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VALTER CASSETI

AMBIENTE E APROPRIAÇÃO

DO RELEVO

SUMÁRIO

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

1. Relações Homem-Natureza e suas Implicações . . . . . . . . . 10

Conceito de Natureza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

O Trabalho como Mediador das Relações Homem-Natureza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

Relações de Produção e Relações Homem-Natureza . . . . . 17

Relação Homem-Natureza no Sistema de Produção Capitalista . . . . . . . . . . . . . 21

Apropriação Privada da Natureza como Relação de Negatividade . . . . . . . . . . . . . . . . 24

2. O Significado do Relevo no Estudo Ambiental . . . . . . . . . 28

Geossistema como Ponto de Partida 29

O Relevo na Análise Geográfico-Ambiental 34

Conceito de Geomorfologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

Síntese Evolutiva das Posturas Geomorfológicas . . . . . . . 38

Geomorfologia Ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

3. Dinâmica Processual do Relevo: A Vertente comoCategoria 54

Conceito de Vertente em Geomorfologia . . . . . . . . . . . . . 55

Relações Processuais das Vertentes (As RelaçõesExternas) . . . . . . . 63

Fatores que Comandam o Balanço Morfogenético daVertente 67

Relação Vertente-Sistema Hidrográfico . . . . . . . . . . . . . 72

Da Cobertura Vegetal na Estabilidade da Vertente. .. . .. 74

Processos Denudacionaís Decorrentes da Apropriação e Transformação da Vertente 79

Ocupação da Categoria Vertente . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86

4. Derivações Geomórfïco-Ambientais e suas Implicações .. 92

Impactos Geomórfïco-Ambientais em Áreas Rurais . . . .. 97

Alterações Hidrodinâmicas das Vertentes em Áreas Urbanizadas e suas Implicações 113

Conclusões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132

Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137

O Autor no Contexto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho procura chamar atenção para o significado do relevo, sobretudo como suporte

das derivações ambientais observadas durante o processo de apropriação e transformação realizado pelo homem.

Para entender tal consideração, necessário se faz partir do princípio de que o relevo se constitui

em produto do antagonismo das forças endógenas (forças tectogenéticas) e exógenas (mecanismos

morfodinâmicos), registrado ao longo do tempo geológico, e responsável pelo equilíbrio ecológico. É,

portanto, através do jogo dos referidos componentes que se estruturam o solo e sua cobertura vegetal, os quais,

associados às riquezas minerais, constituem a maior parte dos recursos responsáveis pela materialização da

produção. É evidente que o recurso por si só não poderia ser materializado ou transformado em produção se o

homem não estivesse presente na paisagem geográfica, assim como não seria possível conceber o próprio

conceito de espaço.

Após apresentar uma rápida evolução do conceito de natureza (a natureza externa e a unicidade

natureza-sociedade), procura-se demonstrar sua relação dialética com o homem (forças produtivas),

evidenciando que essa relação encontra-se vinculada às relações entre os próprios homens (relações de

produção). Portanto, ao considerar o espaço produzido social como resultado das relações entre o homem e a

natureza, procura-se justificar as possíveis implicações ambientais (relação de negatividade) pelas próprias

relacoes sociais de produção (Tópico 1). Dá-se ênfase ao modo de produção capitalista (apropriação privada da

natureza) como forma de dilapidação da capacidade produtiva da terra.

Num segundo momento, procura-se evidenciar o relevo como componente do estrato geográfico que

reflete o jogo das interações naturais e sociais. Demonstra-se a importância da ciência geográfica nos estudos

ecológicos, uma vez que se dispõe dos métodos necessários e informações cientificas sobre o meio natural e seus re-

cursos, bem como o seu aproveitamento econômico pelo homem (relações com as leis específicas da natureza como

forma de servir-se dela e de seus objetivos).

A geomorfologia, por sua vez, como integrante da análise geográfica e responsável pela

compreensão do comportamento do relevo, fundamentando-se na noção de "fisiologia da paisagem", procura

evidenciar, de uma forma dinâmica, as derivações ambientais resultantes do processo de apropriação e

transformação do relevo ou de suas interfaces (como a cobertura vegetal) pelo homem (Tópico 2). Esse fato oferece

um significado social à geomorfologia, com consequente interesse para a ciência geográfica.

No terceiro tópico, utilizando-se o conceito de vertente (a vertente como categoria central da

estrutura do pensamento) e das relações processuais (processos morfogenéticos e pedogenéticos), procura-se

oferecer algumas noções elementares necessárias à compreensão da dinâmica do relevo. Procura-se mostrar ainda

que, através da apropriação e transformação da natureza pelo homem, inicialmente através da exploração biológica,

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tem-se a ruptura do equilíbrio climáxico (relação entre o potencial ecológico e exploração biológica), originando

implicações resistásicas.

Após considerações a respeito dos fenómenos externos, procura-se demonstrar o significado das

relações internas, que individualizam a essência da categoria vertente, que juntos (fenómenos e relações) representam

o conteúdo da paisagem.

Finalizando (Tópico 4), são apresentados alguns exemplos de estudos de caso, em que o processo de

ocupação das vertentes e demais compartimentos tem produzido impactos ambientais, momento que se aproveita para

se considerarem as implicações políticas e económicas nos efeitos de degradação registrados (concepção

malthusiana dos "azares" da natureza). Ao mesmo tempo em que se propõem algumas alternativas, preventivas e

corretívas, fundamentadas em uma técnica natural, chama-se a atenção para a necessidade da organização da

sociedade, sobretudo da classe trabalhadora que sofre os efeitos diretos das contradições próprias do sistema de

produção capitalista, em defesa dos valores ambientais, obrigando assim, conforme Contí (1986), "o capitalismo a

fazer algo que não pode realizar sem se contradizer ostensivamente".

Os fundamentos metodológicos da análise geomorfológica foram desenvolvidos com base nos níveis

sistematizados por Ab'Sa-ber (1969); procura-se demonstrar o significado do compartimento topomorfológico e de sua

estrutura superficial (ou formação superficial) na forma ou maneira de ocupação, considerando-se sobretudo os efeitos

processuais determinantes. Tal análise tem por objeti-vo alertar para a necessidade de preservação de certos

compartimentos, independentemente da "espontaneidade" que caracteriza os anseios do sistema de produção

capitalista; ou independentemente de tratamentos técnicos sofisticados e caros, que muitas vezes têm por objetivo

exclusivo fortalecer os interesses do próprio capital em detrimento das necessidades reais da sociedade. Pretende-se,

ainda, aleitar para a necessidade de uma preocupação constante com o processo de ocupação de compartimentos

considerados "favoráveis", observando-se sempre a importância das relações processuais.

RELAÇÕES HOMEM-NATUREZA E SUAS IMPLICAÇÕES

Antes de se iniciar uma análise específica são indispensáveis algumas considerações. É preciso refletir

sobre o conceito de "natureza", fundamental ao direcionamento da ciência, que incorpora a teoria integral do

espaço.

CONCEITO DE NATUREZA

Esse conceito tem sido utilizado largamente tanto pela ciência natural como pela social. Contudo, pouca

discussão metodológica tem acontecido nos últimos anos.

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Tal descuido tem sido considerado consistente com a prática contemporânea da ciência e com a sua

auto-imagem. Para Smith & O'Keefe (1980), a "ciência natural" é uma relíquia histórica, que aparece nos séculos

XVI e XVÜ, com a necessidade de apropriação da natureza pela indústria, refletindo essa necessidade

concretamente por continuar posicionando a natureza como totalmente externa à atividade humana. "No preciso

momento em que a natureza estava sendo teorizada como externa, contudo, o último vestígio dessa extemalidade

estava sendo praticamente destruído."

A tradição positivista pressupõe que a natureza existe nela e por ela mesma, externa às atividades

humanas. Assim, além de extema, o paradigma positivista revela uma concepção dualística da natureza.

Conforme os autores considerados, a concepção positivista de natureza é dada

dualisticamente, contraditoriamente, por um dos três principais caminhos:

a) A "natureza" é estudada exclusivamente pela ciência natural, enquanto a ciência social

preocupa-se exclusivamente com a sociedade, a qual não tem nada a ver com a natureza;

b) A "natureza" da ciência natural é supostamente independente das atividades humanas,

enquanto a "natureza" da ciência social é vista como criada socialmente. Portanto, permanece uma

contradição da natureza real, que incorpora a separação entre o humano e o não-humano;

c) A terceira contradição dispersa a natureza humana dentro da natureza externa. O

comportamento humano é regido pelo conjunto de leis que regulam os mais primitivos artrópodes. Essa

visão determinista é defendida pelo darwinismo social e grande parte do behaviorismo. Na prática,

observa-se que a natureza humana demonstra o seu domínio sobre as "leis da natureza" no processo de

apropriação.

Marx, que elaborou uma teoria não-sistemática da natureza, oferece uma alternativa

unificada e não-contraditória de natureza. Essa teoria, elaborada como crítica à economia política

clássica, é comumente chamada de materialismo histórico, por ter a história como unidade com a

natureza. É através da transformação da primeira natureza em segunda natureza que o homem produz os

recursos indispensáveis a sua existência, momento em que se naturaliza (a naturalização da sociedade)

incorporando em seu dia-a-dia os recursos da natureza, ao mesmo tempo em que socializa a natureza

(modificação das condições originais ou primitivas).

Considera, portanto, a natureza em dois momentos, cuja transição acontece ao longo da

história, através do processo de apropriação e transformação realizado pelo homem. "A história pode

ser considerada de dois lados, dividida em História da Natureza e História dos Homens. No

entanto, esses dois aspectos não se podem separar " (Marx, 1970).

Para Marx, a natureza separada da sociedade não possui significado. A natureza sempre é

relacionada material e idealmente com a atividade social. A "primeira natureza" é entendida como

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aquela que precede a história humana. Portanto, onde as propriedades geoecológicas encontram-se

caracterizadas por um equilíbrio climáxico, entre o potencial ecológico e a exploração biológica. Ë

todas as alterações acontecidas resultam dos próprios efeitos naturais - alterações climáticas, atividades

tectônicas... - onde as próprias "leis da natureza" respondem pelo reequilíbrio de fases resistásicas. Essa

natureza deve ser entendida ao longo do tempo geológico, desde o pré-cambriano até o "alvorecer" da

existência humana. Portanto, toda transformação e modificação acontecida encontra-se inserida numa

escala de tempo geológico, normalmente imperceptível numa escala de tempo humana.

Com o aparecimento do homem, em algum momento do pleistoceno, a evolução das forças

produtivas vai respondendo pelo avanço na forma de apropriação e transformação da "primeira na-

tureza", criando a "segunda natureza". Assim, conclui-se que a história do homem é uma continuidade

da história da natureza; não / existindo, portanto, uma concepção dualística de natureza, onde a i

segunda natureza é vista como primeira.

As leis que regulam o desenvolvimento da segunda natureza, não são, ao todo, as que os

físicos encontram na primeira natureza. Elas não são leis invariáveis e universais, conforme observam

Smith & O'Keefe (1980), uma vez que as sociedades estão em curso, constantemente se transformando

e se desenvolvendo.) Daí se conclui que a forma de apropriação e transformação da natureza é

determinada pelas leis transitórias da sociedade.

Em síntese, a dialética de Marx é uma maneira de pensar completamente diferente da lógica

formal da ciência positivista. Descreve a produção como um processo pelo qual a natureza é alterada.

... É uma eterna necessidade material imposta, sem a qual não podem existir trocas

materiais entre os homens e a natureza e, portanto, a vida (Marx, 1967, p. 43).

Trata-se, portanto, de um processo de produção da natureza, onde a natureza e o homem se

integram e interagem. Esse processo de apropriação e transformação da natureza pelo homem, coloca

em movimento braços e pernas, cabeças e mãos, em ordem para apropriar a produção da natureza numa

forma adaptada às suas próprias necessidades. "Por assim agir no mundo externo e mudando-o, ele ao

mesmo tempo muda sua própria natureza" (Marx, 1967).

A natureza, conforme expressou Engels (1979, p. 33), é:

“a pedra de toque da dialética, e devemos assinalar que as modernas ciências naturais

nos brindam, como prova disso, com um acervo de dados extraordinariamente copioso e

enriquecido a cada dia. Na natureza tudo acontece de modo dialético e não metafisicamente (não

se move na eterna monotonia de um ciclo constantemente repetido, mas percorre uma verdadeira

história). Aqui há que lembrar, em primeiro lugar, Darwin, que ao demonstrar que toda a

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natureza orgânica existente — plantas e animais, e entre eles, também o homem - é produto de

um processo de evolução de milhões de anos, golpeou rudemente a concepção metafísica da

natureza.

A vida aparece e se desenvolve no meio natural, portanto a história da humanidade é a continuação da

história da natureza. Essa interação dialética justifica o aspecto existencial e leva a pensar o homem como ser natural,

devendo-se, contudo, entendê-lo, primeiramente, como um ser social. "... Enquanto existirem homens, a história da

natureza e a história dos homens se condicionarão reciprocamente" (Marx & Engels, 1970); ou ainda, conforme

Moreira (1982, p. 36), "a razão reside na naturalidade da história e na historicidade da natureza, fundindo-se em um

plano história dos homens e história da natureza".

Conforme se observou, JJjel§5ã Jijpjnen>natureza_é um processo de produção de mercadorias ou de

produção da natureza. Portanto, o homem não é apenas um habitante da natureza; ele se

apropria e transforma as riquezas da natureza em meios de civilizacão histórica para a sociedade.

Marx, em Gríidrisse, admite que a riqueza não é outra coisa senão o pleno desenvolvimento do

controle do homem sobre as forças da natureza. Incorporar a natureza produtiva não significa, do ponto de vista

materialista, eliminar a dependência do homem com relação à natureza, pelo contrário, é administrar tal dependência

com certas condições (Prestipino, 1977).

Conforme Biolat (1977, p. 13), "a sociedade está numa relação direta com a natureza por todo um

processo de produção de bens materiais e de desenvolvimento cultural dos homens, destinado a satisfazer as suas

necessidades". Para Lenin (apud Biolat, 1977), "o domínio da natureza realizado na prática humana, resulta de uma

representação objetivamente fiel dos fenómenos e dos processos naturais".

O TRABALHO COMO MEDIADOR DAS RELAÇÕES HOMEM-NATUREZA

O que assegura a unidade dialeticamente contraditória, a inte-ração de sociedade e natureza, do homem e

seu habitat, premissas e condições da atividade vital do homem? O marxismo tem dado uma resposta clara e

definitiva: é a produção material.

O trabalho é, num primeiro momento, um processo entre a natureza e o homem,

processo em que este realiza, regula e controla por meio da ação, um intercâmbio de materiais

com a natureza (Marx, 1967, p. 188).

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Desse intercâmbio de materiais se logra a unidade do homem com a natureza; esta se transforma e se

adapta as necessidades daquele; cria-se uma "segunda natureza", um habitat artificial do homem, determinado

pelas peculiaridades da cultura e da organização social. Por outra parte, a produção material, a atividade do homem

influi poderosamente na biosfera e, em geral, no próprio habitat do homem, não só de maneira positiva, como também

negativa. A chave da solução científica está na análise dos fatores sociais, nos fatos específicos da produção determinada

por esses fatores.

A natureza é, pois, para o homem, um depósito inesgotável de objetos de trabalho.

Os homens buscam e encontram nela a matéria e a energia necessárias para produzir

artigos de uso e consumo e meios de trabalho. Quanto maiores são as riquezas naturais incorpo-

radas à produção dos meios de vida, tanto mais poder tem o homem sobre a natureza (Glezerman

& Kursanov, 1978, p. 52-3).

A atividade do homem entra em relação produtiva e cognos-citiva com a natureza através do trabalho,

o que o difere dos demais animais; ele transforma a natureza em objeto da própria consciência teórica.

O homem separa-se precisamente, dos outros animais, a partir do momento em que

começa a produzir e reproduzir suas condições de vida, quando desenvolve as potencialidades

não só de seu próprio organismo, como também dos instrumentos criados para ampliar o poderio

de suas mãos e de seus braços. Esse domínio gradativo sobre os meios de trabalho vai libertando o

homem das limitações que até então lhe impunha a natureza exterior, com a qual se sentia

organicamente identificado; ao mesmo tempo este vai elaborando um novo modo de

relacionamento com ela, ao se apropriar de suas características menos aparentes para submetê-la

à sua vontade, uma vontade que vai apurando em fins objetivos e necessidades sempre mais

definidos (Santos, 1984, p. 22).

