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ANÁLISE DO DISCURSO HEGEMÔNICO SOBRE OS POVOS INDÍGENAS
NO REFERENCIAL CURRICULAR E NO LIVRO DIDÁTICO DE
GEOGRAFIA DO ENSINO MÉDIO DE MATO GROSSO DO SUL
LEAL, Sanderson Pereira1
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS
Resumo O presente artigo é o resultado de estudos e pesquisas realizados no mestrado Profissional em
Educação da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Por meio da teoria
materialista-histórica de Karl Marx e do conceito de hegemonia em Gramsci, objetiva-se analisar
os discursos, representados pelos conteúdos, competências e/ou habilidades contidos no
Referencial Curricular e artefatos culturais da disciplina de Geografia do Ensino Médio da rede
estadual de Mato Grosso do Sul (MS) no que tange a temática sobre os povos tradicionais
indígenas em território nacional – os conhecimentos e as lutas constantes destas minorias pelos
direitos garantidos na constituição do Brasil (1988). As relações de poder e as ideologias contidas
em discursos presentes sobre os povos indígenas na área da educação pública devem ser
analisadas, discutidas e, por vezes descontruídas, para que possam retratar o Outro como sujeito
político autônomo e construtor de sua própria história.
Palavras Chave: Discurso Hegemônico, Geografia e Povos Indígenas.
1 Professor de Sociologia da rede pública estadual na cidade de Campo Grande, especialista em Cultura e
História dos Povos Indígenas pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, mestrando do Programa
Profissional em Educação pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.
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Introdução
Este artigo é parte de um trabalho que envolve estudos e pesquisas realizados no
Programa Profissional em Educação pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
(UEMS) e tem o objetivo de analisar os discursos, representados pelos conteúdos,
competências e/ou habilidades contidos no Referencial Curricular do Ensino Médio
(RCEM) e artefatos culturais2 - livros didáticos - da disciplina de Geografia no Ensino
Médio da rede estadual de Mato Grosso do Sul(MS), relacionado aos conhecimentos e as
lutas dos povos indígenas em território brasileiro.
Sendo a escola uma importante instituição histórica de socialização das novas
gerações nas sociedades modernas, é também um instrumento poderoso para a
manutenção do status quo, pois desempenha um papel importante dentro da
superestrutura que controla as forças produtivas, servindo para adestrar as massas a
ocuparem seu devido lugar na ordem capitalista. Ordem em que, segundo Marx; Engels:
As classes que detêm à sua disposição os meios de produção material dispõe,
ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o que faz com que à ela
sejam submetidas ao mesmo tempo e em média, as ideias aqueles aos quais
faltam os meios de produção espiritual. As ideias dominantes nada mais são
do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações
materiais dominantes concebidas como ideias; portanto, a expressão das
relações que tornam uma classe a classe dominante; portanto, as ideias de sua
dominação.(1999, p.72)
O estudo da temática indígena em sala de aula é um desafio para os profissionais
da educação, em especial no estado de MS, considerado o estado que apresenta o maior
número de conflitos étnicos - subjacentes às disputas de terras entre povos indígenas e
fazendeiros não índios - em todo o território brasileiro. Segundo dados registrados por
órgãos governamentais e analisados pelo Conselho Indigenista Missionário(CIMI):
[..] houve 137 assassinatos de indígenas em todo o país, sendo que 36 deles
foram registrados pelo Dsei-MS3. Os dados da Sesai4 no entanto, não permitem
uma análise mais aprofundada, visto que não apresentam informações
detalhadas das ocorrências, tais como faixa etária das vítimas, localidade e
povo. Os dados sistematizados pelo Cimi registraram um total de 54 vítimas,
2 Artefato cultural é aqui caracterizado como um instrumento portador de inúmeros discursos e
conhecimentos que podem ou não traduzir a verdade sobre fatos históricos e presentes, podendo em muitos
casos legitimar discriminações a medida que não reconhecem o relativismo e a diversidade cultural de uma
sociedade.
