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André de Oliveira Navarro
ANÁLISE DO ATUAL MODELO
PROIBITIVO: A LEGALIZAÇÃO COMO
NOVO MODELO
Monografia apresentada no curso de graduação da Faculdade de Direito
de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Curso de Direito para conclusão do
curso de Direito.
Orientação: Prof. Dr. Víctor Gabriel De Oliveira Rodríguez
Ribeirão Preto
2013
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Resumo: Esse trabalho tem por objetivo analisar o atual modelo de
drogas mundial para encontrar suas falhas e propor mudanças, adotando duas
visões: uma ampla, estudando o que ocorre no mundo todo, e uma local,
estudando o que ocorre especificamente no Brasil. Parte-se de uma análise
histórica da evolução das drogas, desde o seu surgimento até a sua proibição,
demonstrando como o modo de lidar do ser humano para com elas foi se
alterando até ao ponto da total proibição dessas substâncias. A partir disso,
passa-se a analisar os resultados da política proibitiva que se adotou,
demonstrando que os objetivos desse modelo não foram atendidos; pelo
contrário, surgiram novos problemas resultantes do modelo adotado, pois ele se
mostrou ineficiente e danoso a toda a sociedade. Constata-se a necessidade de
um modelo mais racional para lidar com esse problema, e que tal modelo passa
necessariamente pela legalização dessas substâncias, que deve ser feita por
meio da regulação econômica de seu mercado. Por fim, faz-se uma análise das
especificidades brasileiras com relação às drogas, analisando-se a sua
legislação, desde os aspectos constitucionais até os infraconstitucionais,
verificando a existência também de falhas graves nesse aparato, e
demonstrando as iniciativas que estão sendo feitas para alterar-se essa
realidade.
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Abstract: This paper aims to analyze the current drug world model
to find their flaws and propose changes, adopting two views: a wide, studying
what happens in the world, and a place, studying what occurs specifically in
Brazil. It starts with a historical analysis of the evolution of the drugs, from its
emergence until its ban, demonstrating how the way of human being to deal
with them was being altered to the point of complete ban on these substances.
From this, it goes to analyze the results of the prohibitive policy that was
adopted, demonstrating that their objectives were not met; on the contrary, new
problems arose from this model adopted because it was inefficient and harmful
to the entire society. There is the need for a more rational model to deal with
this problem, and that such a model goes through the legalization of these
substances, which must be done through the economic regulation of their
market. Finally, there is an analysis of the Brazilian specifications in relation to
drugs, analyzing their legislation, since the constitutional aspects to the legal,
also verifying the existence of serious flaws in his system, and demonstrating
the initiatives that are being made to change this reality.
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Sumário
Folha de rosto – pág.1
Resumo – pág.2
Abstract – pág.3
Sumário – pág.4
Introdução – pág.7
1 – Origens históricas das drogas – pág. 11
1.1- A maconha – pág. 11
1.2- A cocaína – pág. 13
1.3- A heroína – pág. 16
1.4- O caminho para a proibição – pág. 18
2 – A economia das drogas – pág. 24
2.1 – O funcionamento do tráfico – pág. 24
2.2 – Os instrumentos da política proibitiva – pág. 33
2.2.1 – Instrumentos voltados para a produção – pág. 34
2.2.1.1 – Erradicação – pág. 34
2.2.1.2 – O desenvolvimento alternativo – pág. 38
2.2.1.3 – In-country enforcement – pág. 40
2.2.2 – Instrumentos voltados para o tráfico – pág. 41
2.2.2.1 – A interdição – pág. 41
2.3 – Os custos da guerra – pág. 45
2.3.1 – Os custos financeiros – pág. 45
2.3.2 – Saúde pública – pág. 48
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2.3.3 – Perdas dos camponeses – pág. 51
2.3.4 – O crime organizado e o terrorismo – pág. 54
2.3.5 – O excedente do sistema prisional – pág. 62
2.4 – O consumo de drogas – pág. 66
2.4.1 – O funcionamento da demanda de drogas – pág. 69
2.4.2 – Possíveis modelos de legalização – pág. 74
3 – Questões fundamentais de direito com relação às drogas –
pág. 76
3.1 – As três liberdades básicas: o consumo, a produção e o
comércio – pág. 77
3.1.1 – A liberdade de consumir – pág. 77
3.1.2 – A liberdade de produzir – pág. 81
3.1.3 – A liberdade de comércio – pág. 83
3.2 – A lei anti-drogas brasileira – pág. 85
3.3 – Iniciativas para alteração do atual panorama legislativo
das drogas – pág. 94
3.3.1 – O HC 97256/RS e a Resolução 5/2012 do
Congresso Nacional – pág. 95
3.3.2 – O projeto de lei 7663/2010 – pág. 101
Conclusão – pág. 107
Referências Bibliográficas – pág. 111
Anexos – pág. 113
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INTRODUÇÃO
Quantas vezes nós não ouvimos falar sobre as drogas? Em quase todo
lugar, noticiários, jornais, revistas, internet, encontramos alguma referência às
drogas, normalmente a tratando como o “grande mal” a ser combatido, como uma
doença que deve ser eliminada da face da Terra, como um vilão à espreita para
atacar nossos filhos. Mas o quanto nós realmente sabemos sobre as drogas? Nós
realmente conhecemos essas substâncias tão veiculadas na mídia, tão combatidas
pelos governos? Ou nós só reproduzimos aquilo que nos é dito, sem reflexão crítica
alguma?
O ser humano tem medo do desconhecido, já diria o filósofo. O nosso
medo e preconceito é tão grande que nos impede de refletir, pesquisar, e às vezes até
mesmo falar sobre o assunto. Chegou-se a tal ponto que nem mesmo aqueles que
querem pesquisar e saber mais sobre as drogas conseguem, pois as restrições são
tamanhas que a sua pesquisa se torna impossibilitada. Ao longo do século passado,
criou-se uma imagem das drogas tão assustadora a ponto de instalar-se um clima de
total terror em torno delas.
Em pouco mais de um século, o mundo inteiro declarou uma guerra total
às substâncias que chamamos de drogas. Aliás, à apenas algumas drogas, pois
outras, como álcool e tabaco, são permitidas e legalizadas. E como toda a guerra,
essa também faz vítimas a todo o instante. Milhões morrem todo ano em decorrência
desse combate; outros tantos se encontram encarcerados em virtude de
envolvimento com essas substâncias, seja utilizando, seja comercializando.
No entanto, já no fim do século XX e principalmente no início desse
século, o mundo começou a se perguntar se as drogas são realmente o verdadeiro
mal do mundo. Será que elas são tão prejudiciais que justifiquem essa guerra sem
precedentes entre o “tráfico” e o “mundo civilizado”? Será que não são exatamente
essa guerra e o sistema proibitivo que geram todas essas mazelas sociais? Se sim,
então o que fazer?
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O primeiro passo é conhecer. Para sabermos, de fato, qual a melhor ação
a ser tomada, é preciso primeiro entender não apenas às substâncias, mas também
todo um contexto social mundial. E isso não é uma tarefa fácil.
Como ponto de partida, nada melhor do que entender o que se passou,
através de uma análise histórica de toda essa questão, voltando aos tempos em que
apenas as drogas naturais existiam, e era abertamente utilizada, principalmente a
maconha, a grande droga natural proibida atualmente. Houve um tempo em que essa
erva era utilizada como remédio, e não faz tanto tempo assim. Mas trataremos disso
posteriormente.
Depois, passarei a analisar o surgimento das drogas sintéticas, sobretudo
a cocaína e a heroína, as drogas mais temidas mundialmente. ( Era intenção desse
trabalho também tratar do crack, mas devido à falta de material de pesquisa, não foi
possível fazê-lo adequadamente.) Demonstrarei que essas drogas, como pode
parecer aquele mais desinformado, não foram criadas por organizações criminosas
ou por terroristas que queriam destruir o mundo. Não, elas foram criadas por
laboratórios farmacêuticos para serem utilizada como medicamentos, porém
apresentaram falhas e problemas, sendo descartadas.
Posteriormente, demonstrarei como se deu à proibição dessas drogas,
demonstrando o papel primordial desempenhado pelos Estados Unidos nesse feito.
Começarei por desenhar o mapa político mundial da época e os interesses em jogo
entre os diversos atores políticos. Mostrarei como era comercialmente rentável para
os países europeus colonizadores do sudeste asiático a comercialização dessas
substâncias, sobretudo do ópio, de onde é derivada a heroína. Analisarei como às
duas guerras mundiais mudaram também esse panorama, sobretudo devido à subida
dos Estados Unidos como uma das superpotências mundiais. Não deixarei passar
também os interesses políticos internos norte-americanos que os levaram a ser a
liderança contra as drogas mundial.
Nessa primeira parte, também haverá uma breve análise dos mais
importantes tratados internacionais celebrados ao longo do século passado em
direção à proibição mundial das drogas. Desde os tratados celebrados ainda na
época da falecida Liga das Nações até aqueles celebrados dentro do âmbito da
Organização das Nações Unidas.
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Na segunda parte, haverá a análise das substâncias em si. Alias, não de
todas, mas apenas das três mais importantes mundialmente, a maconha, a cocaína e
a heroína. Não há a pretensão nesse trabalho de se dar uma aula de biologia ou
medicina a respeito dessas substâncias, até porque seria muita pretensão minha, que
não tenho qualquer formação nessas áreas, fazer isso. Porém, também não se é
possível deixar isso de lado, pois são elas o tema principal do trabalho, sendo mister
que se conheça a respeito delas. Portanto, darei, da melhor forma possível, um
panorama, mesmo que superficial, sobre as principais características dessas drogas.
Estudarei desde o que são, de onde se originam, como são feitas, seus
efeitos, seus males, enfim, as características mais importantes de cada uma delas, em
separado. Novamente, será uma análise superficial, sem riqueza de detalhes a
respeito de aspectos referentes à áreas das quais não tenho conhecimento.
Diante disso, alguém pode se perguntar o porquê de não analisá-las
todas de uma vez, ao invés de cada uma em separado. A resposta para isso é
bastante simples. Cada uma delas tem suas próprias características, e uma das falhas
do atual sistema é tratá-las todas da mesma maneira.
Na terceira parte, haverá a análise econômica do fenômeno das drogas.
Haverá o delineamento de como funciona o tráfico dessas drogas, a explicação das
causas da enorme dificuldade do combate à essa espécie de contrabando, os
incentivos que levam às pessoas a se aventurar nesse ramo.
Explicarei também o que leva um país a ser um fornecedor de matérias-
primas e outro não. Demonstrarei que os fatores que os principais formuladores de
política levam em consideração para definir os principais fatores produtivos
normalmente são irrelevantes, mostrando quais, de fato, são os fatores mais
relevantes para tornar um país produtor.
Analisarei o lado da demanda, demonstrando como essa reage à
mudanças de preço e de qualidade, e sobretudo, como é negligenciada pelos
criadores de políticas públicas sobre o tema. Poucos são os países que têm políticas
de redução de danos adequadas.
Na quarta parte, demonstrarei que as drogas, seu tráfico e seu combate
funcionam num sistema complexo, que têm diversos fatores e agentes, e que
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portanto, devem ser vistos como tal. Porém, não é o que acontece, sendo esses
tratados como sistemas simples pela maioria dos governos mundiais.
Essa é a parte principal do trabalho, onde haverá a elucidação de que a
simples formulação de leis, sejam proibitivas, sejam permissivas, não bastam para
resolver a questão, pois por ser um sistema complexo, os diversos fatores e agentes
respondem à essas mudanças, o que não é atualmente levado em consideração na
maioria das abordagens do tema.
Na última parte, haverá a conclusão de tudo o que foi abordado antes,
procurando-se tentar achar alternativas ao sistema atual. Ênfase no alternativas, pois
não é pretensão desse trabalho oferecer uma solução para esse problema, haja visto a
enorme complexidade do mesmo.
Finalizando essa introdução, duas observações adicionais sobre algumas
abordagens do assunto.
Primeiramente, devido à forte carga negativa dessas palavras, não
chamarei os usuários de drogas de usuários, mas sim de consumidores, assim como
os traficantes de comerciantes, pois uma das bases desse trabalho é fazer uma
análise livre de preconceitos sobre o tema, buscando uma análise o mais científica
possível.
Por último, esclarecer que o trabalho buscou se basear na melhor
literatura possível, porém, devido às questões que já foram abordadas e que virão a
serem melhores evidenciadas posteriormente, o material disponível é muito escasso
e as pesquisas ainda não tão aprofundadas, já pedindo o devido perdão por
informações que não sejam dadas ou não tão elucidadas.
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Capítulo 1 – Origens Históricas das Drogas
Nesse capítulo, será apresentado um contexto histórico sobre a
problemática das drogas. No primeiro momento, iniciarei demonstrando como o uso
das drogas naturais, sobretudo a maconha, era amplamente utilizado em diversas
partes, seja recreativamente, religiosamente ou medicinalmente. Posteriormente,
analisarei o surgimento das drogas sintéticas, em especial a cocaína e a heroína. Na
sequência, percorrer-se-á o caminho que levou à adoção do modelo proibitivo ainda
em vigor hoje, dando-se ênfase ao papel dos Estados Unidos como a grande
liderança antidrogas mundiais e aos diversos tratados celebrados no período.
1.1 – A Maconha
A maconha é derivada de uma planta cujo gênero é denominado
cientificamente como Cannabis, que têm três variedades diferentes, a mais
famosa Cannabis Sativa, a Cannabis Indica e a Cannabis Ruderalis. Sabe-se que
a Cannabis, a planta por si só, de onde se extrai o cânhamo, existe a milhares de
anos, havendo registros de sua utilização para fabricação de papel pelos
chineses que datam de 8000 A.C.
O primeiro registro do uso dessa planta como a maconha em si,
com a utilização de suas propriedades psicoativas, já está registrado no Pen
Tsao, o primeiro tratado sobre ervas medicinais de que se tem registro,
elaborado na China há cerca de 4700 anos, como bem observa BURGIERMAN
( 2011, p. 67).
Maconha serve de remédio desde sempre. O primeiro tratado de ervas
medicinais que se conhece, o Pen Tsao, concebido há 4700 anos na China, já inclui
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referência destacada à canábis, e há registros de usos médicos em praticamente todas
as civilizações antigas.1
A sua utilização também se espalharia para outras partes do mundo, ao longo da
Idade Antiga, como a Grécia, a Pérsia e a Índia, diversificando-se o seu uso
para além do medicinal utilizado em princípio pelos chineses e passando a
desempenhar papéis religiosos e ritualísticos.
Um dos relatos mais célebres é o do historiador Heródoto, que, no
século V antes de Cristo, descreveu o hábito dos Citas, antigo povo do Oriente
Médio e da Ásia Central, de, quando um rei morria, se fechar numa tenda de tecido,
aquecer rochas até elas ficarem incandescentes e jogar maconha nas brasas, para
produzir uma sauna psicoativa. 2
Como se pode observar disso, a utilização da maconha não é um
fenômeno recente; ela já vem sendo utilizada a milhares de anos, das maneiras
mais diversas possíveis, principalmente medicinalmente ou religiosamente.
Muitos outros exemplos dos seus usos ao longo da história poderiam ser
citados, mas isso tomaria muito espaço desse trabalho e esse não é o seu
objetivo. Válido, no entanto, é observar que o seu uso irrestrito, diferentemente
do que poderia parecer à primeira vista, é relativamente recente, remontando
ainda ao fim do século XIX e início do século XX.
Nos Estados Unidos, era bastante comum a utilização da maconha
pelos imigrantes mexicanos no início do século XX, que a fumavam
abertamente nas ruas sem medo de qualquer tipo de punição ou restrição. No
entanto, devido ao grande preconceito da população norte-americana, sobretudo
a elite branca, em relação aos estrangeiros vindos da fronteira, a planta passou
também a ser tão mal vista quanto àqueles que a utilizavam.
1 (BURGIERMAN, Denis Russo. O fim da guerra: A maconha e
a criação de um novo sistema para lidar com as drogas. São Paulo: Leya, 2011, p. 67.) 2 BURGIERMAN, Denis Russo. O fim da guerra: A maconha e a criação de um novo sistema para
lidar com as drogas. São Paulo: Leya, 2011, p. 68
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Nos Estados Unidos, maconha era vista perto da fronteira com
o México desde a Revolução Mexicana de 1910, quando houve a primeira
onda de imigração para o norte. Sua reputação não era das melhores, e o fato
de aqueles morenos, quando fumavam, ficarem em rodinhas dando risada de
quem passasse não ajudava muito. Já se dizia que ela levava à loucura. 3
No Brasil, a parcela da população que mais utilizava a maconha era
a população negra e pobre que havia acabado de sair da escravidão, o que,
semelhantemente ao que ocorreu nos Estados Unidos, contribuía para transferir
o preconceito existente da elite branca com relação a essa classe para a planta.
Era bastante comum a utilização pelos escravos da maconha para aliviar a
pesada carga de trabalho às quais eram impostos, além do fato de que era uma
erva bastante utilizada em várias culturas africanas, sendo o próprio nome
“maconha” de origem africana, e esse uso continuou mesmo após a libertação.
Esse panorama, no entanto, alterou-se na década de 60, quando o
seu uso espalhou-se para a classe média urbana, sobretudo os jovens, não
restringindo-se mais seu uso apenas às classes mais baixas. Eram tempos de
contestação à ordem vigente, por um lado, com um forte movimento jovem
questionador nascendo, enquanto de outro, surgia o forte conservadorismo da
ditadura militar:
A partir da década dos 60, a repressão ao uso da maconha, que era
mais voltada para negros, índios e pobres dos grandes centros urbanos, se desloca
também para a classe média. Tempos de rebeldia, rock and roll e anseios de
libertação sexual, os anos 60 contribuíram para a difusão da maconha entre jovens
universitários. 4
1.2 – A Cocaína
3 BURGIERMAN, Denis Russo. O fim da guerra: A maconha e a criação de um novo sistema para
lidar com as drogas. São Paulo: Leya, 2011, p. 66 4 GABEIRA, Fernando. A maconha. São Paulo: Publifolha, 2000, pgs. 40 e 41
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É bastante comum acreditar-se que a cocaína é uma droga recente,
fruto do desenvolvimento tecnológico, sobretudo da área farmacêutica, vista
nos últimos dois séculos. No entanto, o seu uso, embora não sendo como nos
moldes atuais, remonta a tempos muito mais remotos.
Os Incas, quase cinco mil anos atrás, já mascavam as folhas de
coca, que são a matéria- prima que dão origem à cocaína, visando aproveitar
dos efeitos da substância. Utilizavam-se da substância principalmente em
cerimônias religiosas, visando entrar em contato com suas divindades.
Uma lenda diz que o fundador do império inca, Manco Capác,
filho do sol, desceu um dia do céu e se dirigiu ao lago do Titicaca para
ensinar os homens a cultivar as terras, e oferecendo-lhe a planta divina, cujas
as folhas, mascadas, faziam recuperar as forças perdidas pela altitude e
trabalho árduo do dia-a-dia. 5
Posteriormente, após a colonização espanhola, a coca passou a ser
utilizada como mecanismo de dominação dos nativos no trabalho das minas.
Ela era ministrada pelos espanhóis para melhorar o rendimento dos mineiros,
evitando a enorme fadiga decorrente de tão pesado trabalho. Chegavam até a
pagar os mineiros com folhas de coca pelo seu trabalho.
Ainda hoje, sobretudo os indígenas e seus descendentes, têm o
hábito de mascar as folhas de coca, sendo algo inerente à sua própria cultura,
decorrentes de todos esses séculos de utilização dessa prática. Várias tentativas
foram feitas para coibir tal prática, mas todas fracassaram em seus resultados,
sendo a prática bastante comum nas regiões andinas.
5 BARROS, Coca, a folha sagradas dos incas. Em: http://www.altamontanha.com/Colunas/855/coca-
a-folha-sagrada-dos-incas. Acesso em: 28 fevereiro 2013
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A cocaína,como a conhecemos, o pó branco que deve ser inalado
pelas narinas para gerar seus efeitos, só foi ser criada na metade do século XIX.
E diferentemente do que pode parecer, ela não é fruto de um ataque terrorista
ou uma conspiração, muito pelo contrário, ela era a salvação.