Essa relação de apropriação e transformação fundamentada no materialismo histórico se constituiu por

longo tempo em determinismo geográfico, como falsidade ideológica imposta pelo sistema de dominação.

Quanto mais a sociedade se desenvolve, mais ela transforma o meio geográfico pelo trabalho produtivo

social, acumulando nele novas propriedades. Em síntese, "a sociedade depende tanto mais da natureza ambiente

(sic) quanto ela é mais fraca e quanto mais mergulha no passado" (Podossetnik & Spirkine, 1966, p. 16).

A sociedade é, portanto, um organismo social complexo, cuja organização interna representa um

conjunto de ligações e relações fundamentadas no trabalho. Esse trabalho encontra-se diretamente vinculado aos

recursos oferecidos pela natureza. Portanto, a natureza resultante da pura combinação dos fatores físicos, químicos e

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biológicos, ao sofrer apropriação e transformação por parte do homem, através do trabalho, converte-se em natureza

socializada ou "segunda natureza", caracterizando as relações que incorporam as forças produtivas nos diferentes

modos de produção.

Assim, o trabalho é visto como mediador universal na relação do homem com a natureza, o que leva a

admitir que a chamada relação homem-natureza é relação de trabalho. A separação entre o homem e as condições

naturais de sua existência, observada i anteriormente, não é para Marx "natural", mas histórica.

A natureza está no homem e o homem está na natureza, porque o homem é produto

da história natural e a natureza é condição concreta, então, da existencialidade humana. Mas

como é o trabalho que está verdadeiramente tecendo a dialética da história, é ele que faz o homem

entrar na natureza e a natureza estar no homem (Moreira, 1981, p. 81).

Ainda, com relação ao trabalho, dizem os economistas que é a fonte de toda riqueza.

E o é, com efeito, a par da natureza, que se encarrega de proporcionar-lhe a matéria

destinada a ser convertida em riqueza pelo trabalho. Mas é infinitamente mais que isso. O

trabalho é a primeira condição fundamental de toda vida humana, a tal ponto que, em certo

sentido, deveríamos afirmar que o próprio homem foi criado por obra do trabalho. (...) Assim,

pois, a mão não é somente o órgão do trabalho, mas é, também, o produto deste (Engels, 1979, p.

142-3).

A prática do homem está diretamente ligada a sua história.

RELAÇÕES DE PRODUÇÃO E RELAÇÕES HOMEM-NATUREZA

O modo como os homens se relacionam com a natureza depende do modo como os homens

se relacionam entre si. "Para produzir, os homens contraem determinados vínculos e relações; através

desses vínculos e relações sociais, e só através deles, é que se relacionam com a natureza" (Marx, 1967,

p. 441).

Em síntese, pode-se concluir que os fenómenos resultantes da relação homem-natureza

encontram-se determinados pelas relações entre os próprios homens, em um determinado sistema

social, conforme esquema:

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P o r t a n t o , a transformação da natureza pelo emprego da técnica, com finalidade de

produção, é um fenómeno social, representado pelo trabalho. Daí se infere que as relações de produção

entre os homens mudam conforme as leis, as quais implicam a formação econômico-social e, por

conseguinte, as relações entre a sociedade l e a natureza.

Para melhor compreensão de tais fenómenos, necessário se faz observar as relações

evidenciadas nos diferentes modos de produção. Inicialmente, deve-se considerar a base ou infra-estrutura do

modo de produção, comandada pelas relações de produção. Conforme se observou, as relações de produção

referem-se às relações entre os próprios homens, responsáveis pelas relações de trabalho, forma de propriedade e

relações de distribuição e troca nos diferentes sistemas.

As forças produtivas, por sua vez, que tratam das relações do homem com a natureza, correspondem a

determinadas relações de produção, evidenciadas nas diferentes fases da história da humanidade. Os elementos internos

das forças produtivas são justificados por duas grandes categorias analíticas: a força de trabalho e os meios de

produção, onde se inserem o objeto de trabalho (a própria terra) e os instrumentos de trabalho, que se encontram numa

dependência direta do grau de desenvolvimento cientffico-tecnológico (fig. 1).

Portanto, é nas forças produtivas da base do sistema que se evidenciam as relações entre o homem e a

natureza que, através do trabalho, respondem pela produção material do espaço. Tais forças produtivas, conforme se

considerou, vinculam-se às relações de produção, determinantes das relações de trabalho e da forma de

propriedade nos diferentes meios de produção.

As relações de produção (relações homem-homem), ao mesmo tempo em que implicam as relações entre o

homem e a natureza (forças produtivas), respondem pelo comportamento da superestrutura (concepções político-

jurídicas, filosóficas, religiosas, éticas, artísticas e suas instituições correspondentes, representadas pelo próprio

Estado).

Deve-se observar, contudo, que as forças produtivas são os elementos mais dinâmicos e

revolucionários da produção e que também a superestrutura não é algo passivo. Enfim, as forças produtivas, em sua

unidade dialética com as relações de produção, constituem a base material do modo de produção que caracteriza

cada época histórica. Ou ainda, enquanto as forças produtivas respondem pelo conteúdo do processo produtivo, as

relações de produção caracterizam a forma económica e social do referido processo (fig. 1). "Só no quadro dessas

relações económicas (relações de produção), nem sempre tangíveis e visíveis, existe a relação dos homens com a

natureza e tem lugar a produção social" (Ilíne & Motiliov, 1986).

Ainda, partindo do princípio de que enquanto o conteúdo da base material (forças produtivas) não se

constitui em fator de mudança radical da sociedade, o que é justificado pelo estágio em que se encontra, entende-se

que a forma (relação de produção) assume papel de domínio no sistema de relações sociais, o que é corroborado pela

superestrutura ideológica. Assim, admite-se que o meio natural é o substrato em que as atividades humanas respondem

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pela organização do espaço, conforme os padrões económicos e culturais. Portanto, quanto maior o avanço científico-

tecnológico de um povo, menores serão as imposições do meio natural e maiores as transformações acontecidas, o

que implica o próprio comportamento ambiental.

A história do homem tem demonstrado a procura permanente de sua harmonia com a natureza, o que

não exime a degradação ambiental de ser considerada também histórica: inicia com a agricultura predatória na

África (6.000 a.C.), continua com a quebra do equilíbrio natural decorrente da substituição da população nómade

pela sedentária, como nas estepes da Ucrânia e América e intensifica-se com a implantação do sistema capitalista.

Em 1844, Engels, referindo-se à classe operária, mostrava quanto a atmosfera de Londres ou Manchester era mais

pobre de oxigénio e mais rica em gás carbónico do que a atmosfera do campo (Biolat, 1977).

Essas transformações são relativamente rápidas se comparadas com o estágio evolutivo da natureza.

Basta imaginar que os homens, lavrando a terra todos os anos,

reviram uma massa três vezes maior que todos os produtos vulcânicos jorrados

durante o mesmo tempo das entranhas do solo. Durante os últimos cinco séculos, a humanidade

extraiu do subsolo pelo menos cinquenta bilhões de toneladas de carvão e dois bilhões de toneladas

de ferro. Durante o último século, as fábricas adicionaram à atmosfera, cerca de 360 bilhões de

toneladas de gás carbónico, o que aumentou o seu teor em cerca de 13%. Calcula-se que a

quantidade de gás carbónico atualmente adicionada à atmosfera chegue a aumentar a

temperatura média de um grau a um grau e meio (Podossetnik & Spirkine, 1966, p. 16).

A forma de apropriação e transformação da natureza responde pela existência dos problemas ambientais,

cuja origem encontra-se determinada pelas próprias relações sociais. Ou conforme Biolat (1977), "o homem, ao

atuar para modificar a natureza, provoca, por sua vez, efeitos sobre o seu pensamento, o que acarreta a necessidade

de novas relações entre os homens, para melhor dominar a natureza". Em síntese, conclui-se que uma nova estrutura

sócio-econômica implantada em uma região implica uma nova organização do espaço, que por sua vez

modifica as condições ambientais anteriores. Ou ainda conforme Tompes da Silva (1988), a ausência de um

equilíbrio ou harmonia na relação homem-natureza decorre em primeiro lugar

de uma relação de negatividade onde a sociedade encontra-se em contradição com a

natureza, e por ser assim a recria e a modifica constantemente; em segundo lugar, essa relação,

em oposição ao que imaginava Feuerbach, apresenta-se em constante movimento e transformação.

Ela muda na medida em que se altera o modo de produção, em que se muda a indústria, a divisão

de trabalho, o intercâmbio, etc.

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RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA NO SISTEMA DE PRODUÇÃO CAPITALISTA

A utilização espontânea da natureza, onde está implícita a dilapidação de suas riquezas, esboçou-se

nas primeiras etapas da história da sociedade e se acentuou na época feudal, porém, alcançou um grau máximo no

curso da sociedade capitalista. 'O capitalismo cria a grande produção e a competição, que levam aparelhada a

dilapidação da capacidade produtiva da terra" (Marx, 1967). Ou ainda, conforme Frolov (1983, p. 19),

no capitalismo, a produção material se inspira na obtenção de benefícios; é um

processo de desenvolvimento das forças produtivas imanentes que não se conjuga com as

necessidades e demandas do indivíduo real, nem com as possibilidades e os limites da natureza

exterior.

Conforme Duarte (1986, p. 47), no capitalismo, "quanto mais o trabalhador se apropria da natureza,

mais ela deixa de lhe servir como meio para o seu trabalho e meio para si próprio".

A título de exemplo, no sistema de produção capitalista, as relações de trabalho respondem pela

exploração da força de trabalho (trabalho assalariado, cujo pagamento não corresponde ao produzido, gerando "mais-

valia"), e a forma de propriedade dos meios de produção é privada. Apenas a força de trabalho não se caracteriza

como propriedade do capital, o que processa verdadeiras maquinações das relações de produção, como a criação do

exército de reserva, que implica a relação.oferta-procura, e consequente controle salarial do trabalhador. Trata-se

portanto, de uma relação de classe, tendo de um lado o proprietário do dinheiro ou da mercadoria, e de outro, homens

que não possuem nada senão sua própria força de trabalho.

No capitalismo dependente e excludente como o brasileiro, tais considerações se agravam. Se por um

lado o Estado é permeável às determinações do capital estrangeiro, o que pode ser justificado pelo grau de

dependência gerado pela dívida externa, por outro, encontra-se subordinado aos interesses do capital interno, como o

dos grandes latifúndios ou grandes grupos económicos. A imposição ao direito da propriedade é tal que acaba

obstando a possibilidade de uma reforma agrária, apesar de esta se constituir em alternativa para a própria evolução

capitalista. A ação governamental encontra-se fundamentada na legislação vigente, que tem por função, proteger o

capital. Portanto, o Estado exerce a violência que legitima os privilégios de classe.

A filosofia idealista, por sua vez, impede uma visão da estrutura aqui apresentada, procurando

justificar os efeitos através de causas indiretas, o que automaticamente é repassado ao desenvolvimento científico.

Como exemplo, as ciências humanas sempre foram relegadas a um segundo plano (ao contrário das ciências ditas

"nobres"), por terem tido uma função inútil, quando na realidade possuem uma importância fundamenta] no

desenvolvimento da consciência social. A geografia desde sua sistematização como ciência sempre serviu ao

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poder, o que levou Lacoste (1976) a assinalar a dupla função histórica que sempre a caracterizou: a geografia do

poder, aquela utilizada pelas forças armadas, com objetivo estratégico-político; e a geografia dos professores, que foi

introduzida na vida académica por Vida! de La Blache, no século XIX, na França. O próprio sentido da geografia

possibilista lablachiana demonstra sua função servil, ao combater a geografia determinista alemã (Ratzel),

utilizando-se da neutralidade científica. Portanto, a neutralidade científica, que é uma postura filosófica com finalidade

de mascarar a realidade objetiva, foi e continua sendo difundida com base nos pressupostos positivistas. As

pesquisas, por sua vez, nessa visão de neutralidade, ou são inúteis ou possuem a finalidade de contribuir para a

geografia do poder, relegando o sentido social da ciência, deixando de contribuir para o desenvolvimento de uma

consciência critica.

Como se observa através da própria evolução do pensamento cientifico, a geografia tem sido resistente

ao conceito contraditório de "natureza", sobretudo a partir do momento em que se interessa pelas relações entre o

homem e a natureza.

Assim sendo, o caráter dual imposto pelo modo de produção capitalista tem se constituído em recurso

ideológico para falsear a relação dialética entre o homem e a natureza e, por conseguinte, impedir a participação da

força de trabalho no processo produtivo. Como a sistematização tanto da geografia como da própria geomor-fologia, a

ser considerada oportunamente, acontece com o processo de expansão capitalista (fins do século XVIII), toma-se

evidente a vinculação da estrutura filosófico-ideológica voltada aos interesses do capital. Isso tem sido repassado

por diferentes gerações, respondendo pelo processo de alienação em detrimento da formação crítica da consciência

social.

A mesma estratégia ideológica pode ser sentida com relação ao processo de importação de cultura,

podendo este ser exemplificado através do prestígio da música estrangeira e a carência de recursos para a produção da

cultura nacional.

Por outro lado, a mídia tem sido importante instrumento do sistema, contribuindo para a deformação

da personalidade. A ideologia capitalista, sob enfoque positivista, convence as "massas" de que o aumento

dos conhecimentos técnicos e o desenvolvimento industrial se constituem, automaticamente, em bem-

estar social, deixando de observar "de quem".

A ideologia do Estado e o poder dos meios de comunicação visam a uniformização

cultural, a eliminação das resistências e diferenças, a unificação do mercado de consumo e a inte-

gração da paisagem nacional modificada pelo progresso (Mine, 1987).

Os próprios movimentos ecológicos, na maior parte das vezes despreparados politicamente,

não comprometem o sistema de produção responsável, admitindo que as questões ambientais se origi-

nam exclusivamente das relações entre o homem e a natureza. É como depositar na pessoa do

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trabalhador a responsabilidade pelas formas de exploração inadequada das forças produtivas, ou

encarar o problema sob o aspecto estritamente técnico.

Se o modo como os homens se relacionam com a natureza depende do modo como os

homens se relacionam entre si, não se pode trabalhar seriamente no movimento ecológico sem

precisar muito bem o significado das relações sociais em que vivemos, para a compreensão de

nossas relações com a natureza (Porto Gonçalves, 1984).

Na realidade, capital e trabalho são antagónicos, uma vez que o capital é gerado pela

exploração do trabalho ao entrar em contradição com a natureza. "Como o processo de trabalho é uma

relação homem-meio, apontada para o lucro pela via de produção de mercadorias de baixo custo, a

relação é de predação" (Moreira, 1981).

APROPRIAÇÃO PRIVADA DA NATUREZA COMO RELAÇÃO DE NEGATIVIDADE

A visão de natureza externa à sociedade, o objeto totalmente alheio ao sujeito, constitui-se em

argumento puramente ideológico, rigorosamente não dialético. Trata-se do ocultamente da própria relação

entre o homem e a natureza.

Ao mesmo tempo em que externaliza a natureza, o homem apropria-se dela, produzindo uma

relação contraditória: a natureza é considerada externa, mas feita como interna. Ou ainda, conforme

Burgess (1978), a natureza não permanece muito tempo externa, tornando-se cada vez mais difícil de se

conceber sua ex-temalidade: "a produção dos solos deficientes e a degradação geral de muitas terras

agrícolas; a produção de paisagens culturalmente deficientes; a poluição e a erradicação da

disponibilidade de recursos...".

Conforme se constatou anteriormente, as relações de produção entre os homens respondem

pelas relações da sociedade com a natureza, e conseqüentemente, pela organização do espaço produtivo

social.

Partindo do princípio de que "a principal relação homem-ho-mem é justamente a relação de

propriedade das forças produtivas" (Moreira, 1987), conclui-se que é a relação homem-homem que dá a

direção geral à relação homem-meio. Como a relação homem-meio contém em si duplo aspecto, ou

seja, é relação ecológica e é relação histórico-social, tem-se que a questão ambiental encontra-se

fundamentada na relação de propriedade das forças produtivas, determinada pelas relações homem-

homem.

