Universidade Católica de Goiás Departamento de Matemática e Física
Curso de Engenharia de Alimentos
ENGENHARIA BIOQUÍMICA
Verônica Ortiz Alvarenga
Goiânia – Goiás 2009
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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 4
1.1 Definição de Engenharia Bioquímica .............................................................. 4 1.2 Histórico e Evolução ....................................................................................... 4 1.3 Definição de Biotecnologia ............................................................................. 6
1.3.1 Evolução da biotecnologia ....................................................................... 7 1.4 Microrganismos e sua utilização na indústria .................................................. 7
1.4.1 Fontes de microrganismos de interesse .................................................. 8 1.4.2 Características desejáveis de microrganismos ........................................ 8 1.4.3 Participantes na tecnologia de alimentos ................................................. 9
2 TECNOLOGIA DAS FERMENTAÇÕES ..................... ......................................... 11 2.1 Considerações sobre metabolismo energético ............................................. 11 2.2 Os microrganismos e as fermentações dos alimentos .................................. 13
2.2.1 Definição de bioprocesso....................................................................... 13 2.2.2 Substrato ............................................................................................... 14
2.2.2.1 Fonte de energia ................................................................................ 15 2.2.2.2 Fonte de carbono ............................................................................... 15 2.2.2.3 Fonte de nitrogênio ............................................................................ 16 2.2.2.4 Fonte de minerais .............................................................................. 16
2.2.3 Esterilização .......................................................................................... 16 2.2.3.1 Esterilização pelo calor ...................................................................... 17
2.2.3.1.1 Esterilização pelo calor seco ........................................................ 17 2.2.3.1.2 Esterilização por calor úmido ........................................................ 17
2.2.3.2 Esterilização química ......................................................................... 18 2.2.3.3 Esterilização por irradiação de luz ultravioleta .................................... 18
2.2.4 Desenvolvimento dos agentes de bioprocessos e a exigência de oxigênio..................................................................................................................18 2.2.5 Desenvolvimento dos agentes de fermentação e estado físico do substrato .............................................................................................................. 19
2.2.5.1 Fermentação em estado líquido ......................................................... 19 2.2.5.2 Processos de fermentação em meio líquido e na superfície ............... 19 2.2.5.3 Processos de fermentação em meio líquido submersos..................... 20 2.2.5.4 Fermentação em estado sólido .......................................................... 20
2.2.6 Cinética dos bioprocessos ..................................................................... 22 2.2.6.1 Processo de fermentação .................................................................. 24
2.2.6.1.1 Descontínuo simples .................................................................... 24 2.2.6.1.2 Descontínuo com recirculação de célula ....................................... 26 2.2.6.1.3 Semi-contínuo .............................................................................. 26 2.2.6.1.4 Descontínuo alimentado (“fed batch”) ........................................... 27 2.2.6.1.5 Contínuo ....................................................................................... 28 2.2.6.1.6 Vantagens e desvantagens do processo contínuo em relação ao processo descontínuo ................................................................................... 29 2.2.6.1.7 Definição dos parâmetros cinéticos .............................................. 30
2.2.6.1.7.1 Definição das velocidades instantânea de crescimento ou de transformação ........................................................................................... 30 2.2.6.1.7.2 Velocidades Específicas de crescimento ou transformação ... 31 2.2.6.1.7.3 Fatores de Conversão ............................................................ 31
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2.2.6.1.7.3.1 Coeficiente de rendimento celular (rendimento de substrato a células)..................................................................................................31 2.2.6.1.7.3.2 Coeficiente de rendimento de produto (rendimento de substrato a produto) ............................................................................... 32
2.2.6.1.7.4 Determinação da velocidade de crescimento ......................... 32 2.2.6.1.7.5 Cinética de Crescimento de Monod ........................................ 34 2.2.6.1.7.6 Metabolismo endógeno .......................................................... 35 2.2.6.1.7.7 Modelos de crescimento não estruturados ............................. 36
2.3 Biorreatores .................................................................................................. 38 2.3.1 Reatores Biológicos ideais ..................................................................... 39 2.3.2 Reatores de mistura .............................................................................. 39
2.3.2.1 Reatores em Batelada ....................................................................... 39 2.3.2.1.1 Preparo do inóculo........................................................................ 39 2.3.2.1.2 Equações do reator em batelada .................................................. 40
2.3.2.2 Reatores em batelada alimentada ...................................................... 41 2.3.2.3 Reatores de mistura contínuos........................................................... 42
2.3.2.3.1 O Quimiostato: o reator de mistura ideal ....................................... 42 2.3.2.3.1.1 Balanço de células ................................................................. 43 2.3.2.3.1.2 Balanço do substrato .............................................................. 43 2.3.2.3.1.3 Produtividade ......................................................................... 45 2.3.2.3.1.4 Auto regulação de um quimiostato ......................................... 46
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1 INTRODUÇÃO
1.1 DEFINIÇÃO DE ENGENHARIA BIOQUÍMICA
Durante muitos anos várias definições de Engenharia Bioquímica apareceram
na literatura. Praticamente todas elas definem a Engenharia Bioquímica como uma
ciência que nasceu pela combinação de 3 áreas do conhecimento científico:
Microbiologia, Bioquímica e Engenharia Química. Seu papel, na realidade, é de
transformar conhecimentos obtidos por microbiologistas e bioquímicos em processos
industriais, com vistas a aperfeiçoá-los, assim com aumentar produtividade e
rendimento. Para isto, um engenheiro bioquímico deve não só ter sua formação em
princípios básicos de engenharia, como também em ciências biológicas.
1.2 HISTÓRICO E EVOLUÇÃO
Milênios antes de saber da existência de seres microscópicos, o homem já se
utilizava deles. É assim que o homem das cavernas já sabia que a carne maturada
tinha melhor sabor, produzia bebida alcoólica, assim como fabricava queijos e
produzia coalhada e vinagre desde tempos remotos. O pão fermentado por leveduras
foi encontrado em pirâmides egípcias construídas há milênios. Muitos produtos obtidos
pela ação de microrganismos podem ser incluídos nesta lista histórica: vinho
(conhecido pelos antigos gregos), cerveja (2000 anos A.C.), soja fermentada, etc.
Até meados do século XIX o homem permaneceu na ignorância total sobre as
causas da fermentação. Em 1857, Pasteur demonstrou que a fermentação alcoólica
era produzida por leveduras e que estas eram células vivas. Demonstrou também que
várias doenças eram causadas por microrganismos. Em 1901, Rudolf Emmerich e
Oscar Loco , da Universidade de Munique, isolaram a piocianase de Pseudomonas
aeruginosa. Centenas de pacientes foram tratados com sucesso pela piocianase, o
primeiro antibiótico conhecido. Porém, a piocianase estava muito a frente de seu
tempo e pela inexistência de técnicas seguras e apropriadas de produção e controle
de qualidade, foi abandonada prematuramente pelos riscos apresentados.
No início do século XX já se produzia levedura de panificação em tanques
abertos e aerados. Durante a I Guerra Mundial, Chain Weismann conseguiu
produzir acetona a partir de amido usando uma bactéria, Clostridium acetobutilicum,
livrando a Inglaterra de uma séria falta de munição, pois acetona é usada na
fabricação de cordite. Em 1923, Pfizer inaugurou a primeira fábrica para obtenção de
ácido cítrico por fermentação, utilizando Aspergillus niger na conversão do açúcar em
ácido, barateando o produto. Alexander Fleming, em 1928 manipulando
Staphylococcus aureus, notou que numa das placas de cultura deste microrganismo
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havia contaminação por bolor da família Penicillium, e que ao redor deste não houve
crescimento da bactéria. Extraiu do bolor uma substância, a qual denominou de
penicilina, ativa contra bactérias. Mas foi somente durante a II Guerra que a penicilina
foi industrializada devido a grande necessidade de agentes bactericidas mais
eficientes que a sulfa, até então utilizada. Seguiu-se após, o aparecimento de outros
antibióticos. Selman Waskman isolou um actinomicete, Streptomyces grisens, da
garganta de uma galinha, produtor de estreptomicina. Este antibiótico mostrou-se
altamente eficaz contra bactérias causadoras da tuberculose. A lista dos antibióticos
hoje é longa, além das penicilinas e estroptomicinas. A pesquisa é intensa e cada ano
novos produtos, novas técnicas e novos processos vêm se juntar aos já existentes.
Muitas vitaminas são produzidas por fermentações, com, por exemplo, vitamina B2
(riboflavina), vitamina B12 (Cianocobalamina) e vitamina C (ácido ascórbico).
Processos fermentativos também são usados na produção de cortisona e seus
derivados, assim como na síntese de aminoácidos (L-lisina e ácido glutâmico). A
gibelerelina, hormônio regulador do crescimento das plantas, é um novo produto de
fermentação usado principalmente no Oriente. Inseticidas bacterianos (B.
thuringiensis) encontram grande aplicação na agricultura.