Em 1859, o químico alemão Albert Niemman foi o primeiro a isolar
a cocaína da folha de coca para a sua tese de doutorado. Depois daí, ela
espalhou-se por toda a Europa e passou a ser abertamente utilizada, tendo
grandes nomes da época como defensores da sua utilização, tais como Sigmund
Freud e o personagem Sherlock Holmes.
Ela podia ser comprada em todo e qualquer lugar, e ser utilizada das
mais diversas formas, seja ingerindo, inalando ou até mesmo injetando. Ela era
até mesmo receitada por médicos como cura de certos males:
A cocaína era em breve vendida sem receita em muitas lojas.
Até 1916 podia comprar-se no famoso centro comercial londrino “Harrods”
um estojo chamado “Uma prenda de boas-vindas para os amigos da Frente”
que continha cocaína, morfina, seringas e agulhas para substituição. A
cocaína era grandemente usada em tónicos, curas para dores de dentes e
medicamentos patenteados, nos cigarros de coca para “alívio garantido da
depressão”, e em comprimidos com cocaína e chocolate. Um produto que
vendia muito bem, o remédio “Ryno” contra a febre dos fenos e o catarro
(“para quando o nariz está entupido, vermelho e dorido”), continha 99.9% de
cocaína pura. Os potenciais compradores eram avisados – nas palavras da
firma farmacológica Parke-Davis – que a cocaína podia “tornar o cobarde
corajoso, o silencioso eloquente, e deixar o sofredor insensível à dor”. 6
A cocaína também fazia parte da composição do famoso
refrigerante Coca-Cola, de onde deriva o seu nome, e já era utilizada desde a
sua criação em 1886. Permaneceu como um dos seus componentes até 1903,
quando foi retirada da receita original.
6 Autor desconhecido. COCAÍNA, Em: http://azarius.pt/encyclopedia/33/Coca_na/. Acessado em: 04
de março de 2013
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Figura 1- Produto feito com cocaína
A cocaína era produzida em diversas partes do mundo e, ao
contrário do panorama de hoje, eram os países desenvolvidos quem a introduzia
nesses lugares. A folha de coca que antes era cultivada apenas nos países sul-
americanos, basicamente nos países andinos, foi levada também para o Sudeste
Asiático e outras partes do mundo, cultivada nas colônias das principais
potências europeias.
1.3 – A Heroína
Sem dúvida, essa é uma das drogas, ou talvez até a, mais temida da
atualidade, dada à potência de seus efeitos e a probabilidade de dependência até
hoje conhecidos. Diferentemente do que se dá com outras drogas, seus
consumidores são retratados como pessoas cuja vida está totalmente perdida e
que se encontram totalmente alheios a realidade, algo que encontra base na
17
realidade, porém não inteiramente verdadeiro, mas isso será abordado
posteriormente.
A heroína pertence ao grupo dos opíoides, assim como a morfina, o
ópio e a codeína, sendo sua origem derivada da papoula, comumente cultivada
no Sudeste Asiático:
A heroína é uma droga do grupo dos opióides, também
conhecidos como analgésicos narcóticos. Outros opióides como o ópio, a
codeína e a morfina são substâncias naturalmenteextraídas da papoula. A
heroína é derivada da morfina e codeína. A heroína é uma substância
depressora do Sistema Nervoso Central sendo capaz de alterar as senações de
prazer e dor. Na sua forma pura, é encontrada como um pó branco facilmente
solúvel em água. 7
Diferentemente do que é usualmente pensado, existem mais formas
de utilização da heroína que vão além da injeção, muito embora essa seja a
forma mais eficaz e que gera os efeitos mais rápidos, por isso tão amplamente
utilizada. Ela também pode ser inalada ou fumada, assim como as outras drogas
anteriormente abordadas.
Para retratar a origem da heroína, devemos primeiramente resumir
brevemente a origem da morfina, e por consequência, a origem do ópio, drogas
das quais derivou a heroína, e que derivaram, por sua vez, da papoula.
O ópio não é uma droga cujo uso restringia-se ao Oriente, e que foi
trazido ao Ocidente pela colonização europeia daquela área. O seu uso remonta
a tempos muito mais remotos da história humana, e está registrado em diversas
civilizações ocidentais, como os gregos e os romanos, tanto é que o ópio é de
origem grega e significa suco, chegando até mesmo a estar presente em
algumas traduções da própria bíblia.
7 AUTOR DESCONHECIDO. O QUE É... HEROÍNA, Em: http://psicoativas.ufcspa.edu.br/heroina.html. Acessado em: 12 de março de 2013
18
Para não me alongar muito na história do ópio e me desviar demais
sobre o assunto, para quem tiver interesse em conhecer mais, recomendo o
artigo especial UMA BREVE HISTÓRIA DO ÓPIO E DOS ÓPIOIDES, de
Danilo Freire Duarte, que pode ser encontrado em:
http://www.scielo.br/pdf/rba/v55n1/v55n1a15.pdf., de onde retirei as
informações que apresento aqui.
Já a morfina só veio a ser descoberta no início do século XIX,
quando o alemão Friedrich Sertürner conseguiu os princípios ativos do ópio. A
morfina então passou a ser utilizada como o principal analgésico do mundo, e
diferentemente do que acontece hoje, ela era livremente comercializada,
podendo ser encontrada em qualquer farmácia, sobretudo na América do Norte
e na Europa, o que impulsionou em muito a sua popularização.
Chegando ao que nos interessa mais a fundo, foi apenas nos meados
do século XIX, no ano de 1874, que a diacetilmorfina, conhecida popularmente
como heroína, foi criada pelo químico inglês C.R. Wricht. Porém foi apenas
vinte e cinco anos depois que ela chegaria ao público, quando Heinrich Dresser,
químico da farmacêutica Bayer, também conseguiria a diacetilmorfina. A
droga, então, foi batizada de heroína, acreditando-se que se tornaria um
remédio para curar todos os males, sendo indicada entre outras coisas até para
tosses.
1.4 – O Caminho Para Proibição
Para se compreender o processo que levou até a proibição global
das drogas, é necessário antes conhecer o contexto interno dos Estados Unidos
no final do século XIX e início do século XX. Isso porque esse país foi a
principal liderança desse movimento, fazendo-se mister compreender os fatores
que o levaram a desempenhar tal papel.
19
Nessa época, diferentemente de hoje, os Estados Unidos eram um
mero coadjuvante na política e economia global, apenas assistindo as grandes
potências imperialistas europeias disputarem a hegemonia entre si. Nesse
ambiente, os neocolonizadores europeus comercializavam e distribuíam
livremente as drogas, conforme era de seu interesse. Também nessa época,
ainda não era grande incômodo para os norte-americanos a questão das drogas.
O grande problema interno do período era o álcool, pois uma
parcela considerável da população, sobretudo a parte religiosa, era radicalmente
contrária à essa “droga”. O governo, então, montou um grande aparato
burocrático para combater esse problema.
No entanto, não conseguiu-se impedir o uso do álcool pela
população, e ainda gerou um outro problema muito parecido com o encontrado
atualmente no que se refere às drogas que foi a criação dos gangsteres, os
“traficantes” do álcool.
O álcool, então, voltou a ser legalizado e não mais se precisava de
todo esse aparato burocrático criado para combatê-lo. Porém, não podia-se
apenas desmanchar tudo isso, pois isso significaria o desemprego de um
número enorme de trabalhadores. Era preciso encontrar-se um novo inimigo
para combater, mais ainda, era preciso criar-se um novo inimigo para combater.
Os Estados Unidos, visando manter toda a burocracia criada com o
combate ao álcool, começou uma campanha global para a proibição e
eliminação das substâncias entorpecentes que viriam a ser chamadas de drogas.
Para tal, diversos tratados e acordos internacionais foram realizados, pois nessa
época as potências mundiais eram os países europeus, maiores comerciantes
dessas substâncias, e portanto, maiores interessados.
A primeira grande conferência mundial iniciada sob a liderança dos
Estados Unidos foi a Conferência do Ópio de Shangai, em 1909. Nessa
conferência, a posição norte-americana era a minoritária, e as discussões
enfatizavam mais a necessidade de regulação do ópio do que a sua possível
proibição. No entanto, nenhum acordo ou tratado foi emanado desse encontro.
20
Ainda assim, foi de grande importância, pois estabeleceu as bases do diálogo
entre os países sobre essa problemática, e sobretudo, aos norte-americanos, que
capitalizaram os resultados desse encontro e conseguiram estabelecer novas
reuniões sobre o tema.
Seguindo-se à Conferência de Shangai, deu-se o encontro de Hague
em 1911, de onde originou a Convenção Internacional sobre o Ópio. Ela
determinou que a necessidade médica era o único critério para a fabricação,
comércio e uso dos derivados do ópio ( heroína) e da cocaína, exigindo dos
governos nacionais a promulgação de leis para o controle da produção e
distribuição e para restringir os portos pelos quais essas drogas eram
comercializadas. No entanto, exigia-se o consenso para que essa convenção
gerasse efeitos, e nesse encontro, apenas a China, Honduras, Holanda, Noruega
e os Estados Unidos ratificaram a convenção. O consenso só viria a ser atingido
após o fim da I Guerra Mundial, quando junto ao Acordo de Versalhes pela paz
foi aderida essa convenção, obrigando, dessa maneira, os países participantes da
guerra a assinarem a convenção para conseguir a paz mundial:
The convention institutionalized the principle that medical
need was
the sole criterion for the manufacture, trade, and use of opiates
and
cocaine. National governments were required to enact
“effective laws or
regulations” to control production and distribution and to
restrict the
ports through which cocaine and opiates were exported.
Although the
convention was a groundbreaking document, it did not create
mechanisms to oversee implementation of the agreement, nor did it set
targets
21
for reducing the volume of drugs manufactured. It was loosely
worded
and, most problematic of all, could come into effect only if
unanimously
approved. Amid mounting suspicion and enmity between
governments
in the drift toward war in 1914, consensus was diffi cult to
achieve, and
only China, Honduras, the Netherlands, Norway, and the
United States
ratifi ed the convention .8
A próxima segunda grande convenção seria o Agreement
concerning the manufacture of, internal trade in, and use of prepared Opium (
Acordo sobre a fabrição, comércio interno, e uso do ópio preparado), assinado
em Fevereiro de 1925, em Geneva, na Suíça, e com entrada em vigor em 1926.
Esse tratado obrigou certificações compulsória para a importação de drogas e
autorizações para as exportações, ou seja, o registro de toda a droga que
entrasse ou saísse nas fronteiras dos países, limitando basicamente à aquisição
de drogas para usos médicos e científicos. A maior novidade foi, pela primeira
vez, a entrada na catalogação das drogas de uma planta natural, a Cannabis. No
entanto, essa convenção falhou em atingir os seus objetivos.
Seguindo-se ao acordo anterior, assinou-se a Convention for
Limiting the Manufacture and Regulating the Distribution of Narcotic Drugs (
Convenção para limitar a fabricação e regular a distribuição de drogas
narcóticas) em 1931, novamente em Geneva, na Suíça, com entrada em vigor
em 1933. A principal inovação desse tratado foi a exigência de que a
quantidade de drogas que seria fabricada globalmente deveria ser fixada
1- 8 KEEFER, P; LOAYZA, N (Ed.). Innocent bystanders: .: Developing countries and the
war on drugs.. Washington: Palgrave Macmillan, 2010, p.78. Disponível em:
<http://www.dldocs.stir.ac.uk/documents/536410PUB0Inno101Official0Use0Only1.pdf.>.
Acesso em: 03 abr. 2013
22
previamente, devendo todos os países determinarem a quantidade de drogas
necessárias para os seus propósitos científicos e medicinais para o ano seguinte.
Em 1936, assinou-se a Convention for the Supression of the Illicit
Traffic in Dangerous Drugs ( Convenção para a supressão do tráfico ilícito de
drogas perigosas), dirigido ao mercado ilegal, que basicamente impunha
penalidades criminais à essa atividade, tendo muito mais um caráter simbólico
por ser a primeira mensagem dada pelas nações contra o tráfico.
Esses foram os principais documentos assinados no período entre
guerras relacionados às drogas. Esse período ainda marcava um momento em
que os Estados Unidos não eram uma superpotência mundial, o que significa
dizer que não conseguia impor à sua posição pró-proibição sobre os demais
países. Porém, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a destruição das
principais potências europeias, esse país alcança essa posição e passa a dar as
cartas também em relação à esse tema.
Após a guerra, os norte-americanos passaram a impor uma série de
restrições aos países derrotados, restringindo o uso e tráfico de drogas nesses
países; transferiu todas as instituições e organizações incumbidas da tarefa de
executar os tratados anteriormente assinados para o seu território,
principalmente através da assinatura do protocolo de Lake Success, no qual as
principais instâncias administrativas da antiga Liga das Nações, nas quais
também estão incluídas as referentes ao controle das drogas, para a ONU, e da
transferência do Permanent Central Opium Board and Drug Supervisory Board,
que faziam o papel de executar os tratados referentes às drogas anteriores, de
Geneva para Washington, numa clara demonstração de que eles é quem
passariam a determinar os rumos das políticas referentes às drogas.
O primeiro grande tratado assinado após a guerra referente às
drogas foi o Protocolo de Paris, em 1948, que estabeleceu que qualquer droga
responsável por causar algum mal seria registrada na tabela de drogas
controladas e obrigou os Estados a informar ao Secretário- Geral das nações
unidas sobre qualquer nova droga desenvolvida potencialmente maléfica. Os
norte-americanos também tentaram restringir o cultivo de ópio, porém por
23
resistência dos países consumidores preocupados com a falta de suprimentos
médicos, foram mal- sucedidos. Mais tarde, em 1953, com o Protocolo do Ópio,
os Estados Unidos conseguiriam esse objetivo, e obrigariam os países
produtores a detalharem a sua produção, porém, como esse tratado só entraria
em efeito em 1963 ele não teve efeito prático nenhum, pois já estaria assinada e
em pleno vigor a Single Convention on Narcotic Drugs ( Convenção Única
sobre Drogas Narcóticas).
A Single Convention on Narcotic Drugs ( Convenção Única sobre
Drogas Narcóticas), assinada em 1961, consolidou todos os tratados assinados
anteriormente ( nove tratados) sobre a temática das drogas, introduziu controles
em novas áreas e revisou todo o aparato de controle existente.A principal
inovação trazida por esse acordo foi a extensão de todo o sistema de
licenciamento, relatório, e certificação das transações de drogas para todas as
matérias-primas das drogas, significando dizer que agora estavam incluídas no
controle a cannabis e as folhas de coca. Ela também reestruturou todo o aparato
de controle existente, visando dar mais efetividade à essa convenção.
Em 1971, assinou-se a Convention on Psychotropic Substances (
Convenção sobre Drogas Psicotrópicas), que era endereçada às novas drogas
sintéticas que estavam surgindo no período e não eram contempladas pela
Single Convention on Narcotic Drugs, tais como as anfetaminas, barbitúricos e
alucinógenos. Ela basicamente estendeu o sistema de controle anterior à essas
drogas, pois simplesmente copiava o modelo de 1961.
Finalmente, em 1988, o documento final de combate ao tráfico, a
Convention Against Illicit Traffic in Narcotic Drugs and Psychotropic
Substances ( Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Drogas Narcoticas e
Substâncias Psicotrópicas), foi assinado.Ele basicamente fortalecia a
cooperação internacional com o regime de controle, estabelecendo que os
Estados cooperariam e coordenariam iniciativas anti-tráfico com as instituições
internacionais competentes; introduziriam uma legislação criminal doméstica
para impedir a lavagem de dinheiro e que permitisse a apreensão de bens e
extradições nesse crime.
24
Capítulo 2 – A Economia das Drogas
Nesse capítulo, como o próprio nome sugere, será feita uma
abordagem e análise econômica da questão das drogas. Serão analisadas as
rotas preponderantes do tráfico; as causas e possíveis consequências de ações
sobre essa atividade, sobretudo na oferta e na demanda; o foco preponderante,
para não dizer unilateral, na questão da oferta, negligenciando-se o lado da
demanda. Também tentarei demonstrar o que leva alguns países a tornarem-se
centros fornecedores de drogas, enquanto outros não o são.
Essa análise visa demonstrar que o modelo proibitivo adotado
mundialmente não se sustenta nem mesmo do ponto de vista da sua eficiência,
visto que apresenta custos manifestamente enormes enquanto os seus reais
benefícios são muito incertos e de difícil mensuração, havendo diversos dados
demonstrando que o seu custo – benefício é baixíssimo. Não bastasse isso, ele
por si só é responsável por grande parte do problema que acompanham as
drogas, tais como a violência e o preconceito.
Capítulo 2.1 – O Funcionamento do Tráfico
Nesse subcapítulo, analisará- se brevemente o funcionamento do
tráfico de drogas mundial. Aqui irá se demonstrar como as drogas são
distribuídas pelo mundo, os principais produtores, consumidores e, sobretudo,
as principais rotas de tráfico. Essa análise não será feita apenas para
contextualizar o que será abordado a seguir, mas também ajudará a enxergar o
fracasso da política proibitiva e já começar a entender alguns motivos que
levaram ao seu fracasso.
25
Primeiramente, deve-se diferenciar os países produtores dos países
traficantes das drogas. Os países produtores são aqueles países onde a matéria-
prima ( cannabis, ópio, coca) é produzida, podendo ser vendida em essência ou
até mesmo já transformada, para um intermediário, esse sim o traficante, que a
enviará para os mercados consumidores, ou seja, os países desenvolvidos. Já os
países de tráfico são aqueles que servem de rota de passagem para essas drogas
em direção aos países desenvolvidos.
Embora muitos países no mundo tenham um grande potencial para
a produção de drogas, apenas um número muito pequeno desses contam pela
quase totalidade das drogas produzidas, havendo ainda uma grande
especialização quanto ao tipo de droga que cada um deles produz. Quanto à
produção de folha de coca, apenas três países, Bolívia, Colômbia e Peru,
contam por toda a produção comercial mundial de coca. Já quanto ao ópio,
atualmente apenas o Afeganistão conta por quase 90% de toda a produção
mundial. Quanto à maconha, ela é um caso a parte, pois muitos países têm a sua
produção doméstica para essa droga, como é o caso do Canadá, que é
praticamente autossuficiente, e dos Estados Unidos, cuja produção doméstica já
chega a mais de 50%. Mesmo assim, o México e o Marrocos são os grandes
responsáveis pelo abastecimento do mercado europeu e norte-americano.
26
Figura 2- Principais Fluxos globais de cocaína, 2010
Figura 3- Principais Fluxos globais de heroína, 2010
27
Quanto aos países traficantes, o panorama é parecido com os dos
produtores. Um número bastante pequeno de países é responsável por grande
parte do tráfico ilegal de drogas mundial. No entanto, ao se analisar as
estatísticas sobre apreensões de drogas deve-se tomar cuidado:
As with production, the trafficking of coca and opium involves
a relatively small number of nations. One indicator of which countries are
involved in trafficking is drug seizures, but it requires careful
interpretation.12 Seizures can be driven by production, local consumption,
and
transshipment; nations that experience large seizures but are
neither
producers nor major consumers are likely to be involved in
trafficking to
other countries. It is a one-sided indicator; some transshipment
nations—as a result of either corruption or limited enforcement
effort—
may have few seizures. Illustrating the weakness of seizure as
an indicator are the figures for Russia. It constitutes one of the three largest
markets for heroin and serves as a transshipment country for
Eastern
Europe; yet Russia was seizing barely 1 ton of heroin annually
in the
early part of this decade. 9
2- 9 KEEFER, P; LOAYZA, N (Ed.). Innocent bystanders: .: Developing countries and the
war on drugs.. Washington: Palgrave Macmillan, 2010, p.74. Disponível em:
<http://www.dldocs.stir.ac.uk/documents/536410PUB0Inno101Official0Use0Only1.pdf.>.
Acesso em: 03 abr. 2013
28
A seguir, segue uma tabela das apreensões de cocaína no ano de
2010:
Figura 4 Tabela de apreensões de cocaína em 2010
Analisando-se essa tabela, percebemos que o maior número de
apreensões se deu na Colômbia e nos Estados Unidos, correspondendo a mais
de 50% do total. Focando apenas nesses números, pode-se chegar à uma
conclusão equivocada de que essas são as principais rotas de tráfico
internacional de cocaína, quando não o são. Isso porque devemos lembrar que a
Colômbia é um dos principais produtores da droga e os Estados Unidos um dos
principais consumidores, razão pela qual esses números são tão altos nesses
países. No caso da Colômbia especificamente, devemos relembrar que lá foi
implantado o Plano Colômbia, que enrijeceu o combate às drogas, o que explica
a sua porcentagem ser tão maior que a dos outros dois produtores, Peru e
Bolívia.
