UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO
PROGRAMA DE RESIDÊNCIA INTEGRADA MULTIPROFISSIONAL EM ATENÇÃO
HOSPITALAR
ANA CAROLINA DO NASCIMENTO RODRIGUES
REFLEXÕES CRÍTICAS SOBRE O SERVIÇO SOCIAL CLÍNICO ENQUANTO
PROJETO DE PROFISSÃO: uma análise de seus fundamentos históricos e suas
expressões na atualidade
JUIZ DE FORA
2020
ANA CAROLINA DO NASCIMENTO RODRIGUES
REFLEXÕES CRÍTICAS SOBRE O SERVIÇO SOCIAL CLÍNICO ENQUANTO
PROJETO DE PROFISSÃO: uma análise de seus fundamentos históricos e suas
expressões na atualidade
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Departamento de Política
de Ação do Serviço Social da Faculdade
de Serviço Social da Universidade Federal
de Juiz de Fora, como parte dos requisitos
necessários para obtenção do grau de
Especialista na modalidade Residência
Integrada Multiprofissional em Atenção
Hospitalar - área Serviço Social.
Orientadora: Luciana Gonçalves Pereira
de Paula.
JUIZ DE FORA
2020
1
RESUMO: O presente artigo traz algumas reflexões acerca do Serviço Social Clínico
enquanto projeto profissional no Brasil, entendendo que o mesmo está no rol de
projetos conservadores que disputam hegemonia com o chamado Projeto Ético-
Político. Para isto, são tratados alguns temas como os elementos históricos do
surgimento e desenvolvimento do Serviço Social no Brasil, passando pela
construção do Projeto Ético-Político de vertente crítica e os valores por ele
defendidos. Posteriormente são abordados os fundamentos históricos do Serviço
Social Clínico, assim como suas principais tendências na atualidade. Por fim, são
traçadas algumas reflexões a partir dos registros audiovisuais do “II Seminário
Serviço Social Clínico – Um Debate Inadiável”, promovido pelo SASERS em 2018.
Tais reflexões realizadas à luz da produção acadêmica crítica e consolidada no
Serviço Social nos permitem afirmar que o Serviço Social Clínico expressa uma
corrente da profissão que retoma o passado, desconsiderando o que foi produzido
coletiva, histórica e democraticamente pelas vanguardas da categoria. Nas
considerações finais, reforça o Projeto Ético-Político como estratégia fundamental e
coerente com os rumos trilhados pela profissão no Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Serviço Social Clínico; Serviço Social; Projeto Profissional; Projeto Ético-Político; Assistente Social.
INTRODUÇÃO
A compreensão de Netto (2006) que versa sobre os projetos profissionais,
afirmando que estes, necessariamente, se vinculam a projetos de sociedade é
crucial para o ponto de vista que desenvolveremos no decorrer deste trabalho. Ainda
segundo o autor, o projeto profissional hoje hegemônico no Serviço Social se
relaciona com a superação da ordem do capital e para tanto, deve disseminar os
valores necessários à construção de uma nova sociabilidade, como: democracia,
liberdade, justiça social e outros.
Porém, ainda segundo Netto (2006), tendo o pluralismo como um de seus
princípios, o projeto de vertente crítica marxista no Serviço Social convive com
outros projetos que, alicerçados em matrizes teóricas e concepções de sociedade
distintas, disputam com ele sua hegemonia. O Serviço Social Clínico é uma das mais
importantes expressões de projeto conservador no âmbito do Serviço Social
brasileiro na atualidade (PAULA, 2016). Nossos estudos nos mostram que tal projeto
reatualiza e retoma as referências e objetivos profissionais já superados pela
profissão em sua trajetória histórica (IAMAMOTO, 2014). Além disso, observamos
que o mesmo está amparado no completo ecletismo e em visões importadas da
2
profissão ao redor do mundo, que desconsideram a particularidade da formação
sócio-histórica brasileira e o desenvolvimento do Serviço Social conectado a ela.
Uma consideração fundamental é a histórica e reiterada defesa do Serviço
Social Clínico no campo da saúde como busca por legitimação frente à equipe
multiprofissional. Tal dado é importante para explicitar nosso ponto de partida: este
trabalho é fruto das reflexões construídas a partir da experiência no Programa de
Residência Integrada Multiprofissional em Atenção Hospitalar do Hospital
Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora. O desenvolvimento do
trabalho profissional no ambiente hospitalar e as leituras no campo da saúde,
utilizadas em muitos momentos para reflexão da prática profissional, levaram a
percepção da necessidade da discussão e produção acadêmica com vistas a
contribuir com a crítica ao Serviço Social Clínico e à defesa do Projeto Ético-Político
hegemônico.
Feitas estas colocações, partiremos para a explicitação dos procedimentos
metodológicos realizados para a execução da pesquisa. Inicialmente, buscou-se nas
revistas renomadas1 do Serviço Social brasileiro pelos descritores “Serviço Social
Clínico”, “Práticas Terapêuticas e Serviço Social”, entretanto não foram encontradas
publicações. Pode-se pensar na hipótese de que os defensores de tal vertente não
estejam realizando produções teóricas nas revistas consolidas da categoria por
possuírem uma autoimagem da profissão que difere da que se elegeu hegemônica e
é sustentada pelas entidades representativas, unidades de ensino etc.
Dessa forma, realizou-se pesquisa com as mesmas palavras-chave em sites
de busca em geral, quando se teve acesso ao registro audiovisual do “II Seminário
Serviço Social Clínico – Um Debate Inadiável”, promovido pelo Sindicato de
Assistentes Sociais do Rio Grande do Sul em 24 de maio de 2018. Optou-se pela
análise de tal documento por entender que por tratar-se de um evento acadêmico,
organizado por uma instância de representação da categoria, o mesmo expressaria
claramente a prática clínica enquanto um projeto de profissão, apresentando seus
1 A saber: Serviço Social em Revista, do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Política
Social da Universidade Estadual de Londrina; Revista Katálysis, do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina; Revista Ser Social, do Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade de Brasília; Revista Serviço Social e Sociedade, da Cortez Editora; Revista Praia Vermelha, do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
3
objetivos, referências teóricas, imagem de profissão e outros elementos. Além disso,
apesar de se tratar de um evento regionalizado, o mesmo contou com a fala de
profissionais de diversos estados do país e também de Assistentes Sociais Clínicos
que atuam em outros lugares do mundo como Estados Unidos e Espanha, sendo um
importante meio para a compreensão dessa vertente, de forma mais geral. Outro
dado que cabe mencionar é o número de visualizações na plataforma audiovisual
que o documento encontra-se disponibilizado, que ultrapassa 1.600, tendo
alcançado um número significativo de profissionais e estudantes da área.
Após análise criteriosa do material, foram realizadas anotações divididas em
eixos. Essas anotações refletem indagações e problematizações que foram
desenvolvidas à luz de produções teóricas consolidadas na categoria, resoluções do
CEFESS, Código de Ética e Lei de Regulamentação da Profissão.
Este trabalho está dividido da seguinte forma: Construção Sócio-Histórica do
Serviço Social no Brasil – onde resgatamos a institucionalização da profissão no
país, o projeto do Serviço Social Tradicional, passando pelo Processo de Renovação
e a construção do chamado Projeto Ético-Político; Projeto Profissional do Serviço
Social: Correntes em Disputa – aqui trazemos as transformações no mundo do
trabalho e no processo formativo, e a forma como rebatem no projeto profissional do
Serviço Social, fortalecendo a existência de vertentes conservadoras que fazem
frente ao Projeto Ético-Político hegemônico; Apontamentos Históricos Sobre o
Serviço Social Clínico – discorremos sobre o surgimento da profissão na Inglaterra,
o modelo franco-belga, o Serviço Social de Casos e demais tendências que
influenciaram e influenciam tal corrente; Reflexões Teóricas Sobre a Defesa do
Serviço Social Clínico na Atualidade – trabalhamos neste tópico as referências
teórico-metodológicas e o objeto de intervenção do Serviço Social Clínico, assim
como apontamos alguns argumentos que desmascaram a fragilidade de tal proposta
como projeto de profissão. A última sessão – Análise do II Seminário Serviço Social
Clínico – é composta pelos seguintes subeixos: Considerações sobre os Sindicatos
de Assistentes Sociais; Características da formação dos Assistentes Sociais Clínicos
e o Serviço Social Clínico como realidade no mundo; A prática clínica como busca
por legitimidade no campo da saúde; Principais referências e concepções de
profissão para o Serviço Social Clínico. Nas Considerações Finais, reafirmamos
4
nosso compromisso com o Projeto Ético-Político hegemônico de vertente crítica e
marxista e sua defesa perante os projetos conservadores.
CONSTRUÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL
Segundo Iamamoto e Carvalho (2014), o Serviço Social surge enquanto
profissão socialmente determinada por um contexto histórico. A inserção dessa
profissão se dá no processo de reprodução das relações sociais, sendo chamada
pela burguesia para atuar no controle da classe trabalhadora. Tal controle se
expressa no âmbito material – na condução de políticas sociais que garantem
condições básicas para que a classe subalternizada esteja apta a produzir para o
capital -, e também na reprodução ideológica de valores que são necessários à
manutenção da ordem burguesa.
Porém, tal fundamento não exclui a possibilidade da execução de uma prática
profissional do Serviço Social que seja redirecionada aos interesses históricos da
classe trabalhadora, pois como apontam Iamamoto e Carvalho (2014, p.81), o
Serviço Social “responde tanto a demandas do capital como do trabalho e só pode
fortalecer um ou outro polo pela mediação de seu oposto”. Ou seja, para que um
trabalho profissional crítico seja pensado, é necessário refletir que através das
mesmas ações, o Assistente Social atende a interesses conflitantes e antagônicos.
