que a classe possuía. NICOLET, 1999, p.
117. 37
Marco Tulio Cícero nasceu em Arpino em 106 a. C. e morreu em 43 a. C. de família nobre, desenvolveu intensa
atividade seja no campo político (obteve através do favorecimento da classe patrícia a nomeação a cônsul, contra o
adversário Lucio Sergio Catilina), seja no campo judiciário (foi certamente o melhor advogado de Roma). Como
cônsul, desmascarou, com as suas Catilinárias, a conjuração que Catilina, líder do partido popular, estava
Quando o espírito percorre todas as sociedades humanas, não encontra
nada mais empolgante que as relações entre nós e a Pátria. Temos amor
por nossos pais, por nossos filhos, pelo próximo, por nossos amigos; mas
só a Pátria enfeixa todos os amores. Qual o homem de bem que vacilaria
em morrer por ela, se algo pudesse servir com essa morte?. 38
O sistema jurídico romano previa a perda da cidadania, indiretamente, em duas situações:
capitis deminutio maxima e media. A primeira hipótese ocorria no caso do cidadão romano
perder a sua capacidade nas três situações jurídicas que envolvem a pessoa, ou seja: liberdade,
cidadania e família. Neste caso, a pessoa era reduzida à escravidão39
. A segunda hipótese se
originava do fato do direito romano não admitir que um cidadão de Roma viesse a adquirir a
cidadania de outro povo, acarretando a imediata perda da cidadania, mas mantendo sua
liberdade40
.
As prerrogativas da cidadania romana são amplas e implicam diretamente na atividade
política, visto que apenas o cidadão pode votar nas assembleias populares e, consequentemente,
decidir o futuro de Roma. Estas mesmas prerrogativas, e suas consequências, acabaram tornando
inviável a abertura na concessão da cidadania aos não cidadãos em períodos de guerras, levando a
ponderação de vários fatores e ao enrijecimento na assimilação de pessoas externas à
comunidade.
conspirando contra o regime repúblicano. Retirou-se da vida política durante a ditadura de César, sendo deste
período a maior parte das suas obras de retórica e de filosofia. Voltou a se ocupar de política após o assassinato de
Cesar, sendo a favor de Otaviano e contra Marco Antonio, contra quem lançou uma série de violentos ataques. 38 Cic. off. 1,57: “Sed cum omnia ratione animoque lustraris, omnium societatum nulla est gravior, nulla carior
quam ea, quae cum re publica est uni cuique nostrum. Cari sunt parentes, cari liberi, propinqui, familiares, sed
omnes omnium caritates patria una complexa est, pro qua quis bonus dubitet mortem oppetere, si ei sit profuturus?
Quo est detestabilior istorum immanitas, qui lacerarunt omni scelere patriam et in ea funditus delenda occupati et
sunt et fuerunt”. 39 Paul. dig. 4.5.11: “Capitis deminutionis tria genera sunt, maxima media minima: tria enim sunt quae habemus,
libertatem civitatem familiam. Igitur cum omnia haec amittimus, hoc est libertatem et civitatem et familiam,
maximam esse capitis deminutionem: cum vero amittimus civitatem, libertatem retinemus, mediam esse capitis
deminutionem: cum et libertas et civitas retinetur, familia tantum mutatur, minimam esse capitis deminutionem
constat”. Segundo Jean Gaudemet (2002, p. 183), uma vez retornado a Roma, o cidadão poderia readquirir a
situação jurídica como antes de ser feito prisioneiro através do instituto do postliminium. Para, por esta, ser
beneficiado, era necessário: a) que Roma não reconhecesse a condição de escravo que lhe fora atribuída, coisa que
somente aconteceria se a pessoa tivesse sido aprisionada e feito escravo pelo inimigo (eram automaticamente
excluídos os vendidos como escravos para o pagamento de dívidas); b) que no ato da prisão este não tivesse ainda
capitulado; c) que este tivesse efetivamente retornado ao território romano, sem a intenção de retornar ao povo
estrangeiro. 40 Recorda Gaudemet (2002, p. 184) que o De Visscher (1954, p. 36-62) faz notar que o mesmo não acontecia com o
estrangeiro que viesse a receber a cidadania romana. Uma antiga tradição permitia a este adquiri-la sem ter de
renunciar a cidadania de origem.