29
Fazendo-se uma análise mais profunda, percebe-se que o Panamá, e
em menor medida, a Venezuela, a Nicarágua, o Equador e a Costa Rica
encontram-se em posições bastante altas na tabela, não sendo nenhum deles
mercados produtores e nem consumidores das drogas, o que indica que eles
funcionam como rotas de tráfico para a cocaína em direção aos mercados
consumidores, mais especificamente os Estados Unidos, e em muito menor
medida, o próprio Brasil. Na Europa, a cocaína entra através da Espanha, que
apresenta 4% das apreensões.
Esse número também indica que a maior parte das apreensões
realizadas se dá ainda nos países produtores ou nos consumidores. Se
pensarmos que a maior parte das pessoas que carregavam essas drogas são
encarceradas, isso significa dizer que as nossas prisões estão lotadas de
produtores, consumidores ou pequenos traficantes, enquanto os grandes
intermediários continuam operando a sua atividade. Isso é mais um indicador
do fracasso da política proibitiva, pois para o mundo do tráfico essas prisões
não representam dano algum, enquanto os custos delas para a sociedade são
enormes, mas isso é assunto para mais adiante.
Passemos a analisar agora a tabela sobre o ópio, matéria-prima da
heroína:
Figura 5 - Apreensões de ópio em 2010
30
Essa tabela é mais explicita do que a anterior sobre a cocaína, pois
já no primeiro lugar da tabela percebemos a principal rota de tráfico da cocaína
para o mercado mundial, o Irã, e depois, em uma escala muito menor, o
Paquistão, relembrando que o Afeganistão é o principal país produtor de ópio
mundial. Diferentemente do que ocorre com a cocaína, percebemos que a maior
parte das apreensões são realizadas na rota do tráfico, o que poderia ser um
indicador de que o modelo proibitivo está tendo sucesso relativamente à essa
droga. Porém, esses dados de apreensões devem ser comparados com os dados
da quantidade de drogas produzidas para se ter a real percepção do impacto
dessas apreensões no mercado de drogas. No entanto, esses dados são
31
praticamente inexistentes, ou quando existentes, são falhos, o que já indica
outro problema da proibição, que é a falta de informação sobre as drogas.
Para analisar a maconha, serão utilizadas duas tabelas, pois a
UNODC diferencia a maconha entre a “ Cannabis Herb” e a “ Cannabis Resin”,
sendo em termos gerais a primeira constituída de flores secas e folhas e a
segunda um sólido prensado da resina da planta. Popularmente, a primeira é a
marijuana ou o cigarro de maconha como usualmente conhecido e a segunda é
o haxixe.
Figura 6 - Tabela das apreensões de “ Cannabis Herb
32
Figura 7 - Tabela das apreensões de “ Cannabis resin”
A primeira tabela demonstra que o maior número de apreensões da
maconha foi realizado no México, um dos principais países produtores como
33
dito anteriormente e que por fazer fronteira com os Estados Unidos é a sua
própria rota de tráfico, e depois nos Estados Unidos, que também produz e
consome. Na segunda tabela, percebemos a Espanha em primeiro lugar, pois é a
porta de entrada da maconha mexicana para a Europa, e depois o Paquistão, que
funciona como a porta de entrada para o haxixe vindo principalmente do
Marrocos. Depois, vemos em ambas as tabelas apreensões em diversos países, o
que corrobora a tese de que a produção e o consumo da maconha, seja qual for
a sua variedade, se espalhou pelo mundo todo.
Observando essas tabelas e esses números, pode parecer que a
política proibitiva é um sucesso, pois as tabelas indicam um número enorme de
apreensões. Isso é verdade, o número de apreensões é, de fato, enorme, porém o
que esses números não revelam é que elas têm muito pouco impacto no tráfico
enquanto têm custos altíssimos. É justamente isso que passa despercebido, ou
talvez não, pelos nossos criadores de políticas antidrogas. A seguir, analisarei
as principais ferramentas utilizadas no combate às drogas.
2.2 – Os Instrumentos da Política Proibitiva
Os instrumentos utilizados para o combate às drogas focam
primariamente no lado da oferta, mirando a erradicação das drogas da face da
Terra. Nesse subcapítulo, analisarei as principais ferramentas utilizadas para se
acabar com a produção das drogas. Mostrarei que o lado da demanda é
basicamente ignorado, havendo apenas alguns poucos países que têm políticas
eficientes para a diminuição da demanda e que, muito embora havendo poucos
dados a respeito da real eficácia dessas políticas e também devido ao pouco
tempo que elas se encontram implementadas, elas aparentam ter muito sucesso
na diminuição do consumo de drogas do que as suas semelhantes voltadas para
a oferta, além de apresentar custos muito mais baixos.
34
Essa análise visa demonstrar o tamanho dos custos que a proibição
gera aos cofres públicos dos países sem que exista uma garantia de resultados.
Não se sabe ao certo os efeitos que essas ferramentas causam no consumo de
drogas mundiais.
2.2.1 – Instrumentos voltados para a produção
Nessa parte, analisaremos as três estratégias que se voltam ao
combate à própria produção das drogas. Elas são: a erradicação, o
desenvolvimento alternativo e o “ in – country enforcement”.
2.2.1.1 – Erradicação
A erradicação é o instrumento de controle da produção de drogas
mais conhecido por todos. Ela consiste na destruição dos plantios da matéria-
prima das drogas, tais como a cannabis para a maconha, a folha de coca para a
cocaína e a papoula para o ópio – heroína. Essa operação pode envolver a
utilização do spray aéreo, que não é o mais recomendado por causar danos
ambientais, ou pode ser feita pelo solo.
Também existe a chamada “ erradicação voluntária”, que consiste
em fazer com que os próprios produtores destruam as suas safras. Essa prática
utiliza-se de mecanismos de coerção, como o aprisionamento daqueles que não
cumpram tal exigência, assim como incentivos financeiros.
A justificativa para o uso de tal prática é, a curto prazo, diminuir a
quantidade de drogas disponíveis no mercado e, a longo prazo, desencorajar as
35
pessoas a cultivar tais plantios. Conhecendo agora a justificativa para tal
prática, passemos a analisar se esses objetivos estão sendo atingidos.
A primeira justificativa é a diminuição da quantidade de drogas
disponíveis no mercado. Vejamos como se deu essa evolução com dados do
relatório mundial de drogas da UNODC ( United Nations Office on Drugs and
Crime):
Figura 8 Produção ílicita de ópio e heroína de 2004-2011
36
Figura 9 - Cultivo ilícito de coca
Figura 10 - Cultivo e produção de cannabis
37
Analisando-se a primeira tabela, que expõe a produção do ópio –
heroína percebe-se que de 2004 até 2011 houve um aumento da produção do
ópio, porém isso não foi seguido pelo aumento na fabricação de heroína, que
caiu de 529 toneladas para 469 toneladas. Ainda assim, segundo dados da
própria UNODC, a área total de papoula cultivada aumentou de 191.000
hectares em 2010 para aproximadamente 207.000 hectares em 2011. Portanto,
a estratégia de erradicação foi mal- sucedida no que se refere à papoula e,
consequentemente, ao ópio – heroína, pois o número de hectares da planta
cultivada aumentou, assim como a produção de ópio, ainda que a quantidade de
heroína produzida tenha caído, pois essa não foi a causa para tal.
Voltando-se agora para a segunda tabela, que se refere à folha de
coca, matéria – prima da cocaína, percebe-se que, de fato, a área cultivada
diminuiu de 210.900 hectares em 2001 para 149.200 hectares em 2010. O ideal
seria se ter os dados referentes à cocaína efetivamente produzida no período,
porém segundo estimativas da própria UNODC, a produção de cocaína também
diminuiu depois de atingir os seus picos no período 2005 – 2007,
principalmente por consequência do plano Colômbia. Por esses números, pode-
se dizer que a erradicação teve certa eficácia no que diz respeito às drogas,
diminuindo a área cultivada e, aparentemente, diminuindo a quantidade
ofertada das drogas. Deixemos assim por enquanto; posteriormente veremos
quais foram os custos dessa estratégia e os reais efeitos dela sobre o consumo.
Com relação a maconha, a tabela 3 demonstra que houve
erradicação na área cultivada de maconha mundial. Porém, uma análise mais
detalhada sobre a tabela, inclusive das notas de rodapé, revelam que essa
estimativa, em particular, é bastante incerta, haja visto que muitos países não
têm ou não revelam essas informações, tornando difícil saber-se ao certo quanta
maconha é produzida mundialmente. Porém, a principal dificuldade, como
apontada anteriormente, é que a maconha é facilmente cultivada
domesticamente e já se tem alguns números que indicam que metade da
produção mundial se dá domesticamente. Além disso, os Estados Unidos
contestam os números apresentados pelo México, afirmando que a produção da
maconha lá é maior do que a retratada pelos números. Assim sendo, torna-se
38
difícil afirmar quais os efeitos que a política da erradicação de cultivos está
tendo no mercado da maconha.
A conclusão que se tira dessas tabelas é a de que a estratégia da
erradicação só tem tido eficiência no que se refere à cocaína, principalmente
pelo plano Colômbia. No entanto, veremos posteriormente quais são os custos e
o verdadeiro efeito disso no consumo.
2.2.1.2 – O Desenvolvimento Alternativo
O instrumento de controle da produção chamado desenvolvimento
alternativo consiste em um conjunto de programas, desde o financiamento
direto do governo até a concessão de empréstimos a juros abaixo do mercado,
visando incentivar os cultivadores de culturas ilícitas, sobretudo a folha de coca
e a papoula, a adotarem culturas legitimas e lícitas. Semelhantemente à
erradicação, porém com uma outra abordagem, essa política busca acabar com
os campos cultivados com a matéria – prima das drogas.
Parece um plano bastante razoável na teoria, porém que na prática
não tem se mostrado eficiente:
There is little empirical evidence that the rural development
components of AD [alternative development] on their own reduce the amount
of drug crops cultivated. Agriculture, economic and social
interventions
are not seen to overcome the incentive pressure exerted by the
market
conditions of the illicit drug trade. Where reduction in drug
cropping
39
occurs it seems other factors, including general economic
growth, policing, etc., can be identified as contributors to the change that
takes place. 10
Como dito na citação anterior, não há quase nenhum dado empírico
que comprove a efetividade dessa estratégia e, pelo contrário, há fortes
argumentos contrários à adoção desse plano. O primeiro e mais contundente, é
a da alta lucratividade das drogas ilícitas, que por mais incentivos que se deem
aos produtores, é impossível de se igualar, gerando incentivos grandes demais
para se ignorar, fazendo com que aqueles que já produzem continuem a
produzir e potenciais produtores começarem a produzir.
Outro argumento bastante razoável é o da especialização do
produtor. Ele se torna tão especializado na produção daquela matéria – prima
das drogas que basicamente essa atividade se torna a única “profissão” na qual
o produtor é efetivamente bom, e migrar para outra atividade significaria
concorrer com produtores mais experientes e mais especializados naquele
cultivo.
Não se pode esquecer também que a maioria das matérias – primas
das drogas se desenvolvem em praticamente qualquer terreno e condições
climáticas, diferentemente da maior parte das culturas legitimas, fator que
também contribui como incentivo para a produção de culturas ilícitas. Na
região dos Andes, por exemplo, devido às grandes altitudes e ao clima inóspito,
torna-se muito difícil o desenvolvimento de uma agricultura nessas partes, no
entanto, a folha de coca se desenvolve muito facilmente nessa área.
Outro fator influenciador é a questão cultural, mais especificamente
no caso da folha de coca. Historicamente, na região dos Andes, as populações
indígenas já cultivavam essa cultura agrícola, sendo comum mascar-se essas
10 The Independent Evaluation Unit Report, UNODC 2005a APUD KEEFER, P; LOAYZA, N
(Ed.). Innocent bystanders: .: Developing countries and the war on drugs.. Washington: Palgrave
Macmillan, 2010, p.114. Disponível em:
<http://www.dldocs.stir.ac.uk/documents/536410PUB0Inno101Official0Use0Only1.pdf.>. Acesso
em: 03 abr. 2013
40
folhas, já buscando os efeitos psicotrópicos da coca, assunto já abordado nesse
trabalho.
Diante de todos esses fatores, é perfeitamente compreensível as
razões do desenvolvimento alternativo ser pouco efetivo ou nada efetivo no
controle da oferta de drogas, muito embora também não exista nenhum dado
empírico que comprove a não efetividade dessa estratégia.
2.2.1.3 – In – Country enforcement
A tradução literal dessa estratégia significaria aplicação no país,
porém na nossa língua pátria ela não expressa claramente a ideia dessa
estratégia. Poderia- se descrever essa prática como sendo a interferência dos
países desenvolvidos, sobretudo os Estados Unidos, nos países produtores, para
criar um aparato institucional doméstico para combater as drogas, sendo o
maior expoente dessa estratégia o Plano Colômbia.
O principal problema que atrapalha esse tipo de aproximação é a
falta de vontade política e de integridade, segundo o International Narcotics
Control Strategy Report (INCSR) do Departamento de Estado americano,
citado em
KEEFER, P (ed).; LOAYZA (ed), N. Innocent bystanders:
Developing countries and the war on drugs. Washington, Palgrave Macmillan,
2010, pg. 115.
A falta de vontade política se traduz na conivência por parte do
Estado com o narcotráfico, omitindo-se no combate, por interesses de cunho
político, pois muitos traficantes financiam campanhas políticas com o dinheiro
lavado do narcotráfico. Isso faz com que os países não colaborem com os países
desenvolvidos para aplicar bem o dinheiro investido no combate à produção de
drogas.
41
A falta de integridade se traduz nas fracas instituições políticas e
públicas do país, sobretudo nos poderes executivo, legislativo e judiciário,
propiciando que o dinheiro investido pelos países desenvolvidos para o
combate à produção de drogas seja desviado através da corrupção, fenômeno
que sabemos ser muito comum aqui na América Latina. Dessa forma, boa parte
do dinheiro que seria para financiar o combate ao narcotráfico é desviado e vai
para o bolso de corruptos.
Por esses dois motivos, sobretudo, a “ in – country enforcement”
também é uma estratégia que se mostra falha como as demais que visam o
combate à produção de drogas.
2.2.2 – Instrumentos Voltados Para O Tráfico
Na verdade, a única estratégia para impedir o tráfico realmente é a
interdição. Ela consiste basicamente em impedir a entrada das drogas nos
países consumidores antes delas entrarem nas fronteiras internas, visando dessa
forma desestimular o consumo gerando uma falta de drogas e um aumento de
preço. Vejamos se essa estratégia obtém algum sucesso.
2.2.2.1 – A Interdição
A interdição nada mais é do que as famosas apreensões de drogas
que se vê diariamente nos noticiários e programas de TV. O grande diferencial
é que na interdição as drogas são apreendidas no caminho ao país consumidor,
quando elas estão sendo transportadas do país produtor para o consumidor.
Como dito anteriormente, elas visam diminuir o número de drogas
disponíveis e aumentar o preço. Analisemos, então, se esses objetivos são
efetivamente atingidos para as três principais drogas analisadas nesse trabalho:
42
Figura 11- Apreensões de cocaína 2000 – 2010
Figura 12 - Apreensões de ópio 2000- 2010
43
Figura 13 - Apreensões de Cannabis herb 2000-2010
Figura 14 - Apreensões globais de cannabis resin 2000-2010
44
Observando-se essas tabelas, percebemos que em todas elas houve uma
enorme evolução do número de apreensões do ano de 2000 até 2010, o que pode ser
considerado um indicador de sucesso das apreensões. De fato, a quantidade de
apreensões para cada droga é assustador, somando números assustadores. No
entanto, o impacto que ela tem sobre a produção é muito pequeno, pois a quantidade
de drogas produzidas é ainda mais impressionante, como já demonstrado, nas
tabelas anteriores. Comparemos cada um desses números agora para o ano de 2010.
Iniciemos a comparação com o ópio. Em 2010, a estimativa do potencial
de ópio que foi produzido alcançou a quantidade de 6995 toneladas, enquanto as
apreensões chegaram à 492 toneladas. Segundo dados da UNODC, sabe-se que
dessa quantidade de ópio produzida, tornou-se heroína cerca de 497 toneladas e das
apreensões de ópio cerca de 81 toneladas eram heroína. Assim sendo, temos que o
total de ópio apreendido chega a cerca de 7% da quantidade total, enquanto a
heroína alcança 16%. No entanto, sabe-se que os dados fornecidos de produção
costumam ser menores do que os reais, enquanto os de apreensões costumam ser
mais altos do que os reais. Ainda assim, o impacto é baixo.
Em relação à maconha, não dá para se ter a real dimensão do quanto as
apreensões têm efeito sobre a produção. Primeiro, porque a maioria dos países não
têm estimativas do quanto de maconha foi produzido internamente, apenas da área
cultivada. Segundo, porque muito da maconha que é produzida, é feito
domesticamente, dentro de casa, tornando-se extremamente dificultoso se ter tais
estimativas.
Com a cocaína, acontece algo parecido com o que ocorre com a
maconha. Não se dá para saber a real dimensão do impacto das apreensões sobre a
cocaína porque as apreensões não levam em consideração a pureza da cocaína, não
diferenciando a cocaína com 100% de pureza das outras substâncias, enquanto as
estimativas de produção da cocaína são feitas com base na cocaína com 100% de
pureza. Portanto, qualquer tentativa de se ter a porcentagem do impacto da cocaína
acabaria por produzir provavelmente um resultado fraco.
Esse é mais um dos argumentos utilizados para defender o fim da
proibição das drogas, pois um processo de legalização permitiria um maior
45
conhecimento da real dimensão do problema das drogas, pois seria mais fácil se
conseguir dados mais exatos e fieis com um mercado lícito.
2.3 – Os Custos da Guerra ás Drogas
Nesse subcapítulo, analisaremos quais são os reais custos do modelo
proibitivo para a sociedade, incluindo primeiramente os custos mais visíveis,
sobretudo aqueles que se relacionam efetivamente com os custos dos países para
adotar tal postura, e posteriormente, os custos menos visíveis, mais precisamente os
graves danos colaterais que tal postura gerou.
Com isso, pretende-se demonstrar que os males gerados pela política
proibitiva são grandes demais e são, comparativamente, muito melhor conhecidos
do que os reais benefícios da mesma.
2.3.1 – Os Custos Financeiros
A política proibitiva das drogas gera custos orçamentários aos países
enormes, alcançando níveis assustadores. Em todo mundo, os países, impulsionados
pela pressão dos países desenvolvidos para acabar com o consumo de drogas em
seus territórios, gastam grandes quantias nas políticas descritas anteriormente.
Apenas os Estados Unidos gastou 1 trilhão de dólares nos últimos 40 anos desde que
começou à guerra as drogas, segundo levantamento feita pela Associated Press:
46
Figura 15 - Aumento de gastos no combate às drogas
Embora seja o principal financiador dessa guerra, ele não é o único
país a gastar imensas quantias para tal objetivo. Todos os outros países do
mundo despejam grandes quantidades de seus orçamentos com o objetivo de
travar esse combate contra o tráfico e as drogas.
No Brasil, os dados oficiais do Funad registram entre 2000 e 2011
um gasto de 317 milhões de reais no combate às drogas, como demonstra a
tabela abaixo:
47
Figura 16 - Gastos brasileiros no combate às drogas
No entanto, observando a tabela dos gastos norte-americanos ao
longo dos anos, percebemos que a maior parte de seus gastos estão direcionados
ao “ Law enforcement” e a “ interdiction”, ou seja, mirados na produção,
enquanto uma parte bem menor é investida “ treatment and prevention”, ou
seja, são investidos no lado da demanda.
