Ano 11 • Nº 11 • Dezembro • 2013
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Além da boa gestão pedagógica, a competência de uma escola é aferida por uma credencial de peso:
trata-se do capital intelectual adquirido pelo corpo docente, a viga mestra da inteligência organizacional.
O que isso significa? Que as estratégias didáticas utilizadas e o traquejo nas disciplinas acadêmicas têm
relevância inconteste. Mas não só. É preciso dar relevo ao universo simbólico que informa os próprios
professores. Basta conferir o quanto seus saberes científicos, filosóficos, estéticos e técnicos impactam
o conteúdo programático quando o contextualizam. Ou, dito de outra forma, movem montanhas quando
conferem substância às disciplinas ensinadas. Assim, o que distingue professores proficientes de
professores carentes de riqueza intelectual? O acervo que acumulam ao longo da carreira, a capacidade
de atualizar-se incessantemente e, sobretudo, a faculdade ímpar de transmitir o que sabem de forma
acessível.
Como bem nos ensina a Profa. Elvira Souza Lima, cuja formação multidisciplinar constitui um
exemplo vivo, a escola é uma invenção da civilização, e as vivências que propicia são componentes
essenciais para o desenvolvimento do cérebro das crianças e dos adolescentes. Sua entrevista nos
esclarece que não há na genética humana uma área designada para a leitura e a escrita. Por serem
funções simbólicas, o ler e o escrever exigem adaptações do cérebro. Do mesmo modo, a imaginação
opera como mola propulsora do conhecimento humano. Tanto é que os eixos da escolarização são a
formação e o compartilhamento de memórias. Daí a importância estratégica da escola e o papel central
reservado ao preparo científico e cultural dos professores. O que será que o professor ensina se não
elementos de seu patrimônio intelectual? E, quanto mais elaborada for a “memória” dele, mais densas
serão as possibilidades de aprendizagem dos alunos e mais largos serão seus horizontes. É esse caminho
que a Móbile trilha com dedicada obstinação.
Na presente edição da Revista da Móbile, textos produzidos por alunos ilustram o trabalho artesanal
da arte de escrever. E, nesta linha, vale a pena ler a reflexão de Maria de Remédios Ferreira Cardoso,
diretora da Educação Infantil – “A importância da consciência fonológica na Educação Infantil” –, que
pontua o quanto esse nível de consciência é vital para a aquisição da leitura e da escrita. Chama igualmente
a atenção o relato “Descrição: a recriação por meio de palavras”, de Luciana Tomiatto e professoras do
4º ano do Ensino Fundamental I, que mostra a lógica que articula a descrição em textos narrativos.
Nessa linha, embora em um registro mais amplo, inscreve-se a instrutiva e bela resenha escrita
por Wilton Ormundo, vice-diretor pedagógico e professor de Estudos Literários do Ensino Médio. Ela
versa sobre a peça de teatro Folias Galileu e demonstra com precisa lucidez o alcance e a pertinência
da formação cultural. A ida ao teatro deixa de ser mero deleite ou fútil entretenimento e se converte em
oportunidade de reflexão crítica – “infeliz a terra que precisa de heróis...”. Mais ainda, revela o quanto a
agenda cultural dos alunos permite articular as várias disciplinas que compõem a grade curricular.
Merece também menção o trabalho meticuloso – fruto do planejamento e da supervisão de Cleuza
Villas Boas Bourgogne, Diretora do Ensino Fundamental – desenvolvido na VI Semana Literária e cujo
tema central foi o Modernismo. Os textos apresentados são dos alunos que cursam desde o Infantil 5 até
o 3º ano do Ensino Médio. Ao folhear o material, evidenciam-se experimentações felizes que mergulham
na gramática do movimento e lhe desvendam motivações e características. Aleluia para a criteriosa
construção de linguagem!
Mais adiante, temos vários textos premiados no Concurso Literário, cujo frescor, delicadeza e
espontaneidade conferem um charme todo especial à carpintaria da arte de escrever. Destaques para a
prosa de Monique Murer, do 6º ano do Ensino Fundamental, e de Désirée Brissac Pereira, do 9º ano, assim
como para a poesia de César Zarzur, do 1º ano do Ensino Médio.
O projeto de Iniciação Científica do Colégio Móbile também merece uma visita, graças à variedade
de seus temas e às instigantes videoaulas que se encontram disponíveis no site da escola.
Dois projetos de pesquisa, aliás, se destacam. O primeiro, singelo e engenhoso no uso de recursos
tecnológicos, visa trabalhar fontes históricas e foi animado pela coordenadora educacional Ana Lúcia
Ribeiro de Almeida, além das professoras do 3º ano do Ensino Fundamental. Trata-se da pesquisa sobre
a história da Móbile (“Construindo o presente e revisitando o passado”). Outro primoroso projeto aborda
o impacto das drogas psicotrópicas sobre o sistema nervoso e, naturalmente, sobre o comportamento
humano. Trata-se da pesquisa que envolve os alunos do 2º ano do Ensino Médio (“Percepção alterada”),
iniciativa da professora de Biologia Tatiana Nahas. Esse projeto une, de forma metódica, o ensino da
fisiologia, a aplicação e o treino em variados procedimentos de pesquisa, bem como permite refletir
sobre os riscos pessoais e as implicações sociais do consumo de drogas. Dá-nos uma lição prática
de como desenvolver habilidades essenciais para os alunos. Habilidades referentes à construção do
conhecimento científico e às suas virtudes na apreensão de fenômenos que afligem parte significativa
da população. O desdobramento natural dessa empreitada é o posicionamento crítico diante do mundo.
Proveitosa leitura.
Nessa esteira em que reponta a delicada questão da autonomia intelectual, cabe sublinhar o
artigo de Glorinha Martini e de Wilton Ormundo, respectivamente diretora pedagógica e vice-diretor
pedagógico do Ensino Médio. Constitui verdadeira exposição de motivos que elucida a introdução das
disciplinas eletivas no currículo do Ensino Médio (“Sobre o peso da escolha”). Encontramos aqui não só
uma descrição dos conteúdos, mas uma preciosa fundamentação que pode ser resumida num subtítulo:
“escolho, logo me responsabilizo”. Essa iniciativa inova em sua busca de articular a formação básica
com competências específicas que guardam direta relação com as afinidades enunciadas pelos próprios
alunos. Eis um modo singular de superar aquilo que não se sabe e que muito se gostaria de ver ensinado
de forma sistemática.
Outra indicação recai sobre a valiosa reflexão que se ancora no campo da psicologia e que foi
levada a efeito por Tatiana Almendra, vice-diretora do Ensino Fundamental I, Maria de Remédios F.
Cardoso, diretora da Educação Infantil, e Wanessa Kelly e Silva Salvatore, coordenadora do 1º ano do
Ensino Fundamental. O artigo tem por título “Princípios para uma proposta de Educação Moral”. Nele, as
educadoras descrevem os passos para a formação de sujeitos detentores de consciência moral, patamar
inaugural para o “sentimento de pertença” e, sobretudo, para o exercício da cidadania. Afinal, como
deixar de investir na dimensão ética das novas gerações?
Mais um texto desafiador é o de Walter Spinelli, coordenador de Matemática do Ensino Médio
(“Estudar Matemática é perda de tempo: quem acredita nisso?”). Além de ressaltar as múltiplas e
variadas aplicações da matéria a situações de nosso cotidiano (a Matemática que “serve para alguma
coisa”), pontua utilidades derivadas, tais como a de nos municiar contra os engodos de vendedores
mal-intencionados e a de nos alertar contra as falácias das publicidades enganosas. Mais importante,
todavia, é a desmistificação que faz do “deus matemático”, esse fantasma que afugenta tantos alunos.
Spinelli mostra com absoluta propriedade como a disciplina transcende as miúdas serventias e contribui
decisivamente para desenvolver a capacidade de abstrair e conceber, faculdades determinantes para a
competente apreensão da realidade. Brilhante provocação intelectual que poderia ser generalizada para
as demais ciências.
Esta última edição da Revista da Móbile é mais um retrato do esforço redobrado de um grupo de
educadores cuja seriedade intelectual se traduz em jovens preparados para enfrentar os desafios do
estudo universitário e instrumentados para se tornarem agentes socialmente responsáveis.
Boa leitura!
MARIA HELENA BRESSER
Diretora Geral
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Projeto gráfico e editoraçãoFernando Alexandrinowww.letlive.com.br
FotografiasArquivo Móbile
Fotolitos e impressãoGráfica Editora Aquarela
REVISTA DA MÓBILE
EditorWilton de Souza Ormundo
TextosCleuza Vilas Boas BourgogneWilton de Souza Ormundo
RevisãoRicardo Paulo Novais
MÓBILE
Direção GeralMaria Helena Bresser
Direção
Educação InfantilMaria de Remédios F. Cardoso
Ensino FundamentalCleuza Vilas Boas Bourgogne
Ensino Médio (Educacional)Blaidi Sant'Anna
Ensino Médio (Pedagógica)Glorinha Martini
ColaboradoresEDUCADORESAdriana Caravieri RosaAdriana FelicíssimoAlexandre FioriAline Prates StroehAndré Luis Reis FernandesAndréa G. de Oliveira AssumpçãoAna Christina Calderelli NebóAna Lúcia Ribeiro de AlmeidaAna Paula Barbosa TietzeAndreza Martins de SouzaAntônio de Freitas da CorteBárbara Eliza Alves MartinsCaroline Fernandes de Oliveira SantosCarlos Eduardo C. GodoyCassia MilenaDanilo Alves Vasques PereiraDébora ZardiDenérida Brás Martins TsutsuiEliana M. de CamposEliana Mesquiatti TayanoElaine Cristina MiguelFelipe CoccoFelipe Corazza Teixeira PintoFelipe Figueiredo ChavesFernanda Campanhã RodolfoFlávia Bicudo DuranGlorinha MartiniGuilherme PascalIone CapucciIva Maria AlvesJorge Luis TeixeiraJulia Sarmento SalesJulio Cesar Del Cioppo RibeiroKátia KlassenKelly Cristina O. de AraújoKurt StuermerLara P. OlivaLarissa H. Deptula PereiraLilian Fraga TobiasLilian Henne Éboli Luciana Elena SarmentoLuciana Tomiatto de OliveiraLuigi ParriniLuiz FarinaLume AbeMarcia Bernhard de SouzaMaria Cristina P. GodinhoMaria de Remédios Ferreira CardosoMaria Isabel Vieira de CamargoMarina Callil VoosMichele CostaMonica Ferreira Alves ContePaula Fernanda Parra de OliveiraPaula Tonglet de VasconcelosPaulo Rogerio RodriguesPriscila RibeiroRegina Margaret PereiraRenata Santana MaltempiRoberta Hellena Bossolani de VitaRobervania Correia AraújoRodrigo Lima de CastroRogério GusmãoTatiana NahasTatiana AlmendraThaís Casagranda NevesValéria de Melo PereiraWalter SpinelliWanderli da Costa FonsecaWanessa Kelly e Silva Salvatore
ALUNOSAlice CappattoAmanda Leal Netto CamposAna Santana MoioliAndré Patah DaccaAndré SirangeloAndréa Lasevicius MoutinhoBeatriz GuelmanBeatriz PeanoBreno Mendes Cardoso FragaBruno Leite LandwehrCamila Damião FarahCamila MottaClara Cardoso Franco AvanciniClara Ploretti CappattoCarolina GarciaCésar ZarzurCláudio Luis de Melo PereiraDésirée Brissac PereiraEric Buonpater Lee SantosEthel Emilio RudnitzkiFernanda Dib GabrielFernanda TiemiFernando MauadGianluca SmanioGiulia FiorattiGustavo RacyGustavo de Siqueira FerreiraGustavo Takashi ShimokawaIan Vianna Vaz PintoIsabel Boujikian FelippeIsabella ArrudaIsabella de Freitas M. S. PereiraIsabella Pavani ScuottoIsabella Remaili MonacoJoão Paulo Teixeira Mendes ParizottoJoão Pedro GiesteiraJosé Bento CamassaJulia BrantJúlia YenJuliana MyiazakaKarina Donatpni UrbanoLaura Campos SabbagLaura PupoLígia CosséLucas MuchaluatLuísa CardosoLuísa CletoLuisa TaouilMarcela Romboli FarinaMarcella GenziniMarcelo de Ávila AfonsecaMariana Bussab MarekMariana Ros StefaniMarina Sadala BorgesMarina RovaiMichel KaganMonique MurerNickolas KokronNina Trentin BorghiOliver Serrano WiegerinckPatrick Leonardi PanizoPedro Godoy Bueno SimonPedro Henrique AmorimPedro ParizzotoRafael MagaldiRafael RejtmanRicardo Feliz OkamotoRoberta AlecrimSofia De Paula BaerSofia SangTamara Wolff Bandeira KlinkVictor Cury
ABCDF GHIJKLMN
OPQRSTUV
WXYZ
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Elvira Souza Lima
Nestes onze anos de existência da Revista da Móbile, utilizamos este veículo para falar de cinema com Fernando Meirelles, sobre ações de cidadania com a corajosa (e saudosa) Zilda Arns, para investigar a poesia de Ferreira Gullar – só para citar algumas pessoas que já fazem parte de nosso repertório de mais de uma década. Desta vez, convidamos Elvira Souza Lima, pesquisadora em desenvolvimento humano, com formação em neurociência, psicologia, antropologia e música, para tratar da neurociência e sua interface com a educação, nosso maior foco de interesse. Elvira trabalha com pesquisa aplicada às áreas de educação, mídia e cultura e é autora, entre outros, dos livros A criança pequena e suas linguagens, Quando a criança não aprende a ler e a escrever, Práticas culturais e aprendizagem e Brincar para quê?
Revista da Móbile – Por que a neurociência
– área que estuda o sistema nervoso
humano, o cérebro e as bases biológicas
da consciência, percepção, memória e
aprendizagem – tem sido bastante citada
atualmente nos meios educacionais?
Elvira – Uma das descobertas mais relevantes da
neurociência é a de que o cérebro apresenta grande
plasticidade e que, devido a essa característica,
ele pode se organizar funcionalmente para
atender a alguma adaptação necessária. A
neurociência apresentou uma dimensão inédita do
desenvolvimento humano pelo fato de possibilitar
acesso ao cérebro em funcionamento, o que faz
toda a diferença quando falamos em educação.
Revista da Móbile – Que contribuições
exatamente essa ciência tem dado para a
educação?
Elvira – A primeira grande contribuição que a
neurociência trouxe para a educação foi mostrar
que o desenvolvimento da aprendizagem não
é somente biológico. Ele é biológico-cultural.
A aprendizagem relacionada aos conhecimentos
escolares é cultural. Você não tem um cérebro
preparado para ler e escrever. Ler e escrever
requerem adaptações no funcionamento cerebral,
uma vez que não há, na genética da espécie
humana, uma área designada para a leitura ou
para a escrita. O cérebro precisa se transformar
para ler, ou seja, criar certos tipos de rede, e
esse órgão se reorganiza devido à sua enorme
plasticidade. A escrita é uma manifestação da
função simbólica, mas não há uma carga genética
para ler e escrever como temos para falar.
Revista da Móbile – Poderíamos, então,
afirmar que determinadas habilidades
humanas são biológicas, enquanto outras
são culturais?
Elvira – Sim. É importante salientar que os
contextos de vida da pessoa desempenham um
papel fundamental, tanto para a organização como
para a reorganização das redes neuronais. Uma
das principais contribuições da neurociência para
a educação foi mostrar o que é biológico, ou seja,
o que todas as crianças fazem independentemente
da escola. Por exemplo, elas têm a capacidade
de desenhar círculos e quadrados – figuras
geométricas que estão na genética da espécie.
O desenho é o registro de uma imagem que você
tem no cérebro. Então, vemos que a criança
organiza a percepção das figuras geométricas no
espaço geométrico, sem que isso necessariamente
passe pela escolarização. Outras habilidades
podem ser culturais.
Há na Internet um vídeo que mostra uma
menina, Carly Fleischmann. Ela tem um autismo
severo, diagnosticado desde os dois anos de
idade, e a família, há anos, submetia-a a uma
série de terapias sem grande êxito. Durante os
primeiros onze anos, Carly vivia imersa em seu
universo particular. Os médicos explicavam que
o autismo a impossibilitaria de se comunicar e
de ter uma vida normal. No entanto, certo dia,
a menina sentou-se diante de um computador
e digitou letras que formaram a palavra hurt
[dor, em inglês], seguida de help [socorro, em
inglês]. Hoje, ela produz textos maravilhosos,
bem escritos, por meio dos quais ela fala do
autismo de uma maneira impressionante. Ela
explica o que é ser autista, explica por que bate a
cabeça daquele jeito, por que mexe os braços sem
controle. No Facebook, ela responde às perguntas
feitas por pais de filhos autistas, por educadores
e por especialistas. A neurociência trouxe outra
dimensão do desenvolvimento humano, e essa
ciência ajuda a compreender casos como o de Carly.
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O cérebro precisa se transformarpara ler, ou seja, criar certos tipos de rede, e esse órgão se reorganiza devido à sua enorme plasticidade.
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Revista da Móbile – A escola seria um
espaço privilegiado da dimensão cultural,
tão importante para a educação?
Elvira – Exatamente. A escola é um dos contextos
de desenvolvimento da espécie humana nos quais
a dimensão cultural está fortemente presente.
Essa instituição é uma invenção da cultura, e
os conhecimentos que ela deve universalizar
para as várias gerações que por ela passam
são, igualmente, produtos da cultura. Como o
desenvolvimento do ser humano é biológico e
cultural, a vivência na instituição escolar é um
componente essencial para o cérebro humano.
Revista da Móbile – A neurociência se
ocupa de estudar um dos órgãos humanos
mais enigmáticos e fascinantes, o cérebro.
Qual o período máximo de amadurecimento
cerebral nos seres humanos?
Elvira – O cérebro leva, aproximadamente, vinte
anos para amadurecer. Ao longo desse processo,
temos marcas biológicas que nos igualam. A
memória, por exemplo. Temos todos uma memória
ativa, na infância, que funciona de maneira
diferente da memória adulta. O corpo caloso, que
é um feixe de fibras que temos no cérebro unindo
seu lado direito ao esquerdo e que leva dez anos
para amadurecer, está ligado ao desenvolvimento
da memória e da oralidade. Pelas pesquisas,
sabemos que a oralidade da criança se inicia na vida
intrauterina, com a maturação do sistema auditivo,
e vai até dez anos de vida, aproximadamente. Isso
significa que, quando alfabetiza, o educador está
lidando com uma criança que está em processo
progressivo de maturação de seu corpo caloso, de
desenvolvimento da oralidade e de alterações de
processos de memória.
Revista da Móbile – Em muitos de seus
artigos, a senhora fala sobre a importância
de os educadores saberem sobre memória
e seu funcionamento. Qual é, afinal, a
relevância da memória e da imaginação na
aprendizagem?
Elvira – Ser professor é interferir na memória
do outro. Não se pode tratar uma criança de oito
anos da mesma maneira que se trata uma de
seis, pois a memória delas funciona de maneiras
diferentes. O exercício e desenvolvimento da
função simbólica estão fortemente ligados ao
processo de escolarização. Elaborar resenhas,
sinopses, fazer esquemas, ler e interpretar
gráficos, mapas, textos verbais e não verbais,
representar fenômenos científicos por meio de
fórmulas matemáticas, desenhar, ler música,
criar softwares etc. são atividades escolares
que os seres humanos só podem fazer a partir da
memória e da imaginação.
Revista da Móbile – Em suas publicações
acadêmicas, a senhora fala sobre a
precariedade da imaginação entre as
crianças do século XXI, sobretudo aquelas
advindas das classes mais privilegiadas.
Por que isso ocorre?
Elvira – O que ocorre é que na vida dessas
crianças há uma presença constante da imagem,
inclusive nos livros infantis. Quando você lê um
romance, ou uma narrativa literária qualquer em
que não haja desenho, você é levado a criar o seu
próprio cenário. Em Harry Potter, por exemplo, J.K.
Rowling transformou toda uma carga simbólica de
uma sociedade em literatura. A criança, quando lia
esse romance inglês, antes de ele se transformar
na bem-sucedida série de filmes, criava seus
próprios cenários e personagens na cabeça. Mas,
quando você já tem as imagens prontas, não
cria. Tenho visto que muitas crianças advindas
de classes menos privilegiadas e matriculadas
em escolas públicas, mesmo não tendo acesso a
bens materiais, acabam tendo mais imaginação
do que aquelas pertencentes a classes mais ricas
economicamente. A criação dessas imagens por
parte das crianças é muito importante. O ato
de desenhar, da mesma maneira, é a forma por
excelência de expressão simbólica na criança. Na
psicologia, olhamos o desenho como um produto
psicológico; na antropologia, como um produto
cultural. O desenho, dessa forma, é importante
porque mostra o desenvolvimento da criança.
O currículo da Educação Infantil deve ter como
eixo norteador o desenvolvimento da imaginação.
Ninguém diz que as escolas finlandesas têm
desenho desde a Educação Infantil até o Ensino
Médio, mas elas têm. E isso faz toda a diferença.
Revista da Móbile – Trata-se de desenvolver
a função simbólica nas crianças?
Elvira – Sim. A função simbólica humana ‘se
desenvolve’ e necessita de estratégia para isso.
Uma das primeiras manifestações da função
simbólica é a capacidade de falar (com a voz, com
o aparelho fonador ou por meio de movimentos).
A função simbólica é a base do aprendizado, e seu
desenvolvimento é possibilitado, na escola, pelas
artes, pelas ciências e pelas vivências culturais.
O trabalho com desenho na Educação Infantil,
por exemplo, é uma das formas mais eficazes de
desenvolvimento da função simbólica. Entre os
mais velhos, o enlace emocional proporcionado
pela literatura tem esse papel. A leitura de boa
literatura, como a escrita por Machado de Assis,
envolve várias áreas do cérebro. O adolescente
lê e vai montando os personagens. Agora,
quando você escolariza a literatura, você perde o
encantamento. É necessária a leitura de deleite.
Revista da Móbile – E que consequências
teria o empobrecimento da imaginação para
as crianças?
Elvira – Sem imaginação, não se criam desenhos
ou textos. Sem imaginação não se aprende nada,
não se faz ciência. A imaginação é a mola
propulsora do conhecimento humano. Eu insisto,
por exemplo, que uma boa aula é feita de
perguntas porque elas estimulam a imaginação.
O bom professor sabe fazer perguntas adequadas.
E o problema é que hoje quase não se faz
perguntas em aula.
A imaginação forma um acervo. Para a
neurociência, um dos eixos fundamentais da
escolarização é a formação e o compartilhamento
de memórias. Essa ciência propõe uma visão que
integra os acervos que o educador possui em sua
memória aos processos de memória que o aluno
necessitará acessar e entender para que aprenda.
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Revista da Móbile – Em relação aos recursos
tecnológicos, tão discutidos hoje no campo
da educação, eles seriam aliados ou inimigos
da imaginação infantil?
Elvira – Depende de como se utiliza essa
tecnologia. O fato é que ainda estamos aprendendo
a usar essa ferramenta. A tecnologia é fantástica,
mas nós, educadores, a estamos utilizando
muito pouco. Alguns professores reclamam que
seus alunos não se motivam com os recursos
tecnológicos que são trazidos por eles para dentro
da sala de aula. A razão para isso é simples:
os estudantes acham que o que está lá fora em
termos tecnológicos é muito mais interessante do
que o mostrado na aula. Tecnologia, na escola, é
instrumento, é recurso; não é conhecimento. Um
exemplo de tecnologia bem utilizada a serviço da
educação são as animações. Por meio delas, os
alunos podem criar os cenários das narrativas que
leem. Animação é imaginação, é dramatização
visual.
Revista da Móbile – E como fica a questão
do currículo obrigatório dentro de uma
concepção que põe em primeiro plano o
acervo pessoal do professor?
Elvira – O currículo assume, nessa perspectiva,
uma dimensão formadora. Explico: para ser
desenvolvido com competência em sala de aula,
o currículo obrigatório dependerá dos acervos
de memória de cada educador. Dessa forma,
acredito que não são apenas os projetos político-
pedagógicos, o material didático utilizado na
escola ou a tecnologia que definirão a qualidade
da educação. Cada professor, com seus acervos
de memória, deverá ser o ponto de partida para
a proposição da didática mais adequada ao
aprendizado do aluno.
Na sala de aula, deve haver uma integração
dos conhecimentos formais e dos métodos de
aprendizagem, ou seja, uma prática docente que
inclua em suas linhas orientadoras a forma como
o cérebro aprende e como o cérebro pode e deve
se organizar para ensinar.
Revista da Móbile – Numa via de mão dupla?
Elvira – Sim. Dentro dessa perspectiva, os
períodos de desenvolvimento humano precisam
ser considerados tanto para o educando como
para o educador. Daí a importância de uma
formação continuada que leve em conta como o
adulto (professor) aprende, além do domínio do
conteúdo do que ele tem de ensinar. Se o professor
for um alfabetizador, por exemplo, ele precisará se
fazer algumas perguntas orientadoras: “qual o
conteúdo da língua portuguesa que corresponde
ao período de alfabetização de meu aluno?”;
“o que preciso ter em meu acervo de memória
para ensinar meus alunos a escrever?”; “como
aprende a escrever uma criança de seis, sete e
oito anos?”; “quais são os processos internos
que acontecem em relação à percepção, atenção,
imaginação e memória?”; “como se integram os
aspectos biológicos com o sistema semiótico da
escrita?”; “qual a participação da cultura nesse
processo?” etc.
Revista da Móbile – Dentro da concepção da
neurociência, defendida pela senhora como
importante aliada na educação, qual seria a
importância efetiva da formação do professor
no processo de ensino-aprendizagem?
Elvira – O ato de ensinar depende dos acervos
de memória do professor, ou seja, o professor
ensina com o que tem em sua memória.
O desenvolvimento pessoal e a formação
continuada desse profissional são partes
essenciais da pedagogia. Assim, a adequada
aprendizagem dos alunos ocorre em função do
bom desenvolvimento cultural do professor.
(Colaborou Cleuza Vilas Boas Bourgogne –
diretora pedagógica do Ensino Fundamental
da Móbile.)
Essa instituição [a escola]é uma invenção da cultura,e os conhecimentos que ela deve universalizar paraas várias gerações que por ela passam são, igualmente, produtos da cultura.
e x p r e s s õ e s & i m p r e s s õ e s
A Semana Literária é um evento bienal que tem como objetivo compartilhar com os convidados os
projetos desenvolvidos pelos alunos do Infantil 5 ao 3º ano do Ensino Médio. Cada edição do evento
possui um tema central a partir do qual são gerados desdobramentos de acordo com as características
próprias de cada faixa etária.
A organização de um evento como esse requer uma preparação que se inicia com meses de
antecedência. Para que uma exposição literária tenha sua validade no âmbito educacional, é imprescindível
que os alunos participem ativamente de toda a execução, desde as primeiras pesquisas sobre o tema
até a própria montagem da exposição, o que significa passar por diversas etapas de aprendizagem.
Em primeiro lugar, é essencial que o aluno entre em contato com o tema, por meio da leitura e da
aproximação com exemplares literários que abordem o assunto proposto. É importante também que cada
grupo discuta sobre o tema e compreenda a importância de abordá-lo em uma exposição. Mais tarde, os
alunos são desafiados a fazer literatura: o resultado do projeto sempre evidencia o trabalho de produção
de texto dos estudantes. Conhecer um tema e discutir as relações que podemos estabelecer entre ele e
nossa realidade – seja por meio da leitura, seja por meio da produção – não só amplia o universo cultural
dos alunos como também ajuda a construir um pensamento crítico que compreenda que a arte não está
desvinculada das questões sociais e culturais.
A 6ª edição da Semana, intitulada “Diálogos e experimentações modernistas”, aconteceu em outubro
de 2012. Em comemoração aos 90 anos da Semana de Arte Moderna (ou Semana de 22), a exposição teve
no chamado Modernismo sua fonte de inspiração, de onde surgiram os mais diversos desdobramentos.
Dois grandes eixos nortearam os trabalhos: por um lado, o resgate da cultura tipicamente brasileira,
e por outro a retomada dos conceitos de “ruptura” e “liberdade”.
Conheça a seguir os projetos apresentados durante a Semana Literária:
VI Semana Literária da Móbile
2322
A tradição cultural brasileira foi resgatada pelos alunos do Infantil 5 por meio das brincadeiras
baseadas nas cantigas populares. Foi brincando que as crianças descobriram os falares, os costumes e
as crenças que formam nossa cultura. Após as brincadeiras e discussões sobre cada uma das cantigas,
os alunos puderam produzir pequenos ensaios, fornecendo sua opinião sobre cada “história” e criando
suas próprias rimas.
Ao subir ao palco do Teatro Municipal
na Semana de Arte Moderna de 1922, o
compositor Heitor Villa-Lobos inaugurou
uma nova faceta da música erudita.
Rompendo com os padrões acadêmicos
vigentes, Villa-Lobos incorporou à música
erudita elementos de nossa cultura, tais
como o canto do lendário pássaro uirapuru,
os saltos do Saci, o ritmo marcante de
canções indígenas, a típica melodia
caipira, o chorinho das tardes cariocas
e as cantigas presentes no cotidiano da
infância brasileira. Quem não se lembra
do som frenético do trem presente na obra
“Tocata”, popularmente conhecida como
“Trenzinho caipira”?
Ao conhecer a história do compositor
e discutir sobre suas produções, os alunos
do 1º ano do Ensino Fundamental puderam
reconhecer muitos elementos nacionais,
muitas vezes desconhecidos por eles, e
refletir – e produzir seus textos – sobre as
possíveis intenções do artista ao retomar a
cultura brasileira em suas composições.
Infantil 5
Cantigas de Rodano Rodamoinho do Tempo
Ensino Fundamental I - 1º ano
Villa-Lobos, o garimpeiroda cultura popular brasileira
2524
Ensino Fundamental I - 2º ano
Comendo com os olhosEnsino Fundamental I - 3º ano
Do varal ao digitalA alimentação é, sem dúvida, uma das grandes peculiaridades de cada cultura. As comidas típicas de
cada lugar ajudam a construir uma identidade cultural bastante marcante. Não por acaso, em muitas das
histórias de tradição popular, a presença dos alimentos ajuda a construir um contexto cultural definido.
Durante o projeto, os alunos “degustaram” muitos desses textos, buscando reconhecer as marcas
que definem a nossa cultura e a nossa identidade. A partir desse estudo, cada estudante pôde criar
sua própria descrição das ceias, jantares e banquetes, inspirados nos contos regionalistas de Câmara
Cascudo.
Com o objetivo de resgatar aspectos do patrimônio cultural brasileiro e de aproximar os alunos do
Movimento Modernista, os alunos do 3º ano do Ensino Fundamental se aventuraram no universo de
ritmos, rimas e pelejas do Cordel, gênero literário popular que se originou na oralidade e posteriormente
passou a ser impresso em folhetos. Para além de conhecer e apreciar o processo criativo dos cordelistas,
os alunos também realizaram experimentações poéticas que resultaram em uma importante ampliação
do universo lexical, bem como na aprendizagem da leitura melodiosa e cadenciada própria ao gênero.
Em uma nova perspectiva, os alunos reinventaram a tradição, trazendo-a também para o mundo digital.
2726
Ensino Fundamental I - 4º ano
A poesia que explodedo concreto
Ensino Fundamental I - 5º ano
Ensaios antropofágicos: uma revisita à poesia modernista
Mergulhando no universo lúdico do Concretismo, movimento de poesia vanguardista que surge nas
décadas de 1950 e 1960, os alunos do 4º ano conheceram uma nova forma de fazer poesia que rompe com
o verso tradicional, a rigidez na métrica, o vocabulário erudito e os temas clássicos e dá vazão à inovação
formal e à criação do poema-objeto. Para compreender essa transição, os alunos não só entraram
em contato com muitos poemas concretistas, como também revisitaram vários poemas tradicionais e
puderam colocar em prática tais aprendizagens, transformando-se, assim, em leitores-poetas.
Ensaios literários podem ser desenvolvidos a partir de recursos distintos, que representem a
construção ou até mesmo a desconstrução de um texto original. Dentre esses recursos está a noção
modernista de antropofagia, que permeou os exercícios de produção poética do 5º ano do Ensino
Fundamental.
Inspirados por esse conceito, apresentado ao público por Oswald de Andrade em seu Manifesto
Antropófago, os alunos do 5º ano, após um trabalho aprofundado de leitura e compreensão dos mais
importantes poemas modernistas, revisitaram essas produções e, aplicando as premissas do movimento
antropófago, assimilaram, digeriram e desconstruíram a poesia de Carlos Drummond de Andrade, Manuel
Bandeira, Murilo Mendes e do próprio Oswald de Andrade, criando novas formas de compreender os
temas abordados por esses poetas.
2928
Ensino Fundamental II - 6º ano
Ver com olhos livresEnsino Fundamental II - 7º ano
Save the jegueHá mais de 90 anos, os modernistas surgiram no cenário brasileiro, pensaram nossa cultura com
olhos livres e mudaram todos os parâmetros estéticos e linguísticos da arte e da literatura. Essa liberdade
tornou-se o tema de discussão e de inspiração para o projeto desenvolvido pelo 6º ano que apresentou
seus poemas mínimos.
O trabalho com poemas mínimos passou por algumas etapas. No primeiro momento, a leitura do livro
O Mário que não é de Andrade apresentou aos alunos o universo e o contexto histórico dos modernistas.
Depois, a leitura, a interpretação e o conhecimento de vários recursos poéticos mostraram a eles a força
dos poemas curtos. Em seguida, a apresentação do tema a partir de duas frases de Oswald de Andrade
presentes no Manifesto Pau-Brasil – “Contra a cópia, pela invenção, pela surpresa!” e “Nenhuma
fórmula para a contemporânea expressão de mundo: ver com olhos livres” – provocou a criatividade dos
pequenos poetas. Por último, movidos pela delícia de poder colar poemas nos muros da escola, partiram
para a produção.
O projeto desenvolvido pelo 7º ano partiu de uma contradição bastante modernista: por um lado,
a busca pela inovação e a ruptura com os padrões anteriores e, por outro, o resgate dos costumes
populares e das tradições tipicamente brasileiras. Essa dualidade foi sintetizada na figura do jegue,
animal representante da cultura popular e, ao mesmo tempo, protagonista de uma discussão bastante
atual: há espaço para o jegue em uma sociedade marcada por um avassalador progresso?
Diante desse confronto e dessa contradição tão modernistas, resta a pergunta: haverá limite para
o progresso? Os alunos, utilizando como voz narrativa o jegue, produziram textos em que tentaram
encontrar uma resposta.
3130
Ensino Fundamental II - 8º ano
Ruas ModernistasEnsino Fundamental II - 9º ano
Margem de LiberdadeA Semana de Arte Moderna de 22, não por acaso, aconteceu na cidade de São Paulo. Nossa cidade
já respirava a modernidade e o progresso antes mesmo de o movimento se concretizar. O processo de
urbanização, no início do século XX, evidenciou a cidade como um espaço em transformação. Indústrias,
bondes, carros, postes elétricos, edifícios e avenidas eram elementos constituintes da nova paisagem.
A partir da leitura de alguns poemas de dois participantes da Semana de Arte Moderna e
representantes desse Movimento, os alunos do 8º ano desenvolveram seu trabalho sobre São Paulo.
O primeiro poeta estudado, Mário de Andrade, apresentou uma pauliceia desvairada formada por um
turbilhão de imagens objetivas da cidade, associadas à realidade subjetiva do conflituoso eu lírico.
O segundo, Oswald de Andrade, caracterizado por suas irreverências líricas e por seu estilo conciso,
apresentou o ambiente do progresso sob o olhar infantil do aluno que produz seu primeiro caderno de
poesia.
Por meio desse estudo, as ruas paulistanas foram traduzidas poeticamente mais uma vez por jovens.
Alunos que, ao recriarem a palavra, representaram pontos de vistas diversos sobre o mesmo espaço
urbano, reorganizando também seu próprio olhar sobre a cidade.
A geração de 22, como ficou conhecido o grupo de artistas que fizeram parte do Movimento
Modernista, ganhou inúmeros desdobramentos e foi inspiração para muitas outras gerações. Uma delas
foi a chamada “Geração Mimeógrafo”, que, a partir dos anos 1970, ficou assim conhecida pelo modo
como divulgava seus poemas, nos bares e esquinas cariocas. A poetas marginais são, sem dúvida,
herdeiros de um dos principais nomes da Semana de 22: Oswald de Andrade. O coloquialismo, a mescla
com a tradição popular (nos anos 1970, a cultura pop vem se somar a isso), o poema-piada, a síntese de
linguagem e, sobretudo, o caráter libertário são características que aproximam, na forma e na postura,
dois lirismos separados, no espaço, por meio século. Após entrar em contato com essa nova forma de
fazer poesia e refletir sobre a ligação profunda entre esses poemas e sua função social, os alunos do
9º ano aceitaram esse desafio e deram a sua cara e o seu lirismo “a tapa”, estampando no peito o
resultado poético e imagético de seus estudos sobre Poesia Marginal e a Semana de 22.
33
Ensino Médio - 1º e 2º anos
Manifestos: da palavra à açãoOs manifestos modernistas tiveram
um papel importantíssimo na construção
do movimento. Foi por meio deles que os
artistas divulgaram suas inovadoras ideias
e causaram as mais diversas polêmicas.
Pensando na importância desses textos
como veículos de expressão dos modos de
pensar, agir e de intervir na realidade social,
os alunos do 1º e do 2º ano do Ensino Médio
foram convidados a também produzir seus
manifestos e mostrar abertamente seus
pensamentos, incômodos e desejos.
Do resultado do convite, surgiram
textos que combinam, em um mesmo
movimento, coragem e personalidade na
apropriação do conhecimento e em sua
utilização. Esses manifestos são, sem
dúvida, um meio não só para conhecer o
que querem e o que pensam os nossos
jovens, mas também terreno fértil para
reflexões e ações sobre o novíssimo
século XXI.
Ensino Médio - 3º ano
Como parte da Semana Literária,
aconteceu também o X Concurso Literário
da Móbile. Com muitos alunos inscritos
e textos belíssimos, o Concurso teve seu
resultado divulgado em um espetáculo
realizado pelo grupo de teatro do 3º ano
do Ensino Médio. Nessa apresentação,
os atores e músicos resgataram textos,
poemas e canções bastante representativos
do Movimento Modernista brasileiro e
anunciaram os textos vencedores.
O concurso
Na escola, há um concurso
Do qual quero não só participar,
Mas também ganhar,
Mesmo sabendo que em meu concurso
O importante não é competir,
Jamais vou desistir.
Muitos colegas participarão
E não será fácil a competição
Mas como não posso esmorecer,
Pensando no que fazer
Vou logo escrever
Sonhando que irei vencer.
A um júri entregarei
A poesia que escreverei
Eu espero que dela ele goste
E que também nela aposte,
Pois só assim surgirá a vitória
Deste poeta que terá glória.
Meus pais se alegrarão
E meus professores também,
Pois sendo um campeão,
Jamais desistirei de ir além
E no futuro todos lerão
Minhas poesias que emocionarão.
Oliv
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– 6º
ano
)
37
Conheça as produções dos ganhadores do último concurso literário, realizado no final de 2012.
Conheça as produções dos ganhadores do último concurso literário, realizado no final de 2012.
3938
A caixinha no piano
Combinei tudo com a tia Helena.
Finalmente, um sonho realizado:
ter um piano. Aprender as sonatas
de Beethoven, os chorinhos de
Nazareth. Eu estava em êxtase!
Tia Helena me entregou o piano
na terça-feira seguinte. E ele era
lindo! Alemão, de madeira maciça
escura e bem conservada, aquele
era o piano que pedi a Deus. Só o
cheiro que era horrível! Minha tia,
para afastar os cupins, encheu o piano de naftalina. Logo resolvi
caçar as bolinhas malcheirosas.
Abri o corpo do piano e comecei
o trabalho. De repente, percebi que,
lá no fundo, havia uma sombra
escura. Parecia um pequeno
embrulho. Pensei: “Deve ser mais
naftalina.” Enfiei a mão com
cuidado e, com esforço, consegui
pegar o pacotinho. Logo, percebi
que não era naftalina.
Era, na verdade, uma pequena
caixinha de música, do tamanho
da palma da minha mão. Tinha
uma aparência frágil, como se
fosse quebrar a qualquer momento.
Parecia feita de um vidro que era
da cor da madeira do piano, e na
tampa havia pequenos detalhes de
flores douradas.
Desci do banco e coloquei a
caixinha na mesa da sala. Ajoelhei-
me e, sem piedade nenhuma,
balancei-a bruscamente. Ela fez
um barulhinho, que mal podia ser
ouvido, que parecia de papel.
“Ha alguma coisa aí dentro”,
pensei. “Mas é melhor ir falar com
a tia Helena, essa caixinha nem
me pertence...” Não terminei de
pensar. Minha curiosidade falou
mais alto. Quero dizer, ela sempre
fala mais alto, nem que seja uma
questão de vida ou morte. Quando
ia abri-la, meu pequeno e ilustre
irmão apareceu.
Lição de casa cem por cento
feita, nenhuma encrenca e média
nove e meio em todas as matérias,
Guilherme era o orgulho da mamãe
e de qualquer professora no Brasil.
Porém, ele sempre dava com a
língua nos dentes. “Mamãe” aqui,
“mamãe” acolá, meu brilhante
irmãozinho contava para a mamãe
qualquer movimento meu, nem que
eu estivesse bebendo água.
Ele olhou para mim, e depois
para a caixinha. Logo após, olhou
novamente para mim com um
brilho nos olhos, com o olhar de
“eu vou contar para a tia Helena”.
Mesmo com a mamãe na Itália
fazendo um curso de Gastronomia,
Guilherme não desistia de ser
o meu “fofoqueiro particular”.
Como vi que não tinha jeito, contei
a história da caixinha para ele,
do meu sonho de ser pianista até
o frágil embrulho que encontrara
em meu lindo piano.
Quando terminei, ele apenas
olhou para mim e assentiu.