Page 14: Ambiente e apropriação   valter  casseti

Portanto, a forma como os homens se relacionam com a natureza depende fundamentalmente da

relação de propriedade das forças produtivas. Rousseau, em 1755, já observava que a corrupção das

sociedades civilizadas começa no momento em que surge a propriedade privada, momento esse que se

refere à conversão do espaço em "mercadoria" (expressão formal do valor de troca).

À medida que o caráter da propriedade privada é desenvolvido (apropriação privada da

natureza), o acúmulo de capital se torna consequência, o que além de responder pelo processo de degrada-

ção ambiental, responde pelo antagonismo de classe.

O agravamento dos problemas ambientais nasce portanto com as relações de propriedade privada

e os antagonismos de classe, responsáveis pela alteração da raiz da estrutura social e, por conseguinte, das

relações'entre o homem e a natureza. Em síntese, os impactos ambientais têm se agravado em função do maior

desenvolvimento anárquico das forças produtivas que estruturam o modo de produção capitalista, enquanto as relações

de produção são relações de domínio e submissão.

É dessa relação que se constata o grau de dilapidação da capacidade produtiva da terra, com crescente

degradação da natureza, determinada por um aproveitamento generalizado e mais intenso dos recursos naturais,

sobretudo através do processo de industrialização, urbanização e agricultura predatória. Como reação a esse

processo surge um amplo movimento social em defesa da natureza, visando um aprimoramento do meio ambiente e

uma exploração mais racional dos recursos e também assegurar sua reprodução.

Surge portanto a "ecologia" (oikos, casa), ciência que estuda o meio onde habitam os seres vivos.

Conforme Guerasimov (1983), o conceito "ecologia" aparece com a concepção evolucionista da natureza

de Darwin, onde se observam as relações entre a biota (plantas e animais) e o habitat. Portanto, a ecologia se

desenvolve nas ciências biológicas.

O marxismo, por sua vez, com sua concepção científica das leis do desenvolvimento da sociedade,

"desvinculou o homem do mundo animal, como fenómeno sociobiológico, e determinou que sua população é em

primeiro lugar uma formação social". Assim, rompeu o limite de enfoque puramente biológico da ecologia.

A doutrina de Marx e Engels sobre as leis do desenvolvimento da sociedade, baseada

na atividade laborial dos homens e nas relações sociais que se formam entre eles, exclui a

possibilidade de explicar as relações mútuas da sociedade e do meio natural unicamente através

das leis biológicas (Guerasimov, 1983).

Estudos realizados nos últimos anos, para compreender a essência da revolução científico-tecnológica

contemporânea e seus impactos sobre o meio ambiente, têm estendido os limites do conceito de ecologia,

introduzindo na ciência, junto com outros, os termos "ecologia do homem" e "ecologia da sociedade", e atri-

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buindo um conteúdo vago às relações entre o homem e a natureza (Guerasimov, 1983). Observa-se portanto, um

processo de "ecolo-gizaçáo" das ciências naturais e sociais contemporâneas.

Tais investigações, por mais diversos que sejam os objetivos do estudo, procuram analisar os vínculos

existentes entre o meio ambiente, o homem e a sociedade.

O SIGNIFICADO DO RELEVO NO ESTUDO AMBIENTAL

Guerasimov (1983), após demonstrar o processo de ecolo-gizaçâo das ciências

contemporâneas, individualiza a geografia pelo conteúdo de enfoque que apresenta. "A rigor, a geo-

grafia tem estudado sempre o meio ambiente, tomado em seu conjunto como um sistema em que estão

incluídos os componentes naturais e sociais (tecnológicos)." Admite-se, portanto, o significado do

estudo geográfico do entorno, como condição indispensável para toda investigação ecológica.

Demonstra ainda que a geografia contemporânea está preparada mais que outras ciências para os

estudos ecológicos, uma vez que dispõe dos métodos necessários e, o que é mais importante, possui

uma imensa informação científica sobre o grau e as formas de sua potenciação e aproveitamento

económico.

Ao tratar das questões ambientais, a geografia permite a aproximação do homem com a

natureza, rompendo a visão djcotô^ mica e afirmando a unidade dialética. "É necessário que a nossa

categoria supere a visão dicotômica jsjavgçrç^^ pois assim procedendo teremos condições efetivas de

dominar a amplitude interdependente do complexo homem-natureza" (Gomes, 1988).

A geografia, com suas grandes possibilidades potenciais de enfocar em conjunto o estudo

dos fenómenos naturais e sociais, habilita-se a oferecer as orientações científicas principais dos estudos

ecológicos assim definidos:

controle sobre as mudanças do meio ambiente originadas pela atividade do homem

(monitoramento antrópico); prognósticos geográficos científicos das consequências que implicam a

influência de atividade económica sobre o entorno; preservação, debilitamento e eliminação das

calamidades naturais; otimização do meio nos sistemas técnico-naturais que o homem cria

(Guerasimov, 1983).

GEOSSISTEMA COMO PONTO DE PARTIDA

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Em síntese, para tratar das questões ambientais e das leis da sociedade que determinam as

relações de produção (ou são por elas determinadas), necessário se f az o entendimento das leis da

natureza. Segundo Engels (1976),

... somos a cada passo advertidos de que não podemos dominar a natureza como um

conquistador domina um povo estrangeiro, como alguém situado fora da natureza; nós lhe

pertencemos, com a nossa carne, nosso sangue, nosso cérebro; estamos no meio dela; e todo o

nosso domínio sobre ela consiste na vantagem que levamos sobre os demais seres de poder chegar

a conhecer suas leis e aplicá-las corretamente.

Embora a terra possa ser considerada um enorme sistema, encontra-se representada por três

subsistemas integrados: o atmosférico, o continental ou litosférico e o aquático ou hidrosférico (fig. 2).

Na zona de interação dessas três unidades ocorre a vida (subsistema biosférico). Numa relação direta

do sistema natureza em relação ao homem, Gregoriev (1938) considerou o estrato geográfico da terra

composto pela crosta terrestre, hidrosfera, baixa camada da atmosfera (troposfera), cobertura vegetal e

reino animal que, em conjunto, definem os ambientes onde vivem os homens socialmente. Ou ainda,

conforme Mine (1987, p. 16), a natureza "é um palco iluminado pelo sol, onde coexiste uma série de

formas de vida, através de numerosos fenómenos biológicos, químicos e físicos que se integram e se completam

alimentando-se reciprocamente". Portanto, refere-se a um conjunto de ecossistemas em equilíbrio dinâmico, em

que qualquer intervenção num ponto do sistema repercute no conjunto.

A intervenção dos referidos subsistemas não pode, portanto, ser entendida de forma dissociada, uma vez

que implicaria a ruptura das relações processuais como um todo, proporcionando uma abordagem metafísica.

Assim, todo conjunto pertence a um sistema, cujas ações e reações estão condicionadas pela matéria (em seus três

estados) e pelas fontes energéticas (internas e externas).

A interdependência das unidades consideradas foi tratada por Kalesnik (1958) em artigo que destaca o

significado da geografia física como ciência de integração. Utiliza-se do conceito de "Landschaft-esfera" como

objeto da geografia física, onde a referida integração é vista através das leis geográficas gerais da terra, ou leis da

Landschaft-esfera, que são: 1) integridade, unidade da sua composição e da sua estrutura; 2) existência dos

fenómenos circulares da matéria e energia; 3) presença do ritmo em seus fenómenos; 4) coexistência da estrutura da

Landschaft-esfera de particularidades zonais e azonais; e 5) continuidade de sua evolução, cujo resultado é a luta dos

processos exógenos e endógenos.

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Através das leis que compõem a Landschaft-esfera evidencia-se a interação de um sistema material único

e integral. Tal fato pode ser compreendido através da "relação entre o clima e o relevo, o clima e a formação dos solos,

o clima e mundo orgânico...". Nesse sistema geral de relação, o homem está presente, desempenhando papel

considerável no movimento circular das substâncias da terra.

Os processos circulares são os grandes responsáveis pela dinâmica processual, podendo ser

caracterizados pela circulação atmosférica, o ciclo da água e uma infinidade de outros exemplos. Devem ser vistos

como sistemas abertos, considerando-se a troca de energia e matéria existentes entre os diferentes componentes, ou

conforme o autor, "seria preferível representá-los simbolicamente como uma curva traçada em pontos de

circunferência de uma roda que gira em linha reta".

Os fenómenos rítmicos (diurnos, sazonais, anuais...) caracterizam as diferenças nas relações internas da

paisagem. Por exemplo, cada paisagem apresenta um ritmo anual e sofre mudanças de acordo com as estações.

A zonalidade, por sua vez, resulta dos fenómenos que se processam na superfície do globo, sendo a

forma da terra e sua posição em relação ao sol, as causas principais dessas diferenciações. Além disso, a repartição

irregular entre terra e água, diferenças térmicas das correntes marítimas, além de outros fatores, fazem com

que a natureza não se pareça com a matemática. Apesar das determinantes exógenas nas diferenciações zonais - o

que faz entender a zonalidade de forma dinâmica -, deve-se considerar ainda as implicações endógenas, como

as forças tectogenéticas, que caracterizam os processos azonais.

Por último, observa Kalesnik (1958), através da continuidade da evolução, que a "Landschaft-esfera

desenvolve-se pela força de suas contradições internas. As influências externas, como a radiação solar, criam as

condições de seu desenvolvimento". Ou ainda, a origem e evolução dinâmica da Landschaft-esfera resulta do en-

contro de inúmeras tendências antagónicas que nela se acham unidas.

O homem se faz presente nesse sistema geral de relações, exercendo grande pressão sobre o meio

geográfico e influenciando o movimento circular das substâncias da terra. Isso pode responder por alterações dos

fenómenos rítmicos (disritmias), os quais, ampliando a escala de abrangência, poderão influenciar na dinâmica

zonal, e em última instância, ter implicações na manutenção do equilíbrio dinâmico e conseqüentemente na

continuidade da evolução da Landschaft-esfera.

Bertrand (1968), a ser melhor considerado adiante, incorpora os diferentes subsistemas - litosfera,

atmosfera e hidrosfera - no conceito de "potencial ecológico" (relevo, clima e hidrologia), enquanto a biosfera

vincula-se à "exploração biológica" (vegetação, solo e fauna). O equilíbrio existente entre o potencial ecológico e a

exploração biológica caracteriza o "equilíbrio climáxico", muitas vezes rompido pela intervenção do homem na

"exploração biológica" (por exemplo, o desmatamento para o desenvolvimento de determinado projeto).

Se por um lado a análise dos sistemas naturais é comandada pelas leis da própria natureza, sua

apropriação pelo homem (produção da natureza) responde por intervenções que muitas vezes afetam de maneira

Page 18: Ambiente e apropriação   valter  casseti

significativa a atividade do sistema (segunda natureza). Portanto, as propriedades geoecológicas convertem-se em

propriedades sócio-reprodutoras (como suporte ou recurso), momento em que surgem as consequências

ambientais. Deve-se acrescentar que a escala de abrangência de tais problemas aumenta numa relação direta ao

processo e modo de produção, quando os homens contraem determinados vínculos e relações sociais.

Em síntese, é preciso oferecer subsídios ao conhecimento sistemático dos sistemas naturais,

procurando entendê-los sempre num processo de interação e interconexão, onde o homem se faz presente.

Portanto, o conhecimento sistemático dos subsistemas deve envolver questões relativas à atmosfera, hidrosfera,

litosfera e biosfera, tendo o homem como agente responsável pela organização do espaço produtivo social.

Apesar de as considerações serem lógicas e tais conhecimentos integrarem a maior parte dos

currículos do curso de geografia, deve-se observar a necessidade de serem estruturados segundo as

preocupações ambientais, como as alterações físicas e químicas dos solos, a contaminação das águas

superficiais e lençóis freáticos, as disritmias pluviométricas e efeitos de deserti-ficação, a ocupação das vertentes e

processos morfogenéticos resultantes...

Em síntese, ao se procurar abordar as derivações ambientais processadas pelo homem, deve-se

entender que tudo começa a partir da necessidade de ele ocupar determinada área, que se evidencia pelo

relevo, ou mais especificamente, individualiza-se pelo elemento do relevo genericamente definido por vertente.

Assim, a ocupação de determinada vertente ou parcela do relevo, seja como suporte ou mesmo recurso,

conseqüentemente responde por transformações do estado primitivo, envolvendo desmatamento, cortes e demais

atividades que provocam as alterações da exploração biológica e se refletem diretamente no potencial ecológico.

O RELEVO NA ANALISE GEOGRÁFICO-AMBIENTAL

O relevo, como componente desse estrato geográfico no qual vive o homem, constitui-se em suporte das

interações naturais e sociais. Refere-se, ainda, ao produto do antagonismo entre as forças endógenas e exógenas, de

grande interesse geográfico, não só como objeto de estudo, mas por ser nele - relevo - que se reflete o jogo das

interações naturais e sociais.

Evidentemente que nem a energia interna atua de forma homogénea na crosta

terrestre, nem a energia solar é igual em toda a superfície da terra. Diante da variação do grau de

atuação de uma e outra tem-se, na superfície da terra, uma gama de paisagens que são respostas

às diferentes formas de ações e reações da matéria, ante a atuação das energias endógenas, as

forças tectogenéticas, e exógenas, os mecanismos morfoclimáticos (Ross, 1987, p. 6).

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Os trabalhos gerados pela relação entre tais forças não podem ser vistos como produtos acabados, e sim

como produtos em permanente modificação, dada a constante ação e reação entre matéria e energia, interagindo

através dos diferentes componentes da natureza.

Penteado Orelhana (1981) afirma que o relevo se constitui na "interface da atmosfera e hidrosfera, que

fornece os recursos vitais e a antroposfera é o pátio do desempenho humano para o qual deve ser dirigida a atenção

sobre a avaliação dos sistemas de relações. Nessa superfície de contato, o homem agride, corrige e torna

economicamente produtivos sistemas naturais que, nas formas originais, eram incapazes de prover as necessidades

humanas". Portanto, o homem, ao integrar a natureza, tem se mostrado capaz de alterar as relações processuais

naturais, portanto, alterar o próprio relevo, através de modificações da "exploração biológica" (vegetacão, solo e

fauna), o que implica a ruptura climáxica (equilíbrio existente entre a "exploração biológica" e o "potencial

ecológico", representado pelo relevo, clima e hidrologia) a ser considerada oportunamente.

Ao mesmo tempo em que o relevo terrestre refere-se a um componente da natureza, constitui-se em

recurso natural, o que o reveste de interesse geográfico e, portanto, de preocupação ambiental, uma vez que

jamais poderá deixar de ser tratado sob o prisma antropocêntrico. Fairbridge (1971) chega a exagerar tal im-

portância, ao considerar a paisagem morfológica como recurso natural principal do homem, "substrato de todos os

outros recursos da terra, sem o que tudo mais será secundário e abstraio". Contudo, deve-se ressaltar o significado que

o relevo desempenha para o homem, ao considerá-lo como resultante do subsistema litosfera, económica e

socialmente.

Assim, o estudo do relevo feito pela geomorfologia passa a assumir uma perspectiva de geografia global

que, por sua vez, procura ocupar o espaço de direito, correspondente ao ternário ambiental. Trata-se de reforço de

uma perspectiva histórica da própria geomorfologia, como se constatará a seguir, diferente do modismo da

ecologização.

CONCEITO DE GEOMORFOLOGIA

Antes de se fazer qualquer comentário a respeito do assunto, convém apresentar algumas considerações

do que seja a geomorfologia. Trata-se de um ramo principal da geografia, ainda de pouca divulgação popular, apesar

da importância social de que se reveste, sobretudo quanto às questões ambientais.

A conceituação dificilmente será feita através de uma análise etimológica da palavra, lembrando que seu

campo de estudo é restrito que o sugerido (limitações positivistas), conforme bem lembrou Sparks (1972).

O "estudo das formas do relevo" não se restringe apenas à ciência geomorfológica, como por um

número razoável de outras ciências, entre as quais deve-se considerar a geologia, a geodésia, a

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geofísica e a própria geografia. Entretanto, a forma como propõe e desenvolve a análise do relevo é

própria, definida a partir da obra de James Hutton (1726-1797), primeiro grande fluvialista e criador da

teoria do "atualismo".