Todo esse investimento é voltado para um objetivo a curto prazo, o
de elevar o preço das drogas e, com isso, desestimular o seu consumo. No
entanto, as drogas nunca estiveram tão baratas. Segundo dados da UNODC, em
1990 a grama da cocaína nos Estados Unidos custava 278 dólares, enquanto em
2010, depois de todo esse dinheiro investido, custa apenas 169 dólares e a
48
grama da heroína custava 1031 dólares a grama em 1990 contra 450 dólares em
2010. Isso revela que o preço das drogas, a despeito de todo o investimento
para diminuir a produção, o que vem sendo conseguido, só tem diminuído, não
havendo o desestímulo ao consumo desejado.
Um estudo realizado por uma ONG britânica chamada Transform
Drug Policy, em 2009, revela que a legalização das drogas resultaria numa
economia de 20 bilhões de dólares ao governo britânico, segundo matéria
publicada no Jornal do Brasil em 8 de abril de 2009.
Portanto, torna-se evidente que os gastos realizados não estão
atingindo os seus objetivos, e uma política pública efetiva é aquela que atinge
ao que se propõe. Não falarei sobre os efeitos disso no consumo nessa seção,
pois isso será analisado posteriormente, mas já adianto que também não tem
tido os efeitos desejados no consumo.
Os custos financeiros não são os únicos tipos de custos gerados pela
política proibitiva, só são os mais evidentes. Podemos dizer que existem outros
tão graves quantos menos perceptíveis aos nossos olhos. Esses seriam os custos
com a saúde pública, perdas de camponeses e o encorajamento do crime
organizado.
2.3.2 – Saúde Pública
A primeira vista, pode parecer que a proibição não gera impactos
negativos sobre a saúde pública, muito pelo contrário, de que ela colaboraria
para a diminuição dos gastos de saúde pública referente às drogas, uma vez que,
em tese, de forma indireta, estaria diminuindo o consumo de drogas. No
entanto, essa diminuição não vem ocorrendo e novos problemas, causados por
externalidades negativas geradas pela proibição, vêm sendo gerados.
O primeiro desses problemas é o medo dos “usuários” em procurar
a ajuda das autoridades públicas, pois existem países nos quais o uso das drogas
49
ainda é criminalizado, embora essa não seja a tendência atual, e nos quais o uso
já é descriminalizado, ainda existe um preconceito e ignorância muito grande
com relação aos ditos “ usuários”, que os coíbe de procurar tratamento por
temor das repercussões disso dentro, por exemplo, da sua família e do seu
trabalho. Isso intensifica ainda mais os males de saúde gerados por essas
substâncias naqueles que as utilizam, contribuindo para uma intensificação da
dependência e um maior número de mortes.
Além desse medo, por serem renegados a marginalização pelo
sistema proibitivo, os consumidores de drogas acabam contraindo doenças
decorrentes da qualidade das drogas que utilizam ou da falta de saneamento do
ambiente e dos instrumentos das drogas. O primeiro caso é o famoso exemplo
das famosas misturas feitas pelos traficantes nas drogas, repassando-a muitas
vezes com substâncias altamente tóxicas, muito mais danosas do que a própria
droga. O segundo caso pode ser exemplificado pelos usuários de heroína que
compartilham as mesmas seringas e acabam contraindo doenças como o HIV e
a hepatite, mais letais do que a própria overdose.
Tudo isso contribui para que, no momento que o “usuário” busque o
tratamento, a sua saúde esteja tão debilitada que os custos tornem-se maiores do
que seriam se esses tivessem procurado ajuda logo no início do seu consumo ou
não tivessem sido expostos à condições tão adversas. E é aí que aparece a
segunda parte do problema da proibição. Quem financia esses gastos? De onde
os governos tiram o dinheiro para cobri-los? Esse dinheiro sai da receita
orçamentária que, fosse outro o modelo aplicado à questão das drogas, não
teriam nada a ver com esse problema e acabam tendo que ser “desviados” de
outras funções para serem aplicados nessa questão.
Portanto, além da proibição intensificar o problema de saúde
pública relacionado às drogas, gerando mais custos ao Estado, ele ainda impede
que se possa tirar qualquer tipo de receita com as drogas capazes de financiar
todos esses gastos, tendo que desviar um grande montante de seu orçamento
para essa finalidade. Um sistema mais racional, com uma regulação bem
pensada e montada, provavelmente poderiam resolver, ou pelo menos amenizar,
essa questão.
50
Em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como o
nosso, os efeitos sobre a saúde pública são ainda mais sentidos, pois com
orçamentos menores e/ou problemas estruturais e institucionais, esses custos
impactam em muito o orçamento.
Os dados a seguir demonstram que os custos das drogas ilícitas à
saúde pública norte – americana são mais de 161 bilhões de dólares por ano:
Figura 17 - Gastos de saúde pública norte americanos
Segundo o relatório do I Fórum Nacional Antidrogas, os gastos de
saúde pública com substâncias entorpecentes no Brasil, isso também contando o
álcool e o tabaco, chegaram a ser estimados em 28 bilhões de dólares em 1998,
ou seja, 7,9% do PIB na época por ano. Embora seja uma estimativa já
ultrapassada, ela é bem demonstrativa.
51
2.3.3 – Perdas dos Camponeses
Essa consequência é mais específica, sobretudo, dos países
produtores de drogas, como a Bolívia, Colômbia e Peru no caso da cocaína e o
Afeganistão no caso do ópio, pois são os seus fazendeiros principalmente que
sofrem as maiores perdas decorrentes da guerra às drogas. Porém, isso também
pode ser estendido para os demais cultivadores, sobretudo no caso da maconha,
cujo cultivo é espalhado por todo o globo. E por que há a perda? Se os
incentivos para o plantio de substâncias ilícitas são tão altos, gerando lucros
astronômicos, não deveriam esses produtores estar enriquecendo e fazendo
fortuna?
Pelo contrário, eles acabam não usufruindo dessa renda que poderia
elevar o seu padrão e qualidade de vida e a razão é muito simples. Isso acontece
porque, pela natureza ilícita da atividade e dos riscos desenvolvidos para o seu
comércio, a maior parte da renda e dos lucros são transferidos para o
intermediário, o traficante. E o motivo é simples; esse intermediário é quem
assume os maiores riscos da atividade, pois ele é quem pratica o ato de
comércio, ele é quem sofre o risco de ser preso ou até mesmo morto.
Não bastasse essa transferência, esses produtores sofrem ainda mais
dificuldade por causa da proibição dessa atividade. Em decorrência dos
instrumentos de controle mirados, sobretudo para o lado da oferta, sendo o
principal a erradicação dos plantios, eles acabam convivendo com o risco
permanente de ter toda a sua plantação exterminada do dia para a noite e não ter
capital para restabelecê-la, uma vez que não existe seguro contra essas perdas,
dada a natureza ilícita da atividade e os produtores são pobres demais para
começar de novo, uma vez que a maior parte da renda fica com o traficante:
Even if eradication efforts are unsuccessful in reducing
consumption in
rich countries, they still impose losses on farmers who cultivate
poppies
52
or coca. Those farmers do not have access to insurance against
losses
resulting from eradication, and they are too poor to self-insure.
Moreover,
eradication tends to target entire areas, so that any informal
safety-net
arrangements between farmers break down. For “eradicated”
farmers,
such losses could, therefore, be catastrophic. 11
Para piorar, quando isso acontece, a quem o fazendeiro pode
recorrer para se restabelecer? O governo? O governo, normalmente, não está
preocupado com a situação, muito pelo contrário, o vê como um dos causadores
do seu problema. Só existe uma pessoa que realmente se interessa pela
continuidade de sua atividade, e esse é o traficante. Nesse momento, ele investe
todo o capital que ganhou com a atividade ilícita junto ao produtor, para que
esse continue com a sua atividade, colocando-o inteiramente à sua disposição e
controle, uma vez que este tornasse dependente dele. Assim, se cria um grande
ciclo vicioso. O produtor planta a matéria – prima da fabricação das drogas ao
traficante por preços mínimos, uma vez que não têm outras opções de clientes
além deles, que leva aos mercados consumidores dos países desenvolvidos a
droga pronto, vendendo-a e conseguindo lucros exorbitantes, enquanto o
aparato proibitivo chega e destrói toda a plantação do produtor. O traficante,
novamente, aparece em cena, empresta o dinheiro ao produtor, que volta
novamente a produzir e têm-se novamente o mesmo ciclo, com cada vez mais
prejuízos ao produtor, mais gastos aos governos e mais ganhos ao traficante.
A tabela a seguir exemplifica essa diferença de ganhos,
demonstrando as diferenças de preço ao longo da cadeia de distribuição:
1- 11 KEEFER, P; LOAYZA, N (Ed.). Innocent bystanders: .: Developing countries and the
war on drugs.. Washington: Palgrave Macmillan, 2010, p.16. Disponível em:
<http://www.dldocs.stir.ac.uk/documents/536410PUB0Inno101Official0Use0Only1.pdf.>.
Acesso em: 03 abr. 2013
53
Figura 18 - Preço cocaína e heroína por kilograma de meados da década de 90 e
2000
Portanto, o que se percebe é, na verdade, que os instrumentos da
política de controle anti-drogas empregados mundialmente, sobretudo a
erradicação, não atingem aquele a quem se propõem, o traficante, mas sim os
sujeitos nos patamares mais baixos da cadeia de produção e distribuição, que
são os produtores, diminuindo a sua qualidade de vida, aumentando a
desigualdade social e, principalmente, colocando-o naquele ciclo vicioso
demonstrado anteriormente. Para piorar, torna a atividade do traficante ainda
mais lucrativa, uma vez que aumenta os riscos dos negócios; coloca os
produtores sob a esfera de domínio desses e enfraquece cada vez mais os
próprios governos dos países produtores, uma vez que gera custos cada vez
maiores a esses.
Se uma política pública que não atinge os seus objetivos é um
fracasso, o que poderá ser dito de uma política pública que piora ainda mais o
54
problema para o qual foi criada? Uma mudança se faz necessária e
extremamente urgente, sob o risco de cada vez mais criar-se um problema mais
difícil de se controlar, pois como será demonstrado a seguir, toda essa renda do
tráfico vai para algum lugar, o crime organizado e o terrorismo. Esses são
problemas ainda mais assustadores do que as próprias drogas, pois geram
violência, corrupção e instabilidade social e, nada surpreendente, têm uma
grande contribuição da política proibitiva global atual.
2.3.4 – O Crime Organizado e o Terrorismo
Tanto o crime organizado quanto o terrorismo necessitam para a
sua sobrevivência de uma atividade econômica para financiá-lo e, normalmente,
por suas próprias características de serem ilegais por si só, nada melhor do que
uma atividade ilícita para tal feito. E o tráfico de drogas é perfeito para tal,
aliás, ele é muito mais do que perfeito porque melhora a própria estruturação e
organização de ambos.
E por que eu digo que melhora a estruturação e a organização de
ambos? Digo isso porque para se organizar qualquer tipo de instituição, faz-se
necessário criar uma cadeia hierárquica e de comando, baseada em relações de
poder da sua base até o seu topo. E como se constrói essa relação de poder? Ela
se constrói economicamente, através de quem domina mais os meios de
produção e, por conseguinte, tira os maiores proveitos disso. Transferindo esse
conceito para os casos do crime organizado e o terrorismo, em termos de
atividades ilícitas, não fosse o tráfico de drogas, muito dificilmente, no caso do
crime organizado mais certamente do que no do terrorismo, essas organizações
conseguiram se estruturar, pois o mercado das drogas é um mercado enorme a
ser explorado que supera em termos de lucratividade qualquer outro tipo de
atividade criminosa, como roubos ou sequestros. Isso significa dizer,
basicamente e resumidamente, que o que sustenta as duas organizações é o
tráfico de drogas e de que elas muito dificilmente conseguiriam manter-se sem
essa atividade. Note-se que aqui não está se defendendo que elas deixarão de
55
existir com a simples legalização das drogas, mas sim de que esse é um dos
passos, num conjunto de medidas bastante complexo envolvendo diversos
fatores, para vencer o crime organizado e o terrorismo.
E a recíproca também é verdadeira. Da mesma maneira que o crime
organizado precisa do tráfico de drogas para se sustentar, esse também precisa
do crime organizado ( quando disser crime organizado a partir de agora,
também estarei colocando junto o terrorismo). E o motivo é simples: por estar
na ilicitude, o tráfico para manter-se necessita usar de violência e da corrupção,
precisa de armas e proteção, precisa adentrar o submundo do crime e da
marginalidade, pois se assim não fosse, essa guerra estaria ganha há muito
tempo. Isso é tão verdadeiro que há dois exemplos bastante claros que
demonstram como atualmente é praticamente impossível distinguir a figura do
traficante da do integrante de uma organização criminosa ou terrorista.
O primeiro exemplo é as FARC ( Forças Armadas Revolucionárias
da Colômbia), que começou como uma organização revolucionária visando
derrubar o governo colombiano e tornou-se um grupo rebelde criminoso. Ao
mesmo tempo em que surgiam as FARC, esse país já era o principal produtor
da folha de coca mundial. Porém, mesmo embora a Colômbia já fosse o grande
produtor de folha de coca mundial, os primeiros grandes cartéis do tráfico
colombiano só surgiram a partir da década de 70. As FARC, curiosamente,
surgiram em 1964. Para visualizar ainda mais essa relação, basta olhar o mapa
da atuação das FARC e do plantio de coca no mapa colombiano. É exatamente
a mesma área:
Figura 19 - Área de Atuação das FARC
56
57
Figura 20 - Área de cultivo de coca – 2006
58
O segundo exemplo, ainda mais demonstrativo, é o caso do ópio no
Afeganistão. Esse país, como já demonstrado nesse trabalho, é disparado o
maior produtor de ópio mundial e, paralelamente, também é o quartel – general
de um, senão o maior, dos maiores organismos terroristas mundiais, a Al –
Qaeda. Os terroristas, juntamente com os traficantes, exploram os lucros dessa
atividade e se financiam com a receita advinda dali. Eles oferecem proteção,
enquanto os traficantes oferecem o seu know – how e a sua rede de distribuição,
ali incluída principalmente as rotas comerciais:
Figura 21 - Cultivo da papoula no Afeganistão - 2002
59
Figura 22 - Área de atuação do Taliban
Note-se que a área de atuação permanente do Taliban corresponde
exatamente às áreas de cultivo da papoula dentro do território afegão no ano de
2002. Embora os dados sejam de 2002, eles permanecem demonstrativos da
interligação que existe entre a atividade terrorista e o tráfico de drogas.
Essas organizações valem-se, sobretudo da violência para atingir os
seus fins, causando grande insegurança pública nos territórios nacionais em que
ocupam. E não poderia ser diferente, dada a sua natureza ilícita, pois devido ao
combate sofrido pelo tráfico por parte das diversas polícias nacionais, algumas
vezes chegando até mesmo ao uso de forças militares, ele precisa revidar da
mesma forma, com violência. E o que é pior, quanto mais intenso fica o
combate direto, com uso da violência estatal, mais forte também fica a
violência com o qual o tráfico revida, tornando verdadeira aquela máxima de
que violência só gera violência Nós, aqui no Brasil, conhecemos bem essa
realidade, pois a vivenciamos diariamente:
60
The two most powerful organized crime groups with clear links
to
drug trafficking in Brazil—the Red Command (CV) and the
First Command of the Capital (PCC)—have coordinated simultaneous
rebellions
in as many as 29 different prisons and maintained effective
control of
certain slums and poorer areas. Assassinations of police
officers, members of the judicial system, and authorities of the prison system
are regular tactics of these groups.12
Em reportagem de 10/01/2007, a Revista Veja publicou um artigo
intitulado “PCC: Primeiro Comando da Capital: A pretexto de defender
presidiários, facção domina o narcotráfico nas cadeias, conquista pontos- de-
venda de drogas fora das prisões e fatura milhões de reais”, escrita por Fábio
Portela, em que estima que o PCC lucre dois milhões de reais por mês só com o
tráfico de cocaína nas cadeias. Não existe nada com taxa de retorno tão alta:
A venda de cocaína é o negócio mais lucrativo do mundo do
crime. Um quilo da droga, avaliado em 5.000 dólares em São Paulo, rende
15.000 dólares quando é vendido no varejo. Nenhum investimento financeiro
tem taxa de retorno semelhante. O traficante também se expõe a menos riscos
do que um assaltante de bancos, por exemplo. O PCC monopolizou a venda
da droga nos presídios. Atualmente, cada grama de pó vendido nas cadeias do
estado de São Paulo é controlado pelo grupo. Uma investigação conduzida
pelo Ministério Público revelou que, em média, cada unidade do sistema
prisional consome 1,5 quilo de cocaína por mês. São Paulo tem 144
penitenciárias e casas de detenção. Estima-se, portanto, que o PCC
movimente mais de 200 quilos da droga mensalmente, só nas cadeias. O
12 KEEFER, P; LOAYZA, N (Ed.). Innocent bystanders: .: Developing countries and the war on
drugs.. Washington: Palgrave Macmillan, 2010, p.21. Disponível em:
<http://www.dldocs.stir.ac.uk/documents/536410PUB0Inno101Official0Use0Only1.pdf.>. Acesso
em: 03 abr. 2013
61
resultado dessa operação é fabuloso: lucro de 2 milhões de dólares a cada
trinta dias.13
Não bastasse apenas a violência gerada pela atuação dessas
organizações ilícitas dentro dos diversos territórios nacionais, eles geram dois
outros grandes problemas igualmente complicados de serem combatidos e
interligados entre si: a corrupção e a instabilidade institucional.
A corrupção, embora possa não parecer, é a maior arma utilizada
pelo crime organizado e o terrorismo, pois é o jeito mais sutil pelos quais essas
organizações mantêm-se dentro das diversas nações no mundo. E eles utilizam
essa arma das mais diversas formas possíveis, desde financiamento à campanha
de políticos até a compra de membros do judiciário e da polícia, e nas mais
variadas camadas sociais, desde o policial que atua na rua até o membro do
legislativo nacional. Obviamente, isso só é possível graças ao dinheiro ganho
pelo tráfico internacional de drogas.
Associada a corrupção, tanto como um fator causador quanto
gerado por ela, numa espécie de fluxo vicioso, está a instabilidade institucional.
Por essa nomenclatura, estou me referindo à fragilidade existente nas grandes
instituições que regem um país, sobretudo nos países subdesenvolvidos e em
desenvolvimento, como é o caso dos países produtores e, em menor medida do
que esses, do nosso próprio país, tais como o Executivo, o Legislativo e o
Judiciário, em todas as suas esferas. Quando o crime organizado e o terrorismo
estão instalados dentro de um território, eles impedem ou, ao menos, dificultam
o adequado funcionamento do aparato estatal, corrompendo-o desde as suas
bases, e disputando o poder junto com o Estado.
Essa disputa tem por efeitos gerar a insegurança social, a própria
corrupção, a descrença do povo em suas próprias instituições e, principalmente,
atrasa o desenvolvimento dessas nações, aumentando ainda mais os mais
13 PCC: PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL: A pretexto de defender presidiarios, facção domina
o narcotráfico nas cadeias, conquista pontos-de-venda de drogas fora das prisões e fatura milhões de
reais. São Paulo: Revista Veja, 10 jul. 2007. Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/100107/p_061.html>. Acesso em: 02 maio 2013
62
diversos problemas das mesmas. E aqui fica novamente a pergunta: serão as
drogas mesmo tão perversas para justificar tudo isso?
2.3.5 – O Excedente do Sistema Prisional
Não é novidade o fato de que a maior parte dos presos nas
penitenciarias está lá por algum tipo de envolvimento com o tráfico, em alguma
das suas três fases, a produção, a venda ou o consumo. O que talvez seja
novidade são os números referentes à quantidade desse total, os custos
decorrentes disso, a taxa de reincidência ou o cometimento de crimes mais
graves de quem saiu e, principalmente, o impacto, ou melhor, a falta de
impacto, disso sobre o tráfico de drogas e o seu mercado. Nessa parte, pretende-
se mostrar o alto custo de se manter esse sistema e a grande ineficácia dele no
combate às drogas.
Comecemos por analisar um gráfico que demonstra a mudança na
taxa de aprisionamento norte-americano após a declaração oficial de Nixon de
guerra às drogas, ato que marcou o início de fato dessa forte política repressiva
às drogas. O gráfico demonstra que a população carcerária norte-americana
cresceu 800% em 40 anos:
63
Figura 23 - Crescimento da população carcerária norte - americana
Esses números são realmente assustadores. Se esse ritmo mantiver-
se, logo teremos uma população carcerária semelhante à população do lado de
fora.