3 Distrito Sanitário Indígena de Mato Grosso do Sul. 4 Secretaria de Saúde Indígena.
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sendo que 20 das ocorrências aconteceram no Mato Grosso do Sul, que
novamente é o estado com o maior número de casos. (CIMI, 2015)
Diante das notícias vinculadas pelos mecanismos de comunicação de massa que
tendem à defesa dos interesses de grupos hegemônicos – hegemonia como categoria de
Gramsci e que segundo Rodrigues “[...] propõe uma relação entre estrutura e
superestrutura e tenta se distanciar da determinação da primeira sobre a segunda,
mostrando a centralidade das superestruturas na análise das sociedades avançadas”
(RODRIGUES, 2010, p. 71) - em nossa sociedade, vinculados principalmente ao domínio
econômico do agronegócio dentro do estado de MS, é necessário discutir e construir
alternativas possíveis dentro da escola pública para lidar com os estereótipos e o estigma
a que são relegados os povos indígenas em muitos setores de nossa sociedade.
Por meio de artefatos culturais como o livro didático e do referencial curricular,
que são determinados pela Secretaria Estadual de Educação (SED) de MS, possuidores
de discursos hegemônicos entre profissionais da educação pública, é demonstrado as
relações de poder e predomínio de ideologias que configuram uma pretensão de manter
os povos indígenas como grupos distantes e atrasados com relação aos não índios.
Investigar os discursos presentes nos instrumentos de controle do processo de
aprendizagem dentro das salas de aula é primordial para fomentar o diálogo e a construção
do (s) conhecimento (s) com as “diferenças étnicas” presentes e atuantes em nossa
sociedade (BHABHA, 2005). Constituidores de direitos, os povos indígenas buscam a
legitimação de seus saberes e interesses frente a discriminação e a marginalização diária
por parte de órgãos e instituições estatais como a escola pública no país. Diante desse
cenário, é necessário ficar vigilante para o respeito à lei 11.6455 no que tange a temática
indígena quando diz:
Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e
privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e
indígena.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos
aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população
brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da
África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a
cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade
nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e
política, pertinentes à história do Brasil. (BRASIL, 2008)
5Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino
a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena.”
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Pode-se ver a preocupação em cumprir a referida Lei 11.645 por meio da ênfase
dada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a Educação Básica:
[...] é oportuno reafirmar que a correta inclusão da temática dos povos
indígenas na Educação básica tem fortes repercussões pedagógicas, tanto na
formação de professores quanto na produção de materiais didáticos que por sua
vez, devem valorizar devidamente a história e a cultura dos povos indígenas,
tanto quanto dos demais grupos étnicos e raciais, constituidores da sociedade
brasileira, repercutindo na construção da imagem do povo brasileiro e no
reconhecimento a diversidade cultural e étnica que caracteriza nossa sociedade
como multicultural, pluriétnica e multilíngue. (BRASIL, 2015).
Esse trabalho subdividido em 5 partes: a primeira refere-se a introdução; a
segunda e terceira partes se relacionam à análise do RCEM para a disciplina de Geografia
da rede Estadual de MS – sendo esta disciplina escolhida para a concentração da análise
devido a sua importância metodológica para focalizar principalmente nos graves conflitos
que envolvem a questão agrária entre povos indígenas e fazendeiros não índios em MS -
e a compreensão dos discursos e/ou conhecimentos sobre a temática dos povos indígenas
dentro da proposta do Programa Nacional do Livro Didático(PNLD)6 para os três anos –
1º, 2º e 3º - do Ensino Médio; a quarta parte pretende discutir sobre a importância dos
cursos de especialização que visam a capacitação e/ou formação continuada de
professores e profissionais da educação básica na temática indígena –cultura e história -
tomando com área de pesquisa a cidade de Campo Grande e por fim as considerações
finais.