No Brasil, o Serviço Social surge como profissão com a expansão do
capitalismo industrial e da urbanização, na década de 1930. Neste chão histórico, há
um acirramento da questão social e com ele, manifesta-se a necessidade de um
profissional técnico capaz de responder às suas expressões. Dessa forma, a
institucionalização do Serviço Social possui estreita relação com a criação e
desenvolvimento das políticas sociais administradas pelo Estado e com os serviços
sociais ofertados pelas empresas privadas aos seus trabalhadores.
Ainda conforme Iamamoto e Carvalho (2014), nesse período a profissão
esteve muito próxima da Igreja Católica e de seus valores, que impregnavam o
Serviço Social de uma doutrina cristã que colocava a cientificidade em segundo
plano. Durante as décadas de 1940 a 1960, tais valores eram hegemônicos na
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profissão, caracterizando o que ficou conhecido como Serviço Social Tradicional,
alicerçado nas metodologias de Caso, Grupo e Comunidade2.
Por volta da metade da década de 1960, desponta na América Latina o
chamado Movimento de Reconceituação3, que se opõe a lógica do Serviço Social
Tradicional em suas dimensões teóricas e práticas. As ideias desse movimento
chegaram ao Brasil estimulando um processo de renovação do Serviço Social que
não se constituiu de forma homogênea. Durante tal processo coexistiram três
perspectivas que Netto (2005) denominou: Perspectiva Modernizadora4,
Reatualização do Conservadorismo5 e Intenção de Ruptura. As duas primeiras,
apesar de distintas, de forma geral, buscavam uma modernização da profissão,
principalmente nos âmbitos teórico e técnico. Todavia, não questionavam a raiz das
2 Na década de 1940, a institucionalização da profissão constitui-se referenciada no Serviço Social
norte-americano, na qual os "problemas sociais" seriam de responsabilidade dos indivíduos, o que caracterizou Serviço Social de Caso. Na mesma época, também surgiram intervenções do chamado Serviço Social de Grupo, com fins terapêuticos de atuação nas relações interpessoais. Ambos tinham por base teórico-metodológica o pensamento positivista, apesar de se apresentarem como neutros. Já na década de 1950, o capitalismo monopolista avança e com ele surge a ideologia desenvolvimentista. Esse movimento influencia a prática do Serviço Social que irá atuar mobilizando comunidades na busca pela melhora de suas condições de vida e harmonia social, pautando-se pela ideia da “ajuda mútua” (PAULA, 2016).
3 Esse movimento que se iniciou por volta de 1965 faz parte do processo internacional de denúncia do
conservadorismo profissional. Influenciou, no Brasil a renovação do Serviço Social, na perspectiva da Intenção de Ruptura, momento em que houve o questionamento das bases teórico-práticas da profissão, aproximação com a teoria social crítica de Marx, inserção de parte da categoria em movimentos sociais e sindicais. 4 Emerge no Encontro de Porto Alegre em 1965 e se expressa nos Seminários de Araxá (1967) e
Teresópolis (1970), promovidos pelo CBCISS. Representava uma adequação do Serviço Social ao projeto econômico, político e social da autocracia burguesa, onde a tônica era o desenvolvimento subordinado aos ditames das organizações internacionais que propagavam os interesses dos países de capitalismo central. O Serviço Social deveria atuar junto aos indivíduos com desajustamentos familiares e sociais. Seus postulados éticos derivavam do neotomismo, sendo abstratos e a-históricos, e seu referencial teórico era o estrutural-funcionalismo.
5 Surge nos Seminários de Sumaré (1978) e Alto da Boa Vista (1984). Segundo Netto (1991, p. 203),
esta vertente deveria “deter e reverter a erosão do ethos profissional tradicional e todas as suas implicações sóciotécnicas e, ao mesmo tempo, configurar-se como uma alternativa capaz de neutralizar as novas influências que provinham dos quadros de referência próprios da tradição marxista”. Reatualizando o conservadorismo com uma nova roupagem, esta perspectiva recusava os padrões teórico-metodológicos da tradição positivista e se relacionava então, ao método fenomenológico. Há também a negação de um aporte teórico asséptico, definindo seus valores profissionais sob influências cristãs e da transformação social.
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expressões da questão social e dessa forma, fortaleciam o capitalismo e o Regime
Civil-Militar iniciado em 1964, que Netto (1991) denominou “autocracia burguesa”6.
Já, a vertente chamada pelo autor de Intenção de Ruptura contestava o modo
de produção capitalista na sua essência e criticava a forma como o Serviço Social
atuava predominantemente na manutenção de tais interesses.
O primeiro marco histórico da Intenção de Ruptura no cenário do Serviço
Social brasileiro foi o Método BH (1972-1975)7, acompanhado pela inserção política
dos Assistentes Sociais no âmbito sindical – impulsionado pelo “novo sindicalismo
do ABC Paulista”8, que resultou no Congresso da Virada em 19799 (COELHO,
2013). É na década de 1980 que a Intenção de Ruptura se fortalece na academia e
começa a se expandir para a base da categoria profissional, o que só foi viável
porque é nesse período que o regime ditatorial entra em decadência e é iniciado o
processo de redemocratização no país. Nessas circunstâncias, o coletivo da
categoria, através de suas entidades representativas, passou a repensar o projeto
profissional do Serviço Social e gestou-se o chamado Projeto Ético-Político.
Importante expressão material desse processo de renovação crítica da
profissão na década de 1980 é a reformulação do Código de Ética, em 1986.
Segundo Paula, (2013, p.138) o documento “surge como uma estratégia político-
profissional para que se possam efetivar, em meio à categoria profissional, os
6 Iniciada com o golpe de Abril de 1964, fez parte de uma contrarrevolução preventiva patrocinada em
diversos países pela potência imperialista norte americana. Os resultados foram a consolidação de um padrão de desenvolvimento dependente de interesses externos, um discurso e uma prática coercitiva anticomunista, e articulação de organizações políticas capazes de eliminar protagonistas comprometidos com projetos progressistas (NETTO, 1991). 7 Experiência ocorrida na Escola de Serviço Social da Universidade Católica de Minas Gerais, no
período entre 1972 e 1975. O método se caracterizou como uma alternativa às intervenções profissionais de caso, grupo e comunidade. Deixou como legado a necessidade de aprofundamento da discussão da relação entre teoria e prática e ainda pode contar com a participação dos trabalhadores em todas as suas fases. O "método BH", não sem equívocos, teve um importante papel para a perspectiva da intenção de ruptura, inaugurando esta vertente e trazendo para o Brasil as influências da Reconceituação (COELHO, 2013).
8 “Surgido no final da década de 1970, significou um avanço político e organizativo para os
trabalhadores e alimentou a luta pela democratização das instituições em todo país. Essa realidade de grandes mobilizações e greves gerais rebateu no Serviço Social, estabelecendo laços de uma articulação orgânica entre assistentes sociais e militâncias político-sindicais” (PAULA, 2016, p.135). 9 “O questionamento que vinha à tona direcionava-se aos fundamentos teórico-metodológicos do Serviço Social alinhado aos interesses da burguesia e suas práticas correspondentes” (COELHO, 2013, p.106).
7
valores consoantes com a concepção ideológica defendida pelos assistentes sociais
vinculados à intenção de ruptura”. Apesar do inegável avanço que o Código de Ética
de 1986 representa para a história do Serviço Social no Brasil, especialmente no
que se refere à negação da neutralidade da prática profissional do Assistente Social
e à defesa dos interesses históricos da classe trabalhadora, não podemos deixar de
mencionar que por conta da ainda recente, apreensão das bases teórico-filosóficas
da tradição marxista, tal documento apresentava concepções equivocadas. Paula
(2016), afirma que um Código de Ética deve assumir compromisso com
determinados valores e não com uma classe, como se essa fosse detentora do bem
e assim acabar por incorrer em um militantismo que ultrapassa as barreiras
profissionais.
Conforme Paula (2016), a década de 1990 representa a consolidação da
hegemonia do Projeto Ético-Político, com grande avanço sobre a discussão da
dimensão ético-política da profissão, tendo como grandes expressões o Código de
Ética de 1993, a Lei de Regulamentação da Profissão (1993) e as Diretrizes
Curriculares (1996). Ainda segundo a autora, é nos anos 1990 que o Serviço Social
avança na discussão teórica sobre a ética na intervenção profissional e dessa
maneira, o Código de Ética de 1993 representa um grande amadurecimento da
profissão neste sentido, em relação ao documento anterior. É também sobre estas
bases que ganha destaque a produção de conhecimento na profissão, o que se
deve em grande parte ao desenvolvimento dos programas de pós-graduação, que
contribuíram para consolidar a teoria marxista como referencial teórico-metodológico
hegemônico na formação em Serviço Social. As Diretrizes Curriculares (1996), foram
fundamentais para fortalecer o processo formativo na direção do Projeto Ético-
Político, apontando e aperfeiçoando a questão do estágio supervisionado como
crucial na relação teórico-prática. Porém, apesar de todo esse avanço, no contexto
político e econômico do país, a profissão esbarra com a realidade do neoliberalismo,
pelo qual a estratégia governamental de retirada dos direitos conquistados pela
classe trabalhadora é aprofundada.
A entrada dos anos 2000 aprofundou a tônica neoliberal no Brasil, tendo sido
marcada por políticas de austeridade fiscal e contrarreformas. Esse cenário irá
rebater diretamente no Serviço Social e apresentar novos desafios à profissão.
