UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSECAMPUS UNIVERSITÁRIO DE RIO DAS OSTRAS
INSTITUTO DE HUMANIDADES E SAÚDECURSO DE SERVIÇO SOCIAL
ANA CAROLINA CANTUÁRIA
Autonomia relativa e estratégias coletivas do Serviço Social
Rio das Ostras2017
ANA CAROLINA CANTUÁRIA
Autonomia relativa e estratégias coletivas do Serviço Social
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado aoCurso de Serviço Social, como requisito parcialpara conclusão do Curso.
Orientadora:Prof. Dr. Cristina Maria Brites
Rio das Ostras2017
ANA CAROLINA CANTUÁRIA
Autonomia relativa e estratégias coletivas do Serviço Social
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Serviço Social, como requisito parcial para conclusão do Curso.
Aprovada em ________________________
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________Prof. Cristina Maria Brites (Orientadora) - UFF
________________________________________________Prof. Maria Raimunda Soares – UFF
___________________________________________________Prof. Bruno Ferreira Teixeira – UFF
Rio das Ostras2017
AGRADECIMENTOS
Este é o momento tão emblemático da formação que, ao mesmo tempo que
encerra um ciclo, abre possibilidades para outras infinitas aventuras, que a vida
acadêmica e profissional podem oferecer. E é neste sentimento contraditório, de
término e começo, que agradeço a todos que já andavam comigo, aos que eu
encontrei, àqueles nos quais me (re)conheci, aos que me apaixonei, e
principalmente, àqueles que sei que continuarão comigo na loucura da jornada da
vida.
Agradeço à minha família, principalmente à minha mãe, que forneceu todas as
condições para a minha formação. Não somente as condições materiais, mas as
emocionais. Se hoje eu sou é porque ela é, e juntas vamos seguir, nos amando e
nos reconstruindo.
Agradeço aos docentes do curso de Serviço Social e de cursos adjacentes de
Rio das Ostras, guardo todos com muito carinho no meu coração. Agradeço à
querida Márcia Rócio, pelo projeto da Caps, pelas ótimas discussões, pela amizade,
e por ter me atentado para o fato de que “não ter dados é um dado”. Agradeço à
maravilhosa Raimunda, pelo projeto na Machadinha, e por estar na banca, meu
muito obrigada pela amizade, e por me ensinar e mostrar que é possível construir
alternativas frente a realidade, você é um exemplo. E obrigada, ao Felipe Brito, pelos
dois anos que fui sua monitora, por tudo que aprendi, pelas oportunidades, pela
amizade. Você é outro exemplo de professor e de lutador.
Agradeço à minha banca, ao Bruno, que compartilhou e compartilha comigo
grandes momentos, estamos juntos. À Raimunda e à minha querida orientadora
Cristina Brites, muito obrigada pela paciência e carinho, você é sensacional, todo
mundo deveria ser sua orientanda e descobrir o amorzinho e compromisso, que é
você. Também não posso esquecer da Kátia Marro, pelos semestres de orientação e
paciência comigo, que sempre desapareci.
Agradeço aos meus amados amigos de curso e do (não tão amável)
movimento estudantil, que me mostraram que outro mundo é possível e que lutar é
preciso. Despertaram em mim o meu potencial, ocupando as ruas, as praças e as
festas. Em especial, aos belíssimos companheiros do CASS, gestão 2014, ao meu
maravilhoso companheiro Lucas Brandão, e às amadas Marília, Evelyn, Juliana e
Amanda.
Agradeço aos meus amigos da luta, que juntos fazem a minha vida, nesse
mundo de barbárie, ter mais sentido. A luta que educa, cura e transforma! São
muitos os nomes (por isso não citarei), mas saibam que tenho a alegria, de junto a
vocês, construir algo muito maior que nós mesmos.
Agradeço ao meu amor, companheiro e querido Gabriel, que ao meu lado
conclui essa etapa. Obrigada por me ouvir e estar comigo, por despertar uma
tranquilidade e paz que eu nem sabia que tinha. A nós todo amor, e todas as
conquistas, que houver nessa vida.
E por fim, e não menos importante, agradeço àquelas que permeiam a quase
todos os parágrafos desse agradecimento, e a toda minha vida. Às minhas irmãs e
amigas que estão presentes na minha loucura, alegria, tristeza e TPM: Aline, Clara e
Natália (sumida). Estamos juntas no claro e no escuro!
No mais, “A estou indo embora, baby!”
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo indagar sobre as possibilidades de criação deestratégias para a objetivação dos princípios e valores inscritos no projeto ético-político profissional hegemônico. A nosso ver, esse objetivo assume relevância, umavez que os desafios colocados pela crise estrutural do capital, e o rearranjo dasfunções estatais, impactam diretamente o trabalho profissional, fazendo-senecessário refletir sobre as possibilidades inscritas na tensão trabalho assalariado eestatuto profissional. Procuramos articular um debate teórico crítico acerca daruptura do conservadorismo na profissão, e a construção do projeto ético-políticohegemônico, da mesma forma que apontamos a condição assalariada do assistentesocial, os desafios colocados pela alienação do cotidiano e as mudanças no “mundodo trabalho” que impactam diretamente nas relações de trabalho,consequentemente, no trabalho profissional. Considerando o papel estratégico dasEntidades da categoria profissional para oferecer suporte teórico, normativo e ético-político para as/os assistentes sociais,, elegemos para fins de pesquisa qualitativa, oConselho Federal de Serviço Social, reconhecendo o seu papel para fortalecerrespostas profissionais cotidianas no âmbito das Políticas Sociais Públicas, queefetivem estratégias de enfrentamento da barbárie social, da desumanização, daprecarização das condições de trabalho profissional. Nesta perspectiva, analisamosalgumas ações e publicações da gestão “Tecendo a luta da manhã desejada” (2014-2017), e os três primeiros meses da gestão “É de batalhas que se vive a vida” (2017-2020), visando identificar a atuação deste Conselho na direção de fortalecimento doprojeto profissional. Neste sentido, este trabalho pretende contribuir para o debatesobre as possibilidades e desafios da objetivação dos valores éticos no cotidianoprofissional.
Palavras – Chave: Projeto Profissional; Cotidiano Profissional; Trabalho Assalariado;
ABSTRACT
The present work aims to question possibilities of creating strategies for theobjectification of the principles inscribed in the hegemonic ethical-professional project.In our view, this objective assumes relevance, since the challenges posed by the structuralcrisis of capital, and the rearrangement of state functions, directly affect professionalwork, making it necessary to reflect on the possibilities inscribed from the salaried worktension and professional statute. We seek to articulate a theoretical-critical debate aboutthe rupture of conservatism in the profession, and the construction of the hegemonicethical-political project, in the same way that we pointed out the salaried condition of thesocial worker, the challenges posed by the alienation of daily life and the changes in the"work world" that directly impact on the labor relations, consequently, on theprofessional work. Considering the strategic role of entities to offer support, theoretical,normative and ethical-political to the field social workers. We choose for qualitativeresearch purposes, The Federal Council of Social Service, recognizing their role instrengthening day-to-day professional responses within the framework of Public SocialPolicies, that make strategies for coping with social barbarism, dehumanization, theprecariousness of professional working conditions; analyzing the actions and publicationsof the management “Tecendo a luta a manha desejada” (2014-2017), and the three first months ofthe management “É de batalhas que se vive a vida” (2017-2020). In this sense, this work intends tocontribute to the debate about the possibilities and challenges of the objectification of ethical values inthe professional daily life.
Key-words: Professional Project; Daily Life Professional; Salaried work
Tratado geral das grandezas do ínfimo
A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.Sobre o nada eu tenho profundidades.Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogio
(Manoel de Barros)
Sumário
Introdução....................................................................................................................12
Capítulo 01..................................................................................................................16
O projeto profissional hegemônico do Serviço Social brasileiro.................................16
1.1 Ruptura com o conservadorismo profissional.......................................................16
1.2 O projeto ético-político hegemônico do Serviço Social.........................................25
Capítulo 02..................................................................................................................32
Desafios para efetivação do projeto ético-político hegemônico do Serviço Social. É
tempo de resistir!.........................................................................................................32
2.1 Serviço Social e sua condição assalariada...........................................................32
2.2 Condições de trabalho e desafios profissionais....................................................37
Capítulo 03..................................................................................................................54
Projeto profissional e desafios cotidianos...................................................................54
3.1 – Serviço Social e antagonismos de classe..........................................................54
3.2 – A articulação entre o exercício profissional e as lutas coletivas da classe
trabalhadora.................................................................................................................57
APRESENTAÇÃOBambeia
CambaleiaÉ dura na queda
Custa a cair em siLargou famíliaBebeu veneno
E vai morrer de rir (Dura na queda, Chico Buarque)1
Este Trabaho de Conclusão de Curso (TCC) de Cantuária é resultado de um
processo de crises. Foi motivado pelo interesse de análise sobre a existência, ou
não, de uma crise de hegemonia do projeto ético-político profissional, decorrente da
tensão entre o estatuto assalariado do trabalho profissional e a direção social
estratégica do projeto do Serviço Social brasileiro. Foi elaborado aos solavancos em
meio à crises sucessivas que envolveram o objeto e os procedimentos de pesquisa;
as dores existenciais e as estomacais, que inadvertidamente Cantuária enfrentava à
base de coxinha e refrigerante; os impasses e os dilemas da militância política e, na
reta final, uma crise de saúde desta orientadora.
No entanto, nada disso impediu que Cantuária, como Ismália do poema de
Alphonsus de Guimaraens, quisesse, ao mesmo tempo, subir ao céu e descer ao
mar. Felizmente, não teve a mesma sorte que a Ismália do poeta e, Dura na queda,
como na música do Buarque, continuou cantando seu enredo, ainda que perdida na
avenida e fora do carnaval.
As/os leitoras/es poderão atestar a pertinência das inquietações de Cantuária,
que com este seu canto torto, feito faca, intentou cortar a carne das certezas
superficiais, do cotidiano alienado, do isolamento despolitizante, da ausência de
organização e de estratégicas coletivas que desafiam o trabalho profissional
competente e comprometido com os interesses e as lutas coletivas da classe
trabalhadora.
Uma leitura atenta deste TCC certamente identificará seus limites, muitos dos
quais atribuo ao desassossego existencial de Cantuária, aos ataques de comichão
que a impediam de ficar na sala durante toda a aula ou de concentrar suas energias
em uma única atividade. Porém, uma leitura atenta também desvelará as
1 A maioria dos trechos em itálico é parte da letra da música Dura na queda, de Chico Buarque de Hollanda, exceção feita aotrecho canto torto, feito faca, da música A Palo Seco, do compositor e cantor Belchior, que nos deixou neste ano de 2017 e aquem aproveito para render minhas homenagens.
preocupações éticas e políticas que frisam a totalidade deste trabalho, que não
oferece respostas, mas convida à reflexão crítica sobre a realidade social e
profissional e sobre a importância das estratégicas coletivas da categoria em
articulação com as estratégias de classe das/os trabalhadoras/es.
Na qualidade de orientadora, portanto totalmente implicada na avaliação que
possa se fazer dos resultados aqui apresentados, me resta atestar a intensidade do
envolvimento de Cantuária no seu processo de formação. E, pra quem sabe olhar, a
flor também é ferida aberta e não se vê chorar.
Cristina Brites
Professora Orientadora
Inverno de 2017
Introdução
O Serviço Social é “um tipo de especialização do trabalho coletivo dentro
da divisão sociotécnica do trabalho” (Iamamoto, 2008, p71), sendo o seu
significado social determinado por sua inserção na reprodução das relações sociais.
A sua emergência ocorre no período dos Monopólios, sendo uma das
especializações do trabalho coletivo chamada a responder às expressões da
questão social pela mediação das Políticas Sociais.
Se na sua gênese o Serviço Social assume um caráter conservador,
legitimando a ordem social dominante, a partir de referências filosóficas do
humanismo cristão abstrato e teóricas da tradição positivista, no seu processo de
desenvolvimento, as contradições próprias dos antagonismos de classes postos ao
trabalho profissional, abriram possibilidades para a renovação da profissão.
No Brasil, as bases para a erosão do tradicionalismo profissional surgem no
final da década de 1950, a partir do cenário político e econômico de
desenvolvimentismo (Netto, 2007), aprofundando-se a partir da autocracia burguesa,
já na metade da década seguinte. Dentro do arranjo político-econômico do
desenvolvimentismo, a/o assistente social adota a metodologia de desenvolvimento
de comunidade, contribuindo para a emergência de um pluralismo profissional, com
vertentes distintas: uma pautando o DC com o “fazer profissional” tradicional, a
segunda, articulando-se com a modernização conservadora em curso no país, e a
terceira adotando o DC como um instrumento de transformação social, na
perspectiva de libertação das classes subalternas.
Estas três vertentes foram desenvolvidas a partir, e somente, pelas
possibilidades históricas colocadas pela autocracia burguesa, como a consolidação
e ampliação de um mercado nacional de trabalho para os/as assistentes sociais, a
inserção na vida universitária, sendo elas tendências que condensaram as direções
sociais assumidas no processo de renovação do Serviço Social brasileiro. Sendo
que, em cada período, de auge, crise e declínio, uma vertente teve condições
sociais para assumir a hegemonia da categoria. Netto (2007) denominou essas três
tendências como: Perspectiva Modernizadora, Reatualização do Conservadorismo e
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Intenção de Ruptura.
A Perspectiva Modernizadora tem seu auge já no final da década de 1950, e
opera direcionando a profissão para a adequação técnica e operativa dentro do
desenvolvimentismo, e depois dentro da burocracia colocada no período da
autocracia burguesa. Ao mesmo tempo que esta tendência rompeu com o
tradicionalismo, no que diz respeito à dimensão técnico operativa, manteve na sua
fundamentação teórica e ideopolítica o conservadorismo, com uma falsa perspectiva
ética de neutralidade diante das relações sociais. E como teve a sua ascensão
atrelada ao período da ditadura empresarial-militar, a crise de sua hegemonia é
concomitante à crise da ditadura.
A tendência de Reatualização do Conservadorismo disputa a hegemonia
profissional no contexto de crise da perspectiva de modernização conservadora,
articulando elementos do personalismo cristão e da fenomenologia, se opondo tanto
à tradição positivista quanto à tradição marxista.
Com o esgotamento do regime militar, acelerado pelo cenário político de
redemocratização, a tendência de Intenção de Ruptura, assume a hegemonia
profissional tendo como quadro político o emblemático Congresso da Virada, em
1979, como marco teórico a revisão curricular de 1982 e como marco ético, a
revisão do Código de Ética de 1986. Essa tendência oferece as bases para o atual
projeto ético-político profissional, que ao longo das décadas de 1980 e 1990 adensa
seu amadurecimento teórico e ético-político.
Ancorada na tradição marxista, essa tendência se opõe radicalmente ao
tradicionalismo e conservadorismo dentro do Serviço Social brasileiro, e se aproxima
do processo de Reconceituação do Serviço Social Latino-americano, ocorrido na
década de 1960, e que tinha uma perspectiva anticapitalista e um posicionamento
em defesa da classe trabalhadora.
Na década de 1990, a profissão atinge o seu amadurecimento intelectual,
consolidando o atual projeto profissional, que tem como marcos o Código de Ética
de 1993, a Lei de Regulamentação da Profissão de 1993, e as diretrizes curriculares
de ABEPSS, de 1996. Um projeto profissional que expressa as conquistas da
categoria em termos teóricos, éticos e políticos. Um projeto profissional que se
vincula de maneira crítica à processualidade histórica da totalidade social, que tem
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como horizonte o fortalecimento das potencialidades emancipadoras da práxis,
vinculado sua direção social com a construção de um projeto societário que
proporcione a emancipação humana e o pleno desenvolvimento das capacidades
dos indivíduos sociais. Um projeto que assume um posicionamento político em
defesa dos interesses da classe trabalhadora, se posiciona e fundamenta o trabalho
profissional em categorias históricas cujo significado é apreendido no interior da luta
de classes, e cujo horizonte ético é a afirmação e realização de valores e conquistas
humano-genéricas.
Entretanto, a conjuntura sócio histórica, em um cenário de capitalismo tardio, e
o próprio caráter alienante que o cotidiano adquire, apresentam inúmeros desafios
para a efetivação do projeto profissional. A ofensiva capitalista, organizada a partir
do final da década de 1970, incide diretamente nas condições objetivas de
realização do trabalho profissional. Rebatimentos que adquirem dupla determinação:
nas relações de trabalho, que se tornam fragilizadas – trabalho precário, por
contrato, terceirizado; ao mesmo tempo que promove o desmonte das Políticas
Sociais, cortando programas e serviços, e precarizando as condições para a
realização do trabalho profissional.
Neste contexto, a barbárie e a alienação cotidianas, se expressam em
processos fragmentados que dificultam a análise crítica da realidade e impõem
desafios às/aos assistentes sociais.
Assim, no presente Trabalho de Conclusão de Curso, procuramos analisar os
limites postos à efetivação dos valores éticos inscritos no projeto profissional. Do
mesmo modo, procuramos desvelar a importância das estratégias coletivas para
enfrentar a alienação e a barbárie cotidianas no contexto atual de crise estrutural do
capitalismo, por meio de uma pesquisa qualitativa sobre as publicações,
posicionamentos políticos e frentes de luta do Conselho Federal de Serviço Social,
tomados como estratégicos para fortalecer o trabalho profissional, seja por sua
atuação nas Frentes, Comissões e Fóruns de luta, seja por suas manifestações
políticas em face dos conflitos e desigualdades sociais.