Considerações Finais
A cidadania romana é caracterizada em toda a existência de Roma pela liberdade41
,
ganhando diferentes aspectos e desdobramentos com as transformações sociais e políticas
vivenciadas por aquela realidade. A cidadania garantia a manutenção do status naturale do
cidadão e trazia em si o valor de participação política à comunidade. Esta última, inicialmente foi
universal em âmbito masculino, com igualdade de valor dos votos, sendo posteriormente
modificada durante a Dinastia Tarquínia por Sérvio Túlio, quando estabeleceu valor diferente
para o voto da cada cidadão de acordo com fatores como economia, nascimento e carreira.
A extensão da civitas através da concessão da cidadania romana ocorre tendo por base ao
princípio da civitas augescens e da civitas amplianda.42
A concepção de expansão da cidadania é
presente, desde a origem da cidade, no asilo aos estrangeiros criado por Rômulo no Capitólio.
Durante a república continua-se a sentir a concepção de expansão da cidade por meio das
conquistas de povos e cidades, bem como, a ampliação da civitas aos povos itálicos e à Gália
Transpadana.
A gradual expansão da cidadania romana resultou no paulatino enfraquecimento da
distinção entre civis, Latinus e peregrinus, refletindo o universalismo romano através da abertura
em relação ao externo e consolidando o universalismo romano por meio do ius.
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41 Vai nesta direção CONSTANT, 1819, disponível em: http://www.panarchy.org/constant/liberte.1819.html,
consultado em 09/05/2012; também Hanna Arendt, ao afirmar que “(...) tanto na Antiguidade grega como na
romana, a liberdade era um conceito exclusivamente político, a quintessência, na verdade da cidade-estado e da
cidadania”. ARENDT, 2003, p. 205. 42 Sobre civitas augescens ver Pomp. dig. 1,2,2,7; e sobre civitas amplianda ver Iust. cod. 7,15,2.
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2. JURISPRUDÊNCIA
Jurisprudência é o conhecimento das coisas divinas e humanas, a ciência do justo e do
injusto (Ulpiano 150-223 d.C., D. 1.1.10.1).
Jurisprudência: atividade dos juristas, pareceres e obras jurídicas, equiparado à doutrina
hodierna.
Atividade da jurisprudência romana:
- respondere – emissão de pareceres;
-cavere – preparação dos esquemas dos negócios jurídicos aptos à conseguir os mais
diferentes resultados práticos.
-agere – assistir as partes na escolha e na adaptação dos módulos processuais aos
casos concretos.
Características da jurisprudência: gratuidade e publicidade. O jurista deve ser um
conhecedor do direito e da vida social, das relações humanas, buscando através do costume e das
leis, fazer o
direito acompanhar a dinâmica da sociedade.
A atividade jurisprudencial começa com os sacerdotes no regnum, ganhando forte
impulso após a criação da Lei das XII tábuas, em 451/0 a.C. A partir do III século a.C.
desenvolve-se a jurisprudência laica, por meio do trabalho de juristas patrícios. A jurisprudência
laica não tem a mesma autoridade da jurisprudência sacerdotal durante o período republicano.
O processo de passagem da jurisprudência sacerdotal para aquela laica ocorre por meio da
difusão do conhecimento jurídico, que deixa de ser privilégio apenas dos sacerdotes. O processo
é gradual e ocorre principalmente por meio da publicidade das formas de ações em 304 a.C. (ius
flavianum) e da concessão de pareceres jurídicos. Esses últimos eram inicialmente concedidos
pelos sacerdotes a sós com o interessado. Essa prática mudou com Tibério Coruncânio (III séc.
a.C.) primeiro Pontífice Máximo de origem plebeia, que estabeleceu que as reuniões dos
pontífices fossem abertas ao público.