1-Orientações curriculares e o processo hegemônico na construção dos discursos
sobres os povos indígenas
As orientações curriculares da disciplina de Geografia para o Ensino Médio da
rede estadual de MS, são determinadas pelo RCEM estabelecido no ano de 2007 pela
SED/MS, disponibilizado às unidades escolares a partir do ano de 2008 e vigente até os
dias atuais. Segundo o próprio RCEM, os conteúdos e/ou conhecimentos, competências
6 O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) tem como principal objetivo subsidiar o trabalho
pedagógico dos professores por meio da distribuição de coleções de livros didáticos aos alunos da educação
básica. O programa é executado em ciclos trienais alternados. Assim, a cada ano o MEC adquire e distribui
livros para todos os alunos de um segmento, que pode ser: anos iniciais do ensino fundamental, anos finais
do ensino fundamental ou ensino médio. (MEC, 2017).
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e habilidades contidos em seus escritos, com parceria dos professores da rede estadual de
ensino e Instituições de Ensino Superior (IES) – Federal, Estadual e Privada7 – devem ser
direcionados pelos princípios, fundamentos e procedimentos das DCNs instituidos pelo
MEC.
Analisando o discurso que precede e que determina a visão ideológica aos
conteúdos, competências e habilidades que devem ser trabalhados em cada disciplina,
este Referencial Curricular assumiu o compromisso de respeitar e cumprir a lei 11.645/08,
no item “1.6 Educação das relações étnico-raciais e quilombola”:
Acerca das temáticas em questão, cabe ressaltar a obrigatoriedade no
atendimento às proposições políticos-pedagógicas expressas na Resolução
CNE n. 01/2004, no Parecer CNE 003/2004 e nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (SECAD/MEC, 2004). Essas
Diretrizes foram elaboradas a partir da alteração da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional – (LDB), Lei nº 9.394/96, por meio dos dispostos nas
Leis nº 10.639/03 e nº 11645/08, que determinam a inclusão do ensino de
História e Cultura Africana, Afro-Brasileira e Indígena no currículo oficial. (
MATO GROSSO DO SUL, 2012, p. 32).
Em todo esse discurso inicial – RCEM/SED, os povos indígenas aparecem apenas
citados indiretamente, poucas vezes e de forma generalizante, com por exemplo, em
conceitos de “respeito a diversidade étnico-racial” ou “diferenças e singularidades”.
(MATO GROSSO DO SUL, 2012, p.33; 220). O texto refere-se diretamente aos povos
indígenas apenas no conteúdo que não faz parte do objeto de estudo aqui analisado.
Percebe-se uma contradição inicial entre o desejo do discurso em cumprir a
legislação e o desinteresse da instituição educacional em fazer transparecer a (s) cultura
(s) e história (s) dos povos indígenas como algo importante a ser estudado nas diferentes
disciplinas. Sobre as contradições dentro da instituição educacional Jesus diz que:
...o conceito de “educação” está vinculado organicamente a “hegemonia” e é
fator importantíssimo para a compreensão e solução das contradições
existentes nas relações de classe. Mais uma vez, é o conceito-chave de
“hegemonia” que vai possibilitar a Gramsci interpretar e conceituar o fato
educativo de modo original, relacionando-o com as estruturas sociais. Não
existe uma educação neutra no sentido de ser desvinculada dos fatores
ideológicos pertencentes a uma classe, mas, o que a análise gramsciana quer é
acentuar o modo como o processo educativo é utilizado pelas classes
fundamentais, isto é, a dos dominados e dos dominantes. (1985, p.37)
7 O Referencial Curricular da SED/MS direcionado a todas as disciplinas do Ensino Médio teve como
colaboradores além da própria SED/MS a Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul, Instituto Federal de Mato Grosso do Sul e Instituto de Ensino Superior da
Funlec da cidade de Campo Grande.