Antes da produção de penicilina em escala industrial ter começado, já se
produziam industrialmente certos produtos como leveduras de panificação, ácido
cítrico e ácido glicônico onde as condições de acidez do meio de cultura eram
adversas a microrganismos contaminantes. Da mesma forma, na obtenção de
produtos como sorbose, acetona, butanol e etanol, as concentrações de substrato ou
produto eram demasiadamente elevadas de forma que microrganismos contaminantes
eram quase que inexistentes. Assim sendo, os requerimentos para uma cultura pura
nos processos de obtenção dos produtos acima descritos, eram praticamente nulos.
Porém, no caso da penicilina, as condições de operação tinham que ser estritamente
assépticas. Assim, os engenheiros bioquímicos se encontraram em face de um grande
problema. Esse desafio fez com que surgisse uma nova filosofia de “design” de
fermentadores, de técnicas de operação e de equipamentos em geral, de forma que
uma perfeita esterilidade fosse obtida. Além disso, para a extração de alguns produtos
como a penicilina, que era encontrada no meio de cultura em pequenas concentrações
e relativamente instável, exigiu o desenvolvimento de novas técnicas de filtração,
extração, adsorção e concentração, dando origem a técnicas modernas de extração e
purificação de produtos de origem biológica.
As técnicas desenvolvidas para a produção de penicilina, como a fermentação
submersa, foram posteriormente aplicadas em outros antibióticos e também a
diferentes produtos, de forma que os equipamentos sofreram uma espécie de
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padronização, com algumas adaptações dependendo das características de certos
processos. Além disso, os equipamentos e operações empregados em diferentes
processos fermentativos são similares aos de processos químicos. Por isso a
Engenharia Bioquímica é baseada nos conceitos de operações unitárias e processos
unitários da Engenharia Química, assim como em seus princípios estequiométricos,
cinéticos e termodinâmicos. No entanto, é evidente que, apesar de características
comuns entre as duas disciplinas, existem peculiaridades diferentes entre elas, de
forma que a engenharia bioquímica é encarada como um ramo especializado da
engenharia química. Como exemplo de operações unitárias comuns entre elas
podemos citar: mistura de três fases heterogêneas (microrganismos, meio e ar),
transporte de massa (oxigênio do ar para o microrganismo), transporte de calor (do
meio de cultura para o ambiente).
Transformações de matéria-prima em produtos por ação microbiológica
possuem aspectos comuns sob o ponto de vista químico ou físico, fornecendo-nos a
possibilidade de classificar os diferentes mecanismos de reação em processos
unitários, como por exemplo, reduções, oxidações, conversões de substrato,
transformações, hidrólises, polimerização, biossínteses complexas e formação de
células.
1.3 DEFINIÇÃO DE BIOTECNOLOGIA
É definido como uso de microrganismos, células de plantas, células de animais
ou parte de células, assim como, enzimas, imunoglobulinas ou genes para elaboração
de produtos ou para conduzir processos.
A biotecnologia fornece diversas aplicações para melhorar a indústria de
alimentos, como por exemplo, modificações genéticas em aves, como a redução na
quantidade de gordura e aumento da massa muscular.
A interação da biotecnologia industrial com os ramos dos conhecimentos está
apresentado na figura 1.
Figura 1. Interação da biotecnologia com os ramos do conhecimento
7
1.3.1 Evolução da biotecnologia
As técnicas de fermentação, que até o presente momento constituem os
processos principais da biotecnologia, são conhecidas e utilizadas desde a
antiguidade, principalmente na produção de cervejas e vinhos. No oriente, os antigos
já utilizavam bebidas fermentadas, da mesma forma de que, na América pré-
colombiana, também já se produziam bebidas com a utilização de processos
rudimentares de fermentação. Há séculos que no Japão e na China se utilizam
processos de produção de bebidas e alimentos pela técnica de fermentação.
O troglodita sabia que a carne deixada em repouso alguns dias era mais
saborosa que aquela ingerida logo após a matança; Sabia, também que bebidas
intoxicantes poderiam ser feitas de grãos e frutas. O envelhecimento da carne e a
fabricação de bebidas alcoólicas foram os primeiros usos de fermentação pelo
homem;
A fabricação de queijo e molho de soja na China e no Japão é conhecida há
milhares de anos;
Foram encontrados pães nas pirâmides egípcias construídas há milhares de
anos
1.4 MICRORGANISMOS E SUA UTILIZAÇÃO NA INDÚSTRIA
Muitos microrganismos, através de processos bioquímicos, são empregados
em geral, para obtenção de produtos alimentícios, farmacêuticos, etc. Este meio sofre
a ação dos biocatalisadores (microrganismos), pela inoculação de uma suspensão
suficientemente concentrada de células ativadas ou recicladas ao processo.
•••• Bactérias : As bactérias são onipresentes na natureza, em ambientes aeróbios
e anaeróbios contendo água. Entre os gêneros, as habilidades sintéticas
variam desde àquelas das espécies autotróficas, que requerem apenas
compostos inorgânicos para o crescimento, àquelas das espécies
heterotróficas. Igualmente há uma enorme amplitude de habilidade
degradativa. Por causa dessas capacidades diversas, as bactérias têm sido
exploradas industrialmente para acumular produtos intermediários e finais do
metabolismo. São uma rica fonte de produção de enzimas.
•••• Vírus : Os vírus são os menores microrganismos. Os vírus parasitos de
bactérias são denominados bacteriófagos. A cultura de vírus para testar drogas
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antivirais e para a produção de vacinas é um importante empreendimento
industrial.
•••• Fungos : Os fungos são amplamente espalhados na natureza em ambientes de
umidade mais baixa do que aquela que favorece as bactérias. O metabolismo
de fungos é essencialmente aeróbio. Do ponto de vista morfológico os fungos
são divididos em dois grandes grupos: os bolores e as leveduras.
o Bolores: caracterizam-se por formarem um micélio que é um conjunto
de estruturas filamentosas denominadas hifas.
o Leveduras: são fungos geralmente unicelulares de forma e tamanho
muito variados, indo desde elementos esféricos até células elípticas,
quase filamentosas.
Para todos os microrganismos existem três temperaturas cardeais:temperatura
mínima abaixo da qual não há crescimento; temperatura máxima acima da qual não há
crescimento; temperatura ótima, onde o crescimento é máximo. A temperatura ótima
de crescimento microbiano varia com o tipo de microrganismo. A faixa de crescimento
mais comum situa-se entre 25 e 45 ºC.
� Termófilas: em torno de 60ºC
� Psicrófilas: em torno de 10ºC
� Mesófilas: entre 20 e 40ºC
1.4.1 Fontes de microrganismos de interesse
Microrganismos que possam ter interesse industrial podem ser obtidos
basicamente das seguintes formas:
� Isolamento a partir de recursos naturais;
� Compra em coleções de cultura;
� Obtenção de mutantes naturais;
� Obtenção de mutantes induzidos por métodos convencionais;
� Obtenção de microrganismos recombinantes por técnicas de
engenharia genética.
1.4.2 Características desejáveis de microrganismos
Para uma aplicação industrial, espera-se que os microrganismos apresentem
as seguintes características gerais:
� Elevada eficiência na conversão do substrato em produto;
� Permitir o acúmulo de produto no meio para se ter elevada
concentração do produto no substrato;
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� Não produzir substâncias incompatíveis com o produto;
� Apresentar constância quanto ao comportamento fisiológico;
� Não ser patogênico;
� Não exigir condições de processo muito complexas;
� Não exigir substratos dispendiosos;
� Permitir a rápida liberação do produto para o meio.
1.4.3 Participantes na tecnologia de alimentos
Muitos alimentos devem suas produção e características às atividades
fermentativas dos alimentos. Vários produtos, como queijos maturados, conservas,
chucrutes, lingüiças fermentadas, são alimentos que possuem uma vida-de-prateleira
consideravelmente maior que a matéria-prima da qual eles foram feitos. Além de
serem mais estáveis, todos os alimentos fermentados possuem aroma e sabor
característicos que resultam direta ou indiretamente dos microrganismos
fermentadores. Em alguns casos, o conteúdo de vitaminas dos alimentos cresce
juntamente com o aumento da disgetibilidade da matéria-prima. O processo de
fermentação reduz a toxicidade de alguns alimentos (por exemplo, gari e peujeum1),
enquanto outros podem se tornar extremamente tóxicos durante a fermentação (como
no caso do bangokrek2)
As transformações bioquímicas que ocorrem durante a fermentação, quando
controladas são benéficas. Para tanto, as condições de fermentação, pH, temperatura
e composição do mosto de fermentação, devem ser monitoradas, de forma que o
microrganismo converta o substrato presente no mosto, em produtos de interesse.
Caso haja descontrole nas condições de processo, as transformações bioquímicas
podem ser indesejáveis como, por exemplo, putrefação de alimentos.
Alguns alimentos, que passam pelo processo de fermentação estão
relacionados na tabela 1.