Todavia, também pediu para ver
a misteriosa, porém delicada,
caixinha. Eu estava morrendo
de medo de que ele quebrasse
o embrulho e também chamasse
a atenção de tia Helena, que
estava na cozinha. Mesmo assim,
entreguei-o para ele com todo
o cuidado que um ser humano
pode ter.
Segurando a caixinha como se
fosse um diamante, Guilherme
observou, observou e observou.
Foi então que ele virou-a de ponta
cabeça (eu quase tive um ataque
cardíaco; achava que ele ia deixá-
la cair) e indicou com uma mão,
em silêncio total, uma fechadura
pequenininha. Ele se levantou,
deixando a caixinha em cima da
mesa, e saiu correndo.
Eu não sei o porquê de ele ter
saído correndo, mas aproveitei,
peguei o embrulho e estudei a
fechadura. “Como podem deixar
uma caixinha dentro de um piano
se não tem a chave?”, pensei.
Em seguida, por causa da minha
curiosidade, tive a absurda ideia
de que a chave estaria no piano
também, e já estava querendo
desmontá-lo quando meu irmão
reapareceu.
40
Vestido em seu suéter listrado
e em sua calça cinza formal,
parecia até que ele ia sair com
o vovô e a vovó. Mas aquela era
só a roupa com que ele ia para a
escola, e olhe lá. E sua mão estava
segurando, delicadamente, uma
chave do tamanho do meu dedo
médio. Ela era toda dourada e
tinha minúsculos detalhes de flores.
Em minha opinião, era ainda mais
bonita que a caixinha!
Então, meu irmão me explicou
que ele havia ganhado aquela
chave da mamãe, antes de ela
ir para a Itália. E Guilherme
achava que aquela era a chave
do embrulho que eu achara
dentro do piano. E quando
colocou-a na fechadura, ela entrou
perfeitamente.
Não tenho como descrever
a curiosidade que eu senti no
momento. Era tanta, que até o
meu coração começou a bater
mais forte. Abrimos a caixinha
e lá encontramos... Cartas. Isso
mesmo. Cartas que provavelmente
já tinham uns dez anos. Abrimos
uma carta, e levei um susto quando
li o que estava escrito no começo:
“Para meus filhos, Guilherme
e Vanda.”
Por fim, depois de uns cinco
segundos, eu notei de quem era a
carta: de nosso pai falecido há onze
anos em um acidente de carro...
Foi muito triste ele ter deixado
eu e Guilherme tão cedo. Eu tinha
sete anos, e ele tinha acabado
de nascer!
Corremos para tia Helena
e contamos tudo. Ela ficou tão
emocionada que acabou lendo à
tarde todas as cartas com a gente.
Ela disse que aquele piano era
de nosso pai, e ele sabia que um
de nós iria querer seguir o sonho
dele. Ficamos muito emocionados,
e esse foi um dos melhores dias
da minha vida.
Monique Murer
(categoria prosa – 6º ano)
A arte de viver
Rebeca tinha dez anos e era uma criança alegre, apesar dos problemas de
fígado que seus pais, Sônia e Alexandre, descobriram em janeiro de 2012.
Ela tinha hepatite. As limitações da doença eram severas. Rebeca sentia
dores de cabeça todos os dias e muita fraqueza que a impediam de brincar
com suas amigas e com seu irmão Felipe, de 12 anos. Além disso, sua
alimentação não podia conter gordura, o que a impedia de comer chocolate,
batata frita, pastel, hambúrguer, pizza, doce de leite e outras delícias que
as crianças adoram. Rebeca gostava muito de roupas amarelas, pois a
lembravam do Sol e de toda a energia que ele transmitia. Infelizmente,
ela estava com o tom da pele muito amarelada em função da doença e ela
mesma pediu a sua mãe que evitasse roupas dessa cor.
Apesar de ser de uma família humilde, seus pais faziam um
acompanhamento médico com muita atenção. Rebeca ia às consultas a
cada 15 dias no serviço público do Hospital das Clínicas. Como não era
um atendimento particular, o tempo de espera às vezes era grande. Seus
pais sempre a acompanhavam. Dr. Lúcio era o médico responsável pelo
tratamento de Rebeca. Em junho de 2012, pela evolução da doença, Dr.
Lúcio conversou com Sônia e Alexandre que a única forma de cura seria
um transplante de fígado. Em função da gravidade da situação, a cirurgia
deveria ser feita dentro de um período de 3 meses. Caso contrário, Rebeca
poderia morrer.
Foi um grande choque para Sônia e Alexandre. A fila de transplante de
fígado, assim como dos demais órgãos, era muito grande. Além disso, quando
chegasse na vez de Rebeca, ela deveria receber um fígado compatível, o que
também poderia atrasar ainda mais. Saíram daquela consulta arrasados
e muito tristes. Amavam muito Rebeca e não suportavam a ideia de que
ela poderia morrer se tudo não acontecesse nesse período curto. Entraram
os três no ônibus para voltar para casa. Apesar de terem muita fé e
acreditarem em Deus, começaram a chorar e se revoltaram com a situação,
questionando por que estavam vivendo esse sofrimento.
41
Rebeca abraçou seus pais com muita força e contou que teve um sonho
muito diferente nessa última noite. No sonho, ela estava muito apreensiva
procurando uma caixa amarela num jardim. De repente, uma outra menina
vestida de branco gritou seu nome e correu em sua direção. O nome dela
era Luana. As duas se sentaram em um dos bancos do jardim e a menina
lhe disse para não se preocupar, pois, no momento certo, ela receberia a
caixa amarela desde que mantivesse a fé e a crença em Deus e que nunca
perdesse a esperança na vida. Rebeca olhou para seus pais e começou a
chorar dizendo que não tinha entendido o sonho, mas que agora, depois
da conversa com Dr. Lúcio, tudo fazia sentido para ela. Nesse momento,
o ônibus chegou ao ponto final e eles desceram. Ao entrarem em casa,
contaram o que tinha acontecido para Felipe. Os quatro se abraçaram
e prometeram que rezariam juntos todos os dias e pediriam que Rebeca
recebesse o fígado novo em 3 meses.
Os meses de julho e agosto foram muito sofridos para toda a família.
Rebeca havia piorado sensivelmente. Sônia falava com Dr. Lúcio semanal-
mente para acompanhar a evolução da fila de transplante de fígado.
A angústia de viver na fila, a espera do telefone. Finalmente, no dia 1º de
setembro, Sônia recebeu uma ligação do Dr. Lúcio informando que tinha
aparecido o fígado para salvar a vida de Rebeca. A emoção foi indescritível...
Estavam muito felizes com a proximidade da cirurgia que poderia salvar
a vida da sua querida filha, mas apreensivos de Rebeca não suportar uma
cirurgia tão complexa e delicada.
Sônia, Alexandre e Felipe rezaram muito no hospital durante as 12
horas da cirurgia de Rebeca com muita fé e otimismo. Finalmente, Dr. Lúcio
saiu da sala de cirurgia e foi ao encontro deles. Comentou que a cirurgia
tinha sido um sucesso e que Rebeca ficaria bem. Um mês depois, Rebeca já
se sentia bem melhor. Ainda tomava o remédio para evitar a rejeição ao
fígado que havia recebido. Seu tom de pele estava normal e suas bochechas
estavam coradas. Recebeu um presente de seus pais e seu irmão: era uma
caixa amarela com um vestido amarelo dentro. Rebeca foi correndo colocar
o vestido e pediu que seus pais tirassem uma fotografia dela com a roupa
nova. Pediu que enviassem, dentro da mesma caixa amarela, a foto ao
Dr. Lúcio com uma carta na qual ela escreveu: “Muito obrigado a você e
à doadora que salvaram a minha vida. Agora posso usar amarelo, minha
cor preferida, sem me sentir mal.” Além disso, também relatou na carta o
sonho que ela teve na véspera do dia em que Dr. Lúcio disse para eles que
a única opção de cura seria o transplante.
Dr. Lúcio recebeu a caixa amarela e ficou bastante emocionado. Sentiu
uma sensação estranha de que a vida de uma pessoa depende da morte de
outra... A lei que regulamenta os transplantes é contrária ao encontro de
famílias de doadores e receptores. Dr. Lúcio ligou para os pais de Luana,
a doadora do fígado que salvou a vida de Rebeca, e disse que eles não
doaram somente o fígado da filha que havia morrido, e sim a esperança
de continuar executando a mais bela arte existente no universo: A ARTE
DE VIVER!
Lucas Muchaluat (categoria prosa – 7º ano)
42 43
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Poema “sem” tema Me mata consumo!
O meu poema não tem tema,
Afinal fazer um poema é muito difícil.
O poema tem que ter tema,
Pois um poema sem tema não é um poema,
Mas nesse caso o meu poema não seria um poema,
Pois ele não tem tema,
Porém o tema do meu poema é um poema sem tema
Então ele é ou não um poema?
A gente mata,
Desmata,
Planta pra falar que não desmatou
E desmata de novo o que a gente plantou
A gente compra,
Estraga,
Descarta pra falar que não comprou
E compra de novo o que a gente jogou
Aqui a gente nasce pobre
Vive pobre
E morre pobre
E quem nasce rico,
Vive rico
E morre pobre
Gustavo Racy (categoria poesia – 7º ano)
Ricardo Feliz Okamoto (categoria poesia – 8º ano)
O Vinho
A casa da avó de
Pedro era antiga,
da época colonial.
Havia retratos
empoeirados, móveis
com teias de aranha
e objetos que, de tão
velhos, se tocados,
corriam o risco de se
transformarem em
poeira, sem contar o
velho chão de madeira
que fazia barulho
toda a vez que alguém
pisava. Mas o garoto
possuía uma estranha
ligação com aquele
lugar.
Era uma quinta-
feira, véspera da
prova de História, e o
menino havia passado
o dia estudando.
Não aguentava
mais ler nem uma
única palavra.
Estava exausto,
olheiras marcavam
profundamente seus
olhos negros. Já
nem sabia que horas
eram. Mesmo assim,
continuou com a
tarefa, pois só faltava
ler o trecho da morte
de Henry II, que teve
um fim trágico. As
pálpebras do garoto
não conseguiam
ficar mais abertas,
então lentamente se
fecharam, até ele
adormecer.
Acordou com o
rosto marcado pelo
livro. Que horas
eram? Para descobrir,
dirigiu-se à janela
entreaberta. Estava
claro, o céu não
possuía nenhuma
nuvem, mas o riacho
refletia uma noite
repleta de estrelas, o
bosque estava escuro
e o quintal da casa
era iluminado por
lampiões a gás. O que
estava acontecendo?
Será que estava louco?
Olhou novamente
para a escrivaninha,
mas havia algo
diferente nela. Seus
livros mal cuidados
de História foram
substituídos por
livros grossos escritos
à mão. Confuso,
esfregou levemente
seus olhos e percebeu
que não estava
mais usando sua
bermuda rasgada e
uma camiseta lisa,
e sim uma roupa
requintada, calça
e blusa de veludo
vermelho enfeitadas
por fios dourados.
Completamente
atordoado, desceu as
escadas que antes
eram barulhentas.
Encontrou uma sala
bem cuidada, com
móveis novos e nem
sequer uma poeira.
Imaginou ser uma
versão mais recente
da casa de sua avó.
Seu pensamento
foi interrompido pelo
som de vozes, e ele
seguiu na direção do
ruído. E se deparou
com uma mesa de
jantar deslumbrante.
Talheres de prata,
cálices com vinho e
guardanapos de pano.
Na mesa de madeira,
estavam sentados
uma encantadora
moça com um longo
vestido azul e um
homem assustador que
estava com um sorriso
maquiavélico. Pedro
os conhecia, só não se
lembrava de onde.
A mulher o
convidou para sentar;
como ele estava
faminto, não hesitou
a se juntar a eles.
Tomou um gole do
vinho. Então lembrou
quem eles eram.
Ela era a noiva de
Henry II e o senhor
era o pai dela, que
havia matado o nobre
envenenando-o. Um
pensamento surgiu
em sua mente. Ele
era Henry e o vinho
era o que ia matá-lo.
Mas era tarde demais;
havia bebido até a
última gota da bebida,
e o veneno começava
a fazer efeito.
46
Fern
anda
Tie
mi (
cate
gori
a pr
osa
– 8º
ano
)
48 49
Marias
Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria + Maria +
— Maria, tu, como a filha mais
velha, tem que ir pegar água pra
nós. Anda, minha filha, se apresse,
ou nós vamos morrer de água,
secando – dizia o pai.
— Maria, toma juízo e vá no
caminho, te benzo sem água, pois
água tu que terá que trazer sem
travar – dizia a avó.
— Maria, minha filha, só resta a
você. Estou cansada e doente e seu
pai também, seus irmãos são novos
e a água acabou. Com o vento logo
na ventana vazia, vagando a vinda,
tu irá aparecer. Fé em Deus e em
Virgem Maria, Maria minha filha –
disse a mãe.
Maria andava pelo sertão, cujo
ventre a havia parido, mas agora
poderia ser seu túmulo, que este,
amargamente, colocasse.
Ela já estava desde as 7 da
manhã e agora, ao meio-dia, o balde
de água já estava em sua cabeça
negrinha a pixaim.
Passos a passos o destino ia
traçando a metade mais difícil do
caminho, a metade decisiva. Será
que iria ter forças? Será que iria
aguentar? “Sim”, pensava Maria,
“como filha de ser anato, raça forte
e porreta hei de ser, afinal, se o meu
pai é José Bento da Penha, eu, Maria
Bento da Penha, irei continuar,
levar o que é a minha sina, mas
também inspiração. Fazer o que
é a minha vida mas pode dar em
morte, e mesmo assim continuarei,
como painho fez quando matou duas
onças. Eles dependem de mim e eu
dependo do sol. Tenha piedade de
mim, bola de fogo, suplico-lhe.”
Infelizmente a chama incessante
não atendeu aos pedidos da menina;
pelo contrário, aumentou mais ainda
a sua potência, queimando eferves-
centemente os ombros da negrinha.
Não sabia que horas eram, já que
mal conseguia andar, muito menos
pensar. O calor continuava e até o
suor havia se secado, o desgaste a
descascava, colocando seus pés em
carne viva. Pensava em desistir,
mas tinha medo de morrer, então
continuava em uma verdadeira
dolorosa ode à vida.
O céu começava a rapidamente
escurecer. Maria sentia que algo a
seguia, virava para trás e não via
nada, até que a viu. Viu a si mesmo,
uma outra Maria carregando o
mesmo balde com a mesma dor.
“Quem era ela?” “Quem era eu?”
Sentia pena da moça, mas pouco
mal via; que pena, estava sentindo
de si mesma. Sentiu-se segura, e
mesmo com o calor tomando sua
mente seguiu a peregrinação, e a
outra Maria também.
Agora estavam em duas, era
mais fácil carregar o peso. Estavam
perto de casa, mas distantes e
longos passos haviam de dar as
duas Marias.
A visão embaçava, e lágrimas nos
olhos começavam a aparecer. Porém,
mesmo luzes embaçadas conseguem
brilhar, e no breu profundo em que
estava era possível identificar a
talvez lâmpada da ventana de seu
quarto.
Os pés doíam, o ombro pendava,
e no coração uma cicatriz profunda
se formava. Uma marca do sertão,
seria esta em formato de cruz?
Tomara que não.
Continuava a trilhar, agora já
era de noite, e nem a lua aparecia
devido à tempestade que se
aproximava. O balde e a vontade de
chegar continuavam em sua cabeça.
Por estar escuro, sabia que estava
perto, perto da chegada, perto da
vitória.
“Vamos, Maria, prossiga”,
era a voz do interior, anoitecido,
amariazido, sertaneiro. Nessa altura
do campeonato, a outra Maria já
havia a deixado, “provavelmente
morreu de cansaço”, pensou Maria,
“mas eu não me findarei desse
jeito, dependem de mim, e eu agora
dependo dos meus pés, apenas
pés”.
Chegava, avistava pessoas,
seriam duas (?) não sei. A visão
duplicava, o corpo relaxava. Sabia
que tinha chegado, sabia! Só faltava
atravessar a porta e botar os baldes
na mesa, vamos, vamos, coloca,
coloca, e............... descansa.
Caiu a vitoriosa Maria, tombando
no chão.
Désirée Brissac Pereira
(categoria prosa – 9º ano)
50 51
Imensidão caótica
Por que tememos tanto o inferno?
Deixamos de viver a vida
Dia após dia
De viver verão,
De viver inverno
E a cada segundo que passa
Estamos mais longe
Do que queremos
O fim se aproxima
A cada momento que perdemos
A preocupação com o após
Faz com que percamos o agora
E esqueçamos o passado
Estamos sempre esperando
Por um futuro idealizado
Sem tempo preciso
Não percebemos o que nos foi negado
E agora? Cadê seu paraíso?
As frustrações
O afastam da sua crença,
Corrompido por uma imensidão
Você nunca fará diferença
Seu mundo inteiro está perdido
Mais um escravo acaba de ser vendido
Escravizado pelo sistema
Que tanto idolatrava
Caminha sem rumo definido
Somente seguindo imposições
Semente à procura de razões
Ainda tens muito o que crescer
E quando achou que tinha entendido
Percebeu que tudo não passava
De mentiras
Rodeado por animais de gravata
Caminhamos nessa selva de concreto
As esperanças são afugentadas
Pisoteadas e enterradas
No mais profundo dos buracos
Onde ninguém se arrisca a adentrar
Buraco profundo de escuridão
Chamado coração
Depois de tanto sofrimento
Fugi dessa realidade
Percebi
O inferno é aqui
Gustavo de Siqueira Ferreira (categoria poesia – 9º ano)
53
Nos
sos
Dez
oito
Ano
s Aniversário de dezoito anos. Para a maioria das pessoas, é o melhor
dos aniversários. Eu com certeza classifico o meu assim, mas nunca havia
parado para tentar entender por que alguns não acham o mesmo. Pelo
menos até ontem, 20 de agosto. Aniversário de dezoito anos de minha
filha.
Durante os preparativos da festa, enquanto eu fazia doces e enchia
balões, nem reparei na tristeza de Talita. Porém, quando os convidados
começaram a chegar, alegres, barulhentos e festivos, vi minha filha subir
timidamente a escada que levava a seu quarto.
– Onde está Talita, Tatiana? – me perguntaram. Eu não respondi. Apenas
continuei a olhar para a direção em que Talita havia seguido. É certo que
ninguém pode entender o que se passa na cabeça dos outros em todos os
momentos, mas eu raramente deixei de fazê-lo com minha filha. Raras
vezes como esta.
Assim, deixei os convidados na sala e andei até o quarto de Talita.
Bati levemente na porta, e esperei que ela abrisse. No entanto, ao invés
de prestar atenção em se ela me deixaria entrar ou não, acabei tomada
por lembranças da época em que eu tinha dezoito anos. Diferentemente
dos tempos atuais, lá ninguém batia na porta, a ponto de eu já ter sido
surpreendida por alguém entrando enquanto me vestia várias vezes.
– Pode entrar... – ouvi Talita dizer. Abri a porta do quarto e encontrei
minha filha cabisbaixa, sentada na única cama do grande quarto. Talvez
fosse por isso que eu preferia me trocar no banheiro com aquela idade.
Minhas irmãs mais velhas entravam e saíam do quarto que dividíamos a
todo o momento, para deitar em suas camas e falar com seus namorados,
me dando pouco espaço.
– O que houve, meu bem? – perguntei, me sentando ao lado de Talita.
– Por que não está em sua festa?
Ela permaneceu quieta, abaixando ainda mais a cabeça.
– Eu não quero fazer dezoito anos – Talita finalmente respondeu. – Estou
com medo...
Fiquei a observar minha filha por alguns instantes. Aqueles cabelos
castanhos, o rosto meio japonês, meio brasileiro... Posso dizer que não vi
Talita naquela moça, quase mulher. Vi a mim mesma, Tatiana, prestes a
completar dezoito anos.
A única diferença é que, em meu 18º aniversário, não fiquei triste ou
com medo, e sim mais feliz que nunca. Com dezoito anos eu não seria mais
uma menina, e sim uma mulher a desabrochar. Naquele dia tão especial,
que fez as horas passarem como anos, passei a maior parte do tempo no
banheiro, me arrumando como uma mulher faria. Para à noite, só à noite,
festejar minha passagem.
Talita, porém, não estava eufórica ou ansiosa. Mais uma vez, me vi
incapaz de compreendê-la. Naquele momento, ela nem sequer olhava para
mim. Prestando mais atenção, percebi que seus olhos estavam fixos em
uma foto na mesa de cabeceira, na qual ambas comemorávamos o Ano
Novo em uma praia do Rio de Janeiro.
Parei para contemplar os arredores. Havia muitas outras fotos como
aquela nas paredes. Na maioria delas, eu estava ao lado de Talita. Novamente
me lembrei de minha infância: em meu quarto, não havia sequer uma foto
minha com meus pais. Ambos trabalhavam como loucos para sustentar
sete filhos, e, quando chegavam cansados em casa, eu ainda lhes dava o
trabalho de me dar atenção. Eu nunca trabalhei. Sempre dediquei todo o
meu tempo à minha única filha. Lá, em minha infância, ninguém tinha
cabeça para criança, quanto mais tempo. Por isso eu queria tanto me
tornar uma mulher. Assim, talvez tivessem tempo para mim.
Mas se Talita já tinha tudo aquilo antes de ser uma mulher, por que iria
querer se tornar uma?
– Eu nunca irei deixá-la – eu disse à minha filha, acariciando seu cabelo.
Ela levantou o rosto, já sorrindo, e me abraçou como se eu houvesse
solucionado tudo naquelas cinco palavras.
– Eu te amo, mãe – ela me agradeceu, ainda com a cabeça em meu
ombro, dizendo o melhor que uma mãe pode ouvir.
Isab
ella
Arr
uda
(cat
egor
ia p
rosa
– 1
º ano
do
Ensi
no M
édio
)
54 55
Tropeiro sem Sertão
Um tropeiro sem querência, nascido lá no sertão
Não temia urutu, cascavel ou cerração
Vivia de vila em vila pra conseguir o seu pão.
Este tropeiro que eu digo não teve sucesso não
Um dia tocando gado, no chão de terra do estradão
A boiada estourou e começou a provação.
A comitiva então seguiu os bois no estradão
Só se ouvia o berranteiro e o latido do seu cão
Tropeiro então pensou, colocou o laço na mão.
Em sua primeira laçada quase arrancou o travessão
Tropeiro então puxou e derrubou uma vaca no chão
Pensando que daquele modo faria com o Furacão.
O boi Furacão era o touro do patrão
Tinha seus chifres bem largos, não tinha piedade não
Tropeiro não suportou a força do boi furacão.
Caiu da sua mula e deu com o rosto no chão
O touro sem piedade arrebentou a mula e o peão
Tropeiro não aguentou, morreu com o terço na mão.
Hoje na velha estrada não se vê mais confusão
Só se enxerga uma cruz, morreu ali um peão
Boiadeiro já se foi, nunca mais volta para seu rincão.
Olhando para o céu quando acaba a cerração
É possível ver bem lá no alto uma grande constelação
Um tropeiro e uma mula que não voltam para o sertão. Césa
r Zar
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ia p
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1º a
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o En
sino
Méd
io)
Chega de tentar ser uma ilha
Ao passar dos anos, a mais
manifestações pela liberdade
assistimos. Protestos, vídeos e até
mesmo tatuagens pedem o fim da
dependência física e material. O
que motivaria alguém a desejar
fugir do eixo em torno do qual gira
a humanidade? Simplesmente a
dificuldade de estar completamente
sozinho.
Dependemos de tudo que foi criado
até hoje. A cada segundo nasce
uma ideia com potencial para
transformar o mundo. O
ritmo do desenvolvimento
da tecnologia está numa
progressão geométrica
crescente, e, quanto mais ela
se desenvolve, mais dependemos
dela. Dias atrás, houve uma queda
de energia em casa, e foi enorme a
minha surpresa ao descobrir que
sem ela eu não conseguia fazer nada.
Não podia esquentar o jantar, tomar
banho quente, abrir o portão para
sair, e nem ao menos acessar as
redes sociais. Foi então que percebi
que, quanto mais o tempo passa,
mais nos tornamos dependentes de
todas as inovações que acontecem,
e mudam o nosso olhar sobre o que
realmente precisamos para viver.
Essa dependência nos torna cada
vez menos livres. Vivemos em uma
imensa teia que cerca o planeta Terra
de conexões. Faz parte da rotina de
grande parte das pessoas ao acordar
pela manhã imediatamente checar
notificações no Facebook. Hoje,
são poucos aqueles que ainda
resistem às redes sociais.
É difícil manter-se isolado
quando, a todo instante,
nos deparamos com um fio
desta infinita teia invisível
que nos envolve.
Estamos cercados. É praticamente
impossível nos esconder. Através
de um celular podemos ser
rastreados em segundos, e nossa
localização aparece em um mapa
em três dimensões. Podemos ainda
visualizar qualquer lugar do mundo
com imagens recentes de satélite,
sem ter de levantar da cadeira.
Hoje todo celular tem câmera
fotográfica, e não se pode mentir
sobre onde esteve, quando qualquer
ser curioso encontra, sem muita
dificuldade, provas da verdade
circulando virtualmente. Uma foto
qualquer pode acabar mudando uma
vida, uma vez que tudo que chega
à internet nunca mais sai. Não
há para onde fugir, e é impossível
voltar no tempo, mas 40 anos atrás
seria chamado de louco aquele que
tentasse prever que um dia nosso
mundo seria assim. Vivemos em
um constante “Big Brother”,
com câmeras para todos os
lados; a diferença é que,
até o fim de nossas vidas,
nunca saímos da casa.
Nenhum homem é uma ilha, como
lembrou John Donne. Dependemos
de novas ideias, precisamos de
conexões, estamos a cada instante
sendo monitorados, e hoje restam
poucos lugares onde podemos fazer
qualquer coisa sem sermos vistos, e
efetivamente alcançar a liberdade.
Resta-nos esperar que esses lugares
não sumam, e procurar por eles
para aproveitar enquanto ainda
existem. Àqueles que procuram a
liberdade, boa sorte.
Tamara Wolff Bandeira Klink
(categoria prosa – 1º ano do Ensino Médio) Sofia
De
Paul
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osa
– 2º
ano
do
Ensi
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édio
)
Memórias
Começa assim. Abro
meus olhos, mas não
vejo, escuto. Escuto o
ar que sopra em meus
ouvidos trazendo sons
que desconheço. Pouco
a pouco fazem-se
familiares. Ao longe um
caminhão bufa como um
animal, acompanhado
por vozes. Vozes
que marcham. Uma
gritaria e, de repente,
silêncio. O conhecido
silêncio que precede
o caos. Armas gritam
como homens, homens
gritam como armas. E
o ar sopra, trazendo
toda a dor dos que
estão lá fora. Eles me
encontraram.
Um baque surdo
rompe o caos, é seguido
por outro e mais outro.
Encolho-me enquanto
o lugar todo sacode
violentamente e se
desfaz em pedacinhos
que caem sobre mim.
Uma coceira começa
em minhas costas e
sobe por elas como
um inseto. A luz faz
cócegas. Abro os olhos
e, na clara escuridão,
um feixe de luz cruza o
ar como uma teia.
Ouço passos vindo
de todos os lados.
Quero me mexer,
mas não consigo, não
me encontro. Fecho
meus olhos e espero,
enquanto os passos
tornam-se cada vez
mais altos. Eles batem
à minha porta. Não
acho minha voz, não
respondo. Eles batem
mais e mais forte. A
luz começa a entrar
por todos os lados por
feixes que se formam.
Meus olhos ardem. As
madeiras gemem em
protesto, até que ouço
o parafuso da porta se
desprendendo e caindo
levemente, tilintando.
A porta se abre e a
luz entra intensa. Tudo
branco, como o céu que
minha mãe costumava
descrever. Mas eu não
estou no céu e minha
mãe não está aqui.
Salvei-me, mas agora
estou só.
Passos cada vez
mais altos fazem vibrar
todo o meu corpo colado
ao chão. Tão altos que
mal ouço minha própria
respiração. Abro meus
olhos. Ele me olha e
eu o olho. Ele não está
surpreso por me ver,
nem eu por vê-lo. Era
uma questão de tempo.
Quero me levantar. Não
consigo. O que cresce
em meu interior não é
suficiente. Sai na forma
de lágrimas. Lágrimas
ardidas que escorrem
por minha face. Ele
sorri e se aproxima.
Me encontrou. Eu
fugi, mas a guerra me
encontrou. Lentamente,
tudo à minha volta se
desfaz.
56 57
58 59
Os prisioneiros contemporâneos
Qualquer sociedade, para garantir seu funcionamento, exige certa
previsibilidade de seus indivíduos – todo o sistema de relações sociais
depende do cumprimento de certos papéis; caso contrário, sua manutenção
estará em risco. Basta pensar em um sistema capitalista, que precisa dos
trabalhadores para ter sua produção, bem como de figuras de poder para
controlá-la. Aos mecanismos de organização da sociedade e, principalmente,
que garantem o cumprimento dos papéis sociais dá-se o nome de controle
social.
No entanto, na sociedade atual, há um limite impreciso entre o controle
social como forma de organização da sociedade ou de manipulação do seu
pensamento. Os valores são impostos de maneira muito mais implícita,
sendo poucas vezes vistos, de fato, como um controle. Isso fica claro ao
se analisar uma característica típica dessa sociedade, que é pautada pelo
consumo, pelos bens e, logo, pelas aparências – o marketing. Ele vai ter
cada vez mais força, com sua capacidade de persuasão e o objetivo único
de convencer a sociedade – que, agora, é chamada Sociedade de Controle
– a comprar seu produto. Muitos se deixam levar pela simples imagem do
produto, ou pelo desejo de consumir, sem saber ou questionar se, de fato,
precisam de tal mercadoria.
Essa sociedade impulsiva e alienada foi antevista por Platão, que a
ilustrou em seu famoso “Mito da Caverna”. Neste, prisioneiros acorrentados
em uma caverna, olhando eternamente para seu fundo, tomam sombras,
que ali se projetam, como realidade, não crendo na existência dos objetos
reais que formam tais projeções. Desse modo, os prisioneiros vivem
acreditando em uma ilusão. Esse seria o mundo sensível de Platão, visão
de mundo tida pelos sentidos e impulsos, sujeitos a alterações e enganos,
e que escondem a verdade, que é imutável. Esta, então, seria obtida por
meio da racionalidade e dos questionamentos, que levariam à essência
do pensamento, em um mundo que não está ao nosso alcance direto – o
Inteligível.
Ao criar tal mito e tais conceitos, então, Platão parece antever a
sociedade de controle que viria a se formar milênios depois. Os prisioneiros,
acorrentados e julgando imagens como se fossem realidade, têm o mesmo
comportamento de muitos indivíduos da sociedade atual, que também são
guiados pelas aparências e estão – mesmo que não tão claramente – presos
àquilo que a mídia impõe como o que deve ser incorporado. Há cada vez
menos questionamentos e mais aceitação do que se é imposto – “a ilusão é
sagrada”, como exposto pelo filósofo alemão Ludwig Feuerbach, no início
do século XIX –, de modo que a sociedade se deixa guiar pelos sentidos e se
afasta da verdade, segundo o conceito platônico.
Uma sociedade guiada pelas aparências e incapaz de ver as correntes
que a prendem, assim como a situação descrita por Platão, nunca foi tão
clara e, ao mesmo tempo, tão pouco notada por seus indivíduos.
Marcela Romboli Farina (categoria prosa – 2º ano do Ensino Médio)
60 61
Canto III
Apaixonei-me e logo me machuquei,
Tentei me fazer acreditar,
Que, um dia, ainda verei,
Você, de verdade, me amar.
Mas de mentiras não posso viver,
E desistir virou opção,
Não desistir, mas esquecer,
Não opção, mas obrigação.
O tempo foi passando,
O coração curando
E a dor finalmente me deixando.
Mas toda essa tranquilidade teve um fim,
Quando um dia, enfim,
Um “oi” você dirigiu a mim.
Beatriz Guelman (categoria poesia – 2º ano do Ensino Médio)
Ladrão de Rosas
Onde estás, meu Ladrão de Rosas?
Para onde fostes, meu bem? Passei
as últimas madrugadas mornas
contorcendo-me na cama, esperando
por um sinal teu, qualquer fosse
ele.
Minha mãe não entende. Diz
que estou febril e nem suspeita que
seja tua falta a causa da minha
enfermidade. Se queimo agora é
por causa tua, é pela falta dos teus
dedos compridos deslizando pelos
meus cachos, é pela falta da tua
risada silenciosa, é por falta das
tuas rosas. Minhas forças se esvaem
do meu corpo como o perfume da
última flor que me trouxe. Ficarei
murcha e sem perfume, meu bem,
sem o teu alento. Preciso mais das
tuas mãos cuidadosas do que me
sinto confortável em admitir.
Meu bem-querer, não me sai
da memória aquele dia em que me
carregaste em tua bicicleta. Creio
ter sido o vento o culpado, mas
derrubaste a mim e a ti bem em
cima daquele roseiral. Bendito seja
o vento! Foi na cumplicidade com
aquelas rosas que me deste aquele
beijo. O primeiro. Com um fervor que
nunca tinha notado em ti. Lembro-
me bem dos teus lábios calmos
tocando os meus, enquanto teus
dedos urgentes exploravam minha
pele. A penugem da minha nuca
ainda se arrepia com lembrança
tão vívida. Ah, amor! Tu bebeste
de mim como o beija-flor bebe do
néctar das flores, com um misto
de cuidado e paixão. E deixaste em
mim tua saliva lasciva, teu líquido
inebriante. És o responsável pelo
meu vício em ti. E não me faltam
recordações daquele momento.
Aquela fita amarela que eu usava
nos cabelos, rasgada pelos espinhos
das rosas, ainda está guardada na
gaveta ao lado da cama. É a fiel
ouvinte das minhas súplicas de
amor assim como o eram as rosas
que a rasgaram.
Para onde foste, meu anjo?
Ainda quando passo por aquele
roseiral algo aperta meu peito e a
memória daquele tempo me escorre
líquida e salgada pelo rosto. E assim
retomo aqueles teus olhos azul-
mar, que como a vaga me puxavam
para ti. Descobri em ti um lado
urgente, espontâneo. Os dedos e
os lábios ágeis. A falsa experiência
entremeada na fronte inocente.
Não sei o que foi que brotou em ti
naquele dia. Tu passaste a roubar
rosas. Protegido pelo meu amor,
ninguém jamais notou tuas roupas
sujas de terra, ninguém jamais deu
pela falta das flores. Mas eu as
contava todas, dava-lhes os nomes
mais bonitos. Eram filhas, frutos do
nosso romance secreto.
Lembro-me bem de assistir a ti,
pulando os portões dos palacetes
brancos em busca de novas rosas. Tu
voltavas com nova flor e novo beijo,
o sabor da adrenalina, do errado, do
perigo. Lembro-me de correr contigo
nas ruas de pedra e de ser agarrada
por ti, afogada em teus abraços. Eu
me sentia ainda menor do que já
era. E tu me derrubavas. Sempre
fui suscetível a cair, de qualquer
maneira. Tu fingias preocupação
quanto ao corte em meu joelho e eu
fingia manha. Tu me lançava aquele
riso danado só para me ver corar
feito a boba que eu era. E agora
ouço ainda teu suspiro, com aquela
tua voz estúpida no meu ouvido.
Quando procuro em falsa
inocência saber de ti, me dizem que
tu tens andado deprimido, que tua
mãe levaria a ti ao doutor. Se tens
estado quieto sei bem o porquê: nosso
segredo. Meu querido, ninguém além
de nós irá um dia compreender o
nosso segredo. Os passos furtivos.
As pedras na janela. O roseiral. A
adrenalina. A carícia. A grama nos
meus cabelos. A minha anemia. A
tua depressão. O nosso sufoco. Os
solavancos de vida.
Onde estás, meu amado? Para
onde foi o meu Ladrão de Rosas?
Aguardo ansiosamente por teu sinal.
Enquanto houver rosas no mundo,
haverá a nossa história.
Da tua – e sempre tua – Garota
do Laço de Fita.
Lígia Cossé
(categoria prosa – 3º ano do Ensino Médio)
62
Amor
De todos os assuntos
da terapia,
apenas um detesto:
Amor
Não consigo nem quero
falar de algo tão divino
e infernal a um mero
ser humano
O amor que sinto é meu.
Impossível dividi-lo,
impossível expressá-lo
até mesmo ao meu ser amado
Engraçado e tirano
esse tal de amor!
Sentimento egoísta, que não existe
sem aquele que ama e aquele que é amado
É via de duas mãos,
que leva ao mesmo
lugar:
Incerteza
Se concreto,
seria cristal.
Fácil de quebrar,
impossível de reconstruir
O amor é cisne reluzente
de casa de tia-avó.
Criança não pode tocar,
só ver
Se concreto,
jogá-lo-ia na parede,
para depois sair correndo
chorar sobre os cacos
Se mulher,
Capitu.
Se homem,
Bentinho.
Amor,
se real,
uma
mentira
Se bom,
não seria amor.
Se ruim,
não existiria.
Amor,
se não amor,
não seria necessário
(terapia)
63
Caro
lina
Gar
cia
(cat
egor
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3º a
no d
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sino
Méd
io)
64 65
A Favor da Democracia
O Brasil é uma democracia desde o final da ditadura militar, em 1985.
No âmbito teórico, pode-se dizer que essa afirmação é verdadeira. Apesar
de a Constituição cidadã pregar este regime democrático, a desigualdade
socioeconômica do Brasil é uma das maiores do mundo. Ainda há o desafio
de democratizar diversos setores da sociedade, como é o caso do ensino
superior no país. Sendo assim, deve-se dizer que, em favor da democracia,
a inclusão social nas universidades é algo essencial para transformar o
Brasil em um país mais justo.
Desde sua origem, o Brasil fundamentou-se nas desigualdades. Com
a abolição da escravidão em 1888, não houve nenhum processo de
inclusão social para os negros, deixando-os assim à margem da sociedade.
Sem educação, esses não tiveram a oportunidade que deveriam para
se qualificarem e ascenderem socialmente. Observa-se ainda que 70%
da população considerada pobre no Brasil é negra, e que as melhores
universidades públicas do país têm como maioria esmagadora alunos
caucasianos. Desta forma, medidas que democratizem o acesso ao ensino
superior, dando também aos negros o direito de frequentar universidades
de qualidade, são necessárias e emergenciais.
No entanto, muitos ainda hoje discordam da tentativa de integração
social a partir da universidade, apresentando o argumento de que isto
prejudicaria o andamento das aulas e pesquisas, atrasando os cursos e
prejudicando alunos melhores preparados, isto é, provenientes da rede
particular de ensino. Porém, existem dados que comprovam a falha deste
argumento. Universidades públicas que já adotaram as cotas a alunos
provenientes de escolas públicas constataram que estes estão tendo um
desempenho surpreendente em relação a outros que vieram de instituições
educacionais particulares e foram aprovados no processo seletivo para o
ingresso na universidade.
Conclui-se assim que, diante deste cenário de desigualdade a que ainda
hoje o Brasil é submetido, é essencial que se criem projetos de integração e
ingresso a universidades federais e estaduais, através do sistema de cotas
raciais, para alunos provenientes de escolas públicas. Desta maneira, será
possível amenizar as injustiças até então vigentes em nossa sociedade.
Aliada a isso, há também a necessidade da criação de bolsas de ensino
para alunos de baixa renda, em instituições particulares, assim como
ocorre nos Estados Unidos. Apenas deste modo será possível existir um
Brasil mais justo e verdadeiramente democrático em um futuro não tão
distante.
Victor Cury
(categoria prosa – 3º ano do Ensino Médio)
Projetar significa lançar-se à frente, traçar um rumo e seguir por ele em direção a determinado
objetivo. Ao ato de projetar liga-se, intrinsecamente, a existência de um movimento, quase
sempre em sentido único, na busca por algo de desejo individual ou coletivo. Dessa forma, ao
termo projeto podem ser associados alguns significados como, por exemplo, o de mudança,
ver adiante, observar o passado com o foco no futuro, resolver problemas, entre outros. Não
é à toa, portanto, que a palavra projeto vem sendo apropriada pelas escolas como sinônimo
de proposta inovadora de ensino e de aprendizagem. Nós, do Colégio Móbile, há muito nos
antecipamos na implantação de propostas de trabalho com vistas à realização de projetos
individuais, como é o caso, por exemplo, do processo que alguns alunos do Ensino Médio
vivenciaram durante o projeto de Iniciação Científica.
O projeto de Iniciação Científica do Colégio Móbile completou, em 2012, quatro anos de
existência, ganhando, definitivamente, status de interesse para alunos e comunidade, como
atesta o número elevado de acessos aos vídeos produzidos e disponibilizados – generosamente
– na Internet pelos alunos participantes. Para se ter uma ideia, alguns dos vídeos criados no
período foram acessados mais de 4000 vezes. Vale, portanto, reforçar as características do
projeto e os resultados obtidos pelos alunos ao encerramento da fase iniciada em agosto de
2011 e encerrada em 2012.
Um grupo de quatorze alunos participou do projeto. Desse grupo, sete alunos pesquisaram e
produziram trabalhos na área de Humanidades, enquanto outros sete alunos preferiram estudar
temas relacionados ao bloco das Ciências Naturais e Matemática.
A diversidade dos temas de estudo dos alunos chama a atenção, seja em Humanidades ou em
Ciências, principalmente porque foi possível observar que os interesses estiveram, mais até do
que em outros anos, bastante relacionados àquilo que poderiam produzir e deixar como herança
de suas passagens pelo colégio. Em razão disso, os professores têm agora acervo ainda maior
de videoaulas para enriquecer suas aulas nos anos futuros.
A lista dos trabalhos produzidos na área de Ciências Naturais e Matemática foi composta pelos
temas a seguir:
Alunos do Ensino Médio apresentamo resultado de suas pesquisas realizadas
entre 2011 e 2012.
“A ciência apreendeA ciência
em si”(Gilberto Gil)
66 67
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InvisibilidadeA aluna Beatriz Peano fez interessante associação entre filmes antigos e atuais sobre personagens que se tornam invisíveis, para aprofundar temade estudo de importante ramo da Física, a Óptica.