Entendida como uma ciência que busca explicar dinamicamente as transformações do geo-

relevo, portanto, não apenas quanto à morfologia (forma) como também à fisiologia (função),

incorporado organicamente ao movimento histórico das sociedades, é natural que sua vinculação com a

geografia é mais que justificável. Como responsável pelo entendimento das relações do geo-relevo,

constitui-se em importante referencial para a manutenção e estruturação dos sistemas físico-naturais

diante das transformações sociais, o que justifica a sua função ambiental.

Quanto ao significado da geomorfologia para a geografia, Hamelin (1964) entende que se

encontra determinado pela opinião que se tem da própria geografia. Para muitos geógrafos "a morfo-

logia não deveria ser nem sistemática, nem necessariamente genética - isto é, descrição e explicação do

relevo em si -, mas seletiva e funcional. Nessa ótica só se faz geomorfologia aquém de um certo ponto,

o limiar da incidência geográfica; a morfologia é, então, simplesmente um meio. Não é, pois, todo o

relevo que se tenta compreender, mas somente o seu coeficiente de intercâmbio geográfico" (Hamelin,

1964, p. 8). Na ótica dessa geografia global (simples prolongamento da geografia clássica), far-se-ia

menos a geomorfologia especializada, porém, mais frequentemente, a geomorfologia funcional. "Esta é

um pouco a geomorfologia de todos."

Diante da tendência de se ver uma geomorfologia puramente parcial, na ótica de uma

geografia global, o autor (Hamelin, 1964) entende que a mesma geomorfologia poderia ser vista de

maneira

diferente em uma geografia total, ou seja, ao mesmo tempo mo-noísta e pluralista. Portanto,

enquanto o monoísmo permitiria a unidade da geografia (preocupação dos soviéticos, como Anuchin, 1962), o

pluralismo ofereceria um estudo mais intensivo das disciplinas que compõem a área física, como a geomorfologia.

Esta, em vez de estudar somente as relações entre o relevo e o homem, ampliaria seu objetivo além dos aspectos

genéticos defendidos pela geografia clássica (geomorfologia integral - estudo do relevo sob todos os aspectos).

Para Hamelin (1964), a geografia global relaciona-se sobretudo com o método, enquanto a geografia total relaciona-

se muito mais com a divisão do objeto (estudo de maior profundidade).

Assim sendo, a geomorfologia seria feita em dois graus: "no primeiro, os especialistas do relevo irão

produzir uma geomorfologia completa em que alguns aspectos poderão auxiliar a solução dos problemas

geomorfológicos dos geógrafos globais; no segundo, estes últimos somente farão uma geomorfologia parcial, menos

exigente e mais funcional para a geografia dos conjuntos" (Mackay, 1961).

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Tal proposição (Geomorfologia parcial) parece romper a sequência metodológica do conhecimento

geomorfológico, deixando de fundamentar o terceiro nível de integração preconizado por Ab'Saber (1969), ou

seja, o da "fisiologia da paisagem", a ser abordado adiante.

Segundo Hamelin (1964, p. 14) a geomorfologia integral, ou tomada em sua totalidade, deve envolver o

estudo do relevo sob todos os seus aspectos, descrição dos fenómenos elementares,

tipos de formas e de relevo, trabalhos de laboratório e estágios sobre o terreno, estudo-montagem,

história geológica, estrutura, processos, condições, variações morfòclimáticas, nomenclatura,

geomorfologia aplicada, geomorfologia comparada, fatos regionais e estabelecimento de cartas de

conjunto e detalhadas, questões propostas a outras ciências tais como a geografia global,

climatologia, hidrologia, ciências dos solos e dos vegetais.

37

36

"O estudo do relevo tem sido encarado ora como um segmento da geologia, ora da geografia, quanto

ao objeto, e tem se desenvolvido ora apoiado em uma perspectiva teorizante, ora em uma base empirista, quanto à

forma de abordagem" (Abreu, 1985, p. 154). Enfim, depende da perspectiva em que se coloca o estudo do relevo,

observando-se as reais necessidades do homem, a quem a ciência deve servir. Hartshorne (1939) deu grande

importância a esse tema. Russell (1949) e Bryan (1950) publicaram ensaio a respeito do significado de uma

geomorfologia geográfica, Wooldridge & Morgan (1946) registraram a pertinência da climatologia e geomorfologia em

suas aplicações, no campo da geografia. Bunge (1973) lembra o papel da geografia física e da própria geomorfologia

como fonte de leis e padrões de comportamento espacial.

A seguir será apresentada uma síntese evolutiva do conhecimento geomorfológico, a partir de sua

sistematização, fundamentada em estudo desenvolvido por Abreu (1983).

SÍNTESE EVOLUTIVA DAS POSTURAS GEOMORFOLÓGICAS

A geomorfologia como ciência começa a ser sistematizada em fins do século XVIII, vinculada às

necessidades de pesquisas para as descobertas de combustíveis fósseis para alimentar a indústria do império

alemão. A política cultural nacionalista adotada pela Alemanha, sob a influência prussiana, apesar de não ter

impedido um relativo desenvolvimento interno, deixou-a fora da partilha dos territórios coloniais. Esse fato implicou

o isolamento da Alemanha em relação ao contexto europeu, obrigando-a a adotar uma política de expansionismo

latente como forma de defesa. Como resultado desenvolveu-se o isolamento cultural.

Foram portanto os geólogos e engenheiros de minas, como

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James Hutton, criador da teoria do atualismo, os grandes responsáveis pela sistematização dos

conhecimentos geomorfológicos.

Enquanto na Europa a Revolução Industrial implicava prospecções minerais e consequente mudança do

pensamento cientifico, a conquista do oeste americano também trazia contribuições importantes ao desenvolvimento

da geomorfologia.

Assim, o isolamento mantido pela Alemanha em relação aos demais países europeus em processo de

desenvolvimento económico, que de certa forma foi favorecido pelo próprio idioma, proporcionou a individualização

de quadros nacionais contrastantes no contexto político europeu, fazendo com que duas linhagens episte-mológicas

definidas surgissem. Uma era de natureza anglo-ameri-cana, onde se evidenciou a aproximação das relações da

Inglaterra e França com os Estados Unidos e outra de raízes germânicas, que posteriormente incorporou a produção

publicada em russo e polonês. Em síntese pode-se admitir que as diferenças culturais implicaram linhagens

epistemológicas distintas, com consequente definição de campo de interesse geomorfológico.

A linhagem epistemológica anglo-americana fundamenta-se praticamente até a Segunda Guerra

Mundial, nos paradigmas propostos por Davis (1899), através do "Geographical Cycle". Para ele, o relevo se

define em função da estrutura geológica, dos processos operantes e do tempo.

Apesar de Gilbert (1877), anteriormente, ter tentado explicar o relevo como resultante da erosão,

portanto, sob uma perspectiva climática, Davis considerava o relevo em função da estrutura geológica, o que mereceu

críticas insistentes do meio intelectual germânico contemporâneo, onde teve presença entre 1908/9. A geo-

morfologia davisiana praticamente não tinha qualquer articulação com a climatologia e a biogeografia,

amplamente integrada na geomorfologia alemã.

No final da década de 30, os norte-americanos se interessaram pelas críticas de W. Penck à teoria

davisiana. A interpretação de Penck (1924) ao ciclo geográfico, divulgada durante o Simpósio de Chicago (1939), foi

incorporada pêlos seguidores de Davis, criando novos paradigmas.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a influência do pensamento científico alemão se amplia nos

Estados Unidos, proporcionando o desenvolvimento de técnicas implementadas com posturas filosóficas bem

definidas. Um dos autores da corrente anglo-ameri-cana que se utilizam dos princípios adotados por Penck foi

Lester C. King (1953, 1956 e 1967), cujas pesquisas sobre aplainamento caracterizavam o centro das atenções

geomorfológicas na época.

Deve-se acrescentar que a escola francesa, que exerceu posteriormente grande influência no

desenvolvimento da geografia e geomorfologia brasileiras, praticamente se caracterizava pela reprodução do

desenvolvimento científico americano. Isso pode ser exemplificado através das influências de Davis nos trabalhos

elaborados sob a perspectiva estrutural (P. Birot, 1960; J. Tricart, 1968 e W. Thornbury, 1965).

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Progressivamente, os autores americanos assumem uma atitude mais crítica, o que contribui

sobremaneira para a elaboração de outros paradigmas, como o espaço, no momento em que Davis valoriza o tempo.

Contrariando a postura subjetiva e verbalista de Davis, esses autores propunham fatos objetivos, estudados sob

a ótica da quantificação, valorizando as relações processuais que aquele havia desconsiderado.

Assim, a partir da década de 40 até a de 60, a quantificação, a teoria dos sistemas e fluxos e o uso da

cibernética (geografia quantitativa) assumem a postura teorética. Valorizam-se a análise espacial e o estudo das

bacias de drenagem (Strahler, 1950,1952), 1954; Gregory & Walling, 1973), ao mesmo tempo em que novas

posturas começam a emergir, como a teoria do equilíbrio dinâmico de Hack (1960). Horton estabeleceu leis básicas

no estudo de bacias de drenagem, utilizando propriedades matemáticas.

A inclusão da ação humana como instrumento de modificação das formas do relevo

trouxe a vantagem de melhor enten-

dê-las dentro de sistemas geomórfïcos atuais, dinamizados por processos envolvidos

no mecanismo de modificações das formas (Cruz, 1982).

Entre 1960 e início da década de 70, constata-se a aplicação dos postulados anteriormente

obtidos, incorporando a teoria proba-bilística. Esses trabalhos acabaram caindo em formulações

estéreis, sobretudo por rejeição do paradigma davisiano, sem substituição por outro universalmente

aceito (Morley & Zunpfer, 1976).

Se por um lado valorizam o espaço e supostas relações processuais, por outro

desconsideram as relações temporais, julgadas como comprometidas ao paradigma davisiano (Abreu,

1983).

Morley & Zunpfer (1976) e Thornes & Brunsden (1977) procuram rever as propostas

precedentes. Não introduzem novos paradigmas mas apresentam posição crítica liberta de preconcei-

tos, valorizando as observações de campo. Valorizam a ação processual segundo referencial têmporo-

espacial (Schumm & Lichthy, 1965).

A linhagem epistemológica alemã tem von Richthofen (1886) como referencial inicial.

Enquanto Davis tinha em sua retaguarda nomes de geólogos, von Richthofen tinha como predecessores

autores naturalistas, que por sua vez tinham Goethe como ponto de referência permanente. (Foi Goethe

quem empregou, pela primeira vez, a expressão "morfologia" como sinónimo de geomorfologia.)

Enquanto Davis se caracteriza por uma proposição teorizante, von Richthofen se individualiza pela

perspectiva empírico-naturalista (guia de observação). A. Penck (1894) também teve um papel fun-

damental na orientação da geografia alemã, que apesar de compartilhar de algumas noções básicas da

teoria davisiana, como a do aplainamento, deu ênfase à herança naturalista de Goethe e Hum-boldt,

valorizando a observação e análise dos fenómenos.

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A. Penck (1894) sistematiza teorias e formas do relevo (tratamento genético das formas),

tornando-se um dos clássicos da geografia, exercendo grande influência no desenvolvimento da

geomorfologia alemã nas primeiras décadas do século XX.

Dentro desse contexto, três autores se destacam: A. Hettner (1927), grande crítico da teoria

davisiana, S. Passarge (1912, 1919/21), que se caracterizou pela proposição de novos conceitos - como "fisiologia

da paisagem", fundamentado na ideia de organismo -, introduzindo a ecologia no domínio geográfico, e S.

Günther (1934)* que desenvolveu uma abordagem processual e crítica do sistema de referência de Davis.

W. Penck (1924) aparece como principal opositor da postura dedutivista-historicista de Davis,

valorizando o estudo dos processos. Em Die Morphologische Analyse - Ein Kapitel der Physika-lischen Geologie,

publicação póstuma, utiliza-se da geomorfologia para atingir a geologia e contribuir para a elucidação dos movi-

mentos crustais, como paradigma alternativo. Contribui assim para o avanço da geomorfologia, formalizando

conceitos como de "depósitos correlativos". Apesar de criticado por seus seguidores, com a publicação em 1953 da

versão inglesa, levou alguns autores nor-te-americanos a se interessarem pêlos estudos de vertentes e processos.

A linha de estudos da geomorfologia climática e climatoge-nética emerge das pesquisas de J. Büdel

(1948, 1957, 1963 e 1969) "que levaram a uma ordenação dos conjuntos morfológicos de origem climática em zonas

e andares, produzidos pela interação das variáveis epeirogênicas, climáticas, petrográficas e fitogeográfï-cas"

(Abreu, 1983, p. 15).

O ternário "paisagem" evolui (Troll, 1932, 1939, 1959 e 1966) e se consolida nos estudos de

geoecologia e ordenação ambiental do espaço.

Após a Segunda Guerra, a cartografia geomorfológica emerge como método fundamental para a análise

do relevo, graças às contribuições desenvolvidas na Polónia, Tchecoeslováquia e URSS (Klimaszewski, 1963;

Demek, 1976; Basenina & Trescov, 1972). O avanço do mapeamento geomorfológico.e seu crescente emprego no

planejamento regional mantêm o caráter geográfico da ciência geomorfológica.

Em síntese, deve-se considerar que a geomorfologia alemã se beneficia da Segunda Guerra Mundial,

através do desenvolvimento da cartografia geomorfológica, e que a guerra parece responder pela ruptura

epistemológica da geomorfologia anglo-americana

(fig. 3).

Outras considerações diferenciativas podem ser anotadas entre as escolas anglo-saxônica e germânica,

que justificam as divergências teórico-metodológicas a começar por Davis, de posição bergsoniana, que se utilizou

de referencial teorizante, apoiado em posturas geológicas. A escola germanofônica, por sua vez, fundamenta-se em

proposta kantiana, via Hettner, embora seja considerável a vinculação naturalista de Humboldt. Deve-se

acrescentar que a preocupação com o espaço encontra-se vinculada a uma geografia polftico-estatística, onde a

unidade regional era priorizada (resistência prussiana ao desafio americano).

Page 25: Ambiente e apropriação   valter  casseti

Enquanto Davis se constitui no principal ponto de referência da geomorfologia anglo-americana, W. Penck

se caracteriza como um dos grandes entre muitos. Portanto, a postura teorizante de Davis e o próprio processo

dedutivo contribuem para a evolução do referencia] cíclico em sistemas de tendência axiomática, onde a ação processual

quantificada rompia com a abordagem historicista. A geomorfologia alemã, fundamentada na observação e processo

empírico, caracterizava-se como guia de campo. Assim, se tais reformulações evidenciavam ruptura epistemológica

anglofônica, a geomorfologia alemã se caracterizava pelo progressivo refinamento de conceitos.

O estruturalismo e a teoria dos sistemas processaram repercussões distintas no nível epistemológico em

ambas as escolas. Na Alemanha evidenciou-se uma maior integração das ciências naturais, integração essa que já

existia, favorecendo análises geoecoló-gicas processuais, valorizando a cartografia geomorfológica e a ordenação

ambiental (ótica marxista, identificada nas propostas dos países socialistas), evidenciando o caráter geográfico

através da vinculação com o social. Na escola anglo-americana por sua vez, observou-se a já considerada

ruptura com a abordagem historicista, favorecendo o desenvolvimento de teorias e métodos de análises

quantitativas, isolando a geomorfologia em relação à geografia e orientando-a (a geomorfologia) para

perspectivas geológicas e hidrológicas. A busca de se harmonizarem as transformações observadas surge com

teorias alternativas, proporcionando a valorização dos processos geomorfológicos, segundo o sistema referencia]

têmporo-espacial

Apesar da convergência internacional do conhecimento, as duas tendências consideradas

apresentam-se razoavelmente diferenciadas, mesmo com a incorporação gradativa da postura alemã à americana,

evidenciada a partir do Simpósio de Chicago (1939).

No Brasil, a mais séria contribuição à teoria geomorfológica parte de Ab'Saber (1969), que

"salvo melhor juízo, parece dar a tónica nos postulados de raízes germânicas" (Abreu, 1983, p. 18).