Tabela 1. Alimentos fermentados
1 Gari (África) e Peujeum (Indonésia) – alimentos típicos preparados a partir da mandioca. Depois de
cozida a vapor e amassada, a mandioca é mistura com o ragi (farinha de arroz que age como cultura
starter), embrulhada em folhas de bananeira e postas em potes de barro para fermentar por um ou dois
dias. 2 Bangkrek – produto preparado a base da fermentação de tempe (comida típica da Tailândia feita com
soja fermentada) e com resíduos de coco que sobram da extração do seu óleo. Pode ser mortal quando
se desenvolve a bactéria Pseudomonas. Mesmo tendo sido proibida a sua fabricação e venda, 40
pessoas morreram intoxicadas em 1988 na Tailândia
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Na indústria química, farmacêutica e na agricultura a aplicação da engenharia bioquímica está listada abaixo
11
2 TECNOLOGIA DAS FERMENTAÇÕES
2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE METABOLISMO ENERGÉTICO
O termo metabolismo refere-se a todas as reações químicas que ocorrem na
célula, incluindo tanta as reações que produzem energia como as que utilizam a
energia para a biossíntese ou outras funções celulares. Energia é traduzida como a
capacidade de realizar trabalho. Uma célula viva deve realizar diferentes tipos de
trabalho, tais como produzir enzimas, sintetizar parede celular e membrana
citoplasmática e reparar danos ocorridos na célula.
Para realizar o trabalho, a célula necessita de uma grande quantidade de
energia. A fonte desta energia para alguns organismos são as moléculas químicas
(nutrientes) que são absorvidas pelas células. Quando as ligações químicas desses
nutrientes são quebradas, a energia é liberada em forma de energia química que a
célula armazena e posteriormente utiliza para executar trabalho. Para outros
12
organismos, a fonte de energia é a luz; quando expostos a ela, eles convertem a
energia luminosa em energia química utilizada no metabolismo (Figura 2).
Figura 2. Aspectos macroscópicos do metabolismo dentro do interrelacionamento global dos organismos vivos na biosfera. Fonte: Lehninger, 1988.
O metabolismo é composto por duas reações básicas (Figura 3):
1- Catabolismo: reações de degradação (liberação de energia)
2- Anabolismo: reações de biossíntese (consumo de energia)
Figura 3. Metabolismo = catabolismo+ anabolismo. Fonte: Lehninger, 1988
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A célula requer energia para realizar diferentes tipos de trabalho:
• Biossíntese das partes estruturais da célula: parede, membrana e
apêndices externos;
• Síntese de enzimas, ácidos nuclêicos, polissacarídeos, fosfolipídeos,
proteínas e outros componentes químicos;
• Transporte de nutrientes
• Reparo de danos e manutenção da célula em boas condições;
• Crescimento e multiplicação;
• Armazenamento de nutrientes e excreção de produtos indesejáveis;
• Mobilidade.
2.2 OS MICRORGANISMOS E AS FERMENTAÇÕES DOS ALIMENTOS
2.2.1 Definição de bioprocesso
Bioprocessos compreendem um conjunto de operações que incluem o:
• Tratamento da matéria prima;
• Preparo dos meios de propagação e produção;
• Esterilização e a transformação do substrato em produto(s);
• Processos de produção;
• Processos de separação e purificação de produto(s).
A distinção entre bioprocessos e processos químicos está calcada na natureza dos
catalisadores utilizados em suas reações. Os bioprocessos são conduzidos mediante
ação de:
• Microrganismos;
• Células animais ou vegetais;
• Enzimas.
Um esquema geral para processos fermentativos (bioprocesso) está representado na figura 4.
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Figura 4. Esquema geral de um processo fermentativo
2.2.2 Substrato
Uma grande variedade de matérias-primas, geralmente provenientes da
agroindústria, são utilizadas como fonte(s) de substrato(s) e outros nutrientes. De uma
forma geral, as matérias-primas de bioconversões podem ser agrupadas em função da
estrutura e da complexidade molecular dos substratos. A matéria-prima é um dos
componentes mais relevantes nos custos de produção, havendo casos em que pode
representar até 75% do custo total, sendo esta uma das razões pelo crescente
interesse no aproveitamento de resíduos agroindustriais. A escolha dos nutrientes
adequados à geração do produto de interesse está relacionada à atividade metabólica
desenvolvida pelos microrganismos. Nesse ponto, destaca-se a importância das
informações obtidas sobre as exigências nutricionais da população microbiana
envolvida no processo. Torna-se necessário, então, utilizar fontes adequadas, isto é,
que possuam os componentes necessários são bom desempenho do microrganismo.
Assim, é preciso fortificar a matéria-prima com os componentes que faltam e retirar
aqueles que inibem, de modo a permitir uma rápida e eficiente conversão do substrato
em produto com o rendimento desejado.
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As condições que permitem a produção máxima de massa molecular não são
necessariamente as mesmas que permitem a máxima produção de um determinado
produto. Aspergillus niger, por exemplo, dá melhores rendimentos de ácido cítrico,
quando seu crescimento é restringido, por concentrações de semi-inanição de
nitrogênio, fósforo, porem com alta concentração de açúcar.
Agrupamento das fontes de substrato em função da estrutura e da complexidade
molecular dos substratos.
• Substratos solúveis: que podem ser facilmente extraídos produto(s) como por
exemplo, sacarose, glicose, frutose e lactose, provenientes de cana-de-açúcar,
beterraba, melaço, soro de leite, etc.
• Substratos insolúveis : que precisam de tratamento moderado
para solubilização e hidrólise, antes da conversão em produto(s)
comopor exemplo, amido de milho, mandioca, trigo, cevada,
batata, etc.
• Substratos insolúveis muito resistentes : que necessitam de pré-tratamento
físico, seguido de hidrólise química ou enzimática para produzir substratos na
forma monomérica a ser convertidos em produto(s) como, por exemplo,
celulose e hemicelulose.
2.2.2.1 Fonte de energia
A adenosina-trifosfato (ATP) é o composto mais importante nas transformações
de energia das células. As bactérias e as algas fotossintéticas podem utilizar a energia
da luz para formação de ATP; as bactérias autotróficas podem gerar ATP pela
oxidação de compostos inorgânicos; ao passo que as bactérias, leveduras e fungos
heterotróficos formam ATP oxidando compostos orgânicos. Nas indústrias de
fermentação, a fonte mais comum de energia é amido ou melaço.
2.2.2.2 Fonte de carbono
As necessidades de carbono são supridas com a fonte de energia, porém as
bactérias autotróficas e fotossintéticas utilizam dióxido de carbono. A via pela qual os
heterotróficos metabolizam carbono de substrato é importante para se determinar a
quantidade de carbono convertido em material celular. Verifica-se que os organismos
facultativos incorporam cerca de 10% do carbono do substrato quando metabolizam
anaerobiamente, porém 50 -55% com metabolismo completamente aeróbio.
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2.2.2.3 Fonte de nitrogênio
O nitrogênio pode ser suprido à maioria dos organismos industrialmente
importantes por meio de amônia ou de seus sais, embora o crescimento seja mais
rápido quando se utiliza nitrogênio orgânico. Os compostos orgânicos nitrogenados
mais utilizados industrialmente são: farelo de soja, farelo de amendoim, farinhas de
peixe ou carne, as borras de cerveja, extrato de levedura, soro de leite.
2.2.2.4 Fonte de minerais
Fósforo e magnésio são constituintes particularmente importantes no meio de
cultura, pois são relacionados com todas as reações de transferência de energia
envolvendo ATP. Também são indispensáveis para o bom desenvolvimento da cultura,
o cálcio, potássio, enxofre e sódio, assim como os micronutrientes: ferro,cobalto, cobre
e zinco.
2.2.3 Esterilização
A esterilização de um meio de cultura ou ambiente é a operação pela qual
todas as formas de vida (sejam vegetativas ou esporuladas) são eliminadas
(destruídas ou removidas) deste meio ou ambiente.
Em alguns processos biotecnológicos industriais, a eliminação parcial da
população microbiana dos equipamentos e meios de crescimento é suficiente para
garantir a qualidade que se deseja no produto. Por exemplo, nos processos onde
inibidores de crescimento são produzidos (fermentação alcoólica, produção de
vinagre, ácido láctico, antibióticos e outro biocidas), o teor de inibidor impede em maior
ou menor grau o crescimento de vários microorganismos.
Existem, também, bioprocessos em que se prescinde totalmente de assepsia,
como é o caso dos biotratamentos, nos quais a microbiota nativa, atuando de forma
consorciada é extremamente desejável, para que haja redução da carga orgânica
poluidora.
Na prática, considera-se que uma esterilização foi realizada com sucesso
quando estiver garantida a assepsia adequada.
O conceito de esterilização difere do conceito de desinfecção pelo fato de que
neste último processo ocorre o emprego de uma substância que destrói ou inibe o
crescimento de certos microrganismos em determinados meios.
Os agentes de esterilização e desinfecção podem ser físicos ou químicos:
� Agentes físicos: calor (seco ou úmido); filtração (obtenção de meio ou ar estéril);
radiação (ultra-sons, ultravioleta, raios catódicos).
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� Agentes químicos: ácidos, bases, sais, halogênios, alcoóis, aldeídos, éteres,
fenóis.