Aerodinâmica dos automóveis Os cursos de Física oferecidos no Ensino Médio estimulam os alunos na compreensão das condições que permitem maior ou menor desempenho dos automóveis. A partir desse estímulo, o aluno Rafael Rejtman, em rigoroso trabalho de pesquisa, produziu vídeo explicando com detalhes a importância da aerodinâmica na fabricação dos veículos antigos e atuais.
Projeto Manhattan Na história do século XX, os esforços norte-americanos para a produção da bombaatômica foram intensos. O aluno Pedro Parizzoto interessou-se por estudar as origense as consequências do processo, sobretudo sob os pontos de vista da Física e da História.
Do café ao espaço Nickolas Kokron resolveu estudar um pouco mais as leis da Gravitação Universal e, partindo da imagem de diversas fórmulas registradas em uma xícara, elaborou uma sequência de explicação para essas fórmulas e também para sua aplicação no movimento dos satélites.
Karatê: a Física nas artes marciais Os movimentos e golpes do karatê, esporte queé praticado pelo autor da videoaula, estimularam o aluno Rafael Magaldi a analisar em detalhesas forças e os momentos envolvidos nesse esporte. O resultado foi uma videoaula em que um personagem simula golpes e, simultaneamente, explica a Física envolvida neles.
Química e gastronomia:comparando pães e bolos O prazer de Laura Pupo pela Gastronomia a impeliu a estudar as diferenças nos processos químicos envolvidos na produção de pães e bolos. Em um vídeo original, Laura explica, em detalhes, aspectos da Química associados aos conceitos que os alunos estudam normalmente em sala de aula.
O número de ouro: a mágica por detrás do belo Já na Grécia antiga, determinada proporção entre as medidas dos lados de um retângulo era conhecida por expressar conforto e beleza ao olhar humano. A aluna Roberta Alecrim, a partir de seu estudo, produziu videoaula mostrando como a proporção áurea é, ainda hoje, adotada como padrão de beleza em campos aparentemente tão distintos quanto a arquitetura e a medicina estética.
Em Humanidades, foram produzidos os seguintes trabalhos:
70 71
Cleópatra: a construção de um símbolo O trabalho minucioso de análise de documentos e da construção da memória histórica resultou na pesquisa sobre a imagem de Cleópatra. Símbolo de beleza e sensualidade, a rainha egípcia serviu de modelo feminino e assumiu diferentes papéis, de acordo com os contextos históricos que dela se apropriaram. A aluna Camila Damião Farah pesquisou a construção simbólica da imagem de Cleópatra ao longo do tempo, analisando os registros visuais e escritos, realizados em diferentes suportes: pinturas, desenhos, cartazes, esculturas, biografias, filmes ficcionais e documentários.
O Pasquim e a imprensa alternativa na Ditadura Militar Brasileira Com publicação de 1969 até 1991, O Pasquim foi um semanário irreverente queprocurou utilizar o humor para fazer críticas sociais e políticas contra o regime militar.O vídeo produzido pelo aluno José Bento Camassa traduz um pouco o contexto da época, destacando algumas das principais matérias publicadas no veículo, bem como a análisedos personagens envolvidos.
Tom Zé e o Tropicalismo O movimento musical tropicalista influencia a cultura jovem brasileira até hoje. Seus ícones foram, principalmente, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Rita Lee. Mas existiram outros integrantes? Sim. Dentre alguns deles, está o compositor e cantor Tom Zé. Por que será que Tom Zé não teve o mesmo reconhecimento popular que Caetano e Gil? O trabalho da aluna Luísa Cardoso procurou refletir sobre essa questão.
Da religião à religiosidade: a fé através dos tempos O aluno Gianluca Smanio construiu uma narrativa histórica para mostrar como a religião se transforma em religiosidade ao longo dos tempos. Para tanto, analisou o enfraquecimento da instituição religiosa e o surgimento do sincretismo e de outras crenças no mundo e no Brasil.
Occupy: as dificuldades da manifestaçãona Líquido-Modernidade A aluna Giulia Fioratti aprofundou os estudos realizados nas aulas de Filosofia sobre as posições de alguns pensadores contemporâneos. Com esse objetivo na cabeça, Giulia partiu do conceito de modernidade líquida, cunhado por Zigmunt Bauman, para analisar o acontecimento ocorrido nas ruas de Nova York em 2011.
Baader-Meinhof: O terrorismoe a contraculturaA aluna Julia Brant pesquisou o contexto do surgimento do grupo alemão Baader-Meinhof,que atuou no período de 1970 a 1998. No vídeo gerado por sua pesquisa, Julia procurou discutire distinguir o conceito de terrorismo e contracultura, tendo por objetivo responder à seguinte questão: Terrorismo foi uma ideia aplicada a grupos questionadores de contracultura para a manutenção da ‘ordem’?
72
Manipulação nazista do cinema ao mundo A aluna Luísa Cleto desenvolveu inquieto trabalho sobre as relações entre história, cinema e propaganda, durante a Alemanha nazista, nas décadas de 1930 e 1940. Por meio da análise de trechos de filmes, produzidos pelo ministério de propaganda do governo alemão, a videoaula de Luísa permite identificar os artifícios estéticos e os discursos ideológicos utilizados no processo de adesão da sociedade alemã à política adotada pelo partido nazista.
Todos esses trabalhos, bem como os produzidos em anos anteriores, encontram-se disponíveis no
site da escola, no ícone referente à Iniciação Científica, para que sejam vistos, revistos, criticados e
utilizados por personagens internos ou externos à comunidade Móbile. Dessa forma, os alunos dividem
seus saberes e, de fato, se iniciam nas ciências, pois o conhecimento que não é compartilhável não
tem utilidade efetiva. Isso eles já aprenderam (o que não é pouco).
Walter Spinelli coordena os trabalhos de Ciências da Natureza e Matemática
e Felipe Corazza, os de Humanidades. Uma equipe de professores orienta os alunos.
Mais um anode ErrânciaAlunos do 9º ano do Ensino Fundamental apresentam espetáculo de encerramento do curso de Teatro.
“O teatro não tem a ver com edifícios, nem com textos,
atores, estilos ou formas. A essência do teatro reside num mistério
chamado ‘o momento presente’.”
Fragmento de A porta aberta – reflexões sobre a interpretação e o teatro, de Peter Brook.
Ler um livro novamente. Tornar a assistir
àquele filme depois de algum tempo. Deter-se,
um belo dia, diante de uma pintura ou escultura
já conhecida há tempos. No universo da arte, o
segundo contato com uma obra traz à tona novas
nuances, gera descobertas inusitadas e renova a
sensibilidade.
Foi com esse pensamento que o Projeto
de Teatro do 9° ano levou ao palco da Móbile,
no final de 2012, nova montagem do espetáculo
Errância, encenado pela primeira vez em 2009.
Não obstante algumas alterações no
enredo, a peça continuou com o mesmo eixo temático:
a juventude e suas paixões. Paixões universais
quando o assunto são os jovens, tanto na questão da
descoberta do amor como na da perspectiva utópica
de mundo que eles cultivam.
Em um dos blocos do espetáculo, surge
a dúvida: e quanto a hoje? Será que tal dimensão
utópica e a intensidade juvenil para buscá-la ainda
existem? E o que cada jovem de hoje faz da sua vida
para conferir a ela a qualidade de não se anestesiar
diante dos empecilhos do mundo?
Errar. É essa a “resposta”; nada óbvia,
decerto. Errar no sentido de caminhar, de estar em
constante busca e movimento. Como diz a poeta
Orides Fontela, no poema do qual se extraiu o título
da peça,
“Só porque erro, acerto: me construo.”
A máxima popular diz que errar é humano, mas que
cometer um erro pela segunda vez é burrice. Os
“errantes” de 2012 preferiram pensar de maneira
não tão metódica, mas mais lírica e livre, como o
poeta curitibano Paulo Leminski sugere:
nunca cometoo mesmo erroduas vezesjá cometo duas trêsquatro cinco seisaté esse erro aprenderque só o erro tem vez
Rogério Gusmão é professor de Português
do 9º ano e codirigiu, com a professora
Lume Abe, a peça Errância.
e s p e c i a l
81
“Você vem, quantos anos você tem?”ou Sobre o pesoda escolha
(“Divino maravilhoso”, de Caetano Veloso)
Somos seres inquietos e complexos. Vinicius de Moraes, em um de seus
poemas mais populares, brincou com as vantagens de nós, homens, não existirmos. Segundo
ele, “(...) depois, da separação das águas, e depois, da fecundação da terra / E depois, da
gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra / Melhor fora que o Senhor das Esferas
tivesse descansado”. O descanso do “Senhor das Esferas” teria como consequência, no
jogo poético proposto pelo autor, a não existência do homem e, dessa forma, “Não seríamos
paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia / Não teríamos escola, serviço militar,
casamento civil, imposto sobre a renda e missa de sétimo dia”. Que tranquilidade seria!
Mas o fato é que existimos. E isso faz toda a diferença! Se, para nós, adultos, o “estar no
mundo” envolve, muita vez, dor e questionamentos – ainda que entremeados por momentos
de plenitude, epifania, alumbramento, prazer e realização (tão bem cantados pelo poetinha) –,
imagine o que é isso para um jovem que vai começar sua trajetória.
Não são poucas as questões
que inquietam nosso adolescente. “Quem
sou eu?”; “O que esperam de mim?”;
“O que vou fazer da vida quando terminar
meus estudos?”; “Que contribuições darei
eu para o mundo?”; “Estou preparado para
deixar a segurança da escola?” – são apenas
algumas das perguntas existenciais que tiram
o sono de nossos jovens (e o nosso, de certa
forma) ao longo do Ensino Médio.
O adolescente, em geral,
é ambicioso e onipotente. Ele almeja ser
protagonista absoluto de suas ações, seja na
escola, seja na família e, por que não dizer,
na sociedade. Ao mergulhar num conturbado
período de afirmação de sua identidade,
o jovem avança e recua na busca pela
famigerada autonomia. Uma das questões
primordiais associadas a essa dura fase de
desenvolvimento são as escolhas. Escolher
demanda coragem porque, necessariamente,
envolve renúncia.
8382
“Se muito vale o já feito, Mais vale o que será”
Escolho, logome responsabilizo
(“O que foi feito deverá”, de Milton Nascimento)
A sensação de angústia, própria do adolescente quando escolhe, está associada
ao fato de que as escolhas feitas por ele, agora, reverberarão de forma mais nítida e direta em
seu futuro, não tão distante assim. Trata-se de um momento de confronto entre os sonhos de
outrora (vividos na infância) e as cobranças e consequências concretas que caracterizam o
mundo adulto.
O adolescente que, agora, precisa fazer escolhas, encontra-se em uma fase de
transição, de mudanças, de adaptação e de ajustamento. Ele deixa para trás todo seu mundo
infantil, seguro, para entrar na vida adulta, cheia de incertezas. Para o jovem, inserido nesse
contexto nebuloso, é monumental a importância da construção de um projeto de vida futura.
Esse projeto surge, inicialmente, apenas como uma lista de desejos que se pretende realizar,
seguida, obrigatoriamente, de um conjunto de etapas e propósitos bem concretos a serem
cumpridos para garantir o futuro almejado. Para o adolescente, nem sempre é fácil admitir
que seu futuro depende, em grande parte, do que ele faz ou deixa de fazer, dos seus erros ou
acertos atuais.
Ainda que reconheçamos que um projeto de vida não é estanque ou imutável
(mas algo em constante ajustamento à realidade que vai sendo vivenciada pelo adolescente),
sabemos da importância de formar alunos que sejam capazes de escolher seu futuro, vislumbrar
possibilidades, analisar riscos, refazer caminhos.
Ao longo desses quase quarenta anos de existência da Móbile e dos catorze
do Ensino Médio, realizamos (com sucesso) uma série de projetos que intencionam atender
às muitas expectativas e interesses de nossos estudantes, sempre vistos por nós em suas
particularidades. Como somos um grupo de educadores inquietos (e responsáveis), começamos,
nos últimos anos, a refletir sobre os mecanismos que poderiam auxiliar nossos alunos a fazer
suas escolhas de maneira mais consciente, acertada e processual. Tendo como norte o respeito
à singularidade deles e a constatação de que o hipermoderno século XXI é bem diferente do XX,
introduzimos no currículo do Ensino Médio, em 2013, uma série de disciplinas eletivas.
Na Móbile, a conquista de
uma atitude intelectual autônoma é tarefa que
permeia as intenções pedagógicas de nosso
corpo docente. Propomo-nos a formar alunos
que, a partir da assimilação dos saberes
acumulados pelas diversas ciências (humanas
e naturais) e pelas artes, sejam capazes de
pensar, argumentar, criticar, concluir, projetar,
antecipar, solucionar, criar, interferir... É nossa
tarefa, portanto, promover para os alunos a
construção de uma rede de significação a
partir dos conhecimentos adquiridos por eles
na escola.
No Ensino Médio, mais especi-
ficamente, isso se reflete em uma escolha
curricular que possa servir ao propósito de
tornar nossos educadores mediadores da
sistematização do saber acadêmico de nossos
alunos, estabelecendo as condições necessárias
para que estes se tornem capazes de construir
suas próprias redes de conhecimento por
meio de processos mentais de agregação e
recriação dos muitos saberes favorecidos pelos
professores em suas aulas.
Foi com a perspectiva de aperfei-
çoar um trabalho realizado com sucesso há
8584
décadas que, ao longo de dois anos, nossos educadores
refletiram, estudaram, pesquisaram e, finalmente,
produziram programas especiais para os pioneiros cursos
eletivos que seriam oferecidos às turmas de 2013. Nesse
período, buscaram os conteúdos, os conceitos e os
modos de avaliação que poderiam ser agregados à rede
de significados das disciplinas já oferecidas, no Ensino
Médio, no chamado núcleo comum (Estudos Literários,
Língua e Produção de Texto, Inglês, História, Geografia,
Ética e Cidadania, Filosofia, Matemática, Física, Química,
Biologia e Espanhol).
Vale lembrar que as disciplinas do núcleo
comum visam despertar nos alunos a percepção de que
os conhecimentos acadêmicos são subsídios essenciais
para a vida. A partir da aquisição de um patrimônio
composto por um conjunto de saberes básicos (mas
altamente complexos), torna-se possível a instauração
de um tipo de conhecimento indispensável ao
desenvolvimento humano. Em outras palavras: os ganhos
cognitivos proporcionados pelas disciplinas do núcleo
comum são singulares e não podem ser adquiridos por
meio de nenhum outro tipo de conhecimento.
A introdução das disciplinas eletivas
reforça nossa opção por um projeto pedagógico que
desperte em nossos alunos a consciência de que o
conhecimento é uma construção permanente, a
percepção de que muito ainda há que se aprender e,
finalmente, a importância de se lançar curiosamente em
busca de modos de superação daquilo que não se sabe.
E tudo isso a partir de uma disciplina com a qual os
alunos têm afinidade, pois a escolheram.
“Fazer lições de casa das matérias que a gente escolheu é muito mais gratificante.”André Patah Dacca
“Escolhi eletivasde Humanas porque queria ‘abrir meu pensamento’ e estou sentindo isso acontecer.” Mariana Bussab Marek
8786
Eletivas: novas possibilidadesde “lançar mundos no mundo”
As disciplinas eletivas foram divididas em dois grupos, tendo em vista seus
diferentes propósitos acadêmicos. Fazem parte do chamado grupo 1 as matérias diretamente
relacionadas às suas correspondentes no núcleo comum, ou seja, Matemática, Física, Química,
Biologia, Ética e Cidadania, História e Geografia. Ao grupo 2 pertencem as disciplinas que não
apresentam relação direta com o núcleo comum: Robótica I, Criatividade em Mídias Digitais,
Prática Esportiva e Teatro I (destinadas aos alunos do 1º ano); Criação Literária, Espanhol,
Política, Robótica II e Teatro II (destinadas aos alunos do 2º ano).
Para compor o currículo do 1º ano, os alunos – ainda em fase de adaptação
ao Ensino Médio – foram convidados a escolher apenas uma eletiva pertencente ao grupo 2.
Essa escolha deveria ser baseada na afinidade deles com o que seria trabalhado na disciplina.
Por exemplo, muitos estudantes que se encantaram e se identificaram com o projeto de teatro
desenvolvido no 9º ano puderam vivenciar outras experiências no campo das artes dramáticas
optando por cursar Teatro I no 1º ano. Outros, empolgados com as infinitas possibilidades do
universo virtual, escolheram se matricular em Criatividade em Mídias Digitais.
Em relação ao 2º ano, além das disciplinas que compõem o núcleo comum,
os alunos puderam escolher uma eletiva do grupo 2 e duas do grupo 1. Mais maduros e
autônomos em relação às suas escolhas, esses adolescentes levaram em conta, para optar
pelas disciplinas do grupo 1, seu desejo de aprofundar seus conhecimentos sobre temas
que compõem os programas curriculares das disciplinas do Ensino Médio (Biologia, Física,
Geografia, História, Matemática e Química) e/ou sobre assuntos que sejam de relevância para
sua formação científico-humanista. É nosso objetivo que, ao final do 2º ano, nosso aluno tenha
condições de avaliar seu projeto de vida, uma vez que estará prestes a fazer uma série de
escolhas importantes relativas ao seu futuro acadêmico, pessoal e profissional.
Nas Ciências, os alunos dessa série vivenciam circunstâncias nas quais se
percebem sujeitos de seu próprio conhecimento quando são incitados a coletar informações
a partir do referencial de análise conceitual desenvolvido nas aulas do núcleo comum.
Consideramos que estão aptos a observar e propor estratégias de medidas de grandezas,
selecionando-as pela relevância que terão na produção das análises ou cálculos que realizarão
posteriormente. A elaboração de modelos mentais e a análise da validade desses modelos são
intensamente trabalhados nas aulas.
Nas Humanidades, por sua vez, são trabalhados novos procedimentos
de pesquisa, leituras e releituras diferenciadas de documentos históricos, a proposição de
situações-problema e de intervenções a partir do estudo prévio de fenômenos humanos,
o aprofundamento na bibliografia-base dos cursos, além da possibilidade de ampliação
significativa da chamada “biblioteca cultural” dos estudantes, nas palavras do teórico francês
Jean Marie Goulemot.
“É muito legal a gente poder dizer paraos amigos de outras escolas que podemos escolher matérias.” Marcelo de Ávila Afonseca
1º ano: primeira escolha
2º ano: mais um passo rumo ao projeto de vida
88
Finalmente, o aluno do 3º ano terá à sua disposição as disciplinas eletivas do
grupo 1 (Matemática, Física, Química, Biologia, Ética e Cidadania, História e Geografia), do qual
deverá escolher três delas para compor sua grade curricular. Para isso, precisará levar em
consideração que os temas que comporão o programa das matérias escolhidas estão voltados
ao aprofundamento do conteúdo acadêmico dos programas curriculares das disciplinas do
Ensino Médio (núcleo comum), já com vistas à carreira escolhida e ao concurso vestibular.
Guardadas as suas especificidades, as eletivas criadas pelo corpo docente
do Ensino Médio da Móbile levam em conta as necessidades de um aluno inserido no
complexo e dinâmico século XXI. Dessa forma, nossos estudantes são estimulados a buscar
caminhos próprios e criativos para a resolução de problemas dos mais variados tipos, propor
soluções cênicas, trabalhar cooperativamente em grupo, planejar, criar estratégias, programar,
debater, dissecar animais, arriscar-se na escrita artística (literária), entre outras habilidades
e competências necessárias ao mundo contemporâneo. Nas linhas a seguir, você poderá se
informar sobre o que se aprende em algumas eletivas e, o mais importante, saber o que os
alunos pensam sobre elas.
3º ano: tempo de decisão
Saiba o que se ensina em algumas das disciplinas eletivas da Móbile
No curso Criatividade em Mídias Digitais, os
alunos são desafiados a trabalhar em grupo,
a coletar dados, a utilizar a imaginação
e a planejar partindo de um problema
apresentado pelo professor.
“Aprendi bastante nesse curso porque para
resolver os desafios você tem de lidar com
recursos de edição, além de conhecer os
programas que devem ser usados para
resolver o problema proposto pelo professor.
O curso estimula bastante o trabalho em
grupo. Gostei especialmente do desafio em
que você tirava várias fotografias em um
mesmo espaço, em diferentes posições,
e depois precisava juntar tudo utilizando
um programa especial. Algo que tem uma
aparência simples, mas que é altamente
complexo.” Bruno Leite Landwehr
Mídias Digitais (grupo 2)
89
As aulas de Teatro I são estruturadas em
oficinas de criação, nas quais os alunos,
coordenados pelo professor, constroem um
ambiente propício à expressão artística do
grupo e de cada participante, à discussão do
texto a ser encenado e à sua dramaturgia.
No curso, é realizada uma montagem-
mosaico a partir de canções, contos,
fragmentos de textos dramáticos etc., em
colaboração com os alunos-atores.
“O legal é que é uma criação coletiva.
No processo, você só trabalha em grupo,
o que proporciona um enorme senso de
coletividade e responsabilidade. Aprendi
bastante cursando Teatro I porque analisamos
as complexas letras das canções de Chico
Buarque e, a partir delas, tínhamos de propor
hipóteses interpretativas sobre os sentidos
contidos dos versos. Como as canções que
escolhemos foram compostas nos duros
anos da ditadura brasileira, acabamos
ganhando conhecimento, além de teatral,
histórico. Gostei muito do resultado final,
nossa encenação.” Ana Santana Moioli
Teatro I (grupo 2)
Presente em diferentes contextos econô-
micos, políticos e culturais, o Espanhol, idioma
ensinado na eletiva, possibilita o trânsito por
enfoques interdisciplinares cujos objetivos
remetem tanto ao conhecimento da língua
e de suas regras quanto ao enriquecimento
cultural do aluno. No curso, o estudante
estabelece contato com o amplo universo
hispânico, tão próximo de nós, mas nem
sempre reconhecido como tal. Além disso,
os alunos são mobilizados a desconstruir
estereótipos acerca do idioma espanhol, dos
povos que o falam e de suas culturas.
“Todo o mundo que está matriculado na
eletiva de Espanhol escolheu estar lá porque
quer aprender mais ou porque gosta de
línguas. Então, o grupo se dá muito bem,
e isso inclui a relação com o professor
Alexandre. É uma aula divertida porque a
gente interage muito. Sinto que o professor
se preocupa verdadeiramente com nossa
aprendizagem. Eu gosto muito de fazer essa
eletiva.” Cláudio Luis de Melo Pereira
O curso de Criação Literária é voltado
aos alunos que desejam exercitar suas
habilidades na elaboração de textos
ficcionais de diferentes gêneros literários.
As aulas intercalam análises de diversos
textos e autores contemporâneos e
procedimentos de escrita com exercícios e
propostas práticas de criação. Além disso,
ao longo do trabalho, procura-se estimular
a expressão e a sensibilidade dos alunos,
e, assim, incentivá-los a descobrir seus
próprios estilos.
“Foi um curso que nos inspirou a escrever
mais; criou em nós um hábito de escrita.
Eu já tinha ideias guardadas, mas não as
botava para fora por falta de oportunidade.
Como tínhamos de escrever um texto por
semana, as ideias que vinham à minha
cabeça se transformavam em textos, e isso
possibilitou uma entrada muito legal no
universo literário.” Ethel Rudnitzki
Na seção “Produções em Foco”
desta edição, você poderá ler alguns textos
escritos pelos alunos de Criação Literária.
Criação Literária (grupo 2)
A disciplina Prática Esportiva tem como
objetivo desenvolver as capacidades
físicas e as habilidades motoras dos alunos.
Por meio de atividades formativas, recreativas
e competitivas, é propiciado ao estudante
um espaço singular de representação
corporal. Trata-se de um momento lúdico e
de desenvolvimento físico, vivido dentro do
contexto acadêmico da Móbile.
“Na aula de Prática Esportiva, resgatamos
nosso lúdico universo infantil, época em
que brincávamos de queimada ou carimbo.
Trata-se de um momento privilegiado de
relaxamento, embora não seja uma aula
para não se fazer nada. Eu saio mais leve
dessa aula porque é na quinta-feira, e eu já
estudei a semana inteira, então poder jogar
bola em alguém, sair correndo, tomar bolada
é muito legal.” Laura Campos Sabbag
Prática Esportiva (grupo 2) Espanhol (grupo 2)
90 91
Na disciplina eletiva de Robótica, os alunos
estudam princípios da linguagem necessária
à programação de robôs e, em grupos,
planejam o passo a passo para a resolução
de um problema proposto pelo professor.
“Em Robótica, a programação aprendida
no início do curso é utilizada o ano inteiro.
É preciso colocar no papel aquilo que você
quer que o robô faça, utilizando muita lógica.
É interessante que, agora, no final do ano,
basta que o professor apresente um desafio
para que você já faça um desenho mental do
que o robô tem de fazer. Como trabalhamos
grande parte do curso sozinhos, somos
obrigados a pensar, dentro do grupo, o
que precisamos realizar para resolver os
problemas.” João Paulo Teixeira Mendes
Parizotto
Robótica I (grupo 2)
92 93
Há dezenas de excelentes artigos acadêmicos publicados a respeito do
que caracteriza a complexa fase do desenvolvimento humano denominada adolescência.
Todos os anos, áreas como a Psicologia, a Sociologia, a Pedagogia e a Medicina realizam
inúmeras pesquisas sobre esse tema. Poderíamos, por isso, fechar este texto recorrendo a
esses consistentes campos do conhecimento, mas preferimos buscar na poesia inspiração
para isso. Em um de seus mais belos haicais, Mário Quintana fala sobre esse delicado momento
humano:
Adolescer, para o poeta, significa ter a possibilidade de vislumbrar a vida com
seu sabor de novidade e, quando personificada, vê-la coberta “apenas” – o que não é pouco –
com a intensidade de um desejo jovem e novo. Cabe a nós, educadores, saber olhar para esse
desejo, de modo a torná-lo possível, quando ele estiver ao nosso alcance.
Adolescente, olha! A vida é nova...A vida é nova e anda nua
– vestida apenas com o teu desejo!
Glorinha Martini é diretora pedagógica
e Wilton Ormundo é vice-diretor pedagógico,
ambos do Ensino Médio.
O curso de Política parte da investigação do conceito de Política ao longo da história e analisa
como ele estruturou a organização das sociedades contemporâneas. As aulas são embasadas
numa perspectiva histórica e sociológica, localizando o conceito de política desde a tradição
greco-romana. No curso, são realizadas, ainda, pesquisa de temas contemporâneos, análise
de problemáticas e a apresentação de resultados em relatórios escritos, seminários e
debates.
“Eu diria que as aulas do 1º semestre foram conceituais, depois entramos de cabeça na
discussão do sistema de cotas a partir de textos e vídeos que o professor trazia e de pesquisas
que nós realizávamos. Agora, estamos organizando um debate. O Beto nos dividiu em três
grupos. Um grupo vai fazer a divulgação do evento, outro vai redigir os argumentos contra
o sistema de cotas ou a favor dele e o terceiro vai cuidar das regras e da organização do
debate.” Fernando Mauad
Política (grupo 2)
r e f l e x õ e s
9796
O consumo de álcoolna adolescência
O projeto Saúde e Bem-Estar do
Adolescente, desenvolvido pela equipe
de Orientação Educacional do Ensino
Fundamental da Móbile, coloca em pauta
temas que fazem parte do universo dos
jovens. A reflexão acerca desses temas, neste
momento do desenvolvimento dos alunos, é
bastante significativa não só como ampliação
de conhecimento, mas também para assegurar
uma adolescência mais saudável.
Falar com jovens sobre o consumo de
álcool é um desafio!
Desafio por sabermos que na adolescência
há um sentimento de onipotência e que o
movimento dos jovens está voltado para a
transposição de limites e para explorar o
desconhecido. Nesse processo, alguns, mais
que outros, colocam-se em maior risco e
pensam pouco nas consequências de suas
escolhas.
Como, então, achar o tom certo para falar
de uma substância que tem um diferencial,
pois, apesar dos efeitos danosos, é aceita
socialmente?
A informação é o primeiro passo. O
conhecimento traz condições para a tomada
de decisões mais acertadas. Podemos,
portanto, prevenir um comportamento de
risco dando instrumentos para reflexão,
além de estabelecer com os jovens valores
e princípios que sustentem as suas relações
sociais e tomadas de decisão.
Colocando o jovem na perspectiva de
um sujeito que se responsabiliza por seus
atos, discutimos, nas aulas de Orientação
Educacional, os riscos que o consumo precoce
do álcool traz.
Lançamos discussões sobre os seguintes
aspectos:
• hábitos e comportamentos: a questão
social e a aceitação social;
• influência do grupo nas ações dos jovens;
• influência da propaganda na formação
de hábitos e comportamentos;
• leis existentes sobre a proibição
da compra de bebidas alcoólicas por
menores de dezoito anos.
Realizamos, desde 2010, uma pesquisa
sobre hábitos e comportamentos dos
alunos. Os resultados dela abrem um
amplo campo de reflexão, e o interesse dos
alunos na discussão é grande por revelar o
comportamento de seu grupo social sobre o
uso de bebida alcoólica, tabaco, alterações
que as drogas podem trazer ao cérebro e
idade em que o cérebro amadurece.
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Eliana M. de Campos é coordenadora educacional do 9º ano do Ensino Fundamental.
Apostamos na informação e no diálogo
como ferramentas para sensibilizar o jovem
de que vale a pena colocar em prática os
conhecimentos adquiridos.
Os alunos ficam bastante mobilizados
e envolvidos ao discutir o assunto, mas
sabemos que temos um longo caminho pela
frente, pois, como nos lembra o médico Jairo
Bouer (psiquiatra, especialista em saúde e
comportamento dos adolescentes), “Muitas
vezes o jovem esquece ou abandona tudo o
que sabe em algum lugar da cabeça. E isso o
coloca cara a cara com o risco”.
Reafirmamos que, por se encontrarem
numa fase de busca e estabelecimento
de escolhas, os jovens precisam de
autoconfiança ao enfrentar a pressão do
grupo e de um maior discernimento, que
se desenvolve por meio da ampliação
do repertório vivencial e intelectual para
responder a novas situações.
O desafio, assim, é que, de forma
convergente e assertiva, a escola, a família
e o grupo social possam oferecer elementos
que sejam determinantes na abertura de
caminhos para dissociar o consumo de álcool
como pré-requisito para uma convivência
social agradável.
9998
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A importânciadas relações sociaisna aprendizagemDesde o início do século XX,
temos nos deparado com
uma questão fundamental:
como deve ser o grau de
participação dos alunos no
processo de aprendizagem?
A perspectiva “tradicional”,
como se sabe, coloca
os professores no papel
de transmissores de
conhecimentos e de
controladores de resultados
obtidos. Nesse modelo, o
professor detém o saber e
cabe ao aluno interiorizar
o conhecimento tal como
lhe foi apresentado, de
modo que a ação prioritária
seja repetir procedimentos
ensinados, e o exercício
realizado consiste na
cópia de modelos até que
o educando seja capaz
de automatizá-los. Sem
dúvida, essa concepção
não considera o aluno como
“personagem” principal
no processo de ensino-
aprendizagem.
Hoje, acreditamos que um
projeto pedagógico que
tenha como um dos seus
pilares o engajamento dos
estudantes na produção
de conhecimento deve
garantir a interação
direta entre alunos e
professor, permitindo o
acompanhamento dos
processos de pensamento
que cada um realiza em sala
de aula. É necessário que a
organização do espaço de
aprendizagem favoreça as
interações em diferentes
níveis: em relação ao
grupo-classe, no momento
de um debate; em relação
aos grupos de alunos,
quando a tarefa requisite ou
permita; ou nas intervenções
individuais, quando
necessárias para uma ajuda
mais específica.
Promover atividades que
se articulem em torno do
exercício com as operações
mentais pressupõe um
aluno que entende o que
faz, por que faz e tem
consciência, em qualquer
nível, do processo que está
seguindo. Nessa dinâmica,
a mediação do adulto,
nesse caso o professor, se
coloca cada vez mais num
patamar de importância e,
por esse motivo, exige desse
educador uma capacitação
que vai além do domínio da
sua disciplina. O professor
tem de promover canais
de comunicação que
compartilhem uma linguagem
comum, clara e explícita,
evitando mal-entendidos ou
incompreensões. É função
desse profissional ensinar
aos alunos comportamentos
sociais que os capacitem a
ouvir e a considerar a fala
do outro, a compartilhar
ideias e hipóteses acerca de
assuntos de natureza social
e científica, a compreender
que o conhecimento tem
uma função social e,
portanto, a participação
no trabalho coletivo é uma
questão de compromisso
ético.
O planejamento do
professor deve contemplar
aprendizagens que
favoreçam o ensino
de comportamentos
indispensáveis a um
ambiente marcado
por relações em que
predominem a confiança,
o respeito mútuo e a
solidariedade.
Na Móbile, acreditamos
que, dentre as situações
de aprendizagem que
objetivam o ensino
desses comportamentos
sociais, as atividades de
correção, programadas
no planejamento, têm uma
grande importância no
percurso de aprendizagem
dos alunos. Poderíamos
justificar essa relevância
considerando os seguintes
objetivos:
• Permitir que diferentes estratégias de correção favoreçam exercícios de reflexão
e tomada de consciência das aprendizagens.
• Garantir que o aluno entre em contato com diferentes formas de solucionar
um problema, ampliando o seu repertório de estratégias e procedimentos.
• Identificar, a partir das intervenções do professor, problemas que dizem respeito
à compreensão de conceitos e procedimentos, bem como questões relacionadas
com a organização, com o registro e clareza na forma como o aluno se expressa oralmente
e por escrito.
101100
• Permitir que o professor apresente novas problematizações, ampliando o universo
de conhecimentos dos assuntos que são debatidos, identificando se os alunos fazem
aplicações e generalizações.
• Desenvolver nos alunos comportamentos relacionados com empenho e perseverança,
valorizando os processos realizados e não apenas resultados pontuais, tratando o erro
de uma forma construtiva, sendo este um meio para identificar equívocos conceituais
ou procedimentais.
• Compreender de maneira clara “o que” e “como” está aprendendo traz segurança
e maiores recursos de intervenção por parte desse aluno nas aulas, favorecendo
um diálogo maior com o professor e com os iguais.
Dentro dessa perspectiva
de trabalho, as estratégias
de correção devem
atender a esses diferentes
propósitos.
Na nossa prática
pedagógica, identificamos
três tipos de correção:
coletiva, em grupos
reduzidos e individual;
todos eles atrelados à
programação do professor
e às metas de aprendizagem.
Acreditamos que essa
categoria de atividade
requer, necessariamente,
um acompanhamento do
professor nas discussões
que serão realizadas nos
grupos, para que possa
identificar problemas
comuns que necessitem
de uma abordagem com
toda a classe.
Trata-se de uma atividade programada para ensinar os alunos
a participar coletivamente de um debate, reconhecendo
pontos de vista diferentes a respeito de um problema ou
de uma questão. Acreditamos ser uma possibilidade para
o aluno exercitar o “ouvir” e considerar a “fala” do outro.
O professor tem um papel importante como mediador na
organização, na socialização e na participação de todos os
alunos.
Uma atividade dessa natureza permite que o professor lance
novos problemas e garanta a socialização de respostas. Em
muitas situações, surgem soluções que são inéditas e que,
mesmo não fazendo parte do universo da maioria dos alunos,
são passíveis de serem debatidas. Essas soluções, ainda
que não sejam compreendidas na sua totalidade, ampliam o
repertório do grupo.
A correção em pequenos grupos deve, além de atender
aos objetivos do trabalho em grupo, considerando-o
como procedimento e não como apenas uma estratégia,
valorizar as aprendizagens entre os iguais, mostrando que o
conhecimento não se constrói somente na relação professor-
aluno.
Nessa modalidade de correção, ocorrem diferentes níveis de
compreensão sobre o objeto de estudo; portanto, aquele que,
porventura, domina mais determinado conteúdo também se
beneficia, pois tem a oportunidade de tomar consciência
de suas aprendizagens quando explica para o outro. Desse
modo, esvazia-se a ideia de que apenas um é recompensado
por esse tipo de trabalho.
É de responsabilidade do professor orientar as etapas
de correção, explicitando aos alunos os critérios e as
justificativas que devem elaborar a partir dos equívocos do
colega. Essa correção não deve ficar restrita ao apontamento
de “erros” e “acertos”, mas, sim, levantar os equívocos e,
juntos, procurar uma nova solução. Logo, não é qualquer
exercício que se encaixa nesse tipo de correção.
O professor também é responsável por selecionar as questões
que se prestam a uma correção coletiva, considerando
sempre a faixa etária, o tempo de concentração dos
alunos e o quanto uma correção desse tipo agrega novas
aprendizagens.
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Correção coletiva
Correção em grupos reduzidos
104
Correção individual
Uma atividade dessa natureza requer uma estrutura de aula que garanta um diálogo do
professor com cada aluno, ou pelo menos com aqueles que, no contexto, precisam de uma
intervenção especial. Para que isso aconteça de forma satisfatória, acreditamos que a aula
deva ser planejada com o objetivo de mobilizar a classe para uma atividade individual que
possa ser monitorada pelo assistente, permitindo que o professor dialogue com cada aluno
sobre dificuldades e equívocos no processo de aprendizagem.
Essa modalidade de correção agrega ao trabalho um conjunto de informações sobre o aluno,
objetivando uma intervenção nos processos de pensamento que ele realiza e que, descritos
para o professor, identificam que etapas do percurso de aprendizagem necessitam de ajustes
e correções.
Acreditamos, na Móbile, que essas estratégias de correção certamente se enriquecem se o
professor fizer uso de recursos tecnológicos que hoje estão disponíveis e que, sem dúvida,
trazem para a sala de aula um ganho de qualidade, não só pela facilidade no contato com
determinados aplicativos educacionais, mas também pela agilidade na socialização de
informações. Hoje, já utilizamos aplicativos em sala de aula que favorecem, de maneira rápida,
o trabalho de comparação das diferentes soluções apresentadas pelos alunos a partir de uma
questão ou de um problema e mapeiam as respostas apresentadas, facilitando a intervenção
do professor, dando a ele uma avaliação mais precisa do nível de compreensão a respeito das
ideias que estão sendo debatidas pelo grupo classe.
Certamente, o professor, no seu planejamento, deve inserir diferentes estratégias de correção,
sempre tendo clareza de que essas escolhas precisam considerar quais são suas metas
de aprendizagem, assim como quais procedimentos e comportamentos sociais podem ser
desenvolvidos.
Antônio de Freitas da Corte é vice-diretor do Ensino Fundamental II.
Na Móbile, a biblioteca é um espaço
vivo, espaço de comunicação aberto ao meio
sociocultural que a rodeia e, sem dúvida, espaço
dinamizador de cultura. Em meio aos livros, as
crianças, os adolescentes e os adultos sentem-
se estimulados a ler, pesquisar e, assim, ampliar
seu repertório cultural. Queremos que os alunos
mergulhem no rico universo da literatura, por
isso a biblioteca precisa ser organizada como um
espaço prazeroso e cheio de pequenas surpresas
encantadoras.
Para os educadores da Móbile, a biblioteca é
um ambiente de extrema relevância para o projeto
pedagógico da escola, pois funciona como um
espaço que oferece múltiplas possibilidades de
trabalho. São muitos os projetos que envolvem
leitura: “Encontros com autores e ilustradores”,
“Contação de histórias”, “Rodas de leitura”,
“Oficinas”, “Palestras”, “Aulas de Literatura e
Filosofia” e “A árvore de histórias” são algumas
das ações que dinamizam o diálogo com a
biblioteca e encantam os alunos.
A criação do Blog da Biblioteca da Móbile
foi uma ação que aproximou educadores, pais
e alunos. Esse ambiente virtual potencializou o
compartilhamento de muitos projetos de leitura,
não só com a comunidade escolar, mas também
com outros espaços de cultura. Por exemplo, para
os alunos, a oportunidade de colaborar com a
divulgação de saberes por meio do projeto “Dicas
de leitura – de criança para criança” agrega mais
sentido às suas leituras. Compartilhar as próprias
descobertas com os colegas é perceber-se como
um sujeito que tem contribuições a dar para a
coletividade. A divulgação do blog rapidamente
promoveu a propagação das ideias debatidas nas
rodas de leitura e, por conseguinte, o interesse
por novos títulos.
Biblioteca:espaço dedescobertas
Para acessar o blog, acesse a página da Móbile
(www.escolamobile.com.br)
Os depoimentos a seguir, dados por
diferentes profissionais da Móbile,
evidenciam a estreita ligação da biblioteca
com os projetos desenvolvidos em cada
ciclo.
A biblioteca é um espaço que abriga um leque de atividades desenvolvidas com o intuito defazer com que as crianças criemo hábito da leitura e adquiram conhecimento. Desse modo, as crianças têm acesso a outras visões de mundo que possibilitam estabelecer novas relações com o que as cerca. Para os pequenos, torna-se um espaço lúdico por excelência, pois éo lugar de brincar com os livrose com as letras, do ‘faz deconta’, do contar e do ouvirhistórias. Torna-se um conviteà brincadeira, a viajar no mundo da imaginação.
Maria de Remédios Ferreira Cardoso
Diretora Pedagógica da Educação Infantil
Na visita dos alunos do Infantil 2 para conhecer o funcionamentoda Biblioteca, Adriana Felicíssimo encantou a todos com a narrativada história Uma lagarta muito comilona. Participar desse espaço vivo,em que a principal motivação é o livro, possibilita a ampliação do repertório de histórias das crianças, além de ser uma experiência enriquecedora. Após essa visita, escolher e manusear um livro ficou muito mais prazeroso para nossos pequenos leitores.
Ione CapucciOrientadora Educacional do Infantil 2
Usar a biblioteca como espaço cultural é muito enriquecedor para as crianças. O encantamento pelos livros já é nítido nessa faixa etária, e conhecer o autor Daniel Munduruku possibilitou aos nossos alunos perceber, de uma maneira clara, que sempre há um artista por trás de cada história contada. Além disso, com esse encontro, as crianças ampliaram ainda mais o seu conhecimento a respeito da cultura indígena.