Recentemente, autores soviéticos e franceses (Bertrand, 1968 e 1970; Tricart, 1977; Socava, 1972)

têm procurado desenvolver estudos integrados da paisagem, sob a dtica dos geossistemas, o que valoriza o

desenvolvimento da geomorfologia alemã.

Assim sendo, com o progressivo amadurecimento do estudo da paisagem e dos estudos

geoecológicos, originados e desenvolvidos a partir da sistematização da geomorfologia alemã, tem sido

possível articular a natureza à sociedade. Conforme Schmithüsen (1970), "se queremos compreender a ação do

homem, não devemos separar a sociedade do meio ambiente que o rodeia".

GEOMORFOLOGIA AMBIENTAL

Um dos ternários propostos pela geografia atual refere-se à questão ambiental, que além de se

constituir numa das preocupações deste final de século, proporcionou a compreensão dialética das relações

entre homem e natureza, procurando suplantar o histórico dualismo.

Renata
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Page 26: Ambiente e apropriação   valter  casseti

Enquanto a divisão internacional do trabalho, determinada pelo sistema de produção

capitalista, respondeu pela divisão do trabalho científico, proporcionando a reprodução ilimitada de ciências e

disciplinas específicas (abordagem metafísica), com consequente fragmentação do conhecimento, a nova

postura procura integrar o social à análise da natureza, oferecendo subsídios para a compreensão das relações

espaciais em sua totalidade.

Conforme pôde-se observar através da evolução do conhecimento geomorfológico, a preocupação

ambiental tem suas raízes na escola germânica (envolvendo os soviéticos e poloneses), que parece ter se firmado

com Passarge (1922) e Troll (1932...). Portanto, a compreensão "geoecológica" em geomorfologia antecede o

despertar tardio do ternário ambiental em geografia, que tem se pautado por uma tendência marxista. Assim, o

materialismo dialético e materialismo histórico têm respondido pela orientação teórico-me-todológica da

geografia crítica e se constituído em subsídio para a compreensão das causas essenciais que respondem pelas

derivações espaciais ou implicações no comportamento do geo-relevo.

O enfoque da geografia física como ciência global tem sido acentuado nas duas últimas décadas.

Na França, os biogeógrafos Cabaussel e Bertrand reafirmam a ligação do estudo do meio físico e a

ecologia, considerando-o um sistema (ecogeografia). O conceito de geossistema de Bertrand (1969)

expressa o sentido de uma geografia física global (espaço geográfico), composto de dois subconjuntos: um

físico (potencial ecológico e exploração biológica) e outro humano.

Bertrand (1968), ao considerar a questão taxonômica da paisagem, utiliza-se da unidade

"geossistema" (unidade dimensional entre alguns quilómetros quadrados e algumas centenas de quilómetros

quadrados) como "escala em que se situa a maior parte dos fenómenos de interferência entre os elementos da

paisagem e que envolvem as condições dialéticas, as mais interessantes para o geógrafo". Portanto, refere-se a

determinada porção do espaço, resultante da combinação dinâmica de elementos físicos, biológicos e

48 e 49

das vertentes. Portanto, prevalece a fitoestabilidade;

b) Meios Fortemente Instáveis, onde a morfogênese é o elemento predominante na dinâmica. Resultam

de causas naturais (variações climáticas e efeitos tectônicos) e sobretudo antrópicas (na escala de tempo histórica), o

que implica uma dissecação elevada (pedogênese nula ou incipiente);

c) Meios Intergrades ou de Transição, que caracterizam uma passagem gradual entre os meios estáveis

e instáveis. Aí se constata uma interferência permanente na relação pedogênese-morfogê-nese. Refere-se ao estado de

Renata
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Page 27: Ambiente e apropriação   valter  casseti

modificação do sistema fitoestável antes de se ultrapassar o limiar de recuperação (fig. 4), o que proporciona a

possibilidade de restauração de um meio estável ou possibilidade de tendência para um meio fortemente instável.

Portanto, tem-se o solo como referencial para a caracterização temporal das condições de estabilidade,

o que demonstra que a morfogênese frequentemente se exerce através do solo e não dire-tamente sobre a rocha.

Os geógrafos soviéticos, depois de diversas tentativas de oferecerem uma análise integrada do

complexo físico-geográfico, construíram um método de pesquisa fundamentado no "geossiste-ma" (Sochava), que

é uma conceituação de epiderme terrestre, onde se relacionam a litomassa, aeromassa, hidromassa e biomassa. Antes

disso, Kalesnik (1958), já considerado, havia proposto uma análise integrada pela geografia física, tendo a

"Landschaft-esfe-ra" como objeto centralizador.

Felds (1958), numa abordagem ecológica, propunha o desenvolvimento de uma geomorfologia

antropogenética, procurando evidenciar as relações entre o homem e a sociedade no relevo.

O prof. A. N. Ab'Saber (1969), em sua importante contribuição metodológica, sistematiza os três níveis

de integração da análise geomorfológica, individualizando seu campo de estudo: a com-partimeníação topográfica,

relacionada às formas do relevo, o levantamento da estrutura superficial, referente aos compartimentos morfológicos

e, por último, o estudo da fisiologia da paisagem. Enquanto o primeiro nível procura oferecer uma

individualização

geográfica da área de estudo, bem como o domínio de formas de cada compartimento (análise

horizontal), o segundo, considerando os diferentes níveis altimétricos e respectivas situações em função dos depósitos

correlativos, proporciona o entendimento cronogeo-morfológico das formações superficiais (análise vertical), através

dos processos morfoclimáticos e pedogênicos penecontemporâneos. O terceiro nível, a fisiologia da paisagem, que

particularmente depende do conhecimento das fases antecedentes, tem por objetivo a compreensão dos processos

morfogenéticos através da dinâmica climática atual, momento em que se insere o homem como sujeito que se

apropria da interface e transforma-a modificando as relações entre as forças de ação (processos morfodinâmicos) e

reação do substrato (comportamento das vertentes).

A sistematização da postura ambiental oferecida pela geomorfologia recebeu grande contribuição de

Kügler (1976), que concentra de forma integrada o relevo e o território.

Nessa ótica, emerge o conceito de geo-relevo como superfície de limite externo da

geoderme, produzida pela dinâmica dos integrantes sistémicos da "Landschaftschülle" e

constituído pela superfície limite em si - que caracteriza uma desconti-nuidade neste contexto - e

seu conteúdo plástico, em postura que soma à concentração tradicional da geomorfologia alemã

uma perspectiva de análise dialética da natureza desenvolvida em mais alto grau (Abreu, 1985, p.

159).

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Page 28: Ambiente e apropriação   valter  casseti

Portanto, o geo-relevo é entendido como indicador dos processos morfoclimáticos atuais, resultando na

dinâmica das formas e propriedades adquiridas em sua génese. A dinâmica e as propriedades são fundamentais para

se compreender a evolução dos processos geoecológicos e se planejar a reprodução da sociedade. Assim, as funções

sócio-reprodutoras resultam do uso das propriedades geoecológicas, em face da intensidade e modo de uso: como

recurso natural ou suporte. Kügler (1976) traz para a geografia uma contribuição fundamental na investigação da

paisagem, resultante de um dos eixos tradicionais da geomorfologia alemã, apoiada em Passarge e Penck.

A designação "Geomorfologia Ambiental" foi proposta no Simpósio de Bringhauton, em 1970,

procurando definir o campo social de aplicação geomorfológica, que incorporando os conceitos de Kügler (1976),

teria como preocupação exclusiva a intensidade ou forma de transformação das propriedades geoecológicas em

só-cio-reprodutoras, visando uma apropriação racional do espaço natural, sem perder a dimensão de tê-lo como

seu próprio ambiente.

Sabe-se, contudo, que as relações entre natureza e sociedade, , incorporadas nas forcas produtivas,

encontram-se determinadas ) pelo trabalho, conceito inerente da força de trabalho, responsável /pela

transformação dos meios de produção. Sabe-se, também, que ; as relações homem-natureza resultam das relações

homem-homem (relações sociais de produção), componente indispensável ao entendimento da reprodução do

espaço e consequente possibilidade de alteração ambiental.

Assim sendo, a geomorfologia em seu enfoque ambiental deve, além de utilizar os subsídios

"técnicos" (de natureza morfológica e fisiológica), incorporar as relações polftico-econômicas (oferecendo a

compreensão da "essência"), como determinante das resultantes processuais e derivações espaciais.

Portanto, considerando o processo de ocupação do relevo, utilizando o conceito de vertente

(componente genérico do relevo), transformando as propriedades geoecológicas (primeira natureza) em sócio-

reprodutoras (segunda natureza), o homem pode produzir desequilíbrio climáxico e consequentes derivações

ambientais.

Ao se entender que a vertente como categoria é propriedade, e como tal suscetível às diferentes

intensidades de uso ou forma, conclui-se que ela se encontra subordinada aos interesses das relações de produção.

Como categoria, a vertente apresenta a sua essência (componentes intrínsecos) que se manifesta como aparência.

Como fenómeno, deve-se considerar as relações externas processadas pelas diferentes intensidades dos elementos

climáticos em função da apropriação e transformação produzida pelo homem (relações fenomenológicas). Sendo o

conteúdo o conjunto articulado das relações internas e externas das coisas, reunindo em si a essência e o fenómeno, a

forma (aparência) caracteriza-se como estado do conteúdo ou o modo como ele se manifesta.

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Page 29: Ambiente e apropriação   valter  casseti

Em síntese, ao se processarem alterações nas relações internas da vertente (essência), por meio dos

componentes externos (fenómenos), têm-se como resultado as implicações no conteúdo, que se manifestam através da

forma.

A seguir, após considerações conceituais sobre o sentido da vertente, serão levantados seus

componentes intrínsecos, bem como alguns efeitos decorrentes de aplicações de esforços (fenómenos) para, em

seguida, evidenciar-se o conteúdo (conjunto articulado das referidas relações internas e externas) da paisagem em

suas derivações ambientais.

DINÂMICA PROCESSUAL DO RELEVO: A VERTENTE COMO CATEGORIA

Conforme se considerou anteriormente, o relevo se constitui em produto do antagonismo das

forças endógenas (forças tectogenéti-cas) e exógenas (mecanismos morfoclimáticos), portanto, um importante

componente do estrato geográfico, suporte ou recurso das propriedades sócio-reprodutoras.

Por entender que o elemento dominante do relevo é constituído pela vertente, a ser melhor

caracterizada adiante, tem-se que ela se individualiza como categoria central da estruturação do pensamento. É

portanto na vertente que se materializam as relações das forças produtivas, ou seja, onde ficam impregnadas as

transformações que compõem a paisagem.

É preciso observar ainda que se entende o processo evolutivo da vertente, perceptível na escala

de tempo histórica, como determinado pêlos processos morfogenéticos, ou seja, pêlos fatores exógenos, além,

evidentemente, das intervenções produzidas pelo homem. Com exceção dos fenómenos catastróficos (terremotos,

vulcanismos...), as atividades endógenas assumem importância sobretudo na escala de tempo geológica,

imperceptível no instante de abordagem, que se vincula à escala de tempo histórica ou humana.

Procurar-se-á, assim, utilizando o conceito de "vertente" em geomorfologia, demonstrar as

relações processuais evidenciadas, dando ênfase à dinâmica externa, valorizando as derivações antro-pogênicas.

CONCEITO DE VERTENTE EM GEOMORFOLOGIA

O estudo da vertente encontra-se, atualmente, no centro das preocupações geomorfológicas; assim

como as pesquisas de aplai-namentos estiveram entre as duas guerras mundiais. A vertente, conforme Tricart

(1957), "constitui o elemento dominante do relevo na- maior parte das regiões, apresentando-se portanto,

como forma de relevo mais importante para o homem. Tanto a agricultura quanto os demais trabalhos de

Renata
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Page 30: Ambiente e apropriação   valter  casseti

construções, por exemplo, estão interessados na evolução das vertentes que acabam comandando, por exemplo,

a perenidade - direta e indireta - dos cursos d'água, pela ação geomorfológica". Em síntese, a busca de se

entender a evolução da vertente se caracteriza como subsídio à compreensão das formas atuais do relevo

terrestre.

O conceito de vertente é essencialmente dinâmico, uma vez que se define pelas relações

processuais geomórficas. Conforme Cruz (1982, p. 3), "o estudo geomorfológico da evolução atual das

vertentes é extremamente importante quanto ao entendimento espácio-temporal dos mecanismos

morfodinâmicos atuais e passados. Os estudos morfodinâmicos atuais levam ao cerne do estudo

geomorfológico por excelência, ajudando o entendimento das paisagens geográficas". Ressalta que "são eles

que mostram os mecanismos dessa evolução e levam ao melhor entendimento dos estudos morfogenéticos de

épocas passadas".

Strahler (apud Fairbridge, 1968) observa que as vertentes resultam de processos exógenos e

endógenos, destacando os efeitos de denudação, por processo de intemperismo, movimentação de massa e

água de escoamento, ajustados à geometria do sistema fluvial.

Para Dylik (1968), a vertente tomou-se um dos problemas-chave da moderna geomorfologia,

compreendendo todos os aspectos da geografia física e incluindo mesmo um certo número de questões

relativas à geografia humana. Conforme o autor, fundamentado nas ideias de Gilbert (1877), num sentido geral, a

vertente seria um todo dinamicamente ligado aos processos fluviais, e num sentido especifico, seria caracterizada

por processos denudacio-nais, ou seja, processos de vertentes. Portanto, a vertente lato sen-su, incorpora o curso

d'água, nível de base responsável pelo grau de participação dos efeitos areolares da vertente stricto sensu. Enquanto

a vertente stricto sensu encontra-se limitada pelas relações morfodinâmicas areolares, ou seja, definida pela extensão

delimitada pelo umbral de funcionamento (onde as atividades processuais têm inicio) até o umbral de parada (onde

as atividades processuais denudacionais são substituídas pelas fluviais), a vertente lato sensu regula a intensidade

dos fenómenos areolares. Por exemplo, o ajustamento de um curso d'água, por efeito tectônico, responde pela

tendência de ajustamento dos processos areolares e conser quente evolução da vertente.

Observa-se ainda que qualquer alteração climática influi no limiar da vertente num sentido estrito, assim

como repercute no entendimento da evolução da vertente lato sensu. Em síntese, o conceito de vertente incorpora

necessariamente o conceito de processo mor-fogenético, o que leva a entender a vertente como resultante de

processos rítmicos têmporo-espaciais.

De acordo com McCullagh (1978), embora Gilbert (1877) tenha sido o primeiro a reconhecer a

importância dos processos geomor-fológicos na evolução do relevo, foram W. M. Davis e W. Penck que se

preocuparam com os modelos sobre a evolução das vertentes. Enquanto Davis (1899) procura demonstrar a

Renata
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Page 31: Ambiente e apropriação   valter  casseti

evolução das formas através do wearing down, Penck (1924) sugere o recuo paralelo das vertentes (wearing bacK),

como resultado da denudação, a ser considerado adiante.

Jahn (1954) destacou-se no estudo da evolução das vertentes, sobretudo através do' 'balanço de

denudação''. Observa que as forças morfogenéticas exercidas sobre a vertente se reduzem a dois componentes: o

primeiro, denominado perpendicular, caracteriza-se pela infiltração, responsável pela intemperização que permite o

desenvolvimento da pedogenização, proporcionando assim a formação de material para eventual transporte; o

segundo, denominado paralelo (paralelo à vertente ou superfície), refere-se ao processo denudacional

(morfogênese) ou responsável pelo transporte do material pré-elaborado.

Assim, o balanço denudacional de Jahn (1954), denominação que Tricart (1957) substituiu por

"balanço morfogenético", de maior abrangência terminológica (abrasão e acumulação), é estabelecido pela relação

entre os componentes perpendicular e paralelo. Enquanto o perpendicular demonstra a ação da infiltração,

conforme se considerou, favorecida pela cobertura vegetal, o que implicará alteração de natureza bioquímica, bem

como a decomposição responsável pela pedogênese (desenvolvimento dos solos), o paralelo caracteriza os efeitos

erosionais, o que leva a admitir, por exemplo, a retirada da cobertura vegetal, favorecendo a tendência da ação direta

dos elementos do clima.