O parecer jurídico era dado em público, para que todos pudessem ver e aprender. Os
juristas recebiam jovens na própria casa e davam pareceres à população diante dos jovens que
queriam aprender uma profissão.
A jurisprudência laica republicana tem dois grandes juristas que fundam escolas de
direito.
Quinto Múcio Scevola e Sérvio Sulpício Rufo (II -I séc. a. C.). Entre esses dois juristas
forma-se um antagonismo (contraposição, rivalidade) que se estenderá entre as escolas
jurisprudenciais durante parte do período imperial.
Formam-se em Roma duas escolas jurisprudenciais a dos Sabinianos e a dos Proculianos.
- A escola jurisprudencial sabiniana tem origem com Sérvio Sulpicio Rufo, mas ganha
seu nome de um jurista posterior Masurio Sabino. Na escola Sabiniana predominava
a sistemática, uma exposição prática, quase um relatório dos fatos.
- A escola jurisprudencial Proculeiana tem origem em Quinto Múcio Scevola, mas ganha
seu nome de um jurista posterior Próculo. Na escola Proculiana predominava a
casuística ou seja, uma exposição mais complexa dos fatos e do direito.
A grande maioria dos juristas da época acabou se filiando ou identificando mais com
umas do que com as outras. As opiniões que as duas escolas apresentavam em relação aos casos
de aplicação do direito, eram freqüentemente diferentes e até mesmo contrárias. Cada jurista da
escola apresenta uma opinião própria que se identifica mais ou menos com as dos demais.
Como características da jurisprudência laica republicana, em geral, tem-se a concepção de
uma atividade livre a ser exercitada por juristas, sem controles oficiais e sem valor obrigatório
para
os juízes.
Respeitando a atividade de jurisprudência Otaviano Augusto (imperador entre 27 a.C. e
14 d.C.) introduziu o ius respondendi ex auctoritate principi. O ius respondendi era um
reconhecimento dado aos jurisconsultos de fama e valor. O parecer dado por esses juristas passa
então a ter a autoridade do príncipe, quase como se fosse dado pelo príncipe. Tal fato não
significa o monopólio da atividade jurisprudencial, que permanece livre. O ius respondendi
conferia um particular valor ao parecer, tornando-se paulatinamente vinculante para o juiz.
O primeiro imperador romano queria restringir a atividade dos juristas e dominar o
direito, tornando as suas disposições com valor de lei e esvaziando as instituições republicanas.
Ele queria governar sozinho, mas ainda é ligado à autoridade do Senado.
A escola sabiniana foi quase uma escola oficial, a proculiana foi uma escola mais livre,
independente com juristas mais elegantes e cultos.
Alguns membros da escola Sabiniana: Masurio Sabino, C. Cássio Longino, Célio Sabino,
Javoleno Prisco, Sálvio Juliano. Alguns membros da escola Proculiana: M. Antistio Labeão,
Nerva, Juvêncio Celso, Nerazio Prisco, Juvêncio Celso (filho).
Somente a partir de Adriano (117-138 d.C.) foi unificada a tradição jurisprudencial.
Quando Gaio escreve (II século d.C.), já não existe a divisão da jurisprudência em duas grandes
escolas, mas em uma única tradição.
A jurisprudência estava em oposição à nova constituição política no início do principado
porque os juristas estavam ligados ao senado. A relação com os juristas melhora somente quando
estes entram na burocracia imperial.
3. TORTURA
Tortura é um instituto jurídico do Direito romano, ou seja, é um argumento disciplinado,
regulado por um complexo de normas. Era permitida, usada dentro do ius civile como
instrumento processual e como pena acessória.