Flávia Bicudo DuranOrientadora Educacional do Infantil 4
Os materiais de uma biblioteca possibilitam à criança vivenciar situações de aprendizagem de modo lúdico e motivador em um espaço diferente da sala de aula. Os alunos do Infantil 5, além de ampliarem o repertório de títulos de obras literárias e de autores, assim como a habilidade de leitura propriamente dita, participaram de oficinas sobre o tema trabalhado em sala de aula (sustentabilidade). Foram momentos de descoberta, reflexões, sonhos e aprendizado.
Andréa AssumpçãoOrientadora Educacional do Infantil 5
As aulas de Português do 2º ano do Ensino Fundamental são enriquecidas semanalmente pelos encontros na biblioteca. O deslocamento da sala de aula até esse espaço já representa o convite ao mundo da imaginação. Durante as atividades, os alunos têm a possibilidade de compartilhar experiências, ampliar o repertório literário, desenvolver e (re)descobrir o prazer pela leitura. Rodas de leitura, oficinas e encontros com autores são momentos esperados pelos alunos, que se encantam e vivenciam momentos “mágicos” proporcionados pelos livros. Além disso, contamos com a Adriana Felicíssimo, que prepara o espaço com carinho e contribui durante a contação de histórias.
Débora Zardi e Priscila Ribeiro Professoras do 2º ano – Ensino Fundamental l“Hoje é sexta-feira, dia de biblioteca!”
Os alunos do 2º ano do Ensino Fundamental I contam nos dedos para esse dia chegar. E não é à toa, pois, nessa ocasião, eles são convidados a conhecer outros mundos... Ouvir histórias proporciona-lhes a oportunidade para desenvolver a imaginação, enriquecer o vocabulário e completar experiências. É por meio da linguagem que o sujeito reconhece os significados de sua cultura, estabelece relações entre as informações e constrói sentido para si e para o mundo. Por isso fazemos desse espaço a extensão da sala de aula.
Maria Cristina P. GodinhoOrientadora Educacional do 2º ano– Ensino Fundamenta l
Receber um profissional para analisar a construção da narrativa do livro Três Sombras, de Cyril Pedrosa, no espaço da biblioteca, favoreceu o reconhecimento desse espaço como um lugar prazeroso e propício para o ensino e para a aprendizagem. Indiretamente, sempre contribui para que o aluno mantenha um vínculo com o espaço, tornando-o um frequentador habitual e cada vez mais autônomo em busca de novas leituras e informações fundamentais em sua formação.
Wanderli da Costa FonsecaOrientadora Educacional do 7º ano –Ensino Fundamental II A
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A importância da consciência fonológicana Educação Infantil
O caminho que uma criança percorre desde o nascimento até a adolescência, rumo
à fase adulta, está relacionado tanto a condições biológicas quanto àquelas proporcionadas
pelo espaço social em que vive.
Durante o seu desenvolvimento, uma criança passa por diversas etapas, e diferentes
aspectos caracterizam as suas relações com o mundo físico e social. O desenvolvimento infantil
não acontece de forma linear. As mudanças ocorrem em períodos contínuos que se sucedem
e se sobrepõem. Em muitos aspectos, a ordem em que sucedem é a mesma para todas as
crianças, porém a idade em que cada uma passa por elas varia.
O conhecimento acerca da estrutura sonora da linguagem desenvolve-se nas
crianças pequenas no contato com a linguagem oral. É na relação com diferentes formas
de expressão oral que esse conhecimento metalinguístico se constrói, ou seja, ainda muito
pequena a criança procura, ativamente, compreender a natureza da linguagem falada à sua
volta e, na tentativa de compreendê-la, formula hipóteses, procura regularidades, submete suas
suposições à verificação e constrói uma gramática própria, que não pode ser considerada uma
simples cópia do modelo adulto, mas uma criação original. As diferentes formas linguísticas
a que cada um é exposto dentro de uma cultura vão desenvolvendo aquilo que chamamos
“consciência fonológica”.
Quando os pais disponibilizam livros e gibis para os filhos brincarem, contam
histórias, ensinam pequenas canções e a fala, propriamente dita, estão favorecendo esse
desenvolvimento.
Antes que possa ter a compreensão do princípio alfabético, a criança precisa
perceber que os sons associados a um conjunto de letras são os mesmos da fala. O domínio do
princípio alfabético e a percepção dos sons devem estar assegurados para que o aluno seja
um bom leitor.
Segundo o especialista Lamprecht Moojen, consciência fonológica é uma habilidade
metalinguística e pode ser definida como a capacidade de operar explicitamente com os
segmentos da palavra falada; é a tomada de consciência das características formais da
linguagem. Essa habilidade compreende dois níveis:
1. a consciência de que a língua falada pode ser segmentada em unidades distintas,
ou seja, a frase pode ser segmentada em palavras; as palavras, em sílabas; e as sílabas, em
fonemas;
2. a consciência de que essas mesmas unidades repetem-se em diferentes palavras
faladas, tendo uma relação direta com a oralidade.
Em linhas mais gerais, é uma habilidade metacognitiva que possibilita à criança
manipular e refletir sobre a estrutura sonora das palavras.
Esse conceito abrange habilidades que vão desde a simples percepção global da
extensão das palavras, e/ou de semelhanças fonológicas entre elas, até a efetiva segmentação
e manipulação de sílabas e fonemas. Existem diferentes níveis, alguns dos quais precedem a
aprendizagem da leitura e da escrita, enquanto outros parecem ser mais um resultado dessa
aprendizagem. Estudos recentes mostram que o desempenho das crianças em “consciência
fonológica” aumenta de acordo com a escolaridade.
Essa habilidade em crianças obedece a padrões operacionais de complexidade,
sendo que a percepção de rimas e segmentação de sentenças em palavras são as tarefas
menos complexas dessa escala; seguido de segmentação de palavras e de adição das sílabas
em palavras. Atividades como análise inicial, subtração de sílabas e emissão de rima requerem
maior competência fonológica, dado o seu maior grau de complexidade. Essa competência
é desenvolvida conforme as crianças experimentam situações lúdicas, como jogos de rima,
cantigas de roda, e também quando são instruídas formalmente por meio de atividades de
alfabetização. O nível da “consciência fonológica” adquirido anteriormente à instrução formal
tem um papel fundamental como facilitador desse processo.
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113112
A estimulação dessa habilidade na Educação Infantil é vital para a aquisição do
código escrito, otimizando o processo de alfabetização, visto que crianças que são estimuladas
com atividades que trabalham essa habilidade apresentam melhor desenvolvimento na leitura
e na escrita.
Na Educação Infantil, as crianças já são capazes de identificar palavras que rimam,
separá-las em sílabas, assim como reconhecer palavras que começam com o mesmo som.
Essas habilidades pertencem a níveis elementares de “consciência fonológica”.
No primeiro nível estão a rima e aliterações.
A rima representa a correspondência fonêmica entre duas palavras a partir da vogal
da sílaba tônica. Por exemplo, para rimar com a palavra SAPATO, a palavra deve terminar em
ATO, pois a palavra é paroxítona; mas, para rimar com CAFÉ, a palavra precisa terminar somente
em É, visto que a palavra é oxítona. A equidade deve ser sonora e não necessariamente
gráfica, ou seja, as palavras OSSO e PESCOÇO rimam, pois o som em que terminam é igual,
independentemente da forma ortográfica.
Já a aliteração, também um recurso poético, como a rima, representa a repetição
do fonema consonantal. Os trava-línguas são um bom exemplo de utilização da aliteração, pois
repetem, no decorrer da frase, várias vezes o mesmo fonema.
Os pesquisadores Goswami e Bryant realizaram estudos a esse respeito e
comprovaram que a habilidade de detectar rima e aliteração é indicadora do progresso na
aquisição da leitura e escrita. Isso ocorre porque a capacidade de perceber semelhanças
sonoras no início ou no final das palavras permite fazer conexões entre os grafemas e os
fonemas que eles representam, ou seja, favorece a generalização dessas relações.
É comum vermos crianças de 4 ou 5 anos brincando com nomes dos colegas em
jogos de rimas. Mesmo sem saber que isso é uma rima, a brincadeira espontânea das crianças
atesta sua “consciência fonológica”.
O segundo nível é a consciência da sílaba, que consiste na capacidade de
segmentar a palavras em unidades denominadas sílabas. Essa habilidade depende da
capacidade de realizar análise e síntese vocabular. Segundo o dicionário Michaelis, “a análise
é a decomposição em elementos constituintes [nesse caso, a sílaba] e a síntese é a operação
mental pela qual se constrói um sistema; agrupamento de fatos particulares em um todo que os
abrange e os resume [no nosso caso, a palavra]”.
Atividades como contar o número de sílabas; dizer qual é a sílaba inicial, medial
ou final de determinada palavra; subtrair uma sílaba das palavras, formando novos vocábulos,
entre outras, favorecem o desenvolvimento da “consciência fonológica”.
O terceiro nível é a consciência de palavras, também chamada de “consciência
sintática”. Representa a capacidade de segmentar a frase em palavras e, além disso, perceber
a relação entre elas e organizá-las numa sequência que tenha sentido. Essa habilidade tem
influência mais precisa na produção de textos, e não no processo inicial de aquisição de escrita.
Ela permite focalizar as palavras enquanto categorias gramaticais e sua posição na frase.
Contar o número de palavras numa frase, explicitando isso verbalmente ou batendo uma palma
para cada palavra, é uma atividade de “consciência de palavras” (ou “consciência sintática”).
Por exemplo: quantas palavras há na frase “Crianças gostam de canções”? Ao responder
corretamente a essa questão ou batendo uma palma para cada palavra, enquanto repete a
frase, a criança demonstra sua “consciência sintática”. Além disso, ordenar corretamente uma
oração ouvida com as palavras desordenadas também é uma capacidade que depende dessa
habilidade.
Outro nível a ser adquirido pela criança é a “consciência fonêmica”, que consiste
na capacidade de analisar os fonemas que compõem a palavra. É no processo de aquisição da
Mas quais são esses níveis?
114
leitura e da escrita que esse tipo específico de habilidade passa a se desenvolver. A escrita
de um sistema alfabético, como o português, permite que os indivíduos tomem contato com
as estruturas mínimas da linguagem – os fonemas –, o que não é possível, por exemplo, num
sistema ideográfico (como o japonês).
Dessa forma, percebemos que certo nível de “consciência fonológica” é
imprescindível para a aquisição da leitura e da escrita, ao mesmo tempo que, com o domínio
da escrita, essa habilidade se aprimora. Ou seja, estágios iniciais da “consciência fonológica”
contribuem para o desenvolvimento dos estágios iniciais do processo de leitura, e estes, por sua
vez, contribuem para o desenvolvimento de habilidades mais complexas.
Atividades como dizer quais ou quantos fonemas formam uma palavra; descobrir
qual palavra está sendo dita por outra pessoa, unindo os fonemas por ela emitidos; formar
um novo vocábulo, subtraindo o fonema inicial da palavra (por exemplo, omitindo o fonema
/k/ da palavra CASA, forma-se a palavra ASA), são exemplos em que se utiliza a “consciência
fonêmica”.
A “consciência fonológica” associada ao conhecimento das regras de
correspondência entre grafemas e fonemas permite à criança uma aquisição da escrita com
maior facilidade, uma vez que possibilita a generalização e memorização dessas relações
(som/letra).
Não há dúvida de que o desenvolvimento das habilidades metalinguísticas é um
importante fator para o sucesso da alfabetização e de que a “consciência fonológica” é um dos
fatores fundamentais para a aprendizagem da leitura e da escrita alfabética. O desenvolvimento
dessas habilidades, desde a Educação Infantil, minimiza possíveis dificuldades futuras nessa
aprendizagem.
A Móbile possui um programa estruturado desde o Infantil 2 com jogos e
brincadeiras que estimulam e desenvolvem essas capacidades metafonológicas, pois sabemos
que a aprendizagem da leitura e da escrita é um processo complexo que envolve vários sistemas
e habilidades. Para ler, não basta apenas realizar a decodificação dos símbolos impressos; é
necessário que existam, também, a compreensão e a análise crítica do que se lê. O sucesso na
aquisição da leitura e da escrita depende, entre outros fatores, de um bom nível de “consciência
fonológica” adquirido pela criança desde os primeiros anos de vida.
Maria de Remédios Ferreira Cardoso é diretora da Educação Infantil.
115
Princípios parauma propostade Educação Moral
A reflexão sobre o ensino da moral que aqui nos propomos tem como ponto de partida a pergunta: “Que sujeitos queremos formar?” A resposta
a tal questionamento explicita o objetivo de uma proposta de Educação Moral e determina as ações que devem ser consoantes a esse objetivo.
Iniciaremos então daí... Enquanto agentes mediadores da educação de crianças e adolescentes,
queremos não somente formar sujeitos que sejam gestores da própria aprendizagem. Almejamos, sobretudo, formar sujeitos que sejam autônomos
do ponto de vista moral. E o que isso significa exatamente? Antes de esclarecermos tal conceito, vale, ainda que brevemente,
apresentar a concepção sobre moral e ética que sustenta a nossa definição acerca de um sujeito autônomo do ponto de vista moral.
Segundo o psicólogo da USP Ives de La Taille (2006), a moral é definida pelo modo como devemos agir perante as pessoas com as quais convivemos. Portanto, está relacionada ao dever e às regras, bem como aos valores e aos princípios que as determinam. Em outras palavras, a moral vem responder à pergunta: “O que devo fazer perante o outro?” A ética, por sua vez, vem responder à pergunta: “Como devo viver?” ou “Qual vida vale a pena ser
vivida?”, e nos remete às aspirações, aos projetos de vida, à construção do ser e do conceito que ele tem de si. Enquanto a primeira está diretamente
relacionada à virtude justiça, a segunda está relacionada a virtudes como a generosidade, a fidelidade, a gratidão, a compaixão, a tolerância, a
amizade, o amor. Em suma, a moral ordena, enquanto a ética aconselha.Isso posto, podemos, agora, retomar a questão: “O que significa
um sujeito autônomo do ponto de vista moral?” Formar esse sujeito autônomo implica formar pessoas que compreendam a importância das
regras para si e para o outro, que as respeitem, critiquem-nas e, quando necessário, as reformulem. Também que sejam capazes de refletir e
assumir as consequências das próprias ações. Acrescentamos, ainda, mais um comportamento importante para que o sujeito dê um passo rumo à autonomia moral: antecipar as consequências dos próprios atos para que seja capaz de fazer as melhores escolhas; escolhas que considerem o outro, o coletivo, pautando-se na moral e na ética. Estamos falando de um sujeito que seja capaz de autogovernar-se. Quantos desafios à educação!
Autonomia – O desenvolvimento moral, segundo Jean Piaget, ocorre em estágios que se iniciam pela anomia, ausência total de regras, sucedendo a
heteronomia, podendo-se chegar à autonomia. Na heteronomia, as regras existem para determinar o que é certo e o que é errado, mas ainda não
são frutos de um consentimento mútuo. Para o sujeito heterônomo, a regra é criada pelos adultos, sendo algo imutável. Elas são seguidas pela
obediência ao adulto, pelo medo de decair perante o olhar das autoridades, por medo da perda do amor ou por medo de um castigo.
O que vai determinar o caminho para a autonomia são as qualidades das relações no meio em que as crianças estão inseridas, bem como o
modo como a moral é ensinada. Então, que aspectos devemos levar em conta quando falamos de uma proposta de ensino moral?
O primeiro deles é o aspecto cognitivo que envolve o saber fazer moral, ou seja, o conhecimento das regras e os princípios que as determinam. Por exemplo, não riscar ou danificar as carteiras tem como princípio garantir o direito de que todos aprendam em um ambiente com materiais de qualidade. Reconhecer os princípios que existem por detrás das regras permite que a criança, aos poucos, generalize comportamentos. Nesse caso, ela perceberá que não é somente a carteira que ela não poderá riscar ou danificar, mas
qualquer objeto ou espaço de uso coletivo. Quando pensamos no ensino do fazer moral, é preciso considerar
a importância da consistência em que as regras são exigidas e a consequência quando elas são desrespeitadas. Um ambiente em que regras
e combinados são aplicados inconsistentemente não contribui para que os sujeitos saibam claramente como devem se comportar. Ainda, diante de
um descumprimento de regra, é papel do adulto definir uma sanção que
tenha uma relação direta com o erro cometido e que deve ser aplicada imediatamente ao erro descoberto. É o que Piaget denominou sanção por
reciprocidade. Continuando no mesmo exemplo, uma sanção possível para um aluno que riscou a carteira em que outro estudará seria a criança limpar
o que sujou, além de fazê-la pensar no princípio que sustenta aquela regra, permitindo que ela generalize o princípio para outros contextos. Piaget faz uma distinção entre a sanção por reciprocidade e a punição. Enquanto a primeira tem relação direta com o erro cometido, contribuindo para que a criança compreenda a importância da regra, e, consequentemente, passe a respeitá-la, a segunda é arbitrária, ou seja, não tem relação alguma com o desrespeito à regra. A punição, diferente da sanção por reciprocidade, alimenta a obediência à regra por temor a punição.
Outro ponto crucial para o ensino do saber fazer moral é a coerência, que envolve dois aspectos: a coerência na aplicação das regras para todos
e a coerência entre o que nós, adultos, falamos e exigimos e o que de fato fazemos. A educação não se dá apenas pela oralidade; as crianças e os
adolescentes aprendem muito por modelos. Propomos uma pausa para uma reflexão individual: no corre-corre da vida moderna, tenho sido um
modelo coerente ou incoerente? Em que situações desconsiderei o coletivo em detrimento do desejo individual?
Até o momento, falamos do papel das sanções por reciprocidade, da consistência e da coerência na aplicação dessas regras, bem como da
importância de trabalhar os princípios que as regem, variáveis estritamente relacionadas ao saber fazer moral. Sob essa perspectiva, os alunos conhecerão bem as regras, entenderão seus princípios e serão capazes de discursar sobre eles. No entanto, ainda assim, esses conhecimentos não se refletirão necessariamente em boas ações. Parafraseando Ives de La Taille, sem dúvida “saber fazer moral” é necessário, mas não é suficiente; é preciso “querer fazer moral”. É necessário incluir em uma proposta de educação moral aspectos afetivos que motivem os sujeitos a querer agir moralmente, validando os aspectos cognitivos já destacados anteriormente. Quais
contextos de aprendizagem contribuem para o despertar do “querer fazer moral” referido pelo psicólogo?
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O respeito heterônomo às regras muda
quando crianças se relacionam e precisam decidir com igualdade
É no desencontro dos interesses pessoais que a escola medeia conversas com pequenos e grandes grupos para que os alunos resolvam conflitos e tomem decisões em assembleias buscando uma convivência harmoniosa e respeitosa. Essas situações educacionais favorecem, e muito, o respeito autônomo às regras acordadas por todos, bem como a descentralização, pois os alunos precisam considerar a opinião e o sentimento do outro. Essas
situações educacionais contribuem para que os estudantes respeitem as regras, e não simplesmente as obedeçam, por compreender a importância
delas para uma maioria. Como afirmou Piaget (1994):“... ao viver e perceber a reciprocidade em suas relações sociais
observam-se uma cooperação progressiva e o surgimento do respeito mútuo. As regras passam a ser respeitadas não porque foram impostas por
uma figura de autoridade, mas porque se mostram como resultado de uma livre decisão das próprias consciências.”
As decisões coletivas traduzem-se em valores de um grupo. Ora, se faço parte desse grupo, necessariamente preciso agir de acordo com os
valores dele; caso contrário, o sentimento de pertença não se desenvolverá. Assim, esse contexto de aprendizagem contribui imensamente para motivar
crianças e adolescentes a agirem moralmente.Quando a escola planeja intencionalmente temas relacionados à
moral e à ética, ela propõe que os alunos discutam sobre o justo, o bem, o admirável. No calor dessas discussões, entre ideias que são construídas, desconstruídas e reconstruídas, os valores dos grupos emergem. Atente-se para o fato de que esse processo é uma construção, não uma imposição do certo e do errado!
Exemplifiquemos a riqueza dessas reflexões por meio da discussão entre os alunos do 1º ano do Ensino Fundamental sobre admiração. Inicialmente,
pequenas narrativas da literatura infantil tornaram-se detonadores para a discussão das ações e relações que envolviam as personagens. Relações
essas recheadas de afeto e... admiração. O objetivo era que nossos pequenos compreendessem esse conceito a fim de, posteriormente,
identificá-lo também em sua relação com o outro. Na etapa seguinte,
em desenhos, os alunos representavam as pessoas que admiravam e justificavam a escolha: “Admiro o João porque, quando um amigo precisa
de ajuda... tipo caiu e se machucou ou não está conseguindo fazer uma lição, ele vai lá e ajuda todo mundo.”; “Eu desenhei minha mãe porque ela é
uma médica que ajuda as pessoas a não sentirem dor.”; “Admiro o Antônio porque, quando ele inventa brincadeiras, convida as pessoas e deixa todo mundo brincar.”
Inevitavelmente, nessas situações, cada aluno acaba voltando-se para si e questionando encobertamente: “Quem sou eu?” Por trás dessa pergunta, desvela-se um posicionamento pessoal perante valores. Afirmar “eu sou tal ou tal coisa” implica apresentar-se como valor, interpretar-se perante valores. Andrea Dias (2002) complementa essa ideia ao afirmar que:
“... Valores colocam em oposição o bem e o mal, o desejável e o indesejável, a construção da identidade necessariamente situa-se nesta
busca de um valor positivo, condição necessária à realização da “vida plena.”
Concluindo, uma proposta sólida de educação moral deve abarcar duas direções que não são de modo algum opostas, mas complementares:
é necessário um trabalho cotidiano com os alunos para que conheçam as regras e entendam os princípios e os valores que as determinam,
contribuindo para a formação Moral. Culturalmente, temos o hábito de reforçar e destacar o errado. A nossa sociedade fala pouco do positivo, do
correto, das ações e valores que devem estar presentes na vida das crianças e dos adolescentes. Propomos um exercício diário para reverter esse contexto, para valorizarmos o positivo, visto o impacto disso na construção de uma personalidade Ética. Acreditem: vale a pena!
Leia mais sobre esse assuntoDIAS, Andréa C. F. Estudo psicológico sobre o lugar das virtudes no universo moral aos 7 anos de idade:as crianças da 1ª série discutem coragem e generosidade. São Paulo. Dissertação de Mestrado defendidano Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, 2002.LA TAILLE, Y. de. Moral e ética: dimensões intelectuais e afetivas. Porto Alegre: Artmed, 2006.PIAGET, J. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1994. (Trabalho originalmente publicado em 1932.)
Tatiana Almendra é vice-diretora do Ensino Fundamental I, Maria de Remédios F. Cardoso é diretora
da Educação Infantil e Wanessa Kelly e Silva Salvatore é coordenadora do 1º ano do Ensino Fundamental.
120 121
Por que músicana escola?
A música é uma manifestação que faz parte das mais antigas tradições do homem.
Há estudos que demonstram que, entre 35 mil e 40 mil anos atrás, os primeiros humanos
modernos da Europa já contavam com a tradição musical bem estabelecida, na qual a música
exercia um papel de grande importância, presente em diversos contextos sociais e culturais.
Na Grécia Antiga, a música tinha como função auxiliar o cidadão a buscar o
equilíbrio da alma e, ao mesmo tempo, produzir um conjunto harmônico de conhecimentos. Para
os gregos, os conceitos de concordância e proporção eram a base de todas as manifestações
intelectuais, éticas e estéticas, e a música, por si só, agregava esses princípios.
É notório que essa linguagem artística continua a se fazer presente na vida humana
até os dias de hoje. Existem diversas pesquisas que, apesar de ainda não serem conclusivas,
apontam para o fato de que o aprendizado musical auxilia no desenvolvimento de outras áreas
do conhecimento humano. Pode-se destacar, por exemplo, a associação entre o aprendizado
musical e o desenvolvimento:
a) do raciocínio lógico-matemático
Na Idade Média, Aritmética, Astronomia, Geometria e Música constituíam as
disciplinas do quadrivium, a divisão mais alta das sete artes liberais, e acreditava-se que, sem
a música, nenhuma disciplina poderia ser perfeita. Além da associação histórica entre as duas
áreas – que se manteve de diferentes formas ao longo do tempo –, é possível observar diversas
relações matemáticas contidas na própria estrutura musical. Por conta da observação desses
fatos, foram realizadas diversas pesquisas que encontraram evidências de que o aprendizado
de música contribui para o aprendizado de matemática.
b) do aprendizado da linguagem
Música e linguagem são duas formas de comunicação humana que envolvem os
sons e que, segundo estudos neurocientíficos, possuem tanto diferenças quanto semelhanças.
Elas compartilham propriedades acústicas, tais como altura, timbre, duração e intensidade, que
são os parâmetros do som. Música e linguagem, sob a ótica da psicologia do desenvolvimento,
são formas de comunicação muito próximas e, na infância, são igualmente importantes. Como
exemplo, pode-se observar que a fala dirigida aos bebês possui diversas características
musicais, tais como: variações de altura (grave e agudo), de ritmo e de intensidade (forte e fraco).
É muito raro uma pessoa adulta dirigir-se a um bebê sem fazer amplo uso dessas variações – o
que não ocorre ao conversar com outro adulto. Esse comportamento, visto de forma natural e
bastante frequente, tem uma explicação científica: estudiosos sugerem que a melodia (com as
variações exemplificadas acima) é a principal mensagem que os bebês entendem, pois para
eles o conteúdo semântico das palavras está em processo de construção.
Além dos fatores mencionados, o aprendizado musical convida o indivíduo a uma
percepção atenta dos sons e suas mais sutis variações. Por conta disso, acredita-se que o
aprendizado de música pode auxiliar também no aprendizado de outras línguas, uma vez que,
tanto para perceber pequenas variações quanto para se ter uma boa pronúncia dos sons, é
necessário permanecer atento às sutilezas sonoras, aspecto amplamente trabalhado pela
educação musical.
c) do desenvolvimento da leitura
Há diversos estudos que sugerem que a percepção musical e o estudo de música
têm estreita relação com o desenvolvimento da leitura e com a consciência fonológica
(a habilidade que o ouvinte tem de segmentar a fala em unidades menores e ainda assim
Quadrivium e triviumNa Idade Média, além do quadrivium, havia
o trivium, constituído pela Gramática, Lógica
e Retórica. Todos os indivíduos considerados ilustres e
respeitados por seus conhecimentos deveriam conhecer
e estudar as sete “artes liberais”.
122 123
reconhecê-las independentemente de variações em altura, tempo, timbre e contexto). Há
estudos tanto teóricos quanto clínicos a respeito do assunto, e ambos encontraram evidências
que confirmam a correlação entre a educação musical e o rendimento de leitura em estudantes
de idades entre 5 e 19 anos. Tais pesquisas sugerem que alunos musicalizados podem aprender
a ler mais depressa.
Deve-se salientar que os estudos
mencionados não são conclusivos e, ainda,
é necessário que a pesquisa nessa área
avance a fim de que se possa determinar
se há efetivamente transferência cognitiva
da educação musical para as áreas do
conhecimento mencionadas, pois, apesar de
as pesquisas preliminares apontarem para
isso, ainda não há evidências concretas e
irrefutáveis a esse respeito.
De toda maneira, embora a
realização de pesquisas que procurem
relacionar o aprendizado musical ao
desenvolvimento cognitivo em outras áreas do
saber seja importante e aponte perspectivas,
ainda mais interessantes para o ensino de
música, faz-se necessário destacar que o
ensino dessa linguagem artística não pode
ser valorizado apenas por seus benefícios
extramusicais, mas pelo valor que possui em
si mesmo.
Como se sabe, a música é uma
forma de comunicação e expressão humana
ancestral, presente em praticamente todos os
povos e culturas do mundo, desde suas mais
antigas tradições. Esse fato por si só atesta
sua importância e sua forte relação com o
que é humano. Fundamentado nele, deve-se
mencionar que, como forma de expressão
utilizada pelas mais diferentes sociedades,
a música traz consigo traços históricos e
culturais das regiões a que pertence, aspectos
valorizados e evidenciados nas aulas dessa
disciplina.
As práticas de educação musical
auxiliam tanto crianças quanto adultos no
desenvolvimento auditivo, motor, cognitivo e
social, aspectos fundamentais para o ser
humano. Tais aspectos são inerentes à forma
como essas práticas ocorrem e podem ser
facilmente percebidos em um trabalho que seja
desenvolvido de maneira sólida e consistente,
pautado em estudo, pesquisa sistemática e
experiência significativa, observando-se
sempre as respostas dos alunos aos estímulos
apresentados, tal como ocorre no trabalho
realizado na Móbile.
A forma como as aulas de Música
ocorrem coloca em jogo questões complexas
do relacionamento humano, que transcendem
a própria música: o acesso a músicas de
diferentes povos e culturas, com suas
formas peculiares de expressão artística, é
propício para que se aprenda e se perceba a
necessidade de respeitar diferentes maneiras
de agir e de ser, bem como as diferentes
culturas. Trabalhando-se com improvisação
musical, entram em cena questões que
são próprias do convívio humano, uma vez
que é fundamental ouvir o outro, analisar,
perceber quando deve ser seu momento de
destaque, bem como também de ceder, de
permitir que o outro tenha seu momento solo.
Em outras palavras, práticas como essas
podem contribuir para que as pessoas se
relacionem de maneira mais colaborativa e
humana ao mesmo tempo que favoreçam
o desenvolvimento das faculdades da
percepção, da atenção, da autodisciplina, da
autocrítica, da criatividade e da comunicação
afetiva.
A música é uma forma autônoma
de conhecimento que tem importância
fundamental na cultura humana, e é
nesse ponto que reside seu maior valor:
na possibilidade de ver e ouvir crianças
cantando, tocando, aprendendo, brincando,
expressando-se, criando e improvisando com
música, pois ela é intrínseca à vida humana e
pertence a todos nós.
A música, tão presente na vida
humana, envolve diferentes dimensões do ser.
Essa linguagem artística deve ser entendida,
então, como uma forma de expressão
integradora de importantes faculdades
humanas, uma vez que ela trabalha com o
sensível e o cognitivo, bem como com a
razão e com a emoção. Ao mesmo tempo, a
presença do corpo, por inteiro por meio de
gestos, danças e da expressão corporal, faz-
se fundamental para que esse processo seja
sentido, experimentado e, sobretudo, vivido em
sua plenitude. Partindo-se dessa concepção
de educação musical, pode-se depreender
que ela exerce um papel de suma importância
na atualidade, sobretudo quando se tem a
noção da necessidade de desenvolvimento
integral do ser humano.
A música pela música
As aulas
124
BRITO, Teca Alencar de. Material de apoio para introdução do ensino à música em escolas de
língua portuguesa. SESI: 2010.
FONSECA, João Gabriel Marques. Por que educação musical? Disponível em:
http://www.atravez.org.br/ceem_1/educacao_musical.htm
FONTERRADA, Marisa T. O. De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação – 2ª ed.
São Paulo: Editora Unesp; Rio de Janeiro: Funarte, 2008.
ILARI, Beatriz. A música e o desenvolvimento da mente no início da vida: investigações, fatos
e mitos. In: Revista Eletrônica de Musicologia. Vol.: IX, 2005.
MÚSICA Paleolítica. Agência FAPESP. São Paulo: FAPESP, 25 jun. 2009. Disponível em:
<http://agencia.fapesp.br/10685>. Acesso em: 25 de julho de 2013.
NASSER, Najat. O Ethos na música grega. Boletim do CPA, Campinas, nº 4, jul./dez. 1997.
Disponível em: http://venus.ifch.unicamp.br/cpa/boletim/boletim04/22nasser.pdf
SARMENTO, Luciana Elena. A escuta na contemporaneidade: uma pesquisa de campo em
educação musical. São Paulo, 2010, 168 f. Dissertação (Mestrado em Educação Musical/
Musicologia/Etnomusicologia) – Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista.
Aprenda mais...
Luciana Elena Sarmento é professora de Música da Educação Infantil, do 1º ano do Ensino
Fundamental e do curso Opcional “Educação musical: canto, corpo e voz”.
125
Avaliação da prática docente: da reflexãoà ação
Quando pensamos numa
escola, não pensamos em uma
construção arquitetônica.
A escola é, sobretudo, um
conjunto de pessoas. E é na
relação entre essas pessoas
que se dá a aprendizagem em
todos os âmbitos: pedagógico,
acadêmico, político-social e
ético.
Diante dos meios
diversificados de busca
de conhecimentos que o
desenvolvimento tecnológico
atual nos proporciona, o papel
do professor transcende o de
transmissor de informações
para seus alunos. Ele é um
mediador da aprendizagem.
Para isso, levanta dúvidas,
questiona, desafia, estimula a
curiosidade e a participação
de seus alunos.
Uma escola que se
propõe a formar cidadãos
conscientes dos efeitos de
suas ações sobre a sociedade
e o meio ambiente, pessoas
com sólida base acadêmica
e capazes de decifrar a
realidade e de posicionar-se
diante dos acontecimentos
de forma crítica, competente,
responsável e construtiva
precisa contar com uma
equipe de educadores que
seja, ao mesmo tempo,
competente para promover as
diversas aprendizagens nos
seus alunos, mas que também
esteja em constante busca de
aperfeiçoamento e ampliação
de seus conhecimentos.
Segundo Prado (2011), para
que o professor cumpra seu
papel com competência,
é necessário que esteja
comprometido “(...) com a
aprendizagem dos alunos e
com os valores da sociedade
democrática, respeitando
a diversidade, não apenas
dominando os conteúdos e
as novas tecnologias, mas,
sobretudo, sabendo adequá-
los a diferentes contextos,
de maneira sistêmica e
interdisciplinar, dominando o
conhecimento pedagógico e
os processos de investigação
de maneira a aperfeiçoar sua
práxis e, por fim, gerenciando
seu próprio desenvolvimento
profissional, estando sempre
disposto a aprender.”
A escola pode, e deve,
promover o aperfeiçoamento
profissional constante de seus
educadores, e são várias as
ações possíveis para chegar
a isso. Garantir um espaço
para reflexão e avaliação do
próprio desempenho é uma
delas. Como Gadotti (2003)
afirma, “(...) a formação
continuada do professor deve
ser concebida como reflexão,
pesquisa, ação, descoberta,
organização, fundamentação,
revisão e construção
teórica e não como mera
aprendizagem de novas
técnicas, atualização em
novas receitas pedagógicas
ou aprendizagem das últimas
inovações tecnológicas”.
Avaliamos porque partimos do pressuposto
de que o ser humano pode modificar-se e
aprende a aprender. A avaliação tem por
objetivo saber por que um ou outro objetivo não
foi atingido e como fazer para ser alcançado;
visa à identificação clara de necessidades
e fragilidades para estabelecer estratégias
eficazes de superação de dificuldades. É, em
suma, um exercício de descrição e análise
crítica de uma realidade com o objetivo de
transformá-la.
Nesse sentido, a avaliação do professor é
parte de um processo, levando-o a escrever
sua “própria história” e, a partir daí, “gerar
suas próprias alternativas de ação” (SAUL,
2000).
Avaliar, em outras palavras, consiste num
exercício metacognitivo, tornando o educador
espectador de seus próprios modos de pensar
e das estratégias que emprega para resolver
problemas, buscando identificar como
aprimorá-los (DAVIS et al., 2005).
Na Móbile, o processo de pensar sobre
o próprio processo, enquanto desempenha
seu papel de educador, ocorre de forma
contínua e é promovido pela própria escola
por meio dos Parâmetros para a análise da
prática docente. Nesse documento, estão
descritos os comportamentos relacionados ao
conhecimento da disciplina com que o professor
trabalha, ao ambiente de aprendizagem que
proporciona aos seus alunos e a atitudes
profissionais referentes ao cumprimento das
diferentes tarefas que exerce. Por meio de
“rubricas” (descritores), o professor faz sua
autoavaliação e discute com a Coordenação
os aspectos da prática docente já alcançados,
as variáveis que contribuem para que
determinado comportamento ainda não tenha
sido avaliado como totalmente atingido,
as estratégias novas a serem adotadas e
estabelece metas a serem perseguidas.
Os dados obtidos com o preenchimento
do documento, pelo professor, feito em dois
momentos do ano, são comparados, e novas
metas são estabelecidas. Por meio da análise
dos perfis de todos os professores, obtemos
representações gráficas do perfil da equipe
toda. Os dados representados dessa forma
permitem visualizar a equipe como um conjunto
e identificar aspectos que serão tema de
capacitação continuada feita nas assessorias
e reuniões pedagógicas semanais.
Esse trabalho de reflexão e capacitação
continuada faz a diferença. Além de resultar
na maior qualidade do trabalho de formação
dos nossos alunos, proporciona ao professor-
educador crescimento profissional contínuo e
contribui para a reconstrução permanente de
sua identidade pessoal.
DAVIS, C., NUNES, M. M. R. e NUNES, C. A. A.
Metacognição e sucesso escolar: articulando
teoria e prática. Cadernos de Pesquisa, 2005,
vol. 35, nº 125.
GADOTTI, Moacir. Boniteza de um sonho:
ensinar e aprender com sentido. São Paulo:
Grubhas, 2003.
PRADO, F. L. Metodologia de projetos.
São Paulo: Editora Saraiva, 2011.
SAUL, A.M. Avaliação emancipatória: desafio
à teoria e à prática da avaliação e reformulação
de currículo. São Paulo: Cortez, 2000.
Por que avaliamos nosso corpo docente e que tipo de avaliação valorizamos?
Conheça profundamenteesse assunto...
127126
Eliana Mesquiatti Tayano é vice-diretora do Ensino Fundamental I.
129128
Estudar Matemáticaé perda de tempo:quem acredita nisso?
MatemáticaInfeliz daquele que teve, alguma vez na vida, a excitante experiência de ser ludibriado
nos cálculos por um esperto vendedor. Não existe estatística oficial sobre a questão, mas é
possível inferir que não são poucos os casos de consumidores que percebem, tardiamente,
que foram enganados, propositadamente ou não, no valor da compra ou do troco. A frustração,
nesses casos, é intensa, e a culpa recai sempre sobre duas razões: os parcos conhecimentos
de Matemática do consumidor e, em decorrência disso (aí vem a segunda razão), a diferença
entre as velocidades de processamento dos cálculos que realizam vendedor e comprador.
Operar com valores do sistema monetário faz parte daquela Matemática que todos julgamos
importante para uma vida feliz, ou seja, da Matemática “que serve para alguma coisa”.
O lavrador precisa abrir um poço circular em suas terras a fim de coletar água para suas
necessidades (regar a terra, abastecer cozinha e banheiro, saciar a sede dos animais etc).
Poços desse tipo têm forma final que se assemelha a um cilindro, sólido bastante estudado nas
aulas de Geometria. Em busca de seu objetivo, o lavrador estabelece a “largura” da boca do
poço e pensa no seguinte cálculo da quantidade de terra que precisará extrair:
Alunos aprendem que o volume de um cilindro pode ser calculado pela aplicação de uma
fórmula que envolve a medida do raio da base, a medida da altura e, por fim, o valor do número
II – 3,14 (volume = IIr2.h ). O lavrador não conhece essa fórmula, mas utiliza, na construção de
seu poço, um saber matemático que, provavelmente, tem-se perpetuado, no boca a boca, por
gerações e gerações de lavradores. De fato, o volume de um cilindro calculado por meio da
aplicação da fórmula estudada nas aulas de Matemática pouco difere daquele que pode ser
obtido pela rotina de cálculo conhecida do lavrador. Nesse caso, portanto, o conhecimento
geométrico em questão, isto é, o cálculo da capacidade de um recipiente, pertence ao grupo
da Matemática que “serve para alguma coisa”.
De tempos em tempos, determinada universidade particular anuncia nos veículos de
comunicação uma chamada publicitária sobre a aprovação de seus formandos em Direito no
exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB):
De fato, essa instituição é a que tem o maior número de aprovados no tal exame ou, em
outras palavras: nenhuma universidade aprova, em mesmo ano, tantos alunos quanto ela.
Não há inverdades nesse comunicado, embora ele esconda certo raciocínio falacioso, que
consiste na omissão de que a maioria absoluta dos alunos inscritos no exame da OAB é
oriunda da tal universidade X. E isso não é um detalhe. Muda tudo. Para se ter uma ideia,
vamos considerar que, por exemplo, 1000 alunos realizaram o exame e 500 deles estudaram
na universidade X, e os demais estudaram em alguma das outras cinco instituições de ensino,
igualmente distribuídos entre elas, ou seja, 100 estudantes em cada uma. Se 80 estudantes da
universidade X foram aprovados no exame e 40 de qualquer outra instituição também, temos
certo que 80 é “mais” do que 40, mas precisamos avaliar também que 80 representa em 500
muito menos do que 40 em 100. Assim, proporcionalmente, a universidade X não é a que mais
aprova no exame da OAB. O cálculo proporcional, tão importante para a análise estatística, é,
em nossos tempos, condição necessária para o exercício pleno da cidadania e, portanto, parte
“Multiplicarei a medida da ‘largura’ do poço por ela mesma. Esse valor será multiplicado pela profundidade do poço e, em seguida, deste resultado, subtrairei sua quinta parte.”
“A universidade X é a que mais aprovano exame da OAB.”
˜ ˜ ˜
131130
integrante da Matemática “que serve para alguma coisa”. Mas, afinal, como viver hoje em dia
sem dominar, minimamente, o cálculo proporcional e as porcentagens?
Qualquer pessoa que reforme um cômodo de sua casa sabe que precisa calcular
a área do piso ou das paredes para comprar a quantidade apropriada de material para
revestimento ou pintura. Na maioria das vezes, a superfície cuja área precisa ser calculada
tem o formato retangular – e todos sabemos que a área de um retângulo é obtida pelo produto
de suas dimensões. O cálculo de áreas de superfícies retangulares, em plantas residenciais,
em terrenos, em piscinas etc. é, portanto, mais um exemplo da Matemática “que serve para
alguma coisa”.
São múltiplas e variadas as aplicações da Matemática a situações de nosso cotidiano,
como o caso do troco, das áreas, dos volumes e das porcentagens. Mas há também, pelo
menos na opinião do cidadão comum, “coisas” da Matemática que não servem para nada
e que, portanto, estudá-las seria pura perda de tempo. Se isso é verdade, por que é que
as ensinamos nas escolas? Por que não nos detemos a ensinar apenas os conceitos que
“servem para alguma coisa” e, no resto do tempo, permitimos aos estudantes dedicarem-se a
atividades de outra ordem, de outras disciplinas?