Paula (2016) aponta que a chegada do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder no
8
início da década e sua reformulação para uma direção reformista, impacta em
parcelas numerosas de nossa categoria profissional que passam a ter na política
social, em especial na Assistência Social e nos programas de transferência de renda
(carro-chefe dos governos PT), o seu horizonte final. Além disso, o avanço do
pensamento pós-moderno10 compromete significativamente a perspectiva de classe
no interior da profissão, o que destoa fortemente do que propõe nosso Projeto Ético-
Político.
Como ficou evidente neste tópico, a história do Serviço Social não está
descolada da história da sociedade brasileira, de forma geral. As tendências
apontadas acima irão rebater na categoria, alimentando correntes diversas que irão
competir entre si por hegemonia. É este assunto que será problematizado na
próxima sessão, onde traremos considerações sobre o chamado Projeto Ético-
Político do Serviço Social e os processos que com ele se defrontam, fortalecendo
outros projetos de profissão.
PROJETO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL: CORRENTES EM
DISPUTA
Para Ortiz (2015), “projeto” é algo essencialmente humano, pois planejar uma
ação antes que essa se realize pressupõe competência teleológica. Entretanto, na
realidade, as ações nem sempre se concretizam exatamente como as projetamos,
pois existem mediações que atravessam o processo. Dessa forma, é preciso ter
clareza do objetivo final para que possam ser criadas estratégias que considerem os
limites e possibilidades postos na realidade. Baseado na análise de Cardoso (2013),
podemos afirmar que todo projeto coletivo é um projeto ético e político, pois
pressupõe escolhas e estas estão sempre pautadas por valores, mesmo que não se
tenha clareza disso.
10
“O pensamento pós-moderno refuta qualquer possibilidade de conhecimento totalizante porque defende a singularidade e especificidade dos fenômenos sociais como expressões isoladas e fragmentadas, sem inter-relação entre si. As teorias pós-modernas não se debruçam sobre o processo de constituição do real; não estão interessadas na apreensão do movimento efetivo do objeto, e sim no modo como esse objeto é assimilado pelas consciências - o centro da questão passa a ser as formas simbólicas de como o real é percebido por cada um dos indivíduos” (PAULA, 2016, p.155).
9
Netto (2006), afirma que todo projeto profissional está vinculado a um projeto
societário, no caso do chamado Projeto Ético-Político do Serviço Social, os valores
que o conformam – liberdade, igualdade, cidadania, democracia, justiça social - se
relacionam com a superação da ordem capitalista. Nesse aspecto reside uma das
complexidades do Serviço Social, pois apesar de receber o estatuto de profissional
liberal, a profissão, no Brasil, se desenvolveu através do trabalho assalariado
(IAMAMOTO; CARVALHO, 2014). Essa contradição marca o exercício profissional
do Assistente Social, pois, nenhum trabalhador assalariado possui completa
autonomia sob o processo de trabalho em que está inserido, uma vez que depende
dos meios ofertados por uma instituição para a execução das suas ações. Contudo,
no caso do Serviço Social, alguns elementos apontados pelos autores garantem
relativa autonomia aos profissionais, como: a Lei de Regulamentação da Profissão,
o Código de Ética, a formação acadêmica de nível superior, entre outros. Tais
aparatos permitem que a categoria possa, coletivamente, defender princípios que se
contrapõem à hegemonia burguesa.
Entendendo que o projeto profissional é um direcionamento para a categoria,
Netto (2006), aponta que nele existem dois elementos: o imperativo e o indicativo.
Imperativo porque existem um conjunto de regulamentações como o Código de Ética
e outras legislações que são expressões materiais desse projeto e as quais o
profissional deve, sob penas jurídicas, se submeter. No entanto, ele também é
indicativo, pois, por ser plural e hegemônico, convive democraticamente com outras
correntes a ele alheias com as quais está em constante disputa ideológica.
Ramos e Santos (2016, p. 209-210), nos trazem uma importante lembrança
ao afirmar que “é fundamental o entendimento de que a ruptura com o
conservadorismo significa, de fato, um processo histórico e, como tal, permeado de
contradições, limites e desafios que se atualizam todos os dias”. As autoras apontam
ainda, que as transformações que o capitalismo vem operando nas últimas
décadas11, tem sido cruciais para entender o movimento no interior do Serviço Social
que impõe o pragmatismo12 e a negação da cultura profissional crítica.
11
Crise do modo de produção que se inicia no final da década de 1960, após 30 anos de Estado de Bem-Estar Social, nos países de capitalismo central. Substituição do fordismo por um padrão de acumulação flexível, o que gerou rebatimentos nas relações de trabalho e consumo, com incremento da tecnologia. Como parte desta lógica, refuncionaliza-se também o papel do Estado sob a óptica
10
A onda conservadora no interior do Serviço Social ganha força também no
processo formativo que não está imune às mudanças operadas pelo capital. Temos
visto o aceleramento do tempo de graduação e um novo reforço ao pragmatismo,
que dificultam a produção e disseminação de um conhecimento crítico (RAMOS;
SANTOS, 2016). Tal tendência encontra espaço e força na falácia disseminada por
setores de nossa profissão, que afirmam não haver interlocução entre teoria e
prática no Serviço Social e por conta disso defendem a necessidade de uma
formação tecnicista, orientada para e pelos interesses do mercado de trabalho,
asséptica e desprovida de criticidade. Em última instância, essa tendência se choca
ao que o Projeto Ético-Político se propõe enquanto projeto de profissão,
contrariando seus valores, sua matriz teórica, seu posicionamento político.
Ramos e Santos (2016), também evidenciam que as transformações no
mundo do trabalho, como a precarização dos vínculos empregatícios, baixos
salários, perda de direitos e demais fatores que impactam negativamente nas
condições objetivas e subjetivas para a organização política da classe trabalhadora
no geral, são processos inerentes à situação dos Assistentes Sociais. Segundo as
autoras, a dificuldade da base da categoria profissional em se organizar
coletiva/politicamente também é uma das mediações necessárias para compreender
o avanço de projetos profissionais que disputam hegemonia com o Projeto Ético-
Político.
Netto (1996 apud PAULA 2016) aponta a existência de alguns projetos
profissionais que disputam hegemonia com o Projeto Ético-Político. Um deles é
legado da Perspectiva Modernizadora aperfeiçoado pelo neoliberalismo, em que se
neoliberal, que passa a ser mínimo para o trabalhador, através da retirada de direitos e proteção social. 12
”Como qualquer visão de homem e mundo, o pragmatismo constitui-se em um tipo de pensamento que sustenta a práxis cotidiana, já que incorpora uma determinada racionalidade que consiste no modo de pensar a realidade na sua imediaticidade e de agir sobre ela. Disso resulta uma determinada forma de conceber a relação teoria e prática, influenciando a apropriação que os assistentes sociais fazem das teorias sociais, em especial, do marxismo, muitas vezes se confundindo com ele. [...] Constatamos que o pragmatismo é responsável pelo profundo empirismo de que a profissão se nutre e por uma determinada maneira de conceber a relação teoria e prática. Nesta abordagem, assim como no Serviço Social, há uma supervalorização da prática, identificada como pura experiência, dos hábitos e costumes que serão verdadeiros se bem-sucedidos e se servirem à solução imediata de problemas. O pragmatismo é também responsável pelo profundo desprezo que, em geral, alguns profissionais sentem por uma teoria crítica, não por qualquer saber, não pelo saber prático-instrumental, mas por aquele que efetivamente busca os fundamentos e, por
isso, nem sempre se reverte em respostas imediatas.” (GUERRA, 2013, p.42).
11
defende uma desresponsabilização do Estado na resposta às expressões da
questão social, transferindo-as para o chamado “Terceiro Setor”. Há também, um
projeto descendente da perspectiva reatualização do conservadorismo em que o
aporte teórico se referencia na fenomenologia. O pensamento pós-moderno
influencia ainda a existência de um projeto profissional neoconservador. Existem
outros tantos, como aqueles pautados em valores cristãos e ainda, os que defendem
um “possibilismo” alicerçado nas configurações das políticas sociais na atualidade.
Netto (2016) aponta a necessidade de uma elaboração teórica acerca da
história recente do Serviço Social no Brasil, inclusive de forma a contribuir para o
fortalecimento da direção social assumida hegemonicamente pela profissão. Nessa
produção, o autor traz uma importante reflexão para o debate, pois segundo ele, o
que vem se observando são atuações e defesas de concepções que contrariam os
valores do Projeto Ético-Político sem, no entanto, se confrontar diretamente com ele.
Sinaliza ainda, que em nome do pluralismo, equivocadamente, correntes
conservadoras justificam a coexistência de inúmeras matrizes teóricas divergentes
para o direcionamento da profissão, resvalando em um completo ecletismo. Dessa
forma, fica evidente que conhecer as correntes ideológicas em disputa com o Projeto
Ético-Político se faz urgente e necessário, uma vez que é comum incorrer em
equívocos quando não se tem clareza das bases teórico-metodológicas e ético-
políticas que sustentam determinadas análises e práticas.
Atualmente, um projeto de profissão que vem ganhando destaque no Brasil é
o Serviço Social Clínico, objeto de análise desse trabalho. Northen (1984 apud
PAULA 2016, p.166), aponta que nessa perspectiva o Serviço Social atua com
“problemas” no âmbito das interações interpessoais. Dessa forma, o objetivo da
profissão seria o “fortalecimento psicossocial dos seus clientes”. No tópico seguinte,
traremos alguns elementos históricos sobre essa corrente, de forma a compreender
melhor os seus fundamentos e assim entender tal tendência no interior da profissão.