Neste sentido, no primeiro capítulo analisamos as bases da ruptura com o
conservadorismo profissional, culminando com a configuração do Projeto ético-
político do Serviço Social brasileiro, apresentando o seu direcionamento ético e
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político. No segundo capítulo, discutimos o Serviço Social como especialização do
trabalho coletivo, os constrangimentos postos pela condição de assalariamento e os
desafios colocados pela ofensiva capitalista e pelo cotidiano alienante e de barbárie
que se coloca para o trabalho da/o assistente social. No terceiro e último capítulo,
analisamos algumas publicações e posicionamentos do Conselho Federal de
Serviço Social que, a nosso ver, configuram-se como estratégias coletivas de
fortalecimento do trabalho profissional comprometido com o projeto hegemônico do
Serviço Social brasileiro e com as lutas da classe trabalhadora.
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Capítulo 01 O projeto profissional hegemônico do Serviço Social brasileiro
1.1 Ruptura com o conservadorismo profissional
A erosão do tradicionalismo no âmbito do Serviço Social brasileiro tem seu
início no final da década de 1950, a partir de um quadro social, econômico e político
de desenvolvimentismo. Entretanto, entende-se, a partir dos estudos de Netto
(2007), que com a autocracia burguesa, esse processo foi acelerado e decisivo para
a primeira ruptura dentro da profissão.
No final dos anos de 1950, a sociedade brasileira estava sob um processo de
alta industrialização e crescimento econômico, baseado numa política
desenvolvimentista. Essa política em sua primeira fase tem seu foco central em um
crescimento econômico acelerado, continuado e autossustentado, de forma a
superar o “estágio” de subdesenvolvimento, e integrar mais dinamicamente a
economia capitalista. Assim, pautado na concepção de que “desenvolvimento é ter
mais indústrias”, realizou-se a industrialização de base em todo país, principalmente
no campo, numa suposta libertação econômica, uma vez que nesta visão
conservadora e inspirada na tradição funcionalista, uns dos motivos do país estar no
patamar de subdesenvolvido, era o fato de não ser industrializado e ter uma
economia agrária (ainda não ligada ao agronegócio). Este processo resultou em
novas demandas e formas de intervenção sobre a questão social, esbarrando nas
práticas convencionais utilizadas pela/os assistentes socais, como as metodologias
de caso e de grupo; exigindo naquele momento, a necessidade de outras
modalidades interventivas, que se desdobraram em proposta de intervenção junto as
comunidades.
Mesmo mantendo as bases teóricas, a incorporação desta metodologia de
intervenção, gerou alguns desdobramentos imediatos na profissão, como analisa
Neto 2007).O primeiro foi no campo intelectual, a partir de disciplinas sociais que
apontavam questões de ordem macrossocial; ainda que a metodologia de
desenvolvimento de comunidade não rompesse com o tradicionalismo e nem com as
bases teórico-metodológicas acríticas, inspiradas na tradição positivista e no
humanismo cristão abstrato. O segundo é o fato do assistente social passa a
ingressar em equipes multiprofissionais, o que exigia interlocução com outras áreas
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do conhecimento e aprofundamento dos pressupostos da atuação profissional.. E o
terceiro é o relacionamento que passa a ser desenvolvido entre o profissional e os
aparelhos administrativos e decisórios do Estado, aproximando-o das discussões
políticas.
Este novo processo polarizou, a curto prazo, os novos quadros de assistentes
sociais. Conjuntamente a realidade nacional, na qual via-se de um lado o cenário
nacional de superação do subdesenvolvimentismo, que contava com estudos na
área das ciências sociais, na política governamental, e no modelo econômico
aplicado. E do outro lado, o crescimento do Desenvolvimento de Comunidade, na
qual uma parcela das/os assistentes sociais encontravam formas interventivas mais
adequadas a realidade brasileira. É nesta segunda parcela de assistentes sociais
que se gesta o embrião da ruptura com o tradicionalismo, uma vez que as/os
profissionais passam a realizar práticas e representações de acordo com a realidade
nacional, visando a superação dos antigos métodos de intervenção importados dos
EUA. (idem).
As necessidades postas pelo projeto de modernização conservadora assumido
pela autocracia burguesa, especialmente a partir do golpe empresarial militar de
1964, rebatem diretamente na dinâmica profissional e configura-se como uma das
bases de erosão do Serviço Social Tradicional. Tanto que no II CBAS, em 1962, a
categoria passa a enfatizar “a intervenção profissional inscrita no
Desenvolvimento de Comunidade como aquela área do Serviço Social a
receber dinamização preferencial, situada como a ponta da profissão e a mais
compatível com o conjunto de demandas da sociedade brasileira” (idem, p139).
Assim, passa-se alguns elementos que contribuem para erosão do tradicionalismo
presente na profissão: o primeiro é a necessidade de se sincronizar com as
mudanças econômicas e sociais do Brasil, sob risco de ficar no segundo plano. O
segundo é a necessidade de elevar e aprofundar o padrão técnico, cultural dos
profissionais, assim como as entidades do Serviço Social. O terceiro diz respeito à
reivindicação de inserção da profissão no âmbito da gestão das políticas e não
apenas na execução. Deste modo, como expressão de uma das dimensões da
erosão do Serviço Social tradicional, os três elementos revelam como a postura
tradicional formação teórica defasada e subalternidade, estavam em total
17
dissonância com as exigências daquele tempo histórico.
Estes sinais que, em finais da década de 1950, já apontavam a erosão do
tradicionalismo, não esgotam por si só, esse processo que é aprofundado anos
seguintes, por determinações sociais que incidem diretamente no Serviço Social.
Fatores vinculados a conjuntura política nacional entre os anos de 1961 – 1964,
como a instabilidade democrática na sociedade e no Estado (idem), rebatem na
profissão, por mediação, de quatro formas distintas.
A primeira é o amadurecimento no estabelecimento de relações, de uma parte
dos assistentes sociais, com outros seguimentos, tais como profissionais de outras
áreas, grupos sociais e, setores da sociedade politicamente organizados. O segundo
é o distanciamento e a redução da influência dos setores tradicionais da Igreja
Católica, decorrente do surgimento de setores progressistas/ de esquerda dentro do
catolicismo, influenciando os profissionais, além do aprofundamento do processo de
laicização profissional. O terceiro é o surgimento do movimento estudantil nas
escolas de Serviço Social. E o quarto são as transformações no âmbito das ciências
sociais, que passam assimilar referenciais mais críticos, alguns de perspectiva
nacional popular.
Estes componentes distintos rebateram na profissão de duas formas: na crítica
da prática e representações “tradicionais”; proposição de práticas e representações
profissionais que atendessem as novas exigências da conjuntura e do mercado
profissional em expansão.
Vislumbra-se, no primeiro lustre dos anos sessenta, um duplo e simultâneomovimento: o visível desprestígio do Serviço Social “tradicional” e acrescente valorização do que parecia transcendê-lo no próprio terrenoprofissional, a intervenção no plano “comunitário” (NETTO, 2007, p140).
Estas questões, diante do quadro interno da categoria, e das tensões
previamente existentes, contribuíram para a emergência de três formas distintas de
compreensão e apropriação da metodologia de Desenvolvimento de Comunidade.
Uma vincula o Desenvolvimento de Comunidades ao “fazer” profissional pautado no
tradicionalismo. Uma segunda, que articula o Desenvolvimento de Comunidades
com uma análise macrossocial, sem, contudo, formular uma crítica à realidade
legitimando e sendo funcional a lógica capitalista, inclusive criando uma identidade
entre as finalidades profissionais com as finalidades do projeto de desenvolvimento
18
econômico adotado pelos governos. E uma terceira corrente, que compreende o
Desenvolvimento de Comunidades como um instrumento/ processo de
transformação social que conecta-se com a libertação das classes e camadas
subalternas. (NETTO, 2007).
Nesta processualidade histórica, horizonte de ruptura com o tradicionalismo
profissional seria (e foi) inevitável, assumindo direções diversas. Entretanto com o
golpe empresarial militar, e o surgimento da autocracia burguesa, o processo foi
acelerado bruscamente, apresentando com a “modernização conservadora” a sua
crise. Impediu que todos os protagonistas sociopolíticos de linha democrática, tanto
para a condução da sociedade quanto do Estado, pudesses dar uma resposta a
ruptura do Serviço Social tradicional, dando a linha política e técnica para o
processo.
Da mesma forma que os fundamentos do tradicionalismo entram em colapso e
vão se diluindo, aspectos do conservadorismo sociopolítico se entranha em outros
elementos de fundamentação e legitimação do Serviço Social e se perpetua – como
a base teórica. Dentro desse cenário, só uma tendência se desenvolverá (trataremos
a seguir), e as demais tendências, impossibilitadas de manifestar-se devido a
conjuntura político e social, ganham contraditoriamente nos anos por seguinte
espaço para o seu florescimento. E foi a partir desse cenário de erosão do
“tradicionalismo profissional”, que se criou um chão histórico no qual há a
possibilidade de gestão do embrião da renovação do Serviço Social brasileiro.
No contexto da autocracia burguesa, o processo de modernização
conservadora ampliou e consolidou o mercado de trabalho das/os assistentes
sociais. Isto porque o Estado autocrático burguês orienta suas intervenções para
responder as exigências do padrão de acumulação capitalista daquela
modernização conservadora, que produz aumento e concentração da riqueza,
consequentemente, o acirramento das expressões da questão social no cenário
nacional. O Estado no seu papel de regulação social, reformula e amplia as Políticas
Sociais, na perspectiva de socialização dos custos de reprodução da força de
trabalho, de manutenção de padrões de consumo e de controle/opressão dos
segmentos insatisfeitos. Houve, portanto, uma ampliação do mercado profissional de
trabalho e novas exigências institucionais que expressavam a lógica do controle
19
burocrático de procedimentos e atividades e controle das/os usuários atendidos pelo
serviço social.
E neste sentido, aconteceu uma reformulação dentro das Políticas Sociais,
tanto pela demanda crescente, que impulsionou o dimensionamento das políticas
Sociais para a cobertura nacional, quanto pela reconfiguração do processo de
trabalho no qual as/os assistentes sociais se inseriam. Vale a pena ressaltar que
Esta reformulação foi tanto organizacional quanto funcional: não implicousó uma complexificação (a que correspondeu uma vaga de burocratização)dos aparatos que se inseriam os profissionais; acarretou igualmente, umadiferenciação e uma especialização das próprias atividades dos assistentessociais, decorrentes quer do elenco mais amplo das políticas sociais, querdas próprias sequelas do “modelo econômico (2007, p121)
A ampliação dos locais de trabalho da/o assistente social, neste período,
também se estende ao setor provado. Seja nas empresas capitalistas ou estatais, q
a tendência dominante das demandas colocadas à atuação profissional era de
regular e controlar a força de trabalho. Como também, a ampliação no chamado
“terceiro setor”, nas entidades filantrópicas que passaram a atuar numerosamente
diante do crescimento do pauperismo (absoluto ou relativo) de amplos setores da
população brasileira.
Este cenário nacional de consolidação do mercado de trabalho, exigiu um novo
padrão de desempenho da/o assistente social, em todos os seus espaços sócios
ocupacionais. Mesmo permanecendo majoritariamente como executor final das
Políticas Sociais, a/o assistente social foi incorporada/o em estruturas
organizacionais mais complexas, marcadas pela burocratização, que alterou a
relação dos profissionais com os recursos, com a hierarquia, com as/os usuários de
serviços, etc. Assim, a/o assistente social, diante da burocratização administrativa
que atendia aos objetivos da modernização conservadora, passou a investir em um
perfil mais moderno, adequado às normas e finalidades do mercado profissional, que
adquiria um padrão mais burocrático e hierarquizado na relação com suas/seus
usuárias/os de serviços. O mais importante a se destacar nesse processo de
mudanças conduzida pela autocracia burguesa, é a configuração de um novo perfil
profissional, vinculados as exigências do mercado de trabalho. O assistente social
neste período deveria ser “moderno”, deixar os traços ligados ao “tradicionalismo”, e
adorar uma postura e os procedimentos técnicos “racionais”.
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Conjuntamente, pela própria expansão do mercado de trabalho, no período dos
governos militares ampliou-se significativamente o número de novos assistentes
sociais. Com a expansão das Universidades, ampliou-se o número de cursos de
Serviço Social. Essa multiplicação de cursos ligados à Universidade rompeu com
todos os processos utilizados no ensino profissional “tradicional”, tal como o
paroquialismo e o confessionalismo; e introduzindo formalmente a profissional na
vida universitária (idem). Este processo de formação foi impregnado por novas
exigências “quer da reformulação global da universidade pelo regime
autocrático burguês, quer da sua própria virgindade acadêmica; se se
conectam uma e outros, compreende-se por que essa formação mostrou-se
tão vulnerável aos constrangimentos gerais do ciclo ditatorial”. (idem, p 125) A
formação universitária, mesmo num contexto no qual a Universidade estava
constrangida pela repressão ditatorial, propicia a crítica dirigida à compreensão da
profissão e dos processos vivenciados no país; mesmo no interior de um projeto de
formação alinhado a perspectiva de modernização conservadora.
Assim, a conjugação desses elementos levou a um o processo contraditório,
fomentando direções contrários aos interesses da ordem burguesa. Porque
primeiramente, de forma institucional tem-se uma preocupação com estudos e
pesquisas que assegurassem pressupostos à dimensão técnico operativa em
articulação com as áreas de conhecimento ligadas às ciências sociais e à psicologia
social. Reconhecendo a ausência de uma tradição teórica para a construção dessa
dimensão, e investe-se na pesquisa no âmbito da formação profissional; processo
que contraditoriamente abrigou traços conservadores, autoritários, fruto até mesmo
do período ditatorial, mas também propiciando a emergência de visões críticas.
Outro ponto de contradição foi a incorporação de quadros docentes para esses
novos cursos, provindos do período anterior, ou já formados nesse processo,
carregando em si, traços da formação “tradicional”, ou do próprio momento da
ditadura. Essa incorporação proporcionou principalmente, que os antigos
profissionais pudessem exercitar e acumular conhecimento crítico sobre a profissão
e os processos sociais, antes inexistentes.
Estes dois aspectos do mesmo processo, de expansão do mercado de trabalho
e da inserção e expansão de cursos de Serviço Social nas Universidades, se
21
articulam para o processo de renovação profissional. Isto porque, estes dois fatores,
conjuntamente com a laicização da profissão, já existente, possibilitaram a
diferenciação da categoria em todas as dimensões, assim como uma disputa de
hegemonia sobre o seu direcionamento. Quadro bastante diverso daquele existente
antes da metade da década de 1960, no qual o Serviço Social não apresentava
grandes polêmicas quanto ao seu direcionamento político e de suas práticas
profissionais, sendo quase uma categoria homogênea.
Neste contexto configura-se uma tendência que vai além das requisições que a
autocracia burguesa demanda ao Serviço Social, pois além dos setores que se
adéquam e atendem à burocracia e a funcionalidade do sistema, surgem segmentos
de oposição e enfrentamento ao status quo. O ingresso na Universidade, a formação
da profissão, a expansão do mercado nacional de trabalho, propiciaram as
condições parar o desenvolvimento e ampliação de segmentos profissionais críticos
e de oposição ao regime. Resumidamente, nas palavras de Netto
isto equivale afirmar que, instaurando condições para uma renovação doServiço Social de acordo com suas necessidades e interesses, a autocraciaburguesa criou simultaneamente um espaço onde se inscrevia apossibilidade de se gestarem alternativas às práticas e as às concepçõesprofissionais que ela demandava. (2007, p. 129)
A renovação do Serviço Social brasileiro é marcada, portanto, pela instituição
de um pluralismo profissional, que envolve disputas de caráter ideológico, teórico e
político; exorcizando a ideia de uma tradição homogênea ideal; pela diferenciação
entre as tendências e concepções profissionais, proporcionada pelo contato com
diversas matrizes teóricas; acabando com a concepção de uma identidade única
profissional; pela inserção nas áreas e discussões no âmbito das ciências sociais,
não apenas como mero reprodutor do que é estudado, mas também área de
pesquisa e produção de conhecimentos. Além disso tem-se a construção de uma
vanguarda profissional, que não se encontrava apenas na acadêmia, e que produzia
conhecimento fruto de pesquisas.
A partir destes elementos Netto (idem) analisa três tendências profissionais que
condensam as direções sociais assumidas pelo processo da renovação do Serviço
Social brasileiro. A primeira tendência, que tem seu auge no final da década de
1960, é denominada pelo autor como perspectiva de modernização conservadora,
que operou o direcionamento da profissão para a sua adequação técnica e operativa
22
aos marcos do desenvolvimento brasileiro, e as requisições burocráticas da
autocracia burguesa. Seus grandes marcos são os textos de Araxá e Teresópolis,
sua hegemonia será suplantada na década seguinte.