Nas regiões intertropicais, a chuva se caracteriza como processo de maior importância, implicando

fluxo por terra (escoamento), que responde pela redução do material pré-elaborado pelo componente perpendicular.

Ainda como exemplo de componente paralelo incluem-se os fenómenos de solifluxão (movimento de massa da

ordem de alguns decímetros/mês ou ano, evidenciado sobretudo nas regiões periglaciais); rastejamento ou creeping

(movimento de massa da ordem de centímetros/ano, constatado nas regiões tropicais); e deslizamentos de massa

ou escorregamentos (movimentos rápidos), constatados com frequência nos períodos de grandes intensidades

pluviométricas. Isso ocorre sobretudo em fortes declives, submetidos à interferência do homem, como o processo de

ocupação do litoral brasileiro, responsável por verdadeiras tragédias (sul de Minas Gerais, 1948; Baixada Santista,

1956; Rio de Janeiro, 1966 e 1967; Serra de Caraguatatuba, 1967; Serra das Araras, 1967; Serra de Maranguape,

1974; Espirito Santo, 1983; Ubatuba-Angra dos Reis, 1984; Curitiba, 1987; Petrópolis, Rio de Janeiro e Ubatuba,

1988 e muitos outros).

Em síntese, observa Jahn (1954) que quando o componente perpendicular é superior ao paralelo, ou

seja, quando a pedogênese é superior à denudação, predomina um balanço morfogenético negativo. Ao contrário,

quando o componente paralelo é superior ao perpendicular, predomina um balanço morfogenético positivo (a

denudação predomina sobre a pedogênese).

Erhart (1956) procura demonstrar, através de sua teoria bio-resistáíica que em condições de

biostasia, portanto, quando a vertente encontra-se revestida de cobertura vegetal (propriedade geoe-cológica), em

meio ácido, como nas regiões intertropicais, a infiltração responde pela alteração dos silicatos de alumina

Page 32: Ambiente e apropriação   valter  casseti

(feldspatos), originando a caolinita, que juntamente com o quartzo, existente na grande maioria das rochas,

integra a estrutura física dos solos. Os hidróxidos de ferro e alumina, solubilizados em tal ambiente, ficam

retidos e são incorporados ao solo (fase residual), enquanto os elementos alcalinos ou alcalino-terrosos (potássio,

sódio, cálcio e magnésio), bem como o silício, são transportados pela água escoada (fase migradora),

originando-se os depósitos de rochas organógenas (fig. 5). Portanto, na biostasia, a atividade geo-

morfogenética é fraca ou nula, existindo um equilíbrio climáxico entre potencial ecológico e exploração

biológica.

A resistasia, por outro lado, é identificada pela retirada dos elementos que na biostasia

compunham a fase residual (elementos minerais + hidróxidos de ferro e alumina), o que determina a tur-bidez

das águas de superfície (cursos d'água), que tem como principal indicador o ferro. Tal fase passa a ser

individualizada a partir do momento em que a cobertura vegetal desaparece, o que pode resultar de alterações

climáticas, na escala de tempo geológico, ou por derivações processadas pelo homem, na escala de tempo histó-

rica. Portanto, na resistasia, a geomorfogênese domina a dinâmica da paisagem, com repercussão no potencial

geoecológico (desequilíbrio climáxico).

Como resultado, tem-se um balanço morfogenético positivo, com retirada do material

intemperizado, que implica a redução gradativa da camada pedogenizada, com consequente assoreamento de

vales. Portanto, tem-se a substituição dos depósitos organógenos a fase biostásica (ou "fitostásica",

denominada por Tricart, 1977) por depósitos argilo-lateríticos (fig. 6).

Erhart (1956), através de sua teoria, procura justificar a presença de jazidas de ferro, bauxita e

coríndon, como relacionadas a uma fase resistásica, o que leva a admitir a existência de uma fase biostásica

antecedente, responsável pela elaboração dos elementos que compunham a fase residual, que na resistasia foram

transportados ou mobilizados.

A noção dinâmica de vertente implica, portanto, a necessidade de se considerar a ação

morfogenêtica, o que exime de destaque os declives nulos (superfícies horizontalizadas), que não permitem o

desenvolvimento do componente paralelo.

Precipitação

Predomínio do escoamento(Fluxo de terra)

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Depósaito areia e argila Laterítica

Infiltração

Incipiente

Transporte dos elementos da FASE

MIGRADORA (da Biostasia) + os elementos da

FASE RESIDUAL: Hidróxidos de Ferro e Alumina +

Quartzo e Caolinita.

Fig. 6 - Predomínio do Componente Paralelo (Fase Resistásica)

A vertente, em seu sentido estrito, corresponde ao momento do início de desenvolvimento dos

processos morfogenéticos, que Tricart (1957) denominou de "umbral de funcionamento". O término da

vertente coincide com o término dos processos específicos da vertente (processos denominados areolares),

momento em que são substituídos ("umbral de parada") pêlos processos lineares ou fluviais, ou simplesmente

onde a energia cinética se toma nula, determinada pelo comportamento topográfico (depressão de receph cão

ou acumulação).

Diante disso, deve-se admitir que toda vertente evolui em função de um nível de base (qualquer

ponto localizado à jusante se constitui em nível de base para a evolução do localizado à montante), como o

curso d'água em questão que comandará a intensidade dos processos morfogenéticos. Portanto, a vertente, em

seu sentido amplo, necessariamente incorporará a presença de um curso d'água ou nível de base que anula os

processos areolares, como ponto de referência para seu próprio desenvolvimento.

Entendendo que a evolução da vertente encontra-se vinculada ao comportamento do nível de

base local, conclui-se que toda vez em que este se altera, automaticamente implicará ajustamento das

relações processuais, responsáveis pela evolução morfológica (busca do "Equilíbrio Dinâmico" de Hack,

1957).

Penck (1924) procura demonstrar a evolução e comportamento das formas da vertente em função

da intensidade de dissecação, a qual encontra-se vinculada ao movimento crustal. Em síntese, entende que um

Page 34: Ambiente e apropriação   valter  casseti

rápido soerguimento do relevo responderia por forte incisão vertical do talvegue, não acompanhado pêlos

processos denudacionais (ou processos 'areolares'), implicando aumento do declive da vertente, com tendência

à convexização geométrica (fig. 7a).

Quando o soerguimento crustal for compensado proporcionalmente pela incisão vertical ou

erosão linear, mantendo equilíbrio com a erosão areolar (denudação), a vertente, apesar de evoluir, manterá a

disposição angular primitiva, o que Penck denominou de "superfície primária", não se registrando produção de

elevação real da superfície (fig. 7b).

O terceiro caso é caracterizado por fraco soerguimento crustal, onde a incisão vertical

dependente produz um fraco entalhamento, portanto, inferior à intensidade dos processos morfogenéticos

(processo areolar), respondendo pela redução do declive e consequente tendência de concavização da

vertente (fig. 7c).

Diante disso, pode-se perfeitamente contrapor a ideia de Da-vis (1899), considerando a evolução da

vertente proposta por Penck (1924), que se utiliza do recuo paralelo ("wearing back"), cujas implicações

tectônicas são entendidas como intermitentes e de diferentes intensidades, associadas aos efeitos denudacionais

(tabela 1).

Tabela l - SISTEMAS DE REFERÊNCIA EM GEOMORFOLOGIA

Cara

cterísticas

W. M.

Davis (1899)

W.

Penck (1924)

Asp

ectos Gerais do

Sistema

Rápido

soerguimento com

posterior estabilidade

tec-tônica e eustática

Lenta

ascensão de massa

com intermitência

Car

acterísticas

W. M.

Davis (1899)

W. Penck

(1924)

Rel

ação Soergui-

mento/Denudaç

ão

Início da

denudação (co-

mandada pela incisão

fluvial) após fim de

ascensão crustal

Intensida

de de denudação

associada ao

comportamento

crustal

Pro Evoluçã Evolução

Page 35: Ambiente e apropriação   valter  casseti

cesso Evolutivo o morfológica de

cima para baixo

(wearing down)

por recuo paralelo

das vertentes (wea-

ring back)

Está

gio Final ou

Parcial da

Morfologia

Peneplan

ização (formas

residuais: monad

rocks)

Superfíci

e primária Oenta

ascensão compensada

pela denudação).

Não haveria

produção de elevação

real da superfície

Car

acterísticas

Morfológicas

Fases

antropomórficas:

juventude,

maturidade e

senilidade

Processo

s de declividades

laterais das

vertentes: convexas,

retilíneas e côncavas

(relação incisão do

talvegue-denudação,

por implicação

crustal)

Além das implicações tectônicas (lato sensu), o balanço mor-fogenético da vertente (stricío sensu) é

comandado pelo valor do declive, a natureza da rocha e o clima. Deve-se chamar atenção, para o fato de as

variáveis enumeradas encontrarem-se numa mesma escala taxonômica em relação aos processos morfogenéticos,

devendo-se incluir o significado da cobertura vegetal ou modalidade do uso do solo.

RELAÇÕES PROCESSUAIS DAS VERTENTES (RELAÇÕES EXTERNAS)

Por processo geomorfológico entende-se todo e qualquer fenómeno responsável por alterações

evolutivas das vertentes. São portanto os responsáveis pela esculturação das vertentes, representando a ação da

dinâmica externa, envolvendo as seguintes etapas: abrasão, transporte e acumulação.

Conforme se considerou anteriormente, o relevo, ou mais especificamente a vertente, resulta da ação

processual ao longo do tempo, que pode ser reconstituída através das evidências intimamente ligadas aos

paleoprocessos, como a forma e depósitos correlativos. Tal fato demonstra uma certa analogia com as evidências

impregnadas na paisagem pêlos diferentes conteúdos (conjunto articulado entre a essência e o fenómeno),

característicos nos diferentes modos de produção. Portanto, a aparência ou forma da vertente atual deve ser vista

Page 36: Ambiente e apropriação   valter  casseti

sob o enfoque histórico (assim como a sociedade deve ser analisada no contexto do materialismo histórico),

momento em que se caracteriza por diferentes componentes que integram as relações processuais.

Assim, a evolução da vertente analisada ao longo do tempo geológico necessariamente incorpora o

antagonismo determinado pelas forças endógenas (comandadas pelas atividades tectônicas) e exógenas (relativas

aos processos morfoclimáticos). Contudo, a partir do momento em que se procura analisar a vertente na atuali-

dade, os fatores internos são desconsiderados, uma vez que tais reflexos são sentidos numa escala de tempo

geológico, com exceção dos catastróficos, como os vulcanismos ou abalos sísmicos, comuns nas zonas de dobramentos

recentes (fig. 8).

Em síntese, a vertente vista na atualidade, ao mesmo tempo em que desconsidera ou não atribui

grande importância às forças endógenas, necessariamente incorpora outros elementos que não integram as

variáveis responsáveis pela evolução do relevo na "primeira natureza". Trata-se do homem, que através do

processo de apropriação e transformação da vertente implica o estado de agravamento da referida evolução (a

evolução torna-se sensível na escala de tempo histórica), por oferecer condições à intensificação dos processos

exógenos. Como exemplo, em condições de biosta-sia, o elemento do clima, como a chuva, sofre a interceptação

da cobertura vegetal, favorecendo a infiltração e consequente evolucão pedogênica (predomínio do componente

perpendicular). A partir do momento em que o homem se apropria da vertente e inicia um processo de transformação,

tendo-a como suporte ou recurso, o que normalmente se dá através do desmatamento, com consequentes cortes ou

aterros, as relações processuais são alteradas: a chuva deixa de ser interceptada, proporcionando a desagregação

mecânica do solo pelo efeito de "splash", ao mesmo tempo em que responde pelo aumento do fluxo por terra com

consequente dessoloa-gem, ravinamento, boçorocamento ou mesmo deslizamento de massa. Portanto, o componente

paralelo passa a predominar sobre o perpendicular, implicando o desequilíbrio da vertente e agravando o estado de

saída.

O referido exemplo, utilizando os conceitos apresentados por Bertrand (1968), considerado

anteriormente, evidenciaria a intervenção do homem na "exploração biológica" (o desmatamento implica a expulsão

ou eliminação da fauna e expõe o solo aos efeitos abrasivos), provocando o "desequilíbrio climáxico", que por sua

vez repercute no comportamento do "potencial ecológico", alterando a vertente substancialmente. (A eliminação da

referida interface implicaria alteração hidrodinâmica - determinada pela chuva -do predomínio da infiltração ao

domínio do fluxo por terra. Isso, por sua vez, processaria alterações substanciais no relevo ou vertente que,

dependendo da escala de abrangência, poderia inclusive modificar as condições climáticas locais, como as

representadas pelas disritmias pluviométricas.)

Nas regiões intertropicais, o comportamento hidrodinâmico das vertentes assume importância capital,

conhecendo-se o significado da intensidade e frequência das chuvas em função das alterações processadas no relevo.

Renata
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Horton (1933) delineou pela primeira vez o modelo clássico de hidrologia da vertente, considerando

que a superfície pode oferecer dois componentes básicos: a) a água infiltrada, que acontecerá enquanto a capacidade

de infiltração permitir, sendo responsável pelo abastecimento indireto dos cursos d'água; b) a água de escoamento,

que inicia com a saturação do limite de capacidade de infiltração, que pode ser determinada pela intensidade da

chuva, condicão de armazenamento hídrico do solo, disposição topográfica e mesmo cobertura vegetal.

Gregory (1978) considera a evolução da vertente (variável dependente) em função dos processos

atuantes e dos materiais existentes (variáveis independentes). Se os processos encontram-se na atualidade

comandados pêlos elementos climáticos, devendo-se incorporar o próprio homem, os materiais submetidos aos

processos referem-se àqueles previamente produzidos ou em processo de elaboração (como material intemperizado,

depósitos superficiais...).

Carson & Kirkby (1972) discorrem sobre a evolução da vertente considerando os componentes força

(força de gravidade, de tensão e pressão da água, força do fluxo da água, distribuição da água na vertente, força do

impacto da chuva e forças de expansão e difusão) e resistência (mitigadores de forças, resistência ao ciza-Ihamento

e demais fatores associados).

Tricart (1957), após traçar algumas considerações quanto ao jogo dos componentes sintetizados por

Jahn (1954), demonstra o significado do valor do declive, natureza da rocha e o clima, no balanço morfogenético

da vertente, que serão discutidos a partir de então.

FATORES QUE COMANDAM O

BALANÇO MORFOGENÉTICO DA VERTENTE

Como regra geral, tem-se que quanto maior o declive ou gradiente da vertente, mais o componente

paralelo se intensifica, o que responde pelo enfraquecimento do componente perpendicular. Exemplo dessa relação

pode ser entendido ao se observarem as vertentes de declives íngremes, que apresentam adelgaçamento da camada

intemperizada, originando os litossolos, enquanto as áreas de baixo declive normalmente são caracterizadas por solos

espessos (tálus).

Além do fator declividade incluem-se ainda o comprimento de rampa e a forma geométrica da

vertente, como intensificadores dos processos morfogenéticos ou diferenciadores da intensidade do fluxo por terra.

Pesquisas realizadas no Instituto Agronómico de Campinas (Bertoni et alü, 1972), demonstram que

quadruplicando-se o comprimento de rampa, quase são triplicadas as perdas de terra por unidade de área,

diminuindo-se em mais da metade as perdas de água.

Ainda, a forma geométrica da vertente apresenta uma significativa participação no balanço

morfogenético, o que foi evidenciado por Ruhe (1975). Como exemplo: a) as vertentes portadoras de comprimento

Renata
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Renata
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Page 38: Ambiente e apropriação   valter  casseti

reto e largura reta respondem pelo predomínio do fluxo laminar; b) as representadas por comprimento reto e

largura curva respondem por processos complexos (largura convexa: fluxo disperso; largura côncava: fluxo

convergente com ocorrência de escoamento concentrado); c) as de comprimento curvo e largura também curva

caracterizam processos mais complexos (ocorrência de fluxo concentrado em linhas de drenagem de primeira ordem).

A natureza da rocha, além de responder pelo comportamento da formação superficial, intervém ainda

no perfil da vertente, no seu declive médio e na velocidade de seu recuo ou evolução.