A tendência atual é considerar os agentes químicos como ligados aos
processos de desinfecção e os físicos aos de esterilização.
Os processos de maior interesse industrial são os efetuados por agentes
físicos e consubstanciam os processos de esterilização.
A pasteurização (80oC, 15’’) é um processo mais brando que a esterilização
(121oC, 15’). Na pasteurização a intenção é a de eliminação de células vegetativas,
sobretudo as células de microrganismos patogênicos que são mais sensíveis ao calor.
2.2.3.1 Esterilização pelo calor
2.2.3.1.1 Esterilização pelo calor seco
A esterilização pelo calor seco é feita a temperatura de 160-170oC por duas
horas. Não é aplicada a meios de cultura ou líquidos. Aplicável à vidraria e material de
laboratório, e no caso da esterilização do recheio fibroso dos filtros de ar.
2.2.3.1.2 Esterilização por calor úmido
É feita num ambiente de vapor saturado a 1atm de pressão (T=121oC) durante
15-20min. Estas condições são suficientes para a eliminação das formas esporuladas
(vida latente) de bactérias, muito mais resistentes que as formas vegetativas. Esta
esterilização pode ser feita por dois métodos:
a) Com vapor latente (100oC): é utilizado vapor à pressão atmosférica. Este
método é preferido sempre que haja no meio de cultura compostos que se
decomporiam ou reagiriam com outros à temperaturas mais elevadas, ou quando as
condições de cultura inibem o crescimento de contaminantes (pH baixo, por exemplo).
Existem basicamente 2 processos:
a1) esterilização simples por vapor fluente: 20 a 30 minutos.
a2) tindalização: é o aquecimento em ambiente úmido com vapor fluente feito à
100oC/30min e repetido mais 2 vezes com intervalos de 24horas. Os esporos
sobreviventes ao primeiro aquecimento desenvolver-se-ão nas 24 horas
seguintes e as formas vegetativas daí resultantes seriam eliminadas no
segundo aquecimento. Por garantia faz-se um terceiro aquecimento após
24horas.
b) com vapor saturado sob pressão: é feita em autoclaves à 1atm (121oC) por 15
a 20 minutos.
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2.2.3.2 Esterilização química
É um método menos importante que os anteriores. É utilizado para a
esterilização de superfícies. Para a esterilização de equipamentos é muito utilizado o
óxido de etileno. Ele destroe tanto células vegetativas, como esporos, mas só é efetivo
em presença de água. Ë utilizado em mistura com dióxido de carbono ou nitrogênio,
na forma gasosa (2-50% de concentração). Dois grupos:
• Desinfetantes: são substâncias que agem diretamente sobre estruturas
microbianas, causando a morte do microrganismo. Agem tanto sobre
microrganismos como sobre seres superiores. São portanto, tóxicos gerais,
sem especificidade;
• Agentes quimioterápicos: São substâncias que interferem em determinadas
vias metabólicas. São portanto específicos aos microrganismos que possuem a
via metabólica sensível. Podem ser sintéticos como as sulfas e cloranfenicol ou
naturais como os antibióticos.
2.2.3.3 Esterilização por irradiação de luz ultravioleta
A radiação UV é absorvida por muitas substâncias celulares, mas de modo mais
significativo porácidos nucleicos, onde geralmente ocorrem as lesões. A região do
espectro de UV com ação esterilizante é de 220 a 300 nm, muitas vezes chamada de
região “abiótica”.
2.2.4 Desenvolvimento dos agentes de bioprocessos e a exigência de
oxigênio
Muitas células vivas necessitam de oxigênio para manutenção de seu
metabolismo. Nos bioprocessos conduzidos com microrganismos aeróbios,
(Bioprocessos aeróbicos) o oxigênio é suprido ao biorreator, via de regra, como
bolhas de ar, através de um compressor, como será visto mais adiante.
Nos bioprocessos anaeróbicos , os microrganismos obtém o oxigênio metabólico
através de substâncias que contém oxigênio ligado molecularmente.
Nos primeiros, o suprimento adequado de oxigênio para atender a demanda da
célula é imperativo, assim como a manutenção de condições anaeróbias estritas no
segundo caso. Se essas exigências não forem atendidas o processo terá seu potencial
limitado, podendo haver desvios no metabolismo celular ou mesmo sua interrupção,
com a conseqüente morte da célula.
• Fungos algas e algumas bactérias são aeróbicos obrigatórios;
19
• Algumas bactérias são anaeróbicas estritas ;
• Leveduras e muitas bactérias podem desenvolver-se em ambas as condições,
são aeróbicas facultativas.
2.2.5 Desenvolvimento dos agentes de fermentação e estado físico do
substrato
• Substrato líquido
o superfície
o profundidade (submerso)
• Substrato sólido ou semi-sólido.
2.2.5.1 Fermentação em estado líquido
É o processo que se desenvolve na presença de grande quantidade de água.
O processo de fermentação é conduzido em tanques de fermentação com grande
variação no tamanho, tipo de material de construção, abertos ou fechados, etc.
O surgimento desse processo permitiu o aumento de escala para muitos produtos
limitados pelo processo de fermentação em meio sólido. Vários produtos são obtidos
por esse processo: álcool etílico; bebidas alcóolicas; antibióticos, vitaminas; vacinas;
enzimas; insulina e muitos outros. A fermentação líquida apresenta uma série de
vantagens operacionais sobre a fermentação em meio sólido tais como:
• Medição e controle de pH, temperatura, oxigênio, produto substrato;
• Separação e purificação do produto;
• Maior facilidade de se ter um processo contínuo e automatizado.
2.2.5.2 Processos de fermentação em meio líquido e na superfície
São aqueles em que a biomassa situa-se na superfície do meio líquido, em
contato direto com o ar atmosférico, que fornece o oxigênio necessário à produção
microbiana. A diminuição da concentração de nutrientes nas camadas superficiais faz
com que cheguem à superfície, por difusão, os nutrientes das camadas mais
profundas.Também, por difusão, o(s) produto(s) do metabolismo se dispersa(m) no
meio em fermentação. Portanto, a difusão e a relação entre a área oferecida e o
volume de meio desempenham papel importante em bioprocessos operados em
superfície. O meio de cultivo é colocado em recipientes rasos, de modo a oferecer
grande área ao desenvolvimento do agente. Como as taxas de transferência de massa
de nutrientes são lentas, os tempos de fermentação são consideravelmente longos.
Os processos em superfície são de operação difícil e são considerados
antieconômicos, devido ao alto custo de produção resultante da manipulação custosa
20
da esterilização (incluindo ambiente), enchimento, esvaziamento e limpeza das várias
bandejas necessárias a produção em larga escala. Este tipo de processo limita-se, via
de regra, aos fungos filamentosos, que tendem a formar película micelial na superfície
do meio.
2.2.5.3 Processos de fermentação em meio líquido submersos
São aqueles em que o microrganismo produtor se desenvolve no interior do
meio de fermentação, geralmente agitado. No caso de fermentações aeróbias, o
oxigênio necessário à população em desenvolvimento é suprido, através de um
compressor, por borbulhamento de ar. A maioria das fermentações industriais
importantes é realizada por processo submerso. Pode-se citar que uma determinante
redução no preço de muitos produtos, anteriormente obtidos por processos em
superfície, foi a possibilidade de adaptá-los aos processos submersos. Comparados
com os processos em superfície, os processos submersos oferecem uma série de
vantagens:
• Pode-se manipular, com maior facilidade, maiores volumes de meio;
• A massa de microrganismos responsáveis pela transformação fica totalmente
submersa no meio nutriente de maneira uniforme, o que pode ser ajustado
para fornecer as condições ideais de crescimento e produção;
• A absorção de nutrientes e excreção de metabólitos é executada com maior
eficiência, levando a menores tempos de fermentação e, consequentemente,
melhor produtividade;
2.2.5.4 Fermentação em estado sólido
Processo que refere-se a cultura de microrganismos sobre ou no interior de
partículas em matriz sólida, onde o conteúdo de líquido ligado aela está a um nível de
atividade de água que, assegure o crescimento e metabolismo das células e, por outro
lado, não exceda a máxima capacidade de ligação da água com a matriz sólida.A
fermentação em estado sólido, também denominada de Fermentação em meio semi-
sólido, é o mais antigo processo fermentativo.
21
Fermentação em estado sólido remete à idéia de dois tipos de materiais
insolúveis em água, sobre os quais os microrganismos irão crescer: quando osuporte
sólido atua ele próprio como fonte nutrientes e e no caso em que os nutrientes são
solúveis em água e os microrganismos estão aderidos a uma matriz sólida, inerte ou
não, que irá absorver o meio de cultura líquido. A maioria dos processos utiliza o
princípio em que o suporte sólido atua também como fonte de nutrientes.
Os Substratos tradicionalmente utilizados são produtos agrícolas como o arroz,
o trigo, o painço, a cevada, o milho e a soja, além de substratos não convencionais
como os resíduos agro-industriais e florestais, destacando-se: o bagaço de cana-de-
açúcar, o sabugo de milho, o farelo de trigo e a palha de arroz.