APONTAMENTOS HISTÓRICOS SOBRE O SERVIÇO SOCIAL CLÍNICO
Bravo (2013) aponta que o Serviço Social surge na Inglaterra, no final do
século XIX, para responder a uma necessidade histórica de institucionalização da
12
assistência prestada aos trabalhadores. Octávia Hill foi protagonista deste processo
e “Acreditava no valor da influência pessoal, através do aconselhamento às famílias,
pelas visitadoras, para obter uma melhor preparação para o trabalho, respeitarem-se
a si próprios e preocuparem-se com a educação dos filhos” (BRAVO, 2013, p.45).
Importante destacar que nesse período, o empirismo é que norteia a ação das
Assistentes Sociais que emergiam. Posteriormente, as influências que marcam a
profissão são o humanismo e o neotomismo, onde prevalecia a ideia do bem comum
(BRAVO, 2013).
Dentro desse espectro conservador que marcou o surgimento do Serviço
Social, podemos apontar a perspectiva clínica na profissão, a qual Scheffer (2017)
relaciona com o modelo franco-belga, diretamente ligado à medicina social, na qual
os condicionantes sociais são considerados no processo saúde-doença, porém as
expressões da questão social são encaradas como desvios, desajustes, algo
patológico e, portanto, passível de diagnóstico e tratamento. Ao mesmo tempo em
que exigia uma intervenção técnica, também carregava traços caritativos e
benevolentes.
Outra referência importante para análise do Serviço Social Clínico vem dos
Estados Unidos, onde segundo Scheffer (2017), um movimento higienista avançava
e encontrava suporte no protestantismo e no darwinismo social. Mary Richmond se
destaca como vanguarda intelectual ao sistematizar o que ficou conhecido como
Serviço Social de Caso. Havia disputas de projetos entre o Serviço Social de Caso
(conservador) e a proposta de Jane Addams de um Serviço Social reformador que
visava ações coletivas, críticas e educativas. Enquanto Richmond defendia a
filantropia para atuar junto às sequelas da questão social, Addams atuava de modo
a propagar valores no intuito de responsabilizar o Estado para a formulação de
políticas sociais públicas.
Um fator interessante apontado por Scheffer (2017) na produção de
Richmond é que a intelectual se pautou no modelo biomédico como forma de
legitimar a cientificidade do Serviço Social no campo da saúde. Dessa forma,
utilizava-se da clínica para justificar e analisar as expressões da questão social
pautadas por padrões biológicos, incorrendo assim, inclusive, em preconceitos de
raça e gênero, por exemplo. Concebe-se ainda, o meio social como produtor de
13
desajustes, sendo a “família desestruturada” e o ambiente em que se vive
considerados como fatores que causam “problemas” aos indivíduos na convivência
em sociedade. Tais posicionamentos trazem uma falsa neutralidade à profissão, pois
não consideram a pobreza como produto da estrutura da sociedade capitalista, mas
como resultado das escolhas individuais/particulares dos sujeitos. “A ênfase da
mudança é nos hábitos, atitudes, comportamentos. Tem-se uma visão estereotipada
da classe trabalhadora, que é apresentada como população negligente, precisando
ser orientada, com baixo nível de consciência e não participativa” (BRAVO, 2013,
p.97).
Hamilton (1982) sistematiza em sua obra sobre o que seria o Serviço Social
de Casos, trazendo importantes contribuições para entender a relação dessa
metodologia com a perspectiva clínica da profissão. O autor aponta o caso como
sendo um processo psicossocial que possui fatores internos e externos, isso
significa que sob esta óptica a profissão deveria atuar junto às condições objetivas
de manutenção da vida dos sujeitos e também na forma subjetiva com que os
“clientes” lidam com as privações, “problemas” etc. Inclusive, o grande mérito que
Hamilton (1982) atribui à teoria e prática do Serviço Social de Casos é o seu caráter
“interpessoal”, afirmando que sobre esta configuração a profissão está muito além
de meramente atender às necessidades materiais de seus “clientes”. Essa
intervenção no âmbito interpessoal se dá a partir do aconselhamento e da terapia
que visam o ajustamento, e, portanto, a necessidade de vasto conhecimento no
campo psicológico é mencionada inúmeras vezes pela autora.
Um dos valores que Hamilton (1982), traz a respeito do Serviço Social de
Casos é o “respeito à pessoa humana”, porém sob uma perspectiva muito mais
humanística do que profissional, menciona inclusive a “ajuda” que o Assistente
Social deve fornecer ao “cliente” na busca por sua espiritualidade e felicidade. Outro
aspecto importante de tal literatura é a referência feita à questão da autonomia, que
na realidade, soa muito mais como uma forma de responsabilizar os sujeitos pelas
situações degradantes e estruturais as quais estão submetidos.
Sabe-se que o progresso individual depende, em primeiro lugar, de obter meios de subsistência, de aproveitar as oportunidades e, finalmente, de encarar a realidade imediata, de aceitar responsabilidades e trabalhar não somente contra as limitações, mas também com elas e apesar delas (HAMILTON, 1982, p.24).
14
As limitações apontadas por Hamilton (1982) são compreendidas como algo
patológico e as técnicas de ajustamento apontadas anteriormente, “aplicadas” pelo
Serviço Social na óptica clínica funcionariam como tratamento.
Após a Segunda Guerra Mundial, o Serviço Social norte-americano absorve
mais fortemente as influências da psiquiatria e da psicanálise, profissionais com os
quais atuava em equipe nas clínicas e consultórios, como forma de responder a uma
necessidade do mercado, que demandava profissionais habilitados a lidar com os
traumas dos soldados sobreviventes do conflito (SCHEFFER, 2017). A ideia era
reabilitar os mesmos, para que pudessem voltar a produzir para o capital.
Bravo (2013, p. 67) aponta que na década de 1950, nos países centrais,
“defende-se que o bem-estar pode ser alcançado no plano individual, desde que
cada aspecto da vida seja regulado, cabendo esta missão ao profissional de saúde”.
Nesse período, emerge o Desenvolvimento de Comunidade13, do qual o Serviço
Social foi parceiro. Porém, apesar de um caráter mais coletivo, esse tipo de
intervenção se apresentava como neutra e apolítica, cortinando as expressões da
questão social, por pautar-se em preceitos funcionalistas. Dessa forma, a sociedade
era compreendida como um todo que se organizava a partir de sistemas, que
precisavam funcionar em harmonia e para a qual os indivíduos deveriam se
direcionar (BRAVO, 2013). Apesar dessas experiências, a autora aponta que a
participação dos Assistentes Sociais da saúde na época, esteve muito mais
vinculada à prática clínica, propriamente dita, onde o propósito era o
desenvolvimento da personalidade.
É também neste momento, segundo Bravo (2013), que ocorre o
estabelecimento das comunidades terapêuticas14 no mundo da psiquiatria, onde a
principal função dos Assistentes Sociais era a realização de trabalhos com as 13
Na entrada dos anos de 1950, há o avanço do capitalismo monopolista e com ele o surgimento da ideologia desenvolvimentista. Nesse momento, há forte entrada de capital estrangeiro no Brasil, com o intuito de alavancar a industrialização e efetuar a dominação política, uma vez que o capitalismo necessitava se consolidar nos países periféricos diante da ameaça socialista no contexto pós-Segunda Guerra Mundial. As principais estratégias para superar o subdesenvolvimento eram políticas pautadas no Desenvolvimento de Comunidade (PAULA, 2016).
14 Segundo Sabino e Cazenave (2005, p.168), são instituições que possuem como objetivo ”dar uma
resposta aos problemas provenientes da dependência de drogas, possuindo assim um ambiente que necessariamente é livre das mesmas e uma forma de tratamento em que o paciente é tratado como o principal protagonista de sua cura. [...] Os objetivos das CT não são só os resultados do tratamento, mas também as consequências de uma reabilitação social envolvendo intervenção também em outros locais fora do espaço da CT.”
15
famílias e com os pacientes no sentido de integrá-los à instituição e posteriormente,
à comunidade, sempre na perspectiva da adaptação à ordem posta.
Northen (1984, p.27), menciona que na década de 1960 despontavam
intelectuais que defendiam que “os objetivos profissionais do ensino em serviço
social deviam ser os de formar um clínico e um especialista em bem-estar social”.
Nessa lógica do bem-estar social, ganha destaque a preocupação com o contexto
social, mas sempre tendo como pressuposto de intervenção uma prática clínica de
diagnóstico e tratamento.
Na produção de Northen (1984, p.15), fica clara a influência da perspectiva
funcionalista, quando afirma que
A principal orientação teórica é a dos sistemas sociais, que incorpora a
compreensão de um indivíduo como um sistema biopsicossocial,
interagindo com uma rede de indivíduos e sistemas sociais. Enfatiza as
relações psicossociais entre pessoas e a interdependência entre as
pessoas e seus ambientes.
Nessa produção teórica, publicada originalmente nos EUA em 1982, Northen,
fez um esforço sistemático para defender sua tese de que a prática do Serviço
Social Clínico poderia ser aplicada a todas as modalidades até então desenvolvidas:
Caso, Grupo e Comunidade. Falava-se então sobre um Serviço Social Genérico,
pois através do entendimento da sociedade como todo composto por sistemas que
se inter-relacionam, seria necessário a análise e intervenção junto aos “clientes” no
aspecto individual, grupal/familiar e na sua relação com o meio/comunidade em que
viviam. Na busca de uma identidade profissional comum, pautava-se em visões
holísticas, respaldadas em conhecimentos psicológicos: “Neste modelo de prática, o
objetivo é efetuar mudanças positivas nas interações e transações entre pessoas,
mais especificamente definido como o fortalecimento psicossocial e a prevenção e
tratamentos dos problemas nas relações psicossociais” (NORTHEN, 1984, p. 29).