O núcleo central desta tendência se alinha ao projeto de desenvolvimento
brasileiro, considerando a/o assistente social como agente dinamizador e integrador
no processo desenvolvimentista; dando seguimento às concepções profissionais da
década de 1950. Entretanto, ao mesmo tempo que dá seguimento a esta
concepção, rompe com o ideário de uma parcela da categoria que acreditava que
com o desenvolvimento, possibilitaria condições de superação da ordem
estabelecida; assim, a modernização vai na perspectiva de acolher técnicas e
instrumentos que respondem as requisições impostas pela sociedade neste período
histórico. Em relação a direção teórica da profissão não ha a negação da base
filosófica, ainda “tradicional”, mas há sim, a perspectiva de “inseri-los em uma
moldura teórica e metodológica menos débil, subordinando aos vieses
‘modernos’ – donde, por outro lado, o lastro eclético que é portadora” (idem,
p155).
A trajetória e o desenvolvimento dessa perspectiva tem relação direta com o
golpe empresarial militar, com a abertura e expansão de espaços sócio ocupacionais
(no âmbito do Estado e do setor privado) e com a sua burocratização. Assim, a crise
da autocracia burguesa, na década seguinte, também rebate sobre esta perspectiva,
crescendo a influência das outras duas tendências profissionais, uma de cariz
reformista e reatualizador dos traços mais conservadores da profissão; e a outra de
cariz crítico e que oferecia resistência ao regime militar.
Com a crise de hegemonia da perspectiva de modernização conservadora, a
segunda tendência que ganha força no âmbito profissional é a perspectiva de
reatualização do conservadorismo, que recupera a herança do Serviço Social
“tradicional”, mas sob outra roupagem, mais sofisticada, se colocando como uma
“nova” proposta metodológica e teórica que, ao mesmo tempo confronta as bases da
tradição positivista e s referenciais da tradição marxista. Tal perspectiva articula
concepções de homem e de sociedade advindas do personalismo cristão e da
fenomenologia, visando assegurar a modernização requerida ao exercício
profissional. Por isso foi considerada por Netto como reatualização do
23
conservadorismo, como se colocasse no horizonte um “museu de grandes
novidades”.
Com a acentuação da crise da autocracia burguesa, e conjuntamente com o
ressurgimento dos trabalhadores na arena política, a terceira tendência cujas
origens encontram-se na experiência do Método BH, denominada por Netto de
Intenção de Ruptura, conquista a hegemonia profissional em finais da década de
1970 e oferece as bases para o atual projeto ético-político profissional do Serviço
Social brasileiro. A perspectiva de intenção de ruptura elabora uma crítica aos
elementos teórico metodológico e os e ideopolíticos do conservadorismo
profissional. Resgatando as tendências profissionais mais críticas da década de
1950 visando a ruptura política no âmbito da intervenção profissional em face das
demandas colocas pelo projeto de desenvolvimento econômico adotado pela
autocracia burguesa.
O referencial teórico desta perspectiva é buscado no marxismo, e seu
desenvolvimento é limitado durante a vigência da autocracia burguesa, conquistando
a hegemonia profissional apenas no período de crise ditatorial e na abertura dentro
das universidades para o “marxismo acadêmico”, ganhando força principalmente no
período de luta pela redemocratização da sociedade brasileira, arrastando e
animando diversas camadas de profissionais. Assim, nos primeiros anos da década
de 1980, essa tendência assume a direção estratégica da formação e do trabalho
profissional.
Podemos apontar como principal característica desta perspectiva a oposição
ao Serviço Social tradicional e sua herança que permanecia influenciando a
profissão. A perspectiva de intenção de ruptura é também a vertente profissional
que, no âmbito da renovação do Serviço Social brasileiro, mais se aproxima do
processo de reconceituação latino-americana do Serviço Social, ocorrido na década
de 1960 nos países da América Latina, que continha perspectiva anticapitalista e a
defesa dos direitos da classe trabalhadora.
Em linhas gerais podemos concluir que as mudanças operadas pelo Estado
autocrático burguês (Netto), incidiram de forma decisiva no processo de renovação
do Serviço Social brasileiro, contribuindo para a emergência de três projetos
profissionais distintos. Vimos que a perspectiva modernizadora se beneficia da
24
supressão política de todas as críticas contra o conservadorismo, e pode se
desenvolver em decorrência do projeto de modernização conservadora do regime
ditatorial e do próprio modelo burocratizado de universidade. A perspectiva de
reatualização do conservadorismo pode de desenvolver pelo cariz conservador e
eclético de suas formulações, tolerado pela autocracia burguesa. A perspectiva de
intenção de ruptura foi constrangida por seu cariz crítico e sua resistência política à
ditadura, principalmente entre 1968-1969. Estes elementos integram o processo de
ruptura com o conservadorismo profissional, proporcionando uma nova direção para
o projeto profissional.
A nova direção ético política da profissão , cuja hegemonia é conquistada a
partir de meados da década de 1980, alcança o seu amadurecimento teórico e
político nos anos de 1990, com a consolidação do projeto ético-político profissional,
que tem como marcos o Código de Ética de 1993, a Lei de Regulamentação da
Profissão de 1993, e as diretrizes curriculares em 1996. Trata-se de um projeto
profissional que condensa as conquistas da categoria em termos de seu
amadurecimento intelectual, ético e político. Um projeto cujos fundamentos se
vincula à processualidade histórica da totalidade social, vislumbra o fortalecimento
das potencialidades emancipadoras da práxis, se vincula às lutas pela construção de
uma nova ordem societária que propicie a emancipação humana e o pleno
desenvolvimento das capacidades dos indivíduos sociais. Um projeto profissional
que assume abertamente seu posicionamento político em defesa dos interesses da
classe trabalhadora, fundamentando o trabalho profissional em categorias histórico-
sociais cujo significado é dado pela luta de classes e cuja direção ética visa a
realização de valores e conquistas humano-genéricas. Aspectos que serão
analisados a seguir.
1.2 O projeto ético-político hegemônico do Serviço Social
O atual projeto ético-político do Serviço Social, fruto de determinações
históricas e teóricas, expressa o amadurecimento e acúmulo realizado desda
década de 1980, contexto no qual a categoria profissional rompe com o projeto
conservador, assumindo uma perspectiva teórico crítica para análise da realidade
25
social e profissional, um compromisso político com os interesses da classe
trabalhadora e promove intensa revisão em seus aportes filosóficos, teóricos e
normativos. O atual profissional hegemônico compromete-se com os valores
emancipatórios, fortalece o trabalho profissional que visa a ampliação da liberdade e
é contrário a qualquer tipo de opressão e exploração. Mas antes da análise de sua
direção ético-política, assim como de seus fundamentos teóricos e pressupostos
valorativos, consideramos importante tratar de alguns aspectos que configuram os
projetos coletivos, situando neste debate o projeto profissional.
Na vida cotidiana, indivíduos sociais, projetam suas ações para atingir
finalidades, essa ação teleológica é inerente ao ser social, sendo realizada
individualmente ou coletivamente. Assim, o ato de projetar está implícito nas nossas
ações, compreendendo que projetar nos remete a intencionalidade, portanto,
envolve conhecimento da realidade sobre a qual pretende-se intervir, os meios e os
valores que serão legitimados. Desta forma, o ato de projetar pode ocorrer de forma
coletiva ou individual, compreendendo assim os projetos coletivos, e os projetos
individuais.
Os projetos coletivos, tem alcances diferentes, podem ser projetos societários,
ou por exemplo, projetos profissionais. O primeiro é aquele que formula um ideário
de sociedade, ancorados e legitimados pela escolha de valores e por um
determinado modo de funcionamento, estrutural e superestrutural. A sua construção
possui o máximo de abrangência, com a ampla participação dos indivíduos, podendo
absorver, ou transformar, as pautas, demandas e aspirações que surgem a partir da
conjuntura histórica.
Em uma sociedade de classes, existirão sempre projetos societários que
proclamem os valores e interesses da classe que representam; no caso da
sociedade capitalista, existe o projeto da burguesia, que conserva os valores e
meios já hegemonicamente vigentes; e o projeto da classe trabalhadora, que
proclama valores emancipatórios e meios produtivos socializados. Esses projetos
sempre estarão em disputa, comportando internamente relações de poder, que
expressam a sua dimensão política.
Os projetos profissionais, por sua vez, são mais restritos, dizem respeito
apenas as profissões regulamentadas e organizadas politicamente. Estes projetos
26
representam a autoimagem da profissão, demostram os valores que os legitimam, e
colocam os objetivos e requisitos para seu funcionamento (Netto, 1996). Seus
componentes dizem respeito aos aportes teóricos e a regulamentação que orientam
a formação e o trabalho profissional, os valores e compromissos assumidos e a
normatização de uma ética profissional (o Código de Ética). A sua construção, que é
coletiva e plural, não se realiza apenas pelos segmentos inseridos no mercado
profissional de trabalho vinculado às Políticas Sociais, mas também pelo conjunto da
categoria, pesquisadores, docentes, sindicatos, e até mesmo os seus discentes;
podendo, desta forma, incorporar ou modificar, de forma dinâmica, as pautas e
necessidades, tudo de acordo com a conjuntura colocada e pelas necessidades
profissionais.
Todo projeto de uma profissão é possuinte de uma direção política, tanto no
macro, articulado com projetos de sociedade; quanto no aspecto micro, referente a
profissão. Podendo haver concepções distintas, dentro da categoria, sobre o
direcionamento político do projeto social e profissional, isto porque, a unidade
existente não é homogenia, existindo distintas concepções político-ideológico entre
seus participantes Assim, mesmo adiante da hegemonia conquistada por
determinado projeto profissional, diante do pluralismo, temos a disputa de projetos
distintos no âmbito da profissão. Esta disputa, por seu turno, também representa a
disputa entre projetos de sociedade, dada as mediações existentes entre projeto
profissional e projeto societário..
Na sua composição, como mencionado anteriormente, o projeto profissional
implica na articulação de vários componentes “uma imagem ideal da profissão, os
valores que a legitimam, sua função social e seus objetivos, conhecimentos
teóricos, saberes interventivos, normas, práticas etc” (Netto, 1996,p 97-98).
Sendo importante frisar que em todas as dimensões são atravessadas por uma
valorização ética, uma vez que todo projeto profissional, necessariamente, tem uma
fundamentação valorativa, de natureza ética.
Assim, podemos constatar que os elementos éticos não estão apenas
presente no código de ética, mas também na escolha do referencial teórico,
ideológico, e no direcionamento político. Isto porque toda perspectiva teórica
expressa em si uma visão de homem e de sociedade, assim, assumem uma
27
orientação valorativa para as atividades práticas, que por sua vez, possuem um
direcionamento ideológico e político. Por isso também sua função política, pois ela
também prevê uma ação, consciente ou não; e é “por isto mesmo, a
contemporânea designação dos projetos profissionais como projetos ético-
políticos revela toda a sua razão de ser: uma indicação ética só adquire
efetividade histórico concreta quando se combina com a direção político-
profissional” (Netto, 1996, p99).
O projeto ético-político do Serviço Social brasileiro reconhece, a partir da
ontologia do ser social, a liberdade como valor ético central. Liberdade
compreendida historicamente, como capacidade humana de criar alternativas para o
atendimento de necessidades, explicitando as demais capacidades humano-
genéricas, como a consciência, a sociabilidade e a universalidade. Vincula-se à
realização de alternativas e de escolhas, que favoreçam a autonomia e a expansão
do desenvolvimento dos indivíduos na direção de sua emancipação.
A liberdade é concebida como valor ético central, porque a base teórica que
fundamenta o projeto hegemônico profissional é a ontologia do ser social de Marx,
abordagem ontológica que inscreve os valores e a ética como produto da práxis
cujos fundamentos são dados pelo trabalho. Somente com a objetificação do
trabalho é propiciado a construção do ser social e o desenvolvimento de
capacidades humanas essenciais, que tornam os indivíduos sociais capazes de agir
conscientemente, de modo livre e universal, orientado por valores construídos a
partir da sua experiência prática. É a partir da transformação da natureza, por meio
do trabalho, que o ser social se transforma, respondendo necessidades, criando
outras necessidades, e ampliando suas capacidades, criando alternativas. Como
afirma Barroco
A objetivação do trabalho propicia o desenvolvimento de certas capacidades
que instituem um modo ser, diverso de outros seres existentes na natureza:
um ser social capaz de agir conscientemente a natureza e ai mesmo,
responde a necessidades, cria alternativas, institui a possibilidade de
escolher entre elas e produz socialmente um resultado objetivo que amplia
suas capacidades, criando novas alternativas, gestando, com isso,
condições objetivas para o exercício da liberdade. (2012, p54)
A ética é considerada pela abordagem ontológica como uma práxis, uma vez
28
que visa a transformação das escolhas alternativas de valor dos indivíduos sociais
na direção da realização de práticas que ampliem as possibilidades de liberdade.
Entretanto, na sociedade capitalista, que se funda a partir apropriação privada dos
meios e dos produtos da produção, via exploração da força de trabalho, as formas
de objetivação da ética encontram limites para sua efetivação plena, ou seja, de
forma livre, universal, consciente, e na direção da emancipação, o que não quer
dizer que por isso a sua efetivação, mesmo que parcial, fique totalmente
impossibilitada.
Os valores podem objetivar-se porque eles não são concepções abstratas, mas
produtos da materialidade da atividade que o realizou; dessa forma, eles só ganham
substância se realizados na prática social, e não em retóricas vazias.
Assim, a liberdade passa a ser valorizada positivamente, uma capacidade
humana na direção de sua emancipação. Compreende-se como valor, a partir de
Heller, todas as relações, ações que contribuem para a emancipação humana; “que
fornecem aos homens maiores possibilidades de objetivação, que integram sua
sociabilidade, que configuram mais universalmente sua consciência e que
aumentam sua liberdade social” (Heller, apud, Barroco, 2012, p57).
Assim, o projeto ético-político coloca a emancipação humana como valor de
caráter humano genérico central, sendo ela a sua finalidade ético-político mais
genérica. A liberdade, justiça social, democracia e equidade, são valores essenciais,
que apresentam-se como formas de viabilizar esse objetivo. Entende-se como
emancipação humana, o desenvolvimento das capacidades do ser social,
considerando a participação igualitária dos indivíduos sociais no acesso às
conquistas do gênero e a superação de todas as formas de opressão e dominação.
A defesa destes valores centrais, supõe o reconhecimento teórico e político da
necessidade de fortalecimento das lutas sociais que apontem para a construção de
uma nova ordem social, livre de todas as formas de opressão e dominação, de
classe, de gênero e étnico-racial. Por isso, o Código de Ético da/o assistente social,
articula duas dimensões estratégicas da mesma direção social, uma que considera
as possibilidades efetivas de realização destes valores no âmbito do trabalho
profissional e outra que articula o fortalecimento das lutas sociais que afirmam estes
mesmos valores. Trata-se do reconhecimento teórico das mediações existentes
29
entre projeto profissional e projeto de sociedade e dos limites de objetivação desses
valores na sociabilidade burguesa, no âmbito das Instituições. Entendendo a plena
realização de tais valores se inscreve nas possibilidades inscritas no interior da luta
de classes, sem, no entanto, abrir mão de sua defesa e das estratégias para sua
ampliação, mesmo diante dos limites da ordem burguesa.
Os Direitos Humanos são concebidos historicamente e sua defesa
intransigente tem como referências as lutas concretas de enfrentamento de diversas
formas de degradação de vida de indivíduos sociais de determinada classe. Trata-se
do reconhecimento político da existência de uma parcela da população a qual é
negada acesso a bens e serviços e que sofre diversas formas de violação da sua
humanidade.
O reconhecimento do pluralismo de concepções teóricas e posicionamentos
políticos se vincula ao campo da democracia, portanto, recusa-se todas as
manifestações de caráter autoritário, conservador e discriminatório. O enfrentamento
do preconceito articula-se com valores como o respeito e a alteridade, que são
mediações dos valores centrais de liberdade e equidade.
A direção política do projeto profissional é em favor da equidade e da justiça
social, em uma perspectiva de acesso aos bens e serviços; na defesa e ampliação
da cidadania, direitos civis, políticos e sociais da classe trabalhadora. Se colocando
na defesa radical da democratização e socialização da riqueza socialmente
produzida, assim como da participação política nas esferas decisórias.
A competência teórico-metodológica é considerada uma exigência ética, na
medida em que favorece a fundamentação crítica e a qualidade do trabalho
realizado, o que requer compromisso com o aprimoramento intelectual do
profissional. Neste sentido, defende-se uma formação profissional permanente,
qualificada e comprometida com os fundamentos teóricos metodológicos, que
possibilitem uma análise crítica da realidade social e profissional Do mesmo modo, o
estímulo de uma postura investigativa sistemática. Os pressupostos teóricos, os
princípios e valores ético-políticos do projeto hegemônico do serviço social brasileiro,
também oferecem parâmetros para a democratização da relação entre a/o
profissional e as/os usuárias/os, afirmando o compromisso com a qualidade dos
serviços prestados e com a publicização de recursos e informações institucionais e
30
resultados de pesquisas que envolvam interesses das/os usuárias/os, ampliando as
possibilidades de sua participação em decisões institucionais que digam respeito
aos direitos.