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Passando aos conteúdos, habilidades e competências específicos à disciplina de
Geografia que deverão ser trabalhados pelos professores nas escolas, fica claro a
marginalização em relação à temática indígena dentro deste RCEM, sendo citados em
apenas 2 subtemas (ao lado de outros conhecimentos) em 121 subtemas de todo o RCEM
para a disciplina de Geografia para os 3 anos do Ensino Médio, não sendo citado em
nenhum tema central dos 31 temas disposto neste Referencial.
A primeira citação da temática indígena aparece por meio da descrição
“comunidades indígenas” em conteúdos do 4º Bimestre do 1º ano, que possui 3 temas
centrais – Produção Agropecuária com 5 subtemas; Agricultura e Pecuária Brasileira com
5 subtemas; Políticas da Terra com 2 subtemas – estando dentro do tema Políticas da
Terra, no 2º subtema cujo título é Conflitos no Campo, junto a outros conteúdos
(assentamentos rurais, quilombolas e demais etnias) a serem estudados. Segue Quadro do
disposto no RCEM para a disciplina de Geografia como exposto abaixo para uma melhor
visualização.
Quadro 1 - Área de Conhecimento: Geografia 1º ano do Ensino Médio
4º Bimestre – Conteúdos
PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA
. Os sistemas agrícolas
. Política agropecuária
. As empresas agrícolas
. Problemas ambientais relacionados à agropecuária
. Agropecuária em países desenvolvidos e subdesenvolvidos
AGRICULTURA E PECUÁRIA BRASILEIRA
. Evolução agrícola no país
. Agricultura familiar
. Modernização agrícola
. Produção pecuária
. Produção agrícola
POLÍTICAS DA TERRA
. Relações de trabalho na zona rural
Conflitos no campo: A luta pela terra, assentamentos rurais, comunidades indígenas, quilombolas e
demais etnias.
COMPETÊNCIAS/HABILIDADES
. Caracterizar e compreender os principais problemas do espaço agrário brasileiro (política
ambiental, política agrária e movimentos sociais).
. Compreender os processos de modernização agropecuário e suas repercussões.
. Relacionar as formas de apropriação do espaço pelo homem e os problemas ambientais causadas
por estas atividades.
Fonte: Referencial Curricular SED/MS, 2012.
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Causa confusão teórica a colocação de conteúdos díspares e abrangentes
relacionados aos assentamentos rurais, comunidades indígenas, quilombolas e demais
etnias dentro do tema Conflitos no Campo. Será que nesses grupos estão em conflitos
entre si? O texto demonstra que em cada grupo desses há conflitos internos pela terra?
Por que não são apresentados os grupos hegemônicos ligados ao agronegócio e/ou
latifúndio como relacionados a temática conflitos no campo? O que querem dizer com o
termo “Demais Etnias”? Como será que o professor com pouco tempo de aula para
ministrar esses conteúdos – média de 20 aulas de 50 minutos cada por bimestre – poderá
racionalizar a melhor forma de trabalhar os Conflitos no Campo e todo conteúdo do
bimestre sem levar em conta contextos históricos-políticos da questão indígena no Brasil?
No item que propõe as competências e habilidades que devem ser desenvolvidas
complementarmente aos conteúdos, é demonstrado mais uma vez a falta de preocupação
em especificar e contextualizar os conteúdos. Quando diz em “caracterizar e compreender
os principais problemas do espaço agrário brasileiro (política ambiental, política agrária
e movimentos sociais)” (MATO GROSSO DO SUL, 2012, p.219), vale questionar quais
são os movimentos sociais em questão e como estes movimentos sociais podem se
associar aos problemas do espaço agrário brasileiro?
Essas são questões que devem ser tratadas para demonstrar a forte dinâmica de
relações de poder que tendem a favorecer os interesses da classe hegemônica no por meio
do RCEM de MS, apresentando-os como modernos e importantes para o desenvolvimento
agrário e marginalizando as minorias indígenas como ligados unicamente aos conflitos
no campo.
A segunda e última citação referente a temática indígena no RCEM para a
disciplina de Geografia, ocorre dentro do 1º bimestre do 2ºano no último subtema, cujo
título é “A situação dos índios e dos afrodescendentes no Brasil”, dentro do 3º tema “Etnia
e cultura no mundo e no Brasil”(MATO GROSSO DO SUL, 2012, p. 220)como exposto
no quadro que segue.