Merece destaque a questão da prevenção em Northen (1984), em que
trabalha a importância de ações a serem realizadas com os sujeitos considerados
“normais”, mas que por alguma razão, estejam inseridos em um grupo considerado
de risco, para que sejam evitados “desajustamentos”. Pauta-se na ideia de atender
às necessidades antecipadamente, para que não se tornem problemas e possa-se
promover o desenvolvimento “normal e harmonioso” de
16
indivíduos/grupos/comunidades. A autora menciona que essa ideia da prevenção foi
incorporada ao Serviço Social Clínico por influência da saúde pública e da
psiquiatria, de onde foram copiados os modelos de prevenção baseados nos
aspectos biológicos/orgânicos. É importante mencionar que novamente, como uma
forma de se legitimar socialmente, o Serviço Social vai buscar nas discussões
promovidas no âmbito da saúde em geral, referências para a sua atuação. A
inserção do aspecto da prevenção coincide e pode ter sido influenciada pelas
discussões que passam a conceber a multicausalidade no processo de
adoecimento, que inclusive vão modificar o conceito de saúde no mundo, após a
realização da Primeira Assembleia da Organização Mundial da Saúde em 1948
(BRAVO, 2013). Todavia, dessa “importação” de conceitos e ideias, sem a reflexão
sobre a natureza da profissão, resulta um equívoco, de que a prevenção dos
“problemas sociais” deveria ser trabalhada via alteração de comportamento dos
indivíduos/grupos/comunidades atendidos pelo Serviço Social.
No Brasil, nos primórdios da institucionalização do Serviço Social, a profissão
foi demandada na saúde para intervir em questões de higiene e propor medidas
educativas, essa prática recebeu o nome de Serviço Social Médico (BRAVO, 2013).
As funções exercidas pelos profissionais eram: triagem socioeconômica, elaboração de fichas informativas sobre o cliente para ajudar o médico no tratamento, distribuição de auxílios financeiros para possibilitar a ida do cliente à instituição médica, conciliação do tratamento com os deveres profissionais do cliente mediante entendimentos com o empregador, cuidado com relação aos fatores emocionais e psicológicos do tratamento, adequação do cliente à instituição com a obtenção de sua confiança (BRAVO, 2013, p.156).
Diante do que a autora relata, podemos observar que a atuação na área da
saúde pelo Serviço Social, naquela época, deu-se majoritariamente, sob uma
perspectiva clínica, pois os aspectos emocionais, psicológicos e de adaptação à
ordem posta sobressaem no discurso e ação da profissão, aliados às respostas
fragmentadas, parciais e imediatistas às demandas relacionadas às condições
materiais da vida dos sujeitos.
No período de 1945 a 1964, o contexto nacional, influenciado pelo que
acontecia em escala mundial, desencadeou mudanças no mercado de trabalho e no
processo de inserção do Serviço Social no mesmo. O fim da Segunda Guerra
Mundial reordenou o panorama econômico e social, demandando do Estado maior
17
intervenção na reprodução da força de trabalho e este por sua vez buscou no
Assistente Social o profissional responsável pelo disciplinamento e ajustamento
psicossocial dos trabalhadores (BRAVO, 2013). É também neste espaço temporal
que o Serviço Social norte-americano ganha enorme destaque no Brasil e que suas
referências teórico-metodológicas influenciam decisivamente na formação e prática
do Serviço Social brasileiro. Expressões importantes dessa influência foram os dois
Congressos Brasileiros de Assistentes Sociais realizados nessa época, o primeiro
em 1947 e o segundo em 1961. Em ambos os encontros da categoria, houve o
grupo de discussão chamado “Serviço Social Médico” e o que se pode destacar é
que no geral, a perspectiva clínica impregnou o discurso dos profissionais envolvidos
de forma bastante incisiva. Como objetivo da ação profissional dos Assistentes
Sociais aparece “relacionar a doença aos aspectos emocionais, psicológicos e
sociais [...] O conhecimento da personalidade é salientado como a grande
contribuição do Serviço Social à Medicina” (BRAVO, 2013, p. 163-164).
Esses breves apontamentos sobre a história do Serviço Social Clínico nos
permitem observar que tal movimento no Brasil, foi influenciado por processos
históricos que ocorreram nos países centrais. Além disso, foram importados
referenciais teóricos e metodologias de intervenção sem se considerar as
particularidades históricas da formação social brasileira e isso tem rebatimentos para
nossa profissão até os dias atuais, como iremos evidenciar no tópico posterior. Após
o processo de renovação do Serviço Social brasileiro, fica menos evidente em nossa
literatura a existência do projeto clínico na profissão, porém isso não significa que
ele tenha se extinguido. A seguir traremos algumas reflexões a respeito.
REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE A DEFESA DO SERVIÇO SOCIAL
CLÍNICO NA ATUALIDADE
No Brasil, podemos afirmar que o Serviço Social Clínico, na atualidade,
possui interferências da corrente fenomenológica que sustentava a renovação
conservadora, enquanto corrente do Processo de Renovação do Serviço Social
(SCHEFFER, 2017). Tal aproximação com a fenomenologia não ocorreu isenta de
equívocos, havendo certa vulgarização da teoria. O elemento central do trabalho do
Assistente Social, nessa perspectiva passa a ser a ajuda psicossocial, por meio da
18
qual ouve e dialoga com o “cliente”. Ainda segundo Scheffer (2017), o elemento da
ajuda presente nessa corrente encontra forte traço na formação sócio-histórica
brasileira, marcada pelo elemento do favor, sobressaindo à lógica do direito.
Bonfim (2015) vai buscar no processo de colonização, no período da
escravidão e na transição para o capitalismo, as razões para a persistência do
autoritarismo disfarçado de ajuda na sociedade brasileira e consequentemente em
alguns setores do Serviço Social na atualidade. Não menos importante que os
elementos já citados, é necessário lembrar também do papel da Igreja Católica e de
sua contribuição à construção da moralidade brasileira.
Outro valor questionado pelo pensamento conservador é a autonomia dos sujeitos. Aqui aparece a ideia de que os homens precisam ser tutelados, devendo suas vontades ser subordinadas àqueles que conduzem a sociedade [...]. No que se refere à laicização do Estado, nem mesmo esse princípio conseguiu se consolidar no Brasil. Isso pode ser verificado tanto no peso dos valores cristãos na sociedade brasileira quanto na atual presença, no Congresso Nacional, de partidos ligados a religiões. Por todas essas características é que afirmamos que a moral brasileira se constitui predominantemente por valores conservadores. Esses podem ser evidenciados nas mais diferentes ações: na naturalização, moralização e criminalização da “questão social” [...]; na persistência da lógica do favor; e na sua expressão mais cotidiana “o jeitinho brasileiro” (BONFIM, 2015, p 96-97).
O lugar do Brasil na dinâmica do capitalismo internacional, como sendo um
país periférico e economicamente dependente, é fator determinante para que
historicamente haja uma importação das ideias e valores dos países de capitalismo
central, sem, no entanto, vivenciar os mesmos processos que estes (BONFIM,
2015). Ou seja, existe uma tentativa sistemática de aplicar na realidade brasileira
modelos que não fazem sentido na dinâmica das relações sociais aqui existentes,
como é o caso, por exemplo, do próprio Serviço Social Clínico.
Paula (2016) nos mostra que essa imagem/autoimagem de profissão
defendida pelos representantes do Serviço Social Clínico é problemática porque
despolitiza circunstâncias objetivas da vida dos sujeitos, que são produzidas e
reproduzidas de forma estrutural na sociedade burguesa. Ou seja, tal projeto de
profissão, se propõe a um diagnóstico/tratamento social no campo da adaptação à
ordem posta, colocando os sujeitos como disfuncionais a ela. É como também
aponta Bravo (2013, p.47): “O aconselhamento volta-se para a mudança na maneira
de ser, de sentir, de ver e de agir dos indivíduos, buscando sua adesão aos valores
dominantes”.
19
Os apontamentos críticos trazidos pelas autoras mencionadas acima, ficam
explícitos quando Northen (1984) apresenta o que seria o objetivo do Serviço Social
numa perspectiva clínica. Inúmeras vezes em sua produção, Northen (1984) reitera
que o âmbito da atuação do Serviço Social deve ser o funcionamento psicossocial,
as relações humanas interpessoais e as relações com o seu ambiente. Segundo ela,
os “problemas sociais” vivenciados pelos clientes são produto de vivências
relacionais anteriores que o impediram de realizar o seu potencial.
O desenvolvimento do serviço social como uma prática profissional resultou do reconhecimento de que as necessidades para as quais os serviços sociais foram originalmente criados, tais como as de manutenção da renda ou da assistência institucional, eram mais do que necessidades de renda adequada, alimento, moradia, ou assistência médica, por mais importantes que fossem. Grace Coyle disse que “o momento decisivo no desenvolvimento do serviço social surgiu com o reconhecimento que, acompanhado de tais necessidades, algumas vezes como causa e outras como efeito, estavam os problemas nas relações psicossociais”. O termo “relações psicossociais”, como foi usado por Coyle, refere-se não somente às relações intrapsíquicas dos indivíduos em suas relações com as outras pessoas, mas também às condições ou situações sociais que contribuem para a infelicidade ou disfunção social (NORTHEN, 1984, p.30).