Embora essa discussão a respeito da utilidade dos conteúdos disciplinares – é bom que se
diga – não seja prerrogativa da Matemática, pois poderíamos questionar também se o modelo
atômico do carbono, os personagens da revolta de Canudos ou o que escreveu Graciliano
Ramos “servem para alguma coisa”, é na Matemática que argumentos contrários à exposição
de determinados conteúdos encontram os mais ferrenhos defensores.
Diante desse quadro, o que fazer com os conteúdos que não encontram aplicações
práticas imediatas, ou seja, com aquilo que alguns dizem “não servir para nada”? Não ensinar?
Diminuir seu espaço nos planejamentos? Ensinar apenas aos alunos interessados? Vamos
refletir um pouco sobre os elementos que nos fazem optar por um ou outro encaminhamento.
Do senso comum, extrai-se, com facilidade, a ideia de que a Matemática ajuda as pessoas
a tornarem-se mais inteligentes (seja lá o que signifique ser mais inteligente nesse caso).
Também facilmente extrai-se a noção de que a Matemática é um campo de conhecimentos
destinado apenas aos “iluminados”, cidadãos privilegiados pela natureza na distribuição da
capacidade neural(!) São essas as principais causas que, se “bem” utilizadas, concretizam-se
em mecanismos de poder de uns sobre os outros, dos “bem dotados” sobre os esquecidos pelo
“deus matemático”. Alguns professores, às vezes, até de forma inconsciente, são experts na
arte de fazer seus alunos sentirem-se diminuídos diante da “grandeza” dos conhecimentos de
seu mestre. Pura balela! Todos somos capazes de aprender e aplicar em situações cotidianas
os conhecimentos matemáticos do grupo “que serve”; todos, todos mesmo, desde que assim
o desejemos. Não se trata, portanto, de crer na inteligência superior daqueles que conhecem
um pouco de Matemática, uma vez que no plano geral de nossas atividades cotidianas somos
todos igualmente munidos dos conhecimentos de que precisamos para nos movimentarmos
para lá e para cá, conversarmos, namorarmos, consumirmos etc. Então, desviemos nosso
olhar do “que serve” para o restante, nem menos nem mais importante.
Nas escolas de nosso tempo, campeia, com vigor, a ideia de que o conhecimento de
algum conceito é construído quando o estudante consegue associar internamente a mais
ampla gama de significados para o conceito, de maneira que possa vê-lo não apenas na
aplicação que detecta de modo direto e simples, mas também nas relações que o conceito
pode apresentar com outros, de outras disciplinas e de outros contextos. A imagem metafórica
para tal elaboração consiste em uma rede na qual os significados conceituais ocupam os
nós, e os fios que fazem as ligações entre os nós são gerados a partir da reflexão realizada
pelo estudante. Nesse quadro, um cidadão é considerado mais hábil intelectualmente quanto
maior for seu poder de refletir e transitar sobre os nós dessa rede infinita, de modo análogo
àquele no qual um usuário navega na Internet pesquisando objetos para a composição de
determinado assunto. Tarefas dessa natureza exigem muito mais do que conhecer temas
de conteúdos “que servem”; exige a capacidade de abstrair da realidade bruta para outro
tipo de realidade, que transita com mais intensidade pelas mentes dos que armazenaram
um arsenal de fatos, imagens e relações durante seu tempo de estudo, na escola ou na vida;
exige caminhar para uma realidade imaginada. Talvez esteja aí, na questão do fortalecimento
da capacidade de realizar abstrações, a maior das contribuições que o ensino acadêmico da
Matemática pode dar a alguém.
Abstrair e imaginar são ações humanas para as quais estamos nos preparando
durante todo o nosso tempo de vida, evoluindo em nossas concepções à medida que
Ser ou não ser útil?
Matemática
ampliamos a plataforma de conhecimentos de onde alçamos nossos voos. Trata-se, dessa
maneira, de uma relação simples, proporcional na maioria dos casos: mais conhecimentos,
maiores voos.
Em um plano geral, recorremos à Proposta Curricular para a Matemática, proposta
pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, para elucidar que
entre tudo aquilo que estudou, leu, praticou, discutiu, ouviu etc. Especificamente no caso
da Matemática, ao estudá-la, o sujeito realiza uma investigação intelectual que se inicia na
visão e caminha em direção ao pensamento; vai, portanto, do que pode ser percebido ao
que pode ser concebido, como se parafraseasse a própria história da existência humana.
Adaptando livremente a expressão criada pelo escritor irlandês Oscar Wilde: talvez não seja
a Matemática que imita a vida, mas, sim, a vida que imita a Matemática.
Por tudo isso, aquele que estuda apenas o “que serve” de imediato para alguma
coisa pode estar inibindo em si próprio o exercício de algumas das mais importantes
capacidades humanas das quais foi dotado: abstrair, imaginar e criar. Mas não vai nem
perceber. Sorte dele?
Todo e qualquer conhecimento pode ser mais ou menos útil em determinados momentos,
dependendo da capacidade de estabelecer relações de quem o detém. Em vista de
determinada necessidade, de aplicação ou de reflexão, o sujeito aciona sua mente na
busca dos conhecimentos adquiridos e, nesse momento, a resposta virá, mais ou menos,
prontamente dependendo da qualidade das relações conceituais que conseguiu estabelecer
“Todos lidam com números, medidas, formas, operações; todos leem e interpretam textose gráficos, vivenciam relações de ordeme de equivalência; todos argumentam e tiram conclusões válidas a partir de proposições verdadeiras, fazem inferências plausíveisa partir de informações parciais ou incertas. Em outras palavras, a ninguém é permitido dispensar o conhecimento da Matemáticasem abdicar de seu bem mais precioso:a consciência nas ações.”
Walter Spinelli coordena, junto com Glorinha Martini,
o curso de Matemática do Ensino Médio.133132
135134
Como queremosser reconhecidos nas
redes sociais?A pergunta que intitula este
artigo tem o objetivo de
provocar uma reflexão sobre
a imagem que constituímos
nas redes sociais e o papel
dos adultos na orientação
de comportamentos que
garantam uma coexistência
harmoniosa entre crianças
e adolescentes nesses
contextos digitais.
O que temos observado,
em número considerável,
é uma sequência de
equívocos na condução
das conversas realizadas
nessas redes: expressões
grosseiras, humilhações,
temas inapropriados para a
idade, incapacidade de se
identificar com o outro e de
sentir o que ele sente. Por
meio do registro escrito,
crianças, jovens e mesmo
pais chegam, por vezes, a
travar batalhas verbais que,
ao vivo, não se permitiriam.
Constatamos, por vezes,
uma falta de percepção de
que a linguagem empregada
nos diálogos denuncia a
qualidade das relações
sociais instituídas por eles
no meio virtual. É como se
a distância existente entre
os interlocutores virtuais
inibisse a capacidade crítica
de alguns sobre o valor
que determinados termos
usados para se referir ao
outro detêm: por alguma
razão, desconsideram
que, em nosso léxico,
existam palavras mais
representativas de afeto
e outras de depreciação
e intimidação.
Quando muitas das
mensagens e imagens
postadas no Facebook
e Instagram chegam
à Escola por meio de
alunos ou de pais que
estranham ou desaprovam
alguns comportamentos
apresentados nessas
redes sociais, temos a
oportunidade de retomar
reflexões sobre liberdade,
dignidade, tolerância e
respeito, propostas às
crianças em diversas
atividades escolares,
desde a primeira infância.
Estimular os alunos para
o pensar constante sobre
as responsabilidades
individuais no contexto das
relações humanas sempre
foi uma das metas do projeto
educacional da Móbile e
não seria diferente em uma
época em que educamos
para uma sociedade cada
vez mais tecnológica.
Durante os debates com
os alunos, surgem muitas
questões e dúvidas, como
sites e redes apropriados
para cada faixa etária e o
tempo adequado de uso
do computador; entretanto,
o campo que se mostra
mais vulnerável refere-se
justamente à qualidade
das relações interpessoais
estabelecidas na internet
e ao perfil de exposição a
que se submetem nesse
ambiente. Por vezes,
identificamos, na fala dos
alunos, certa incompreensão
das consequências que
atitudes de constrangimento
moral podem provocar no
outro. Também é comum nos
depararmos com discursos
que, por vezes, banalizam
a gravidade da exposição
precoce a essas situações
de risco. E por que crianças
e adolescentes têm visto
esses comportamentos
137136
são proibidas para cada
faixa etária. No termo de
adesão ao Facebook e
Instagram há, por exemplo,
a seguinte afirmação:
“Você não deve usar se
for menor de 13 anos.“
Logo, seria esperado que
crianças com faixa etária
inferior a essa idade não
participassem dessas redes
sociais. Mais uma vez, os
adultos tornam-se a peça-
chave para a proteção das
crianças, na medida em
que têm o dever de impedir
que suas crianças fiquem
vulneráveis a ocorrências
cujas circunstâncias ainda
não têm maturidade para
enfrentar.
Os sites a seguir podem
ajudar pais na tarefa de
educar seus filhos para uma
coexistência harmoniosa
entre os usuários das redes
sociais.
Oito motivos para não criar um perfil no Facebook
para as crianças
http://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2013/09/oito-
motivos-para-nao-criar-um-facebook-para-uma-crianca.html
Como evitar riscos para as crianças na internet
http://www1.folha.uol.com.br/tec/985773-cuidados-essenciais-
como-evitar-riscos-para-criancas-na-internet.shtml
Internet Segura Br
http://www.internetsegura.br/dicas-jovens-criancas/
Cuidado especial com privacidade protege
crianças na internet
http://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2013/09/cuidado-
especial-com-privacidade-protege-criancas-na-internet-veja-
dicas.html
Rede com proteção
http://educarparacrescer.abril.com.br/comportamento/rede-
protecao-634939.shtml
10 cuidados importantes na utilização da internet
pelas crianças
https://www.facebook.com/notes/weduc/10-cuidados-
importantes-na-utiliza%C3%A7%C3%A3o-da-internet-pelas-
crian%C3%A7as/10150561715639902
como triviais e corriqueiros?
Talvez porque ainda não
compreendam que as normas
de conduta que balizam
as relações interpessoais
na escola, no trabalho, no
clube, na família e em tantos
outros espaços devam ser
as mesmas no âmbito virtual;
ou talvez porque ainda não
adquiriram a capacidade de
prever as consequências
de suas ações e não
desenvolveram a aptidão de
analisar os contextos sob
diferentes pontos de vista.
Para que esses jovens
tornem-se adultos capazes
de gerenciar conflitos
de forma construtiva,
colaborativa e solidária e
construam uma imagem
positiva e mais valorizada
nos grupos dos quais fazem
parte, as mesmas reflexões
que ocorrem na escola sobre
“Quem sou eu no grupo?,
Como quero ser reconhecido
pelos outros?, Que caminhos
quero trilhar?” devem fazer
parte também da dinâmica
familiar. E como fazer isso?
Crianças e adolescentes
precisam da supervisão
constante dos adultos
para vivenciar os desafios
que o crescimento impõe.
Na Escola, em todos os
espaços físicos, há sempre
um adulto para observar,
supervisionar, mediar os
conflitos que surgem e
propor situações positivas
de aprendizagem social. No
ambiente familiar, o mesmo
deve ocorrer. No momento
em que nós, adultos, nos
distanciamos, deixamos
de orientar, proteger e
promover o desenvolvimento
saudável de nossos filhos
e alunos. É esperado, no
entanto, que eles resistam
às nossas intervenções e
busquem formas alternativas
para se afastarem de nossa
supervisão. E o espaço da
internet tem se mostrado
propício a esse afastamento.
Longe de nossos olhos,
sentem-se aparentemente
mais livres para arriscar;
entretanto, ficam mais
vulneráveis à pressão do
grupo e, paradoxalmente,
com menor liberdade
para fazer boas escolhas.
Nossa ajuda começa,
portanto, no momento em
que assumimos o papel de
limitar e acolher nossas
crianças e adolescentes.
Ao limitar, controlamos os
riscos que eles vivenciam
ao experimentar novas
situações. Ao acolher,
abrimos a possibilidade
de um diálogo que visa à
percepção do outro e à
construção de formas mais
solidárias e seguras de
enfrentar os desafios que
surgem. É imprescindível
para o crescimento saudável
deles que reconheçam, na
figura do adulto, a autoridade
capaz de promover
consciência sobre questões
morais.
Não se trata de proibir a
navegação virtual, mas, sim,
de acompanhar, orientar os
caminhos que se apresentam
e limitar o uso de redes que Cleuza Vilas Boas Bourgogne é diretora pedagógica do Ensino Fundamental.
p r o d u ç õ e s e m f o c o
Construindo o presentee revisitando o passado
É papel da escola desenvolver habilidades e competências para que os alunos possam aplicá-
las em seu contexto social. A busca pela formação de cidadãos críticos, criativos e protagonistas
de sua realidade está cada vez mais presente em nossas práticas. Foi com esse objetivo que os
alunos do 3° ano do Ensino Fundamental atuaram como verdadeiros pesquisadores em busca de
informações para descobrir a história de uma instituição tão presente em suas vidas: a Móbile.
Trabalhar com diferentes fontes históricas e fazer conexões entre o passado e o presente
foram os fios condutores de todo o projeto, que teve início com um percurso pelos arredores
da escola até a Rua Pintassilgo. Lá, os alunos conheceram o local onde a Móbile funcionou por
cerca de seis anos e foram instigados a observar as mudanças e permanências no entorno.
Atentaram para o fato de que o terreno onde se localizava a escola ficava ao lado de um córrego
(hoje canalizado), o que favoreceu uma grande enchente ocorrida em 1985, fator que determinou
a mudança da escola para a Rua Araguari.
Após a vivência feita na primeira sede da escola, e com a certeza de que por meio das
relações entre as várias fontes históricas é que o conhecimento sobre o passado vai sendo
interpretado e reconstruído, os alunos, divididos em pequenos grupos, passaram a coletar novas
informações em diferentes fontes de pesquisa.
Ao assistirem ao vídeo comemorativo dos 30 anos da Móbile, as crianças puderam conhecer
a trajetória da escola, que passou de dez a mais de dois mil estudantes em seus 37 anos de
existência. As semelhanças e diferenças em relação aos aspectos físicos foram evidenciadas ao
observarem fotos de diferentes épocas e ao analisarem cada detalhe de maneira minuciosa.
O texto da edição especial de 30 anos da Revista da Móbile foi uma importante fonte de
pesquisa para os alunos, pois nele puderam encontrar relatos de acontecimentos marcantes na
história da escola. As entrevistas realizadas com profissionais que até hoje atuam na Móbile
foram também fundamentais nesse processo porque os alunos tiveram a oportunidade de ouvir
relatos sobre as mudanças e permanências
vivenciadas por pessoas que fazem parte da
história da instituição.
O momento de compartilhar o
conhecimento adquirido pelos grupos
aconteceu com grande entusiasmo e
dedicação. Todos se organizaram, planejaram
e socializaram suas descobertas e registros
para que, coletivamente, cada turma pudesse
construir relatos sobre a história da Móbile,
alterações no espaço físico e em sua
trajetória como instituição escolar.
Com a certeza de que a utilização dos
recursos tecnológicos no âmbito pedagógico
pode contribuir significativamente para uma
aprendizagem eficiente, a turma passou
a trabalhar no produto final do projeto:
transformar relato em uma animação.
O iPad foi a ferramenta escolhida para
viabilizar a produção dessas animações. As
crianças, divididas nos grupos de trabalho,
foram instrumentalizadas para trabalhar
com o aplicativo ShowMe e, em duplas,
contribuíram com a leitura ou com um
desenho representando um trecho do texto
produzido. A dedicação e o envolvimento de
todos foi grande, e o resultado não poderia ter
sido outro: uma animação mais interessante
que a outra!
Ao final do projeto, foi possível consolidar
a ideia de que tornar o aluno produtor do
conhecimento possibilita a construção de
saberes mais significativos.
As animações produzidas pelos alunos
do 3º ano do Ensino Fundamental em 2012
estão disponíveis em um canal do YouTube da
Móbile. O link pode ser acessado por meio do
próprio site da Móbile
http://www.escolamobile.com.br/
projeto-historia-da-mobile/
– ou pelo link do canal Móbile
http://www.youtube.com/user/colegiomobile
Ana Lúcia Ribeiro de Almeida (coordenadora
educacional) coordenou o projeto junto com
as professoras do 3º ano: Adriana Caravieri
Rosa, Lara P. Oliva, Larissa H. Deptula
Pereira, Marina Callil Voos e Julia Sarmento
Sales.
141140
Alunos do 3º ano do Ensino Fundamental investigam história da Móbile.
Quer saber o queeu fiz na escola?Entre no nosso blog!
O advento da Internet representou, sem dúvida,
uma mudança na realidade tecnológica e na
vida humana. Muito se discute hoje sobre
os chamados “nativos digitais”, “imigrantes
digitais” e sobre como uma nova geração utiliza
o meio virtual com tanta naturalidade quanto
utilizamos qualquer outro eletrodoméstico.
O compartilhamento de informações e as
múltiplas possibilidades de interação foram
os aspectos principais que modificaram as
relações humanas estabelecidas antes do
surgimento da web. Hoje, uma fotografia feita
em qualquer lugar do mundo é transmitida
em segundos a outro lugar. Não só fotos,
mas também notícias, vídeos, pesquisas,
entrevistas, informações, receitas etc. são
retransmitidos instantaneamente.
A Internet inaugurou um novo tempo, que exige
outras maneiras de pensar e de fazer educação.
Quebrando paradigmas, a tecnologia digital
é um instrumento não mais do futuro, mas
do ‘hoje’, e produzir e utilizar coletivamente
conhecimento, serviços e produtos são os
novos desafios das escolas deste século.
Dentre os recursos oferecidos pelo computador
e disponíveis por meio do acesso à Internet, a
equipe do Infantil 3 encontrou uma ferramenta
caracterizada pela ampla participação dos
usuários da rede, o blog.
Surgidos no final dos anos 1990, os blogs
são diários virtuais que permitem o compar-
tilhamento de pensamentos, relatos, imagens
e reflexões pessoais. Esse caráter social do
compartilhamento de informações atende
142
Professoras do Infantil 3 utilizam ferramenta da Internetcomo forma de comunicação com famílias.
145
perfeitamente a um anseio por parte dos
pais das crianças, sintetizado nesta questão:
“O que meu filho faz na escola?” Não como um
diário, em que o cotidiano escolar é relatado; o
objetivo da equipe do Infantil 3 com a utilização
desse recurso é partilhar objetivos, descrever
estágios do desenvolvimento e mostrar às
famílias e à comunidade o que fazemos e por
que fazemos.
O Blog do Infantil 3 funciona como um portfólio
virtual voltado à divulgação do trabalho
desenvolvido nessa série. Encontram-se nesse
espaço mais do que descrições da rotina; os
pais são convidados a entender o que existe
por trás de cada atividade e os objetivos
pedagógicos relacionados àquilo que está
sendo realizado pelas crianças.
Para a equipe de professores, alimentar o
blog não é uma tarefa fácil, pois exige um
papel ativo de reflexão sobre a prática que
realiza. O blog incentiva a escrita colaborativa
e o pensamento crítico, além da autoria, da
interatividade e da socialização.
Após um ano da existência e utilização desse
veículo, avaliamos que, além de postagens
relativas às atividades realizadas, poderíamos
enriquecê-lo ainda mais compartilhando com
os pais sugestões de leitura, passeios, jogos
e filmes. Assim, as famílias poderiam envolver
seus filhos nos temas trabalhados de uma
maneira extraescolar.
Realizar atividades fora da escola que
dialogam com o que está sendo aprendido
e desenvolvido dentro dela – como é o caso
do blog – é uma maneira de demonstrar à
criança o valor que a família dá à educação.
Faz com que o conteúdo ensinado ganhe um
caráter afetivo na aproximação e interação
que se desenvolve entre pais, filhos e escola.
As crianças passam a ver que seus pais
compartilham de seu cotidiano escolar e que
se interessam em conhecê-lo.
A educação é uma área dentro da nova
realidade tecnológica em que os weblogs
certamente podem ser utilizados como
ferramenta de comunicação e de troca de
experiências com excelentes resultados. Fica
o nosso convite: acessem e participem dessa
construção:
http://blogdoinfantil3.wordpress.com
Aline Prates Stroeh é coordenadora
pedagógica do Infantil 3.
Criar com palavras
Acredito que, em sua origem mais remota, as palavras eram muito mais próximas da vida
e de seus acontecimentos do que como as conhecemos hoje. Essa crença, que aproxima
o surgimento da linguagem do nascimento da própria poesia, conduz à imaginação de um
mundo, hoje certamente fictício, em que quase não havia separação concreta entre palavras
e as experiências que essas palavras evocavam; a um mundo povoado por símbolos, anterior
à cisão existente nos signos e anterior às necessidades imediatas da comunicação racional.
Gosto de utilizar, como exemplo, a imagem de um homem primitivo, narrando a seus
companheiros de caverna sua reação ao presenciar um relâmpago atingindo uma grande
árvore e a consequente chama. Tanto para o homem que falava quanto para aqueles que
escutavam, essa narrativa se configurava como uma verdadeira reconstituição do episódio
vivido. A fala, portanto, dava conta não apenas de relatar os fatos, mas, também, de traduzir
os sentimentos de terror e fascinação vivenciados pelo tal homem. As palavras dessa história,
penso, eram poucas, talvez apenas nossas equivalentes a “árvore”, “raio” e “fogo”. Belas e
terríveis, essas palavras formavam um conjunto com muitos significados a um só tempo: a
transformação da vida; a imensidão do mundo e a pequenez do homem; a beleza cruel da dor;
entre tantos outros possíveis. Como em um pequeno, mas extremamente vivo, poema!
A compreensão dessa potência vivencial da linguagem, capaz de manifestar experiências
concretas, é, acredito, essencial para o desenvolvimento da escrita como real instrumento de
criação. É, também, um passo importante na ampliação da sensibilidade e na percepção de
outra possibilidade de se relacionar com o mundo e com os próprios sentimentos.
Em minhas aulas de Criação Literária, até agora, procurei estimular o reconhecimento
da vida existente nas palavras para, depois, buscar a utilização prática e criativa dessa vida.
Tentei demonstrar ser possível a um escritor, ainda que jovem e em formação, entrar em
contato com suas emoções e questões profundas por meio da escrita. E, então, conhecendo-as,
muitas vezes com espanto, traduzi-las e reinventá-las em textos de diferentes gêneros.
Penso que o transcorrer do trabalho, em sala de aula e fora dela, tem sido revelador para
muitos de nós. Em diversos casos, foi possível acompanhar um percurso claro, de descobertas
progressivamente mais intensas e apontamentos de estilo. Nesse sentido, a produção
semanal de exercícios foi fundamental para o estabelecimento de uma relação “orgânica”
com a escrita, e de maior consciência técnica e estrutural.
Atualmente, nos encontramos em um momento intermediário de nosso processo, em que
já podemos ver alguns de seus reflexos, como nas produções que compartilhamos nesta
revista.
S U P L Í C I O Gota que deseja escuridãoD E G L U T I Ç Ã O Ralo que engole gotaE a esconde dentro de si
L I B I D OPoça que espera por descargaT A T ODescarga que toca poça E a alvoroça
Preso dentro de azulejos,Sinto e não sou sentido,
Vejo e não sou visão,Ouço e não sou som,
Tenho a voluptuosidade do nada. Do tudo.
Que mais queres tu, sublime idiota?
E U F O R I A Vapor que se alongaVapor que se contrai
E N C O N T R O Vidro que beija vapor
E o condensa 147146
Alunos do 2º ano do Ensino Médio são pioneiros na participaçãode curso eletivo de Criação Literária e mostram suas incursões na arte das palavras.
Camila Motta
Ciclos
149148
Então pisou no chão. Mas não era chão, era ele mesmo. E, pé ante pé, caminhou em sua essência, conhecendo-se.
Lembrava do acidente, do vermelho, da dor. Caminhou mais um pouco, assustado mas curioso. Ninguém nunca lhe dissera que o fim estava dentro de nós, que a morte era só uma passagem para o subconsciente.
E como era grande, o subconsciente. Andou por vários minutos, sem achar nada. O mesmo piso de cor indefinida tendendo para o abstrato. Caminhou por mais algum tempo, confuso.
Depois de muito andar, surgiu uma porta. Não estava lá antes, não, tinha certeza.
Teve medo. Escureceu.Assustou-se com o escuro repentino. Raios.Deu um leve sorriso, percebendo seu poder.
Dia.Encarou a porta, indeciso. Segurou na
maçaneta e se surpreendeu com uma pequena imagem que surgiu no metal gelado. Um rosto invertido o encarava de volta, sorrindo espevitadamente. Seu rosto, 40 anos mais jovem, com os cabelos bagunçados e olhos brilhantes o convidava a entrar. Olhou em volta e se imaginou criança, como o fora, um dia. Fora e ainda o era,
dentro daquela maçaneta. Abriu a porta e olhou. Bonito. Conhecido. Seguro. Entrou.
Ele se arrependeu e voltou atrás. O desco-nhecimento infantil o assustou mais do que o nada do subconsciente, pois neste era, pelo menos, ele mesmo. Reconheceu, no garoto que andava alegremente de bicicleta no mundo dentro da porta, acenando para sua mãe ocupada; o mesmo brilho que vira nos olhos da maçaneta. Reconheceu-o como sua velha amiga, a Possibilidade, que se fora para outros olhos, outras vidas, abandonando-o. Estava velho demais para tanta Possibilidade, a amizade dos dois já havia se acabado, muitos anos antes. Pensando bem, estava morto demais para Possibilidades.
Fechou a porta e continuou caminhando, pensando se todos teriam este mesmo destino: presos dentro de um espaço infinito. Andou mais, quem sabe por dias, mas não era possível dizer. O sol se punha quando o homem perdia as esperanças, e surgia de novo quando, lembrando-se de seu poder, sorria e retomava a caminhada ritmada.
Depois de muitos pensamentos, o homem resolveu voltar.
Decidiu que era melhor ficar perto da porta,
caso um dia mudasse de ideia e quisesse voltar para a tela em branco que é a vida de uma criança.
Mas não parou quando encontrou a maçaneta sorridente. Decidiu continuar, ver se era infinito também para o outro lado. Enquanto andava, começou a sentir uma grande vontade de correr. E correu o mais rápido que pôde, sem nunca ficar sem ar. Correu tanto que chegou ao fim do infinito, onde uma forte luz deixava tudo branco.
Ouviu vozes do outro lado da luz. Aproximou-se, com receio, tentando entender o que diziam. O branco era absoluto e queimava a pele. Quanto mais perto ele chegava, mais dor sentia, mas continuava tentando entender do que falavam aquelas vozes.
Quando chegou ao fim, doía tanto que começou a chorar. As vozes, felizes, o acolheram.
Nina Trentin Borghi
Espelho
A imagem me encaraSádica
Se recusa a obedecer,zombando de mim.
Levanto o braço esquerdoEla continua imóvel,
me desafiacom olhos vermelhos
Olhos quentesfervendocomo lava
a imagem derreteescorre viscosa
como tintagoteja
Agora encaro o silêncioa u s ê n c i a
O espelho é inabitadoEstou sozinha
Marina Rovai
Iluminado
150
Matei um porquinho-da-índia! Era domingo, dia da fadiga. Cotidianamente entediante. Nada acontecia na janela, mesmo com o Sol
brilhando. Era deprimente o modo como ninguém saía de casa para aproveitar a luz do dia. Preferiam ficar dentro de suas gaiolas, dormir, comer, e trocar de canal, de forma automática.
Olhando para fora, eu procurava companhia, alguma alma viva para me acompanhar em um passeio para fora da porta da sala. Porém, seria como matar o descanso alheio se eu interrompesse alguma atividade essencialmente domingueira para propor que o tempo fosse gasto ao Sol. Havia, contudo, uma criatura que não recusaria a minha proposta: meu porquinho-da-índia.
Decidi sair, desejando que tanto a minha saúde quando a dele fosse melhorada naquela situação. A minha precisava de uma aliviada no stress e um pouco mais de melanina e vitamina D. Eu estava pálida! A dele não precisava de um bronzeado, seus pelos já eram negros. O que ele precisava, urgentemente, era de atividade. O quão chato deveria ser morar dentro de uma gaiola? Mover-se, comer, beber, dormir, defecar, divertir-se em um espaço limitado, vazio, quieto, no qual o azul do céu e os raios do Sol não chegam... deveria ser pura fadiga. Que dó!
Levei-o então para fora, coloquei-o ao Sol, salvando-o de mais um domingo de tédio. Ele parecia estranhar tudo aquilo, como se estivesse em outro universo. Achei fofo. Subia pelas paredes da gaiola, tentando achar um jeito de escapar para o mundo colorido e novo que apresentei a ele. Que adorável! Seus olhinhos pretos brilhavam, refletindo o brilho solar. Era como se ele estivesse experimentando um ilapso. Nós dois. Plenos.
Hora do almoço, deixei-o lá, livre, aproveitando o fluxo divino da luz. Quando voltei, ele estava parado, fitando o Sol, hipnotizado. Sorri, mas minha felicidade foi interrompida por uma triste constatação: petrificado ele estava, pois havia morrido. Faleceu descobrindo o milagre da luz inalcançável, no céu.
No início senti uma tristeza profunda e avassaladora, consequência da culpa que tinha por tê-lo deixado exposto. Sem dúvida era trágico a morte de tão pura criatura, que compreendia meus domingos de tédio, meu desejo pela liberdade. Chorei por um tempo.
Contudo, conforme os domingos iam passando, percebi que morrem felizes aqueles aos quais o Sol atinge. Felizes os que admiram-se com a brisa, as flores e o dia. Felizes os que sentem o calor da luz, o cheiro do céu e o sabor da grama. Felizes os que aspiram a algo diferente, aspiram à luz. É essa a morte desejada: Solar.
Janela Vazamento
A tesoura em suas mãos rugia. Faminta, devorava a teia vorazmente. Seu corpo cansado, convulsionado, sentava-se à janela, ocupado em recortar a rede. Rede que a separava do mundo, e guardava-a na sombra de uma flor por desabrochar. Suas mãos carregavam um descontrole pulsante. Os olhos ardiam em chamas de lágrimas antigas, guardadas. Fulminava a teia, que a impedia de transpassar, e filtrava a vista. Havia tempo que as mãos sonhavam com tal momento, e que a tesoura suplicava, em seus ouvidos. Finalmente deixara-se seduzir.
Aflita, roía aos poucos cada uma das linhas que se desenhavam à sua frente, e padronizavam a paisagem. Caindo aos recortes, liberava-se a entrada do ar, que perfurava seus pulmões de recém-nascida. Seu corpo inflava-se, crente de que começaria a pairar pelo teto feito balão. O rosto contraíra-se em uma manifestação de prazer, preenchendo-se dessa nova dor trazida pelo ar. Cuspiu por todos os orifícios os moldes e ordens mofados, que empodreciam o corpo. Era esta a rebelião da alma contra a própria carcaça.
Desceu da cadeira para admirar a vista, satisfeita com a nova porta, e com a lufada de vento sem direções que lambeu-lhe os ossos. Largou a tesoura extasiada no parapeito dessa nova aurora, para lavar-se nas impurezas desse novo mundo. E mergulhou.
O céu está azul. Lá fora. Aqui dentro é só isopor, insuficientemente insuportavelmente branco, com 30946 pontinhos pretos, como estrelas toscas. E o relógio tic-tac, tic-tac, que lateja moribundo em meu pulso.
Gotas de tempo não rolam, se arrastam , pelo espaço dos adjuntos adverbiais, complementos nominais, oração su...bor...di...nada ad...je...ti...va e o tic-tac do relógio e os saltos altos e rítmicos da bomba cardíaca dentro de mim.
Lá fora, nuvens brancas formam desenhos no ar, para desmanchá-los em seguida, de forma lenta mas contínua. Como palavras em meu cérebro, lentas e contínuas, que ganham espaço, preenchendo de ecos inexicais o vazio por baixo de meus cabelos pretos, junto ao barulho do relógio, o cleck do pescoço da galinha que comi no almoço, o desmanchar líquido das nuvens, ad...jun....to ad...no....mi...nal, e o grito de angústia em cadeia e segundos escorridos por dentro do crânio e o mendigo na rua, e o zero de ontem e o tic, tum-tum, tac, tic, tum-tum, tac.
E sob esse teto branco é tudo devagar demais e silêncio demais e sinto o coração impulsionar minha garganta, uma bomba apitando freneticamente antes de explodir na monotonia. Meu maior medo é enlouquecer nessa imensidão caótica, insuficiente insuportável.
Ethel Emilio Rudnitzki Marina Sadala Borges Júlia Yen Luiz
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io n
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Um novo olhar: o desenho de observação e a ressignificaçãode um mundo
Rabiscos, traços, diversas cores e formas que, muitas vezes, constituem algo aparentemente
indecifrável! Quantos de nós, adultos, já nos deparamos com essas imagens? Desde pequenas,
as crianças observam, atentamente, o mundo em que estão inseridas; nada lhes passa
despercebido. A cada nascer do dia, um novo desafio, uma nova conquista, que passa a ser
expressa intensamente nos mais variados desenhos. Porém, o desenho infantil é mais do que uma
ação exclusivamente motora. Mesmo em sua forma mais “rudimentar”, um simples rabisco é a
expressão de um ser em pleno desenvolvimento.
Diante do importante papel do desenho no processo de desenvolvimento e aprendizagem,
no segundo semestre deste ano, integramos a área de Artes Plásticas à de Conhecimento da
Natureza para trabalhar com o tema “Plantas”. Como parte desse projeto, as crianças passaram
a fazer desenhos de observação, retratando uma série de plantas da escola. Concomitantemente,
escolhemos conhecer a biografia, a obra e o processo criativo da artista Margaret Mee, que
serviu de referência para fundamentar e valorizar situações em que trabalhamos o desenho de
observação.
Diversos especialistas estudam o desenho
infantil e destacam que ele é um dos recursos
utilizados pelas crianças para se inserirem no
universo adulto. Por meio dele, elas podem
deixar sua marca, interferir no mundo. Para
Florence de Mèredieu, o desenho começa
como algo essencialmente lúdico, como os
rabiscos feitos por diversão, mas, à medida
que as crianças se desenvolvem, eles passam
a se tornar mais “sérios”, e o interesse em
representar o real ganha cada vez mais
importância. Nesse contexto, o desenho pode
ser visto como meio de interação social, e uma
relação dialética se estabelece entre a criança
e o meio em que está inserida: “O processo
de socialização transforma depois o desenho
de imaginação em desenho de observação”
(MÈREDIEU: 2006).
Para a artista plástica e estudiosa Edith
Derdyk, a partir de seu desenho, a criança
age e se comunica com o mundo que a cerca.
Ao desenhar algo observado, a criança usa
seus modelos internos para representar o que
deseja. Esses modelos são o modo como a
criança interpreta e representa os elementos
observados. Dessa forma, ela não copia
determinado objeto que lhe seja exposto; ao
desenhar, ela reconstrói o que observou de
forma original e pessoal. Para a especialista, o
desenho é sempre uma interpretação, uma vez
que, ao desenhar, a criança relaciona, simboliza,
significa e atribui novas configurações ao
original: “O desenho traduz uma visão porque
traduz um pensamento, revela um conceito.”
(DERDYK: 1994)
Lowenfeld e Brittain (1977) também
contribuem com seus estudos e destacam
que a arte para a criança é mais do que
um passatempo qualquer, pois ela envolve,
principalmente, a seleção de aspectos do
meio em que a criança vive, com os quais se
identifica e que chamam mais a sua atenção.
152
Crianças do Infantil 4 expressam-se por meio dos desenhos, importantes aliados no processo de desenvolvimento e aprendizagem.
153
A partir disso, a criança organiza as informações
em um novo e significativo todo, por meio
de seu pensamento. Em outras palavras,
a arte é concebida pelos autores como
(re)interpretação do mundo exterior e não
como cópia ou como uma tarefa simplista. No
ato de desenhar, há um ser humano pensante
que observa, percebe, seleciona e organiza
os aspectos mais importantes sob o seu ponto
de vista. Assim, a arte, para a criança, é
de suma importância porque favorece o seu
desenvolvimento perceptual, emocional, social
e contribui para o desenvolvimento do “eu
criador”.
O desenho na Móbileentre as crianças – No segundo
semestre deste ano, propusemos às crianças
mais um desafio: desenvolver um novo olhar
para um espaço tão conhecido, o pátio. Nosso
objetivo principal foi sensibilizar o olhar das
crianças com o intuito de que elas produzissem
desenhos baseados em suas percepções e
pudessem, por meio deles, observar, descrever
e comparar. Para isso, elas passearam pelo
espaço, antes somente de brincadeiras,
ressignificando-o. Escolheram as plantas que
mais lhe agradaram, observaram suas linhas,
formas, cores, sentiram diferentes texturas
de folhas e flores e perceberam inúmeros
detalhes – antes invisíveis – das plantas
presentes no espaço.
Para o desenvolvimento de todas as etapas
desse projeto, ter o trabalho da artista plástica
Margaret Mee como referência foi muito
importante e significativo. Conhecer a maneira
como Margaret interagiu e se relacionou com
a natureza para retratar a flora amazônica foi
um fator fundamental para o desenvolvimento
de um olhar observador e mais sensível
aos detalhes. Além disso, as crianças se
conscientizaram da importância de respeitar
a natureza, antes mesmo de começarem a
produzir suas próprias obras.
Cada um, a seu modo, a partir de suas
vivências, captou detalhes e registrou no
papel plantas como bananeiras, pitangueiras,
manacás, hibiscos. Plantas que sempre
estiveram presentes, mas que passaram
a ter um sentido diferenciado com o
desenvolvimento do projeto, à medida que as
crianças foram adquirindo uma postura mais
observadora. Assim, com lápis e papel, nossas
crianças se tornaram grandes artistas! Autoras
de obras surpreendentes, reconstruindo o
mundo, ressignificando objetos e descobrindo
a si mesmas como protagonistas de suas
histórias.
154 155
156 157
Andreza Martins de Souza, Caroline Fernandes de Oliveira Santos, Paula Tonglet de Vasconcelos,
Roberta Hellena Bossolani de Vita, Robervania Correia Araújo, Thaís Casagranda Neves
são professoras do Infantil 4 e Flávia Bicudo Duran é coordenadora pedagógica dessa série.
Para formar produtores de textos proficientes e autocríticos
A equipe de correção de textos da Móbile é composta por oito profissionais de Letras e
Jornalismo, com experiências variadas tanto na área de educação quanto na de revisão de
textos. Formados, em sua maioria, pela Universidade de São Paulo, nossos corretores, com
suas diferentes bagagens profissionais e culturais, contribuem para o exercício de diversas
atividades relacionadas à produção textual – correção de textos, elaboração de relatórios
e de material didático, atendimento a alunos em Plantões de Dúvidas e em aulas de Apoio
Pedagógico e realização de Oficinas de Produção de Texto – nos cursos das Humanidades, no
Ensino Fundamental II e no Médio. Dessa forma, nossa atuação não se restringe à correção
diária de textos para os cursos de Língua e Produção de Texto (Ensino Médio) e Português
(Ensino Fundamental); ela ocupa papel fundamental nos cursos de História, Estudos Literários,
Ética e Cidadania e Filosofia.
Por acreditarmos que a redação escolar não é um mero exercício didático, mas uma
ferramenta essencial de expressão para os nossos alunos, temos por norte a observação dos
textos, antes de tudo, como leitores reais, capazes de se entusiasmar ou sofrer estranhamento
diante do que leem. Isso explica, também, por que convidamos dois jornalistas para integrar
nossa equipe. Queríamos, com isso, ampliar nosso olhar sobre as produções textuais,
recusando o mero exercício de “caçar” erros e “enquadrar” os estudantes nas categorias de
“bom” ou “mau” produtor de texto, como é comum na prática de correção de redações em
muitas escolas. Buscamos, ao contrário, entender os desvios como eventos que fazem parte do
processo de aprendizagem das crianças e jovens que estudam na Móbile. Buscamos meios de
Leia mais....
MÈREDIEU, Florence de. O desenho infantil. São Paulo: Cultrix, 2006.
DERDYK, Edith. Formas de pensar o desenho: desenvolvimento do grafismo infantil.
2ª ed. São Paulo: Editora Scipione, 1994.
LOWENFELD, Viktor; BRITTAIN, W. Desenvolvimento da capacidade criadora.
São Paulo: Editora Mestre Jou, 1977.
158 159
intervir nesses problemas de maneira processual. Assim, nunca deixamos de indicar ao aluno
que ele cometeu um erro, mas lhe damos condições para entender por que errou e como seria
possível evitar tal deslize (ver exemplo a seguir).
Ao tomarmos tais preceitos como norteadores de nossa conduta, estamos preocupados
com as exigências em relação à produção de texto na vida adulta e com os parâmetros
adotados nos concursos vestibulares e no Enem. Por isso, desenvolvemos, em conjunto com os
professores de Português, um consistente trabalho com os gêneros textuais mais relevantes,
ao longo dos sete (fundamentais) anos em que acompanhamos os estudantes da Móbile. Desse
modo, intentamos incutir nos jovens a capacidade de comunicarem, por escrito, ideias de forma
clara, organizada e profunda, deixando de lado as abordagens mais generalizantes e tendo
como base os elementos que estruturam notícias, contos, crônicas, cartas argumentativas,
artigos de opinião etc.
Não nos atemos apenas à avaliação dos textos, mas sinalizamos aos alunos os tipos
de erros, adequando os apontamentos aos conhecimentos relativos a cada nível de escolaridade
deles. Nos casos em que os textos serão reescritos para a avaliação definitiva, fazemos
observações sobre possibilidades de melhora, de modo a agregarmos um direcionamento à
nova produção (ver exemplo a seguir).