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Quadro 2 - Área de conhecimento: Geografia 2º. Ano do Ensino Médio 1º Bimestre – Conteúdos
DINÂMICA POPULACIONAL
. Crescimento demográfico e evolução populacional . Distribuição da população ativa
. Teorias de Malthus, Neomalthusiana e Reformista . Distribuição de renda
. Estrutura: número, sexo e idade . Movimentos migratórios
POPULAÇÃO BRASILEIRA
. Formação da população brasileira . Estrutura da população por região
. Movimentos migratórios e grupos de imigrantes . Distribuição da população econômica-
. Crescimento vegetativo mente ativa e distribuição de renda
ETNIA E CULTURA NO MUNDO E NO BRASIL
. Diversidade étnica . Relativismo cultural e tolerância
. Diversidade cultural . Civilização ocidental e modernidade
. O choque entre culturas e etnocentrismo . A situação dos índios e dos afro-
. As lutas raciais descendentes no Brasil
Competências/Habilidades
. Observar tabelas, gráficos e mapas como meios de compreensão e estudo da dinâmica demográfica
mundial e brasileira.
. Identificar, compreender e discutir as principais mudanças na composição e distribuição da população
mundial e brasileira.
. Compreender a diversidade étnica cultural como base da riqueza cultural da humanidade, por meio de
mapas em diferentes escalas.
. Reconhecer a diversidade linguística, religiosa e étnico-cultural em diferentes regiões do planeta.
. Compreender a dinâmica demográfica mundial contemporânea, examinando mapas de fluxo e
movimentos, reconhecendo as principais áreas emissoras e receptoras de grupos populacionais e as
repercussões dos deslocamentos.
Fonte: Referencial Curricular SED/MS, 2012.
No quadro 2, que fala da “situação dos índios”, não há aprofundamento a respeito
de que tipo de situação deve ser compreendida, deixando de dialogar com a diversidade
de etnias indígenas no território nacional, cada qual apresentando uma identidade cultural
e histórica particular, que foram e estão sendo construídas em inúmeras situações na
sociedade nacional. Isto entra em contradição com as competências/habilidades para
esses conteúdos quando buscam “compreender a diversidade étnica cultural com base da
riqueza cultural da humanidade” (MATO GROSSO DO SUL, 2012, p. 220).
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Essas duas citações sobre os povos indígenas, refletem a dinâmica dos discursos
hegemônicos em diversas configurações estereotipadas e generalizantes. A temática
indígena, seus conhecimentos, histórias e culturas, ficam quase ausentes dos conteúdos
da disciplina de Geografia e quando raramente são apresentados, pouco contribuem para
o fortalecimento da consciência sobre a importância dos povos indígenas para a
construção da sociedade brasileira.
2-Livro didático de Geografia e seu discurso sobre os povos indígenas em território
nacional
O livro didático possuidor de discursos que contemplam interesses e relações de
poder antagônicos e contraditórios de uma sociedade, deve ser analisado como um
instrumento importante dentro do processo de ensino-aprendizagem. Para dar
fundamentação à análise do discurso hegemônico sobre os povos indígenas no RCEM
para a disciplina de Geografia, buscou-se pesquisar 2 livros didáticos de Geografia do 1º
e 2º anos do Ensino Médio escolhido por professores – dentro da proposta do PNLD - de
uma escola estadual na cidade de Campo Grande. Os livros são de autoria de Silva, Olic
e Lozano, intitulados de “Geografia: contextos e redes” foram escolhidos para esta análise
por fazerem parte da escola estadual que concentra as – questionários qualitativos - desta
investigação.
No livro Geografia: Contextos e redes do 1º ano do Ensino Médio, das 234 páginas
de conteúdos diversos relacionados a disciplina apenas 2 páginas possuem textos
direcionados a temática indígena, ou seja, menos de 1% do conteúdo total do livro.