E todas essas pessoas mantidas sob o jugo do poder estatal geram
custos enormes ao Estado, pois este se torna responsável por elas. Vejamos
esses custos. Atualmente, existem 330.000 norte-americanos presos por crimes
relacionados às drogas, segundo relatório da Agência de Justiça norte-america.
Segundo o Vera Institute for Justice, o custo padrão nacionalizado por
prisioneiro é de 31.286 dólares por pessoa anualmente, o que dá um gasto de
10.324.380 milhões de dólares para manter esses 330.000 prisioneiros. Isso sem
contar o que se perde de produtividade com essa pessoa mantida enjaulada, uma
vez que do lado de fora muitos desses poderiam estar produzindo
economicamente, gerando receita ao Estado com a cobrança de impostos:
64
CLN Editor’s Commentary: Shocking statistics released in the
Bureau of Justice report discussed below reveal that the U.S. incarcerates
330,000 drug offenders, though this does, thankfully, represent a slight
decline of .09% since the previous year. According to the VERA Institute for
Justice, the national standardized average per-inmate annual cost of
incarceration is $31,286. This represents an annual cost to US taxpayers of
$10,324,380,000 per year, or about $103 billion over a decade. According to
The Wall Street Journal, if you add in drug-related spending on police and
the court personnel used to try drug users and traffickers, the annual cost of
America’s drug war to taxpayers soars to about $40 billion, or $400 billion
per decade. 14
No Brasil, assim como no restante do mundo, isso não é diferente.
Em nosso país, a população carcerária chega a 500 mil presos, sendo 140 mil
desses presos, ou 30% desse total, por tráfico de drogas, segundo dados
extraídos do site http://www.growroom.net/2013/04/26/novo-titular-da-
secretaria-nacional-de-politicas-de-drogas-pretende-reduzir-o-numero-de-
presos-por-trafico/. O gráfico a seguir demonstra a evolução desses números:
14 ALCYONE. US Has 330,000 Drug Offenders in Prison, Spends More On Drug War Than
Cost to End World Hunger. Disponível em: <http://consciouslifenews.com/330000-drug-offenders-
prison-spends-drug-war-cost-world-hunger/1147052/>. Acesso em: 08 jan. 2013.
65
Figura 24 - porcentagem de prisões por tráfico em relação ao global
Segundo reportagem publicada no globo em 20/11/11, realizada por
Alessandra Duarte e Carolina Benevides, o custo anual de um preso federal é de
mais de quarenta mil reais por ano (http://oglobo.globo.com/educacao/brasil-
gasta-com-presos-quase-triplo-do-custo-por-aluno-3283167.). Ou seja,
desconsiderando a não produtividade dessas pessoas economicamente, o
número de presos por tráfico no Brasil gera um custo à União de 5.600.000
bilhões de reais aos cofres públicos anualmente.
Isso representa uma perda de receita pública enorme voltada
unicamente para manter os prisioneiros dessa guerra. No entanto, ainda assim,
essa batalha vem sendo perdida, pois o tráfico continua tão forte como sempre
66
foi, para não dizer mais fortes. E aí fica a pergunta: será que esses custos
justificam os seus benefícios? Passemos a analisar agora o outro lado da
questão, o lado da demanda, e vejamos se todos os custos demonstrados
anteriormente se justificam.
2.4 – O Consumo de Drogas
Tudo o que foi analisado até aqui, desde o caminho da proibição até
as suas ferramentas, foi adotado por um único motivo: diminuir o consumo de
drogas. No entanto, apesar de todos os gastos realizados pelo mundo todo em
busca desse feito, o objetivo não foi atingido. Pelo contrário, o consumo de
drogas aumentou ainda mais. E esse é o ponto central desse trabalho, é o
principal indicativo do fracasso da atual política proibitiva de drogas mundial.
Primeiramente, o objetivo imediato de toda a tese pró – proibição
de drogas, gerar o aumento dos preços das drogas através da diminuição de sua
oferta no mercado não foi atingido e essas substâncias nunca estiveram mais
baratas em toda a história contemporânea ocidental. O lucro dos traficantes,
como já demonstrado anteriormente, é enorme, o que significa dizer que eles
estão ganhando pela quantidade dos produtos, uma vez que o preço caiu.
Iniciemos por demonstrar a evolução dos preços de venda das
drogas para o consumidor final, analisando sobretudo os preços nos mercados
europeus e norte-americano, e também aqui no nosso mercado:
Tabela 1
C
ocaína
1
990
1
995
2
000
2
005
2
010
E
UA
2
78
2
12
1
95
1
38
1
69
E
uropa
1
46
1
21
9
3
7
5
6
2
B
rasil
S
em dados
S
em dados
S
em dados
1
2
S
em dados
67
Tabela 2
H
eroína
1
990
1
995
2
000
2
005
2
010
E
UA
1
031
6
02
4
64
3
91
4
50
E
uropa
2
16
1
21
8
4
6
4
5
1
B
rasil
I
rrelevante
I
rrelevante
I
rrelevante
I
rrelevante
I
rrelevante
Tabela 3
M
aconha
1
990
1
995
2
000
2
005
2
010
E
UA
S
em dados
S
em dados
S
em dados
S
em dados
2
0 - 1800
R
eino Unido
S
em dados
S
em dados
S
em dados
S
em dados
4
,4
B
rasil
S
em dados
S
em dados
S
em dados
0
,3
S
em dados
Em dólares por grama.
Desde já, peço desculpas pela falta de alguns dados, sobretudo
referente à tabela da maconha. A justificativa para tal foi a própria falta de
informação e pesquisa referente em específico à maconha, pois pelo fato de
muita de sua produção ser realizada domesticamente torna-se extremamente
difícil a mensuração dos preços, e com relação ao Brasil, a informação
oferecida e o baixo interesse mundial em estudar o mercado de drogas daqui,
sendo sempre tomado como referência os mercados norte-americano e europeu,
impossibilitou a apreensão de mais informações.
Apesar disso, as informações disponibilizadas são suficientes para
demonstrar que os preços das drogas caíram, apesar de todo o esforço e
68
recursos aplicados globalmente na guerra às drogas. Teoricamente, segundo
toda a argumentação elaborada para justificar à proibição e à guerra às drogas, a
diminuição da oferta de drogas por meio das técnicas demonstradas
previamente, o que deveria se ver é o aumento no preço das drogas, que levaria
à consequente diminuição da demanda. O que se vê não é uma coisa nem outra.
Demonstremos agora em específico as mudanças na demanda, que
ao contrário dos preços, aumentou:
Tabela 4
Consu
mo
2000 2005 2010
Globa
l
180
milhões/ 4.2%
P.T.
200
milhões/ 5% P.T.
300
milhões / 6.6%
P.T.
Cocaí
na
14
milhões
14
milhões/ 0.3%
P.T.
19.5
milhões / 0.5%
P.T.
Heroí
na
9
milhões
10.6
milhões/ 0.3%
P.T.
21
milhões/ 0.5%
P.T.
Maco
nha
144
milhões
161
milhões/ 4% P.T.
224
milhões/ 5% P.T.
P.T. = população total
Os dados falam por si próprios. É nítido que o consumo de drogas
continua a aumentar, apesar de todos os esforços e recursos empregados em seu
combate, o que evidencia que a política pública global de proibição e repressão
às drogas, antes mesmo de discutir a sua legitimidade e questões de direito e de
moral, no plano prático não atinge nem mesmo os resultados a que se propõe.
A pergunta não mais é se o modelo proibitivo das drogas é eficiente
ou não, pois está evidente que não o é. O que devemos nos perguntar agora são
os motivos que levaram ao seu fracasso, quais premissas dessa teoria se
mostraram falsas, quais os fatores do mercado que levaram a esse resultado e se
será que é mesmo interessante e inteligente continuar com esse modelo, apesar
de todas as negatividades já demonstradas. Isso é o que tentaremos responder a
69
seguir, para depois, enfim, considerarmos outros modelos a serem adotados no
que diz respeito às drogas.
2.4.1 – O Funcionamento da Demanda de Drogas
No combate às drogas, comumente, as nações mundiais apenas
levam em consideração o lado da oferta, desconsiderando as características
específicas da demanda de drogas. Desconsideram questões como a elasticidade
da demanda e a resposta dos agentes, entendam-se traficantes, às mudanças no
mercado oriundas da atuação governamental e das mudanças legislativas. Como
resultado disso, temos todas as externalidades negativas já demonstradas
previamente.
Uma das explicações para isso é a própria dificuldade de se
conseguir essas informações causadas pela própria proibição em si. Torna-se
difícil realizar uma pesquisa no mercado para se descobrir as diversas respostas
da demanda à diferentes estímulos, uma vez que esse mercado é ilícito, ou seja,
em tese nem deveria existir. O consumidor desse mercado é visto, pela maior
parte da sociedade, como um bandido, o que torna difícil qualquer tipo de
tentativa de pesquisa com ele.
Para tentar explicar o funcionamento da demanda, me utilizarei dos
resultados obtidos a partir de um modelo de equilíbrio geral elaborado por
Rómulo A. Churmaceno, que pode ser encontrado na íntegra no capítulo 5,
“Evo, Pablo, Tony, Diego and Sonny: General Equilibrium Analysis of the
Market for Illegal Drugs”, que faz parte do livro: “ Innocent Bystanders:
Developing Countries and the War on Drugs”, editado por Philip Keefer e
70
Norman Loayza, disponível em:
http://www.dldocs.stir.ac.uk/documents/536410PUB0Inno101Official0Use0On
ly1.pdf.
A partir de uma equação na qual ele considera os cinco agentes de
mercado atuantes no mercado de drogas, qual sejam, o cultivador da matéria –
prima de drogas, o produtor da droga, o traficante da droga, o consumidor da
droga e os governos, ele analisa os efeitos no mercado, partindo de três pontos
principais: aumentar os riscos de ser detido, aumentar as penalidades e
legalização.
A equação é a seguinte:
Onde E é o cultivador da matéria – prima, P é o produtor de droga,
T é o traficante e D é o consumidor.
C: Consumo do bem ilegal
Pi: Probabilidade de ser pego produzindo o bem ilegal.
No aumento de riscos, ele conduz cinco experimentos.
No primeiro experimento, ele aumenta os gastos em todos os
instrumentos anteriormente expostos, aumentando os riscos de ser pego na
atividade ilegal para todos os agentes, ou seja, o produtor da matéria – prima, o
produtor da droga, o traficante e o consumidor, assim como os gastos em
prevenção. Como resultado, ele descobre que quem teria vantagem com tal
política seriam os produtores de drogas e os consumidores.
No segundo experimento, ele canaliza os gastos apenas para o
combate internacional de drogas, deixando gastos desprezíveis para o contexto
doméstico dos países. Essa política torna mais arriscada a produção da droga e,
sua consequente exportação. Como resultado, os incentivos ao produtor da
droga aumentam em muito, e isso torna desejável para ele tal política, pois com
isso seus lucros também aumentam. Ou seja, nesse contexto, o único agente
71
beneficiado com tal política é o produtor de droga. O consumidor não se
beneficia, pois os gastos aumentados para o traficante são repassados ao
consumidor.
O terceiro experimento aumenta os gastos na interdição,
aumentando os riscos de apreensão da droga. Com isso, ele aumenta os riscos
para o traficante de drogas. Dessa forma, os riscos da sua atividade aumentam
em muito, o que permite para aquele que pratica tal atividade cobrar altos
valores em decorrência desse risco. Assim sendo, aumentam-se os incentivos
para a atividade de tráfico, o que é desejável para o traficante. Como para o
produtor de droga os riscos são baixos, o traficante pode compra a droga à
preços baixos e vendê-la por uma diferença maior, aumentando a sua taxa de
lucratividade. Portanto, tal panorama beneficia tanto o traficante, quanto o
consumidor, pois não haverá efeito sobre o preço da droga, pois quem sofre
com esse diferencial no preço é o produtor da droga, que recebe menos, e não o
consumidor, que continua a ter altas quantidades de dólar por um baixo valor.
No quarto experimento, ele aumenta os gastos no âmbito
doméstico, aumentando os riscos para ambos o traficante e o consumidor.
Como os riscos aumentam para o traficante, ele é beneficiado, pois pode pagar
menos ao produtor da droga, uma vez que esse terá pouca demanda para a
droga e cobrar mais do consumidor, aumentando a sua lucratividade. Ele tem
como resultado, semelhantemente ao experimento anterior, de que ambos os
agentes são beneficiados. Como demonstrado anteriormente, o consumidor é
beneficiado, pois a variação no preço não é repassa para ele e sim para o
produtor de drogas.
No último experimento, ele canaliza os gastos unicamente em
prevenção. O resultado encontrado é de que o único agente beneficiado com
isso é o consumidor, pois a probabilidade do seu vício diminui, o que traz uma
diminuição desejada da demanda. Ou seja, o único tipo de gasto realmente
voltado para o lado da demanda.
Quanto ao aumento de penalidades, ele conduz três experimentos.
72
No primeiro experimento, ele torna as penalidades mais rígidas para
o produtor da matéria – prima, tornando para esse mais custoso a produção
desse cultivo. Com esse aumento de custos, ele passa a diminuir a quantidade
desse produto ilegal produzido, diminuindo o fornecimento para o resto da
cadeia. Com isso, o consumo diminuiria, beneficiando o consumidor.
No segundo experimento, são impostas penalidades mais rígidas
para o produtor da droga. Com isso, torna-se mais custoso a produção, ele
produz menos quantidade de drogas, demandando menos matéria – prima do
produtor e repassando menos ao traficante. Com isso, haveria menos droga
disponível no mercado, beneficiando os consumidores.
No terceiro experimento, aumentam - se as penalidades para os
traficantes, tornando-se mais custoso para eles a sua atividade. No entanto, por
terem contato direto com os consumidores, eles podem repassar esses custos
para eles, cobrando preços mais altos e aumentando a taxa de lucratividade.
Com preços mais altos, a demanda diminuiria e o consumidor também se
beneficiaria, conjuntamente com o traficante.
No entanto, os resultados desses últimos experimentos parecem
desconsiderar um fator primordial. Como se sabe, aumentar as penalidades das
leis não é garantia alguma de redução da criminalidade, pois se assim o fosse,
bastaria estabelecer a prisão perpétua ou a pena de morte para se acabar com os
crimes. O que é desconsiderado nessa equação, explicado em muito pelo fato
dela ser uma equação geral, é a aplicação, no plano fático, dessa lei, pois se as
chances de se ser descoberto e detido pela prática da atividade ilegal for baixa,
não se tornará mais custoso para eles essa atividade. Além disso, os dados
revelam que mesmo com o maior rigor das penalidades, os preços das drogas
não diminuíram, o que comprova haver falhas nessa equação. Contudo,
continuemos a utilizá-la em nossas análise, para depois buscarmos as falhas e
possíveis explicações para elas.
O terceiro conjunto de exercícios refere-se à legalização, e aqui é
onde considero essa equação bastante útil e demonstrativa, embora
provavelmente com falhas, como já se pode verificar anteriormente.
73
Primeiramente, legaliza-se a produção da matéria – prima. Isso
levaria ao aumento da produção e consumo das drogas ilegais e diminui os
preços relativos dela. Com isso, por não ser mais uma atividade arriscada, o
produtor produziria ainda mais da matéria – prima, sendo beneficiado nesse
cenário. Porém, também beneficiaria o produtor da droga e o traficante, pois
esses produziriam e venderiam mais drogas, já que tem mais matéria – prima.
Com isso, em tese, o único prejudicado seria o consumidor, pois isso
alimentaria o seu vício.
Em outro momento, legaliza-se junto com o cultivo da matéria –
prima, a produção da droga. Também se vê o mesmo cenário anterior, mas no
entanto, com a legalização da produção da droga, o fator gerador da
lucratividade do produtor é perdido, pois sua atividade já não representa mais
nenhum risco, e qualquer um pode participar dessa atividade, dando um enorme
poder de barganha ao traficante. Diferentemente do fazendeiro que cultiva a
matéria – prima, cujo fator terra e técnica tornam-se um diferencial importante,
a droga pode ser produzida em qualquer local e por qualquer um. Com isso,
apenas o cultivador da matéria – prima e o traficante se beneficiam.
Posteriormente, legaliza-se também o tráfico e o consumo. Ao se
fazer isso, tira-se o fator de risco da atividade, principal geradora da alta
lucratividade para os produtores e traficantes de droga, que nesse cenário, terão
mais concorrência e perderão o monopólio ou oligopólio da atividade. O
consumidor também é prejudicado, pois há mais drogas disponíveis no mercado
para alimentar o seu vício. O único beneficiado, então, seria o cultivador da
matéria – prima, pois haveria alta demanda por seus produtos e uma limitação à
concorrência decorrente do fator terra e técnica.
Aparentemente, por esses resultados, o consumidor sempre estaria
prejudicado pela legalização das drogas, corroborando o pensamento da maioria
dos formadores de políticas públicas. Porém, deve-se atentar para um resultado
não explicitado por essa equação matemática. Com a legalização, não há mais a
necessidade dos governos gastarem todos os volumosos recursos despendidos
no combate e repressão às drogas, podendo reverter todos esses recursos para a
prevenção e o tratamento dos consumidores, assim como para as pesquisas e
74
estudos das drogas, o que beneficiaria em muito os mesmos, pois diminuiria a
probabilidade de seu vício e os efeitos ruins das drogas sobre a sua saúde. Em
tal cenário, percebemos que os verdadeiros beneficiados passam a ser o
camponês e o consumidor.
Essa equação não é perfeita, o que já foi percebido por uma das
falhas já apontadas previamente, porém todo o raciocínio elaborado até aqui faz
muito sentido. Além disso, todos os dados práticos demonstrados ao longo de
todo esse capítulo parecem corroborar para a demonstração de que a proibição é
um fracasso e de que a possível solução seja a legalização. O que deve ser
extraído de toda essa análise a partir de tal equação é que políticas voltadas
sobretudo para o lado da demanda demonstram surtir melhores efeitos do que
aquelas miradas à produção, sendo fundamental nesse contexto o trinômio
prevenção, tratamento e pesquisa. A partir disso, deve-se pensar num modelo
racional de legalização.
2.4.2 – Possíveis Modelos de Legalização
Sempre que se fala sobre legalizar as drogas, natural é se pensar que
se retornaria ao modelo anterior ao proibitivo, no qual as drogas eram
comercializadas livremente e descontroladamente. Sem dúvida, esse é um dos
modelos possíveis, no qual todos teriam ampla liberdade para comercializar e
consumir as drogas. Porém, essa não é a única maneira de se realizar isso,
existem inúmeras outras, incontáveis até. Nessa seção do trabalho, demonstrarei
aquelas que eu considero as principais.
O primeiro modelo é o já citado acima, no qual todas as drogas
seriam livremente comercializadas sem qualquer tipo de controle. Seria
basicamente o retorno ao status quo anterior à proibição, no qual imperaria o
liberalismo comercial total nesse mercado. Embora existam aqueles que
defendam que o consumo de drogas funciona de maneira inelástica e a sua
liberalização total não influiria em um aumento de consumo, bastando apenas
75
campanhas educativas e orientação às pessoas para evitar um boom consumista
de drogas, seria demasiado arriscado demais sair de um polo para outro, da
proibição total para a liberalização descontrolada. Seria uma mudança
demasiadamente radical.
O segundo modelo seria o do controle total do comércio pelo
Estado, sendo as drogas monopólio completo estatal. Esse modelo é o que
proporcionaria o controle mais fácil sobre esse mercado às nações mundiais,
possibilitando ainda a reversão de todos os ganhos com essa atividade
econômica para financiar o trinômio mencionado anteriormente, qual seja,
prevenção, tratamento e pesquisa. O contraponto disso, no entanto, seria a
incapacidade e ineficiência estatal para gerenciar tal atividade e sobressair-se
em relação aos traficantes ilegais, que não deixariam de existir num passe de
mágica, pois esses já teriam todo o know – how, estrutura e capital para levar
vantagens econômicas sobre a maior parte dos Estados mundiais, além de
serem transnacionais.