Conforme foi possível observar no fragmento acima, percebemos que nessa
perspectiva de profissão, considera-se que as condições objetivas têm um impacto
para a saúde mental dos sujeitos, e até aí estamos de acordo. O que é necessário
pontuar é que, em primeiro lugar, existe um profissional com competência técnica
para atuar diretamente na dimensão subjetiva que as condições objetivas impõem
para a vida dos sujeitos, e esse profissional é o Psicólogo. O que podemos e
devemos, enquanto Assistentes Sociais é contribuir para que a análise da condição
da vida material dos sujeitos seja considerada como rebatimento para a produção de
adoecimentos, não só no que se refere à saúde mental, mas também em outros
aspectos.
Nossa intervenção está ainda, na possibilidade de orientar/informar/viabilizar
direitos, que minimamente possam produzir acesso a condições mais dignas de
sobrevivência nessa sociabilidade. Também, nunca é demais lembrar que nossa
formação em Serviço Social nos permite fazer a análise desses fenômenos da vida
material que aparecem de forma fragmentada no cotidiano do público que
atendemos, como expressões de uma dinâmica estrutural, que é a forma como o
capital se apropria do trabalho alheio, produzindo e reproduzindo desigualdades. Por
último, e não menos importante, por fazermos essa leitura de realidade, pautada
20
numa perspectiva marxista, não podemos compreender que as
dificuldades/precariedades pelas quais passa a classe trabalhadora são resultado de
seus traumas emocionais, como sugerem os Assistentes Sociais alicerçados no
projeto do Serviço Social Clínico.
Um dado trazido por Rodrigues (2009 apud PAULA 2016) é de que os
defensores dessa prática clínica, em geral, são Assistentes Sociais de formação que
buscaram especializações nas áreas da psicanálise, terapia familiar e outras do
gênero. Nesse sentido o CEFESS publicou uma resolução após ampla discussão
com a categoria (569/2010), vedando as práticas clínicas/terapêuticas vinculadas ao
título de Assistente Social, por não haver na formação graduada elementos que
ofereçam competências técnicas para tal. Conforme Paula (2016), o CEFESS não
nega a dimensão da subjetividade no trabalho profissional do Serviço Social, apenas
corrobora que não é este nosso objeto e, portanto, não é atribuição da profissão a
realização de práticas terapêuticas.
Scheffer (2017) relata que os defensores do Serviço Social Clínico no Brasil
utilizam em sua defesa as experiências em outros países, onde as práticas
terapêuticas no Serviço Social são reconhecidas e ainda, o histórico de intervenção
com as famílias. Falta considerar, no entanto, as particularidades da formação sócio-
histórica brasileira e ainda, a forma como o Movimento de Reconceituação da
América Latina rebateu na Renovação do Serviço Social, reconfigurando a profissão
no Brasil de forma incompatível com o Serviço Social Clínico.
Faleiros (2009) defende que não há na Lei de Regulamentação da Profissão
(Lei 8662/1993), impedimentos diretos à realização de práticas terapêuticas no
Serviço Social, e dessa forma, entende que a ementa de resolução sobre vedação
de utilização de práticas terapêuticas por parte do CFESS, que depois viria a se
tornar a resolução CEFESS nº 569/2010 seria incompatível com o que se preconiza
no Art. 1º da legislação que rege o exercício profissional do Assistente Social “É livre
o exercício da profissão de Assistente Social em todo o território nacional,
observadas as condições estabelecidas nesta lei” (BRASIL, 1993).
Cabe refletir, no entanto, que a escolha por uma prática clínica no âmbito da
intervenção do Assistente Social se choca com aquilo que a profissão elegeu como
referencial teórico-metodológico e com os compromissos éticos e políticos
21
assumidos, de forma histórica e coletiva. Não têm sido raras as compreensões
equivocadas em torno do pluralismo que nosso projeto profissional hegemônico
garante, como se em nome dele qualquer defesa teórica fosse válida, mesmo que
seja contrária aos seus próprios valores. É urgente ressaltar que apesar de plural, o
Projeto Ético-Político não é eclético e que tal confusão acaba por enfraquecê-lo em
sua essência. Como já dito no decorrer desse trabalho, deslocar para os sujeitos
usuários dos serviços a responsabilidade por suas condições de vida é
desresponsabilizar o modo de produção capitalista pela reprodução estrutural das
desigualdades.
Há, além disso, em Faleiros (2009), outros elementos que, ainda que não
tenham sido muito explorados pelo autor, são utilizados para questionar a proibição
da prática clínica no Serviço Social. São mencionados como impactos negativos a
não ampliação do mercado de trabalho para os Assistentes Sociais e prejuízos para
os usuários. Precisamos analisar com cautela tal ponto de vista, pois não seria
responsável investir numa ampliação do mercado de trabalho sem possuir de fato a
formação para atuar no âmbito que se pretende. Diferente do que defende Faleiros
(2009), pensamos que o usuário não perde com a vedação da prática terapêutica
vinculada ao exercício profissional dos Assistentes Sociais. É pensando
principalmente na qualidade do atendimento prestado a ele, que o CEFESS
compreende que existem outros profissionais que possuem competência técnica
para atuar nos aspectos subjetivos, emocionais e mentais da vida dos sujeitos, como
a Psicologia, por exemplo.
O que justifica a existência da profissão de Serviço Social é exatamente o que
ela possui de conhecimento específico, que é a atuação no âmbito do acesso aos
direitos, promovendo impactos nas condições objetivas no que tange à reprodução
da vida da população usuária dos serviços. Não é desconsiderado que a atuação do
Serviço Social também perpassa os aspectos subjetivos de como esses sujeitos se
relacionam com o mundo, seu território, sua família, mas este não é o nosso objeto
de intervenção. Pautar a prática profissional em uma perspectiva clínica é, além de
tudo, privar o usuário do acesso às intervenções que de fato são matéria do Serviço
Social.
22
Outro ponto problemático na argumentação de Faleiros (2009) é a questão da
formação generalista. Defende que neste tipo de formação, os profissionais têm o
direito de escolher se especializar em determinada área, e a clínica seria uma delas.
Ora, é preciso ter cautela ao tratar deste assunto, uma vez que o direito à
especialização em determinada área ou política, deve ser pensado de forma que
não se choque com a formação generalista em si. A formação em Serviço Social
fornece a capacidade de leitura e análise da realidade sob uma determinada óptica e
as competências éticas e técnicas para intervenção nessa realidade. Esse é o
pressuposto básico, porém sabe-se que cada espaço sócio-ocupacional tem suas
especificidades e por isso, o profissional pode e deve se apropriar de leituras, cursos
de aperfeiçoamento e até mesmo especializações que permitam o aprofundamento
em temáticas presentes na sua prática e/ou que sejam de seu interesse. Mas cabe
pontuar que a defesa feita por Faleiros (2009) é a possibilidade de um
aprofundamento teórico e consequentemente, uma intervenção profissional que vai
à contramão da matriz teórica que a profissão elegeu como referência, a tradição
marxista.
Em suma, o que podemos extrair como elemento central sobre o debate é
que a utilização da técnica da terapia/clínica pelo Serviço Social é totalmente alheia
à formação profissional que tem como centralidade a questão social e as suas
expressões (MOREIRA, 2014). Tendo feito esse destaque imprescindível em nossa
discussão, no próximo tópico traremos nossas impressões acerca do “II Seminário
Serviço Social Clínico - Um Debate Inadiável”.
ANÁLISE DO II SEMINÁRIO SERVIÇO SOCIAL CLÍNICO
Para análise do Serviço Social Clínico enquanto uma defesa de projeto
profissional, tivemos acesso aos registros audiovisuais do “II Seminário Serviço
Social Clínico - Um Debate Inadiável” promovido pelo Sindicato de Assistentes
Sociais do Rio Grande do Sul (SASERS) no dia 24 de maio de 2018. Sendo assim,
traremos algumas observações sobre tal material apresentadas em subeixos para
melhor desenvolvimento da discussão.
23
Considerações sobre os Sindicatos de Assistentes Sociais
Um dado que merece destaque é o fato de os Sindicatos de Assistentes
Sociais serem um dos principais defensores do Serviço Social Clínico, tendo como
uma de suas justificativas centrais a ampliação do mercado de trabalho para a
profissão. Porém, conforme nos aponta Paula (2016), a própria organização de
Assistentes Sociais em sindicatos é um ponto problemático para a profissão na
atualidade. Em sua obra, a autora sinaliza o papel que hoje cumpre a FENAS
(Federação Nacional dos Assistentes Sociais), criada em 2000 com o objetivo de
reorganizar a categoria no âmbito político e sindical. Essa instituição contraria uma
decisão tomada pela categoria em 1989, momento no qual se optou pela
organização por ramo de atividade, com o intuito de fortalecer a luta coletiva da
classe trabalhadora, o que corrobora com o objetivo final de nosso Projeto Ético-
Político, que é a superação da ordem capitalista.
A polêmica em torno da organização político-sindical dos Assistentes Sociais
reside no fato de que a Central Única dos Trabalhadores (CUT), central sindical
ligada ao Partido dos Trabalhadores (PT), que no fim da década de 1980 eram
importantes intelectuais orgânicos da classe trabalhadora e possuíam como princípio
a revolução socialista, passaram por uma mutação relacionada com sua busca e
chegada ao poder, que redirecionou totalmente a essência do partido e da central
sindical. O PT e a CUT então, em nome de uma governabilidade, se
institucionalizam, se burocratizam e perdem seu potencial revolucionário presente no
sindicalismo de base (PAULA, 2016).