No texto da primeira página sobre a temática indígena cujo título é O que é “terra
indígena”, Capítulo 4: Território Brasileiro/Leitura complementar, ocorre uma tentativa
de explicar a representação da terra para os povos indígenas, assim como o tratamento
dispensado pela Constituição Federal em seu artigo 231 sobre o assunto das terras
indígenas e a necessidade de demarcação das mesmas.
O texto da outra página intitulado “Indígenas brasileiros”, Capítulo 4: Território
Brasileiro/Você no mundo, trata da diversidade indígena em apenas 3 linhas, propondo
seminário em grupo sobre pesquisa em revistas, livros e na internet.
Contrapondo o RCEM da disciplina de Geografia analisado aqui com os
conteúdos sobre a temática indígena do livro didático, percebe-se claramente a distorção
que há entre assuntos díspares. O RCEM expõe a questão dos conflitos no campo e os
direciona confusamente às comunidades indígenas, enquanto o livro didático trata da
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representação da terra dentro da cosmologia dos povos indígenas sem citar questões
históricas das lutas pelo direito à terra destas minorias. No segundo texto aparece a
questão da diversidade a ser pesquisada pelos estudantes sem ao menos ser citado este
assunto no Currículo para os 1º anos.
Analisando o livro de Geografia dos 2º anos, mesmo título e autores, foram
contatos 220 páginas contendo conteúdos de diferentes temas relacionados à Geografia,
e à temática indígena é apresentada em apenas 3 páginas, ou seja, pouco mais de 1% de
conteúdos totais do livro didático. O texto referente as 3 páginas está sob o título “Os
indígenas”, Capítulo 7: A população brasileira, refere-se a questão indígena no séc. XX,
atuação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e
demarcação das terras indígenas.
Apesar da tentativa do livro em expor os problemas enfrentados pelos povos
indígenas ao longo da história de formação da sociedade nacional, os resultados são pouco
expressivos diante do pouco conteúdo relacionado a temas tão amplos. Contrapondo o
RCEM de Geografia e o livro didático para o 2º anos do Ensino Médio, fica evidente que
o livro não atende a proposição feita pelo Referencial quando este diz, na parte de
Competências/habilidades, que busca-se “compreender a diversidade étnica cultural
como base na riqueza cultural da humanidade, por meio de mapas em diferentes escalas.”
(MATO GROSSO DO SUL, 2012, p.220).
Não são apresentados mapas sobre a diversidade étnica indígena em território
brasileiro, é apresentado apenas um mapa sobre a distribuição de terras indígenas
regularizadas em território nacional sem demonstrar preocupação em revelar as terras em
conflitos entre os povos indígenas e setores hegemônicos do agronegócio de nossa
sociedade. Portanto, o livro não evidencia preocupação em retratar a verdadeira situação
dos povos indígenas em território nacional no século XXI.
A análise do livro didático escolhido pelos professores demonstra ausência de
conhecimentos sobre a temática indígena e uma visão etnocêntrica que interessa aos
grupos hegemônicos, pois segundo Leal & Calderoni :
[...] silenciamento em relação aos conhecimentos sobre os povos indígenas
dentro de um artefato cultural de extrema importância para o trabalho docente
e para a construção das identidades indígenas, como é o caso do livro didático,
torna-se praticamente difícil a inserção de temas relacionados à diversidade
cultural na sociedade nacional e, portanto, tende a fortalecer estereótipos e
representações generalizantes e imprecisas sobre estes povos que há séculos
são aceitas e mantidas como verdadeiras pela visão etnocêntrica
dominante.(2015, p.439)
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O RCEM de MS não representa os interesses das minorias indígenas, não
manifestando preocupação no estudo da temática indígena dentro de seus conteúdos. Isso
é agravado por discursos presentes em livros didáticos de Geografia que silenciam ainda
mais este estudo e prejudica uma política de autonomia do docente para o respeito à Lei
11.645/08 no que tange ao estudo e compreensão da temática indígena na Educação
Básica no estado de MS.