O terceiro modelo seria o da privatização do mercado de drogas,
com a cobrança de impostos num modelo semelhante ao que é realizado
principalmente com o cigarro e em menor medida com o álcool. Com essa
cobrança de impostos, seria possível ao Estado recolher receita para financiar o
trinômio: prevenção, tratamento e pesquisa, para inibir o aumento do consumo
e até mesmo diminuí-lo, ou melhor, torná-lo o mais racional possível, assim
como é feito com as drogas legais. O contraponto disso seria: de um lado, a
cobrança excessiva de impostos pode desestimular a iniciativa privada à entrar
nesse mercado ou aqueles que operam de maneira ilegal a tornarem-se
legalizados e de outro lado, impostos demasiadamente baixos podem não gerar
receita suficiente para financiar o trinômio, o que pode ser prejudicial para o
controle do consumo de drogas.
Ainda pode se pensar num modelo misto, com a participação tanto
do Estado quanto da iniciativa privada, não monopolizando a exploração desse
mercado. Isso poderia ser desejável à medida que possa aumentar as receitas
adquiridas pelo Estado para cuidar de tão grave problema.
76
Diante do exposto, percebe-se que ainda não existe um modelo
único e funcional de legalização das drogas, o que não poderia ser diferente,
uma vez que a discussão sobre a legalização das drogas é recente. O que
existem são diversas teorias de modelos, os mais diferentes possíveis, cada um
com suas vantagens e seus problemas, ainda não elaborados profundamente a
ponto de se vislumbrar de forma clara como se daria essa legalização e a sua
adaptação.
No entanto, esses problemas não devem ser uma barreira para a
mudança de modelo, pois o único ponto, nesse capítulo, que ficou demonstrado
indubitavelmente é o fracasso do nosso modelo atual. Já passou do momento
das discussões passarem para a fase seguinte, saírem da discussão sobre a
manutenção ou não do atual modelo, para passar a elaboração de um melhor
modelo, mais adequado para tratar de tão complexa questão.
Para concluir, não é objetivo desse trabalho a apresentação de um
modelo ideal para resolver a questão das drogas, pois seria demasiada
prepotência e equivoco enorme querer isso. A única pretensão desse capítulo é
demonstrar a falência do modelo atual e a necessidade de uma mudança,
tentando exemplificar as possibilidades já pensadas atualmente.
Capítulo 3 – Questões Fundamentais de Direito com
Relação às Drogas
Até agora, discutiram-se os aspectos históricos, biomedicinais e
econômicos sobre as drogas, porém pouco foi trabalhado até agora sobre os
aspectos jurídicos e até mesmo, por que não dizer, morais a seu respeito. Não
basta apenas apontar todos os aspectos que tornam o modelo proibitivo um
fracasso ou uma total desnecessidade; é preciso também demonstrar os direitos
sob os quais será fundamentada a legalização das drogas.
Esse capítulo dedica-se especificamente para trabalhar esse aspecto,
trazendo fundamentos específicos da área jurídica para dar bases à uma
77
eventual legalização ou mesmo até uma mudança estrutural na atual política.
Aqui se demonstrará os princípios que sustentam a licitude da produção, da
comercialização e do consumo dessas substâncias atualmente dita ilícitas.
Os principais princípios a serem tratados aqui serão: princípio da
liberdade individual; princípio da autonomia individual e princípio da
intervenção mínima do Estado. Além disso, será demonstrado como a
legalização não viola outros princípios, tal como o direito à vida e a dignidade
da pessoa humana, e até mesmo afronta outros, como o princípio da lesividade
do Direito Penal.
3.1 – As Três Liberdades Básicas: O Consumo, A
Produção e O Comércio.
Para que seja possível legalizar as drogas e criar um sistema mais
racional a esse respeito, é de suma importância dar-se a liberdade a todos os
agentes desse mercado para atuarem. É necessário que tanto o produtor da
matéria – prima possa desenvolver a sua atividade, quanto o intermediário,
quem hoje conhecemos como o traficante, possa atuar nesse ramo, como o
consumidor possa consumir. Pode parecer afirmar o óbvio, mas na realidade
prática não é tão simples assim por todo o medo e preconceito existentes no
concernente à essas substâncias.
3.1.1 – A Liberdade de Consumir
No concernente a essa liberdade, houve certa evolução jurídica e
legal a esse respeito, sobretudo com a descriminalização do consumo sendo
bastante comum atualmente e já podendo ser observada em diversos países do
mundo, e no campo filosófico e dos debates, há bastante aceitação quanto a essa
78
liberdade, principalmente no referente à maconha, existindo muitos defensores
de tal liberdade. No entanto, ainda existem dentro da sociedade atual grupos
radicalmente opostos à essa liberdade, sobretudo os religiosos e outros mais
conservadores.
Devido a essa forte contraposição de grupos favoráveis à liberdade
de consumo e outros totalmente contrários, surge a questão: Será que o Direito,
principalmente o nosso, permite esse cenário? Quais seriam os fundamentos
que apoiariam esse novo modelo?
O primeiro e mais visível princípio que dá base à liberdade de
consumo é o princípio da liberdade individual, que propugna que todos devem
ser livres para definir o seu próprio destino. Isso não significa dizer que todos
podem fazer o que bem quiserem como sair às ruas disparando tiros e matando
pessoas nas ruas ou invadir um supermercado e saquear todos os produtos, pois
dessa forma viveríamos no caos completo; é necessário manter-se o respeito à
liberdade individual dos outros. Eis que surge o ponto central da discussão: o
consumo de drogas respeita à liberdade individual dos outros?
A tendência para essa resposta atualmente mostra-se no sentido
afirmativo, de que o consumo de drogas não ofende o princípio da liberdade
individual, muito pelo contrário, ela se encaixa dentro desse princípio. Ainda
que consumir drogas seja prejudicial à saúde de quem a utilize, é um direito
unicamente dele.
Em decorrência desse prejuízo à saúde que o consumo de drogas
pode ter ( não se levantará aqui a questão se é realmente prejudicial ou não,
pois isso já foi discutido anteriormente), poderia se argumentar no sentido de
que ele violaria o direito à vida. No entanto, uma análise mais profunda revela
que esse argumento não se mantém. Primeiramente, no âmbito mais jurídico,
não há essa violação porque ninguém é obrigado externamente utilizar das
drogas visando a própria morte, sendo esse uso fruto da escolha individual de
cada um. Alguns podem argumentar sobre a questão do vício, de que as drogas
viciam as pessoas a tal ponto de que elas perdem essa liberdade de escolha e
que, portanto, elas violariam tanto o direito à vida quanto a liberdade
individual. Deixando de lado a questão da gradação desse vício, já discutida
79
anteriormente, ainda que o vício exista, é direito das pessoas decidirem se
querem isso para a sua vida ou não, ou ainda, se aceitam correr tal risco ou não.
Não fosse assim, para finalizar, as drogas legais, tais como o álcool e o cigarro,
e até outros produtos deveriam ser proibidos, pois prejudicam a saúde dos seus
usuários e há o risco do vício.
Quanto à questão da ofensa ao princípio da lesividade, entrando no
aspecto mais específico da penalização do consumo, ela de fato existe. Para um
ato ser punível penalmente, é necessário que ele lese algum bem jurídico que se
visa proteger. Como já demonstrado no parágrafo anterior, essa lesividade das
drogas aos bens jurídicos vida e liberdade é apenas aparente, não existindo.
Portanto, a descriminalização do consumo, que já ocorreu, é correta e muito
positiva no caminho para a liberdade do consumo.
Ofende ainda a liberdade filosófica e de crença, sobretudo no caso
específico da maconha, pois existem pessoas que acreditam que o uso da planta
os ajuda a entrar em contato com a entidade que cultuam, o seu Deus, Jah. Essa
crença é partilhada e difundida sobretudo pelo reggae, e como toda a crença, ela
deve e merece ser respeitada, não importando se acreditamos ou não nela.
Também atenta contra a intimidade e a vida privada do consumidor,
pois o impede de fazer uso de uma substância na sua intimidade, a qual não está
lesando ninguém além dele próprio. É diferente se proibir o uso público de
drogas e proibir qualquer tipo de uso das drogas; o primeiro não atenta contra a
intimidade do indivíduo, apenas visando que isso não atinja as demais pessoas,
enquanto a segunda impede o indivíduo de se afirmar na sua vida privada como
bem entende.
No entanto, embora tenha havido toda essa evolução, ainda existe
um longo caminho a ser percorrido. Descriminalizar o consumo das drogas não
é suficiente; é preciso se liberar o consumo porque é um direito das pessoas
escolher se vão consumir ou não. Descriminalizar o consumo apenas acaba com
a penalização das pessoas no âmbito penal, o ato continua sendo ilícito e não
permitido pelo ordenamento jurídico. Além disso, a descriminalização única do
consumo traz outros problemas, algo parecido com as externalidades negativas
da economia.
80
O primeiro problema reside na dificuldade de se determinar qual
seria uma quantidade para consumo e uma quantidade para o tráfico.
Geralmente, como é feito aqui no Brasil, determina-se, por critérios ditos
científicos, mas muito obscuros e pouco claros, a quantidade máxima que uma
pessoa pode carregar para ser considerado para consumo pessoal, variável de
país para país. No entanto, cada pessoa consome uma quantidade diferente de
drogas, alguns mais outros menos, e inúmeros fatores influenciam nesse
aspecto, desde a formação físico– biológica da pessoa, uma vez que uma pessoa
maior ou já mais resistente precisa de uma quantidade maior de drogas do que
outra menor ou menos resistente, até a própria qualidade da droga que se
adquire, pois uma substância com um grau de pureza maior precisa ser
consumida em uma quantidade menor para se alcançar os efeitos que o
consumidor deseja do que outra com o grau de pureza menor. Portanto, é muito
difícil se definir objetivamente a quantidade limite entre o consumo e o tráfico.
O segundo problema, bastante interligado com o primeiro, está na
criminalização do consumidor como traficante. Uma vez que não se pode mais
criminalizar alguém pelo consumo, por causa dessa política e pensamento
punitivo ainda existente no país conjuntamente com o primeiro problema, da
dificuldade de se definir a quantidade de drogas para o consumo pessoal e o
tráfico, acaba se punindo o consumidor pelo crime de tráfico, principalmente se
o mesmo não tiver condições financeiras e sociais de se defender com
qualidade perante o judiciário. Acaba se punindo o inocente e isso sim é uma
verdadeira afronta ao ordenamento jurídico.
O último problema, igualmente interligado com os demais e talvez
o maior deles todos, se é que se pode valorar questões tão graves, é a
estigmatização do consumidor através do preconceito e da discriminação. A
própria palavra utilizada para se referir a eles, “usuários”, carrega uma carga
estigmatizante demasiadamente forte junto com ela. Pelo consumo ainda ser
ilícito, o consumidor ainda é visto pela população geral como um criminoso ou
um marginal que deveria estar na cadeia ou como um doente que precisa de
tratamento e não deveria estar nas ruas. O fato de consumir drogas, como já
está mais do que comprovado nos tempos atuais, não faz de ninguém um
81
criminoso e nem todos os consumidores são doentes, ou melhor, dependentes e
precisam de tratamento.
Diante do que foi exposto nesse subcapítulo, pretende-se que o
leitor perceba que a descriminalização das drogas é insuficiente para garantir a
liberdade de consumo. Também foram demonstrados os fundamentos para a
defesa de tal liberdade, de que ela não ofende princípio algum, muito pelo
contrário, ela se conforma bastante dentro deles. Por fim, foram analisados os
problemas gerando por apenas descriminalizar as drogas ao invés de legalizá-
las.
3.1.2 – A Liberdade de Produzir
Esse é um assunto que ainda não se discute muito, ou melhor, que
não se discute como deveria. Supondo que se legalize o consumo e a pessoa
possa consumir, como ela conseguirá o seu produto? Ele não surgirá
magicamente para que o consumidor possa utilizá-lo; ele necessitará ser
produzido. Para tanto, é necessário legalizar-se a produção dessas substâncias;
note-se que ao falar em legalização, não estou me referindo a permitir todo e
qualquer tipo de produção, sem regulação alguma, como a primeira vista pode-
se pensar.
Parece até um tanto hipócrita descriminalizar-se o uso sem permitir
que o consumidor tenha uma forma de conseguir o seu produto, seja produzindo
ou comprando. Acaba não se resolvendo a questão, e restringindo a liberdade
daquele que deseja usar uma dessas substâncias atualmente ilícitas, sem ter,
como demonstraremos a seguir, razões jurídicas para tal, além das razões de
ordem econômica e práticas já demonstradas anteriormente.
Num primeiro momento, é comum alegar-se que a produção de
drogas ofenderia a ordem econômica, mas essa alegação só é verdadeira porque
as drogas são ilegais; caso elas fossem legais, não haveria nada a ofender a
ordem econômica do país ou até mesmo mundial. Seria uma atividade
82
econômica como qualquer outra, e como tal, por que deveria essa ser proibida?
Não deveriam as pessoas ter o direito de se aproveitar dela ou, senão, de que o
governo ou outra entidade explore essa atividade?
A produção de drogas também, assim como o consumo, está
bastante de acordo com o princípio da liberdade individual do indivíduo e do
direito dele se autodeterminar, de maneira autônoma. A produção de drogas não
prejudica as liberdades individuais das outras pessoas, pois o fato de alguém
estar produzindo uma droga restringe-se unicamente à própria pessoa. Pelo
contrário, essa proibição é um verdadeiro atentado contra esse princípio, tão
consagrado na nossa e em tantas constituições ao redor do mundo, pois impede
a exploração de uma atividade econômica ou até mesmo que alguém produza
para consumo próprio.
Outro argumento que pode surgir é de que a legalização da
produção de drogas, se fosse legalizada, atentaria contra a saúde pública, e por
consequência, até mesmo contra o direito à vida, pois haveria mais drogas no
mercado e, por consequência, mais consumidores e maiores problemas para a
saúde pública. Isso não se sustenta, primeiramente, porque a produção sendo
ilícita poderia, através da cobrança de impostos e taxas, financiar o tratamento
daqueles que usam drogas e apresentam um quadro problemático. Segundo, ela
prejudica a saúde individual no máximo, com o seu uso, e não apresenta perigo
algum ao coletivo, não se sustentando o atentado a esse princípio meramente
por causa de um aumento nos custos à saúde pública. Se assim fosse, as drogas
legais, cigarro e álcool principalmente, por esse argumento também
obrigatoriamente deveriam ser proibidos, assim como outros produtos que
causassem alguma elevação aos gastos com saúde pública.
Além disso, assim como a proibição do consumo, a proibição da
produção para consumo próprio viola a vida privada e a intimidade do
indivíduo, pois os cidadãos têm o direito de fazer o que desejam, desde que isso
não seja prejudicial à ninguém. E de fato, a produção para consumo próprio e
não visando o mercado, não gera danos à ninguém além do próprio consumidor.
Também atenta contra o direito à propriedade, pois restringe o uso e
fruição de sua propriedade, sem que haja motivos para tal. Poderia alegar-se
83
que a produção ofende a função social da propriedade, mas novamente, só há
essa ofensa porque as drogas são proibidas e ilegais; a princípio, não há
qualquer tipo de ofensa, pelo contrário, a produção de drogas poderia tornar
uma propriedade útil e atingir a função social dela, uma vez que a tornaria
produtiva.
Eu poderia continuar aqui listando diversos princípios e direitos que
fundamentam ou que são ofendidos pela proibição da produção de drogas,
porém o que foi exposto já permite perceber que as ofensas aparentes à
princípios da produção de drogas só aparecem quando partimos do pressuposto
da ilegalidade deles, o que é um pressuposto equivocado. A produção não deve
ser ilegal a priori, mas sim apenas se ela ofende ou atenta contra algum
princípio ou direito jurídico. Assim sendo, não se encontra qualquer base
jurídica para a sua proibição. Ao contrário, encontram-se vários fundamentos
para a sua legalidade.
Portanto, a proibição da produção é uma escolha política apenas,
pois não há fundamento estritamente jurídico que fundamente a sua proibição.
O que existem são argumentos de outra ordem, tais como econômicos,
políticos, sociais, que como já demonstrados aqui estão equivocados. Assim
sendo, não se encontra óbice para a legalização da produção de drogas, sendo
desejável que ela aconteça, pois poderia colaborar para a própria diminuição do
consumo de drogas.
3.1.3 – A Liberdade de Comércio
Essa talvez seja a liberdade mais controvertida das três liberdades
levantadas nesse capítulo. Isso porque a imagem do comércio dessas drogas
está muito associada à criminalidade e o crime organizado. Quando se pensa no
traficante, que nada mais é do que o comerciante de drogas, pensa-se no pior
elemento possível, num indivíduo violento e cruel. Porém, isso é fruto da
ilegalidade dessa atividade.
84
O ato de vender drogas, a priori, é igual o ato de comercializar uma
televisão ou uma roupa, ou numa comparação com algo ainda mais próximo,
álcool ou cigarros. Poderia ser executado por qualquer pessoa, sem restrição
alguma ou necessidade da mesma se subverter e tornar-se um criminoso. No
entanto, isso não acontece, pois as drogas foram tornadas ilegais e vendê-las é
um crime. Mas será que existe, dentro do Direito, sobretudo do nosso
ordenamento jurídico,especificamente, fundamentos para tamanha proibição?
Ou será que, ao contrário, os fundamentos jurídicos sustentam pela legalidade
dessas substâncias?
Os argumentos levantados para defender a ilegalidade e proibição
do comércio de drogas são bastante semelhantes aos usados anteriormente para
proibir o consumo e a produção, talvez por isso as drogas, em si, é que foram
tornadas ilegais. Argumenta-se que o comércio de drogas incentivaria a
violação do direito à vida, atentaria contra a saúde pública e a ordem
econômica. Esses são os quatro principais argumentos geralmente levantados
para defender a manutenção da proibição das drogas. Passemos a analisar cada
um deles individualmente, como foi feito anteriormente.
Quanto a incentivar a violação do direito à vida, esse argumento
não se sustenta. Costuma-se argumentar nesse sentido por duas frentes:
primeiramente, quando se defende a proibição do comércio de drogas, é natural
que também se defenda a proibição do consumo e da produção e, por isso, diz-
se que o comércio incentivaria o aumento do uso de drogas e de que esse uso é
que violaria o direito à vida, devendo, por isso, o comércio também ser
proibido. Já foi apresentado anteriormente a explicação do porquê o uso de
drogas não viola o direito à vida e, não havendo essa violação, o pressuposto de
todo esse argumento é derrubado e ele não se sustenta. A atividade do comércio
em si, como o comércio de qualquer outro bem, em nada atenta contra o direito
à vida. A outra frente utilizada para sustentar esse argumento é de que a
comercialização de drogas incentiva a criminalidade e de que essa é quem
violaria o direito à vida. Novamente, ao argumentar-se nesse sentido, parte-se
do pressuposto equivocado de que as drogas já “nasceram” proibidas, pois o
que gera essa simbiose entre o comércio de drogas e o aumento de
criminalidade é a própria proibição dessa atividade.
85
Quanto a atentar contra a saúde pública, o argumento que é
utilizado é de que o comércio de drogas aumentaria os problemas de saúde da
população, aumentando os gastos com tratamento. Não há garantia de que isso
é verdade, porém como já exposto na produção de drogas, não é porque uma
atividade pode aumentar os custos do Estado com a saúde pública que ela deva
ser proibida, assim fosse, deveriam se proibir uma série de outras coisas.
Quanto a atentar contra a ordem econômica, sustenta-se que a
atividade está diretamente associada à lavagem de dinheiro. Evidente que está,
devido a sua natureza de estar ilegal, mas não é ela em si que está associada a
esse crime. Fosse ela permitida, não haveria a necessidade de se realizar isso,
não havendo violação.
Além do que foi exposto, a sua proibição também é um atentado
direto à liberdade individual e o princípio da autonomia da vontade. Isso porque
uma pessoa, como cidadã de um Estado – nação, deve ter o direito de exercer a
atividade econômica que deseja, qual seja o comércio, e de vender o bem que
deseja, haja visto que, como já demonstrado, ele não ofende qualquer tipo de
princípio ou direito. Vale ressaltar que isso não significa a liberdade total, pode
e deve haver regulação dessa atividade.