Desta forma o projeto profissional do Serviço Social brasileiro assume
explicitamente o compromisso político em defesa das necessidades e interesses da
classe trabalhadora, da construção de outra sociedade, que possibilite o pleno
desenvolvimento dos valores emancipatórios. Uma sociedade nas quais homens e
mulheres possam realizar escolhas conscientes e livres e em condições objetivas
para o desenvolvimento das capacidades humano-genéricas. Como analisa Neto
(1996), o projeto profissional será potencializado em seus componentes ético-
políticos pela articulação com outras categorias profissionais, movimentos sociais e
segmentos da classe trabalhadora organizada que compartilhem da mesma direção
social no interior da luta geral das/os trabalhadoras/es.
31
Capítulo 02Desafios para efetivação do projeto ético-político hegemônico do Serviço Social. É tempo de resistir!
2.1 Serviço Social e sua condição assalariada
O Serviço Social é uma profissão socialmente produzida, que atende a
necessidades de reprodução social pela mediação de Políticas Sociais, formuladas
como parte das respostas aos antagonismos entre capital/ trabalho. Por sua
inserção na divisão social e técnica do trabalho, sua atividade responde, ao mesmo
tempo, aos anseios capitalistas, e necessidades da classe trabalhadora. Assim,
configura-se como um tipo de trabalho especializado, inserido na reprodução das
relações sociais2, na era dos monopólios, voltado a responder as expressões da
questão social. De acordo com Iamamoto:
Sua razão de ser é dada pela contribuição que possam oferecer, poisque se encontram vinculados às estruturas de poder, à criação decondições político-ideológico favoráveis à manutenção das relaçõessociais, configurando-as como harmônicas, naturais, destruídas dastensões que são inerentes. Tratam, ainda, de reduzir as arestas darealização problemática da expansão do capital, determinada pela leigeral da acumulação: a miséria coletiva dos produtores diretos (2008, p86).
Deste modo, como agentes desta profissão, as/os assistentes sociais se
configuram como trabalhadores assalariados, vendem a sua força de trabalho e em
contrapartida recebem um salário que garante a sua reprodução. Assim, além de
possuírem um saber teórico e técnico operativo específico, que reflete no seu
trabalho concreto; o seu trabalho tem também uma dimensão abstrata, na medida
em que é também dispêndio de força física e psíquica – o que os iguala a todo
trabalhador –, abstraindo suas determinações qualitativas; não possuindo controle
exclusivo sobre os rumos e o modo de realizar o seu trabalho (os
meios/instrumentos e a finalidade). E como assalariado, passa a sofrer os mesmos
dilemas e impactos impostos a classe trabalhadora: a precarização das relações
trabalhistas e das condições de trabalho; e a alienação de não se reconhecer
2 Entendemos que a reprodução das relações sociais não se restringe apenas à reprodução da exploração da força de trabalho e à manutenção da acumulação, mas como aponta Iamamoto (2008, p. 72) “é a reprodução da totalidade do processo social, a reprodução de determinado modo de vida que envolve o cotidiano da vidaem sociedade: o modo de viver e de trabalhar, de forma socialmente determinada, dos indivíduos em sociedade”.
32
naquilo que faz.
Como trabalhadoras/es assalariadas/os, as/os assistentes sociais, se
encontram submetidas/os às condições reguladoras das relações de trabalho e ao
patronato que estabelece as condições e a intensidade com que o seu trabalho deve
se realizar, sua jornada de trabalho, produtividade, salário, etc. Assim, as
transformações do mundo do trabalho e o tensionamento na correlação de forças
entre capital e trabalho, incidem diretamente no trabalho profissional da/o assistente
social.
O seu empregador, além de meios e instrumentos de trabalho, delimita
também as demandas que chegam até a instituição, e consequentemente, aquelas
dirigidas à/ao assistente social; colocando, neste sentido, um recorte na intervenção
profissional. As exigências e requisições impostas pelo patronato, seja estatal ou
privado, se alteram ou se complexificam de acordo com o arranjo das forças
produtivas, isto porque, é a partir da organização da estrutura social que são
geradas as contradições na sociedade capitalista, refletindo (não mecanicamente)
nas respostas dos atores da superestrutura, que determinam as condições de
realização do trabalho profissional (idem).
Deste modo, a partir das análises de Iamamoto (2008), podemos considerar
que o exercício profissional se constrói a partir da direção teórica e política dada
pelos seus agentes, a partir de um determinado projeto profissional, e nas condições
concretas de trabalho nas quais realiza a sua atividade laborativa. Este processo
pode levar a uma relação contraditória, na qual, o discurso apresentado pela/o
profissional não consegue se efetivar na prática, pois como já colocamos, não é
ela/ele que delimita em que condições e como trabalhará; ou em outras palavras,
pode-se ocorrer uma diferença entre a intenção projetada no discurso profissional, e
o trabalho profissional.
O caráter contraditório do trabalho profissional, decorrente de sua inserção na
divisão social e técnica do trabalho, é acentuado na medida em que a profissão
adotou um projeto profissional que contem uma direção societária oposta ao projeto
societário capitalista. Acentua-se a tensão do trabalhador assalariado, que tem a sua
atividade condicionada ao poder dos empregadores e de condições externas (mas
que podem ser questionadas coletivamente), e a direção social estratégica do
33
projeto profissional hegemônico. Tensão que não elimina a condição da/o
profissional como sujeito histórico dotado de capacidade de liberdade e de
intervenções práticas teleologicamente orientadas. Esta tensão pode contribuir com
formas limitadas de apreensão da realidade social e profissional, sendo recorrente a
noção de que “na prática a teoria é outra”, como se no exercício profissional os
princípios, valores e direção política afirmado pelo projeto ético-político fossem
impossíveis de se realizar. Esta compreensão equivocada da relação entre teoria e
prática, fortemente influenciada pela tradição positivista, revela a dificuldade de
apreensão dialética das mediações existentes entre as elaborações teóricas e as
condições objetivas do exercício profissional, as contradições no interior da luta de
classes e suas expressões particulares no cotidiano profissional.
Devemos considerar, dentro do campo das contradições, que o trabalho
profissional é polarizado pelos interesses do seu empregador e dos usuários, que
por pertencerem a classes sociais opostas, possuem interesses antagônicos. De um
lado, os objetivos do Estado, em seu papel regulador (seu maior empregador), que
hegemonicamente representa a burguesia e seu projeto, e do outro, os interesses
das/os usuárias/os, que compõem a classe subalterna, que historicamente, quando
classe para si, reivindica a participação e o acesso à riqueza socialmente produzida.
Assim, no cotidiano profissional, o profissional “reproduz também, pela mesma
atividade, interesses contrapostos que convivem em tensão. Responde tanto
as demandas do trabalho e só pode fortalecer um ou outro posto pela
mediação do seu oposto.” (Iamamoto, 2008,p75).
A/o assistente social, então, passa a reforçar as contradições postas na
relação entre classes, podendo, a depender de sua competência teórico-
metodológica e ético-política e de sua adesão a determinado projeto profissional,
fortalecer os interesses de uma das classes em relação a outra.
A/o profissional, no campo mediado por interesses antagônicos, ao assumir de
forma consciente e crítica seu posicionamento de classe, explorar a autonomia
relativa que envolve o exercício profissional, fortalecer os interesses da classe
trabalhadora, a partir de escolhas éticas e políticas objetivadas nas respostas
profissionais formuladas às necessidades das/os usuárias/os dos serviços sociais.
(IAMAMOTO, 2008). A autonomia relativa é uma margem de atuação existente no
34
trabalho profissional, que mesmo tendo a sua atividade socialmente apropriada por
outro, ele tem a possibilidade de dimensionar o seu trabalho para outras finalidades,
por conta do próprio caráter de contradição explicitado anteriormente, afinal é nas
relações sociais que “se encontram interesses sociais e antagônicos que se
refratam no terreno institucional enquanto forças sociopolíticas em luta pela
hegemonia e que podem ancorar politicamente o trabalho
realizado”(IAMAMOTO, 2009, p14). Assim, a autonomia relativa é possibilitada pela
relação direta com as/os usuárias/os, que favorece um certo controle sobre o
direcionamento ético-político respostas profissionais.
A expansão e a efetividade desta margem de autonomia são condicionadas
pelas condições políticas, econômicas e culturais, que determinam as condições
objetivas de realização do trabalho profissional. Articulada à competência teórico-
metodológica e ético-política das/os profissionais, a autonomia relativa pode ser
fortalecida pela elaboração de estratégias profissionais legitimadas coletivamente,
especialmente por meio da atuação das entidades profissionais, como resoluções,
subsídios teóricos, posicionamentos e campanhas que fundamentam e oferecem
suportes teóricos e legais ao trabalho profissional. Do mesmo modo por meio do
fortalecimento do trabalho da equipe de Serviço Social e sua articulação com demais
profissionais da instituição, que compartilham da direção social estratégica do
projeto profissional. Investir na construção de alianças, a partir da análise das
relações de poder dentro da instituição, com diferentes segmentos profissionais;
com entidades parceiras, com organizações da sociedade civil, e principalmente,
com os movimentos e grupos sociais que possuem bandeiras de lutas que vão ao
encontro dos valores afirmados pelo projeto ético-político profissional.
Nesta direção, também consideramos a/o assistente social em sua condição de
intelectual, como um intelectual orgânico, a partir das análises de Iamamoto, que
contribui na disputa da direção social e cultural das classes na sociedade. Entende-
se como intelectual orgânico aquele que coloca a sua capacidade de apreensão da
realidade para transformá-la numa dada perspectiva de classe, assegurando a
unidade entre a teoria, prática e a consciência de classe. Esta concepção de
intelectual diferencia-se daquela que concebe uma posição de neutralidade ou
autonomia em relação às organizações existentes. Trata-se, portanto, de uma
35
concepção que concebe o trabalho intelectual na perspectiva de contribuir com a
organização da classe e seus movimentos na tomada do poder, colocando seu
empenho na luta pela conquista da hegemonia da classe a que serve e pertence.
Iamamoto (2008), considera que a atividade intelectual insere-se em dois
grupos, os criadores de valores científicos, filosóficos, artísticos, etc; e aqueles que
administram e reproduzem/ socializam os conhecimentos intelectuais acumulados
pela humanidade. A/o assistente social, como intelectual, se enquadraria no
segundo grupo, se utilizando e socializando o que foi produzido, a partir dos
resultados da sua intervenção. Assim, conceber o profissional como intelectual de
uma classe é compreender que o mesmo se pauta dentro de um direcionamento
político que governa a sua intervenção, e que dará respostas que favoreçam os
interesses da burguesia ou do proletariado.
Pode tornar-se intelectual orgânico a serviço da burguesia ou das forçaspopulares emergentes; pode orientar a sua atuação reforçando um projetopolítico alternativo, apoiando e assessorando a organização dostrabalhadores, colocando-se a serviço de suas propostas e objetivos. Isso,supõe, evidentemente, por parte do profissional, uma clara compreensãoteórica das implicações de sua prática profissional, possibilitando maiorcontrole e direção da mesma, dentro de limites socialmente estabelecidos.Por outro lado, supõe uma clara subordinação do exercício técnicoprofissional as suas consequências políticas: ai, o caráter propriamentetécnico subordina-se à dimensão política dessa prática. (IAMAMOTO, 2008,p950)
Desta forma, considerando sua autonomia relativa, a/o assistente social tem na
linguagem um instrumento estratégico para assegurar uma intervenção profissional
comprometida politicamente com as/os suas/seus usuárias/os, podendo construir
alternativas na direção de seus interesses de classe, inclusive assessorando os
movimentos por eles protagonizados. Entretanto, a potencialização destas
alternativas só se efetivam na medida em que a/o profissional consegue fazer uma
leitura crítica da realidade social e profissional, de sua condição de trabalhador e sua
relação empregatícia, para não reproduzir posturas messiânicas, (como se sua ação
pudesse ser revolucionária), superestimando a sua atuação política e subestimando
o papel das organizações da classe trabalhadora, que possuem os instrumentos
decisivos para a construção de uma outra sociedade. Na mesma direção,
desconhecer o espaço existente da autonomia relativa, como um campo de
possibilidades pode levar posturas fatalistas, como se a direção social do seu
trabalho estivesse inexoravelmente atrelada aos interesses diretos do capital ou
36
tivesse sempre um caráter conservador.
Considerando, então, a capacidade intelectual da/o profissional, suas
condições objetivas de trabalho e as possibilidades de alianças profissionais e
sociais podem tensionar o direcionamento de sua intervenção, sua relação com o
empregador, com as/os usuárias/os, e com os movimentos organizados da classe
trabalhadora. As variadas formas de se relacionar com estes segmentos influenciam
o conteúdo e a qualidade do trabalho realizado; uma vez que todas as requisições
impostas ao conjunto dos trabalhadores (de produtividade, eficiência, metas,
competitividade) também integram a realidade do trabalho profissional. Assim,
conseguir ampliar autonomia relativa, mediante as determinações que são alheias a
vontade das/os profissionais, de ordem política e econômica (mas que não isenta
nenhum sujeito da sua responsabilidade, por nossa capacidade teleológica e
capacidade de fazer escolhas de valor); pressupõe reafirmar o compromisso posto
no projeto ético-político: com a competência profissional, por meio do aprimoramento
intelectual; o que pressupõe garantir uma formação profissional (e continuada) de
qualidade e comprometida com os fundamentos históricos, metodológicos e teóricos
que garanta uma análise crítica da sociedade e das relações nela estabelecidas.
Assim, lutar para a construção de um outro projeto societário, no qual os valores
defendidos pelo projeto possam ser plenamente realizados, possibilitando que todos
os sujeitos sociais estejam livres e conscientes para escolher entre alternativas
concretas, e que possam desenvolver plenamente as suas capacidades.
O fortalecimento da autonomia profissional, dada a tensão entre o estatuto
assalariado e o projeto profissional hegemônico é um desafio para a construção de
estratégias profissionais que assegurem a objetivação do projeto ético-político. A/o
assistente social, como afirmado anteriormente, insere-se no chamado “mundo do
trabalho”, assim como o conjunto da classe trabalhadora sofre todas as
consequências dos arranjos produtivos das últimas décadas. A seguir trataremos
das mudanças no mundo do trabalho e os impactos para a/o profissional.
2.2 Condições de trabalho e desafios profissionais
Na década de 1980, o mundo começou a presenciar uma “revolução
37
tecnológica e organizacional da produção” (Behring; Bochetti, 2011), conhecida
como reestruturação produtiva. Processo que buscou introduzir a tecnologia de
ponta na produção, com a finalidade de atingir altas taxas de lucro, em uma tentativa
de responder a crise estrutural do capitalismo, acentuada a partir de meados da
década de 1970. Considerada como responsável pela mundialização da economia,
configurou-se como mais do que uma mudança de estratégias empresariais e dos
países ligados ao mercado mundial de mercadorias e capitais, que implicou na
redivisão sociotécnica do trabalho nas escalas nacionais e internacionais;
imprimindo uma produção descentralizada entre países no mundo. Também tem-se
a mudança da relação centro/periferia e a expansão da financeirização.
Ao passo que provoca inúmeras mudanças na organização da produção
capitalista e nas suas relações internacionais, a reestruturação produtiva também
provoca grandes impactos na vida das/os trabalhadoras/es, na medida em que gera
desemprego estrutural, aliado a retórica de que trabalhadoras/es formais são
detentoras/es de grandes privilégios. Assim, tais mudanças contribuem para que
as/os trabalhadoras/es ainda inseridas/os no mercado formal entrassem em um
estado de defensiva e aumentassem o seu corporativismo. Na mesma direção, o
fracionamento internacional da produção, o desemprego estrutural e a ação
corporativista de parte das/os trabalhadoras/es formais, gerou um intenso processo
de desorganização política da classe trabalhadora.
A reestruturação produtiva possui um padrão flexível de acumulação a partir da
organização toyotista, buscando permanentemente liberar a produção e a circulação
de qualquer rigidez própria do fordismo. Em outras palavras, este modelo permite
que haja rápidas mudanças no processo produtivo, sejam elas quantitativas, no
volume produzido, ou qualitativas, na diferenciação de produto. Sua gestão é
pautada no “just time”, um fluxo de produção que atende a momentos exatos de
demanda; e mais do que isto, busca economia em todos os segmentos da produção,
evitando ao máximo o desperdício que possa existir na jornada de trabalho, o que
coloca necessariamente uma pressão sobre as/os trabalhadoras/es, que não podem
ser considerados, assim como as máquinas, como supérfluos (Figueiras, 1997).
Desta forma, para atender as novas requisições colocadas na produção, se fez
38
necessário uma força de trabalho também flexível, capaz de realizar várias
atividades em uma só função, mais qualificada, que possa repassar informações,
fazer o controle da qualidade, etc. Passa a se requisitar profissionais com maior
especialização, que trabalhem por produtividade e por metas, e que principalmente
desenvolvam um nível de envolvimento, no qual os seus interesses sejam
congruentes com o da empresa, alimentando a ideia de “parceiros”, “que vistam a
camisa da empresa”; a fim de maximizar sua produção.