Dessa forma, a organização por ramo de atividade foi algo que se perdeu
durante o caminho, ficando inconclusa, de fato. A FENAS defende que a
organização dos Assistentes Sociais em sindicatos da categoria é necessária, dada
a precarização das relações/condições/organização do trabalho a que estes
profissionais estão submetidos e contra a qual é preciso lutar. Acontece que a
FENAS possui como objetivo profissional um outro projeto que não é aquele
defendido hegemonicamente pela categoria. Diretamente ligada ao PT, – que esteve
no governo federal até o Golpe de 201615 - cooptado pelo reformismo, a FENAS
15
Michel Temer (PMDB) foi reeleito vice-presidente em 2014 através da chapa formada por ele e Dilma Rousseff (PT), então presidente. Tal processo eleitoral foi marcado por uma disputa bastante acirrada entre a
24
enquanto representante dos Sindicatos de Assistentes Sociais pauta a atuação
profissional do Serviço Social no objetivo da política social, em especial na política
de Assistência Social, com destaque para o Programa Bolsa Família (PAULA, 2016).
Aqui é necessário ter a clareza de que apesar de ser principalmente através das
políticas sociais que se dá o trabalho dos Assistentes Sociais no Brasil, elas não se
confundem com o Serviço Social. Uma vez que a política social possui uma
dimensão contraditória de atendimento das necessidades do capital e do trabalho,
visando a manutenção da existência da ordem burguesa e o Serviço Social no
Brasil, apesar de também atender a interesses antagônicos, optou, coletivamente,
por direcionar a profissão para o atendimento dos interesses históricos da classe
trabalhadora.
Após tal panorama a respeito dos Sindicatos de Assistentes Sociais no Brasil,
pontuamos que a defesa da prática clínica enquanto ampliação do mercado de
trabalho para a profissão é irresponsável e rasa. Entendemos, dessa maneira,
porque como já foi dito no decorrer deste trabalho, a psique não é o objeto de
trabalho do Serviço Social e entende-se que tal defesa é, antes de tudo,
corporativista, pois visa um suposto “benefício” para a categoria sem refletir sobre os
danos que tal projeto traz à história, legado e imagem do Serviço Social. É por essa
razão que o CEFESS, por meio da resolução 569/2010, não proíbe que os
Assistentes Sociais se especializem na área clínica, apenas veda que tais terapias
estejam vinculadas à prática e ao título de Assistente Social, uma vez que essas
intervenções fazem parte de um projeto que descaracteriza o papel político, teórico e
operacional que a profissão assume na realidade brasileira. Nas palavras de
Iamamoto (2014, p.227):
[...] o projeto profissional (crítico) não foi construído numa perspectiva meramente corporativa, voltada à autodefesa dos interesses específicos e imediatos desse grupo profissional centrado em si mesmo. Não está exclusivamente voltado para a obtenção da legitimidade e status da categoria na sociedade inclusiva – e no mercado de trabalho em particular – de modo a obter vantagens instrumentais (salários, prestígio, reconhecimento de poder no
referida chapa e a liderada por Aécio Neves (PSDB). O governo Dilma já se encontrava abalado, desde as manifestações de 2013, quando multidões foram às ruas de forma apartidária reivindicar por melhorias nas políticas públicas e criticar os gastos governamentais com os eventos das Copas das Confederações e do Mundo, sediadas no Brasil. O ano de 2015 também foi marcado por intensas manifestações contra o governo Dilma por parte das classes médias e altas. Temer e seu partido se articularam aos setores mais conservadores do Congresso e Senado e em 31/08/16, a presidente Dilma sofreu impeachment, sob a acusação de pedaladas fiscais.
25
conceito das profissões). Ainda que abarque a defesa das prerrogativas profissionais e dos trabalhadores especializados, o projeto profissional os ultrapassa porque é histórico e dotado de caráter ético-político, que eleva esse projeto a uma dimensão de universalidade.
A citação da autora traz a clareza necessária para tratar de nossas
reivindicações enquanto categoria: a percepção de que elas devem estar articuladas
ao conjunto de lutas sociais da classe trabalhadora, uma vez que é com este avanço
coletivo que nosso Projeto Ético-Político se compromete.
Características da formação dos Assistentes Sociais Clínicos e o
Serviço Social Clínico como realidade no mundo
Um apontamento importante é de que os profissionais chamados a proferir
suas falas no “II Seminário Serviço Social Clínico - Um Debate Inadiável” possuem
pós-graduações em áreas distintas ao Serviço Social e ainda, formações em outros
países, onde o Serviço Social Clínico e as práticas terapêuticas são intervenções
hegemônicas e consolidadas como, por exemplo, Estados Unidos e Espanha. Esses
dados corroboram o que evidenciamos anteriormente sustentados em Rodrigues
(2009 apud PAULA 2016) e Scheffer (2017), demonstrando que tal projeto de
profissão se alicerça em um emaranhado de teorias conflitantes entre si e que
desconsideram as características da formação sócio-histórica brasileira, assim como
as especificidades do desenvolvimento histórico da profissão no país.
Dito isto, não surpreende o fato de que dentro do próprio Serviço Social
Clínico existam contrassensos. Alguns setores argumentam que as práticas
terapêuticas podem e devem coexistir com o Projeto Ético-Político hegemônico e
pautam essa defesa na pluralidade que esse projeto assegura sem compreender, no
entanto, que a convivência desta corrente dentro do campo crítico, além de eclética,
vai contra aos valores defendidos por ele. Nas palavras de Coutinho (1991, p.13):
[...] no terreno da ciência, natural ou social, o pluralismo não pode implicar o ecletismo ou relativismo [....]. É através da troca de ideias, da discussão com o diferente, que podemos afirmar nossas verdades, fazer com que a teoria se aproxime o mais possível do real. Não há ciência que esgote o real, pois a ciência é sempre aproximativa. Então é absolutamente necessário o debate de ideias [...], mas isso, a meu ver, não implica e não pode implicar no ecletismo. Isto é: não se pode pensar em conciliar pontos de vista inconciliáveis, em nome do pluralismo. Não é isso que o pluralismo tem a nos oferecer no terreno da ciência.
26
Outro equívoco em relação ao pluralismo, apontado no material analisado, é
que alguns profissionais entendem que não é possível que o mesmo coexista com
uma corrente hegemônica, demonstrando ausência de compreensão do que seja a
hegemonia sob uma perspectiva gramisciana. Alicerçados em Coutinho (1992),
compreendemos que a hegemonia, no aspecto aqui elencado, funciona como uma
direção intelectual e moral. E, portanto, a corrente teórica que norteia o Serviço
Social não representa uma imposição ou a vontade da maioria, mas o
direcionamento de aspectos valorativos e princípios que estão ligados a um projeto
de sociedade que é progressista e que vem influenciando ideologicamente as
vanguardas da profissão nos últimos 40 anos, após a “virada” crítica a qual se
submeteu. Iamamoto (2014, p. 227) aponta:
[...] o pluralismo propugnado não se identifica com sua versão liberal, na qual todas as tendências profissionais são tidas como supostamente paritárias, mascarando os desiguais arcos de influência que exercem na profissão e os vínculos que estabelecem com projetos societários distintos e antagônicos, polarizados seja pelos interesses do grande capital, seja pela construção da unidade política dos trabalhadores enquanto classe.
Na primeira mesa do evento, é realizado um panorama do Serviço Social em
diversos países, com o objetivo de convencer os participantes de que a prática
clínica é uma realidade no mundo todo e que, portanto, não haveria razões para que
no Brasil, ela não pudesse ser aplicada na intervenção profissional dos Assistentes
Sociais. A palestrante, em dado momento, afirma que a essência de uma profissão é
algo universal e que dessa forma, vedar a prática do Serviço Social Clínico no Brasil
seria uma espécie de autossabotagem que o CFESS vem cometendo.
São mencionadas experiências de países da América do Sul, América do
Norte e Europa, cada qual com suas especificidades e exigências próprias para a
prática dos Assistentes Sociais Clínicos. É possível observar que o cenário é
extremamente diverso: há países como os EUA, onde o Serviço Social Clínico se
organiza em associações e atende em consultórios particulares credenciados por
planos de saúde, mas há também a experiência do Chile onde não há uma ideologia
hegemônica e “nenhuma prática particular é censurada”, nas palavras da
profissional. Enfim, nota-se que apesar da gênese da profissão ser a mesma e
possuir como objeto a questão social em suas variadas expressões, cada país, ao
longo de sua história, requisitou intervenções diferenciadas dos Assistentes Sociais.
Além disso, a profissão não se realiza deslocada da realidade, o contexto
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econômico, social e político de cada lugar do globo terrestre, e a forma como
profissão se organizou e se desenvolveu em cada espaço é própria e única. Importar
metodologias sem considerar a realidade local, é algo sobre o qual a profissão já se
debruçou criticamente e superou como aponta Iamamoto (2014) em relação às
tendências regressivas no interior da profissão.
A prática clínica como busca por legitimidade no campo da saúde
Em determinado momento do vídeo em questão, a prática clínica é
mencionada como uma saída para o lugar de subalternidade que o Serviço Social
ocupa nas equipes multiprofissionais de saúde. É utilizado como argumento que nas
chamadas “reuniões clínicas”16, o Assistente Social não tem contribuições teóricas e
técnicas a oferecer, ficando relegado às atividades menos especializadas como
contactar familiares, passar recados etc. Façamos uma breve reflexão sobre essa
colocação.