(Trecho de texto dissertativo-argumentativo de aluno do 3º ano do Ensino Médio, seguido dos respectivos apontamentos feitos por um dos corretores da Escola Móbile. Trata-se de uma produção para o curso de Filosofia segundo a qual o aluno deveria dissertar com base na seguinte pergunta: “É possível afirmar que a liberdade proposta na Modernidade só tornou-se real na pós-modernidade? Utilize a dicotomia razão crítica x razão técnica na construção da sua argumentação.)
(Trecho da 1ª versão de um texto narrativo de aluno do 6º ano do Ensino Fundamental. Trata-se de uma atividade de escrita e reescrita segundo a qual os alunos deveriam criar uma história de herói e vilão.)
160 161
Com base nos apontamentos feitos por nós, o aluno reescreve o texto, apresentando a
segunda versão (ver exemplo a seguir).
Além do trabalho com correção de textos, somos responsáveis, ainda, pela elaboração de
relatórios sobre todas as correções que fazemos. Neles, apontamos pontos de crescimento
apresentados em cada atividade e indicamos aqueles aspectos que precisam ser aprimorados
pelos alunos. Por meio desse tipo de documento, os professores têm condições de avaliar,
inclusive, o alcance do trabalho que realizaram em sala de aula.
Havendo necessidades mais específicas de retomada de determinados aspectos
problemáticos, verificados em determinadas produções feitas pelos alunos (problemas de
coesão e coerência, não domínio do tópico frasal etc.), somos solicitados a elaborar material
didático destinado às Oficinas de Produção Textual, ministradas pela própria equipe de correção
para pequenos grupos. Nesse tipo de aula, reunimo-nos com os estudantes, convocados
anteriormente pelo professor, para discutirmos diversos temas de redação, analisarmos textos
de diferentes gêneros, dependendo do que estão estudando no momento, e procuramos retomar
as técnicas redacionais estudadas durante as aulas regulares de Língua e Produção de Texto ou
Português.
Além das oficinas, também somos responsáveis pelo atendimento de alunos do Ensino
Médio em Plantões de Dúvida e de alunos do Ensino Fundamental II em encontros denominados
Apoio Pedagógico. Para essas atividades, apenas os alunos do Ensino Fundamental são
convocados, enquanto os do Ensino Médio, mais autônomos, podem comparecer a elas sempre
que sentirem necessidade ou quando sugerimos que o façam.
Dessa maneira, organizamos nosso trabalho em conjunto com aquele que é realizado
pelos professores, atentando para o rendimento apresentado pelos alunos e procurando
respaldá-los, a fim de terem as mais diversas oportunidades de discussão dos próprios textos e
de refletirem sobre seu trabalho como escritores. Muito longe de sermos os temidos “fiscais da
língua portuguesa” (!), somos um grupo de profissionais focados em formar leitores e autores
profícuos e conscientes dos mecanismos linguísticos mais adequados para se expressarem por
meio da língua escrita. Tarefa, sabemos, nem sempre fácil, mas certamente gratificante.
Ana Paula Barbosa Tietze coordena os corretores da Móbile, equipe formada por André Luis
Reis Fernandes, Danilo Alves Vasques Pereira, Felipe Figueiredo Chaves, Jorge Luis Teixeira,
Kátia Klassen, Luigi Parrini e Regina Margaret Pereira.
(Nota-se que o aluno fez modificações significativas em seu texto, procurando evitar, por exemplo, a repetição do termo lua negra.)
#Móbile na Metrópole: o controle social
Início do ano letivo de 2013. Os professores das disciplinas de História, Geografia e Filosofia
articulavam seus cursos para desenvolverem uma trama conceitual que permitisse que os alunos
do 2º ano pudessem pesquisar, refletir e experimentar novos saberes. Ou melhor, sabores.
Mesmo sem ser anunciado oficialmente para os alunos, o Projeto “Móbile na Metrópole: o
controle social” teve como início, além das aulas em si, a apresentação do monólogo Tentativa,
protagonizado pela atriz Tatiana Schunk e dirigido por Henrique Scheafer. A personagem, uma
mulher incomodada com a vida que leva, destila um discurso ácido sobre tudo que a irrita:
“Me irrita quem entra sem pedir licença. Me irrita quem invade meu espaço.[...] Me irrita a
fumaça, me irrita lixo na rua. Me irrita não ficar feliz toda hora, me perceber frustrado, as pessoas
que falam uma coisa e fazem outra sem se dar conta. Me irrita não ser ouvido, não ter chance
de falar, não ser reconhecido, ir a médicos que não te olham na cara. [...] Me irrita gente que tem
justificativa pra tudo, a mentira, gente que só enxerga o próprio umbigo, gente que acha tudo
normal.”
A dureza dessas falas acabou por convidar os estudantes da Móbile a pensar sobre a vida
que levam e sobre a cidade que habitam... Mas, mais do que saber que existem problemas em
uma sociedade e em uma cidade como São Paulo, queríamos que essa compreensão passasse
pela pele desses jovens, e não apenas pela razão. Mais do que saberes novos, queríamos que
os alunos experimentassem sabores novos. Desejávamos que entendessem que a experiência
é algo singular, intransferível, incapaz de ser traduzida por palavras. Nas palavras de um dos
teóricos que embasaram nosso trabalho, o educador espanhol Jorge Larrosa Bondía, em Notas
sobre a experiência e o saber de experiência:
“A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa,
não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo,
quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos
aconteça.”
Diante de uma sociedade veloz, de uma relação com a informação como se esta fosse
conhecimento, a técnica sobrepondo a crítica e a vida virtual se expandindo a níveis
inimagináveis, o Projeto de Humanidades do 2º ano tinha como objetivo ampliar o olhar e a
experiência dos alunos por meio de um processo de pesquisa e de um estudo da própria cidade
em que eles vivem.
Em princípio, “viajar” para São Paulo pareceu muito estranho para todos os alunos, para
alguns pais e também para parte dos professores. Pareceu-lhes, em outras palavras, uma
proposta nada sedutora à primeira vista. Foi preciso, então, convencer todos os envolvidos de
que os ganhos pedagógicos seriam significativos, do ponto de vista acadêmico e de formação
pessoal. Ampliados os diálogos com os alunos, detalhando-se mais os roteiros de estudo,
chegamos a uma adesão de 90% dos estudantes do 2º ano. Enfim, lá fomos...
Pioneiro Estudo do Meio do 2º ano do Ensino Médio surpreende ao desafiar os alunos a enfrentar a “dura poesia concreta” de uma metrópole.
163
“Eu não poderia imaginar, por mais que tivéssemos planejado quase tudo, o que
iríamos viver. O prazer de ser surpreendido pela experiência é fantástico. Obrigado a
todos que correram o risco juntos.”Professor Felipe Corazza
165
– Os primeiros
passos pela cidade foram
cautelosos, com os alunos
desvelando impressões
prévias e transformando-as,
ou não, em constatação.
Com o passar das horas,
com as primeiras catracas
superadas, alguns quilômetros
percorridos, a relação de afeto
entre os estudantes e a cidade
começou a se estreitar. O que,
em princípio, era apenas uma
relação distante começou a
virar um namoro. Ou melhor,
um flerte que antecede a
‘ficada’ – como eles dizem.
Todos nós fomos ficando mais
à vontade, tendo tranquilidade
para a curiosidade ocupar
nossos olhares. Foram muitos
lugares, muitos roteiros,
muitas pessoas, muitas
surpresas. Dos destinos mais
óbvios, como a Catedral da
Sé, o Teatro Municipal, até
a visita a uma ocupação
promovida pelo Movimento
dos Trabalhadores Sem Teto
e a um centro budista no
bairro da Liberdade, ou a
vivência de uma oficina de
Parkour na Praça Roosevelt,
até a pedalada na ciclovia
da Marginal Pinheiros,
todas essas experiências
nos provocavam e nos
transformavam. Vivemos ali
uma nova situação.
Em um mundo repleto de
informação, como poderíamos
ser surpreendidos por algo
desconhecido? Já lemos
tudo, assistimos a vídeos,
traduzimos instantaneamente
a vida no Google, consultamos
todos os oráculos virtuais.
Existe algo que não saibamos?
Mesmo tendo a possibilidade
de, em dois minutos, acessar
o smartphone? Esperto é o
telefone. Nós precisamos
de um pouco mais. De
mais gente, de mais suor,
de mais sentidos, de mais
contradições, de muito mais
problemas e paixões.
Foram três dias e duas
noites de surpresas. Ficamos
surpresos conosco. Com o
modo como nos tratamos, com
a maneira como cuidamos uns
dos outros pelas ruas, com os
olhares que trocamos. Ficamos
surpresos de perceber que a
vida pode ser mais doce; que
o novo, apesar de assustador,
pode ser inspirador. Falando
em noites, não podemos nos
esquecer de um momento
único: o sarau. (Um dia,
contarão por aí que alunos
da Móbile fizeram o primeiro
Sarau #MobilenaMetropole
na Praça Roosevelt em 2013.
Foi em um teatro chamado
Miniteatro: 160 pessoas
espremidas para compartilhar
instantes, canções, piadas,
danças e poemas. Foram as
duas horas mais partilhadas
que pudemos experimentar.
Das piadas do Enrico até a
sanfona do César, da ópera
do Caio até a dança da
Cássia e do Pascal, vivemos
momentos diferentes. Nós nos
vimos de outras maneiras,
nos percebemos com novos
olhos. Olhos mais gentis,
menos duros, mais dispostos
à vertigem.)
A disposição para o incerto
permitiu que mergulhássemos
em São Paulo, na nossa
cidade, na metrópole de
A cidade
todos, nativos e estrangeiros.
Reparamos em cada detalhe,
cada pessoa, cada movimento,
na arquitetura, no grafite,
na pichação, reparamos em
cada via pública. O olhar
atento contribuiu para que
os estudantes despertassem
ou aprofundassem questões-
problemas que estavam sendo
criadas e pesquisadas por
eles. O tema ‘O Controle Social’
possibilitou que os alunos
abordassem questões muito
diversas para a construção
de um belo seminário final.
Das “Cores na cidade”, da
“Mídia e o consumo” até o
“Ritual na alimentação do
século XXI” ou os “Enclaves
fortificados na construção de
uma cidade”, foram muitos
os trabalhos que mostraram
autoria, formalização e
pesquisa acadêmica na área
de Humanidades. A equipe
de professores, assim como
o grupo de alunos, ficou
satisfeita com o que todos
construíram.
Construir um projeto de
pesquisa no Ensino Médio, ao
longo de um ano inteiro, é
um privilégio em tempos de
imediatismo. Poder vivenciar
um processo e entender que
o tempo amadurece escolhas
permite ver e rever e possibilita
alguns aprendizados que
não podem facilmente ser
medidos, é constatar que
ainda faz sentido produzir
movimentos diversos dentro
de uma escola. A educação
de nossos jovens, ao contrário
do que o mundo sugere, é para
que eles se tornem cidadãos,
e não consumidores, como
diria nosso “amigo”, o mais
que geógrafo Milton Santos.
Um estudodo meio vivido
A proposta de um trabalho
centrado na experiência
permite que a teoria seja
pensada sob a perspectiva do
vivido de fato. Dessa forma,
os alunos passaram por um
processo de elaboração
do trabalho que permitiu
desenvolver a pesquisa no
seu sentido mais abrangente.
Isso corresponde ao estímulo
e direcionamento do trabalho
oferecido pelo planejamento
de ciclos de pesquisa
envolvendo a práxis teórica
e empírica, alternando
estratégias de leitura e
discussão e possibilidades
de observação do cotidiano,
construindo uma complexa
relação entre o conteúdo
acadêmico escolar e a
busca por uma compreensão
profunda sobre a realidade
em que nos inserimos como
sujeitos críticos e cidadãos.
Mais do que observadores,
buscamos inserir nosso
educando como parte ativa
de seus objetos de estudos.
Ao entender-se como parte
do que é estudado, pretende-
se criar a consciência de que
esse universo que nos cerca é
passível de crítica, e mais, de
transformação.
No transcorrer dos trabalhos,
o tema do “Controle Social”
foi apresentado junto a uma
variedade de textos que
se aproximam das muitas
possibilidades de reflexão
abertas. Partindo do estudo
interdisciplinar sobre a
formação histórica, espacial,
cultural e ideológica que
envolve a cristalização da
sociedade industrial, os
alunos foram convidados a
pensar sobre o modo de vida
que, longe de ser natural, é
produto de determinado modo
de organizar a produção e,
por consequência, social
e política. Profundamente
afetados pela tecnologia e
pelo modelo cosmopolita de
organizar sua visão de mundo,
os alunos foram provocados
a questionar sua própria
inserção como cidadãos. Em
outras palavras: a experiência
e a cidadania revisitadas no
espaço da metrópole.
A teoria proposta pelos
educadores deveria embasar
o olhar dos alunos sobre o
vivido, ressignificando-o
sob a luz da teoria. Após o
estudo realizado na escola
e já com uma questão-
problema previamente
elaborada, partimos para
a experiência do campo.
Vivendo as contradições
e novidades abertas pela
metrópole, os alunos foram,
aos poucos, percebendo o
quanto eles estavam distantes
de um cotidiano urbano que
pensavam conhecer. Essa
constatação instigou ainda
mais o descobrimento de
novas perspectivas teóricas
sobre sua questão inicial.
Recolhemos material, dados,
impressões, conversas e
trocas de conhecimento que
prepararam a nova etapa do
trabalho. Depois de todo o
vivido, os alunos tiveram a
missão de reunir, sintetizar,
organizar e redefinir a pro-
blematização inicialmente
proposta.
Como resultado, todos
apresentaram seminários
nos quais foram elaboradas
possibilidades de encaminha-
mento dos problemas pro-
postos. Os mais variados
temas foram apresentados
(alimentação, urbanismo,
conflitos urbanos, movimentos
sociais, saúde, lazer, entre
outros). Com isso, ampliou-se
o repertório de perspectivas
e olhares sobre a cidade, e
pudemos, todos, confirmar o
quão enriquecedor, tanto do
ponto de vista humano quanto
teórico, demonstrou-se o
processo de pesquisa, estudo
e formulação do trabalho
como um todo.
166
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do
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o.
3Rs: reduzir, reciclar e reutilizar materiais em sala de aula
Hoje, só crescem a discussão ambiental e a conscientização sobre
a necessidade de preservação do meio ambiente. O conceito de
desenvolvimento sustentável vem sendo disseminado desde as últimas
décadas, trazendo a ideia da utilização dos recursos naturais sem
desperdício, de modo a não esgotá-los para as futuras gerações.
O homem, sendo parte integrante desse sistema, deve cuidar dele,
preservá-lo e mantê-lo pensando no futuro. É preciso rever a forma
como estamos lidando com o ambiente. Desmatamento, queimadas,
caça e pesca predatórias, poluição, desperdício de água, resíduos com
destinação final inadequada, entre outros problemas, estão acabando
com a saúde do planeta.
Faz-se necessário que cada um de nós respeite o local onde vive,
reduzindo o consumo, muitas vezes desnecessário, reciclando e
reutilizando os resíduos, bem como modificando comportamentos e
atitudes relacionados aos cuidados com a natureza.
Foram esses e outros questionamentos acerca do meio
ambiente que levaram os alunos do Infantil 5 a pesquisar sobre a
sustentabilidade ambiental. Nosso foco não estava apenas na teoria,
mas na prática. Seria possível transformar lixo em arte? Dar utilidade
àquilo que parecia ser tão desnecessário? Como fazer a separação
do material produzido por nós e, se necessário, descartá-lo de modo
adequado? Essas foram algumas das questões que nos inquietaram.
A resposta veio rapidamente: REDUZIR, RECICLAR, REUTILIZAR. Assim,
as crianças tiveram a oportunidade de vivenciar os “3Rs” por meio dos
estudos que realizaram sobre a “Sustentabilidade Ambiental”.
Nossos alunos observaram a quantidade de lixo que produzem durante
uma semana no ambiente escolar e registraram em um painel todas as
informações coletadas nas pesquisas e em suas constatações.
A preservação do meio ambiente começa com pequenas atitudes
diárias que fazem a diferença, como a reciclagem do lixo. A separação
traz significativas vantagens. Uma delas é a diminuição da quantidade
de dejetos que são depositados nos lixões ou aterros sanitários, bem
como o reaproveitamento de materiais que seriam descartados de
modo equivocado nesses locais e prejudicariam o meio ambiente.
Segundo a última Pesquisa Nacional de Saneamento Básico realizada
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são recolhidas,
no Brasil, cerca de 250 mil toneladas diárias de lixo, resultado da
169168
Alunos do Infantil 5 participamde projeto sobre preservaçãodo meio ambiente.
“Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.”
Antoine Lavoisier
171170
proliferação das indústrias, dos processos de urbanização e da
utilização desenfreada dos recursos naturais. Mais da metade desses
resíduos é jogada, sem qualquer tratamento, a céu aberto. Com isso, o
prejuízo econômico e ambiental torna-se mais acentuado.
Depois dessas investigações iniciais, nossos alunos tiveram uma missão
a cumprir: listar os diferentes destinos do lixo doméstico a partir de
pesquisas realizadas em livros, vídeos e revistas e analisar coletivamente
essas informações. Eles concluíram que o lixo está presente em nosso
meio e identificaram os problemas ambientais causados pelo descarte
inadequado desse material. Por fim, as crianças elencaram diferentes
formas de coleta e destino do lixo, além de entrarem em contato com
informações acerca do período de decomposição de alguns materiais.
Coleta seletiva
Sabe-se que a separação na fonte evita a contaminação dos materiais
reaproveitáveis, aumentando o valor agregado deles e diminuindo os
custos de reciclagem.
Para iniciar um processo de coleta seletiva é preciso avaliar, quantitativa
e qualitativamente, o perfil dos resíduos sólidos gerados em determinada
localidade, a fim de estruturar melhor o processo de coleta.
Com a coleta seletiva, são possíveis a reutilização, a reciclagem, a
compostagem, o aumento do tempo de vida dos aterros sanitários e o
menor impacto ambiental.
Assim, nossos alunos classificaram o lixo pelo tipo e aprenderam
que cada elemento tem determinado descarte (em uma lixeira de
cor específica que segue um padrão mundial). Com propriedade, as
crianças separaram o material orgânico que era acondicionado em uma
composteira confeccionada por elas.
173172
O que é reciclável?
As crianças aprenderam que é reciclável todo resíduo descartado
que constitui interesse de transformação de partes ou seu todo. Esses
materiais poderão retornar à cadeia produtiva para virar o mesmo
produto ou produtos diferentes dos originais.
Ao longo do projeto, as crianças aprenderam sobre o uso adequado e
a maneira de renovação de certas matérias-primas e compreenderam
que a maioria do lixo produzido pelas pessoas pode ser reciclada ou
reutilizada. Identificaram e selecionaram, ainda, quais os materiais
podem ser reciclados ou reaproveitados.
A reutilização também é uma forma de redução, pois os produtos
permanecem mais tempo em uso antes de serem descartados, evitando-
se desperdícios e gerando menor consumo. Reaproveitar objetos
ou embalagens sem que eles sofram qualquer tipo de alteração ou
processamento complexo (só passam, por exemplo, por limpeza) é
uma das formas de dar nova utilidade àquilo que seria descartado.
Existem inúmeras formas de reutilização, dependendo da criatividade
do gerador.
A mudança de atitudes e a formação de novos hábitos com relação
à utilização dos recursos naturais foram evidentes nesses grupos do
Infantil 5 e, para registrar que é possível mudar hábitos e transformar
lixo em arte, nossos alunos socializaram conhecimentos adquiridos
sobre o reaproveitamento de materiais descartados e montaram,
ao final do projeto, uma exposição produzida a partir de materiais
reaproveitados (brinquedos, jogos, instrumentos musicais etc.) na sala
de Artes Cênicas da Educação Infantil.
Os visitantes tiveram a oportunidade de apreciar a exposição e pensar
sobre o papel de cada um na relação com o meio ambiente.
Professoras do Infantil 5: Ana Christina Calderelli Nebó, Fernanda
Campanhã Rodolfo, Lilian Henne Éboli, Monica Ferreira Alves
Conte, Paula Fernanda Parra de Oliveira, Renata Santana Maltempi.
Orientadora Pedagógica: Andréa Gonçalves de Oliveira Assumpção.
Copos descartáveis,sacolas e sacosplásticos, CDs,disquetes, embalagensplásticas, embalagenstipo PET, canos e tubosplásticos em geral.
Jornais e revistas,caixas em geral,aparas de papel,fotocópias,envelopes, cartazesvelhos, papel de fax,embalagens tipolonga vida.
Tampinha de garrafa,latas de óleo, leite em pó e conservas, latas de refrigerante,alumínio, embalagensmetálicas decongelados.
Recipientese frascos emgeral, garrafas de bebidas, copos, potes de produtos alimentícios, cacos.
Restos de comida,papel higiênico,lenços de papel,guardanapos,absorventes.
“A responsabilidade social e a preservação ambiental significam um
compromisso com a vida.”João Bosco da Silva
A exploraçãode temas globaisnas aulas de Inglês
Quais os problemas ambientais que enfrentamos hoje? O que podemos fazer para conservar
e proteger nosso planeta? Questões como essas têm despertado grande interesse nas aulas de
Inglês, quando os alunos do 4º ano do Ensino Fundamental se deparam com um desafio: usar
a língua inglesa para discutir assuntos relacionados à sustentabilidade, incorporando novos
conhecimentos linguísticos, e desenvolver suas próprias “dicas ecológicas”, para produzir vídeos
com imagens e mensagens sobre temas ambientais.
Com o objetivo de proporcionar uma aprendizagem significativa e contextualizada da língua
inglesa, o projeto Going Green parte de conhecimentos prévios dos alunos, apresentando ao
longo de suas diversas etapas oportunidades para a ampliação do repertório linguístico, o
desenvolvimento do senso crítico e a construção de novos saberes. Tomando o conhecimento
da língua estrangeira como uma ferramenta de compreensão, reflexão e intervenção sobre a
realidade que nos cerca, lançamos mão de questões problematizadoras para que os alunos
assumam uma postura questionadora e ativa diante de seu próprio aprender.
Segundo os educadores espanhóis Fernando Hernández e Montserrat Ventura (1998),
projetos “geram um alto grau de autoconsciência e significatividade nos alunos, com respeito
à sua própria aprendizagem”. Motivados pela possibilidade de autoria de seus Going Green
videos, os alunos buscam a aquisição dos recursos linguísticos necessários para expressar
suas opiniões, discutem, elencam com seus parceiros as ideias mais relevantes e interagem em
situações comunicativas, em que o uso do idioma se dá de maneira autêntica.
Para formular suas teses, Hernández e Montserrat baseiam-se nas ideias de John Dewey,
filósofo e pedagogo norte-americano, que defendia a relação da vida com a sociedade, dos
meios com os fins e da teoria com a prática. Os teóricos espanhóis defendem que os projetos são
uma forma de organizar a atividade de ensino e aprendizagem ou os conhecimentos escolares.
Ao revisitarmos, nas aulas de Inglês, alguns temas explorados anteriormente como conteúdos de
ciências, repensamos hábitos, discutimos causas e efeitos, problemas e soluções, expandindo os
limites de nossa sala de aula.
Desafiados cognitivamente quando expostos a materiais e recursos diversos, como o livro
The Earth Book, canções, vídeos de campanhas ecológicas e apresentações com informações
sobre questões específicas, os alunos têm a chance de lidar com diferentes fontes de informação
e com a ferramenta tecnológica Windows Movie Maker. O contato com recursos tecnológicos
de comunicação e a autoria são também objetivos do projeto, que visa garantir não apenas
a compreensão de conteúdos linguísticos, mas também o uso prazeroso e autêntico dos
conhecimentos e das habilidades em desenvolvimento.
174
Projeto Going Green: a integração de linguagens e recursos pedagógicos e tecnológicos para uma aprendizagem significativa da língua inglesa.
In the end we will conserve only what we love. We will love only what we understand. We will understand only what we are taught.
Baba Dioum, Senegalese Conservationist175
As etapas do projeto
O ciclo de aprendizagem que denominamos
Going Green tem como atividade disparadora a
leitura compartilhada da obra The Earth Book, de
Todd Parr. Trata-se de um texto acessível, divertido e
leve, que permite diferentes níveis de interpretação,
dependendo da idade e da maturidade do leitor.
Partimos da apreciação do texto e das ilustrações (apresentados, também, em formato de um
vídeo em que o próprio Parr faz sua leitura em voz alta). Depois, exploramos as novas palavras
e frases que compõem a obra. Ao compreendermos e registrarmos esses novos conteúdos
linguísticos, construímos um repertório de Green Tips e levantamos as ideias que podem ser
empregadas nos vídeos a serem produzidos posteriormente pelos alunos.
O trabalho com o texto de Todd Parr nos traz como desafio o aprofundamento da leitura,
por meio da inferência e da discussão de significados implícitos. Expressando-se em inglês de
maneira simples, com palavras e frases curtas, associadas, os alunos são capazes de contribuir
para a construção de relações entre ações, fenômenos e consequências, “explicando” o que o
autor quis dizer com imagens e palavras aparentemente simples.
Continuamos, então, a discussão dos problemas ambientais com perguntas mais específicas,
tais como: “O que é Global Warming?”; “Por que reciclar?”; “Como reduzir a poluição do ar?”,
entre outras. Esses assuntos são desenvolvidos em inglês com a participação ativa dos alunos
durante apresentações de slides, vídeos, canções e atividades orais e escritas de consolidação
dos novos conteúdos. Um exemplo de uma atividade que tem despertado bastante o interesse dos
alunos, entre outras, é o questionário intitulado “Are you a Green Kid?”, que propõe a reavaliação
dos hábitos dos alunos a partir de perguntas e respostas pessoais.
Quando convidamos os alunos a pensar
sobre os conceitos tratados, questionando as
informações apresentadas, notamos que as
ideias podem ser elaboradas coletivamente,
em inglês, com contribuições de vários
colegas, e que os conceitos e opiniões
se transformam à medida que os alunos
interagem.
176 177If I use both sides of the paper,
I’ll help save the planet.
We don’t cut a lot of trees if we
use both sides of the paper.
Yes! Protect the forests, the
habitats, and save the animals.
Teacher
Students
What can we do to reduce air
pollution? Is it better to use the
car or the bus?
The car is better. With the bus…
more pollution…
And the buses in São Paulo have
natural gas.But the bus takes more people!
Teacher
Students
178 179Uma vez percorrido esse caminho de construção dos conhecimentos e desenvolvimento das
ideias, passamos então à etapa de produção do projeto, em que os novos recursos linguísticos e
os conceitos trabalhados podem então ser aplicados.
Em pequenos grupos, os alunos discutem um tema (por exemplo, Global Warming, Endangered
Animals, Recycling, Green Tips, entre outros) e selecionam algumas ideias ou mensagens que
gostariam de incluir em seus vídeos, usando as fichas de trabalho, o livro The Earth Book e outros
registros de aula como referência. Nesse momento, muitos alunos se dão conta de mais coisas
que gostariam de aprender, e perguntas interessantes surgem dessa necessidade de conhecer
mais palavras ou expressões. Há, também, uma preocupação com a qualidade de um trabalho
que será publicado, o que faz com que a devolutiva da professora sobre os textos produzidos seja
recebida com muita atenção.
No laboratório de Informática, chegamos, então, ao momento mais divertido de todo o
processo: quando os alunos interagem com seus pares para selecionar as imagens e utilizar
a ferramenta Windows Movie Maker. É dessa maneira que cada grupo compõe seu vídeo,
acrescentando legendas, créditos, trilha sonora e efeitos especiais à sequência de fotos
inseridas.
Finalmente, a apreciação dos vídeos em classe e a publicação deles no site da escola
parecem validar ainda mais a experiência, pois propiciam a troca de opiniões e a valorização de
todo o trabalho desenvolvido.
Ganhos e resultados alcançados com o projeto
O produto final do projeto Going Green consiste
em um conjunto de imagens com legendas em
inglês e música que comunicam as ideias de cada
grupo, como registro desse envolvente processo
de aprendizagem. No entanto, acima de tudo, o
que resulta de todo esse ciclo de atividades é a
possibilidade de uso do inglês para explorar um tema
amplo, relacionado à vida real e ao conhecimento
de mundo dos alunos.
A leitura de uma obra literária na língua em
que foi criada originalmente e o acesso aos demais
materiais autênticos que utilizamos em classe,
como vídeos e canções, trazem para a sala de aula
o inglês usado em contexto significativo, ampliando
o repertório da língua com palavras e frases sempre
associadas a imagens e situações relacionadas
às questões ambientais. Outrossim, durante todo
esse processo de aprendizagem, os alunos são
convidados a usar seus novos conhecimentos
linguísticos para expressar opiniões e pensar sobre
as questões ambientais discutidas, apropriando-se
dos conteúdos de maneira pessoal.
Outra conquista dos alunos ao final do projeto
é a familiaridade com o uso da ferramenta de
180
produção de vídeo, novidade para a grande maioria
dos alunos de 4º ano do Ensino Fundamental.
Essa habilidade adquirida com o projeto pode ser
transferida a outras situações de aprendizagem, ou
até mesmo a contextos pessoais, fora da escola.
Com a integração de diversos saberes e
habilidades aos conteúdos linguísticos, o projeto
Going Green tem se mostrado uma valiosa
experiência de aprendizagem. Com seus múltiplos
objetivos e recursos, o projeto traz avanços em
termos linguísticos, ao mesmo tempo que dá
aos alunos a oportunidade de usar o inglês e
a tecnologia como ferramentas para explorar e
produzir conteúdos e expressar suas ideias de
maneira ativa, participando intensamente de seu
processo de aprendizagem.
Para conhecer o Projeto Going Green, visite
http://www.escolamobile.com.br/going-green-2012.
Para aprofundar seus conhecimentos...
Project Based Learning | BIE - www.bie.org/
THOMAS, J.W. (1998). Project-based learning:
Overview (Ensino com abordagem de projeto:
visão geral). Novato, Califórnia: Instituto Buck para
Educação.
HERNÁNDEZ, F.; VENTURA, M. A organização do
currículo por projetos de trabalho: o conhecimento
é um caleidoscópio. Trad. J. H. Rodrigues. Porto
Alegre: Artmed, 1998.
Marcia Bernhard de Souza
e Lilian Fraga Tobias são
professoras de Inglês
do Ensino Fundamental I.
Mistério, suspensee terror
Mistério, suspense... o sobrenatural; quem nunca se deparou com esses temas ao assistir a
um filme, ouvir uma história, canção ou ler um livro? Esses elementos, comuns ao gênero literário
gótico, sempre despertaram o fascínio e o interesse das pessoas na busca da superação do
medo do desconhecido e de uma experiência prazerosa. Foi esse interesse, comum a tantas
pessoas, que motivou a equipe de Inglês do Ensino Fundamental II a escolher como material
paradidático para os alunos dos cursos Basic 7 e Basic 8, de 8°e 9° ano, os contos de terror
escritos pelo norte-americano Edgar Allan Poe. Esse material contribuiu para enriquecer o
repertório cultural dos alunos a partir de discussões sobre a importância da literatura gótica e
das narrativas fantásticas.
A literatura gótica surgiu no século XVII, na Inglaterra, com a publicação da obra The Castel
of Otranto (O castelo de Otranto), do romancista inglês Horace Walpole, escrito em 1764. O
gótico apresenta como recursos recorrentes a fantasia e o terror, manifestados por meio de
cenários sombrios, de sentimentos ambíguos e do sobrenatural. Esses elementos servem para
que o leitor questione a chamada realidade, além de suscitar horror e fascínio ao mesmo tempo.
Os romances produzidos no oitocentismo inauguraram um gênero que influencia a literatura até
os dias de hoje.
Alunos de 8º e 9º ano do Ensino Fundamental descobrem o universo da literatura góticae dos contos fantásticos nas aulas de Inglês
“Words have no power to impress the mind without the exquisite horror of their reality.” (Trad.: As palavras não têm o poder de impressionar a mente sem o extraordinário horror de sua realidade.)
Edgar Allan Poe
A literatura gótica foi importante para o surgimento do gênero conto fantástico, narrativa que
explora a oposição entre o real e o fantástico. No conto fantástico, os elementos da literatura
gótica se fundem com os da narrativa fantástica, fazendo com que o leitor entre em contato com
o universo fantástico sem perder, em nenhum momento sequer, a noção da realidade. Por não
perdê-la é que lhe causa surpresa o acontecimento estranho, fora do comum ou aparentemente
sobrenatural que, de repente, parece desmentir a solidez do mundo real até então descrito no
conto. Esse momento de surpresa e de perplexidade é foco da literatura fantástica. Um dos
teóricos mais importantes da história da literatura, Tzetan Todorov, define conto fantástico como
uma dúvida insolúvel entre uma explicação natural e uma outra sobrenatural para os estranhos
fatos narrados.
Todos esses elementos, comuns à literatura gótica e aos contos fantásticos, estão presentes
na obra de Edgar Allan Poe, autor que contribuiu enormemente para a literatura com a introdução
de elementos de terror na produção escrita de sua época. Poe é figura de suma importância para
a criação de um novo fazer literário e para o respeito que esse tipo de literatura alcançou junto
ao público e à crítica especializada.
O universo intrigante e sombrio da literatura de Poe, bem como sua biografia e o contexto
de produção de sua obra, foi apresentado aos alunos como parte dos conteúdos que os
instrumentalizaram a fazer uma análise crítica dos contos lidos. Nesse contexto, a língua inglesa
foi utilizada como ferramenta para que as análises pudessem proporcionar novos conhecimentos
e novas perspectivas culturais.
Os aspectos linguísticos e linguístico-discursivos trabalhados pelos professores, tais como
a seleção vocabular, os implícitos presentes nos textos, a relação dos fatos ocorridos nos
contos com passagens da vida do autor, os tipos de comparação, seja por equivalência ou por
diferenciação, e os conectivos utilizados para tal (“tanto quanto”, “assim como”, “do mesmo
modo” etc.) levaram os alunos a assumir uma postura ativa ante a construção de sentido dos
textos literários, conscientizando-se de sua posição como leitores, participantes ativos na
formação discursiva estabelecida com o autor do texto.
182
9CD - Edgar Allan Poe -
Mirella and Marina
Edgar Allan Poe was born in
Boston, in 1809. Two years
after his birth, Elizabeth, his
mother, died. Some time later,
Edgar’s father left home and
abandoned his two sons and
a daughter. After that, Francis
and John Allan adopted him.
He started studying and in
1827 he published his first
book. The more people die, the
more he writes stories. What
may be happening? Do you
think all these horrible things
happened just in his life? Take
a look at some of his stories.
Trecho do blog
Edgar Allan Poe Project
184 185
O projeto se iniciou com os alunos ouvindo
a canção “Hotel California” (1976), de Don
Felder, Don Henley e Glenn Frey, porque
ela dialoga com os elementos fantásticos da
literatura gótica. Nosso objetivo foi aguçar a
curiosidade dos alunos e refletir sobre o que
há por trás dos versos herméticos, misteriosos
e intrigantes da canção. Tal apreciação
ofereceu recursos para os alunos fazerem a
primeira análise dos contos que estariam por
vir. Eles aprenderam, nessa primeira atividade,
a importância de explorar o vocabulário de
uma letra de canção.
Antes de dar início à leitura dos contos, os
alunos participaram de uma palestra, em língua
inglesa, que discorreu sobre a vida de Poe,
abordando não só momentos relevantes de sua
biografia, como também aspectos importantes
do contexto histórico romântico. Nessa
palestra, estabeleceu-se um paralelo entre as
produções do autor e as possíveis releituras
contemporâneas de suas obras, presentes
em desenhos, seriados, filmes, artes plásticas
e em canções. A relação da obra literária de
Poe com outras formas de arte presentes na
contemporaneidade foi importante para que
os alunos se interessassem mais pelo autor
e percebessem a permanência, em maior ou
menor grau, dos textos que seriam lidos.
Durante a leitura e análise dos contos,
uma das discussões trazidas pelos
professores consistiu na comparação entre
histórias de terror e de suspense. Há muita
controvérsia na definição desses gêneros,
especialmente quando o fantástico ou até
mesmo o sobrenatural aparecem. Para tornar
a discussão mais significativa para os alunos,
escolhemos ilustrar a conversa, de maneira
lúdica, com trechos do longa-metragem
norte-americano O Sexto Sentido, de M. Night
Shyamalan. Ao assistir ao material selecionado,
os estudantes identificaram e analisaram
características comuns aos contos de terror,
presentes nas cenas da obra de Shyamalan,
e foram convidados a classificá-la como um
filme de terror ou de suspense. Com base
em discussões em sala de aula e articulando
todo o conhecimento prévio adquirido acerca
do tema, os alunos concluíram tratar-se de
um filme de suspense, pela mobilização, no
espectador, de sentimentos de incerteza e de
tensão psicológica, numa narrativa enigmática
que adia ou prolonga a resolução de uma
situação apresentada.
Em seguida, foi lido um conto por semana
e as discussões ocorreram em sala. Ao ler as
narrativas curtas, os alunos deveriam realizar
alguns procedimentos e registrá-los no plano
de estudos:
- selecionar fatos marcantes do conto lido;
- relacionar os fatos aos personagens;
- relacionar fatos da história lida com
passagens da vida do autor;
- identificar e listar vocabulário que
caracterize a história de terror.
Etapas do projeto
“Then she lit up a candle and she showed me the way.There were voices down the corridor.I thought I heard them sayWelcome to the Hotel California.” (Versos da canção “Hotel California”, de Don Felder, Don Henleye Glenn Frey. Trad: “Então ela acendeu uma vela e me mostrou o caminho. / Havia vozes no corredor / e acho que eu as ouvi dizer /bem-vindo ao Hotel California.)”
186 187
Um trabalho como esse exige grande
organização e cooperação dos envolvidos. Por
isso, as discussões aconteceram coletivamente
(o compartilhamento das opiniões contribui
para a análise literária). O trabalho coletivo
também tem como objetivo proporcionar aos
envolvidos possibilidades de crescimento nas
relações interpessoais, uma vez que elementos
como tolerância, respeito às diferenças e
negociação permearam o trajeto dos alunos.
Dessa maneira, é importante que as regras de
convivência e respeito sejam retomadas para
um bom aproveitamento de todos.
Em 2012, a produção final culminou em
uma sessão de “contação” de histórias (com a
sala devidamente escura e com lanternas). Os
alunos também foram convidados a escrever
um novo final para a história escolhida ou um
início de um conto de terror. Já em 2013, a
produção final foi um blog, e os alunos tiveram
como objetivo instigar as pessoas a ler os
textos de Poe por meio da disponibilização
de “aperitivos” sobre as histórias. Os alunos
utilizaram elementos de terror dos contos nas
suas produções, selecionando cuidadosamente
um vocabulário que deveria “convidar” o leitor
a se aventurar nesse universo sombrio.
Avaliando esse projeto, vemos que, com
uma leitura mediada pelo professor em sala
de aula, o estudante pode desenvolver um
alto grau de criticidade e estratégias mais
elaboradas e eficientes para a leitura e
interpretação de textos em língua estrangeira,
sejam eles literários ou referenciais. Esse
processo confere ao estudante um arranjo
inestimável de possibilidades de ampliação
do conhecimento de mundo, construindo
uma identidade cultural e uma mentalidade
intercultural. É assim que gostamos de ensinar
língua estrangeira: concebendo-a como
ferramenta de comunicação entre os povos e
promoção da interação com outras culturas.
Paulo Rogerio Rodrigues é coordenador
do curso opcional Inglês Móbile; Elaine
Cristina Miguel é professora de Inglês do
Ensino Fundamental II.
Para saber mais…
BOTTING, Fred. Gothic. London: Routledge, 1996.
LAZAR, Gillian. Literature and Language Teaching: a guide for Teachers and Trainers. Cambridge:
Cambridge University Press, 2005.
MELLO, Camila. Literatura gótica e cinema: narrativas sobre famílias. Todas as Musas, Ano 2, n. 2,
Janeiro-Junho 2011.
MENON, Mauricio. Figurações do Gótico e de seus desmembramentos na literatura Brasileira de 1834 a
1932. Londrina, 2007.
POE. Edgar Allan. The complete illustrated works of Edgar Allan Poe. London: ChancelorPress: 1996.
POE. Edgar Allan. Histórias fantásticas. São Paulo: Ática, 1996. p.-3-4.
POE, Edgar Allan. Historias extraordinárias. Ilustrações Poly Bernatene [tradução Antônio Carlos Vilela].
São Paulo: Melhoramentos, 2010.
YAMAKAWA, Ibrahin. Ensino de língua inglesa: o papel do texto literário na formação do leitor.
Para conhecer mais sobre o trabalho com a obra de Edgar Allan Poe:
Blog feito pelos alunos:
http://poeproject2013.blogspot.com.br
Revista Nova Escola:
http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-2/literatura-ingles-contos-edgar-allan-poe-744831.shtml
Para conhecer mais sobre o estilo gótico e a obra de Edgar Allan Poe:
A literatura de tradição gótica:
http://www.brasilescola.com/literatura/a-literatura-de-tradição-gotica.htm
http://dialogosliterarios.files.wordpress.com/2013/03/45.pdf
http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=926&itemid=2
http://www.spectrumgothic.com.br/literatura/literatura_gotica.htm
Edgar Allan Poe
http://poestories.com
Aplicativo IPoe
https://itunes.apple.com/en/app/ipoe-interactive-illustrated/id507407813?mt=8
Descrição: a recriação por meio de palavras
Aprender a escrever é um
processo que envolve muito
mais do que, simplesmente,
compreender o significado
das letras, uni-las para
formar palavras e organizar
essas palavras para
transformá-las em frases.
Aprender a escrever
envolve reflexão e técnica,
além de constituir um
ato de prazer (sensação
que será, posteriormente,
experimentada pelos leitores
do texto).
Dentre os diversos tipos
textuais com os quais os
alunos trabalham ao longo
do Ensino Fundamental,
como a narração e a
dissertação, há também
a descrição. Descrever
consiste em recriar, por
meio de palavras, algo que
uma pessoa quer dar a
conhecer a outra. Dessa
forma, aquele que não está
vendo, ouvindo ou sentindo
o objeto descrito pode
construir uma imagem como
se estivesse em contato
direto com esse objeto.