O grande interesse nesses processos decorre do fato dessas matérias-primas
não possuírem custos de produção associados diretamente, sendo uma forma de se
agregar valor a resíduos que se formam em abundância.
Em linhas gerais, a operação dos bioprocessos em meios semi-sólidos, pode ser
realizada sem agitação mecânica, com agitação ocasional ou contínua em reatores
dos tipos: bandeja; tambor rotativo; esteira rolante; reator tubular horizontal; tubular
vertical; sacos plásticos.
A fermentação em meio sólido apresenta as seguintes vantagens:
• Simplicidade dos meios de fermentação. O substrato sólido pode requerer
somente adição de água, embora outros nutrientes possam ser adicionados;
• Ausência de requerimentos de máquinas e equipamentos sofisticados;
• Demanda reduzida de energia;
• Baixo grau de umidade, reduzindo os problemas de contaminação;
• As condições de crescimento do microrganismo agente do bioprocesso são
similares às encontradas em seu ambiente natural;
• Ausência de formação de espuma;
Fatores limitantes:
o Menor acessibilidade e disponibilidade de substrato;
o Problemas de transferência de massa (oxigênio e nutrientes), calor;
o Dificuldades no Controle de variáveis físico-químicas: pH, temperatura,
oxigênio;
o Dificuldades no aumento de escala.
22
2.2.6 Cinética dos bioprocessos
Quando uma pequena quantidade de células vivas é colocada numa solução
contendo nutrientes essenciais em condições favoráveis de pH e temperatura, as
células se reproduzirão. No caso de microorganismos unicelulares que se dividem
quando crescem, o aumento da biomassa (massa de material vivo) é acompanhado
pelo aumento do número de células, ou seja, aumento de população. Quando se trata
de bolores ou fungos filamentosos a situação é completamente diferente. Aqui
crescimento é associado ao comprimento e número de micélios, aumentando em
dimensão e densidade a biomassa, mas não em número.
Associados ao crescimento existem dois processos: consumo de material do
meio e liberação de metabólitos.
A medida do processo de crescimento é feita em geral por métodos gravimétricos
(peso seco) e turbidimétricos (densidade ótica).
A cinética de um bioprocesso consiste na análise da evolução dos valores de
concentração de um ou mais componentes do sistema produtivo, em função do tempo
do bioprocesso (figura 5). Entende-se, como componentes, o microrganismo
(biomassa), os produtos do processo (metabólitos) e os nutrientes ou substratos que
compõe o meio de cultura.
A Tabela 2 traça um perfil de quão complexo é o processo de crescimento de um
microrganismo.
Tabela 2. Processo de crescimento de um microrganismo. Meio População celular
• Multicomponentes Nutrientes
⇒⇒⇒⇒
• Componentes múltiplos
• Reações em solução Produtos ⇐⇐⇐⇐
• Heterogeneidade entre indivíduos • Equilíbrio ácido-base • Reações múltiplas • pH, T, . . . variáveis Calor
⇔⇔⇔⇔ • Controles internos
• Prop. reológicas variáveis • Adaptabilidade • Fases múltiplas (G-L, S-L, G-S..) Int. Mecânicas
⇔⇔⇔⇔ • Probabilidade
• Heterogeneidade espacial • Degenerescência
23
Figura 5. Cinética de processo fermentativo A curva de crescimento dos microrganismos está representada na figura 6.
Figura 6. Curva de crescimento microbiano • Fase LAG (adaptação ) – As células que foram inoculadas se adaptam ao
novo meio. As células sintetizam as enzimas necessárias ao metabolismo dos
componentes presentes no meio. Não há reprodução celular. A duração dessa
fase varia com a concentração do inoculo, com a idade do microrganismo
(tempo de pré-cultivo) e com o seu estado fisiológico.
• Fase exponencial ou logarítmica – Caracterizada por uma grande velocidade
de crescimento. A produção de biomassa atinge velocidade máxima.
• Fase de transição – A velocidade de crescimento começa a diminuir por
motivos como:
a) inibição por produtos da fermentação
b) inibição pela alta concentração de biomassa
c) deficiência de oxigênio
d) inibição por produtos secundários tóxicos
• Fase estacionária – A taxa de crescimento iguala-se à taxa de morte de
células.
24
• Fase de morte – Caso o processo seja continuado, observa-se uma fase
decrescente na curva de desenvolvimento celular porque a taxa de morte de
células passa a ser maior do que a de crescimento.
2.2.6.1 Processo de fermentação
Existem infinitas formas de se conduzir um reator biológico, dependendo das
características próprias do microrganismo, meio de cultivo, e dos objetivos específicos
do processo que se pretende executar.
Serão abordadas as formas mais gerais, entendendo tal estratégia permitirá as
particularizações que se fizerem necessárias:
• Descontínuo
o Com um inóculo por tanque
o Com recirculação de células
• Semi-contínuos
o Sem recirculação de células
o Com recirculação de células
• Descontínuo alimentado
o Sem recirculação de células
o Com recirculação de células
• Contínuo
o Executado em um reator (com ou sem recirculação de células)
o Executado em vários reatores (com ou sem recirculação de
células)
2.2.6.1.1 Descontínuo simples
O processo descontínuo simples (figura 7 e 8), ou seja, aquele efetuado com
um inoculo por tanque, consiste na preparação do substrato adequado ao
desenvolvimento do microrganismo; colocar esse substrato em um biorreator;
adicionar o microrganismo responsável pelo bioprocesso e aguardar que o processo
ocorra. Após o tempo necessário de processo, retira-se o caldo do biorreator e
executa-se as operações unitárias necessárias para a recuperação e purificação do
produto.
No nível de aplicações práticas, para um bioprocesso razoavelmente evoluído,
dificilmente será conduzido como um reator descontínuo simples, havendo
freqüentemente alguma elaboração adicional. O descontínuo será sempre a base para
as comparações de eficiências atingidas nessas elaborações, mas a sua baixa
eficiência estimula o surgimento das formas alternativas.
25
O principal problema desta forma de operar bioprocessos é decorrente de
fenômenos de inibição pelo substrato, produto, ou outros metabólitos.
Concentrações elevadas de substrato inibem o agente biológico. Este efeito está
relacionado, em células vivas, a fenômenos osmóticos que resultam em plasmólise
celular. As possíveis razões para o fenômeno são a repressão na síntese de enzimas
e a desidratação dos sistemas enzimáticos, devida à perda de água da célula ou à
inibição do transporte de nutrientes para o seu interior.
Figura 7. Esquema de um processo descontínuo
Figura 8. Cinética do processo descontínuo
É fato bem conhecido que a célula viva polui seu ambiente com produtos do
seu metabolismo até fazer cessar o crescimento e, eventualmente, perder sua
viabilidade, fenômeno conhecido como inibição pelo produto.
26
2.2.6.1.2 Descontínuo com recirculação de célula
Uma alternativa ao processo batelada simples é a recirculação de células, ou
seja, ao se encerrar a batelada efetua-se a separação das células por centrifugação
ou mesmo sedimentação no interior do próprio biorreator, enviando apenas o líquido
fermentado para a recuperação do produto. Com isso busca evitar o preparo de um
novo inóculo para cada batelada, reduzindo custos e redução de tempo para a
obtenção de altas concentrações de célula no reator. Esse processo é também
conhecido como batelada repetida.
2.2.6.1.3 Semi-contínuo
O sistema semi-contínuo (figura 9 e 10) diferencia-se do descontínuo
alimentado, pelo fato de se retirar o líquido processado e se proceder ao
preenchimento do reator a uma vazão muito elevada, de forma a se imaginar que o
reator esteja sendo preenchido instantaneamente. Ao final do novo ciclo, procede-se
novamente à retirada de uma dada fração do volume, 30 a 60% e se preenche o reator
instantaneamente. Na verdade, na prática, para grandes volumes esse preenchimento
contínuo não ocorre, recaindo no reator descontínuo alimentado. De qualquer forma,
trata-se de uma técnica distinta, na qual está embutida a idéia a operação por choques
de carga de substrato. Alertamos sobre a possibilidade de uso de misturas de conceito
(descontínuo, contínuo, descontínuo alimentado), a fim de se conseguir o máximo de
desempenho de um dado sistema biológico, reforçando a idéia sobre a enorme
flexibilidade que dispõe para a operação de um biorreator.
Figura 9. Sistema semi-contínuo de fermentação
27
Figura 10. Cinética do processo semi-contínuo
2.2.6.1.4 Descontínuo alimentado (“fed batch”)
É aquele no qual inicialmente se introduz o inoculo, ocupando uma fração do
volume útil da ordem de 10 a 20%, iniciando-se então a alimentação com o meio de
cultura, a uma vazão adequada, sem ocorrer a retirada de líquido processado (Figura
11 e 12). Essa operação prolonga-se até o preenchimento do volume útil do reator,
quando então inicia-se a retirada do caldo processado para a recuperação do produto.
Pode-se incluir a essas operações o reciclo de células a fim de se iniciar um novo
período de alimentação. A alimentação pode ser constante ou intermitente, com
vazões constantes ou não. Como também, pode-se variar a composição do meio de
alimentação.