3-Formação continuada dos profissionais da Educação Básica para a temática
indígena em Campo Grande
A formação continuada dos profissionais da Educação Básica no Brasil é um
grande desafio para as instituições públicas de ensino em suas mais variadas
competências. Professores com cargas horárias distribuídas em diversas escolas, salas de
aulas com excesso de alunos, sobrecarga de atividades, políticas salariais desestimulantes,
dificuldades de mobilidade nos grandes centros urbanos e ausência de planos de carreira
que valorizem a formação continuada são alguns dos desafios enfrentados pelos
profissionais da Educação Básica em seus esforços para adquirirem novos conhecimentos
por meio de cursos oferecidos por Instituições Superiores (IS) privadas e públicas em
parcerias com o MEC e Secretarias Municipais e Estaduais no Brasil.
A Lei 11.645/08 impõe uma política educacional de capacitação e/ou formação
continuada aos profissionais da Educação Básica como pretende os PCNs (MEC, SEF,
1997):“ Esta proposta traz a necessidade imperiosa da formação de professores no tema
da Pluralidade Cultural. Provocar essa demanda específica, na formação docente, é
exercício de cidadania.” Como proporcionar essa capacitação e/ou formação continuada
com qualidade, direcionada ao cumprimento da Lei 11.645/08 e que também possa
atender os desafios constantes dos profissionais da Educação Básica apontados acima?
Bons exemplos de formação docente que visa atender à Lei 11.645/08 são os
cursos de capacitação e especialização oferecidos pelo sistema de Universidade Aberta
do Brasil (UAB/CAPES), como o curso de especialização Antropologia e História dos
Povos Indígenas8 no módulo EAD (Educação á Distância) que possibilitam uma estrutura
de profissionais capacitados na temática indígena para lecionar dentro de plataformas
8 Ver: https://sedfor.ufms.br/antropologia-e-historia-dos-povos-indigenas/
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virtuais/modernas que se constituem em mecanismos de diálogo aberto e politizado de
ensino-aprendizagem.
Em questionário aplicado a dois profissionais do Ensino Médio em uma escola
estadual na cidade de Campo Grande em MS constata-se a importância desse modelo de
formação à distância em cursos oferecidos a professores da rede pública desta cidade,
como o curso citado – Antropologia e História dos Povos Indígenas. Em uma pergunta
sobre a eficácia ou não do curso para o cumprimento da lei 11.645/08 e para a vida
profissional do entrevistado, obtivemos a seguinte resposta da professora-coordenadora
D.R : “Ter a compreensão da abrangência interdisciplinar, competências e habilidades
para ações docentes qualificadas para atuar na coordenação de várias áreas de ensino
e contribuiu para a minha formação da cidadã em seu sentido mais amplo”. A mesma
profissional destaca como aspectos positivos do curso: “Fazer o próprio horário, conforme
minha disponibilidade e chats, fóruns e materiais de apoio sempre disponíveis”; e como
aspectos negativos: “O curso exige uma grande quantidade de trabalhos, o que exige
mais empenho para não perder prazos e não desistir, e por não haver um professor
interagindo o tempo todo com o aluno para orientar as discussões e tirar possíveis
dúvida”.
Outro profissional entrevistado, o professor de Sociologia e Filosofia S.L disse
sobre a importância do curso CHPI(Cultura e História dos Povos Indígenas):
“Possibilitou adquirir novos conhecimentos sobre a temática indígena, algo que não
ocorreu na licenciatura (formação inicial), e aumentou o interesse sobre a questão
indígena em nossa região”; em relação aos aspectos positivos do curso, o mesmo
professor relata que : “São os horários flexíveis, e a estrutura de profissionais
capacitados para dar suporte as dúvidas e questionamentos dos estudantes”; com
relação aos aspectos negativos, o mesmo professor diz: “ Não percebi aspecto negativo”.