O que é a tortura? Tortura é ligada à dor física, à provocação de dor física. A tortura é um
instrumento processual para chegar à verdade e é uma pena acessória. Como pena, a tortura não é
aplicada sozinha: o acusado é condenado à morte e à tortura. A tortura enquanto pena acessória
servia para trazer mais humilhação, mas não para levar à morte. A morte deveria ser rápida, sem
muito sangue e sem o uso de veneno.
Quem pode ser torturado?
O homem livre não pode ser flagelado, mas frustado. Tortura como sinal de tirania.
Reino:
A tortura foi introduzida no direito romano durante o regnum, pelo último rei de Roma,
Tarquínio o Soberbo. Ela nasce através da potestas, ou seja, do poder atribuído ao pater familias,
dentro da família. O pater familias tem o direito de punir. Quem está submisso a ele não reclama
de ser punido, porque nasceu para isso (filhos, esposa, escravos).
República:
Existe debate sobre a aplicação da tortura durante a República, mas as fontes indicam a
sua aplicação. A tortura durante o fim da República ocorria dentro das quaestiones perpetuae,
processo ordinário de perseguição penal.
Quaestiones perpetuae:
Tribunais permanentes fundados no II a.C. ao II d.C. Processo de natureza acusatória,
com o uso da vis (força) e tormento. A palavra vem de quaerere, procurar as provas relativas à
acusação.
Nas quaestiones se usava a tortura enquanto forma de alcançar a verdade, de obter a
confissão do acusado. No século II e I a.C. o processo é de natureza senatoria, sendo realizado
pelos senadores, para apurar os ilícitos cometidos em província pelos governadores.
Características do sistema processual que ocorria por quaestiones perpetuae:
- a acusação era feita por um cidadão;
a. o juízo definitivo era feito por um júri de cidadãos;
b. o magistrado (pretor) limitava-se a presidir o júri, sem participar do
voto.
Forma de desenvolvimento do processo:
- um cidadão (não necessariamente o ofendido pelo reato, mas alguém habilitado
para acusar – mulher não pode acusar) fazia a acusação através da postulatio
(pedido ao magistrado do direito de acusar);
- depois da acusação do cidadão ocorria a verdadeira acusação que é aquela que
parte do magistrado, nominis delatio, que seguia o processo com o qual o
magistrado inscrevia o acusado na lista dos imputados (nomen recipere);
- formação do júri: o magistrado tinha uma lista anual de possíveis jurados. O
acusador fazia uma seleção desses possíveis jurados e o acusado escolhia os
membros do júri em base a lista dada pelo acusador. Lista dada pelo magistrado,
pré-seleção do acusador, última seleção por parte do acusado. Jurados inicialmente
são senadores, após também cavaleiros;
- depois da formação do júri ocorria o debate com acusação e defesa. Ao final do
debate os jurados realizavam a votação e o magistrado, recolhidos os votos,
declaravam solenemente o resultado da votação, pronunciando a condenação ou
absolvição do acusado.
Quaestor: magistrado auxiliar dos cônsules, são inicialmente aqueles que tratam da repressão
penal, procurando os autores dos ilícitos penais e provas contra eles. A cidade tem o interesse de
punir os delitos.
Quem pode ser torturado:
- escravos: para torturar o escravo deve-se pedir permissão ao proprietário. O
proprietário tem o direito de torturar o próprio escravo. Não pode maltratar sem
motivo, mas pode torturar para descobrir a verdade de crime ou delito. Com Augusto
ocorre uma intervenção legislativa (norma) que busca moderar o uso da tortura contra
escravos.
- livres, com exceção ao clero, militares, impúberes. Os militares não são expostos à
tortura, aos trabalhos forçados ou às minas. Os militares podem receber penas
pecuniárias, aumento de serviço, degradação, mudança de destino ou expulsão
vergonhosa.
Não deve ser exposto à tortura ao impúbere, o menor de 14 anos, independente de ser
livre ou escravo. O menor de 14 anos não é exposto à tortura porque é fácil induzi-lo a dizer
qualquer coisa. Ele não e torturado como pena, mas deve ser punido de outras formas.