O processo descontínuo alimentado pode ser dividido em dois grupos,
baseados no fato de a adição de substrato ser ou não controlada por um mecanismo
de retroalimentação.
Figura 11. Sistema de fermentação descontínuo alimentado
28
Figura 12. Cinética do processo descontínuo alimentado
2.2.6.1.5 Contínuo
No processo contínuo (figura 13 e 14) procura-se estabelecer um fluxo
contínuo de líquido através do reator, ou reatores dispostos em série.
A operação de um sistema contínuo, constituído por vários reatores em série, no
qual a alimentação de um dado reator da série é o efluente do reator anterior, visa o
estabelecimento de diferentes condições nos vários biorreatores da série.
Figura 13. Esquema do processo contínuo
F – vazão S0 – Concentração inicial de substrato X0 – Concentração inicial de células P0 – Concentração inicial de produto S – Concentração final de substrato X – Concentração final de células P – Concentração final de produtos
29
Figura 14. Cinética do processo contínuo
2.2.6.1.6 Vantagens e desvantagens do processo contínuo em relação ao processo
descontínuo
As principais vantagens apresentadas pelo processo contínuo, em relação ao
descontínuo, tradicional, são decorrentes da operação em estado estacionário,
podendo-se destacar:
• Aumento da produtividade do processo, em virtude de uma redução dos
tempos mortos ou não produtivos;
• Obtenção de caldo bioprocessado uniforme, o que facilita o projeto das
operações unitárias de recuperação e purificação do produto de
interesse (downstream);
• Manutenção das células em um mesmo estado fisiológico;
• Possibilidade de associação com outras operações contínuas
na linha de produção;
• Maior facilidade no emprego de controles avançados;
• Menor necessidade de mão de obra.
Entretanto, ao lado das inúmeras vantagens apontadas, o processo contínuo
apresenta também algumas desvantagens ou problemas práticos, os quais
destacamos:
• Maior investimento fixo na planta;
• Possibilidade de ocorrência de mutação genética espontânea,
resultando da seleção de mutantes menos produtivos;
• Maior possibilidade de ocorrência de contaminação, por se tratar de
um sistema essencialmente aberto, necessitando de manutenção
30
de condições de assepsia nos sistemas de alimentação e retirada
de meio;
• Dificuldade de manutenção de homogeneidade no reator, quando
se trabalha com baixas vazões, ou quando o caldo adquire
comportamento pseudoplástico, como é o caso do cultivo de fungos
filamentosos;
• Dificuldade de operação em estado estacionário em determinadas situações
(formação de espuma, crescimento do microrganismo nas paredes de reator,
ou ainda nos sistemas de entra e saída de líquido.
2.2.6.1.7 Definição dos parâmetros cinéticos
2.2.6.1.7.1 Definição das velocidades instantânea de crescimento ou de transformação
Para definir as diferentes velocidades de reação que ocorrem em processos
fermentativos em geral, considere um cultivo em batelada, uma forma simples de
cultivo amplamente utilizada no laboratório e na indústria. Refere-se a um cultivo de
células num tanque fechado com uma carga inicial de meio de cultura que é inoculada
certa quantidade de microrganismos.
Num processo em batelada é possível, a partir de amostras retiradas ao longo do
cultivo, visualizar as cinéticas de crescimento celular, de consumo de substrato e de
formação de produto a partir de perfis de concentração de células (X), substrato (S) e
de produto (P).
Balanços de massa para as células (X), substrato (S) e produto (P) nesse
cultivo definem as velocidades instantâneas de crescimento celular (rx), de consumo
de substrato (rs) e de formação de produto (rp) como sendo:
dtdX
rx = (1)
dtdS
rs −= (2)
dtdP
rP = (3)
Ou seja, em cultivos em batelada é possível determinar tais velocidades
instantâneas de reação a partir das tangentes (inclinações) das curvas num dado
tempo de cultivo. É possível definir velocidades de reação (rx, rs e rp) em diferentes
formas de cultivo (descontínuos, contínuos e semicontínuos) a partir de balanços de
massa específicos para cada um deles.
31
2.2.6.1.7.2 Velocidades Específicas de crescimento ou transformação
Devido ao fato da concentração celular variar durante um processo
descontínuo (normalmente aumenta) e as células constituírem o “catalisador” das
reações microbianas, logo o aumento da concentração celular acarreta também no
aumento da concentração do complexo enzimático responsável pela transformação do
substrato no produto sendo mais lógico analisar os valores das velocidades
instantâneas em relação à concentração celular (X). Logo, torna-se necessário a
definição das velocidades específicas de crescimento celular, consumo de substrato e
de formação de produto, nas formas que seguem:
dtdX
X1=µ (4)
−=dtdS
X1
qS (Também conhecida como µS) (5)
dtdP
X1
qP = (Também conhecida como µP) (6)
2.2.6.1.7.3 Fatores de Conversão
Os coeficientes de rendimento são definidos com base no consumo de um
material para a formação de outro em um intervalo de tempo para processos
descontínuos ou em relação ao espaço (entrada e saída do reator) para processos
contínuos, tratando-se de parâmetros relacionados com a estequiometria. Como
exemplos de coeficientes de rendimento temos:
2.2.6.1.7.3.1 Coeficiente de rendimento celular (rendimento de substrato a células)
SS
XXY
O
OSX −
−=/ (7)
YX/S definido na equação acima é o coeficiente global de conversão de
substrato em células, também conhecido como coeficiente de rendimento aparente ou
observado. O valor deste parâmetro varia ao longo de um cultivo, alcançando o valor
máximo durante a etapa de crescimento exponencial em cultivos descontínuos
(batelada).
32
2.2.6.1.7.3.2 Coeficiente de rendimento de produto (rendimento de substrato a
produto)
SS
PPY
O
OSP −
−=/ (8)
Assim como para YX/S, trata-se de um coeficiente global, variável durante o
cultivo. Os coeficientes globais levam em consideração o consumo total de um
material para a formação de um outro. Por exemplo, YX/S indica a razão entre a
quantidade de células formada e a quantidade total de substrato consumida num
cultivo, podendo este substrato também ser utilizado para outros fins, tais como para a
formação de produto e energia de manutenção celular.
Para um determinado tempo t* o cálculo do coeficiente de rendimento celular e
de produto instantâneos é realizado de acordo com as seguintes relações:
dSdX
Y SX −=/ (9)
dSdP
Y SP −=/ (10)
Conforme as definições de velocidades (eqs. 1, 2 e 3) e velocidades
específicas (eqs. 4, 5 e 6), resultam as seguintes relações:
S
X
S
XSX r
rY
µµ
==/ (11)
S
P
S
PSP r
rY
µµ
==/ (12)
2.2.6.1.7.4 Determinação da velocidade de crescimento
Divisão celular N° de células N° de gerações Genera lização
Ο
Ο Ο
Ο Ο Ο Ο
Ο Ο Ο Ο Ο Ο Ο Ο
1 0 X0*20
2 1 X0*21
4 2 X0*22
8 3 X0*23
X0=número inicial de células; N=número de gerações X0*2N
Então para N gerações temos: N
0 2XX *= (19)
Se chamarmos de g o tempo de geração ou o tempo de duplicação de uma
população e t o tempo de crescimento, teremos:
33
gt
N = (20)
Então:
gt
2XX 0 *= (21)
aplicando Ln tem-se:
gt
690XX
Ln2LnXX
Ln00
gt
*,=
⇒
=
(22)
Se 0,69/g for constante, teremos uma reação de primeira ordem. Definindo µ
como a velocidade específica de crescimento, temos:
tXX
Lng690
0*
, µ=
⇒=µ (23)
Esta relação pode ser demonstrada experimentalmente da seguinte maneira: a
velocidade aumento da população será diretamente proporcional a esta população, ou
seja:
Xdt
dX*µ= (24)
Então a constante de proporcionalidade µ (velocidade específica de
crescimento) será igual a:
dtdX
X1
*
=µ (25)
Integrando, obtém-se:
tXX
Ln0
*µ=
(26)
Onde µ é a velocidade específica de crescimento, corresponde ao aumento da
população por unidade de tempo e por unidade de população. A máxima inclinação,
obtida na parte linear da curva, como ilustrado na Figura 15, é µmax, ou seja, a
velocidade específica de crescimento máxima.
Aumento da população Quantidade populacional
34
Figura 15. Gráfico para obtenção de µmax
2.2.6.1.7.5 Cinética de Crescimento de Monod
Se somente um substrato é limitante os outros em excesso, de forma que
somente a mudança da concentração do substrato limitante é relevante, a cinética de
crescimento varia tipicamente numa forma hiperbólica, como mostrado na figura
abaixo, onde S é o substrato limitante (normalmente fonte de carbono) e µ a
velocidade específica de crescimento (figura 16).