A flexibilização implementada pela reestruturação produtiva, do ponto de vista
do capital, nada mais é do que a “livre contratação” entre o capital e o trabalho, pois
quanto menor a intervenção do Estado na regulamentação de limites sobre a
exploração da força de trabalho melhor para o capital. O objetivo é flexibilizar ao
máximo a jornada de trabalho, a remuneração, os direitos sociais e trabalhistas, a
partir de uma série de medidas conduzidas pelo Estado que assume o caráter
Neoliberal. Flexibilização que transfere a responsabilidade pela geração de
empregos para empresas de pequeno porte, pela mediação de diversas formas de
precarização, terceirização e subcontratação, diminuindo o emprego de força de
trabalho e reduzindo os custos da produção a patamares mínimos. Nas palavras de
Antunes, “a flexibilização pode ser entendida como ‘liberdade da empresa’ para
desempregar trabalhadores; sem penalidades, quando a produção ou as
vendas diminuem, liberdade, sempre para empresa para reduzir o horário de
trabalho ou para recorrer para mais horas de trabalho” (2008, p 6).
Assim, para atender os interesses do rearranjo do modo de produção, o Estado
também se reorganiza, adotando medidas Neoliberais, beneficiando o Capital em
detrimento do social. As medidas de contrarreforma operadas pelo Estado Neoliberal
visam a redução de investimentos nas Políticas e Programas Sociais, ajuste fiscal e
o desmonte das leis trabalhistas. O Estado assume a função de garantir o máximo
para o Capital e o mínimo para o social.
Deste modo, podemos afirmar que no “mundo do trabalho, a reestruturação
produtiva e as requisições às/aos empregadas/os, representa a efetividade de
modalidades distintas de trabalho precário (Antunes, 2008), com o objetivo de
recuperar as taxas de lucro e assegurar a ampliação dos mecanismos de dominação
burguesa num contexto de crise estrutural. A flexibilização produtiva, estratégia para
39
a retomada das taxas de lucro foi acompanhada da desestruturação do trabalho,
rompendo com o pacto entre as classes do período do Welfare State, intensificando
a extração de mais valor. Assim
a globalização neoliberal e a internacionalização dos processos estãoacompanhados da realidade de centenas e centenas de trabalhadoresdesempregados e precarizados no mundo inteiro. O sistema fordista noshavia acostumado ao trabalho pleno e a duração indeterminada. Agora, aocontrário, um grande número de trabalhadores tem um contrato de curtaduração ou de meio expediente; os novos trabalhadores podem seralugados por algumas poucas horas ao dia, por cinco dias da semana oupor poucas horas por dois ou três dias da semana (Vaspollo, 2006, apud,Antunes, 2008, p 7)
No Brasil, a ofensiva Neoliberal e a reestruturação produtiva avançam na
década de 1990, a partir das imposições do FMI e do Banco Mundial, pressionando
o Estado, com a justificativa de manter a governabilidade e a confiança dos
investidores, para direcionar parcela significativa do Fundo Público para o
pagamento da dívida externa (superavit primário). Neste sentido, a partir desta
década apresenta-se uma série de contrarreformas dos direitos sociais (Behring;
Bochetti, 2011).
A sustentação da implementação do receituário neoliberal passou pela retórica
de que o Estado deveria reduzir os gastos sociais, concebidos como insustentáveis
e onerosos, favorecendo a iniciativa do mercado para o atendimento de
necessidades sociais. Neste período, dentre outras medidas, assistimos um amplo
processo de privatização de Empresas Estatais, supostamente deficitárias, mas
como sabemos, eram estrategicamente transferidas para exploração privada da
grande burguesia.
O impacto da adoção do ideário neoliberal por parte do Estado brasileiro, foi
expressivo para as Políticas Sociais que passaram a ser focalistas, residuais,
fragmentadas e voltadas a assistencialização da extrema pobreza. Reconfigura-se o
papel de regulação social do Estado, que assume características de mero gestor.
Entretanto, constata-se que os setores que passam a ser explorados pelas
empresas privadas, como a saúde e a educação, representam fatias do mercado
altamente rentáveis. A Assistência Social tem sido paulatinamente transferida para o
chamado “terceiro setor”, que se apropria do Fundo Público por meio de parcerias
“público – privado”.
Neste sentido, a tendência geral dos Programas e Políticas Sociais a partir das
40
reformas neoliberais foi a restrição e redução dos direitos, legitimados
ideologicamente pelo com o argumento de crise fiscal. As Políticas Sociais assume
assim, características pontuais, compensatórias, e voltadas majoritariamente para
responder os efeitos mais críticos e severos da crise do capital. Os Programas de
caráter preventivo ou compensatórios tornam-se cada vez mais limitados, atendendo
uma parcela cada vez mais restrita da população, seguindo a lógica neoliberal de
privatização, focalização e descentralização (Behring; Bochetti, 2011). Privatiza,
repassando ao setor privado a exploração mercantil dos serviços prestados; focaliza,
restringindo as responsabilidades públicas e estatais à intervenções pontuais sobre
as situações de extrema pobreza; e descentraliza, não para partilhar o poder entre
as esferas da Federação, mas sim para transferi-lo para outras instituições,
especialmente privadas.
Estas contrarreformas são frontalmente contrárias aos avanços conquistados
na Constituição Cidadã de 1988, são frontalmente contrárias padrão público e
universal de Seguridade Social, e demais direitos de cidadania.
Behring e Bochetti (2011), analisam alguns dos princípios e diretrizes que
fundamentam a concepção de Seguridade Social, inscrita na Carta Constitucional de
1988 e, que deveriam orientar a sua operacionalização. O princípio da
universalidade, que diz respeito ao acesso e cobertura universais; reconhecendo a
Saúde como direito de todas/todos, a Assistência Social para aqueles que dela
necessitam; e a Previdência Social, como direito contributivo e baseado na
solidariedade geracional. Os princípios da uniformidade e equivalência, que
garantem as mesmas regras no âmbito rural e o urbano, no regime geral da
Previdência Social, assim, as/os trabalhadoras/es rurais (mediantes a contribuição)
passam a ter os mesmos direitos previdenciários que as/os trabalhadoras/es
urbanos. A seletividade e a distributividade na prestação dos serviços, orientados
pela perspectiva da “discriminação positiva”, tornando seletivos alguns benefícios
das Políticas Sociais e, segundo as autoras, “numa clara tensão com o princípio
da universalidade” (Idem, p. 157)
O princípio da irredutibilidade, de forma a garantir que nenhum benefício tenha
valor inferior ao do salário-mínimo, assim como o seu ajuste anual. E a diversidade
das fontes de financiamento da Seguridade Social, que são provindas da
41
contribuição direta do empregado, de porcentagens sobre a folha de pagamento,
faturamento e lucro, or parte do empregador e aportes dos três níveis da Federação
(Governo Federal, Estados e Municípios). As autoras também enfatizam o caráter
“democrático e descentralizado da administração”, o que supõe a participação do
governo, trabalhadores e prestadores dos serviços, visando a democratização das
decisões entre gestores e aqueles que “financiam e usufruem os direitos (os
cidadãos)” (Idem, p. 158).
Estes princípios representam as mudanças de orientação política na
Seguridade Social brasileira afirmada pela Constituição, que rompia com os
parâmetros seletivos e restritos vigentes até sua promulgação. O horizonte era de
financiamento e execução de Políticas Sociais intersetoriais, públicas, estatais,
gratuitas, de qualidade e geridas democraticamente com a participação das/os
trabalhadoras/es, que financia e deveria usufruir dos serviços. Entretanto, a partir da
década de 1990, como já discutimos, os direitos passam a ser desmontados,
precarizados, e privatizados. Assim, ao contrário do que assegura a Constituição, o
caráter estatal, público, gratuito e universal da Seguridade Social, a partir do
receituário neoliberal, se efetiva a seletividade e a privatização.
Esse processo de privatização e seletividade acentua as contradições
existentes no país, uma vez que não garante o acesso aos serviços públicos com
qualidade. Criando, com o processo de privatização, uma dualidade: entre aqueles
que podem pagar pelos serviços, e aqueles que não podem pagar. Assim,
a privatização no campo das políticas no campo das políticas sociais
públicas compõe um movimento de transferências patrimoniais, além de
expressar o processo mais profundo da supercapitalização (Behring,1998),
já a seletividade associada à focalização assegura acesso apenas aos
comprovada e extremamente pobres.(Behring;Bochetti, 2011, p159-660).
Na atualidade a ofensiva neoliberal se intensifica, aprofundando os ataques às
Políticas Sociais e, consequentemente aos direitos das/os trabalhadoras/es, em
favor do pagamento do superavit primário. Em 2016, sob a mesma sustentação
ideológica de responder a crise de financiamento do Estado, reafirmando a
necessidade da realização do ajuste fiscal, na perspectiva de reduzir os gastos do
Estado, garantir a “governabilidade”, e a confiabilidade dos investidores
internacionais, aprova-se a PEC 55, PEC do Fim do Mundo. Esta Emenda
42
Constitucional atinge investimentos na área social, congelando por 20 anos os
gastos públicos com as Políticas Sociais; desviando estes recursos do Fundo
Público para o pagamento dos juros da dívida pública, que já ultrapassa mais de
40% do orçamento brasileiro. Além da PEC 55, presenciamos o retrocesso na área
da Educação Pública, com a Reforma do Ensino Médio. Na Assistência Social, as
tendências dominantes são altamente regressivas, com a revitalização do primeiro
damismo e de programas assistencialistas, como o Programa Criança Feliz, que
reforça a lógica conservadora de culpabilização das/os usuárias/os pelas mazelas
da questão social, ferindo a concepção de Política de Assistência Social como um
direito.
No âmbito das leis trabalhistas, tramitam no congresso “reformas” que
impactam diretamente as relações de trabalho, acentuando a precarização da vida
da classe trabalhadora (e o favorecimento da classe patronal). Dentre as várias
“reformas”, destacamos duas, que estão na “ordem do dia”, a Reforma Trabalhista,
que desmonta as leis trabalhistas, dando mais poder ao empregador para precarizar
e diminuir os seus custos; e a Reforma da Previdência, que modifica todas as
regras, aprofundando as “reformas” nas regras da Aposentadoria iniciadas na
década de 1990. Reforma cujo horizonte coloca para a maioria da classe
trabalhadora a impossibilidade de aposentadoria por tempo de serviço, aumentando
a idade mínima e impondo, maior número de anos de trabalho, sem e considerar,
entre outros elementos, a realidade da expectativa de vida nas diferentes regiões do
país.
A/o assistente social sofre os impactos das contrarreformas em dois sentidos.
Em primeiro lugar pelos ataques às Políticas Socais e programas sociais, que
incidem diretamente nos espaços sócio ocupacionais precarizando as condições de
trabalho e os serviços oferecidos às/aos usuárias/os. Em segundo lugar, os impactos
incidem diretamente sobre sua condição de trabalhador/a assalariado/a,
precarizando e fragilizando as relações trabalhistas. Além disso, o desemprego
estrutural também incide sobre o mercado profissional de trabalho
Assim em um contexto de regressão dos direitos, as/os assistentes sociais
também sofrem com a diminuição dos trabalhos formais, com limites de acesso aos
seus direitos trabalhistas, e aos demais serviços públicos oferecidos pelo Estado.
43
Cresce o trabalho temporário, ou por execução de projetos, o que gera insegurança
na/o profissional, uma vez que não há perspectiva de um emprego a longo prazo, ou
na renovação do seu contrato. Desta forma a precarização das condições de
trabalho atinge a qualidade dos serviços prestados e a relação com as/os
usuárias/os. (Iamamoto, 2017)
Por isso, tem sido cada vez mais comum encontrar, num mesmo espaço sócio
ocupacional, equipes compostas por assistentes sociais com vínculos empregatícios
distintos, contratos pelo regime CLT, temporários e concursados. No âmbito do
mercado profissional, temos “trabalho clandestino sem carteira assinada,
contratação sem concurso público, atuação em cooperativas de prestação de
serviços, terceirização e quarteirização de serviços de empresas já
terceirizadas, ao lado de concursos públicos e vínculo empregatícios
protegidos com direitos trabalhistas”. (Idem, p29).
A literatura profissional também tem identificado baixo índices de sindicalização
e o desrespeito por parte dos empregadores, da Lei das 30 horas e das resoluções
que garantem as condições técnicas, físicas e éticas para o exercício profissional.
Do mesmo modo, a existência de locais de trabalho sem a mínima infraestrutura
para a execução do trabalho (telefone, folhas, transporte para visita domiciliar);
assim como a ausência de arquivos com chave para guardar os documentos
sigilosos, ou salas apropriadas para atendimentos, que assegurem o sigilo ético e a
qualidade da prestação do serviço.
Outro elemento presente nas análises das/os pesquisadoras/es do Serviço
Social é o processo de precarização e privatização da Educação, em especial do
Ensino Superior. O sucateamento do Ensino Superior rebate diretamente nos
pressupostos, valores e objetivos da formação profissional inscrita no projeto
hegemônico do Serviço Social, contribuindo para aligeirar e fragilizar a formação,
lançando no mercado de trabalho, com uma rapidez inédita, massas de assistentes
sociais com um perfil profissional que tende a se submeter, de maneira
subalternizada e acrítica, às requisições dominantes e conservadoras do mercado
de trabalho. Elemento que incide na qualidade do serviço prestado, uma vez que
uma formação qualificada, crítica e competente, é uma das exigências éticas do
trabalho profissional.
44
Deste modo, como analisa Iamamoto (2017), o/a assistente social como
trabalhador/a assalariado/a e como profissional liberal, dispõe de uma autonomia
relativa, mas que ao mesmo tempo, o seu exercício é afetado pelos
“constrangimentos do trabalho alienado”. Estes elementos acentuam a tensão entre
o projeto ético político profissional e a alienação presente no “estatuto assalariado”.
Compreender o rearranjo produtivo e os impactos nas relações sociais,
principalmente as que atingem o “mundo do trabalho”, e a correlação de forças
políticas, que tensionam o campo dos direitos, coloca desafios para a análise teórico
crítica das possibilidades efetivas de realização de um trabalho profissional
qualificado. Da mesma forma coloca-se como exigência a construção de alternativas
profissionais que se vinculem às forças políticas que defendem os valores afirmados
pelo projeto profissional.
2.3 Cotidiano Profissional
A vida cotidiana é uma dimensão insuprimível da totalidade social, nela nos
socializamos, incorporamos hábitos, valores, desenvolvemos diversos graus de
consciência e de juízos de caráter ético-moral que orientam nossas ações e
comportamentos na vida social. Na esfera da individualidade, as motivações e as
escolhas de valor que orientam as ações, expressam o modo singular da relação
entre os indivíduos sociais e a totalidade do ser social. As escolhas de valor, as
formas de consciência individual são socialmente determinadas, já que os valores
são construídos historicamente como resultado da práxis socialmente efetivada. Na
esfera do cotidiano, por sua estrutura e características ontológicas, os indivíduos
sociais se relacionam com a totalidade social, com a complexidade do ser social e
com as orientações de valor de forma imediata e espontânea, pois, as necessidades
cotidianas se voltam para o eu. Como afirma Heller, no cotidiano, é o “eu que tem
fome”, que “sente” e “necessita”.(Heller, apud, Barroco, 2012).
O cotidiano, desta forma, é a dimensão da totalidade social na qual se realizam
as mediações entre o singular e o universal, por isso mesmo diante de sua estrutura
ontológica, como tendência predominante que impede que os indivíduos sociais
mobilizem suas capacidades essenciais, respondendo de forma imediata às
45
necessidades cotidianas, as respostas produzidas afetam a totalidade do ser. Do
ponto de vista da abordagem ontológica, é, importante reconhece que as estruturas
são necessárias para a reprodução social. O cotidiano é heterogêneo, ou seja, as
necessidades, as expectativas e os papéis sociais presentes no cotidiano são
diversos, demandando a dispersão da atenção na formulação das respostas, bem
como um certo pragmatismo. Do mesmo modo o cotidiano se apresenta para os
indivíduos sociais de forma imediata, fragmentada e dispersa, demandando
respostas rápidas, pragmáticas e eficientes. Por isso, as práticas/respostas
tipicamente cotidianas tendem a reproduzir o senso comum e a se basear na
ultrageneralização de aspectos da realidade, considerados de forma isolada.
Tendem a ser pragmáticas, imediatistas e pouco críticas, associando causa e efeito,
pensamento e ação, de forma linear e não crítica, comprometendo portanto a
intensidade e as potencialidades das capacidades humano-genéricas necessárias a
efetivação da práxis. (Carvalho; Neto, 2000).
Esta estrutura favorece o espontaneísmo e o pragmatismo. O espontaneísmo
contribuiu para que os indivíduos sociais se apropriem sem crítica dos valores,
costumes, normas e visões de mundo dominantes, de forma a naturalizá-los,
assegurando a reprodução de determinado modo de vida. O pragmatismo favorece
a formulação de respostas práticas e rápidas às requisições e necessidades da vida
cotidiana.