Finalidade da tortura no processo: obter a verdade. O imputado deve dizer a verdade (ele é
o único que a conhece) e a tortura é usada para isso. A verdade se expressa não apenas pela
palavra, mas também por gestos, comportamentos (indícios). Resistir à dor é um forte indício de
culpa, se o acusado não fala, condena-se sozinho.
Império:
A Lex Iulia de vi publica (17 a.C.) proíbe o uso da tortura aos cidadãos, mas em caso de
apuração de crimen lesa maiestatis (crime contra a majestade do povo romano ou do imperador),
qualquer um pode ser submetidos à tortura. Calígula (imperador entre 37 e 41 d.C.) tortura os
senadores.
Consultar situação vivida por São Paulo: Bíblia, Atos, 22.
A forma de processo penal que ganha espaço durante o império é a cognitio extra ordinem
– regido diretamente pelo imperador. É o imperador que analisa e julga o caso. Ver processo de
São Paulo, exposição parcial em Atos do apóstolos 21.27 a 28.30. Apelação ao imperador e
julgamento do caso em Roma.
A tortura não deve ser usada em todas as causas e nem contra qualquer um. O processo
não precisa começar com a tortura e nem deve-se usá-la muito. Não deve-se aplicar sempre a
tortura e nem sempre deve-se crer no que diz o torturado. O tribuno mandou o centurião açoitar
(torturar) São Paulo, mas não pôde porque ele alegou ser cidadão romano (civis romanus sunt.
Atos dos apóstolos 22.25)
Confissão:
Imperador Adriano: a tortura deve ser usada somente nos casos em que o quadro contra o
imputado é completo, falta somente a sua confissão. Não se aplicava a tortura em caso de
confissão espontânea. Os suspeitos de adultério podem ser submetidos à tortura (mulher e seu
amante).
Quem confessou não deve ser torturado para denunciar outros.
Testemunhas:
Uso da tortura contra as testemunhas para obter detalhes dos fatos. O escravo ou o liberto
não pode ser exposto à tortura contra o próprio patrão.
A tortura aos escravos é feita somente se não existem outras provas. Não se pode torturar
ninguém sem saber qual é o seu “status”.
EXERCÍCIOS
1 – Discorra sobre a Fundação de Roma e organização política da cidade;
2 - Discorra sobre a relação entre lex (lei) e comitia (assembleia);
3 – Conceitue e relacione pater familias e patria potestas;
4 - Discorra sobre Pater familias e patria potestas;
5 – Matrimônio: características gerais e formas jurídicas;
6 – Discorra sobre o matrimônio sine manu;
7 – Discorra sobre o matrimônio cum manu;
8 – O que é o edito do pretor e qual a sua relação com o direito?
9 – Discorra sobre a origem e o desenvolvimento da iurisprudentia.
10 - Conceitue, contextualize e relacione: Cônsul e o praetor;
11 – Discorra sobre: adoção e adrogatio;
12 – Quais os direitos concernentes à cidadania masculina?
13 – As mulheres tinham cidadania em Roma? Quais as características?
14 – Conceitue e relacione Ius e os três sistemas jurídicos existentes na Roma antiga: ius
gentium, ius civile e ius naturale
15 – Discorra sobre os itens de família e relações de parentesco: agnatio e patria potestas;
16 - Explique a relação entre ius, costumes e mores maiorum;
17 - O que é o edito do pretor?
18 - Como desenvolve-se o processo formular e em que período ele ocorre?
19 - O que é a congnitio extra-ordinem?
20 - Explique o papel do príncipe na cognitio extra-ordinem.
21 - Qual o papel do jurista na Roma Antiga?
22 – Quem são os sabinianos e os proculianos?
23 - O que é o ius respondendi?
24 – O que são fontes do direito?
25 - Quais as fontes do direito romano do período real, republicano e imperial?