Figura 16. Cinética de crescimento de Monod
Monod expressou este tipo de curva numa forma idêntica à de Michaelis-
Menten para enzimas, ou seja:
S kS
smax +
= µµ onde dtdX
X1=µ (27)
As mesmas considerações feitas para a equação de Michaelis-Menten são
válidas aqui:
maxµµ =⇒>> SkS (S > 10 ks) (28)
SkkS S *=⇒<< µ (S < 0,10 ks) (29)
Sk2
Smáx =⇒=
µµ (30)
µmax
µmax/2
ks
µµ
S
µmax
ln X
Tempo
35
Onde kS pode ser tomado como o valor da concentração de substrato abaixo
da qual µ é linearmente dependente de S e acima da qual µ torna-se independente de
S.
A determinação de kS e µmax é melhor feita pela linearização da equação de
Monod. A equação de Lineweaver-Burk é um exemplo (consultar o capítulo 6 para
outros tipos de linearizações), como segue:
S1K11 s ⋅
µ+
µ=
µ maxmax (31)
Assim, da figura 17 pode-se determinar as constantes ks e µ max pelos
coeficientes da reta.
Figura 17.Linearização da equação de Monod
2.2.6.1.7.6 Metabolismo endógeno
Em alguns casos, notadamente quando a taxa de diluição em fermentador
contínuo é muito baixa, verifica-se um desvio da equação de Monod, que se
transforma no seguinte:
es
max k- S k
S+
= µµ (32)
onde ke é chamada de taxa de metabolismo endógeno, que significa que ocorrem
reações nas células de material intracelular. Por outro lado, ke pode ser também
encarado como taxa de morte, de forma que tenhamos:
dk- obs µµ = (33)
Onde: µobs: velocidade específica de crescimento observada; µ: velocidade específica de crescimento segundo Monod; kd: coeficiente específico de morte. Assim:
µ1
max
1
µ
maxSK µ
1/S
36
ds
maxobs k- S k
S+
= µµ (34)
Ou ainda:
Xk- S k
XSdtdX
ds
max ⋅+⋅= µ (35)
2.2.6.1.7.7 Modelos de crescimento não estruturados
A tabela 3, 4 e 5 apresentam as referências e alguns modelos não-estruturados.
Tabela 3. Modelos cinéticos sem inibição e com um substrato limitante Referência Modelo Cinético
Monod sK
s
S +µ=µ max
Teissier ( )Ksse1 /
max−−µ=µ
Moser nS
n
sK
s
+µ=µ max
Contois Fugimoto sxK
s
S +⋅µ=µ max
Powell ( ) sKK
s
DSmax ++
µ=µ
Blackman
2K s para 1 e
2Ks para Ks
21
>=µ
µ
<⋅=µ
µ
max
max
Dabes et al. µ−µ
−µ+⋅µ=
max
SKKs
Kono Kono e Asai
Xrx ⋅φ⋅µ=
Um grande número de modelos pode ser encontrado na literatura. Modelos de
crescimento podem ser muito restritos, representando um dado processo, com um
dado microrganismo, ou mesmo uma determinada fase de um processo fermentativo.
As tabelas abaixo trazem um resumo de alguns modelos de crescimento de
microrganismos.
37
Tabela 4. Modelos cinéticos com inibição pelo substrato Referência Modelo Cinético
Andrews Noack
S1SS1S Ks11
sKs
KssK11
⋅⋅ +⋅
+≈
++=
/// maxmax µµµ
Webb ( )
'
'
max/
/
S2
S
S
KsKs
Ks1s
++⋅+= βµµ
Yano et al ( )∑ ⋅++=
j
jS1S KssK1
1
//maxµµ
Aiba et al S1Ks
Se
sKs ⋅−⋅+
= /maxµµ
Teissier-Type
( ) ( )[ ]SS1 KsKs /exp/expmax −−−= ⋅µµ
Webb ( ) iônica força comeK1Ks
s 171
S1S=⋅
++= ⋅
⋅σ
σµµ σ,
max
Tseng e Waymann Waymann e Tseng
( )CS1S
ssKsK
s −−+
= ⋅maxµµ
Siimer ( ) ( )[ ]
2SS
2PSSSS0cat
cba
KK111ekr
ζζεζζδζ
+++−+−⋅= // '
38
Tabela 5.Modelos cinéticos para cinética com inibição pelo produto Referência Modelo Cinético
Dagley e Hinshelwood ( ) ( )pk1sK
sps
S⋅−
+= max, µµ
Holzberg et al.
( )21 kpk −−= maxµµ
Ghose e Tyagi
−=
maxmax p
p1µµ
Aiba e Shoda ( ) kp
Se
sKs
ps −⋅+
= max, µµ
Jerusalimsky e Neronova ( )pK
KsK
sps
P1
P1
S +⋅
+=
⋅
⋅max, µµ
Bazua e Wilke ( )
( ) 210
210
pp1
pkpk
maxmax
max
+µ=µ
−⋅−µ=µ
Levenspiel
( )ncritobs
Sobsx
pp1kk com
xsK
skr
−=
⋅+
⋅=
Hoppe e Hansford ( )[ ]ssYKK
sKs
0SPP1
P1
S −+⋅
+µ=µ
/max
2.3 BIORREATORES
Os biorreatores ou reatores bioquímicos são o coração dos processos
bioquímicos. São reatores onde uma dada reação bioquímica ocorre. Esta reação
pode ser o resultado de crescimento de microrganismos ou uma reação catalisada por
enzimas. No primeiro caso dizemos que o biorreator é um fermentador. O conceito de
biorreatores pode ser também estendido para outros tipos de processos que envolvem
microrganismos ou produtos de origem biológica como tanques para tratamento
biológico de águas residuárias ou ainda colunas de purificação de bioprodutos
(enzimas, vitaminas, aminoácidos, etc.). Os biorreatores podem ser divididos também
nas formas clássicas dos reatores de mistura e tubulares. O estudo do
comportamento, projeto e dimensionamento de cada biorreator é possível de ser
efetuado pela combinação de conhecimentos de cinética das reações biológicas com
balanços de energia e massa.
Neste capítulo consideraremos inicialmente a forma simplificada dos reatores
ideais, para melhor entendimento das características essenciais dos biorreatores,
para, em seguida, estudarmos os desvios da idealidade nos reatores reais, como
conseqüência dos desvios da hidrodinâmica dos sistemas.
39
2.3.1 Reatores Biológicos ideais
Dentro dos biorreatores reais estudaremos inicialmente os fermentadores do
tipo reatores de mistura perfeita, nas suas diferentes formas de operação, tais como,
reatores em batelada, batelada alimentada e contínuos. Em seguida, veremos os
reatores tubulares e os enzimáticos.
2.3.2 Reatores de mistura
2.3.2.1 Reatores em Batelada
Este processo constituiu-se basicamente de duas etapas: preparação do
inóculo e a fermentação propriamente dita.
2.3.2.1.1 Preparo do inóculo
Inóculo (pé-de-cuba ou pé-de-fermentação) é o volume de uma suspensão de
microrganismos capazes de garantir a fermentação de um dado mosto. O volume de
inóculo pode variar segundo as condições de 0,5 a 50% da capacidade do tanque. A
técnica de seu preparo compreende uma fase de laboratório e outra industrial,
segundo o esquema abaixo, obedecendo a regra do volume crescente (figura 18) .
Figura 18.Técnica de preparo do inóculo Existem, basicamente, três modos de operação de um sistema batelada:
� processos em que a dorna recebe um inóculo;
� processos com recirculação do microrganismo;
� processo por meio de cortes.
cultura pura
incubação
V1 V2 >V1
incubação fase
laboratório
fase
planta ind.
V3 > V2
Incubação
V4 Vn
40
No primeiro caso, o sistema oferece as melhores condições para uma boa
fermentação, pois recebe o inóculo de células ativas e praticamente isenta de
contaminantes. No segundo caso, algumas dornas são incubadas no início do
processo. O meio, uma vez fermentado, é centrifugado obtendo-se assim uma
suspensão de microrganismos de elevada concentração. A suspensão é tratada (ou
não) com o objetivo de eliminar as células inativas e os microrganismos
contaminantes. Esta suspensão é re-utilizada então como inóculo de outro
fermentador. No terceiro caso, inocula-se uma dorna no início do processo e quando a
fermentação atinge um estágio apropriado, passa-se parte do conteúdo para uma
outra dorna e completa-se ambas as dornas com o meio fresco, a fermentar. A
sucessão de cortes pode ocasionar perda de rendimento principalmente se o meio não
é esterilizado. Este processo pode ser utilizado também na preparação do inóculo o
que evita que o processo seja reiniciado repetidas vezes. Existem também processos
mistos que associam dois dos processos citados.