Por estas determinações, na esfera do cotidiano, o indivíduo tende a realizar
sua singularidade sem se apropriar de forma consciente e livre das efetivas
mediações existentes entre sua singularidade e a genericidade humana. Ou seja,
sem se apropriar das mediações existentes entre as necessidades cotidianas e a
reprodução da totalidade social. Do mesmo modo, entre as escolhas de valor que
efetiva nas respostas cotidianas e a legitimação da totalidade do ser social. Assim,
segundo Heller
O meio para essa superação dialética [autheburg] parcial ou total daparticularidade, para decolagem da cotidianidade e sua elevação aohumano genérico, é a homogeneização. Sabemos que a vida cotidiana éheterogênea, que solicita todas as nossas capacidades em várias direções,mas nenhuma capacidade com intencionalidade especial. Na expressão deGeorg Lukács: é o “homem inteiro” que intervêm na cotidianidade. O quesignifica homogeneização? Significa, por um lado, que concentramos toda anossa atenção sobre uma única questão e “suspenderemos” qualquer outraatividade durante a execução da anterior tarefa; e que, por outro lado, que
46
empregamos nossa inteira individualidade humana na resolução destatarefa. Utilizaremos outra expressão de Lukács: transformamo-nos assimem um homem inteiramente” (2000, p 27)
A elevação da singularidade, muda e imediata, é o processo que permite o
contato com a consciência humano genérica, que só é possível por meio da práxis.
Atividade criadora, mediada pelas capacidades humano-genéricas e capaz de
instituir o novo. A realização das várias modalidades de práxis, dentre elas o
trabalho, as ciências, as artes, a política e a ética, supõe momentos de
homogenização que assegurem um processo no qual as capacidades humano-
genéricas são mobilizadas na sua intensidade e potencialidades libertadores,
contribuindo para que o indivíduo ultrapasse o imediatismo das necessidades
voltadas exclusivamente ao eu, e que tome contato, pela mediação da consciência,
com as conquistas e valores humano-genéricos. Neste processo “o indivíduo se
instaura como particularidade, espaço de mediação entre o singular e o
universal, e comporta-se como inteiramente homem” (Carvalho; Neto, 2000, p
69). Netto, ao tratar das atividades que efetivam a homogeneização, debruça-se
sobre as elaborações de Lukács, e indica três formas privilegiadas que realizam este
processo: o trabalho criador, a arte e a ciência.
Desta forma, o cotidiano na sociedade capitalista se torna “um campo
privilegiado de reprodução da alienação” (Barroco, 2010), pela incorporação
espontânea e naturalizada dos valores e sua repetição imediata e acrítica. A moral,
dentro da alienação do cotidiano se expressa na forma de moralismo, fundamentado
em preconceitos concebidos e interiorizados por estereótipos, concepções
superficiais, isto porque, pela estrutura do cotidiano, há limite para a crítica dos
mesmos.
O cotidiano é também a esfera da totalidade social na qual o trabalho da/o
assistente social se realiza. Assim, as demandas e requisições institucionais postas
ao exercício profissional, tendem a reproduzir de forma dominante da burocracia, a
heterogeneidade, a espontaneidade, o imediatismo, a superficialidade, que
favorecem a reprodução da alienação e dos mecanismos de opressão e dominação
burguesas.
Um exemplo da burocracia e da ação mecânica é de como o espontaneísmo,
faz com que as demandas apresentadas sejam respondidas quase que sem o uso
47
da reflexão, apenas como mero compromisso de rotina, ou de metas institucionais.
Ao passa que o imediatismo, propicia a formulação de respostas que tenham algum
nível de resolutividade, de forma pragmática, mas que não tenha, também, o
processo de reflexão.
A ética profissional, comprometida com a efetivação de valores e conquistas
humano-genéricas, supõe que o trabalho profissional se realize objetivando suas
potencialidades críticas na formulação de respostas que atendam as necessidades e
interesses das/os usuárias/os dos serviços. No entanto, dada a estrutura do
cotidiano e as condições objetivas de realização do trabalho profissional, a ética
profissional pode ser afetada pelos níveis distintos de consciência e
comprometimento profissional, que pode não conseguir ultrapassar as
características do cotidiano e da burocracia, mas que possui um leque de
possibilidades para a sua ultrapassagem. Uma das exigências para isso é a reflexão
crítica sobre o cotidiano, visando a suspensão do imediatismo da cotidianidade.
A “suspensão” da cotidianidade permite ao indivíduo enriquecer-se, tornar-se mais consciente e motivados por exigências que passam a serincorporadas à individualidade. Logo, não existe uma barreira intransponívelentre a cotidianidade e outras formas de vida (…) (Barroco, 2012, p 72)
Uma das contradições presentes no cotidiano profissional, e que afeta a
realização da ética profissional, é o antagonismo existente entre os valores e
princípios éticos do projeto profissional e os valores incorporados de forma acrítica
pelos agentes profissionais em seu processo de socialização. Entre os diversos
fatores que possibilitam esta situação, encontra-se a formulação mecânica de
respostas imediatas às demandas institucionais; respostas, baseadas em valores
internalizados durante a socialização primária, por meio da formação moral, e que
não são problematizados durante a formação e o trabalho profissional.
Barroco (2010) analisa como os comportamentos preconceituosos podem ser
reproduzidos nestas condições, favorecidos por contradições próprias da alienação
social. O preconceito, no âmbito de um cotidiano alienado, a moral em moralismo,
uma modalidade de alienação moral, que nega a liberdade dos indivíduos, assim
como, a própria moral como possibilidade de escolhas livres, quando construída
democrática e coletivamente. O moralismo se expressa pelo julgando do
comportamento alheio a partir de critérios exclusivamente morais, impregnados de
preconceito. 48
Nos preconceitos morais, a moral é objeto de modo direto… Assim, porexemplo, a acusação de “imoralidade” costuma juntar-se aos preconceitosartísticos, científicos, nacionais, etc. Nesses casos, a suspeita moral é o eloque mediatiza a racionalização do sentimento preconceituoso (Heller, 1972,p 56 apud, Barroco, 2010, p48)
Deste modo, a/o assistente social inserido no cotidiano alienado da sociedade
capitalista, não está “imune” à incorporação e reprodução acrítica de preconceitos e
moralismos. Estes desvalores se objetivam no trabalho profissional, quando a
resposta profissional é orientada por concepções teóricas, referências ideológicas e
de valor, vinculadas ao conservadorismo e modalidades de preconceito contrárias à
liberdade a ao campo dos direitos, portanto, contrárias à ética profissional. O
reconhecimento de que o/a profissional não está imune a estas determinações
sociais não elimina as responsabilidades e consequências éticas das escolhas
individuais, cabendo, inclusive, para algumas situações, a necessidade de apuração
de práticas antiéticas e a aplicação das sanções previstas no Código de Ética.
Uma exigência ética central para o trabalho profissional é o investimento
permanente no aprimoramento intelectual por parte da/o assistente social, uma vez
que a análise acrítica e não fundamentada sobre a realidade social e profissional,
que não consegue apreender as determinações estruturais e a complexidade das
expressões da questão social, pode favorecer respostas profissionais orientadas
pelo senso comum e por visões preconceituosas. O preconceito, a discriminação e
os mecanismos de opressão podem ser reproduzidos por meio do trabalho
profissional quando este não é capaz de realizar suas potencialidades críticas.
Essas práticas resultam de uma cultura conservadora, da precarização daformação profissional, da falta de preparo técnico e teórico, da fragilizaçãode uma consciência crítica, de processos de despolitização, de incorporaçãode valores e ideologias conservadoras, individualistas, irracionalistas, daabsorção da rotina burocrática das instituições e submissão às normas eaos seus valores, entre outros, o que vem sendo agravado na conjunturaatual. (Barroco, 2012, p75)
Na medida em que questionamos criticamente a realidade sócio-histórica e os
valores que orientam as escolhas dos indivíduos sociais, a partir da reflexão ética,
abre-se a possibilidade de questionar a realidade, questionamento sobre quais
valores estão sendo efetivados no trabalho profissional, se na direção de ampliação
da liberdade e das conquistas humano-genéricas, ou se na direção contrária. Do
mesmo modo, a reflexão ética contribui para formular estratégias profissionais e
49
políticas que fortaleçam os valores e princípios defendidos pelo projeto hegemônico
do Serviço Social brasileiro.
Os valores éticos defendidos pelo projeto hegemônico do Serviço Social
brasileiro, materializa-se de várias formas por meio do trabalho profissional
cotidiano, e dos posicionamentos e estratégias de luta da categoria profissional e de
suas Entidades. Os valores defendidos pelo Serviço Social brasileiro, expressam um
ethos profissional que resulta de um amadurecimento intelectual e ético-político da
categoria profissional, conquista de seu processo de luta pela ruptura com o
conservadorismo profissional. A efetivação objetiva deste ethos, supõe a
consolidação de um determinado perfil profissional, inscrito no projeto de formação
que compõe o projeto hegemônico do Serviço Social. O projeto de formação objetiva
a consolidação de um perfil de profissional que seja competente, democrático, que
não discrimine, que invista no aprimoramento intelectual, que respeite os outros
profissionais e as/os usuárias/os, que seja capaz de construir estratégias
profissionais e políticas visando a efetivação dos direitos e a melhor qualidade dos
serviços prestados, por isso, “exige-se um profissional crítico, teoricamente
qualificado e politicamente articulado a valores progressistas” (Barroco, 2012, p 76)
No contexto de reestruturação produtiva, de neoliberalismo, a tendência
dominante das requisições institucionais postas ao trabalho profissional tendem a
reproduzir as necessidades e interesses da ordem do capital, em resposta à sua
crise estrutural, o que coloca desafios efetivos ao projeto profissional hegemônico e
à ética da/o assistente social.
O capitalismo ao se reestruturar provoca mudanças societárias significativas,
alterando o processo de reprodução social. Há mudanças no perfil demográfico da
população, intensificação da urbanização, hipertrofia do setor de serviços,
ampliação, mercantilizada, do acesso à educação formal e aos meios de
comunicação social. Mudanças que afetam a qualidade das relações sociais, as
instituições e a estrutura tradicional da família, intensificando a participação de
mulheres e jovens no mercado de trabalho. Há a articulação de modos novos e
antigos de exploração do mais valor (absoluta e relativa), incluindo a expansão de
trabalhos análogos à escravidão.
No âmbito da dimensão cultural, apresenta-se dois vetores determinantes
50
característicos do capitalismo tardio: a de transferir a lógica do capital para todos os
processos do espaço da cultura (pré-produção, produção, divulgação, etc); e o
desenvolvimento das formas de socialização da cultura por meios
digitais/eletrônicos. Vetores atravessados pelas características centrais do
capitalismo tardio: a obsolescência programada, a fungibilidade, e a imediaticidade
reificadora (Netto, 2012).
A imediaticidade, própria da vida cotidiana, dentro deste cenário é posta como
“a realidade”, chegando a se ignorar a distinção entre a aparência e a essência. O
aparente seria a realidade, que é tida como molecular, efêmera, fragmentada;
rejeitando categorias como a totalidade e a universalidade, que seriam tidas como
“autoritárias” ou ultrapassadas. Processo que se incia a partir do movimento pós-
moderno, que proclama a “crise nos paradigmas”, com a “urgência da superação
das ‘metanarrativas’ e das abordagens teóricas calçadas na categoria de
totalidade; de outra estaria colocada a alternativa de só pensar a micropolítica
ou de encontrar novos referenciais para a ação sociopolítica.” (Netto, 2012, p
420)
O movimento pós-moderno é funcional a etapa do capitalismo tardio, pelos
seus fundamentos teóricos e epistemológicos, e essencialmente por garantir
acriticamente a legitimação das necessidades imediatas da ordem burguesa, além
de romper com as bases da crítica do pensamento Moderno. Contribui para fragilizar
a identidade de classe, e legitimando outras formas, setorizadas, e fragmentadas, de
identidade (que não critica, e até incorpora, o capitalismo); atomizando e
pulverizando a vida social.
Assim, a “cultura global” apresenta a intensificação a alienação do cotidiano no
capitalismo, intensificando as apropriações imediatas e superficiais da realidade, e
processos que valorizam o individualismo, a alienação e a acriticidade. Assim
A “cultura global” se movimenta entre a produção/divulgação/consumomercantilizados de “artefatos globais” e a incorporação/consagração deexpressões particularistas – movimenta-se entre o cosmopolitismo e olocalismo/singularismo, entre a indiferenciação abstrata de “valores globais”e particularismos fundamentalistas. (…) uma nítida desqualificação daesfera pública universalizadora: no primeiro, o privilégio é conferido a umindividualismo de caráter possessivo; e no segundo, o “direito a diferença”sem impõe abstrata e arbitrariamente. (Netto, 2012 p 421)
Desta forma, Netto analisa como nesses últimos 30 anos, o capitalismo, na sua
51
reorganização econômica, política e social necessita de instrumentos analíticos e
heurísticos mais refinados para o seu desvelamento. Apresentando duas conclusões
inquestionáveis: a primeira é a de que nenhuma dessas transformações modificou o
processo de exploração, mais a intensificou. Intensificando jornadas de trabalho,
estagnando o salário real, articulando formas diversas de exploração. A segunda é o
total esgotamento da possibilidade civilizatória do capitalismo. Se em seu
surgimento abriu possibilidades para o desenvolvimento amplo das forças
produtivas, além de avanços políticos e sociais; agora, esses últimos foram
esgotados, como analisado por Marx.
O capitalismo tardio não possui mais condições de oferecer saídas
progressistas para a humanidade. O capitalismo somente consegue dar respostas
“barbarizantes para vida social”, como a obsolescência programada, a centralização
monopolista da biodiversidade, da natureza, da cultura, etc.
Em relação ao trato as expressões da questão social (velhas ou novas
expressões) as apontam para o aprofundamento da barbárie.. Observamos uma
intensificação e sofisticação da Indústria da Guerra; com forte investimento no setor
bélico e nas intervenções militares, articulando a guerra com a “segurança pública”
nos períodos de paz. Estratégia que penetras várias dimensões da realidade social,
vida social, criando demandas de segurança, em um processo de “militarização da
vida social”, na qual o Estado se transforma em “Estado penal”, e direciona sua
intervenção repressiva para as chamadas “classes perigosas”, em um processo de
extermínio da população excedente, principalmente negra; ao mesmo tempo, cria
demandas para investimento do setor privado de segurança.
Este cenário também favorece a emergência e crescimento de um novo
“assistencialismo” e de uma “nova filantropia”, além da execução, por parte do
Estado, de programas de características compensatórias aos setores da população
encontrados na extrema pobreza. A intenção deixa de ser erradicar a pobreza, e
passa a se atuar em situações de pobreza absoluta.
É neste contexto sócio-histórico que o trabalho profissional se realiza e a/o
assistente social é instigada/o a formular respostas críticas, teoricamente
fundamentadas e eticamente comprometidas. A/o profissional é desafiada/o a
apreender criticamente a realidade social e profissional, suspender o imediatismo do
52
cotidiano e assegurar a realização dos valores e princípios da ética profissional e,
portanto, a direção social do projeto profissional. O referencial teórico crítico e a
ética profissional, fornecem os aportes para a crítica e para a construção de
estratégias profissionais e políticas na direção do projeto profissional. A realização
de uma intervenção crítica, que garanta a qualidade dos serviços prestados, supõe,
além do investimento no aprimoramento intelectual, a organização da categoria e o
fortalecimento das Entidades profissionais, fundamentais para assegurar suporte
teórico, político e normativo ao trabalho profissional comprometido com o projeto
hegemônico do Serviço Social brasileiro.
Neste sentido, considerando a importância do fortalecimento de estratégias
coletivas para enfrentar a alienação e a barbárie cotidianas no contexto atual de
crise estrutural do capitalismo, encaminhamos nossas análises para apreensão das
potencialidades inscritas nas iniciativas do Conselho Federal de Serviço Social, de
fortalecimento do trabalho cotidiano, seja na elaboração e divulgação de subsídios
para o trabalho profissional nas diferentes Políticas Sociais, seja por sua atuação
nas frentes, comissões e fóruns de luta pelo aprimoramento da democracia e defesa
dos direitos, seja por suas manifestações políticas em face dos conflitos e
desigualdades sociais que colocam demandas para a atuação profissional.
53
Capítulo 03Projeto profissional e desafios cotidianos
3.1 – Serviço Social e antagonismos de classe
O Serviço Social é uma profissão socialmente determinada, chamada a
atender as necessidades de reprodução social, tendo como objeto central de seu
trabalho as expressões da questão social, produzindo respostas mediadas pelos
antagonismos das classes em relação. Possui uma determinada inserção na divisão
sociotécnica do trabalho, sendo um tipo de trabalho especializado, inserido na
reprodução das relações sociais.
Portanto, o significado social da profissão é determinado pela tensão de
interesses antagônicos do capital, e a classe trabalhadora. Assim a apreensão crítica
dos fundamentos do trabalho profissional, supõe, entre outros elementos,
reconhecer que o seu significado é determinado por duas dimensões indissociáveis
entre si. A primeira é o entendimento da profissão como realidade vivida e
representada pela/na consciência das/os assistentes sociais, que se expressa a
partir do discurso teórico-metodológico sobre o seu exercício; a segunda como
profissão socialmente determinada e que, portanto, é afetada pelas condições
objetivas de realização do trabalho profissional que ultrapassam a vontade individual
dos agentes profissionais (Iamamoto, 2008). Além disso, o reconhecimento do
caráter contraditório do trabalho profissional, que reproduz, pela mesma atividade,
os interesses antagônicos das classes em relação.. Responde as demandas do
capital e da classe trabalhadora; participa dos modos que garantem a exploração e a
dominação, ao passo que concomitantemente, produz resposta às necessidades de
sobrevivência das/os trabalhadoras/es e da reprodução dos antagonismos de classe
(idem).