Quanto à formação superficial (denominação que envolve o material decomposto ou edafizado que

recobre a rocha, ou seja, engloba a noção de solo e subsolo), deve-se destacar a característica textura! definida pêlos

minerais resultantes, que respondem pela especificidade de determinados processos morfogenéticos (grau de

plasticidade). Por exemplo, a participação da argila favorece a soli-fluxão, o "creeping" ou reptação e ainda o

deslizamento de massas. Portanto, como destacou Tricart (1957), a argila soliflui, a areia não soliflui.

Além desse aspecto, deve-se observar que a participação de determinados elementos texturais na

formação superficial implicam o grau de resistência mecânica dos agregados, tanto com relação ao efeito da gota de

chuva (efeito de splash), quanto a intensidade erosiva comandada pelo fluxo por terra (escoamento difuso, laminar

ou concentrado).

Pesquisas realizadas por Bertoni elalii(l912) demonstram a relação de perdas de terra e água em

relação à média pluviométrica anual (tabela 2), segundo os diferentes tipos de solos.

Tabela 2 - PERDAS DE TERRA E ÁGUA POR DIFERENTES TIPOS DE SOLOS

Perdas

Tipo

de Solo

Terra

(t/ha/a)

Água

(% da chuva)

Aren

oso

21,1 5,7

Argil

oso

16,6 9,6

Terra

Roxa

9,5 3,3

Nota: Média com base em 1300 mm de chuva e declives entre 8,5 e 12,8%.

Page 39: Ambiente e apropriação   valter  casseti

Conforme se pode observar, o tipo roxo foi o que registrou menor perda de terra, enquanto por

unidade de volume de enxurrada escoada foi o argiloso. Isto significa que o solo argiloso, ao mesmo tempo em

que proporciona maior escoamento, o que é justificado pela expansão minerálica em condição de hidratação, res-

ponde pela agregação ou acréscimo da coesão dos agregados do solo, aumentando a resistência aos processos

erosionais.

Queiroz Neto (1976), em pesquisa realizada, conclui que os solos B texturais, com descontinuidade,

apresentam um comportamento ligado aos processos de erosão em lençol, além de movimentos coletivos,

enquanto os B latossólicos, homogéneos, profundos, são atingidos mais pelo escoamento concentrado, ravina-

mentos e boçorocamentos.

A litologia intervém ainda na forma do perfil da vertente, conforme já se considerou, o que pode

facilmente ser identificado pêlos quartzitos no domínio tropical que, normalmente, implicam declives acentuados

(grau de massividade elevado), ou individualização de elementos do relevo, como as cornijas estruturais (free-

faces), que muitas vezes protegem as rochas tenras subjacentes.

Deve-se observar que aipropriedade geomorfológicà\da rocha reage de acordo com as

condições climáticas. Assim, o mesmo quartzito, em clima seco, evoluiria muito mais que as rochas

xistosas, susceptíveis ao maior ataque químico.

Assim sendo, um forte declive, determinado por resistência litológica, que pode ou não ser

uma resultante tectônica, normalmente proporcionará aumento da intensidade dos processos, consi-

derando que este varia conforme o seno do ângulo da vertente. Contudo, tal declive poderá ainda

caracterizar uma condição de "equilíbrio dinâmico", desde que a relação energia (processos incidentes)

e matéria (material resultante) esteja balanceada (independentemente das condições topográficas).

O clima se caracteriza como elemento morfogenético de maior importância. Ele intervém

direta (como nas regiões desérticas ou glaciais) e indiretamente (onde a cobertura vegetal e o solo se

fazem presentes), proporcionando o desenvolvimento tanto do componente perpendicular como do

paralelo. Como exemplo, nos climas tropicais úmidos, sob floresta densa, o componente perpendicular

é muito intenso, produzindo forte e rápida alteração das rochas (pedogenização), o que explica o

crescente espessamento dos solos (dezenas de metros). Ao contrário, nas zonas áridas, onde a ausência

de umidade impede o desenvolvimento de solos e ainda as torrencialidades pluviométricas respondem

pelo transporte de detritos resultantes da morfogênese mecânica, a exposição da rocha se toma uma

constante, o que permite a ação direta dos elementos do clima.

Page 40: Ambiente e apropriação   valter  casseti

Portanto, o clima se constitui no grande responsável pela dinâmica processual, desde a

elaboração pedogenética (componente perpendicular), comandada pêlos intemperismos químicos,

principalmente, até a ação erosional (componente paralelo), representada pêlos agentes da

meteorização (movimentos do regolito e demais processos morfogenéticos, como os pluvioerosivos nas

regiões in-tertropicais). Em síntese, conclui-se que a importância do fator morfòclimático se traduz

pela existência de verdadeiras famílias de formas. Por exemplo: na zona tropical ümida (domínio das

florestas) predomina a convexidade geral do perfil, com declives médios elevados; o modelado é comandado pela

alteração química, com processos mecânicos subordinados (reptação, escorregamento). Na zona tropical seca

(domínio dos cerrados) as formas são menos convexizadas e tendem a um perfil geral retilíneo (topo de

interflúvios pediplanados); a desagregação mecânica é fraca e a alteração química é atenuada pela estação seca

prolongada. Tais exemplos de diferenciações morfológicas gerais são justificados pela noção de frequência

(intensidade de dissecação, comandada pelo fator climático e reação estrutural).

Ainda, quanto ao fator climático, deve-se considerar a sua participação pretérita (paleoclima) na

forma resultante da vertente. Assim, o modelado atual é resultante de processos morfoclimáticos pretéritos, cujas

evidências são sentidas através da forma ou mais especificamente, através dos depósitos correlativos ou estrutura su-

perficial. Portanto, é comum observar em cortes de vertentes, a presença de paleopavimentos, como pedimentos

detríticos, que se caracterizam pela sequência deposicional, observada em soleira de vertente, que permitem a

interpretação genética (utilizando-se da teoria do "atualismo" de Hutton, 1797: "o presente é a chave do

passado"), por recuo paralelo desta, determinada por processo morfogenético mecânico, assim entendido pela

característica física identificada como pela morfoscopia dos sedimentos (detritos angulosos). Tais pedimentos

normalmente acham-se inumados por colúvios (material proveniente de montante) pedogenizados, elaborados em

fases climáticas penecontemporâneas (clima tímido).

Também são evidências paleoclimáticas as stone-lines (linhas de pedras que aparecem sotopostas por

colúvios atuais), baixos-ter-raços (depósitos de seixos arredondados, localizados acima dos leitos fluviais atuais),

bem como superfícies aplainadas (relacionadas a condições climáticas secas, com duração muito prolongada-teoria

da pediplanação de King, 1955), identificadas pela forma horizontalizada, resultante do processo de

pediplanação, que seccionou estrutura geológica de resistência litológica variada, muitas vezes testemunhadas

por depósitos característicos (como bancadas ferruginosas e materiais detrito-lateralizados).

Acredita-se que a rápida abordagem dos fatores que comandam o balanço morfogenético possa oferecer

subsídios para a compreensão do conceito dinâmico da vertente. Se no sentido amplo a vertente integra o nível de

base local ou curso d'água, no sentido estrito é definida pelas relações processuais. Assim, enquanto nas regiões

periglaciais o movimento do regolito (solifluxão) ocorre a partir de dois graus (umbral de funcionamento), nas

regiões áridas a gravidade pura não pode afetar declives inferiores a 40/45°. Isto é, o material desagregado

Page 41: Ambiente e apropriação   valter  casseti

mecanicamente não terá condições de ser mobilizado, permanecendo depositado na vertente, o que implicará na

definição do umbral de funcionamento, apesar do elevado declive. Quanto ao umbral de parada, conforme se

considerou anteriormente, refere-se ao momento em que os processos areolares são substituídos pêlos lineares, que

varia inclusive de acordo com a oscilação da seção molhada do curso em questão (variação sazonal).

Em síntese, a noção de umbral é essencialmente dinâmica, sofrendo alterações no tempo e espaço, seja

determinadas pelas diferenças processuais (variações climáticas), seja pela aceleração dos processos tectodinâmicos

(que se refletem na evolução dos talve-gues) ou ainda pela própria ação do homem.

RELAÇÃO VERTENTE-SISTEMA HIDROGRÁFICO

Conforme se pode observar através do sistema de referência preconizado por Penck (1924), existe

uma direta relação ou interdependência entre a vertente e o curso d'água. Portanto, ao mesmo tempo em que a

vertente evolui em função da disposição do talve-gue (nível de base para a intensificação dos processos morfogené-

ticos), esta, em decorrência das derivações apresentadas, implica diretamente o comportamento do canal.

Como exemplo, em condições de biostasia (conceito de Erhart, 1956), a vertente encontra-se

revestida pela cobertura vegetal, e ao longo do curso d'água prevalece a mata galeria ou ciliar, que responde pelo

domínio do processo de infiltração (componente perpendicular), que por sua vez implica pedogenização (aumento

gradativo do manto intemperizado). Assim, o lençol freático tende a armazenar grande potencial hídrico, que por

efluência, abastecerá o curso d'água, evidenciando-se uma variação regular da descarga ou vazão.

A partir do momento em que a vertente começa a ser ocupada, processo iniciado com a retirada da

cobertura vegetal, as relações processuais morfodinâmicas se alteram: os solos são castigados diretamente pela

incidência dos raios solares e efeitos pluvioe-rosivos, além de permitir aumento da velocidade dos ventos, o que

favorece a dessoloagem. Inicia, portanto, um aumento do fluxo por terra (escoamento ou componente paralelo) e

consequente redução da infiltração. Com isso, o comportamento da descarga começa a ser alterado, ou seja, o fluxo

por terra implica início de torrenciali-dade da vazão, antes controlada pelo lençol freático, além de trazer consigo

material proveniente da vertente, resultante do processo erosivo.

Quando a vertente encontra-se urbanizada, o fluxo por terra se agrava, uma vez que a superfície torna-

se impermeabilizada (pavimentação de ruas, quintais, cobertura de edificações...), impedindo o abastecimento do

lençol freático. Diante disso tem-se a descarga fluvial controlada quase que exclusivamente pelo escoamento de

superfície (ou esgotos pluviais), que responde pela torrenciali-dade observada nos grandes centros, gerando

sérios prejuízos à população ribeirinha, normalmente discriminada socialmente. As superfícies desprovidas de

cobertura vegetal e pavimentação, por sua vez, contribuem com uma carga elevada de material (depósito de

cobertura), que tende a se acumular ao longo do curso d'água, sobretudo naqueles de baixo gradiente, gerando o

processo denominado de assoreamento.

Page 42: Ambiente e apropriação   valter  casseti

Tem-se, portanto, uma alteração total do sistema hidrológico da vertente e conseqüentemente do

curso d'água. Enquanto na biostasia o canal fluvial encontrava-se ajustado aos processos evidenciados na vertente,

na resistasia, com a alteração desta, tem-se uma ação direta dos processos morfodinâmicos, acréscimo geométrico do

fluxo por terra, que se direcionam para o canal que não se encontra ajustado as condições atuais, além de sofrer

assoreamento que agrava o problema de dimensão da caixa de captação.

Visando atenuar os problemas de enchentes e assoreamento, característicos dos grandes centros

urbanos ou áreas degradadas, utiliza-se o processo de dragagem, que se torna permanente, uma vez que as

vertentes continuam transferindo material resultante da erosão, os quais, preferencialmente, vão ocupar as

"depressões" (resultantes da dragagem) do talvegue. Deve-se obsepar, ainda, que o assoreamento se dá quando

o curso d'água não tem capacidade de transporte, o que acontece principalmente em cursos de baixo gradiente ou

ainda por redução de superfícies de infiltração (desperenização dos rios), bem como elevação do nível de base por

construção de barragens.

A tentativa de regularização de tais cursos, através de draga em ou retiflcação/canalização dos rios, não

soluciona o problema em questão. Tenta-se resolver tais problemas, acreditando-se que são exclusivamente

lineares (no próprio rio), quando na realidade são acima de tudo areolares (reflexo do que acontece na vertente).

DA COBERTURA VEGETAL NA ESTABILIDADE DA

VERTENTE

Conforme se observou anteriormente, a cobertura vegetal assume importante papel na estabilização

das vertentes, o que foi demonstrado através do jogo de componentes, sendo evidenciado na biostasia o predomínio

do componente perpendicular, que responde pelapedogênese e consequente balanço morfogenético negativo.

Bailley (apud Stemberg, 1949), medindo o ângulo máximo de repouso de encosta, afirma que para um

mesmo solo, derivado da mesma rocha matriz, esse é da ordem de 60°, quando revestida por vegetação, e de

aproximadamente 36°, quando não há vegetação.

Prandini et alii (1976), em abordagem sistemática, discorre sobre as propriedades mecânicas e

relativas ao balanço hídrico, determinadas pela cobertura vegetal.

Quanto aos aspectos mecânicos destacam a estruturação do solo, através do sistema radicular,

retenção e dissipação do material deslocado, sobrecarga nos taludes, ação dos ventos, ação de cunha das raízes.

Os relativos ao balanço hídrico são apresentados segundo efeitos de interceptação da água de chuva, influência na

infiltração, escoamento hipodérmico, ação de transpiração e eva-potranspiração, efeito das variações de umidade e

temperatura.

Quanto à ação do sistema radicular, Bichop & Stevens (apud Prandini et alii, 1976), verificaram um

aumento na frequência de escorregameatos no sudeste do Alaska, após a derrubada de árvores. Os deslizamentos

Page 43: Ambiente e apropriação   valter  casseti

de massa se intensificam sobretudo após quatro ou cinco anos, quando as vertentes atingem o ponto crítico de

resistência, determinado pela deterioração do sistema radicular. Criam-se, portanto, vazios entre os agregados da

estrutura superficial, demonstrando o efeito de suporte mecânico radicular oferecido pela cobertura vegetal.

A cobertura vegetal tem ainda o efeito de frenador, que é dissipador da energia do material em

deslocamento. Em função dos obstáculos existentes (porte arbóreo, vegetação de sub-bosque, liteira, cobertura

morta), o fluxo difuso tem sua energia dissipada e consequente redução da capacidade de transporte, o que

minimiza a morfogênese e consequente assoreamento dos talvegues.

Apesar de opiniões contraditórias, como de Brow & Sheu (1975), a sobrecarga na vertente

produzida pela presença da cobertura vegetal (estimada em 0,025 kg/cm, o que equivaleria a uma camada de solo

de 15 cm de espessura) é reduzida e somente se manifesta como fator de instabilização em inclinações superiores

ao ângulo de atrito do material que a constitui ou quando o equilíbrio da vertente é rompido por cortes.

É de conhecimento público o significado da cobertura vegetal como agente de dispersão de

energia dos ventos devido à rugosidade (cf. Tanner & Pelton, 1960, o coeficiente de rugosidade cor-

responde a aproximadamente 10% da altura da vegetação). Apesar de algumas opiniões quanto à ação

dos ventos como efeito de alavanca às árvores, comprometendo a estabilidade da vertente, tal fato não

é observado nas florestas pluviais de encosta, o que pode ser justificado pelo comportamento da

biomassa, onde a coalescência de copas e os diversos estratos respondem por um corpo contínuo,

dificultando o referido movimento.

A tendência de penetração das raízes na estrutura superficial, tida como efeito maléfico,

não encontra fundamente, sobretudo em se tratando de floresta pluvial, que apresenta um sistema

radicular tabular. Ainda, segundo Gray (1970), mesmo para as florestas temperadas, "o efeito de cunha

das raízes, afrouxando o solo ou abrindo fendas e fissuras, é até o presente desconhecido".

Quanto aos aspectos relativos ao balanço hídrico (por balanço hídrico entende-se a relação

entre armazenamento e retirada hídrica que envolve o sistema biogeográfico) deve-se levar em

consideração a participação das variáveis geoecológicas, ou seja, intensidade e duração das chuvas,

tipologia da cobertura vegetal, comportamento da vertente (declive, comprimento de rampa, forma

geométrica) e fatores estruturais (características dos solos e implicações geotectônicas).

Em síntese, procurou-se resumir esquematicamente o balanço hídrico de uma vertente (fig.

9), cujos componentes serão abordados a seguir.

Um dos principais efeitos determinados pela cobertura vegetal é o de interceptação da

água de chuva. Esse efeito se manifesta em defesa do terreno pelo impacto da gota da chuva (efeito de

splash), pelo retardo no período da precipitação e pela retenção apreciável de água nos diversos

estratos vegetais (Prandini et cdii, 1976).