2.3.2.1.2 Equações do reator em batelada
A forma matemática geral de balanço para reatores em batelada pode ser
escrita da seguinte forma:
entrada - saída – consumo (ou crescimento) = acúmul o
Balanço de células
SK
SXµµX
dt
dX
s
max
+== (36)
Balanço de substrato
SK
SXµ
Y
1
dt
dS
s
max
sx +−= (37)
Estas equações podem ser somadas, após a multiplicação da equação de S
por Yx/s, e obteríamos a equação abaixo:
( )0
dt
SYXd sx =+
(38)
Ou seja, para X(0)=X0 e S(0)=S0:
0sx0sx SYXSYX +=+ ( )SSYXX 0sx0 −+=⇒ (39)
41
2.3.2.2 Reatores em batelada alimentada
A batelada alimentada é um tipo especial de processos em batelada onde o
substrato é alimentado constantemente, durante o processo fermentativo, de forma a
manter esta concentração constante, ou aproximadamente constante, resultando num
sistema com volume variável. A batelada alimentada é um processo de muito sucesso,
pois elimina a inibição pelo substrato, resultando em altas produtividades, geralmente
muito maiores que as obtidas na batelada simples. Os balanços são muito similares à
batelada simples, exceto pelo fato de que existe uma alimentação e, portanto o volume
do reator é variável.
Onde V é o volume do reator num tempo t e F é a vazão de alimentação, rs e rx
são as velocidades de consumo do substrato e de crescimento, respectivamente.
Sabendo-se que:
µXrx = (40)
Como S é mantido constante pelo efeito da adição de substrato (na
concentração S*), toma-se µµµµ constante e igual a µµµµ*. Assim, integrando-se a equação
acima de (XV)0 a um (XV) genérico tem-se:
( ) tµ0
*
eXVXV = (41)
( ) tµ00
*
sx
*a
*
eVXµY
1SSF =− (42)
De onde tira-se a equação para F, que é a vazão de alimentação necessária
para manter S constante.
( )*asx
tµ00
*
SSY
eVXµF
*
−= (43)
A estimativa da variação do volume pode ser tirada da seguinte equação,
obtida da integração da equação acima ao se substituir F por dV/dt:
( )( )
−
−+= 1e
SSY
X 1VV tµ
*asx
00
* (44)
e a concentração da biomassa
( )( )
−
−+
=
1eSSY
X1
eXX
tµ*
asx
0
tµ0
*
*
(45)
42
2.3.2.3 Reatores de mistura contínuos
2.3.2.3.1 O Quimiostato: o reator de mistura ideal
O uso de reatores contínuos começou na década de 50 com os trabalhos de
Monod. A descoberta de que as culturas de microrganismos podiam ser mantidas em
estado estacionário por longos períodos, em qualquer taxa de crescimento até µmax, foi
um passo importante no entendimento da fisiologia e metabolismo dos
microrganismos.
A configuração típica de um reator de mistura contínuo é ilustrada na figura 19.
Figura 19.Configuração típica de um reator de mistura contínuo.
Meio novo, normalmente estéril, é introduzido no reator e o volume é mantido
constante para que a retirada de meio fermentado seja em igual taxa na qual é
introduzido o meio novo. O nome “quimiostato” deriva das propriedades químicas do
ambiente que são constantes quando o sistema funciona em regime permanente.
Um outro sistema, conhecido como turbidiostato, é um quimiostato provido de
uma célula fotoelétrica para regular a turbidez da cultura, ou seja, para aumentar a
vazão de entrada do meio (F), quando a concentração celular ultrapassa o nível
desejado.
O volume de líquido é mantido constante através de um controlador de nível. A
diferença básica existente entre o turbidiostato e o quimiostato, é que no primeiro a
densidade da biomassa é fixada e a taxa de diluição ajusta-se ao regime estacionário
Reservatório de meio
Reservatório de ácido
ou base
Reservatório de meio
fermentado
Saída de gases
(O2, CO2)
Entrada de ar estéril
V
X
S
Fs
X
S
Fe
X0
S0
Controle de pH
43
e no segundo a taxa de diluição é fixada e a concentração de biomassa ajusta-se ao
regime estacionário.
As equações de balanço podem ser escritas para as principais variáveis do
processo:
2.3.2.3.1.1 Balanço de células
Células entrando – Células saindo + Células crescendo = Acúmulo de células
( )VrFXXF
dt
XVdxOO +−= (46)
Sabemos que Xrx µ= , Fo=F, e que V é constante, portanto:
( )XX
V
FX
V
F
dt
Xd... 0 µ+−= (47)
Usualmente X0 = 0, o que nos dá:
V
F
dt
dX
Xdt
dXXX
V
F −=⇒=+− µµ .1
.. (48)
Em regime permanente: 0dt
dX = , logo:
V
F=µ (49)
Chamando V
F de taxa de diluição D, que é o inverso do tempo de residência (ττττ),
temos:
τµ 1== D (50)
Portanto, em regime estacionário, a taxa específica de crescimento será igual à
taxa de diluição D.
2.3.2.3.1.2 Balanço do substrato
Substrato entrando – Substrato saindo – Substrato c onsumido = Acúmulo de
substrato
dt
dSX..
Y
1S.
V
FS.
V
F
sx0 =µ−− (51)
Em regime estacionário: 0dt
dS=
44
0X..Y
1S.
V
FS.
V
F
SX
0 ====−−−−−−−− µµµµ (52)
SX
0 Y
X.)SS(D
µµµµ====−−−− (53)
Como µ=D
)SS(YX 0sx −= (54)
Considerações feitas para obtenção desta equação: • sxY independe de µ e D (o que nem sempre é verdadeiro);
• X independe de todos os nutrientes, exceto o limitante;
• sxY é afetado somente pelo tipo de substrato.
As duas últimas são relativamente corretas em certas condições (Temperatura,
pH, O2, constantes e excesso de todos os outros nutrientes).
Temos deduzidas as equações: µ = D
)SS(YX 0sx −= (55)
Já conhecemos a equação de Monod:
SK
S
Smáx +
µ=µ (56)
Então podemos escrever para um quimiostato em regime permanente:
SK
SDD
Sc +
= (57)
Onde DC é a taxa de diluição crítica que representa a máxima diluição em que
um quimiostato pode operar. Com algumas exceções, DC é geralmente igual a µmáx. A
equação acima fica:
Dµ
D.KS
max
S
−= (58)
Substituindo as equações temos:
)Dµ
D.K(SYX
max
S0sx −
−= (59)
Usando as equações acima, o comportamento teórico de um quimiostato pode
ser representado na figura 20, onde nas ordenadas tem-se os valores das variáveis X,
S e Pr em regime permanente e nas abscissas os valores da taxa de diluição D:
45
Figura 20.Variações da taxa de diluição em função de X, S e P
O washout é o ponto onde a concentração de células atingirá zero, em regime
permanente, devido à taxa de alimentação ser superior a taxa de reprodução do
microrganismo. Essa taxa de diluição é normalmente conhecida como diluição crítica
(Dc). Pode ser determinada aproximadamente pela relação:
0s
0maxc SK
SD
+µ
= (60)
2.3.2.3.1.3 Produtividade
Um processo de fermentação é sempre avaliado pelo fator de conversão ou
rendimento e pela produtividade média. A produtividade Pr é definida como:
X.DPr = (61)
onde avolumétricadeprodutividtL
Mp V
r =
=.3
A produtividade volumétrica faz referência à eficiência do processo ou equipamento
mássicaadeprodutividt
Mp m
r =
=
A produtividade mássica está relacionada à capacidade de produção da indústria.
−µ−=
D
DKSY.DPr
máxS0sx (62)
A variação de Pr em função de D está representada na figura anterior. A taxa
de diluição necessária para obtenção da produtividade máxima será a derivada
primeira da equação acima igualada a zero. Derivando obtém-se DM
X
X
washout
S
S
Pr
D
S
Pr
DM Dc
46
+−µ=
21
0S
SmáxM SK
K1D
(63) Então a produtividade máxima PrM será:
M
21
0S
SmáxMMM X.
SK
K1X.DPr
+−µ== (64)
É interessante notar que a produtividade máxima não ocorre necessariamente
em uma taxa de diluição que corresponde à conversão máxima do substrato. Portanto
neste processo, a otimização deve ser feita levando-se em conta a produtividade, o
rendimento e o substrato residual no efluente.
2.3.2.3.1.4 Auto regulação de um quimiostato
Considerando as equações:
Ddt
dX.
X
1 −µ= (65)
SK
S
Smáx +
µ=µ (64)
( ) X..Y
1SS.D
dt
dS
sx0 µ−−= (65)
Analisemos os 4 casos abaixo:
Perturbação Resposta
Dµ,µ,S0,dtdS
,D
Dµ,µ,S0,dtdS
,D
X0,dtdX
,µ,S0,dtdS
X0,dtdX
,µ,S0,dtdS
→↑↑>↑
→↓↓<↓
↓<↓↓<
↑>↑↑>
Neste último caso, se D > µmax, ocorrerá uma lavagem no reator, ou washout,
com a eliminação total dos microrganismos.
X ↓
X ↑
F ↓
F ↑
47
Bibliografia
Almeida, P.F. Metabolismo microbiano. Curso de Graduação. Instituto de Ciências da
Saúde – Universidade Federal da Bahia – BA. 2008.
Maugeri Filho, F. Apostila de Engenharia Bioquímica. Curso de Graduação. Faculdade
de Engenharia de Alimentos – Unicamp. Campinas – SP. 2006.