Esses processos unitários que apresentam dupla determinação, quando
conscientes, abrem a possibilidade para uma intervenção profissional alinhada aos
interesses da classe trabalhadora. Assim, a/o assistente social, mesmo tensionado
pelo estatuto assalariado, pode criar alternativas reais para a expansão da sua
autonomia relativa, e construir respostas profissionais que fortaleçam os interesses
da classe trabalhadora, e realize os valores e princípios do projeto ético-político do
54
Serviço Social. Assim, como afirma Iamamoto, é
A partir dessa compreensão é que pode estabelecer uma estratégiaprofissional e política, para fortalecer as metas do capital ou do trabalho,mas não se pode excluí-las do contexto da prática profissional, visto que asclasses só existem inter-relacionadas. É isto, inclusive, que viabiliza apossibilidade de o profissional colocar-se no horizonte dos interesses dasclasses trabalhadoras. (2008, p 75)
Entretanto, como alerta Iamamoto (2008), não podemos desconsiderar, para
não cair em uma análise messiânica, as mudanças societárias em curso
implementadas pela ordem do capital, que, como analisado anteriormente, realiza
uma ofensiva direta aos direitos e a vida da classe trabalhadora. Processo, também
sinalizado anteriormente, que incide diretamente nas condições objetivas de
realização do trabalho das/ nos assistentes sociais, tanto pelo estabelecimento de
relações trabalhistas precárias, de contratos temporários, terceirização; quanto pelo
sucateamento das Políticas e Programas Sociais. Ofensivas que fragilizam seus
vínculos trabalhistas, e precarizam suas condições de trabalho.
Instala-se um cenário no qual a única forma que o capitalismo possui para
responder a realidade é com a barbárie. Sugando recursos da natureza,
biodiversidade, impondo a mercantilização de todas as esferas da vida social,
gerando um processo de competição, individualismo, consumismo e banalização da
vida. Respondendo as expressões da questão social com a militarização e
judicialização da vida social, extermínio dos chamados “grupos perigosos”;
programas focados na extrema pobreza (Netto, 2012).
Insistimos na importância de elaboração de estratégias que contribuam para
fortalecer a autonomia relativa da/o assistente social, especialmente no contexto de
barbárie e precarização acima analisado. A literatura profissional tem sido categorica
nas análises que indicam a importância de articulação do trabalho profissional com
os movimentos sociais, com as categorias profissionais que partilham dos mesmos
valores e bandeiras de luta do Serviço Social e com a luta geral da classe
trabalhadora. Nesta pesquisa, pretendemos chamar atenção para a importância do
respaldo das Entidades profissionais para o trabalho das/os assistentes sociais,
assim como organização política em defesa das Políticas Sociais Públicas, gratuitas
e de qualidade; na defesa e na fiscalização das condições de trabalho das/os
assistentes sociais, no seu papel de formação permanente e de aprimoramento
intelectual e ético-político da categoria, na defesa do projeto ético-político e no
55
fortalecimento da luta geral da classe trabalhadora.
Desta forma, o presente Trabalho de Conclusão de Curso – motivado a refletir
sobre as possibilidades de criação de estratégias para a objetivação dos princípios
inscritos no projeto ético-profissional hegemônico – pretende analisar em que
medida uma das Entidades profissionais, o Conselho Federal de Serviço Social –
CFESS, oferece suporte, teórico, normativo e ético-político, para fortalecer respostas
profissionais cotidianas no âmbito das Políticas Sociais Públicas, que efetivem
estratégias de enfrentamento da barbárie social, da desumanização, da
precarização das condições de trabalho; de forma a garantir que o trabalho
profissional seja respaldado para criar alternativas, a partir do cotidiano profissional,
de objetivação da direção social e dos princípios e valores do projeto hegemônico do
Serviço Social brasileiro.
Elegemos as publicações, a atuação e os posicionamentos políticos do CFESS
como universo de nossa pesquisa, por se tratar da Entidade Profissional que possui
uma estrutura administrativa e política capaz de assegurar sua interlocução com a
categoria profissional em todo o território nacional, por ser a Entidade responsável
pela fiscalização do exercício profissional e pela defesa da profissão no mercado
profissional de trabalho. É também a Entidade profissional responsável pelas
deliberações e normatizações que regulam o exercício profissional, sua relação com
os empregadores e usuários/as das Políticas Sociais.
Uma vez que escolhemos realizar a pesquisa a partir da atuação e dos
posicionamentos políticos do CFESS, delimitamos nossa análise ao período da
última gestão, “Tecendo a luta da manha desejada” (2014-2017), e dos primeiros
dois meses da atual gestão “É de batalhas que se vive a vida”(2017-2020). A
delimitação do período levou em consideração o volume de material a ser analisado
e o contexto dos intensos ataques do capital às/aos trabalhadoras/es, de agudização
da crise econômica e política brasileira, conjuntura que, como vimos, impacta o
trabalho profissional e desafia a organização e atuação das Entidades da categoria
profissional.
Nossas análises resultam da pesquisa qualitativa sobre os Relatórios de
Atividades e Prestação de Contas da gestão, “Tecendo a luta da manha desejada”
(2014-2017), das articulações com outras entidades profissionais e participação em
56
comissões, frentes e fóruns em defesa das Políticas Sociais Públicas e direitos de
cidadania, nas brochuras, dando ênfase nas publicações do “CFESS Manifesta”. A
perspectiva teórico-metodológica e os resultados da análise são apresentados a
seguir.
3.2 – A articulação entre o exercício profissional e as lutas coletivas da
classe trabalhadora
A pesquisa realizou-se a partir das publicações do site do CFESS, visando a
análise de duas categorias centrais contidas nas publicações: a ética e a política. A
primeira de caráter ético, foi pesquisada nas publicações que fornecem elementos
para que as/os assistentes sociais possam analisar criticamente a realidade, e criar
alternativas para escolhas valorativas que realizam por meio do trabalho profissional
a direção social do projeto ético-político do Serviço Social brasileiro. A segunda
categoria, de caráter político, foi analisada a partir dos subsídios teóricos e
posicionamentos do CFESS em defesa das Políticas Sociais, direito de cidadania, e
nas lutas gerais da classe trabalhadora.
A escolha destas categorias não foram casuais, parte do acúmulo das
perspectivas discutidas neste trabalho: das possibilidades de ampliação da
autonomia relativa da/o assistente social e que assegurem a efetivação de respostas
profissionais alinhadas ao “ethos” profissional inscrito na ética da/o Assistente
Social, levando em consideração as relações e condições de trabalho, determinadas
pelas mudanças ocorridas no “mundo do trabalho”.
Debate que se insere na tensão entre “projeto profissional e o estatuto
assalariado”, da afirmação de que a/o assistente social é um ser prático social,
capaz de fazer escolhas teleologicamente orientadas por valores e finalidades e
dotado da capacidade de liberdade, capaz de projetar suas ações e construir
estratégias para sua viabilização na realidade social e profissional; ao mesmo tempo
que tem suas ações submetidas ao poder dos empregadores e determinadas por
condições externas. Tensão que coloca o “dilema ‘causalidade e teleologia’, entre
57
os momentos de estrutura e momentos de ação, exigindo articular, na análise
histórica, estrutura e ação do sujeito” (Iamamoto, 2014, p. 416).
Com base nas análises de Iamamoto (2014), podemos dizer que
subjetivamente este dilema pode ser apreendido pelas/os assistentes sociais, a
partir de percepções tipicamente cotidianas, de forma dualista, representado nas
constantes falas nas quais reclamam sobre o “distanciamento entre a projeção e a
realidade” ou “entre teoria e prática”. Afirmações, que segundo a autora, indicam
duas questões relevantes. A existência de um campo de mediações, no qual, impõe-
se a realização de um trânsito de análises da profissão, suas atribuições e
competências e do seu direcionamento ético-político; e o seu exercício nos diversos
espaços ocupacionais. E segundo, a necessidade de rompimento com análises
unilaterais, que avaliam apenas um dos aspectos das tensões que atravessam o
trabalho profissional, desconsiderando as contradições das relações sociais.
Retomamos esta discussão apresentada pela autora, porque não é incomum
que os agentes profissionais reproduzam em seu cotidiano essa relação não
mediada entre as orientações e posicionamentos do CFESS-CRESS e as
requisições profissionais presentes nos diversos espaços sócio-ocupaciais, uma vez
que os subsídios teóricos e os posicionamentos do CFESS não apresentam
“receitas de bolo” aplicáveis às realidades (distintas) do cotidiano profissional, nos
quais as/os assistentes sociais se inserem. Existe a necessidade imperativa de
realizar mediações entre as polaridades da tensão que atravessa o Serviço Social, e
não cair em práticas ou análises messiânicas ou fatalistas da realidade; para abrir a
possibilidade da criação de alternativas dentro do exercício social.
Desta forma, a partir desta compreensão, durante a gestão “Tecendo a luta a
manhã desejada” (2014 – 2017), foram oferecidos subsídios para fortalecer o
trabalho profissional comprometido com a direção social do projeto hegemônico por
meio de materiais e intervenções diversas por parte do CFESS
A partir do “CFESS Manifesta”, a Entidade apresenta, em forma de um
manifesto, uma análise crítica da realidade social e profissional, oferecendo
elementos teóricos, éticos e políticos para fortalecer posicionamentos de valor por
parte da categoria em seu cotidiano profissional em face de situações de conflito, de
58
desigualdade e de violação de direitos. Nas 27 edições do CFESS manifesta da
gestão “Tecendo a luta a manhã desejada”, está presente a defesa do projeto
profissional do Serviço Social, que afirma princípios e valores ético-políticos
antagônicos à lógica capitalista. Os elementos de crítica e de análise, apresentados
nestas edições contribuem para a construção de estratégias de luta e de resistência
no cotidiano profissional, frente à realidade de intensificação da exploração e da
barbárie.
Com o objetivo de fortalecer e avançar na luta em defesa dos direitos sociais,
tendo como horizonte a construção de uma sociedade emancipada, apresenta-se
manifestos que realizam a defesa intransigente dos direitos humanos, a luta por
Políticas Sociais gratuitas, universais e públicas, a defesa da qualidade dos serviços
prestados, e a necessidade de articulação do exercício profissional com os
movimentos sociais vinculados aos interesses da classe trabalhadora. As análises e
os posicionamentos de valor não se limitam às lutas travadas no âmbito da
sociabilidade burguesa, mas afirmam a necessidade de construção de uma
sociedade sem classes e livre de qualquer tipo de opressão e dominação.
No “CFESS Manifesta” sobre o “Dia Latino-Americano e Caribenho pela
Descriminalização e Legalização do Aborto”, por exemplo, apresenta-se a liberdade
como valor ético central, defendendo a autonomia das mulheres; denunciando o
preconceito, as desigualdades nas relações de gênero, o conservadorismo religioso
e o autoritarismo presentes na criminalização.
Ao nos posicionarmos em favor da liberdade como valor ético central,consideramos que a decisão de ser mãe deve ser um ato consciente deliberdade e não apenas uma contingência biológica ou uma imposiçãopolitica e social. Deve vir acompanhada de acesso às políticas públicas desaúde, que garantam as condições objetivas para o exercício damaternidade, quando esta for desejada, e para sua interrupção quando nãoo for. (CFESS, 2016, p2)
Defender a descriminalização e a legalização do aborto, é defender a vida das
mulheres e reconhecer a sua autonomia como indivíduos sociais capazes de realizar
escolhas conscientes; assim como, reconhecer o poder sobre os seus corpos e
sexualidade. É a defesa do acesso ao aborto de forma segura e universal, pelo
Sistema Único de Saúde. Posição que reconhece o direito da mulher de decidir
sobre sua saúde reprodutiva e sexual, sem ser discriminada e criminalizada. Direito
59
que se articula com a defesa da qualidade das políticas de saúde e do acesso aos
métodos contraceptivos (para mulheres e homens) e a assistência para uma
gravidez saudável.
A criminalização do aborto, ao contrário do que se afirma na cultura dominante,
não se pauta na defesa da vida, mas na defesa de um moralismo, que condena
moralmente o aborto. Na análise de Barroco (2010), o moralismo é uma forma de
alienação moral, que toma a moral como referência de análise de todos os conflitos
sociais. O moralismo é saturado de preconceito, pois determinado pela ontologia do
cotidiano, assume os juízos provisórios como verdades inabaláveis, que são
conservados mesmo quando as necessidades sociais, o sistema de valores e a
própria ciência os refuta.
Muitos destes juízos provisórios possuem uma dimensão de afeto, seja pela
confiança ou pela fé, diante dos valores, sendo uma característica comportamental
da singularidade, para saciar as necessidades do “eu”. Entretanto, esta forma de
satisfação da singularidade a partir do preconceito que é movido pela fé, sacia
somente as motivações individuais, sem mediação com a genericidade humana.
Desta forma, “‘o afeto do preconceito é a fé’, uma atitude dogmática, movida
em geral pelo irracionalismo e pela intolerância. No comportamento moral
preconceituoso, as categorias orientadoras de valor baseiam-se nos
sentimentos de amor ou ódio” (Barroco, 2010,p47). Sendo o ódio direcionado, não
apenas às coisas sobre as quais não acreditamos, mas também às pessoas que não
possuem a mesma crença.
Desta forma, a argumentação de criminalização do aborto está, a nosso ver,
diretamente ligada a um preconceito ligado a fé, sustentado por dogmas religiosos e
por uma visão machista e submissa da mulher que, conjuntamente com o
patriarcado, nega o direito da mulher à livre manifestação de sua sexualidade e
escolhas sobre sua saúde reprodutiva. Tais argumentos desconsideram totalmente a
realidade e em que condições as mulheres abortam, quem são as mulheres e,
portanto, que a legalização do aborto é uma questão de Saúde Pública.
Segundo esta publicação do CFESS Manifesta, o abortamento inseguro é a
quinta causa de mortalidade materna no país, sendo que de acordo com “os dados
60
de 2008 do IPAS Brasil (International Pregnancy Advisory Services), estima-se
que, no Brasil, sejam realizados, por ano, certa de 1.042.243 abortamentos
inseguros” (CFESS, 2016). Entretanto, é sabido que existe um recorte de classe
dentro deste debate, uma vez que a maioria que recorre ao abortamento inseguro é
de mulheres trabalhadoras, de baixa renda e negras; ao passo que as mulheres das
classes dominantes fazem o abortamento em clínicas particulares, mesmo que não
legalizadas, possuem infraestrutura para o procedimento.
Defender a legalização do aborto é defender a vida das mulheres
trabalhadoras, negras, de forma que elas possam realizar o procedimento com
qualidade e segurança. Trata-se da defesa de que os corpos e as escolhas de vida
não sejam pautadas por dogmas religiosos, intolerância e discursos de ódio.
Assim, esta edição do CFESS Manifesta apresenta a necessidade das/os
assistentes sociais realizarem a discussão sobre o aborto, principalmente aqueles/as
inseridos/as na Política de Saúde, da mesma forma entre aqueles/as que participam
de programas de planejamento familiar, uma vez que são temas interligados. Chama
atenção para os riscos de condenação moral das mulheres, se pobres, por terem
filhos demais; e se com algum tipo de condição de se recusar a ter filhos, reduzindo
a mulher à condição de reprodutora, e não como portadora de direitos e de
liberdade.
A atuação da/o assistente social, neste sentido, deve negar o controle social e
essa lógica de condenação moral, reafirmando que as raízes da pobreza não
“nascem da barriga das mulheres”, mas da sociedade desigual, na qual poucos se
apropriam da riqueza produzida por muitos. Da mesma forma, considera que a
decisão de se ter filhos ou não, não seja coibida pelos programas sociais ou pelas
legislações.
Posições profissionais que vão contra a legalização do aborto, e reproduzem
concepções e encaminhamentos conservadores, fortalecem o conservadorismo
profissional, efetivando valores contrários aos defendidos pelo projeto profissional.
Desconsideram as múltiplas situações nas quais levam a gravidez não planejada,
que variam desde o desconhecimento do corpo até a negação do “parceiro” no uso
da camisinha. Desta forma,
61
a postura profissional que se espera de assistentes sociais em seu cotidianode trabalho, seja na saúde – principal espaço de interligação com aproblemática do aborto – seja na assistência e nos serviços especializadosde atendimento as vítimas de violência, e de um compromisso ético epolitico com os princípios democráticos que norteiam nossa profissão, e quedevem ser sobrepostos aos desvalores do individualismo e do moralismo.(CFESS, 2016, p03)
Neste sentido, o CFESS Manifesta, como já mencionado, trás algumas
análises e apontamentos importantes, a partir da discussão sobre a
descriminalização e legalização do aborto, para reflexão profissional. Um deles é a
explicitação dos valores que estão na base do discurso de criminalização,
(des)valores como intolerância, a discriminação e autoritarismo, pautados no
fundamentalismo religioso e na dominação do corpo das mulheres. Apresenta, a
partir da reflexão ética coletiva da categoria, orientada pelos valores e princípios que
norteiam o projeto profissional do Serviço Social, possibilidade de construção de
respostas que garantam direitos e repeitem as decisões das mulheres. Apresenta
ainda, elementos de análise fundamentados sobre a defesa da legalização do
aborto. Reflexão que parte da própria realidade, numa perspectiva histórica e de
totalidade, que visa apreender as mediações existentes entre a singularidade dos
casos de abortamento e as determinações estruturais que incidem sobre esta
realidade. Da mesma forma que enfatiza a necessidade da inserção na luta por um
Sistema de Saúde de qualidade que atenda essas mulheres, a fim de oferecer os
serviços (saúde da mulher, métodos contraceptivos, etc), de forma gratuita e
universal.