Muitos autores da
literatura brasileira ficaram
conhecidos por suas
vivíssimas sequências
descritivas, inseridas em
textos narrativos, auxiliando
seus leitores a construir
a imagem de cenários e
personagens essenciais
para a compreensão da
história. Quem não se
lembra da descrição feita
por Lima Barreto de seu
major quixotesco Policarpo
Quaresma?
189188
Dentro do curso de Língua Portuguesa, alunos do 4º anodo Ensino Fundamental I trabalham com a descrição.
“Quaresma era um homem pequeno, magro, que usava pince-nez, olhava sempre baixo, mas, quando fixava alguém ou alguma coisa, os seus olhos tomavam, por detrás das lentes, um forte brilho de penetração, e era como se ele quisesse ir à alma da pessoa ou da coisa que fixava.” (Lima Barreto, Triste fimde Policarpo Quaresma)
Ou da secura descritiva de nosso maior
regionalista, Graciliano Ramos, para falar
de um cenário árido, habitado pela família
de Fabiano?
“Estavam no pátio de uma fazenda sem vida. O curral deserto, o chiqueiro das cabras arruinado e também deserto, a casa do caseiro fechada, tudo anunciava abandono.”(Graciliano Ramos, Vidas Secas)
191190
Expansão textual
Um dos objetivos do 4º ano
do Ensino Fundamental na
frente de trabalho Produção
de Texto, no ensino de
língua portuguesa, é a
expansão textual. Os
alunos, conhecedores da
macroestrutura do texto
narrativo, trabalham, nessa
série, com a exploração e
o detalhamento das ideias
apresentadas na história.
Para isso, realizam uma
sequência de atividades
sobre descrição.
O trabalho se inicia com a
discussão e a análise de
trechos descritivos. É nesse
momento que os alunos
têm a oportunidade de
comparar diferentes textos
que descrevem o mesmo
cenário ou personagem e
identificar os recursos que
um autor utilizou, realizando
exercícios como o descrito
a seguir:
Na sequência do
trabalho, os alunos são
apresentados a dois tipos
diferentes de descrição:
a objetiva (concreta, com
as características “reais”
do objeto descrito) e a
subjetiva (própria do sujeito
que vê e “sente” os objetos
à sua volta). Para vivenciar
as propriedades dessas
formas de descrever, aos
alunos são apresentados
inúmeros fragmentos,
sempre com a meta de
promover situações
de análise de texto. A
leitura permite a eles a
apropriação de indicadores
textuais que, comumente,
caracterizam as diferenças
linguísticas desses dois
tipos de descrição. O trecho
a seguir configura um dos
exemplos de construção
textual proposto para
análise nas aulas de língua
portuguesa.
Analise os exemplos abaixo:
I - O reino era um lugar muito tranquilo, bonito,
cheiroso e alegre.
II - O reino era um lugar muito tranquilo. Todas as
manhãs, um arco-íris cortava o céu, mesmo que o
sol e a chuva não se misturassem. O ambiente era
de um colorido infinito, pois havia flores em toda
parte. O cheiro delas alegrava os habitantes, assim
como o extraordinário canto dos pássaros. No lago
de águas cristalinas, cisnes nadavam sem pressa.
a) Os dois trechos apresentam a descrição de um
espaço? Justifique sua resposta.
b) Em qual dos exemplos você consegue imaginar
melhor as cenas? Por quê? Discuta com seus
colegas e sua professora e, juntos, construam uma
resposta.
“Acordei assim que o trem parou. Quando
olhei pela janela pude ver a paisagem: os trilhos
terminavam em uma grama verde que se estendia por
um largo espaço. Longe, ao pé de grandes montanhas,
havia uma pequena estrada, por onde duas pessoas
caminhavam. Havia árvores por todos os lados. Elas
formavam uma grande floresta com árvores muito
altas. Um único pinheiro se destacava, sozinho no
gramado.
Pensei em como seria estar perdida em
meio às árvores que pareciam sempre a mesma.
Respirei fundo: cheiro de mato. Só então reparei
na minúscula casa que se erguia em meio àquele
espetáculo da natureza. Ela era toda de pedra e
possuía uma pequena porta e duas janelas.
Ao observá-la senti uma leve tristeza pela solidão que
representava. E pude perceber que ali onde eu estava,
ao lado daquela casa, era o lugar mais lindo que eu já
havia visto. E o mais emocionante. Demoraria muito
tempo para viver aquela maravilhosa experiência
novamente.”
O narrador descreve a casa de duas formas diferentes.
Primeiro, ele expressa características objetivas,
informando de que cor ela é, qual forma possui e onde
está localizada. Depois, ele expressa características
subjetivas, relacionadas à sua opinião e aos seus
sentimentos.
a) Aponte duas características objetivas usadas pelo
narrador.
b) Aponte duas características da casa relacionadas
ao modo como o narrador a vê ou ao que sente por ela.
193192
Os alunos, ao serem
instigados a observar
o emprego de termos
ou comparações muito
particulares – como “linda”
em “linda paisagem” e
“grama verde que se
assemelhava a um tapete”,
dentre outras que carregam
em si traços subjetivos de
quem narra –, passam a
identificar que as palavras
têm uma carga semântica
que depende do universo de
quem escreve ou lê.
Baseando-se na leitura e
na análise de sequências
descritivas, os alunos
reconhecem as partes do
objeto que estão sendo
retratadas e as palavras
utilizadas pelo autor para
caracterizar essas partes,
como os adjetivos e as
locuções adjetivas. Com
isso, além de observarem
que as palavras têm
diferentes funções em nossa
língua, os alunos têm a
oportunidade de ampliar seu
universo lexical, por meio
do uso de outros adjetivos
e locuções adjetivas que
mantenham o sentido
original do texto.
Após colocar em prática
o uso dessas classes
gramaticais em descrições
de pequenos objetos, a
análise continua. Que
outras técnicas um autor
pode utilizar para descrever
uma personagem ou um
cenário, de modo a ser
bastante detalhista para o
leitor? Os alunos observam
que as comparações e
a exploração dos cinco
sentidos humanos também
colaboram para que se
construa uma imagem
completa do objeto descrito.
A partir daí, eles começam
a produzir pequenos
textos descritivos em
que exploram o uso de
adjetivos, as comparações
e a exploração dos sentidos
humanos. Esses textos são
construídos com base na
observação de imagens,
tanto fotografias quanto
pictóricas, e os alunos
constroem descrições
de espaços ou cenas
apresentadas.
Nos momentos de produção,
os estudantes são levados
a refletir sobre os efeitos de
sentido provocados no texto
pelo uso de determinadas
palavras ou expressões.
A escolha do autor, que
opta por uma ou outra
palavra, por um ou outro
recurso descritivo, indica
sua intenção na escrita. A
seleção de uma linguagem
mais ou menos metafórica
faz parte do trabalho do
escritor.
Para descrever
personagens, os alunos
aprendem, também,
a importância não só
do uso dos adjetivos e
locuções adjetivas, mas
das sequências de ações
que levam o leitor a “concluir” as características de quem está sendo retratado. Entendem
que não é preciso dizer que uma personagem é “curiosa” se, ao longo da história, ela for
apresentada como aquela que faz muitas perguntas e quer saber de tudo o tempo todo;
que não é preciso usar o adjetivo “carinhoso” se, ao longo do texto, o pai for apresentado
como aquele que acorda sempre o filho com um beijo, leva-o para passear de mãos dadas,
respeita-o e brinca com ele no parque...
Essa estratégia de descrição é utilizada em exercícios, como os apresentados a seguir, e em
produções de texto narrativo.
Marcella Genzini
João Pedro Giesteira
Depois de analisar e aprender cada uma dessas técnicas de descrição, aos alunos são
propostas diferentes atividades de produção para que as coloquem em prática, tanto em
exercícios isolados quanto dentro de seus textos narrativos:
Alice Cappatto
Juliana Myiazaka
Sofia Sang
195194
Luisa Taouil
Luciana Tomiatto de Oliveira é professora e assistente de coordenação de Língua Portuguesa do 4º ano.
Desenvolveu este trabalho com as professoras Denérida Brás Martins Tsutsui e Bárbara Eliza Alves
Martins, também do 4º ano.
196 197
O desafioda tecnologiaEles estão aí: os tablets fazem parte de nosso dia a dia, das salas de aula. Mas...
O que fazer com esses equipamentos?
Essa pergunta precisa ser feita constantemente pelo educador para
que uma ferramenta tão multifuncional não se torne apenas “um novo
caderno” ou apenas um livro digital, já que as possibilidades de uso
que os aplicativos, lançados diariamente, oferecem vão muito além do
registro de dados e do armazenamento de informações para leitura.
Os desafios
O surgimento dos tablets representa um desafio a todos os envolvidos
no processo educacional: educadores e alunos. Por um lado,
os professores precisam refletir, planejar e criar atividades em que
os recursos tecnológicos potencializem as estratégias pedagógicas
e agreguem ganhos reais à aprendizagem. Perguntas como:
Aluno do 5º ano do Ensino Fundamental utiliza aplicativo sobre corpo humano.
198 199
“Quais são as vantagens de utilizar tablets no ambiente escolar?” e “De que maneira esses
recursos podem, efetivamente, potencializar o desenvolvimento das capacidades dos alunos
e promover maior qualidade ao processo de ensino-aprendizagem?” são fundamentais para
a aplicação competente dos novos recursos digitais oferecidos na contemporaneidade. Por
outro lado, os alunos precisam tomar consciência da prática adequada desse recurso dentro
do ambiente escolar.
É fato: o tablet já é um material de estudo, de pesquisa, de comunicação dos saberes
propostos no decorrer das atividades, e, assim como não se abre um gibi durante a aula
de Matemática porque esse material não está inserido no contexto de trabalho, os alunos
precisam reconhecer que não devem acessar redes sociais ou jogos eletrônicos que não
mantenham relação direta com o que foi proposto pelo professor. Nesse sentido, o professor
precisa orientar e estabelecer combinados sobre o uso apropriado da tecnologia, da mesma
forma que se responsabiliza pelo uso de qualquer outro material em aula.
Contexto
Consciente das inúmeras possibilidades existentes no mercado, a Móbile optou por iniciar
uma investigação a respeito dos aplicativos disponíveis para iPad. Para isso, em 2012,
formou uma equipe especial de Tecnologia Educacional (TE), composta por profissionais de
múltiplas áreas. Paralelamente, disponibilizou diversos tablets a professores, com o intuito
de desmistificar o acesso deles à nova ferramenta e, ao mesmo tempo, incentivar o interesse
por novas metodologias de ensino.
Em 2013, a Móbile adquiriu um número suficiente de tablets para que os professores
tenham a oportunidade de utilizá-los em seus cursos, da Educação Infantil ao Ensino Médio.
Além disso, reuniões de capacitação têm sido planejadas a fim de garantir espaços de
investigação e de experimentação de diferentes aplicativos.
Enquanto professores pesquisam a inserção da ferramenta em
suas aulas, grande parte de nossos alunos já possui tablets
e os utiliza diariamente em atividades variadas, relacionadas,
sobretudo, ao entretenimento. Há, por exemplo, inúmeros
jogos, muitos com potencial educativo, que fazem parte
do cotidiano das crianças. Constata-se, no dia a dia, que o
instrumento não é novidade e não apresenta desafios em seu
uso para elas; pelo contrário, muitas vezes, são elas que nos
ensinam truques e peculiaridades de seu uso.
Alunas do 2º ano do Ensino Médio utilizam o tablet em aula de Biologiapara comparar estruturas anatômicas reais às imagens digitalizadas..
200 201
Alguns ganhos possíveis Caminhos
Observando a qualidade dos resultados
educacionais obtidos, podemos já elencar
alguns ganhos:
• Os alunos demonstram grande motivação
em atividades que utilizam recursos
tecnológicos modernos e dinâmicos.
• A ferramenta possibilita o acesso fácil a
conteúdos multimídia disponíveis na web,
seja em sites de notícias ou acadêmicos,
seja em plataformas de aprendizagem
administradas pelo professor.
• É possível realizar atividades investigativas
nas quais, na mesma mesa de trabalho,
diferentes alunos buscam informações em
variadas fontes, debatendo, argumentando
e elaborando sua resposta ao desafio
proposto pelo professor.
• Torna-se mais simples a captação de
imagens, registro de ideias e elaboração
de trabalhos multimídia em qualquer local,
mesmo longe da sala de Informática.
• Aplicativos específicos permitem a
realização de atividades de análise de
dados, enquetes e sondagens on-line.
• Informações são apresentadas de
forma bastante interessante e instigante
em e-books e aplicativos com material
multimídia.
• É possível carregar menor quantidade de
material escolar, porém com acesso a maior
quantidade de conteúdo.
• A prática do uso da tecnologia como
ferramenta de produtividade pessoal
contribui para a preparação do aluno para o
mercado de trabalho.
Dentre os possíveis caminhos pedagógicos do uso do tablet na escola, apontamos alguns
exemplos interessantes:
• Acesso à web – Videoaulas
Antes mesmo da chegada dos tablets à escola, alguns professores já produziam à videoaulas
como material de apoio aos alunos em seus cursos. Essa modalidade de material didático tem
como característica o uso de recursos multimídia: filmes, animações, fotografias e outros para
produzir aulas gravadas e disponibilizadas na web. Desse modo, a relação professor-aluno
ganha uma nova dimensão, que vai muito além dos limites espaciais e temporais da sala de aula.
É possível, por exemplo, utilizar as videoaulas como disparadoras de algum assunto que será
discutido na aula. Também podem ser utilizadas como instrumento de revisão do conteúdo por
alunos que ainda tenham alguma dúvida, em momentos de estudo individual para as avaliações.
Tem sido comum encontrar alunos sentados no pátio, nos corredores ou na biblioteca estudando
com seus tablets e smartphones sintonizados nas videoaulas preparadas por seus professores.
Exemplos
- Blog da Professora Kelly (História em Fragmentos) - http://historiaemfragmentos.wordpress.com/
- Blog do Prof. Amparo (Videoaulas de Ciências) - http://videoaulasciencias.blogspot.com.br/
• Aplicativos – Pesquisas com o público (alunos)
Desde o momento em que os tablets foram lançados no mercado, a todo instante surgem
aplicativos desenvolvidos especialmente para o ambiente escolar. Uma categoria de aplicativos
reúne ferramentas de pesquisa de opinião, ou questionários on-line, que possibilitam a interação
entre professor e alunos, captando e analisando, em tempo real, respostas do grupo. A equipe de
Matemática do Ensino Fundamental I e II, por exemplo, realizou, ao longo do primeiro semestre
deste ano, diversas atividades que envolviam a aprendizagem de estratégias de cálculo mental.
Nelas, os alunos eram desafiados a resolver problemas e indicar suas respostas no tablet. Essas
atividades possibilitaram que o professor acompanhasse o processo de produção dos alunos, o
tempo que cada um utilizou para a realização das questões e um mapeamento das respostas de
Alunas do 7º ano do Ensino Fundamental utilizam o aplicativo iCell como material de apoio em aula sobre células.
todo o grupo. O conhecimento do professor a respeito das respostas apresentadas pelo grupo
permitiu o levantamento de equívocos nos cálculos e a promoção imediata de discussões sobre
estratégias e conhecimentos acionados na resolução dos desafios propostos.
• A produção de material didático
Outro aspecto bastante interessante dos tablets é a possibilidade, por parte do professor, de criar
material didático multimídia personalizado, que potencialize o interesse do aluno e eleve sua
interação com o conteúdo a um patamar impossível de ser atingido com um material impresso.
É possível e simples transformar fichas, que antes eram apenas impressas, em livros digitais
interativos, com filmes, animações e atividades de verificação do aprendizado (testes). Um
dos exemplos de livros digitais produzidos pela área de Tecnologia Educacional da Móbile é
o e-book “Caixa de Eletricidade”, parte integrante do curso de Física do Ensino Médio. Todo
ano, os alunos do 3º ano recebem como material de aula uma maleta com diversos dispositivos
elétricos e um caderno com atividades para que possam, ao longo do período letivo, construir
uma série de circuitos elétricos, aplicando, assim, seus conhecimentos sobre eletrodinâmica.
Em 2012, a equipe de Tecnologia Educacional da Móbile inovou transformando o caderno de
atividades da Caixa de Eletricidade em um e-book interativo com fotos, vídeos, simulações e
testes, tornando a experiência do aluno ainda mais rica e possibilitando que sua aprendizagem
fosse significativamente mais efetiva. Os alunos fazem download do material para seu iPad e o
utilizam ao longo de toda a sequência didática, de maneira autônoma, como orientador de estudos
e verificador de sua aprendizagem.
Link para download da Caixa de Eletricidade:
https://itunes.apple.com/br/book/caixa-eletricidade-caderno/id597989997?mt=11
Conclusão
Em meio a tantas possibilidades, acreditamos que o esforço na investigação de possíveis
formas de uso dos tablets na escola pode realmente contribuir para a melhoria no processo
de ensino-aprendizagem.
Aulas que utilizam os mais modernos recursos disponíveis de forma integrada ao cotidiano
da sala de aula contribuem para formar alunos motivados e preparados para fazer uso
eficiente da tecnologia em suas vidas. Aguardem novas notícias.
Carlos Eduardo C. Godoy (Amparo), Julio César Del Cioppo Ribeiro
e Felipe Cocco compõem a equipe de Tecnologia Educacional da Móbile.
Alunos do 7º ano do Ensino Fundamental utilizam o aplicativo Socrative em aula de Matemática.Esse recurso possibilita ao professor fornecer feedback imediato sobre a aprendizagem do aluno.
202 203
A compreensão de fenômenos complexos, bem como a construção de uma
interpretação adequada de suas referências, exige a mobilização de saberes
provenientes de diferentes áreas do conhecimento. Assim, as equipes
de Artes, Espanhol e Inglês realizaram um trabalho de reflexão conjunta
para oferecer a seus alunos ferramentas diversas que possibilitaram um
entendimento consistente de determinados acontecimentos históricos e
movimentos artísticos.
Na primeira etapa do desenvolvimento do projeto, os alunos do 8º ano
pesquisaram as condições históricas que propiciaram o surgimento da Pop
Art. Como se sabe, a Segunda Guerra Mundial marcou o fim da hegemonia
artística europeia e apontou os Estados Unidos como novo centro da
arte moderna. Enquanto a arte europeia lutava para se restabelecer em
meio a uma civilização em crise, a arte norte-americana se recheava de
descobertas e invenções, movidas pelo ímpeto criativo dos artistas. O
desenvolvimento econômico estadunidense, decorrente, principalmente,
de exportações para países devastados pela guerra, fez com que o país se
tornasse o centro mercantil do mundo.
Embora tenha surgido na Inglaterra, entre o fim da década de 1950 e o
início dos anos 1960, foi nos Estados Unidos que a Pop Art se manifestou de
forma mais significativa. O crescimento econômico do país e a divulgação
do American dream e American way of life fizeram surgir uma cultura
de consumo, mote da Pop Art, manifestação artística denominada como
“comercial” por autores como E. H. Gombrich. Ironicamente, ao mesmo
tempo que é fruto da condição econômica, esse movimento critica o
consumismo e o ideal do sonho norte-americano.
Intervencoes e cultura de massa: o Pop Art nos EUA e
na Espanha
Intervencoes e cultura de massa: o Pop Art nos EUA e
na Espanha
Intervencoes e cultura de massa: o Pop Art nos EUA e
na Espanha
Alunos dos cursos de Espanhol e de Inglês mergulham no instigante universo da Pop Art
205
206 207
Segundo Giulio Carlo Argan, a Pop Art “expressa não a criatividade do povo,
e sim a não criatividade da massa”. Quando artistas como Andy Warhol
(1928-1987) trabalham com as latas de Campbell’s soup (Imagem 1), Claes
Oldenburg (1929) faz a escultura de um hambúrguer gigante, ou ainda Roy
Lichtenstein (1923-1997) amplia cenas de quadrinhos, estão apelando para
referências norte-americanas de fácil acesso.
Andy Warhol tornou-se um dos ícones da Pop Art por ser capaz de, por
meio da repetição exaustiva das imagens, destituir personalidades de seu
glamour e ideologia e transformá-las em bens de consumo. Ao mesmo
tempo, eternizou as feições de líderes ao transformá-los em obras de arte
cuja função, para muitos, estaria restrita ao aspecto estético.
A Pop Art na sala – Os principais acontecimentos e características
relacionados ao movimento da Pop Art foram discutidos ao longo das
aulas de Inglês, e os alunos foram convidados a participar de uma
palestra ministrada nessa língua. Paralelamente às discussões promovidas
nos encontros com os professores de Inglês, nas aulas de Artes, os
alunos conheciam, analisavam e aprendiam as técnicas empregadas pela
Pop Art.
No curso de Espanhol, por sua vez, a primeira etapa do trabalho consistiu
no estudo da repercussão da Pop Art na Espanha e na análise de seu
tom político, que se caracterizava como um marco de referência de uma
sociedade e cultura que ainda sofria a repressão da ditadura de Francisco
Franco (1939-1975).
Nesse cenário, destacou-se o grupo valenciano Equipo Crónica (Imagem 2),
formado em 1964 por Rafael Solbes (1940-1981), Manolo Valdés (1942) e
Juan Antonio Toledo (1940), que logo se desligou do grupo. Segundo a
reportagem do jornal espanhol La Vanguardia, na ocasião do aniversário
de 40 anos do grupo, “suas imagens partiam da capacidade do espectador
para ler as entrelinhas e reconhecer os ícones coletivos, a crítica social e
política, além das consignas antifranquistas. (...) O humor resguardava o
grupo da ira da censura do governo”. Imagem 1
Imagem 2
208 209
Em suas primeiras obras, pode-se observar uma influência da Pop Art norte-
americana, sobretudo pela utilização de imagens procedentes dos meios
de comunicação. Desse período (1964-1966), destaca-se a emblemática
¡América, América! (1965), em que a repetição da figura do personagem
Mickey Mouse é interrompida pela imagem de uma explosão atômica –
referência à bomba que os Estados Unidos lançaram sobre o Japão durante
a Segunda Guerra Mundial (Imagem 3).
De acordo com Facundo Tomás, “do ponto de vista formal, o grupo usava
recursos plásticos dos meios de comunicação em massa e participou
da grande corrente internacional que foi a Pop Art. No entanto, não se
limitaram a constituir uma espécie de sucursal espanhola do pop, uma vez
que manifestavam sua personalidade através de um processo criativo que
os distinguiu dos demais grupos”. Sua singularidade se expressava por meio
de uma espécie de crônica sobre a sociedade espanhola, tendo, muitas
vezes, como base referências canônicas da História da Arte na Espanha.
Um bom exemplo dessa intertextualidade são as várias intervenções que
Equipo Crónica fez em obras do renomado pintor espanhol Diego Velázquez
(1599-1660).
Para tornar mais produtivo o estudo que se fazia acerca da intervenção
contemporânea sobre a referência clássica, foi trabalhada nas aulas de
Espanhol a obra de Velázquez como um paradigma da pintura espanhola
do século XVII. Obras emblemáticas como Las meninas (o La família de
Felipe IV, 1656) (Imagem 4) foram apresentadas ao grupo para discussão de
seus elementos históricos e estéticos. Posteriormente, foram apresentadas
intervenções feitas por Solvés e Valdés sobre o clássico pintor (tão
conhecido por sua relação com a corte espanhola). Por ser uma referência
fundamental da História da Arte, e mais especificamente da História da
Arte Espanhola, a obra de Velázquez foi uma base importante para as
intervenções do Equipo, conforme demonstram obras como La salita
(1970) (Imagem 5), trabalho no qual o grupo valenciano mantém alguns
personagens de Las Meninas e recria um espaço completamente diferente
em relação a seu ambiente aristocrático original. A intervenção feita pela
dupla provoca a reflexão sobre uma sociedade que faz uso dos meios de
comunicação e consome objetos comuns da vida cotidiana.
Imagem 3
210 211
Imagem 4 Imagem 5
A partir do estudo das principais características da Pop Art e das propostas
artísticas de Warhol e do grupo Equipo Crónica, principalmente, promoveu-
se uma discussão relacionada aos personagens históricos transformados
em mitos populares por esse movimento artístico. Nota-se, por exemplo,
que nos trabalhos de Warhol não há distinção entre a estrela de Hollywood
Marilyn Monroe, o presidente norte-americano Ronald Reagan ou o
revolucionário Che Guevara (ver boxe informativo a seguir).
Che Guevara é de autoria do norte-americano Gerard Malanga, artista que trabalhou
ao lado de Andy Warhol. Em 1968, às voltas com problemas financeiros, Malanga
teve a inusitada ideia de criar uma obra fazendo-se passar por Andy Warhol.
A falsificação logo foi descoberta, mas, para impedir a prisão de Malanga, Warhol
disse que a obra era sua e, desde então, deteve os direitos sobre ela. A foto de Che
é reproduzida em série, o que banaliza sua força simbólica. As cores fortes lembram
anúncios publicitários, feitos para vender produtos industriais. Além disso, a obra é
um pôster, elemento-símbolo da cultura pop e passível de réplica. Desse modo, o
artista converte um símbolo do comunismo em mercadoria padronizada, disponível
para ser consumida por qualquer pessoa.
212
No curso de Espanhol, o trabalho se centrou em problematizar a mitificação
em torno da imagem popular de “Che” Guevara, considerado uma das dez
figuras mais importantes do século XX. Primeiramente, os alunos puderam
conhecer a trajetória do personagem histórico Ernesto Guevara, jovem
argentino de classe média, estudante de medicina que, durante uma
viagem pela América Latina, teve contato com os mais diversos problemas
que afetam a população dessa região. No México, Guevara conheceu o
comandante Fidel Castro, a quem se juntou na luta contra o então governo
cubano, tornando-se um líder guerrilheiro e um importante ator no cenário
político da Cuba pós-revolução.
Em um segundo momento, discutiu-se a divulgação e circulação da imagem
de Che Guevara da obra de Malanga/Warhol. Baseada na fotografia de
Alberto Díaz Gutiérrez, fotógrafo cubano conhecido como Alberto Korda, a
imagem divulgada pelos artistas norte-americanos se tornou muito popular,
principalmente entre jovens que, muitas vezes, desconhecem quem foi
e o que fez Ernesto Guevara. É notável que, nos dias atuais, encontra-se
facilmente – descontextualizada –, e em diferentes partes do mundo, a
reprodução da figura do “Che” em camisetas, broches, bonés, capas de
cadernos, entre outros. De certa forma, a incorporação de determinados
personagens pela Pop Art produz um efeito de esvaziamento de suas
referências históricas.
Ampliando a reflexão acerca do “efeito pop”, e como parte conclusiva do
trabalho, os estudantes convocaram conteúdos relativos à proposta do
movimento artístico da Pop Art e de suas técnicas como a serigrafia e a
repetição da imagem. A partir da proposta de transformação de ícones
históricos em bens de consumo, os alunos confeccionaram camisetas
com a estampa de personalidades por eles escolhidas e as expuseram no
saguão da entrada da Móbile.
Nas várias etapas desse projeto, foram mobilizados conhecimentos
provenientes de diferentes áreas que, juntos, articularam saberes que
contribuíram para a construção de um pensamento crítico em relação
a um movimento artístico que contribuiu para deslocar a referência de
personagens históricos.
GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1978.
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
“Equipo Crónica: el pop incómodo”, La Vanguardia, 02/06/04.
Curador da mostra El Equipo Crónica de la Colección del IVAM en el Museo Nacional
de Artes Visuales de Uruguay (http://mnav.gub.uy/cms.php?e=equipocronica, 02/03/05).
214 215
Michele Costa e
Alexandre Fiori
Kurt Stuermer,
Michele Costa e
Alexandre Fiori
Kurt Stuermer,
compõem a equipe
de Espanhol
a de Inglês.
e
Uma cidade vistada janela
Foi com esta proposta – a de fotografar a paisagem que se vê da janela de casa – que os
alunos do 6º ano iniciaram diversos estudos sobre a cidade de São Paulo. O projeto “Um olhar
investigativo sobre a cidade de São Paulo” vislumbra, entre seus objetivos, tanto promover
um entendimento mais expressivo da cidade em que se vive e valorizar o reconhecimento da
multiplicidade de fenômenos que compõem a vida urbana quanto garantir o desenvolvimento
de procedimentos de pesquisa e de comunicação oral.
Motivados pelo estímulo inicial, conhecer o que cada um dos colegas enxerga da própria
janela, os alunos, coordenados pelas disciplinas de História, Geografia, Ciências e Língua
Portuguesa, iniciaram o processo investigativo, focando-se nos seguintes temas e questões:
• São Paulo além da minha janela (Que São Paulo existe além de minha janela?);
• Arborização e fauna urbana (Quais são as diferenças entre a paisagem que os
portugueses encontraram ao chegar ao planalto de Piratininga, em 1554,
e a atual?);
• Os rios de São Paulo (Como eram, como estão e como poderiam ser os rios?);
• O mundo dentro de São Paulo (Quais são as origens dos moradores
de São Paulo?);
• Mobilidade urbana (Por que as pessoas não conseguem circular com facilidade
por São Paulo?);
• História do centro (Reconstruir a História de um local da cidade);
• Memória e identidade (Qual a relação entre a memória individual e a do grupo
com a memória da cidade?);
• São Paulo e lazer (A cidade e suas possibilidades culturais e de entretenimento);
• A cidade de São Paulo como inspiração para as Artes (São Paulo e suas
construções culturais: o passado e o presente).
Após a apresentação dos temas pela equipe de professores, os alunos mapearam
os desdobramentos de cada tema e estabeleceram perguntas-problema que
conduziram às pesquisas. Organizados em grupos, de posse de livros e
da internet, os alunos traçaram os caminhos necessários para coletar
respostas às questões-problema. Nas aulas de Geografia, foram
orientados a realizar as pesquisas, apropriando-se de
sites de busca confiáveis e identificando os termos mais
adequados para consulta. Nas aulas de História, abordando a
diversidade das fontes de pesquisa, os
alunos aprenderam outras possibilidades
de realizar seus estudos: por
meio da leitura de imagens,
da observação, das
entrevistas, entre outras.
Com maior domínio do
216
Alunos do 6º ano do Ensino Fundamental investigam a cidadede São Paulo em projeto.
tema pesquisado e com novas indagações, os alunos partiram para a pesquisa de campo no
centro de São Paulo com o objetivo de confirmar, refutar, bem como desenvolver os dados
pesquisados em sala de aula. Vivenciar os espaços da cidade permitiu “descobrir” São Paulo,
seus lugares históricos, seu movimento contínuo, sua diversidade.
Sabendo que, como fechamento do trabalho, cada grupo também se responsabilizaria por
comunicar as aprendizagens aos colegas por meio de seminários, todos buscaram garantir
registros verbais e fotográficos das etapas cumpridas. Comprometer-se com a comunicação
oral do conhecimento construído a partir das leituras, das entrevistas e observações
constituiu-se também em um importante objetivo para os alunos. Por essa razão, paralelamente
às etapas investigativas, foram apresentadas às crianças as especificidades desse gênero
textual oral, o seminário. Os alunos foram estimulados a refletir sobre diferentes tópicos, todos
eles tão importantes para uma exposição oral. Durante as aulas, debateram a organização das
ideias e o desenvolvimento delas ao longo da apresentação de um seminário. Nas aulas de
Ciências, por sua vez, os alunos foram apresentados aos recursos tecnológicos que garantem
uma organização dos temas pesquisados, bem como a comunicação do trabalho produzido.
Possibilitar associar as imagens à organização da fala e pensar em como garantir a atenção
e a reflexão de quem assiste às exposições foram aspectos abordados durante a construção
da exposição oral.
O comprometimento dos alunos em vários momentos do trabalho foi notório; quer seja pelos
temas sugeridos, pela convivência na construção do percurso de trabalho, pelos desafios na
utilização dos recursos tecnológicos, pela experiência intensa de produzir em grupo, pela
manipulação com diferentes fontes de pesquisa, como a entrevista, quer seja pela perspectiva
de comunicar aos colegas o que foi descoberto.
Por meio do projeto “Um olhar investigativo sobre a cidade de
São Paulo”, os alunos pensaram intensamente nas relações
entre o passado e o presente de São Paulo, aproximando-se
significativamente dos problemas e do potencial urbano de uma
cidade tão complexa. Reviver o passado e viver o presente da
metrópole de forma crítica possibilita imaginar seu futuro e, quem
sabe, colaborar, como cidadãos exercendo as mais diversas
profissões, para que São Paulo, nossa cidade, seja, um dia, mais
humana e amigável, motivo de orgulho para todos.
Projeto desenvolvido pela equipe do
6º ano do Ensino Fundamental
(Carlos Eduardo C. Godoy, o Amparo
– professor de Ciências; Iva
Maria Alves – professora de
Geografia; Kelly Cristina O. de Araújo
– professora de História; Valéria
de Melo Pereira – professora
de Língua Portuguesa;
Maria Isabel Vieira de Camargo –
orientadora educacional
do 6º ano).
219
Percepção alterada
“Abatido por um dia sem graça, pela perspectiva do dia seguinte que seria triste, pus aos meus lábios uma colherada de chá na qual eu deixara amolecer um pedacinho de madeleine... Estremeci, atento ao que de modo extraordinário se passava em mim. Um prazer delicioso me invadira, isolado, sem a noção da sua causa. (...) Não me sentia mais medíocre, contingente, mortal. De onde vinha esse prazer poderoso? (...) Todas as flores de nosso jardim e as do Parque de Swann, e as ninfas do rio Vivonne, e a gente simples da aldeia com suas casinhas, e toda a cidade de Combray e seus arredores – tudo aquilo que toma corpo e se torna sólido saiu, cidades e jardins, de minha xícara de chá.”
220
Alunos do 2º ano do Ensino Médio estudam por meio de pesquisas de que forma as drogas provocam alterações nas funções do sistema nervoso.
PROUST, M. No caminho de Swann. Em busca do tempo perdido, vol.1.
São Paulo: Editora Globo, 2002.
221
Fernanda Dib Gabriel, Isabella de Freitas Moraes Sampaio Pereira e Tamara Wolff Bandeira Klink.
222 223
O revolucionário romance do
escritor francês Proust, Em busca do
tempo perdido, exemplifica o quanto
nossas emoções e memórias estão
ligadas às sensações e percepções que
temos do mundo. Muitas vezes, quando
nos lembramos de um acontecimento,
lembramos também do cheiro dos lugares
ou do frio que estávamos sentindo ou
até mesmo das cores intensas que
compuseram uma cena. Acontece também
de associarmos um cheiro ou uma música a
determinada pessoa. Essa relação estreita
entre memórias, sensações, sentimentos
e percepções tem um culpado: o sistema
nervoso, mais especificamente o encéfalo.
O encéfalo é o órgão mais
complexo do corpo humano. É responsável
pela integração e armazenamento de
informações, além de comandar as ações
motoras. Toda vez que bebemos um suco,
respiramos, lemos um livro, ouvimos nossa
música predileta, marcamos um encontro,
realizamos uma prova, disputamos um
campeonato, assistimos a um filme,
telefonamos para um amigo, lembramo-
nos de um passeio, comemos um prato
apetitoso, sentimo-nos tristes ou realizamos
qualquer outra atividade de nosso cotidiano,
o encéfalo está envolvido de alguma forma.
Esse órgão faz parte do sistema nervoso
central e trabalha de forma integrada com
as outras estruturas dele, coordenando
sensações, aprendizados, movimentos,
memórias etc.
O estudo do sistema nervoso
no Ensino Médio na Móbile ocorre no
contexto do estudo da Fisiologia, tema que
é trabalhado de modo comparativo entre os
diversos tipos de seres vivos ao longo do
2º ano. Uma vez tendo compreendido como
diversos sistemas funcionam de maneira
integrada de forma a garantir as funções
de nutrição nesses organismos, é hora de
enxergar o controle de tudo. É hora também
de revisitar essas mesmas funções, desta
feita identificando o fluxo da informação
envolvido na garantia da homeostase
corporal em cada situação específica.
Assim, os alunos iniciam o
segundo semestre aprendendo que a
comunicação no sistema nervoso se dá por
meio da transmissão dos impulsos elétricos
pelos neurônios e que esta geralmente
é intermediada por algumas substâncias
químicas, os neurotransmissores. Os
neurotransmissores liberados por um
neurônio provocam estimulação ou
inibição do neurônio seguinte, e é isso que
modula nosso comportamento. Algo que
interfira nessa comunicação altera, por
consequência, na percepção, no humor, no
pensamento ou mesmo na mobilidade.
Eric Buonpater Lee Santos, Michel Kagan e Pedro Henrique Amorim.
224 225
É o caso das drogas psicotrópicas,
aquelas capazes de interferir no
funcionamento do sistema nervoso central.
Investigar a ação dessas drogas permite
uma compreensão mais aprofundada
sobre a modulação da comunicação entre
neurônios e sobre as funções específicas
controladas por diversas estruturas que
compõem o sistema nervoso central.
Mais que isso: propicia um aprendizado
contextualizado. Afinal, mais interessante
e esclarecedor do que memorizar uma
lista de funções atribuídas a um conjunto
de estruturas é identificar quais funções
são perdidas ou amplificadas quando
a comunicação entre os neurônios de
determinada região é bloqueada ou
hiperestimulada.
Tal abordagem das funções
neurais dialoga com aquela que é
comumente feita pela ciência. Por exemplo,
para a investigação sobre o envolvimento
do hipocampo no armazenamento de
informações, os cientistas injetam
neurotoxinas nessa estrutura no encéfalo
de ratos e comparam o comportamento
dos animais lesados com o de animais
íntegros no desempenho de uma tarefa
que exige memória espacial. Ou, então,
aplicam testes de memória espacial num
paciente que sofreu dano hipocampal em
decorrência de acidente automobilístico, um
AVC ou cirurgia para tratamento de outras
enfermidades. Basicamente, infere-se o
papel desempenhado por uma estrutura a
partir de seu não funcionamento ou de seu
funcionamento alterado.
Fernanda Dib Gabriel, Isabella de Freitas Moraes Sampaio Pereira e Tamara Wolff Bandeira Klink.
226 227
As drogas psicotrópicas alteram a comunicação entre neurônios ao aumentar,
diminuir ou ainda perturbar de forma diversa a eficiência da neurotransmissão. Por
exemplo, algumas drogas podem fazer com que os neurônios liberem uma quantidade
de neurotransmissores acima do normal. É o equivalente da diferença entre ter alguém
sussurrando ao seu ouvido e ter alguém gritando a mesma mensagem com um microfone (e
ainda ao seu ouvido). Ou seja, comunicação mais intensa não significa comunicação melhor.
Muitas drogas psicotrópicas interferem no chamado circuito de recompensa.
Trata-se de um fluxo de informação entre três principais estruturas do nosso encéfalo,
que leva à liberação do neurotransmissor dopamina em decorrência de determinados
comportamentos que realizamos, o que resulta na sensação de prazer. Esse circuito
normalmente é acionado por comportamentos relacionados à sobrevivência do indivíduo –
como comer –, ou à sobrevivência da espécie – como o sexo. “Garantiu a sobrevivência?
Parabéns, um pouco de prazer como recompensa!”, diria um neurônio ao outro, usando
dopamina como mediadora dessa comunicação. Drogas que provocam liberação de
dopamina em quantidades muito maiores que nesses casos podem levar o indivíduo a uma
nova definição química de prazer: somente essa incrível quantidade de dopamina é que
provocará prazer, outra não...
Há, também, o caso de drogas psicotrópicas que se encaixam perfeitamente
em receptores presentes na membrana de certos neurônios. Mas por que nosso encéfalo
teria receptores específicos para moléculas presentes, por exemplo, em uma planta?
Certamente, porque temos neurotransmissores de constituição química similar. Mas
que neurotransmissores são esses? E que tipo de informação modulam? Foi procurando
responder a questões como essas, após a observação do comportamento de drogas
psicotrópicas no encéfalo de pacientes, que foram feitas muitas das descobertas científicas
sobre nossas vias de neurotransmissão. Ou seja, às vezes os estudiosos têm algumas vias
nervosas mapeadas e investigam como drogas psicotrópicas podem alterá-las. Mas, às
vezes, o percurso se inverte: ao buscarem-se explicações para o efeito de determinada
droga no organismo, descobre-se um novo neurotransmissor e desvendam-se, por exemplo,
as vias ligadas à dor, abrindo perspectivas para o desenvolvimento de medicamentos.
Na sala de controle
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228 229
O projeto
Organizados em trios, os alunos trabalham na elaboração de um conjunto de
infográficos relativos às drogas psicotrópicas. (Ver trabalhos espalhados ao longo deste
artigo.) Esse conjunto é resultado do estudo da ação de três drogas, cada uma pertencente
a um dos tipos (depressora, estimulante e perturbadora da atividade do sistema nervoso).
A trinca de drogas é escolhida pelo trio a partir de uma lista fornecida, e uma série de
informações sobre elas é reunida pelo grupo ao longo de sua pesquisa:
• princípio ativo da droga;
• efeitos no sistema nervoso:
- circuito específico de neurotransmissão em que a droga atua;
- forma de atuação da droga nas sinapses;
- principais áreas do sistema nervoso afetadas e a consequência;
- eventual atuação da droga no circuito de recompensa no encéfalo;
- justificativa para inclusão da droga no grupo de classificação a que pertence,
a partir do conjunto de efeitos no sistema nervoso;
• efeitos diretos ou secundários em outros sistemas do corpo.
Os alunos utilizam fontes confiáveis (artigos científicos e de divulgação científica,
vídeos, simulações e outros materiais), disponibilizadas na pasta da disciplina no Móbile
Virtual (fonte digital de estudo). A pesquisa é feita individualmente, e cada aluno inicia o
processo sendo responsável por encontrar as informações de uma das drogas escolhidas
Assim, ao pesquisar sobre esses percursos, os alunos aprendem também um
pouco sobre como se dá o processo de construção do conhecimento científico. Estudo
integrado das funções biológicas, aprendizado contextualizado e abordagem científica: está
formada a tríade que embasa este projeto.
Andréa Lasevicius Moutinho, Clara Cardoso Franco Avancini e Isabel Boujikian Felippe.