3.2 – A Lei Anti -Drogas Brasileira e As Suas Falhas
Até aqui, identificou-se que o modelo proibitivo não atingiu o seu
objetivo, qual seja, reduzir o consumo de drogas, assim como os males
resultantes dele. Pior ainda, ele criou novos problemas e agravou outros, sendo
um sistema que se mostrou completamente falho. Como resultado disso, surge
uma necessidade de se trocar de modelo, e o modelo que se mostra, ao contrário
do que se propagou e se pensou durante muito tempo, eficiente é o da
legalização das drogas. No entanto, não existe fórmula mágica, algo instantâneo
que simplesmente troque um sistema por outro; é um processo, e como tal,
existem vários passos que devem ser seguidos para se atingir tal objetivo.
86
O primeiro passo disso é identificar as falhas da legislação vigente,
não do ponto de vista formal e técnico, se ela foi criada corretamente, está de
acordo com a legislação vigente ou se apresenta contrariedades dentro de si,
mas do ponto de vista prático – material, se os objetivos para os quais ela foi
criada foram atendidos, os quais de antemão já se sabe que não por tudo o que
já foi demonstrado anteriormente nesse trabalho. Isso para que, depois de
identificadas as mesmas, saibam-se quais as mudanças necessárias à legislação
atual, pois a primeira alteração necessária para a legalização é, obviamente, a
mudança da lei que proíbe.
A primeira falha está na própria tipificação do crime de tráfico de
drogas. Ao se tipificar um crime, deve-se, e é o que geralmente ocorre,
respeitar-se o “nomem juris” do tipo, ou seja, designar-se especificamente, com
clareza e distinção, a conduta que se deseja de fato coibir e punir. Não é o que
ocorre com a lei nº 11343/06, a Lei de Drogas, pois ela tipifica dezoito condutas
indistintamente na mesma modalidade de crimes, o que significa dizer que
existem dezoito verbos ao todo no caput do artigo 33 da lei, como se pode
extrair do trecho da lei abaixo:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir,
fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito,
transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo
ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de
500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.15
Não bastasse isso, a lei continua a enumerar outras condutas
punidas com as mesmas penas das dezoito já previstas anteriormente:
15 Lei nº 11343/06 ( Lei de drogas).
87
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende,
expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou
guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto
químico destinado à preparação de drogas;
II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se
constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;
III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a
propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que
outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de
drogas.16
No total, são quarenta verbos utilizados, ou seja, quarenta condutas
tipificadas no mesmo tipo penal, sem distinção de qualquer natureza, sendo
consideradas equivalentes para todos os efeitos da lei. Essa generalização do
tipo penal desconsidera as especificidades do caso concreto e a devida fixação
da pena de acordo com a gravidade do ato praticado pelo agente delituoso, pois
iguala pessoas que praticam condutas diversas uma da outra, tal como uma
pessoa que guarda uma certa quantidade de drogas e outra que efetivamente
vende esses produtos. Essa é uma clara afronta ao princípio da
proporcionalidade da pena e a própria lei faz o que se chama de analogia “ in
malam parte”, que geralmente é utilizada quando no caso concreto se adequa
uma conduta não prevista em lei por analogia à outra prevista. Nesse caso, no
entanto, é a própria lei, com essa generalização e indefinição que acaba por
fazer essa analogia tão fortemente combatida no Direito Penal, sendo bastante
prejudicial ao ordenamento jurídico e até a própria evolução social.
A segunda falha flagrante da nossa atual lei de drogas é a
diferenciação feita por ela entre o usuário de drogas e o traficante de drogas.
16 Lei nº 11343/06 ( Lei de drogas).
88
Ela classifica o usuário de drogas como aquele que adquire, guarda, tem em
depósito, transporta ou traz consigo, para consumo pessoal, drogas sem
autorização:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar
ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às
seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso
educativo.
§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo
pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena
quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou
psíquica.
§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo
pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida,
ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias
sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.17
Estabelece também a descriminalização do consumo de drogas,
assim como da produção para o consumo próprio, uma vez que acaba com a
pena de prisão ao usuário de droga, restringindo as penas que podem ser
aplicadas ao consumidor à advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de
serviço à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou
curso educativo. Em tese, uma evolução nessa temática das drogas, não fosse
pelo problemático parágrafo segundo que será abordado posteriormente. Antes,
passemos a analisar o que a lei estabelece com relação ao traficante de drogas.
17 Lei nº 11343/06 ( Lei de drogas).
89
O traficante de drogas é conceituado como o agente que pratica
todos aqueles quarenta verbos do caput do artigo 33 e do parágrafo primeiro e
seus incisos (Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir,
vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo,
guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas;
Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor
à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar,
prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer insumos ou matéria –
prima; semear, cultivar ou fazer a colheita; utilizar local ou bem de qualquer
natureza de que tenha propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância,
ou permitir que outrem dele se utilize para o tráfico de drogas). Na verdade, o
traficante simplesmente não é conceituado, punindo-se simplesmente as mais
variadas condutas relacionadas com o mercado das drogas com a mesma pena,
qual seja a de cinco a quinze anos de reclusão e pagamento de 500 a 1500 dias
– multa.
O que a lei n° 11343/06 faz é inconstitucional, pois viola o
princípio da individualização da pena, explícito no art. 5°, XLVI, da
Constituição Federal, que estatui que a pena não deva ser padronizada, o que
significa seguir os parâmetros da lei, mas considerando as circunstâncias
individuais do agente bem como as do fato em si, assim como viola o princípio
da proporcionalidade, expresso no art. 1°, III; e no art. 5° § 2°, ambos da
Constituição Federal, que estabelece que a aplicação da pena deva estar de
acordo com a gravidade da infração penal praticada pelo agente. Ao se tratar
quarenta condutas diversas uma das outras como equivalentes entre si, a lei de
drogas, muito embora deixe a margem de discricionariedade de cinco a quinze
anos de reclusão e do pagamento de 500 a 1500 dias – multa, ela acaba por
padronizar a pena, num sentido mais amplo, pois não leva em consideração as
circunstâncias individuais do agentes, uma vez que é impossível tratar-se
quarenta condutas diferentes como se equivalessem a uma única conduta,
embora, num sentido estritamente técnico, esse princípio ainda esteja sendo
respeitado. Quanto ao princípio da proporcionalidade, ele segue o mesmo
raciocínio do anterior, uma vez que essa excessiva quantidade de condutas
90
punidas sob um mesmo tipo penal torna impossível que a pena seja aplicada de
acordo com a gravidade da infração do agente, o que será explicado a seguir.
A lei parte do pressuposto de que a realidade se divide em apenas
duas realidades distintas: a pessoa ou é consumidora ou é traficante. Porém, a
realidade é muito mais complexa do que isso, apresentando variações das mais
diversas quanto a essa variação simplista feita pela lei. O exemplo mais clássico
dado pela doutrina é de que, segundo a atual lei, não há diferença alguma entre
a mãe que leva drogas ao seu filho na cadeia e o grande traficante que comanda
toda a rede do narcotráfico nacional. Ambos serão tipificados pelo caput do
artigo 33 da Lei de Drogas, caso sejam capturados, e dependendo da
distribuição do processo, é possível inclusive que a mãe seja condenada à uma
pena maior que a do grande traficante.
Os problemas, no entanto, não param por aí. Não bastasse a lei
reconhecer simplesmente a existência de duas únicas realidades possíveis, ela
ainda não conseguiu conceituar com clareza o consumidor de drogas e o
traficante de drogas. Como saber quando a pessoa é mera consumidora de
drogas ou está traficando drogas? Isso foi deixado a cargo da discricionariedade
do julgador, que deve analisar no caso concreto as circunstâncias dos fatos e
decidir o enquadramento em consumidor ou traficante. No plano teórico, não há
problema nenhum, porém na prática, isso se mostra uma tarefa extremamente
difícil para quem julga diante dos diversos problemas do nosso sistema
judiciário, tão conhecidos, tais como o excesso de processos para o juiz julgar,
que o impossibilita de realizar uma análise crítica e pormenorizada do caso;
investigações mal feitas, que impossibilitam apreender-se o que realmente
ocorreu no plano fático; entre outros problemas.
A consequência disso foi o aumento do aprisionamento por crimes
relacionados às drogas, que mais do que dobrou no período de 2006 a 2010, e
sabe-se que esse número só vem aumentando, havendo portanto um número
muito maior do que esses números hoje em 2013, segundo dados do Depen,
conforme a tabela , retirada do Jornal Folha de São Paulo, abaixo demonstra:
91
Figura 25 - Dados do Depen - Reportagem Folha de São Paulo
No entanto, esse maior encarceramento não revela avanços no
combate ao tráfico de drogas. O que acontece, na prática, é o envio ao cárcere
do pequeno traficante e, até mesmo, de usuários classificados equivocadamente
como traficantes, devido à falta de critérios claros e objetivos para delimitar o
consumo do tráfico. É o que revela à tabela a seguir, com dados de 2009:
92
Figura 26 - Tabela das condenações por quantidade de droga
Os números acima apenas confirmam o que já foi exposto ao longo
de todo esse trabalho, o atual modelo proibitivo das drogas não funciona por
desconsiderar a organização do crime organizado no tráfico de drogas, não
atingindo os agentes encontrados nas posições mais altas da cadeia, levando
para o cárcere apenas os “ peões” do tráfico, que são facilmente substituídos
dentro da cadeia, não afetando em nada a estrutura. Isso sem falar dos
incentivos econômicos que tal modelo oferece ao tráfico.
Para piorar ainda mais a situação, os pequenos agentes enviados às
prisões não encontram nelas um espaço onde possam se recuperar e voltar à
sociedade aptos a contribuir para a sua evolução. A já conhecida falência do
sistema prisional, agravada pelo aumento no número de presos por crimes
relacionados às drogas, dá a sua contribuição também na questão das drogas. A
prisão acaba funcionando para esses pequenos traficantes como uma verdadeira
escola do crime, pois lá eles se relacionam com outros agentes desse mercado,
trocando experiências e conhecimentos entre si a respeito do tráfico, e até
mesmo com pessoas que cometeram outros crimes, se desenvolvendo e
diversificando na atividade criminosa.
Para agravar mais ainda a situação, esse aumento do número de
presos por crimes relacionados às drogas aumentou a lotação dos presídios em
37% de 2006 a 2010, conforme revela a reportagem da folha transcrita acima,
elevando o número de presos de 361.402 para 496.251. Em relatório recente
publicado pelo Conselho Nacional do Ministério Público, intitulado “ A Visão
93
do Ministério Público Sobre o Sistema Prisional Brasileiro”, apresentado
durante o IV Encontro Nacional do Sistema Prisional, o Ministério Público
inspecionou 1598 unidades prisionais em todo o território brasileiro entre
fevereiro de 2012 e março de 2013 constatou que essas unidades teriam a
capacidade total para 302.422 pessoas, mas abrigavam um total de 448.969
pessoas, ou seja, havia superlotação nos presídios observados conforme revela a
tabela abaixo:
Figura 27 - Capacidade e ocupação nos presídios por sexo
O aumento dessa superlotação tem uma ligação fortíssima com a lei
antidrogas brasileira, visto que os presos por esse crime correspondem a
aproximadamente 20% do total. Existem algumas iniciativas visando alterar
esse panorama e as principais serão expostas no subcapítulo a seguir.
94
3.3 – Iniciativas para Alteração do Atual Panorama
Legislativo das Drogas.
Primeiramente, abordarei nesse subcapítulo duas iniciativas que eu
considero um avanço nessa temática, a primeira uma decisão do Supremo
Tribunal Federal , no Habeas Corpus , transformada posteriormente na
resolução 5/2012 do Senado Federal que suspendeu o trecho da legislação
antidrogas que impedia a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva
de direitos para o pequeno traficante, conjuntamente com um projeto de lei
elaborado por Pedro Abramovay e o Deputado Federal Paulo Teixeira na
mesma direção, que, infelizmente, foi rejeitado pelo Legislativo.
Do lado negativo, tramita atualmente o projeto de lei 7663/2010, de
Osmar Terra, que altera a lei de drogas, prevendo penas mais rígidas tanto ao
traficante quanto ao usuário, que se encontra atualmente parado no Legislativo.
Tal projeto representa um forte retrocesso na questão das drogas, indo contra
tudo o que foi exposto até aqui nesse trabalho e demonstra a tendência nacional
quando se trata desse tema. Ainda hoje, no Brasil, a grande maioria das pessoas,
inclusive muitas consideradas de alto nível intelectual, ainda defende a ideia
retrógrada e ultrapassada de que penas mais rígidas são a solução para coibir o
tráfico e uso de entorpecentes. A esse respeito, fala um trecho de um artigo
disponível no site do Senado Federal:
Tendência nacional
O Congresso Nacional não está alheio a esse debate. No
entanto, diferentemente da tendência internacional, principalmente europeia,
de descriminalizar as drogas de maneira gradual, grande parte das propostas
dos parlamentares brasileiros apostam em aumentar penas para traficantes e
até para usuários.
Estudo feito na Câmara dos Deputados em 2009, com mais de
100 propostas relacionadas ao tema, mostra que a penalização é o caminho
geralmente sugerido. Prisão preventiva em processos por tráfico de drogas,
cumprimento total da pena em regime fechado, regime de prisão especial e
95
dificuldades para progressão da pena para traficantes são algumas das
sugestões.
Um exemplo é o projeto do senador Demóstenes Torres (DEM-
GO) que reinstitui a pena de prisão para o usuário, como existe na Suécia.18
3.3.1 – O HC 97256/RS e A Resolução 5/2012 do
Congresso Nacional
O Habeas Corpus 97256/Rs foi impetrado pela Defensoria Pública
da União, na figura do Defensor Público- Geral Federal, em favor de um
pequeno traficante, o qual não nomearei para preservar a identidade da pessoa e
por não influenciar em nada na argumentação a ser exposta a seguir, contra a
decisão do Superior Tribunal de Justiça que negou a conversão da pena
restritiva à liberdade por pena restritiva de direitos ao réu, em decorrência do
expresso no artigo 44 da Lei Antidrogas, in verbis:
Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a
37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia
e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de
direitos.19
O relator escolhido para esse processo foi o Ministro Ayres Britto.
Em sua decisão, ele fundamentou a inconstitucionalidade desse artigo 44 por
desrespeitar a garantia constitucional da individualização da pena, conforme
estabelece o art. 5º. inciso XLVI da Carta Magna:
18AUTOR DESCONHECIDO. Apertar o cerco ou descriminalizar as drogas? Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/dependencia-quimica/mundo-e-as-
drogas/apertar-o-cerco-ou-descriminalizar-as-drogas.aspx>. Acesso em: 11 jun. 2013. 19 Lei nº 11.343/06 ( Lei de Drogas).
96
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará,
entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;20
E não poderia ser diferente, visto que, como já argumentado
anteriormente, a lei estabelece apenas a distinção entre duas realidades
distintas: ou se é consumidor/usuário ou se é traficante. A realidade, no entanto,
é muito mais complexa do que isso. Portanto, de maneira acertada, o ministro
Ayres Britto reconhece a inconstitucionalidade do artigo 44, devolvendo ao juiz
a discricionariedade para que ele defina, analisando as circunstâncias do caso
concreto, medida que melhor se adeque às especificidades do caso.
A lei infraconstitucional comum não pode retirar do juiz a sua
discricionariedade, inerente à sua função, de analisar cada caso concreto e
encontrar nele a própria justiça do próprio, de acordo com as especificidades e
características de tal. A esse respeito, destaca o Excelentíssimo Ministro Ayres
Britto em seu voto:
O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da
personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três
momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o
executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante
o poder-dever de impor ao delinquente a sanção criminal que a ele, juiz,
afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma
empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações
subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção
jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo
20 Constituição Federal de 1988
97
permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça
material. 21
A esse respeito, também fala o Direito Internacional, na Convenção
Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas,
celebrada em Viena em 1988, a qual o Brasil ratificou. Diz essa convenção que
os países se comprometerão há dar um tratamento diferenciado aos agentes do
mercado ilegal de drogas que pratiquem atos que se caracterizem pelo seu
menor potencial ofensivo. Isso vem estabelecido de forma expressa no texto
original desse tratado, no parágrafo 4 c da Convenção, conforme segue:
4. a) Each Party shall make the commission of the offences
established in accordance with paragraph 1 of this article liable to sanctions
which take into account the grave nature of these offences, such as
imprisonment or other forms of deprivation of liberty, pecuniary sanctions
and confiscation.
b) The Parties may provide, in addition to conviction or
punishment, for an offence established in accordance with paragraph 1 of this
article, that the offender shall undergo measures such as treatment, education,
aftercare, rehabilitation or social reintegration.
c) Notwithstanding the preceding subparagraphs, in appropriate
cases of a minor nature, the Parties may provide, as alternatives to conviction
or punishment, measures such as education, rehabilitation or social
reintegration, as well as, when the offender is a drug abuser, treatment and
aftercare. (grifo nosso).
d) The Parties may provide, either as an alternative to
conviction or punishment, or in addition to conviction or punishment of an
offence established in accordance with paragraph 2 of this article, measures
21 HABEAS CORPUS 97256/RS. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=617879
98
for the treatment, education, aftercare, rehabilitation or social reintegration of
the offender.22
O tráfico de drogas realizado pelo pequeno traficante se enquadra
perfeitamente no menor potencial ofensivo a qual se refere o parágrafo 4, c, da
Convenção, estabelecendo que, nesses casos, as partes da Convenção, ou seja, o
Brasil, podem estabelecer a conversão da pena restritiva da liberdade em outro
tipo alternativo, qual seja, a pena restritiva de direitos. Assim sendo, dada a
natureza hierarquicamente superior dessa Convenção sobre a Lei Antidrogas,
fica derrogado a aplicação do artigo 44 no que se refere à impossibilidade da
conversão de pena na hipótese do pequeno traficante. A esse respeito, também
se pronunciou o Excelentíssimo Ministro Ayres Britto em seu voto:
4. No plano dos tratados e convenções internacionais,
aprovados e promulgados pelo Estado brasileiro, é conferido tratamento
diferenciado ao tráfico ilícito de entorpecentes que se caracterize pelo seu
menor potencial ofensivo. Tratamento diferenciado, esse, para possibilitar
alternativas ao encarceramento. É o caso da Convenção Contra o Tráfico
Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao
direito interno pelo Decreto 154, de 26 de junho de 1991. Norma supralegal
de hierarquia intermediária, portanto, que autoriza cada Estado soberano a
adotar norma comum interna que viabilize a aplicação de pena substitutiva ( a
restritiva de direitos) no aludido crime de tráfico ilícito de entorpecentes. 23
O Ácordão proferido acompanhou o voto do Ministro relator, por
maioria de votos, tendo sido vencidos os Senhores Ministros Joaquim Barbosa,
Carmém Lúcia, Ellen Gracie e Marco Aurélio. Essa decisão foi importante, pois
possibilita, de vez, que o pequeno traficante não precise ir para a cadeia e lá não
sofra todas as consequências ruins já demonstradas nesse trabalho, tal como o
22 Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas. Disponível
em: : http://www.unodc.org/pdf/convention_1988_en.pdf 23 HABEAS CORPUS 97256/RS. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=617879
99
seu envolvimento definitivo com o crime organizado e a discriminação que
sofrerá do resto da sociedade, que praticamente impossibilitam que ele possa
sair dessa atividade hoje criminosa, colocando-o no ciclo vicioso do tráfico
ilícito de entorpecentes.
Para enfatizar ainda mais a decisão do Supremo Tribunal Federal,
também o Senado Federal se pronunciou a respeito, transformando a decisão do
Supremo Tribunal Federal na Resolução 5/2012, que estabeleceu em definitivo
o expresso pelo Excelentíssimos Ministros. Dispõe o parágrafo 1° da referida
resolução o seguinte:
Art. 1º É suspensa a execução da expressão "vedada a
conversão em penas restritivas de direitos" do § 4º do art. 33 da Lei nº
11.343, de 23 de agosto de 2006, declarada inconstitucional por decisão
definitiva do Supremo Tribunal Federal nos autos do Habeas Corpus nº
97.256/RS.24
Pode parecer num primeiro momento que a elaboração dessa
resolução é insignificante e de pouca importância, pois o Supremo Tribunal
Federal já havia decidido a respeito, gerando essa decisão, por si própria, um
precedente importantíssimo para casos semelhantes. No entanto, essa decisão
restringia-se unicamente ao caso em questão, pois se trata do controle difuso de
constitucionalidade aplicado pelo referido órgão e não do controle concentrado,
gerando apenas efeitos inter partes e ex tunc. Em decorrência disso, a decisão
analisada não tem caráter normativo e não obriga os juízes a julgar de acordo
com o decidido, podendo eles interpretar o caso concreto livremente e decidir
de acordo com a sua própria convicção, consagrando o princípio constitucional
do livre convencimento do magistrado, inclusive decidindo de modo contrário a
isso. Além disso, a sentença dada foi por maioria de votos e não por
unanimidade, havendo discordância inclusive entre os ministros, o que pode e
provavelmente seria utilizado para justificar uma decisão contrária ao
preceituado pelo Supremo Tribunal Federal.