Quando perguntado para os entrevistados se apoiariam novas propostas de cursos
de formação continuada para profissionais da Educação Básica, os dois deram respostas
positivas, e a professora-coordenadora complementou dizendo que: “É necessário
garantir um espaço de reflexão sobre os saberes docentes e as práticas pedagógicas
objetivem contemplar a diversidade étnico-racial, já que grande parte das concepções se
caracterizam por conteúdos que desconsideram ou tratam de forma estereotipada a
pluralidade cultural e as diversidades étnicas”.
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Estes relatos demonstram a importância da formação continuada de profissionais
da educação básica para a temática indígena, sendo de fundamental importância novas
cursos em diferentes modalidades (capacitação, aperfeiçoamento e/ou especialização,
presenciais e/ou à distância) para abranger maior número de profissionais da educação
pública à estarem preparados aos novos desafios de uma educação formal cada vez mais
dinâmica e estruturada em relações sociais de poder conflituosas e contraditórias que
tendem a disfarçar as desigualdades por meio de currículos e artefatos culturais dentro da
Educação Básica.
Considerações Finais
No estado de Mato Grosso do Sul as minorias sociais indígenas são
marginalizadas diante de interesses e relações de poder emanadas dos grupos dominantes
ligados ao latifúndio e ao agronegócio. Esses grupos dominantes capitalistas, dentro do
Estado, interferem e, por vezes, controlam os meios de comunicação – jornais, revistas,
televisão – com forte presença na estrutura do Estado por meio do financiamento de
políticos e suas campanhas eleitorais.
A escola é uma instituição social importante para a socialização de crianças e
jovens segundo preceitos democráticos no que tange ao cumprimento da Constituição
Federal Brasileira (1988). Diante da 11.645/08, que trata sobre a inclusão da temática da
história e cultura africana e indígena dentro do ensino básico, cabe analisar os percalços
da implantação efetiva desta lei dentro do Currículo e dos artefatos culturais do Ensino
Básico.
A análise dentro da disciplina de Geografia – Currículo e livros didáticos – da rede
estadual de Ensino de Mato Grosso Sul, demonstra as dificuldades de impor uma política
voltada ao cumprimento e respeito à legislação vigente. Os interesses e o predomínio da
ideologia hegemônica capitalista nos discursos sobre os povos indígenas em conteúdos
das áreas das Ciências Humanas, fazem parte da superestrutura que exerce enorme poder
de controle sobre as instituições brasileiras, colando a educação como mecanismo que
tende a fortalecer a ideologia dominante e usurpadora dos interesses dos grupos
minoritários de nossa sociedade.
Os questionamentos dos interesses hegemônicos dentro das instituições de
educação na sociedade brasileira, por meio da análise aqui realizada, tendem a contribuir
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para enfraquecer o senso comum controlado pela ideologia burguesa, pois segundo
Gramsci (1978, p. 119) “A base científica de uma moral do materialismo histórico, ao
que me parece, deve ser buscada na afirmação de que ‘a sociedade não se propõe objetivos
para cuja solução já não existam as condições necessárias”.
Essa dominação ideológica das superestruturas, controlando e determinando as
ações coletivas a favor dos interesses capitalistas dominantes na sociedade brasileira, é
constantemente criticada por setores minoritários que lutam pelo reconhecimento de
direitos historicamente conquistados e garantidos pela Constituição Federal (1988). Bons
exemplos de cursos de capacitação e/ou formação continuada de professores da Educação
Básica por meio da UAB contribuem para o fortalecimento da temática indígena – cultura
e história – dentro das salas de aula por meio de profissionais atentos e aptos ao
cumprimento a Lei 11.645/08.
Cabe ao pesquisador em educação dar voz as minorias, incentivar o diálogo entre
Universidade, escola e sociedade, buscando descontruir o(s) discurso(s) hegemônico(s)
que impeçam o respeito e valorização às diferenças étnicas da qual é constituído o Estado
brasileiro.
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