Da mesma forma que apresenta os argumentos políticos para a luta pela
legalização do aborto, defende e ampliação do acesso aos métodos contraceptivos,
um planejamento familiar que considere a mulher como um ser livre, e serviços e
programas de saúde da mulher.
No mesmo sentido, analisamos o CFESS Manifesta, “‘cracolândia’, o que o
Serviço Social tem a ver com isso?”, publicado pela gestão “É de batalhas que se
vive a vida”, sobre a lamentável e criminosa (mesmo tendo respaldo legal), ação da
Prefeitura de São Paulo, na chamada Cracolândia. Nesta edição do CFESS
Manifesta, a entidade profissional oferece elementos de análise que reforçam a
posição contrária do Serviço Social sobre esta intervenção do governo municipal de
62
São Paulo, e aponta as referências éticas que devem ser adotadas pelas/os
profissionais que integram as equipes que são chamadas a intervir nesta realidade,
levando em consideração as possibilidades de assédio e perseguição.
Assim, neste CFESS Manifesta, analisa-se o episódio como parte de medidas
higienistas, que integram a ideologia da “Guerra as Drogas”, e que vêm sendo
adotadas pelo Estado nos últimos anos, internando compulsoriamente, ou
encarcerando, as/os usuárias/os de drogas, a partir de uma concepção racista, que
reforça a visão preconceituosa de que pobres e negros são “a classe perigosa”, ou
potencialmente perigosa.
Neste sentido, esta publicação oferece orientações às/aos profissionais que
são convocadas/os a participar dessas ações violadoras dos Direitos Humanos. As
orientações, indicam como recorrer nas negociações com os superiores, para não
participar de atividades com este caráter, fundamentando esta recusa nos valores e
princípios da ética profissional, contrários à violação dos direitos humanos, à
reprodução de preconceitos e à práticas autoritárias.
Orientamos que os/as profissionais que trabalham com esta populaçãorecorram ao acúmulo técnico-operativo e ético-político do Serviço Socialbrasileiro como fundamento para se recusar a desenvolver atividades queviolem nossas prerrogativas profissionais. Dessa forma, recomendamos quefundamentem suas negativas por escrito a partir de vários dos princípios eartigos constantes no Código de Ética Profissional e em demais normativasda profissão. (CFESS, 2017, p2)
E sabendo dos limites que a primeira orientação possui junto aos
coordenadores, o CFESS orienta a denúncia à Comissão de Orientação e
Fiscalização do Conselho Regional de Serviço Social. Mas para além dessas ações,
ressalta o dever ético e político de toda/o assistente social de denunciar a violação
dos Direitos Humanos, preferencialmente coletivamente, nas instâncias
competentes.
Além de orientar as iniciativas individuais/ e de equipe, esta edição do CFESS
Manifesta, fornece elementos de análise sobre esta realidade e chama a/o
assistente social para a construção da luta coletiva com os demais movimentos
sociais e trabalhadores/as que atuam com as/os usuárias/os de substâncias
psicoativas. Entende-se que as respostas democráticas para as abordagens do
consumo de psicoativos supõe a integração e construção de espaços políticos, a
63
defesa dos direitos sociais, dos direitos humanos, do direito à cidade, do cuidado em
liberdade e do convívio familiar e comunitário. Defende-se a autonomia profissional e
a garantia, a qualidade e a transparência dos serviços prestados à população.
Os subsídios políticos, para construção de ações conjuntas com os/as
trabalhadores/as organizados e com os movimentos sociais para a ampliação dos
direitos, da autonomia profissional e na direção da construção de uma nova
socialidade, também são abordados nas Edições do CFESS Manifesta sobre a
conjuntura elaborados pelo CFESS, tendo maior expressão, até mesmo quantitativa,
a partir de 2015, em decorrência dos ataques ao campo dos direitos já no governo
Dilma. Posto que, principalmente após o Golpe Institucional, a ofensiva do capital se
intensifica, colocando em risco não só as Políticas Sociais, mas também os direitos
trabalhistas. Lutar pela democracia do país, pela garantia dos direitos sociais e pela
diminuição das desigualdades sociais (que neste período se acentuam) também se
configura como um dever ético e político da/o profissional.
Mesmo considerando as profundas contradições existentes na realidade social
e profissional, determinadas pela ordem do capital, o horizonte de lutas afirmado
pelo projeto hegemônico do Serviço Social brasileiro não está apartado das
possibilidades objetivas de construção de respostas profissionais com a mesma
direção social. Nesta direção, Barroco analisa que não há uma um “abismo
intransponível” entre um horizonte de emancipação e a dominação existente.
Neste sentido, projeto societário e projeto profissional deixam de se colocarcomo antíteses, oferecendo a possibilidade de elaboração de mediaçõesestratégicas que possam contemplar atuações diferenciadas: no campoestritamente institucional, no âmbito mais amplo das lutas da categoria e noespaço de participação política profissional como cidadão de sujeito políticoem lutas que articulam a emancipação social e política com projetos deemancipação humana. (Barroco, 2012, p67)
Nesse sentido, além dos CFESS Manifesta, o CFESS oferece análises políticas
que fornecem importantes contribuições para o direcionamento político da/o
assistente social expressas também nas campanhas do “Dia do/a assistente social”,
lançada todo dia 15 de Maio, e nas notas realizadas, oferecendo elementos teóricos
e políticos de análise sobre a conjuntura política e econômica, para a defesa das
Políticas Sociais, denunciando a privatização e a desresponsabilização do Estado,
como no caso das notas contra a contratação da Empresa e Serviços Hospitalares –
64
EBSHER, nos Hospitais Universitários, precarizando não só a saúde, mas também o
processo de formação; e além da nota contra o repasse de verba federal para as
Comunidades Terapêuticas.
Outras ações também são realizadas pelo CFESS, como a articulação com
outras categorias e movimentos sociais na defesa da democracia, das Políticas
Sociais e pelo fim da opressão. A realização do “CFESS na estrada”, articulando
ações com os Conselhos Regionais do Serviço Social com a finalidade de estreitar
os laços com a base da categoria e fomentando espaços de formação e discussões
pertinentes ao trabalho profissional. Além de orientar e formar, via Seminários
(fortalecendo a discussão sobre o processo de trabalho no qual a/o profissional se
insere nos diversos espaços ocupacionais, e as discussões sobre os instrumentos,
competências e atribuições do Serviço Social), o CFESS realiza ações jurídicas pelo
cumprimento das Leis conquistadas pela categoria, e pela garantia e defesa das
atribuições e competências privativas da/o Assistente Social dentro das instituições,
bem como para assegurar que sejam cumpridas as Resoluções profissionais nos
espaços sócio ocupacionais.
Embora, nos limites deste trabalho, não tenha sido possível esgotar e detalhar
as análises de todas as publicações, posicionamentos e frentes de atuação do
CFESS no período delimitado para nossa pesquisa, é possível afirmar que em seu
conjunto este material oferece tanto subsídios teóricos quanto orientações éticas e
políticas para fortalecer o trabalho profissional cotidiano comprometido com o projeto
ético-político hegemônico do Serviço Social brasileiro.
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Considerações Finais
Neste trabalho de conclusão de curso, nos colocamos o desafio de refletir
sobre as estratégias profissionais para assegurar e fortalecer o trabalho cotidiano
da/o Assistente Social comprometida/o com os valores e princípios defendidos pelo
projeto ético-político do Serviço Social. Consideramos que um dos elementos para
compreensão deste debate é a apreensão da relação de tensão existente entre o
estatuto assalariado e o projeto ético-político profissional (Iamamoto, 2014). O
resgate desta discussão permite identificar os limites e as possibilidades existentes
no trabalho profissional e se debruçar sobre as reais possibilidades de
aprofundamento da autonomia profissional relativa, frente às demandas e exigências
patronais.
Este dilema, central neste trabalho, leva em consideração que esta relação
significa, por um lado, a relação da autonomia relativa profissional, garantida pelo
aparato legal de “profissional liberal” e pela formação acadêmica; e por outro lado, a
realização do exercício profissional que é mediada pelo trabalho assalariado.
Como procuramos discutir ao longo deste trabalho, compreender a/o assistente
social como um/a trabalhador/a assalariado/a, implica no reconhecimento de que
esta atividade especializada se realiza pela venda da força de trabalho em troca de
um salário, que assegure a reprodução social destes/as trabalhadores/as. Esta
condição, como destacado anteriormente, determina que o caráter social do seu
trabalho assuma uma dupla determinação: de trabalho concreto, que possui um
valor de uso social, ao mesmo tempo que possui a dimensão do trabalho abstrato,
uma vez que as necessidades na sociedade capitalista são mediadas pelo mercado.
Nas palavras de Iamamoto,
o caráter social desse trabalho assume uma dupla dimensão: (a) enquantotrabalho útil atende a necessidades sociais (que justificam a reprodução daprópria profissão) e efetiva-se através de relações com outros homens,incorporando o legado material e intelectual de gerações passadas, aotempo que se beneficia das conquistas atuais das ciências sociais ehumano; (b) mas só pode entender as necessidades sociais se seu trabalhopode ser igualado a qualquer outro enquanto trabalho abstrato –, merocoágulo de tempo de trabalho social médio –, possibilitando que essetrabalho provado adquira um caráter social. (2014, p421)
Assim, para realizar o seu trabalho, a/o profissional insere-se nas instituições
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empregadoras, fazendo com que a própria relação que se estabelece, os meios para
realização desta atividade, o objeto do seu trabalho, que são as expressões da
questão social, também se alterem. Ou seja, as condições, os meios e as finalidades
do trabalho profissional são mediados por interesses antagônicos e orientados pela
perspectiva do empregador. O empregador, majoritariamente o Estado, apresenta o
recorte das políticas a serem oferecidas, as demandas prioritárias a serem atendidas
e as condições de realização do trabalho profissional. Portanto, os meios, os
recursos, os programas e projetos, são disponibilizados para o trabalho profissional
pelo patronato.
Entretanto, pelo caráter contraditório das relações sociais, campo histórico que
determina o significado social da profissão, e pela autonomia relativa do exercício
profissional, existe a possibilidade real de orientar os instrumentos/ recursos
disponíveis nos espaços sócio ocupacionais na direção contrária às necessidades
do capital, obviamente que sempre de forma relativa às determinações da totalidade
social. As necessidades sociais e as demandas dos seus/as usuários/as,
especialmente quando fortalecidas e politizadas pela luta geral das/os trabalhadores,
podem ampliar a base de legitimidade do trabalho profissional na perspectiva de
afirmação dos interesses da classe trabalhadora. Desta forma, a/o assistente social
atende com o seu trabalho as requisições dos trabalhadores, e da burguesia.
Compreender essa dupla determinação é fundamental para a construção de
estratégias profissionais que articulem o exercício profissional às lutas coletivas e às
estratégias da classe trabalhadora. (Iamamoto, 2014).
Estas estratégias são coletivas, mas envolvem a adesão dos agentes
profissionais, articulando, portanto, dimensões singulares e coletivas no sentido de
fortalecimento e ampliação da autonomia profissional, para tanto, alguns
compromissos e investimentos são necessários. Investimento permanente na
formação intelectual, que propicie uma capacidade de análise crítica da realidade
social e profissional, capaz de superar o imediatismo dos fatos singulares e das
avaliações rasas sobre as expressões da questão social e sobre a processualidade
histórica; o comprometimento com os valores éticos inscritos no projeto ético-político
do Serviço Social, assegurado pela competência teórico-metodológica, técnico
operativa e ético-política; a defesa intransigente dos Direitos Humanos; a luta pela
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ampliação da cidadania, pelo aprofundamento da democracia, pela recusa do
autoritarismo e qualquer forma de intolerância, opressão e exploração. Defesas e
lutas que envolvem o exercício profissional e a luta geral dos/as trabalhadores/es.
Na mesma direção, estas estratégias supõem a permanente articulação com os
movimentos sociais e demais trabalhadores/as para a ampliação e a garantia efetiva
dos direitos e das Políticas Sociais, da mesma forma, a sua integração com
movimentos que lutem contra a precarização e exploração das relações trabalhistas,
construindo alternativas coletivas para o enfrentamento da barbárie contemporânea.
Como inscrito no Código de Ética e apontado por Barroco,
Quando se trata de encontrar formas de viabilização dos programas e
políticas voltadas à população, é fundamental a articulação profissional com
a população e a sua organização popular, pois os movimentos organizados
exercem um papel importante com suas reivindicações e formas de pressão
política junto às instituições, na luta pela realização dos seus direitos. (2012,
p82)
Nesta perspectiva, sinaliza-se outro debate a partir desta discussão, de como
construir possibilidades de intervenção, partindo do direcionamento ético do projeto
profissional, dentro da sociedade capitalista, já que existe uma relação antagônica
entre o projeto profissional e o projeto societário vigente.
Como procuramos indicar em nossas análises sobre as publicações,
manifestações e frentes de luta do CFESS, os limites objetivos postos à efetivação
do projeto profissional podem ser enfrentados coletivamente e embora os valores e
princípios afirmados pelo projeto profissional não possam se efetivar na sua
plenitude no âmbito da sociabilidade burguesa, isto não anula as efetivas
possibilidades de sua realização, ainda que de forma parcial em face da totalidade
social.
Neste sentido, este trabalho procurou se debruçar sobre o caráter contraditório
da profissão, sobre os componentes e valores do projeto profissional hegemônico,
sobre as mediações existentes entre este projeto e a defesa de uma sociedade
emancipada, na perspectiva de elucidar os elementos de análise que fortaleçam as
estratégicas coletivas de afirmação deste projeto, considerado aqui como um
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patrimônio valoroso da categoria profissional. No entanto, esta defesa procurou
reconhecer os desafios colocados pelo contexto de crise estrutural do capitalismo na
contemporaneidade: a precarização das relações trabalhistas, a ofensiva capitalista
sob os direitos sociais; a intensificação de respostas fincadas no irracionalismo,
fragmentando a realidade, e o avanço da barbárie social, uma vez que o capitalismo
se mostra incapaz de dar respostas civilizatórias para a humanidade
E respondendo a inquietude que originou esta produção, partindo do
pressuposto que um dos condicionantes para a objetivação dos valores no cotidiano
profissional é a expansão da autonomia relativa, procuramos verificar
qualitativamente como o Conselho Federal de Serviço Social oferece elementos
para fortalecer esta autonomia das/os Assistentes Sociais no cotidiano profissional.
Para tal objetivo, delimitamos nossa pesquisa na análise das publicações,
posicionamentos e frentes de luta da última gestão (2014-217) e dos três primeiros
meses da atual gestão (2017-2020).
Assim, verificamos que o suporte oferecido para ampliação da autonomia
relativa do trabalho profissional se realiza por meio de manifestos públicos, notas
individuais ou coletivas, Resoluções, Brochuras com subsídios para atuação
profissional nas diferentes Políticas Sociais, Seminários, Encontros, Pareceres
Jurídicos, nos quais encontramos elementos de análise teórica, orientações éticas e
políticas para a compreensão da realidade social e profissional, visando desvelar a
aparência dos conflitos sociais, de forma crítica, a partir da reflexão teórica e ética,
propondo ações e posicionamentos às/aos assistentes sociais. Esses
posicionamentos, orientações e subsídios teóricos levam em consideração as
contradições e constrangimentos presentes no cotidiano profissional, bem como a
condição assalariada do profissional. Oferecem também, orientações para as
situações nas quais o exercício profissional pode contribuir para a violação de
direitos, e para aquelas que envolvem situações de assédio moral.
O CFESS também realiza ações que visam a formação profissional, como
Seminários e Cursos; da mesma forma que atua em várias frentes de luta para a
garantia das Políticas Sociais e dos direitos das/os usuárias/os. No que diz respeito
às condições de trabalho, o CFESS realiza ações para a efetivação das conquistas
legais da categoria, como as 30 h, e a garantia das suas atribuições e competências
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privativas e do sigilo profissional.
Assim, mesmo compreendendo a existência de outras determinações que
incidem sobre o trabalho profissional, nossa pesquisa indica que os esforços
empreendidos pelo CFESS, visam fortalecer as escolhas de valor dos agentes
profissionais comprometidos com o projeto hegemônico do Serviço Social brasileiro.
Nos materiais pesquisados, identificamos que o CFESS oferece respostas concretas
para o fortalecimento do trabalho profissional, expressando a organização da
categoria profissional, ao mesmo tempo que convoca a categoria para participar das
lutas coletivas das/os trabalhadoras/es, principalmente no atual cenário de crise
econômica e política, que vão além da defesa dos nossos direitos, mas
principalmente para a construção de uma alternativa à ordem burguesa. Um
chamado às/aos assistentes sociais para resistir e lutar, até porque “Na luta de
classes não há empates”.
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