24 Resolução 5/2012 do Senado Federal
100
No entanto, a Constituição prevê uma forma específica para que as
decisões do Supremo Tribunal Federal no referente ao controle difuso de
constitucionalidade adquiram efeitos erga omnes e ex nunc, ou seja, os mesmos
efeitos do controle concentrado. Está previsto expressamente no art.52, X, da
Constituição Federal, in verbis:
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada
inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;25
Portanto, cabe ao Senado Federal ampliar os efeitos da decisão do
Supremo Tribunal Federal, sendo o ato formal apto a fazer isso uma resolução,
embora nos últimos tempos isso não esteja sendo estritamente respeitado, mas
não entrarei nessa questão, pois não diz respeito ao tema. E assim ele o fez,
dando os efeitos erga omnes e ex nunc à decisão do Supremo Tribunal Federal.
Resultado disso é que os juízes das instâncias inferiores estão agora
obrigados normativamente a desconsiderar a parte final do parágrafo 4° do art.
33 da Lei Antidrogas “ vedada a conversão em pena restritiva de direitos”,
abrindo espaço para que o julgador tenha a possibilidade de aplicar as penas
restritivas de direitos também ao pequeno traficante. No entanto, ainda há
requisitos que devem ser respeitados para que isso possa ser feito. Dois deles
são bastante objetivos e não deixam dúvidas com relação à sua concretude ou
não, enquanto os outros dois têm uma carga maior de subjetividade e, por isso,
são mais problemáticos.
Os dois primeiros são a primariedade do réu e os bons antecedentes.
A primariedade é comprovada simplesmente pela demonstração de que o réu
nunca foi condenado criminalmente ou de que, tenso sido, já transcorreu o
prazo de cinco anos do cumprimento da pena, conforme dispõe o artigo 64 do
Código Penal. Os bons antecedentes são mais fáceis de serem definidos através
da definição de maus antecedentes. Maus antecedentes são os efeitos
25 Constituição Federal de 1988
101
decorrentes da condenação que não se apagam pelo decurso do prazo
prescricional, ou seja, a pessoa pode não ser reincidente, mas carregar os maus
antecedentes. Ambas são comprovadas por um simples atestado de
antecedentes.
Os dois outros são mais problemáticos. Um é a exigência do réu
não se dedicar a atividades criminosas, ou seja, de que o crime não constitua o
seu meio de ganhar a vida. Essa exigência diminui em muito, para não dizer
que praticamente acaba, com as chances de um pequeno traficante, no caso
concreto, tenha a sua conversão de pena, pois geralmente o tráfico é o seu
“ganha pão”. O último requisito é o réu não fazer parte de uma organização
criminosa. Em tese, tal exigência faz sentido, porém a dificuldade de se definir
com clareza o que seria fazer parte de uma organização criminosa é o
complicador. Uma pessoa que revende drogas cuja origem vem do crime
organizado faz parte do crime organizado? Eis aqui a dificuldade, pois na teoria
a resposta no sentido negativo é fácil, porém a realidade é muito mais
complexa. A tendência atual dos julgadores ainda é considerá-los integrantes do
crime organizado, impondo-lhes a pena restritiva de liberdade.
Mesmo com esses problemas, ambas as medidas são salutares e
positivas para a temática das drogas, representando uma evolução para o Brasil.
Elas têm, dependendo das interpretações de nossos juízes, o potencial para
diminuir o contato dos pequenos traficantes com o crime organizado, o
problema de superlotação dos presídios e colaboram com a reintegração dele à
sociedade. Iniciativas como essas devem ser cada vez mais incentivadas.
3.3.2 – O Projeto de Lei 7663/2010
Enquanto existem algumas iniciativas positivas, caminhando para
frente rumo à evolução e melhoria da questão das drogas, tal como as
demonstradas no subcapítulo anterior, há de outro lado outras negativas e
retrógradas, que buscam em medidas já comprovadamente superadas a solução
dos problemas de agora. É o caso do projeto de lei 7663/2010, que será exposto
102
aqui, pois é preciso, ao se fazer uma análise do que se está sendo feito no Brasil
atualmente a respeito da questão das drogas, olhar-se não só aquilo que é
positivo e benéfico para o desenvolvimento do país, mas também, e mais ainda,
o que é prejudicial e representa um atraso à nação.
Esse projeto é de autoria do Deputado Federal Osmar Terra,
apresentado à Câmara no dia 14/07/2010, que recebeu o caráter de urgência
para a sua apreciação pelo Plenário da Casa. Após uma série de emendas feitas
ao projeto, ele foi aprovado e se encontra atualmente no Senado Federal para
votação.
As principais alterações problemáticas à Lei de Drogas propostas
por esse projeto são: a instituição da internação involuntária, instituída por
provocação de terceiro, e da internação compulsória, instituída por decisão
judicial; o aumento do prazo de aplicação das penas restritivas de direito ao
usuário de drogas; a inclusão como causa de aumento de pena ao traficante pelo
grau de dependência causado pela droga.
As instituições de medidas de internação não voluntárias nesse
Projeto de Lei são, sem dúvida, a pior inovação trazida por essa lei. Segue
abaixo a redação aprovada pela Câmara dos Deputados do Projeto de Lei em
análise:
“Art. 23-A A internação de usuário ou dependente de
drogas obedecerá ao seguinte:
...
II – ocorrerá em uma das seguintes situações:
a) internação voluntária: aquela que é consentida pela
pessoa a ser internada;
b) internação involuntária: aquela que se dá sem o
consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
c) internação compulsória: aquela determinada pela
103
Justiça.26
Essas duas modalidades de internação são um verdadeiro retrocesso
no que diz respeito ao tratamento dos consumidores de drogas. Já é plenamente
sabido e comprovado por estudos que o tratamento de usuários de drogas só
funciona quando eles procuram voluntariamente o mesmo. Ao se internar
contra a vontade deles, o único resultado que se consegue é a não utilização
temporária das substâncias por essas pessoas, pois uma vez que elas sejam
liberadas para o retorno à sociedade elas retornam ao uso. A única exceção que
se sabe atualmente é a internação compulsória do usuário de heroína, que pelo
potencial psicotrópico da droga afasta o indivíduo da realidade a um ponto de
que ele não tem condições psicológicas de decidir qualquer tipo de coisa. Tal
medida foi adotada na Espanha e vem apresentando bons resultados, porém isso
só se justifica por conta de uma substância substitutiva da heroína que dá uma
sensação física semelhante à ela, porém que permite, por um lapso temporal, ao
indivíduo retomar o “ controle psicológico” do seu corpo. Além disso, essas
pessoas, ao saírem, são reintegradas ao mercado de trabalho. Ou seja, essas
internações só funcionariam se essas pessoas, semelhantemente ao modelo
espanhol, tivessem uma vida à qual retornar, podendo exercer um trabalho e
viver uma vida digna.
Não bastasse isso, é sabido que, na prática, esses procedimentos são
utilizados como uma verdadeira forma de higienização social. Afastam-se os
consumidores problemáticos de drogas do convívio social, público, nos casos
de pessoas que moram nas ruas, ou particulares, dentro do âmbito familiar nos
quais os parentes da pessoa não suportam mais o convívio com o problema.
Isso só colabora ainda mais para agravar os efeitos do problema, pois ações
dessas colaboram para o acirramento dos preconceitos com relação aos
consumidores de drogas, para a marginalização cada vez maior desses
indivíduos, que progressivamente vão sendo excluídos da sociedade e para a
criminalização da própria pobreza, pois entre as camadas mais pobres da
população existem muitos consumidores de drogas, principalmente o crack, e
26 projeto de lei 7663/2010
104
tal dispositivo permite que, contra a vontade desses indivíduos, eles sejam
retirados de onde estão e levados sabe-se lá para onde.
O exemplo mais ilustrativo do que foi exposto é o caso da
cracolandia da cidade de São Paulo. No episódio, ocorrido ainda esse ano,
policiais, agentes de saúde e de assistência social saíram às ruas nessa região do
centro da cidade, reunindo os moradores de rua da região viciados na substância
do crack e levando-os para lugares onde eles, teoricamente, seriam tratados e
reabilitados para voltar o convívio social. No entanto, a questão é muito mais
complexa, necessitando uma verdadeira mudança na vida daquela pessoa para
ela superar o vício:
O vice-presidente do Conselho Regional de Serviço Social de
São Paulo (CRESS-SP), Marcos Valdir Silva, avalia justamente o contrário.
Para ele, a retirada e a internação compulsória desses dependentes não passa
de uma política de higienização do centro da cidade.
...
Silva avalia que as internações compulsórias vão criar grandes
e lotados manicômios. Segundo ele, uma solução para evitar isso é difícil,
mas deve começar com investimentos na prevenção do uso de drogas, nos
centros de apoio psicossocial, além do cumprimento do que está previsto na
lei no que se refere à dependência química. “A internação compulsória
reprime. O dependente de drogas precisa de tratamento e não ser privado de
liberdade e ser submetido a um tratamento." Para Silva, ao sair d internação
compulsória é certo que o paciente recaia na dependência química.27
O segundo problema trazido pelo referido projeto de lei é o
aumento do prazo pelo qual podem ser aplicadas medidas restritivas de direitos
ao usuário de droga. A medida, em si, não é o mais questionável, pois a
27 INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA NA CRACOLÂNDIA COMEÇA HOJE: Agentes percorrerão a
região para avaliar quais são os dependentes químicos sem consciência de seus atos e dirigi-los à
internação. São Paulo: Revista Exame, 21 jan. 2013. Disponível em:
<http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/internacao-compulsoria-na-cracolandia-comeca-hoje>.
Acesso em: 02 maio 2013.
105
mudança no prazo em si não altera a questão da descriminalização do usuário,
mas sim a tendência, principalmente por todo o contexto desse projeto, que se
apresenta. Tal disposição caminha em sentido oposto ao que vem sido feito até
agora, de uma progressiva descriminalização do uso, com a diminuição
paulatina da punição ao usuário, caminhando rumo a uma futura legalização,
para voltar à criminalização do usuário, voltando a vê-lo como uma das causas
do problema das drogas.
O último problema traz, em si, um ponto a ser combatido. A
associação da quantidade de pena ao grau de dependência da droga é um grande
retrocesso à temática sendo debatida nesse trabalho por três razões principais:
ignorar a realidade do tráfico de drogas nacional e mundial; partir do
pressuposto de que a medicina e as ciências em geral já têm total conhecimento
sobre as drogas, sabendo de modo imperativo o verdadeiro grau de dependência
dessas; e de que o simples aumento da pena do traficante é um meio eficaz para
coibir o consumo.
Quanto ao primeiro ponto, como já demonstrado nesse trabalho,
embora a produção e a distribuição interpaíses das diversas drogas se deem de
forma separada, cada droga chegando por uma rota e um intermediário
diferente, a sua distribuição no âmbito doméstico acontece pelas mãos das
mesmas pessoas. Isso significa dizer que a mesma pessoa que trafica maconha,
na quase totalidade dos casos, é a mesma que trafica cocaína e derivados do
ópio. E também é o mesmo pequeno traficante marginalizado, abandonado pela
sociedade, que não teve condições de formação para buscar uma melhor
qualidade na sua vida, que enxerga no tráfico o único meio de melhorar a sua
vida, sendo uma mão-de-obra fácil para os grandes traficantes internacionais e
o crime organizado utilizaram como massa de manobra nas suas atividades. Em
resumo, só vai piorar a situação do pequeno traficante e cair novamente no
ciclo vicioso combatido nesse trabalho.
Portanto, tal projeto de lei representa um verdadeiro retrocesso na
temática das drogas, trazendo consigo o grande perigo de jogar fora várias das
conquistas feitas ao longo dos últimos anos. Enquanto atualmente já se
apresenta, ainda em seu nascedouro, amplas discussões à respeito do tema,
106
abrindo espaço para o debate, sobretudo pela aceitação da argumentação
contrária à proibição, esse projeto de lei ressuscita conceitos a muito superados.
Motivado ou por falta de conhecimento específico sobre o tema ou por motivos
político-eleitorais, de pura conquista de votos, utilizando-se do pânico ainda
disseminado na sociedade sobre as drogas para criar uma falsa ideia de solução,
tal iniciativa é extremamente prejudicial para o país e, por isso, deve ser
amplamente combatida.
Espero que o Senado Federal não aprove o referido projeto de lei,
retrocedendo em relação à resolução nº 5, e enterre, em definitivo, esse
verdadeiro atentado à ordem jurídica pátria. O Brasil começa a dar os seus
primeiros passos rumo à uma política mais racional para lidar com as drogas,
com a sociedade civil debatendo cada vez mais esse tema e no plano estatal, o
Supremo Tribunal Federal demonstrando caminhar no mesmo sentido que o
resto do mundo. O que não se deve permitir são iniciativas que prejudiquem
essa evolução e retrocedam.
107
Conclusão
Nesse trabalho foi realizado um estudo crítico a respeito da temática
das drogas, analisando-se os aspectos históricos, econômicos, jurídicos e legais,
tanto no âmbito internacional, quanto no âmbito nacional. Tudo isso foi
realizado com o intuito de demonstrar o fracasso do atual modelo, qual seja, o
proibitivo, de repressão aos entorpecentes, principalmente no que diz respeito
ao seu tráfico e produção, e já tendo sido, e em alguns lugares ainda sendo, com
relação ao consumo.
Foi visto o caminhar do aparato normativo mundial com relação às
drogas. Partiu-se de um mundo onde essas substâncias, hoje ilícitas, eram
totalmente permitidas, não havendo qualquer tipo de regulação, para um mundo
totalmente oposto, no qual o simples porte dessas substâncias, qualquer que
fosse a quantidade, era punida juridicamente, e no aspecto moral, a própria
menção às drogas era, em grande medida, combatida pela sociedade.
Mostrou-se como a política proibitiva implantada globalmente é um
grande fracasso em todos os aspectos. Ela propunha-se a acabar com a
produção, o tráfico e o consumo das drogas. No entanto, em todo o período em
que está vigente, esses problemas não melhoraram; ao contrário, eles só
pioraram, tendo, sobretudo, o consumo aumentado a índices alarmantes. Além
disso, a qualidade das drogas pioraram muito, o que amplifica os problemas de
saúde gerados por elas, e a lucratividade gerada por elas aumentou
significativamente, o que levou o mercado de drogas a ser um dos que mais
movimentam dinheiro no planeta, estimando-se que gire vários trilhões de
dólares.
Não bastasse o agravamento dos problemas já existentes, novos
foram criados pela própria proibição. O fortalecimento do crime organizado,
para não dizer a própria criação das condições para que ele se formasse, tendo
em vista que ele se sustenta inteiramente ao redor do comércio das drogas; a
superlotação dos presídios, pois o tráfico de drogas configura o crime pelo qual
é condenada a maioria dos presos; a marginalização dos usuários de drogas,
108
pois eles são segregados do restante da sociedade pelo preconceito e pela
discriminação, sendo vistos normalmente como criminosos ou “doentes”; e a
criminalização da pobreza através da associação feita diversas vezes entre ela e
o tráfico de drogas, com a ligação feita entre a imagem do pobre e do traficante
de drogas são exemplos disso.
Por fim, discutiu-se a legislação brasileira, partindo-se de uma
análise constitucional, passando pela legislação infraconstitucional, até chegar à
jurisprudência e aos projetos de lei. Mostrou-se que existem três tipos de
liberdades relacionadas às drogas: a de consumir, a de produzir e a de
comercializar. Ficou demonstrado que as violações à princípios constitucionais
geralmente levantadas nas argumentações a favor da proibição não se
sustentavam. Pelo contrário, pautando-se unicamente pelos princípios
constitucionais, o resultado seria a legalização das drogas, de acordo com os
princípios da liberdade individual e da autonomia da vontade. Portanto a
proibição é uma decisão meramente política.
Na legislação infraconstitucional, foi feita a análise da atual lei de
drogas brasileira, a lei n° 11.343/06. Foram identificados como os principais
problemas: a tipificação falha do crime de tráfico, a dificuldade em se
diferenciar o consumidor do traficante em virtude da pouca clareza com que as
duas figuras são conceituadas e o aumento na taxa de aprisionamento, com a
consequente superlotação dos presídios. Porém, não bastassem esses problemas,
o ponto mais negativo talvez é, semelhantemente ao que acontece no restante
do mundo, o fracasso da lei em cumprir os objetivos a que se propôs, quais
sejam diminuir o consumo de drogas e acabar com o tráfico de drogas.
Por fim, foram analisadas duas iniciativas para a mudança no atual
quadro legislativo. A primeira iniciativa é o Habeas Corpus n° 97256/RS,
decidido no Supremo Tribunal Federal, e transformado posteriormente na
Resolução 5/2012 pelo Senado Federal que declarou inconstitucional o artigo
44 da atual Lei de Drogas por tirar do juiz a possibilidade de individualizar a
pena, o que gerava, no caso do pequeno traficante, a impossibilidade de se
aplicar as penas restritivas de direito se o juiz entendesse que o crime era de
baixa gravidade, o que viola o princípio constitucional da individualização da
109
pena. Tal decisão representa um grande avanço no que se refere à temática das
drogas. Do outro lado, tem-se o projeto de lei n° 7663/12 do deputado federal
Osmar Terra, que propõe a internação involuntária e compulsória do usuário de
drogas, além de estabelecer como causa de aumento de pena ao traficante o
grau de dependência que a droga vendida por ele causa. Já é plenamente
comprovado mundialmente que a internação contrária a vontade do consumidor
não funciona, pois quando este retorna à sociedade ele volta a utilizar as
substâncias. Quanto ao segundo aspecto, para começar, não é consenso ainda
qual é o grau de dependência que cada droga causa, porém o mais grave é o
total desconhecimento da realidade do mercado de drogas, pois, na maioria dos
casos, os traficantes vendem todos os tipos de drogas, das consideradas mais
leves às mais pesadas, não existindo uma especialização por parte dele como a
lei sugere.
A questão das drogas só será resolvida quando a sociedade aceitar
que elas são uma realidade que sempre existiu e, provavelmente, sempre
existirá. Quando as pessoas pararem de fazer juízos de valores, pautados pelo
preconceito e o desconhecimento, a respeito dessas substâncias e aqueles que a
usam. Quando pararem de atribuir à essas substâncias a responsabilidade por
problemas muito mais profundos da sociedade. Quando as pessoas conseguirem
travar um debate racional e imparcial a respeito delas, deixando de lado as
emoções, para buscar a melhor solução para lidar com elas. Só então todos nós
caminharemos em direção a uma política mais racional para essas substâncias,
cujo primeiro passo será aceitar que a legalização é mais benéfica que a
proibição.
110
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maconha e a criação de um novo sistema para lidar com as drogas. São
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11- Constituição Federal de 1988
12- HABEAS CORPUS 97256/RS
13- Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de
Substâncias Psicotrópicas, Viena, 1988.
14- Resolução 5/2012 do Senado Federal
15- projeto de lei 7663/2010
16- INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA NA CRACOLÂNDIA
COMEÇA HOJE: Agentes percorrerão a região para avaliar quais são os
dependentes químicos sem consciência de seus atos e dirigi-los à
internação. São Paulo: Revista Exame, 21 jan. 2013. Disponível em:
<http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/internacao-compulsoria-na-
cracolandia-comeca-hoje>. Acesso em: 02 maio 2013.
112
Anexos
Fonte das Tabelas feitas pelo autor
1 – UNODC
2 – UNODC
3 – UNODC
4- UNODC.
Fonte das figuras
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