230 231
pelo trio. A pesquisa inicial é feita em sala de aula, utilizando tablets. Como lição de
casa para a aula seguinte, cada aluno prepara um “mini” relatório das informações já
encontradas a respeito da droga que ficou sob sua responsabilidade. Depois, ele compartilha
esse documento com os demais membros do grupo.
No primeiro compartilhamento, feito em sala de aula, cada membro do grupo
apresenta aos demais o resultado de sua pesquisa. Os colegas identificam, na apresentação,
pontos que carecem de mais pesquisa para melhor entendimento sobre a droga em questão.
Isso define o passo seguinte, que constitui a lição de casa de cada aluno para a outra aula:
a pesquisa das informações que faltam sobre cada uma das drogas. Isso, porém, é feito com
um rodízio entre os membros do grupo: na primeira pesquisa, o aluno 1 pesquisou a droga
1; o aluno 2 pesquisou a droga 2 e o aluno 3 pesquisou a droga 3. Nessa segunda etapa, o
aluno 1 pesquisa as informações faltantes sobre a droga 2, o aluno 2 faz o mesmo para a
droga 3 e o aluno 3 faz o mesmo para a droga 1.
O mesmo sistema é repetido nas aulas seguintes até que três compartilhamentos
tenham sido feitos e cada aluno tenha pesquisado um pouco sobre as três drogas. Em
seguida, os estudantes começam a trabalhar na pesquisa de imagens e na elaboração
dos infográficos, também com momentos de compartilhamento em sala de aula. Ao longo
de todo o processo, o andamento do trabalho do grupo é reportado por escrito para a
professora, que retorna esses relatórios no início de cada aula, de forma a orientar o novo
compartilhamento no grupo.
Tal processo se desenrola em paralelo à continuação do estudo teórico do sistema
nervoso, mais especificamente dos processos envolvidos na percepção. Assim, os alunos
vão paulatinamente conhecendo o fluxo de informação envolvido na nossa percepção, ao
mesmo tempo que investigam a alteração da percepção por drogas psicotrópicas e algumas
das consequências disso para o organismo como um todo.
Após cerca de um mês de pesquisas e debates, cada grupo apresenta seu trabalho
final, que constitui a nota de classe do terceiro bimestre. Após a correção, os trabalhos
mais completos e consistentes são expostos no mural da sala durante uma aula expositiva
que visa realizar um fechamento do projeto e a integração com outros em curso nas demais
disciplinas.
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232 233
Transdisciplinaridade
Na aula final dessa sequência didática, algumas das principais formas de atuação
das drogas psicotrópicas na comunicação entre neurônios são revisadas. Especial menção
é feita à atuação no circuito de recompensa encefálico. Os alunos, então, assistem a um
filme que mostra os experimentos originais de James Olds, realizados na década de 1950.
Considerado um dos fundadores da Neurociência moderna, o psicólogo foi o primeiro a
identificar e comprovar experimentalmente a existência do circuito de recompensa por meio
de estimulação elétrica direta dos centros de recompensa no encéfalo de ratos.
Em seguida, são apresentados estudos atuais sobre o funcionamento específico
do cérebro adolescente, indicando o grau de desenvolvimento do córtex pré-frontal, uma das
estruturas integrantes do circuito de recompensa encefálico.
Finalmente, discute-se, também, o fato de que os riscos relacionados ao uso de
uma droga não se restringem a esses efeitos, havendo ainda riscos legais e sociais. Nesse
contexto, algumas perguntas são levantadas: como e por que as pessoas usam drogas?,
quanto o desenvolvimento científico e tecnológico interfere no debate sobre drogas?, quais
são os custos públicos relacionados às drogas? etc. Parte desse debate aponta para o
trabalho concomitante realizado em outras disciplinas, como Ética e Cidadania, de forma que
os alunos possam ter um olhar amplo e transversal sobre o tema, especialmente fundamental
num mundo com tantas informações contraditórias e algumas pouco relevantes.
Agir como um “editor do mundo” – fazendo seleções e avaliações para se
posicionar e tomar boas decisões – é habilidade que se aprende. Habilidade esta que é
parte da autonomia intelectual, um dos pilares do projeto pedagógico da Móbile, escola
constantemente preocupada em formar cidadãos que sejam capazes de argumentar,
criticar, antecipar, propor. Ao oferecer parâmetros para isso, seja propiciando a pesquisa
de referências atualizadas e a elaboração de uma síntese, seja revisitando o processo de
construção do conhecimento científico, esse projeto didático visa estabelecer condições
para que os estudantes construam suas próprias redes de conhecimento a respeito de
um tema e estejam mais preparados para se portarem em relação a debates referentes
a modificações em sistemas de saúde, legalização de drogas, criminalização de drogas
outrora lícitas etc.
Isabella Remaili Monaco, Karina Donatpni Urbano e Patrick Leonardi Panizo.
Breno Mendes Cardoso Fraga, Ian Vianna Vaz Pinto, Gustavo Takashi Shimokawa e Pedro Godoy Bueno Simon.
234 235
Tatiana Nahas é professora de Biologia do Ensino Médio.
Isabella Remaili Monaco, Karina Donatpni Urbano e Patrick Leonardi Panizo.
p r o f i s s i o n a i s
1. Não seja roteirista.
Simples assim. Roteirista
de TV, cinema, quadrinhos,
desenho animado, programa
de televendas – não importa.
Não vale a pena. E isso também
vale para quem quer ser
romancista, músico, bailarino,
pintor, dramaturgo... Desista
enquanto é tempo. Ignore todo
mundo que diz que você tem
de perseguir os seus sonhos e
vá ser banqueiro ou advogado.
Ganhe dinheiro. Compense
a inevitável infelicidade
comprando um carrão,
escalando o Everest e andando
de caiaque na Patagônia.
2. Esqueçao glamour.
Se você está nessa para ser
famoso, pode esquecer.
A verdade é que a maioria das
pessoas nem imagina o que um
roteirista faz. Poucos sabem
que, por trás de cada filme,
seriado, telenovela ou episódio
de Mulheres Ricas, existem
pessoas quebrando a cabeça
para escrever a melhor história
possível, geralmente ganhando
pouco e tendo de cumprir
prazos insanos.
Já vi gente que acha que os
atores improvisam os diálogos
na hora. Já me pediram dicas
de hotéis achando que eu faço
roteiro de viagem. Agora prefiro
dizer que sou jornalista, mesmo
nunca tendo trabalhado em
uma redação na vida.
3. Arrumeum emprego.
É muito difícil ganhar dinheiro
criando histórias. No Brasil,
então, é quase impossível.
Fora os autores principais
de telenovelas, que ganham
milhões por ano, roteiristas por
aqui são tão valorizados quanto
Coca-Cola quente. Enquanto
a grande chance de entrar no
mercado não vem (e ela pode
nunca vir), o melhor é escrever
nas horas vagas e arrumar
um trabalho que pague suas
contas. Se tudo der certo, cedo
ou tarde você percebe que não
nasceu para sofrer, desiste
de ser escritor e escolhe uma
profissão de gente normal.Há um vídeo famoso no YouTube que mostra um experimento feito com crianças e marshmallows.
Nele, uma mulher oferece um marshmallow para uma das crianças e diz: “se você não tiver comido o
marshmallow quando eu voltar, eu te dou outro marshmallow”. Mas a criança não sabe quando (ou se) a
mulher vai voltar.
Ponha esta revista de lado por um segundo e pense no que você faria se fosse a criança. Você comeria o
marshmallow solitário ou esperaria pela chance de ter dois?
Se você está se perguntando o que raios isso tem a ver com ser roteirista, a resposta é: tudo.
Para explicar melhor, tentei reunir a seguir 7 dicas de sobrevivência para quem pensa em seguir essa
profissão. Começando pela mais importante de todas:
Há onze anos, o (então) aluno concluinte do Ensino Médio André Sirangelo foi convidado a inaugurar a seção “Futuros profissionais” deste veículo, que estava apenas começando. Agora, depois de formado e já atuante no mercado, voltamos a convidá-lo para (também) inaugurar a seção Profissionais da Revista da Móbile. Com senso de humor, o roteirista aborda seus percalços na tentativa áridade manter-se no universo da ficção.
7 dicas de sobrevivênciapara roteiristas em apurosAndré Sirangelo
238 239
4. Não caiaem armadilhas.
Se, por sorte, você conseguir
entrar para o seleto grupo
daqueles que de fato ganham
dinheiro escrevendo roteiros
em tempo integral, parabéns!
Mas não respire aliviado ainda
— o mais difícil vem depois.
O Brasil não é Hollywood, e um
roteirista iniciante, por aqui,
normalmente se vê obrigado
a ser também o seu próprio
agente, manager, advogado,
contador e líder sindical.
Na falta de uma organização
que regulamente o pagamento
de royalties e um piso salarial
da categoria (como existe nos
EUA), um jovem autor precisa
analisar bem suas opções
de trabalho, negociar seu
cachê e lutar por um contrato
justo. E o que não falta por
aí é gente querendo explorar
a boa vontade de escritores
iniciantes. Ser escritor é
saber fazer escolhas. Comece
escolhendo bem seu próximo
projeto.
5. Jogue forao bom gosto.
Quer escrever uma comédia
pirandelliana ou o novo
Breaking Bad? Esqueça.
Vivemos em um país viciado
em dramaturgia descomplicada
e produzida em massa. E quer
saber? Não tem nada de errado
nisso.
A grande questão é que ainda
não aprendemos direito a
dar um passo além. Seriados
complexos como os norte-
americanos e filmes densos
como os argentinos ainda são
raridade por aqui.
Ou seja, mesmo que
continue trabalhando em
segredo em sua reinterpretação
pós-moderna de Beckett
ou Shakespeare, o mais
provável para um roteirista
no Brasil é que ele se abolete
confortavelmente na eficaz
indústria da telenovela e da
neochanchada.
6. Não comao marshmallow.
Lembra-se do experimento
do marshmallow? Pois é.
Se você comesse o
marshmallow solitário (como
fazem várias das crianças no
vídeo), você provavelmente
não iria muito longe na vida
de roteirista. Por outro lado,
se você tem paciência para
esperar por uma recompensa
que ninguém sabe nem se
realmente vai vir, as coisas
ficam um pouco mais fáceis.
Lembro que o Nick Hornby
(autor de Um Grande Garoto e
roteirista do filme Educação)
falou em uma entrevista que
um filme que fica pronto é
recompensador, mas, ao mesmo
tempo, é algo próximo de um
milagre. E é por isso que ele
prefere escrever livros. “Cansei
de esperar por um milagre toda
vez que eu termino alguma
coisa”, ele disse. E ele tem
razão: tudo no cinema demora
muito. O normal para
qualquer roteiro é ficar vários
anos — às vezes décadas
— em desenvolvimento. Na
TV, o ritmo de produção é
mais rápido, mas a dificuldade
de emplacar um projeto é a
mesma. E não tem nada mais
desanimador do que um roteiro
que não vai para frente.
Isso porque, ao contrário de um
livro, um roteiro não é uma obra
acabada. Ele precisa de atores,
diretores, câmeras, editores e
dezenas de outras pessoas e
fatores para existir. É como a
planta de uma casa que ainda
precisa ser construída.
Ser roteirista é nunca saber
se a casa que você desenhou
vai realmente sair do chão.
É continuar trabalhando sem
comer o marshmallow, mesmo
sabendo que o segundo
marshmallow pode jamais
chegar. E, se chegar, o primeiro
provavelmente já vai ter
estragado.
7. Não desanime.
Se mesmo depois dessa
avalanche de pessimismo você
ainda quer ser roteirista, talvez
essa carreira seja mesmo para
você. Pessimismo e rejeição vão
estar sempre presentes. Mas,
se você é como eu, talvez não
consiga se imaginar fazendo
outra coisa. Saber lidar com a
parte negativa da experiência
talvez seja a chave para seguir
em frente.
A verdade é que a satisfação de
ver um projeto concluído apaga
todos os problemas citados
até aqui. É como dizem por aí:
a dor é temporária, mas um
filme é para sempre. No fim das
contas, tudo o que você tem de
fazer é parar de se preocupar
com o resto e fazer a sua parte:
escrever um bom roteiro.
André Sirangelo se formou
na primeira turma de Ensino
Médio da Móbile, em 2001.
Cursou Jornalismo na
Faculdade Cásper Líbero,
mas acabou virando
roteirista de cinema,
TV e HQ. Atualmente,
escreve o seriado A Teia
(TV Globo), previsto para
estrear em 2014, e trabalha
na adaptação da obra
O Mistério do Cinco Estrelas
para o cinema.
240 241
e d u c a d o r e s
244
Amparo e a fotografia A fotografia faz parte de minha vida desde muito cedo. Ainda adolescente, antes de escolher
a carreira de biólogo, eu já viajava com a imaginação contemplando fotografias de exploradores
na África, Patagônia e em outros locais de natureza selvagem. Belas imagens sempre tocaram
minha alma despertando a vontade de conhecer lugares.
Quando entrei no curso de Biologia, não tinha recurso para adquirir uma boa câmera, mas
comecei a viajar regularmente em busca de locais preservados, de natureza e de aventura!
As belas imagens dos locais, naquele momento, eram registradas apenas em minha memória!
Ao me formar, juntamente com alguns amigos, criei uma empresa de turismo especializada
em viagens de Estudo do Meio e de Ecoturismo. Por causa disso, passei a viajar mais
frequentemente, para todo o Brasil. Conheci locais muito interessantes, que mereciam ser
fotografados; entretanto, continuei a fotografar com os olhos e a alma.
Em certo momento da vida, dei uma grande guinada em meu caminho e me tornei professor
de Ciências. Descobri o quanto essa atividade me motivava e passei a investir energia, tempo e
dinheiro nessa missão. Comprei minha primeira câmera!
(Parece estranho: trabalhei com ecoturismo e não fotografei! Comecei a dar aulas e comprei
uma câmera!)
Inicialmente, registrava minhas aulas, trabalhos dos alunos, atividades de Estudo do Meio.
Foi uma fase de “fotografia jornalística”, como registro de fatos. Aos poucos, a paixão antiga
de viajar e fotografar começou a tomar forma e se transformou em realidade. Passei a registrar
momentos inesquecíveis, mas as fotos ainda
deixavam bastante a desejar.
As dificuldades, entretanto, tornaram-
se motivação e, aos poucos, fui trocando de
equipamento em busca de melhores resultados.
Percebi, então, que não bastaria ter uma boa
câmera. Passei a estudar, e muito! Paralelamente
ao aprendizado da técnica fotográfica, busquei
também estudar sobre arte, estética e composição
fotográfica.
Os resultados começaram a surgir. Passei
a fazer fotos que “se aproximavam” do que
tinha tentado registrar. E, ao contemplar essas
fotos posteriormente, a emoção do momento
do registro retornava… Descobri uma nova
faceta da fotografia: a possibilidade de carregar
sentimentos, emoções e até mesmo sensações
juntamente às formas, cores e sombras.
Esse caminho de aprendizado fotográfico
resgatou nuances da motivação que me levou a
ser biólogo. Ao buscar registrar com precisão e
fidelidade as paisagens, organismos e fenômenos
naturais, percebi que me aproximava cada vez
mais da vida de naturalista com que sonhara na
adolescência.
Hoje, como professor, a fotografia desem-
penha papel bastante importante em minhas
aulas. Continuo a fotografar como forma de
registro das atividades e produção dos alunos e
fotografo também para produzir material didático
com imagens próprias. Mas, acima de tudo,
Além de ensinar, os professores da Móbile estudam, engajam-se em projetos sociais, escrevem livros, rememoram, realizam viagens culturais. Os educadores Amparo, Kurt e Rodrigo falam sobre fotografia, bicicleta e a arte de brincar.
descobri que ganho meu dia quando os alunos
observam uma foto e exclamam: “Wow! O que
é isso, professor? Foi você que fez essa foto?
Onde? Como?”
A partir desse momento, fica fácil conduzir
a classe para um caminho de perguntas e
respostas a respeito do tema da aula. Imagens
bem planejadas, bonitas, instigantes possuem
grande valor como instrumento de motivação e
organização do aprendizado. Minhas fotos atuais,
mesmo quando feitas em momentos de lazer e
sem pensar nas aulas, possuem um viés didático
que busca valorizar elementos conceitualmente
importantes em relação ao assunto registrado.
Ao estimular os alunos a fotografar, tenho
o objetivo de desenvolver seu olhar crítico e
investigativo. Para fotografar, é preciso, antes,
observar com atenção, buscando a melhor forma
de retratar aquilo que despertou o interesse!
Por fim, penso que a fotografia desempenha
importante papel na divulgação das questões
ambientais porque possibilita o registro dos
elementos que merecem ser preservados e expõe
problemas que precisam ser resolvidos. É isso!
Carlos Eduardo Godoy (Amparo) é professor de
Ciências do Ensino Fundamental II
e Assessor de Ciências do Fundamental I.
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/ Kurt e a bicicletaComecei a utilizar a bicicleta como meio de transporte há mais de vinte anos, quando vivia na Alemanha.
Tempos de estudante são tempos de economizar, é verdade, mas não foi só isso que me fez tomar essa
atitude. A possibilidade de me locomover de uma forma independente e segura me conquistou. Quando
voltei para São Paulo, achei que me tornaria dependente de um carro, mas, com o passar do tempo,
percebi que não precisaria ser assim.
Hoje, não troco a minha bicicleta por nada. Chego à escola de bike, o que me faz começar o dia mais bem
disposto (e atento!); não me estresso com o trânsito ou com a falta de vaga para estacionar; e, se precisar,
carrego, literalmente, minha bicicleta nas costas para onde quiser. É claro que os dias de chuva são
um grande incômodo, mas, enquanto os carros param nas ruas alagadas, eu sigo pedalando. De forma
modesta, contribuo para diminuir o número de carros nas ruas desta cidade, já que o meu só é utilizado à
noite, nos finais de semana, e ajudo um pouquinho a diminuir a poluição da cidade.
Dizem que é perigoso ser ciclista no trânsito de São Paulo. É verdade, não é fácil. Quando se anda em uma
grande cidade como a nossa, é preciso se cercar de cuidados: capacete, refletores, roupas claras, farol,
luz traseira e, claro, andar de forma correta pelas vias certas. Acredito que, no dia em que todos tiverem
experimentado o prazer de sentir o vento no rosto em um dia de verão ao ir e vir do trabalho, sem buzina,
fumaça ou estresse, talvez haja uma conscientização geral da importância de investir em outras formas
de transporte que não o carro, e haverá, então, um maior respeito não só ao ciclista, mas a todo cidadão
que busca viver em uma cidade melhor.
Kurt Stuermer é
professor de Inglês
do Fundamental II.
248
O brincarcomo essência
Ah... que saudades do barranco da minha casa! Na verdade, não era
bem da minha casa, mas bastava pular a cerca do terreno baldio vizinho para dar de cara com
um universo mágico para a imaginação de uma criança. E foi aqui que tudo começou.
Quando eu tinha por volta de sete anos, meu pai ficou desempregado
por problemas de saúde e minha mãe estava em greve na empresa em que trabalhava. Com isso,
eu e meus irmãos tivemos que aprender logo cedo o quão suado é o sustento de uma casa. Por
outro lado, também aprendemos o quanto é importante investir na criatividade de uma criança.
Meus pais não mediram esforços para nos incentivar utilizando apenas o que tínhamos “em
mãos”: a imaginação.
Mexendo na terra, pude ser padeiro, astronauta, pedreiro, soldado...
Explorando os imensos pés de mamona, descobri uma verdadeira artilharia em suas traiçoeiras
sementeiras. (Sem contar as diversas vezes em que, sentado em um pedaço de papelão,
pude escorregar barranco abaixo, chegando em casa com a roupa laranja de tanto rolar na
terra.) É também dessa época que guardo viva a memória do quanto as formigas são unidas
para defenderem seu território (uma vez, por descuido, sentei-me bem em cima de um imenso
formigueiro e levei inesquecíveis picadas). Sim, as formigas formam uma sociedade bem unida.
É também desse período que recordo, com certo saudosismo, das
gincanas de rua da Dona Vera, das aulas de flauta com Dona Lourdes, das amarelinhas, corridas
de bicicleta, tombos, novas corridas, novos tombos... das idas e vindas ao convento e seminário
dos religiosos Orionitas para brincar nos pomares, comer fruta no pé, subir em árvores (mesmo
chorando de medo da altura), brincar com meninos e meninas portadores de necessidades
especiais do Pequeno Cotolengo (obra mantida pelos Orionitas), tocar instrumentos musicais,
fazer teatro e quadrilha de festa junina, comer doce na despensa e depois ter dores de barriga
pelo exagero, dentre tantas outras aventuras
que podem praticar meninos ou meninas. Foi
conversando com o velho Senhor Miguel,
caseiro das obras da rua em que morei, que,
com sua sabedoria matuta, ensinou-me sobre
o eclipse do Sol, os segredos dos girinos e
dos sapos, bem como a cultivar e cuidar de
minhocas e plantas.
Sim! Eu tive infância.
Daquelas com cheirinho de bolinho de chuva
recém-preparado pela avó e gostinho de
limonada para um delicioso lanche feliz no
final da tarde. Lanche saboreado junto a pé
de ipê que plantamos (diga-se de passagem,
que nunca deu flores), mas que, atualmente,
já ultrapassa o telhado do sobrado em que
moramos. O ipê é forte!
Infância dividida com
amigos crianças, amigos adultos e amigos
idosos. Infância com base no respeito mútuo,
em que o mais novo aprende com o mais
velho e o mais velho também sabe escutar o
mais novo. Ambos se respeitam e aprendem
juntos. Nessa roda-gigante da vida, estar no
alto não é ser mais importante do que o que
está embaixo, mas, sim, apenas uma condição
de momento. O tempo passa e a roda-gigante
gira.
Assim como o pé de
ipê, eu também cresci. Mas cresci com a
certeza de que tive a oportunidade de ter
uma infância feliz. Uma infância em que as
dificuldades ensinaram-me a importância de
ser forte, mas sem perder a ternura e o
sorriso no rosto. Uma infância que possibilitou
à imaginação criar um repertório (e por que
não dizer uma coletânea?) de boas memórias.
Vivenciar a infância é mais importante do
que saber o conceito do que é infância. Hoje
em dia, nossas crianças têm cada vez mais
dominado o discurso do que é ser criança,
porém têm tido menos oportunidades de
vivenciar de forma autêntica esse momento
da vida. Cada vez mais, a criança tem sido
compartimentada e direcionada. Há cada vez
menos espaço e tempo para a descoberta
249
e a curiosidade. Não quero cometer anacronismos e desconsiderar o fato de vivermos novos
tempos, com organizações sociais e situações urbanas diferentes. Mas preocupa-me a situação
da criança hoje.
Pensando nessa dicotomia da infância que vivi e das infâncias que
presencio cotidianamente em meu trabalho como professor, pedagogo, brinquedista, contador
de histórias e curioso por natureza, passei a investir na ideia de levar a sério o brincar, as
brincadeiras e os jogos em minha prática diária. Encaro o pretensioso desafio de reinventar a
infância.
Graduei-me em Pedagogia pela USP, tornei-me contador de histórias
pela Prefeitura de São Paulo e fiz a formação de brinquedista e organizador de brinquedotecas
pelo Instituto Indianópolis e pela Associação Brasileira de Brinquedotecas (ABBri), da qual sou
membro filiado. Na ABBri, tive a oportunidade de ministrar oficina com a temática dos jogos em
sala de aula e organização de brinquedotecas.
No segundo semestre de 2012, fundei o grupo de estudos Coletivo
Brinquedista, articulando brinquedistas de vários lugares do Brasil e promovendo reflexões,
oficinas, estudos e ações sociais em diversas esferas. Como fruto desse trabalho, surgiu a
oportunidade de revisitar minha infância: montar um espaço cultural e uma brinquedoteca no
Pequeno Cotolengo – aquele dos pomares, despensas com doces e brincadeiras do começo
desta história. Desafio? Combater, por meio do brincar, a depressão e o sedentarismo de cento
e seis assistidos, portadores das mais diversas necessidades especiais. Atualmente, o projeto
está em fase final de implantação, angariando fundos e formando uma equipe voluntária de
atuação. Acabei tendo a oportunidade (e por que não escolha?) de me divertir com meu trabalho,
de poder ser um pedagogo-brinquedista ou um brinquedista-pedagogo.
Em tese, a vida
mostrou-me que nem todos os ipês dão
flores. Mostrou-me também que tirar os pés
do chão e subir em galhos mais altos pode
nos dar vertigem e medo. Por outro lado,
aprendi que a beleza é relativa quando se tem
imaginação. Aprendi também que um salto
adiante ou uma escalada mais alta podem
ser melhor encarados com um bom toque de
criatividade.
Se tenho saudades
do barranco da minha casa? Ah... como
tenho saudades. Mas posso reviver aqueles
sentimentos tão edificantes todo os dias!
Basta olhar o brilho nos olhos de cada aluno,
quando consigo fazer com que eles viajem
para seus quintais imaginários em cada
aula que dou; basta olhar o sorriso de uma
criança com paralisia cerebral e perceber que
naquele momento do brincar ela está além de
suas limitações corporais e deixa sua mente
viajar para seus universos encantados; basta
olhar na face de cada adulto que cruza meu
caminho e perceber que, naquela breve troca
de olhares e sorrisos, temos a oportunidade
de sermos um pouco crianças outra vez.
Então, caro leitor, faço-lhe um convite: vamos
brincar? Tire suas sandálias, pegue sua asa-
delta e venha brincar comigo.
Rodrigo Lima de Castro é professor
do 2º ano do Ensino Fundamental I.
250 251
r e s e n h a
254 Folias Galileu emtempos de desilusão
Três datas, três peças, três contextos. Trinta anos separam a publicação
de A Vida de Galileu, de Bertold Brecht, da encenação de Galileu Galilei, realizada pelo Teatro
Oficina de José Celso Martinez Corrêa. Mais de cinco décadas – precisamente cinquenta e
cinco anos – separam a montagem de Galileu Galilei da peça Folias Galileu; e setenta e cinco
anos separam o espetáculo concebido pelo prestigiado grupo paulistano Folias daquele criado
pelo dramaturgo alemão.
Datada de 1938, a primeira versão da peça de Brecht foi escrita num
momento delicado: quando se acreditava na vitória do regime fascista na Alemanha. No texto
que Fernando Peixoto chamou de “suma do pensamento brechtiano”, o dramaturgo alemão
aproveita as mazelas de seu tempo para investigar de que maneira um pensador reage quando
submetido a uma estrutura social repressiva, totalitária. Que responsabilidade tem o criador
sobre sua obra e sobre a sociedade? Que papel social tem um herói? Ele é necessário às massas?
É “infeliz a terra que não tem heróis?”, como afirma o personagem Andrea Sarti, já decepcionado
No mês de setembro deste ano, os alunos do 3º anodo Ensino Médio da Móbile foram convidados a assistir ao espetáculo Folias Galileu, baseado na peça mais conhecida do dramaturgo alemão Bertold Brecht(A vida de Galileu). O texto a seguir é uma resenha crítica da peça teatral.
256
com seu mestre Galileu, ou, ao contrário, é “infeliz a terra que precisa de heróis”?, como defende
o físico após abjurar. Qual a importância do conhecimento crítico proposto pela ciência? Pode
a razão ser arma contra a repressão e a barbárie? Essas são algumas das questões propostas
pela peça de clara estrutura dialética e viés marxista, escrita por Brecht num momento delicado
da história do Ocidente.
Protagonizada por Cláudio Corrêa e Castro, a peça do Teatro Oficina,
encenada em 1968, é vista por muitos críticos como uma espécie de retorno de José Celso
Martinez Corrêa ao teatro racionalista e à primazia da palavra, depois de dirigir aqueles que
foram considerados ícones do “desbunde”, do Tropicalismo, da contracultura, O Rei da Vela
e Roda Viva. (Espetáculos vistos por muitos intelectuais de esquerda, defensores de uma arte
engajada, como alienados e descompromissados com as grandes questões políticas presentes
no contexto da ditadura militar brasileira). De forma análoga ao que Brecht fez em seu tempo,
José Celso traça um paralelo entre sua encenação e o duro Brasil pós-1964. Vale lembrar que o
ensaio geral da peça Galileu Galileu se deu em 13 de dezembro de 1968, dia em que foi decretado
o temido Ato Institucional número 5. Em resenha crítica publicada no Jornal da Tarde, em 18 de
dezembro de 1968, Sábato Magaldi confirma a análise dos críticos que viam em Galileu Galilei
um retorno do Teatro Oficina ao racionalismo, tão valorizado pelos marxistas: “[...] José Celso
M. Corrêa havia proclamado sua descrença na eficácia do teatro racionalista e nos dá um
espetáculo prodigiosamente racional que é uma das mais nítidas provas do valor da razão. Mas
afirmar que o diretor, por felicidade, é contraditório apenas simplifica o problema sem ver-lhe
as diversas coordenadas. A verdade é que José Celso M. Corrêa tem vivido no âmago de todas
as fases do novo processo cultural brasileiro e as anima sempre com estímulos extremamente
valiosos e criadores. Confesso que temia ver Galileu transformado em festival tropicalista.
Nada tenho contra estes festivais: somente ficariam deslocados nessa obra-prima de Brecht.
José Celso assimilou a experiência do Rei da Vela e Roda Viva para encarar o monstro sagrado
brechtiano com uma audácia e uma liberdade inventiva que dizem bem tanto do encenador como
do texto. Talvez se José Celso não tivesse ousado antes, ele se colocaria em face do Galileu
com reverência e timidez prejudiciais. A teatralidade pura e desinibida que veio conquistando
garantiu à nova encenação uma grandeza e uma linguagem cênica admiráveis: Brecht, sem
a cartilha brechtiana, sem efeitos de afastamento catalogados nos manuais. Uma maravilha,
nunca um Brecht se fez entre nós tão isento de modismos brechtianos e nunca a palavra de
Brecht me pareceu mais límpida e comunicativa. Um didatismo preciso, inteligente, másculo e
poderoso.”
Salto no tempo. Em 2013, é a vez de o inquieto Folias arriscar-se na
montagem daquela que é considerada por muitos a principal obra de Brecht. Risco não inédito,
o que pode confirmar o público fiel e a crítica especializada que acompanham a trajetória de um
grupo que se estabeleceu como coletivo em 1997 e que se notabilizou por não temer correr riscos.
Vale rever: em 2003, o Folias apresentou ao público seu Otelo, estabelecendo um paralelo entre a
história contada por Shakespeare e a chegada ao poder, no Brasil, da esquerda. Questionava-se,
por meio da montagem mais aplaudida do grupo paulistano, se Lula se transformaria ou não no
Mouro que cede aos caprichos da “burguesia veneziana”. Ainda em tempos de Lula, em 2007,
aproveitando a efeméride da comemoração dos dez anos de criação do grupo, o Folias monta
sua trilogia sobre a formação do estado democrático, a Oresteia (O canto do bode), de Ésquilo –
a primeira tragédia grega, e única completa. O espetáculo foi concebido para ser uma alegoria
– crítica, ácida, provocativa – da formação das democracias na América Latina. Assim leu a
Oresteia do Folias a crítica Mariângela Alves de Lima em resenha publicada no jornal O Estado
de São Paulo, em 31 de dezembro de 2007: “[...] O grupo Folias d’Arte parece ter perdido senão a
esperança, a paciência. Apresentou este ano um espetáculo irado e animado na mesma medida
das suas produções anteriores. A diferença, no entanto, está na conclusão que acrescenta à
Oresteia, significativamente subintitulada O Canto do Bode. Bem ao contrário do propósito de
Ésquilo, a leitura contemporânea da trilogia não celebra a instauração da justiça democrática,
mas representa a redenção jurídica metaforizada pela instauração do tribunal civil como um
golpe demagógico, prelúdio melancólico de inumeráveis democracias de fachada. [...]”.
Em Otelo, o texto de Shakespeare permanece, mas com uma nova
tradução, em que se procurou valorizar (intencionalmente) o aspecto popular, coloquial – por
vezes chulo e vulgar – das falas originais, escritas pelo bardo, em inglês; a Oresteia do Folias
mantém parte significativa do texto da trilogia original de Ésquilo, mas com interferências
dramatúrgicas importantes feitas por Reinaldo Maia. Em Folias Galileu, ao contrário, o texto
original de Brecht cede espaço a uma criação totalmente original e coletiva, feita pelos atores do
espetáculo e lapidada por Heloísa Cardoso e Rafaela Penteado. O que não é um detalhe.
Na montagem do Folias, permanecem alguns personagens do texto
original de Brecht de 1938 – Andrea Sarti, Virgínia (filha de Galileu), Dona Sarti (governanta de
258
Galileu e mãe de Andrea) e Federzoni (operário-oculista, colaborador de Galileu) são alguns
deles. Têm voz, também, padres, matemáticos e personagens inventados, como é o caso da
aristocrática e católica mãe de Ludovico Marsili (noivo de Virgínia), apenas mencionada no
texto de Brecht, mas que ganha grande relevância na peça do Folias. É ela nossa anfitriã e a
responsável pela abertura e fechamento da peça, em registro irônico, perverso e sarcástico,
impresso com tintas quase expressionistas pela sua intérprete, Bete Dorgam.
Não há Galileu no Folias Galileu. Sabemos das descobertas, ousadias,
fracassos, relações, paixões, revoltas, desilusões do físico, matemático, astrônomo e filósofo
italiano por meio de “testemunhos” dados pelos personagens em quase duas horas de peça.
A direção de Dagoberto Feliz propõe uma solução cênica engenhosa para a inserção desses
monólogos: cabe ao público – ciceroneado pelas quase escravas da rica mãe de Ludovico
Marsili – percorrer o galpão do Folias e ouvir os depoimentos de Dona Sarti, Virgínia, do
Inquisidor, entre outros.
Andrea Sarti (adulto) é o único que permanece em cena todo o tempo,
fumando inúmeros cigarros e sentado em meio às arquibancadas. Logo no início da encenação,
o público se depara não com o menino deslumbrado e cheio de sonhos, encantado com as
descobertas do patrão de sua mãe, o pequeno Andrea, que abre a parte I do texto de Brecht;
o público se depara com um Andrea adulto, amargurado, decepcionado com seu mestre,
transformação que, na peça original, só se configura na parte XIII, quando Galileu abjura e afirma
detestar e maldizer todos seus “enganos” e “heresias”, “assim como quaisquer outros enganos
e pensamentos contrários à Santa Igreja”.
São as catorze esquetes, assistidas por aqueles que se aventuram
pela portaria do teatro, banheiro, café, camarins, rua, boteco em frente à sede da companhia,
que fornecerão ao público do Folias os mais diversos pontos de vista sobre a loucura de
Galileu quando afirma, no texto de Brecht, que “a Terra rola alegremente em volta do Sol, e as
mercadoras de peixe, os comerciantes, os príncipes e os cardeais, e mesmo o papa, rolam com
ela”. É percorrendo esse itinerário arriscado que o público entenderá a paixão e a mágoa de
Andrea com o professor de Matemática e Física da Universidade de Florença.
Não há como manter-se indiferente aos monólogos assistidos. Impacta
a crueza da senhora Marsili, ex-futura sogra de Virgínia, filha de Galileu, quando, logo no início
da peça, reduz o importante físico àquele “que disse e que desdisse”. Sua análise simplista do
capitalismo defende como “natural” um mundo em que convivem ricos e pobres, os quais devem
ser “incluídos socialmente”. Ironicamente, entrevista a plateia para descobrir as profissões das
pessoas que a compõem. Em sua avaliação, professores de literatura ensinam coisas inúteis,
atores são pessoas “sem função”, poetas são desqualificados, ainda que, generosamente, ela
aceite incluir esses desprivilegiados e desvalidos.
Na segunda cena, enlouquecido, um padre “e matemático” afirma ter
abandonado a astronomia em nome da “segurança do cotidiano”. A Procuradora da República,
que custeia as pesquisas de Galileu, defende que a ruína do físico reside no fato de ele não
pensar, como resultado de sua pesquisa, em um produto “realmente rentável” que a justifique.
Um outro padre fornece, em tom solene e monocórdico, típico das missas católicas, detalhes
sobre cada um dos paramentos sagrados e dos objetos litúrgicos presentes nos rituais da Igreja.
Ao contrário das propostas de Galileu, esses objetos, com valor e função definidos, garantiriam
a “ordenação da vida”, daí sua suposta importância para o homem.
Dona Sarti, a mãe do pequeno Andrea e governanta da casa de Galileu,
aparece em duas cenas, interpretada por duas atrizes: em uma delas, a atriz Gisele Valeri se
queixa, falando em italiano, dos gastos de seu patrão com livros, em lugar de leite, e mostra
empatia com as dores de Virgínia; na outra, a atriz Nani Oliveira cozinha um assado e confessa
que não enxerga nada no telescópio que mudou a história do homem e que fascinou seu
pequeno Andrea e o patrão.
Virgínia também se desdobra em duas na montagem do Folias: em
registro humorístico e histriônico, interpretada por Suzana Aragão, transforma a bilheteria do
teatro em confessionário e afirma não compreender por que o pai insiste na astronomia, quando
deveria pensar em algo mais rentável, como a astrologia. Vestida de noiva, aos gritos, em plena
Santa Cecília, goza com a possibilidade do sucesso e do reconhecimento que a figura pública
de seu pai – “já popular em Roma” – lhe poderia garantir. A outra Virgínia, interpretada com
delicadeza por Kátia Naiane, confessa, em meio a um inútil vestido de noiva, seu fracasso e
solidão, diante da recusa do noivo rico Ludovico Marsili em casar-se com ela, e fala sobre o alívio
de saber que seu pai havia renegado suas teorias em nome da Igreja e de sua sobrevivência.
Numa pausa entre uma cena e outra, a mãe de Ludovico seduz o público
com chá e biscoitos e lhe pergunta, em tom imperativo: “Quando um homem é queimado, são
queimadas suas ideias?” Para provar que não, a senhora Marsili relata a história de um escravo
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seu que, por “falar demais”, foi devidamente calado com açoites, mas mantido vivo para “melhor
controle”.
Numa das cenas mais comoventes do espetáculo, o público sobe ao
sótão do galpão, onde se localiza a sala de figurinos do Folias, para testemunhar o “ver com
olhos livres” de um Andrea ainda no frescor de sua infância, deslumbrado com a liberdade que
só o conhecimento proporciona. É lá que, num procedimento tipicamente brechtiano, a atriz
que interpreta Andrea se transforma em menino, diante do público, ao atar um pano aos seios.
Distanciamento e emoção.
Para quem conhece o trabalho do Folias, seria ingenuidade pensar que,
de fato, o grupo, ao montar seu Galileu, pretende apenas – o que não seria pouco – retomar o
drama vivido por uma das cabeças mais revolucionárias de todos os tempos. Ao contrário do
que é comum em seus programas, em que os paralelos possíveis entre teatro e realidade são
explicitados ao leitor por meio de ensaios críticos, em Folias Galileu cabe ao público arriscar-se
na tentativa de descobri-los.
Em editorial publicado no caderno Folias dez anos: Oresteia – O Canto
do bode (Edição especial 10 – primeiro semestre de 2007), lê-se: “Na história do Folias, temos
mantido como regra refletir sobre o mundo a partir de ‘nosso mundo’.” E o que, afinal, a partir
de Galileu, se poderia refletir sobre o tal ‘nosso mundo’ a que se refere o editorial? Em tempos
de esquemas de compras de votos de parlamentares e de retomada despudorada de um
neoliberalismo outrora combatido, não se poderia pensar na figura do amargo Andrea Sarti
como símbolo de uma classe intelectual traída e usurpada? Os inúmeros monitores presentes
na sala da Procuradora da República (responsável pelo financiamento das pesquisas de Galileu)
– que devassam a intimidade dos outros personagens e do público (que também se descobre
“gravado” pelas câmeras) – não seriam símbolo da hipermodernidade e da sensação da
existência do tal Grande Irmão, proposto por George Orwell no sempre atual 1984, que a todos
vigia e controla, em tempos de Obama? Ou, em outra perspectiva, seriam símbolo do voyeurismo
e do “narcisismo sob medida”, explorado por filósofos como Gilles Lipovetsky, defensores
da ideia de que, na contemporaneidade, focamo-nos exageradamente em nossas aflições
individuais e angústias, mas nos anestesiamos para o coletivo? E a figura da senhora Marsili?
Não poderia representar a hipocrisia de uma elite que defende a inclusão e a tolerância, mas
que não abre mão de lucros exorbitantes, de luxos desnecessários e se incomoda com a PEC das
domésticas e outros “abusos”? Dona Sarti seria metonímia de um grupo social cujo propósito
maior é a sobrevivência, cada vez mais difícil, e que não tem tempo ou disposição para grandes
discussões filosóficas e outros “supérfluos” e “frivolidades” da intelectualidade? A primeira
faceta de Virgínia – aquela que corre vestida de noiva pelas ruas perpendiculares à degradada
rua Amaral Gurgel – não seria representativa das pessoas que almejam sucesso a qualquer
custo? “O sucesso me deixa em êxtase!” – brada ela a certa altura.
O desfecho do Folias Galileu guarda uma surpresa (para o desiludido
Andrea e para o público que excursionou pelo galpão da Santa Cecília). O aprendiz de Galileu
descobre que, ainda que tenha abjurado, o pensador italiano não desistiu de suas pesquisas.
Dedicou sua vida a desafiar a cegueira humana, a ignorância e a prepotência dos poderosos que
sabem, como o sabe a senhora Marsili, que quando um homem é queimado não são queimadas
suas ideias. “Desconfiai do mais trivial,/na aparência, singelo./E examinai, sobretudo, o que
parece habitual./Suplicamos expressamente:/não aceites o que é de hábito/como coisa natural,/
pois em tempo de desordem sangrenta,/de confusão organizada,/de arbitrariedade consciente,/
de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural/nada deve parecer impossível de
mudar”, alertam os versos de Bertold Brecht, mas que poderiam ser de Galileu ou até mesmo
de Andrea. Com Folias Galileu, Mariângela Alves de Lima, o grupo Folias parece ter retomado a
esperança, embora a paciência tenha, de fato, se esgotado, o que não é difícil de entender.
Wilton Ormundo é vice-diretor pedagógico e professor de Estudos Literários do Ensino Médio
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