Em primeiro lugar, apoiados na análise de Bonfim (2015), temos que apesar
de a legislação que norteia a política de saúde no Brasil ser bastante crítica e estar
alicerçada nos princípios da Reforma Sanitária que considera os determinantes
sociais como aspectos condicionantes no processo saúde-doença, ainda hoje
predomina no cotidiano dos serviços de saúde o projeto privatista e o modelo
biomédico. Dessa forma, o conhecimento biológico, centrado na doença e a análise
do indivíduo fora do seu contexto social, tende a ser a máxima das reuniões de
equipe multiprofissional que se dedicam, especialmente, a discutir as comorbidades
sem analisar sua relação com o processo de trabalho, território, acesso a serviços e
outros fatores que impactam na vida dos sujeitos que adentram os serviços de
saúde. Dessa forma, devemos nos lembrar que o movimento a ser feito pelos
Assistentes Sociais precisa ser contrário ao que se propõe o Serviço Social Clínico.
As tarefas burocráticas mencionadas pela profissional como as razões para a
subalternidade do Serviço Social são de fato, demandas equivocadas para a
profissão. A demanda real para o Serviço Social no campo da saúde deve ser
16
Termo utilizado pela palestrante. Por nossa experiência no campo da saúde, supomos se tratarem de reuniões voltadas às discussões de caso pelas equipes multiprofissionais, compostas por diversas áreas como: Medicina, Enfermagem, Serviço Social, Fisioterapia, Psicologia e outras.
28
exatamente o que ele traz de diferencial, o que acrescenta na discussão dos
determinantes sociais em saúde, e que nenhum outro profissional das demais áreas
possui formação acadêmica para fazê-lo de forma tão qualificada. Para sair do lugar
de subalternidade que muitas vezes o Serviço Social ocupa nas equipes de saúde, é
preciso mostrar a identidade da profissão, elucidar e reafirmar aos nossos colegas
de que o que fazemos é imprescindível e insubstituível, e isso se faz quando nos
capacitamos e nos aprofundamos no que de fato é nosso, e não quando buscamos
absorver demandas alheias ao objeto da profissão.
Principais referências e concepções de profissão para o Serviço Social
Clínico
A principal referência citada pelos Assistentes Sociais Clínicos presentes no
evento é Sigmund Freud, conhecido como o pai da Psicanálise. Coutinho (1991, p.
13), produziu um trecho brilhante sobre a incompatibilidade teórico-metodológica da
análise dos fenômenos sociais sob uma perspectiva Freudiana e Marxista
concomitantemente:
Se dizemos que é verdade que a história se explica pela luta de classes, não podemos dizer que é também verdade, como diz Freud, que os conflitos decorrem do aumento da repressão sexual, e como tal, do aumento da agressividade. São posições absolutamente incompatíveis.
Desse fragmento, tiramos a nossa compreensão já afirmada e reafirmada ao
longo deste trabalho de que não se pode explicar a origem das expressões da
questão social sob um ponto de vista subjetivo ao mesmo tempo em que as explica
sob um viés que é estrutural. Um posicionamento anula o outro. Assim como
Coutinho (1991), não estamos dizendo que a obra de Freud sob diversos aspectos
da subjetividade humana não é relevante, muito pelo contrário. O que demarcamos
aqui é que o Serviço Social brasileiro direcionou todo o seu projeto profissional e
formativo para uma perspectiva marxista, por entender, coletivamente, que ela
explica como nenhuma outra, a realidade, desvelando os fenômenos e a raiz das
desigualdades sobre a qual a profissão atua. Dessa forma, utilizar-se de fontes
como Freud e outras citadas no evento, como Mary Richond, Virginia Satir e Clare
Winnicott, para explicar a pobreza, o conflito e a violência, enquanto fenômenos
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sociais é incoerente frente ao projeto de profissão que se defende
hegemonicamente.
Algumas falas ao longo do Seminário chamaram nossa atenção em especial,
por apresentarem uma autoimagem de profissão que colide diretamente com o que
se propõe o Serviço Social brasileiro na atualidade. Merece destaque um
apontamento feito de que o Serviço Social Clínico se destina às pessoas que lutam
por uma vida digna e fracassam, como se a ausência do que se tem construído pela
imagem de uma vida bem sucedida na sociedade capitalista fosse culpa dos sujeitos
que pela própria organização das relações sociais estão privados de acessar
posições privilegiadas. Como aponta Netto (2007, p.45), “ao naturalizar a sociedade,
a tradição em tela é compelida a buscar uma especificação do ser social que só
pode ser encontrada na esfera moral [...] - e eis que se franqueia o espaço para a
psicologização das relações sociais”.
Além disso, há em vários momentos da explanação, a afirmação de que o
Serviço Social precisa intervir na subjetividade humana porque todo homem é um
ser biopsicossocial. É consenso, especialmente em se tratando das legislações que
regem a política pública de saúde que os aspectos biológico, psicológico e social de
todos os usuários que atendemos são inseparáveis de sua história e, portanto,
compõem o processo saúde-doença. Mas é também por isso, que já está
consolidada na literatura da área, que o trabalho em saúde se faz de forma
multiprofissional, pois se entende que cada formação possui um conhecimento
específico capaz de contribuir para a análise e intervenção na vida dos sujeitos.
Dizer que a necessidade de considerar além do aspecto social da vida dos usuários
é uma razão para que o Serviço Social atue na subjetividade, é como dizer que a
profissão também deve atuar no aspecto biológico, o que é totalmente incompatível
com seu objetivo e papel na divisão social e técnica do trabalho.
Outro momento emblemático do evento é a referência de que o Serviço Social
deve lidar com o equilíbrio e não com a miséria e “outros fenômenos que não tem
solução”17. A incompreensão histórica e teórico-metodológica que essa afirmação
17
Expressão utilizada pela palestrante. Cabe mencionar que pautados pela perspectiva crítica, a saber, o materialismo histórico-dialético, que orienta a concepção de realidade apresentada neste trabalho, não concebemos a miséria como “um fenômeno que não tem solução”. Compreendemos
30
carrega em si é extremamente preocupante. O Serviço Social não lida com o
equilíbrio, harmonia e a coesão social, porque é exatamente do conflito entre as
classes sociais e das reivindicações políticas que dele surgem que o Estado vai
intervir, através das políticas sociais, na questão social e demandar um profissional
especializado para atuar nelas, que é o Assistente Social (IAMAMOTO; CARVALHO,
2014). Além disso, se a miséria é algo que nos incomoda e nos choca em nosso
cotidiano profissional, não é razão para ignorá-la e reivindicarmos um campo de
atuação “mais confortável”. É exatamente nas precárias condições de vida da classe
trabalhadora que somos chamados a atuar. Possuindo como estratégia da categoria
o Projeto Ético-Político hegemônico, de viés crítico, como bem nos lembra Paula
(2016), devemos expressar seus princípios em nosso trabalho profissional,
cotidianamente, a fim de progressiva e coletivamente tencionarmos os valores
impostos pela sociabilidade burguesa e contribuirmos com a possibilidade de
construção de uma sociedade para além do capital e de suas mazelas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tudo o que tratamos no decorrer deste trabalho, algumas retomadas
são importantes para corroborar o que pensamos representar a vertente clínica no
interior do Serviço Social. A primeira delas é a de que o Serviço Social Clínico se
apresenta como um dos muitos projetos que, no campo conservador, estão em
constante atualização e disputa com o projeto crítico, hoje hegemônico. Afirmar que
o Serviço Social Clínico se situa no campo conservador significa dizer precisamente
que, diferente do Projeto Ético-Político, ele contribui para velar as contradições e os
conflitos de classe na sociedade capitalista. Ou seja, por meio de tal prática, tendo
ou não consciência disso, o profissional fortalece a reprodução das desigualdades
típicas da sociabilidade burguesa, porque opta por não utilizar do potencial que seu
trabalho profissional possui para questioná-la.
O segundo apontamento está diretamente relacionado ao primeiro,
entendemos que por todo o conhecimento acumulado por nossa profissão ao longo
dos mais de 80 anos de história no Brasil, a escolha por reproduzir cotidianamente
que a mesma é expressão inerente do modo de produção capitalista, que é mais um dos modelos de sociedade possíveis na história da humanidade, mas não o único.
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na intervenção profissional e por difundir valores em nível de representação da
categoria que possam tencionar, ainda que em longo prazo, a lógica perversa do
capital, é uma estratégia acertada. Cabe-nos então, reafirmar conforme Guerra
(2014), a possibilidade histórica do Projeto Ético-Político, pois ele não surge do nada
ou é imposto de maneira autoritária, como irresponsavelmente sugerem alguns
profissionais. Tal projeto foi gestado, maturado e consolidado, em paralelo às
mudanças que ocorreram não só na profissão, mas na sociedade brasileira, das
quais a categoria participou fortemente.
Por fim, buscamos em Netto (2016), a sustentação de que é preciso conhecer
a história de nossa profissão, assim como estudar as tendências neoconservadoras
que vem se atualizando no cenário de acirramento da questão social, onde suas
expressões assumem formas cada vez mais diversas e as requisições profissionais
também vão se modificando. Entendemos que não se pode enfrentar aquilo que não
se conhece, pois é preciso reunir argumentos sólidos na defesa cotidiana do Projeto
Ético-Político, de forma a viabilizar uma adesão cada vez mais consciente dos
profissionais aos seus princípios.
Apesar de hegemônico no Serviço Social, a opção de cada profissional no seu
cotidiano de intervenção pelo Projeto Ético-Político exige coragem,
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