Renata
Realce
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Sternberg (1949), ao analisar o problema de enchentes e movimentos coletivos no vale do Paraíba,

afirma que em condições florestais o regime hidrológico tinha o seguinte comportamento: R = P-I-T-E-S, onde

R é o escoamento superficial (runoff); P, a precipitação; I, a interceptação pelo folhame; T, a transpiração vegetal;

E, a evaporação do solo; e S a infiltração no solo. Ressalta que com a ocupação humana, "todos os subtraendos

do segundo termo da equação foram profundamente afetados; com exceção de E, decresceram com o

desflorestamento".

Segundo Kittredge (1937), "o dossel de folhas intercepta em média, 10 a 25% da precipitação e,

durante chuviscos de pequena duração, chega a deter 100% da chuva caída. Essa água é direta-mente evaporada,

não atingindo o solo. Equivale, praticamente, a reduzir a pluviosidade da região de uma idêntica proposição".

Freise (1936), ainda referindo-se à mata pluvial, relata que "em um mês de chuva forte, 24,7% da precipitação

alcançou o pluviômetro e em um mês de chuva fina contínua, essa porcentagem foi em torno de 35,5%". Assim, ao

mesmo tempo em que a cobertura vegetal impede o efeito de splash, evita a desagregação mecânica do solo, reduz

substancialmente a quantidade de água que chega ao solo, limitando o escoamento e consequente atividade

pluvioerosiva.

A importância do escoamento hipodérmico ou de sub superfície ("underflow") varia de acordo com as

características dos solos, podendo atingir 80% da vazão total escoada nas encostas (Castany, 1967). Deve-se, ainda,

considerar o fator declividade e comprimento de rampa: "quanto maior distância a água tiver que percorrer em

regime de escoamento hipodérmico, maiores serão as oportunidades de sua infiltração no maciço. De outra

forma, quanto mais interceptado estiver o corpo de raízes por linhas de drenagem superficial, maiores serão as

possibilidades de essa água retornar à superfície" (Prandini et alii, 1976).

O escoamento de subsuperfície assume importância capital como processo morfogenético, ao

contribuir para a redução das pressões neutras negativas e conseqüentemente favorecer a tendência ao

cisalhamento (eliminação da resistência de atrito), ou quando o equilíbrio da vertente é rompido por cortes.

Exemplos de deslizamento de massas são observados com frequência na Serra do Mar, em decorrência de cortes de

vertentes para a construção de estradas. A manutenção da cobertura vegetal contribui para a infiltração, a montante

do referido corte que, através do escoamento hipodérmico, proporciona a redução das pressões neutras negativas,

cujo volume de material intemperizado, por falta de sustentação a jusante (gerada pelo corte), implica cisalhamento

ou consequente escorregamento de massa.

A transpiração vegetal assume uma certa importância na redução de escorregamento ou deslizamento de

massa, considerando que a saturação do regolito, acima mencionada, implica redução das pressões neutras

negativas. Como as áreas florestadas apresentam uma infiltração absoluta moderada e o processo de evapo-

transpiração é contínuo (cf. Rawitscher, 1952, as florestas transpiram diariamente aproximadamente 3 mm de

precipitação, o que equivale a um total de 1.100 mm anuais), prevê-se uma certa condição de estabilidade da

Page 45: Ambiente e apropriação   valter  casseti

vertente. "A tendência do excesso de água não metabolizada pela vegetação é se evaporar, salvo em especiais

condições atmosféricas do ambiente que circunda a floresta. Entretanto, a água, mesmo quando não retirada na

forma de vapor, é devolvida aos andares inferiores e ao terreno, através da gutação" (Prandini et alii, 1976). Os

mesmos autores evidenciam o efeito de evapotranspiração como agente estabilizador das encostas florestadas (florestas

pluviais) através da dessecação do solo e subsolo, permitindo condições de reposição hídrica subsequente

(capacidade de campo), subtração e retenção no ciclo biológico de grande volume d'água e criação de pressões

neutras negativas, aumentando a resistência mecânica dos agregados.

Estudos experimentais realizados por Casseti (1983) comprovam uma redução da temperatura (média das

máximas) de aproximadamente 20% em parcelas de mata, comparada com parcela de cultivo. Tal redução

corresponde à fração de radiação (infravermelho) absorvida pelas plantas, visando o processo de transpiração,

utilizado pela fotossíhtese na elaboração de carboidratos.

As variações de umidade são sensíveis sazonalmente e se mantêm sempre acima de um

mínimo que é o "ponto de murcha". "Assim, a presença de floresta em encosta retarda no maciço os

efeitos de uma verdadeira fadiga, preservando-o das variações repetidas e amplas de umidade e

temperatura" (Prandini et alii, 1976, p. 17).

Em síntese, conclui-se que a cobertura vegetal apresenta uma importante função na

estabilização das vertentes, contribuindo para a intensificação do componente perpendicular e

consequente pedo-genização, ao mesmo tempo em que atenua a ação do componente paralelo,

restringindo a participação da morfogênese.

PROCESSOS DENUDACIONAIS DECORRENTES DA

APROPRIAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DA VERTENTE

A história do processo de ocupação do território brasileiro tem demonstrado que a terra sempre foi

utilizada de modo intensivo e numa visão imediatista, até o limite de sua potencialidade. Trata-se, portanto, de uma

postura capitalista primitivista, em que a concentração do capital se faz em detrimento da potencialidade, limitando

o período de exploração, uma vez que a renovação do recurso implica, muitas vezes, uma relação de tempo

geológico,, "incompatível" com os anseios do sistema.

Dados da Federação das Associações dos Engenheiros Agrônomos do Brasil, 1983 (Petrobrás, 1986)

demonstram que o país perde 600 milhões de toneladas de solo agrícola por ano, devido à erosão e ao mau uso.

Estudos realizados no noroeste do Paraná mostram que são necessários 24 mil anos, nas condições climáticas atuais,

para se formar uma camada de 60 cm de solo, e que em certos casos, o mau uso já reduziu essa em 15 cm. Como

Renata
Realce
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resultado, têm-se a perda física do solo, a perda de nutrientes e a conseqüente queda da produção agrícola,

assoreamento de rios, barragens e represas.

O controle de erosão depende fundamentalmente da redução do impacto direto das gotas de chuva,

diminuição da desagregação mecânica das partículas do solo, aumento da infiltração da água e redução da

velocidade de escoamento da água excedente. Tais ob-jetivos são atingidos pela adoção conjunta de práticas

mecânicas e culturais.

Como exemplo de práticas mecânicas tem-se o terraceamento, que é um conjunto formado pela

combinação de um canal com um dique de terra, construído no sentido transversal ao declive do terreno. A

escarifïcação, que é o rompimento do solo, na camada arável, utilizando-se de escarificador, ou descompactação, que

pode ser feita através de disco, também são práticas mecânicas, que normalmente implicam perdas erosionais,

conforme se considerou anteriormente. A opção mais correta seria a utilização de práticas culturais, como a rotação

de culturas, que consiste no controle do esgotamento químico do solo melhorando as suas características físicas.

O plantio direto e a diversificação de culturas são práticas complementares que estão sendo

adotadas gradativamente. O plantio direto se caracteriza como prática que implica o mínimo de revolvimento do

solo, procurando-se manter sobre ele os restos culturais que formam uma camada protetora na superfície

(cobertura morta). Essa cobertura morta contribui para a manutenção da umidade, impedindo o ressecamento do

solo; protege-o contra a ação da chuva e diminui as oscilações de temperatura na superfície.

À guisa de inter-relação das variáveis consideradas, pode-se observar os seguintes resultados (tabela 3),

relativos ao comportamento da cobertura/modalidade do uso do solo e respectiva disposição da vertente, conforme

observações realizadas em Goiânia (1980/1) por Casseti (1983).

Tabela 3 - PERDAS DE TERRA E ÁGUA EM GOIÂNIA (1980/1)

Perdas

Parcela Decliv

e (%)

Forma

da

Vertente

Terra

(t/ha/a)

%(*) Água (%

chuva)

%(*)

4,7 VV 0,059 0,07 0,71 1,98

Pastage 14,4 VV 0,230 0,23 3,66 10,23

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m

36,0 cv 0,101 0,10 3,12 8,74

6,7 vv 31,638 41,64 13,41 37,51

Cultivo 11,0 vv 51,655 51,65 10,20 28,54

16,1 vv 0,349 0,35 2,78 7,74

14,4 vv 0,010 0,01 0,58 1,62

Mata 15,8 vv 0,032 0,03 0,43 1,21

40,6 cv 0,86 2,40

Total 100,00 100,0

0

Nota: Valores para um total de 1.401,2 mm de chuva. Mesmo comprimento de rampa para as

parcelas experimentais (12 metros). Forma geométrica cias vertentes: W, comprimento e largura

convexos; CV, comprimento côncavo e largura convexa (*).Participação percentual em relação ao total.

Num primeiro momento constata-se de imediato o efeito da cobertura vegetal ou mesmo da pastagem

na contenção da estabilidade da vertente. Enquanto as duas primeiras parcelas do grupo de cultivos (a primeira

correspondente a solo preparado para plantio e a segunda ao plantio de arroz) responderam por 99,07% do total de

perdas de solo, as demais apresentaram valores insignificantes. Nas perdas de água por escoamento superficial, os

mesmos talhões responderam por 66,04% do total, o que demonstra uma certa ausência de correspondência,

provavelmente em função do uso e manejo do solo, que permitiu uma maior percolação relativa.

Nesse momento deve-se acrescentar a variável declive, que, por exemplo, justifica a própria

diferença de perdas de solo entre as duas parcelas mencionadas (41,64 e 51,65% do total).

O mesmo pode ser observado com relação aos grupos de pastagens e mata (entre a primeira e

segunda parcelas). Quanto ao erceiro talhão, de todos os grupos considerados, a mesma progressão não foi

Page 48: Ambiente e apropriação   valter  casseti

obtida em função de dois fatores. A) Forma geométrica da vertente: tanto para a terceira parcela do

grupo de pastagem quanto de mata, apesar do aumento do declive (36,0 e 40,6% respectivamente), a

forma CV (comprimento côncavo) que difere do domínio W (comprimento levemente convexizado),

parece se constituir na principal justificativa.

Nesse momento deve-se lembrar do sistema de referência de Penck (1924), em que a forma

côncava caracteriza uma condição de estágio final do processo erosivo da vertente, ao contrário da

convexa, que demonstra uma fraca tendência denudacional; B) Tipo de cultivo: no terceiro talhão do

grupo de cultivo, o plantio do Napier, pelo elevado índice de área foliar e mesmo sistema radicular,

que contribuem para a resistência mecânica dos agregados, parece justificar plenamente as diferenças

consideradas.

Não foram estabelecidas comparações quanto ao comprimento de rampa, uma vez que,

conforme observação, todas as parcelas apresentavam a mesma dimensão (eixo maior de 12 metros) e

nem quanto à formação superficial, uma vez que todas possuíam uma certa correspondência,

resultantes da decomposição de gnaisses do Complexo Goiano, com textura argilo-areno-limosa, entre

12,5 a 25,0% de argila (latossolo vermelho-amarelo eutrófico). Deve-se acrescentar, ainda, que as

observações em questão foram realizadas no período de um ano (de agosto de 1980 a julho de 1981),

utilizando-se de parcelas isoladas (cercas com chapa galvanizada e tanques de sedimentação) de

formas hexagonais, de 100 m2 cada uma.

Com base nas observações consideradas, a título de se oferecerem estimativas de perdas de

solo e água, Casseti (1984/86) apresentou as relações que se seguem (figs. 9 e 10), onde se pode,

através das curvas traçadas, visualizar as discrepâncias erosionais geradas pelo fluxo por terra em

relação às diferentes coberturas ou modalidades de uso do solo.

Também foram estabelecidas considerações quanto às perdas de terra e água (figs. 11 e 12)

entre a precipitação total (entendida como a quantidade de chuva caída durante o dia) com a intensidade máxima

de chuva em 30 minutos (índice de Wischmeier, 1959).

Observa-se que na fig. 12, por falta de melhores indícios, optou-se pela simples comparação

entre as parcelas de solo preparado para cultivo e plantio de arroz.

Page 49: Ambiente e apropriação   valter  casseti

Através da seleção de episódios pluvioerosivos, obteve-se (Casseti, 1983) uma grande

demonstração do potencial de perdas determinado pela intensidade das chuvas. A título de exemplo, o

episódio de 17 de dezembro de 1980, marcado por uma precipita cão total de 76,9 mm. e intensidade máxima de

28,3 mm/30 (chuva forte na classificação do INEMET), respondeu por uma perda de 118,71 kg-terra e 867 litros de

água escoada, nos 100 m2 da parcela de arroz, fenómeno que não chegou a implicar perda de solo no domínio da

mata, ou perda insignificante de água por escoamento (inferior a 100 litros).

Ainda, com relação à perda de nutrientes pelo agravamento dos efeitos denudacionais, conclui

Casseti (1983) que não existe uma dependência direta entre solubilização dos elementos químicos analisados em suas

observações (perdas de cálcio, magnésio, potássio e fósforo, contidas nas águas excedentes) com a quantidade de

água escoada. "A perda por solubilização acha-se vinculada ao estado químico da superfície, a qual encontra-se de

certa forma ré lacionada à cobertura vegetal." Assim sendo, através da pesquis; experimental, constatou-se que

as áreas de mata e pastagens, ape sar do baixo escoamento resultante das ocorrências pluviométricas perdem os

mais elevados teores de macronutrientes considerados. Acredita-se, contudo, que os baixos teores de perdas nas

áreas de cultivos resultam de retiradas anteriores, não oferecendo tempo de reposição natural por troca de bases,

ou ausência de cobertura vegetal para permitir a redução do processo denudacional, ou retorno de nutrientes ao

solo através da decomposição do restolho.

OCUPAÇÃO DA CATEGORIA VERTENTE

Como se sabe, a categoria é composta de essência e fenómeno, conteúdo e forma. Algumas

considerações foram feitas anteriormente quanto às relações externas das vertentes, ou seja, aos fenómenos

propriamente ditos, onde se pode evidenciar, num estudo evolutivo atual, o significado dos processos

comandados pêlos elementos do clima, sobretudo a pluviometria e resultantes da apropriação e

transformação do relevo pelo homem.

Contudo, deve-se observar que os referidos processo e forma de apropriação e transformação da

vertente pelo homem, que se intensificam no tempo e espaço, não acontecem simplesmente pela necessidade

inata de ocupação, mas sobretudo dentro de uma lógica determinada pelas relações de produção, discutidas

anteriormente.

Tal fato demonstra que a forma pela qual acontece a apropriação ou transformação da vertente

encontra-se subordinada ao conceito de propriedade, definida por determinada relação de produção. Portanto, é

evidente que existem diferenças entre aquele que usa a natureza, onde se incorpora a vertente, como

necessidade inata, e aquele que vê a natureza (vertente) como propriedade privada e, como tal, efeito útil,

implicando uso espontâneo e conse-nüentemente uma relação de predação. Assim, à medida que o ca-ráter da

propriedade privada é implantado, o acúmulo de capital se torna consequência, o que além de responder pelo

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Page 50: Ambiente e apropriação   valter  casseti

processo de degradação ambiental, responde pelo antagonismo de classe. Ou conforme Browman (1974), o ser

humano "não pode mover montanhas", sem primeiro "emitir um título de renda".

A relação homem-meio (processo de trabalho), conforme Moreira (1987, p. 11), "contém em si

duplo aspecto: é relação ecológica (intercâmbio de matéria e energia passando-se no âmbito do interior da

natureza, isto é, entre a forma de natureza pensante homem e outras formas de natureza) e é relação histórico-

social (processo de conversão da natureza natural ou primeira natureza, em natureza socializada ou segunda

natureza, isto é, em sociedade)". Ainda, conforme o autor, "a relação homem-meio encerra em si um segundo

duplo aspecto: é relação homem-meio (o duplo aspecto anterior) e é relação homem-homem (o processo de

trabalho é um ato coletivo, envolvendo relação entre homens, razão que faz da relação homem-meio na

verdade uma relação homens-meio). A primeira relação homem-homem é justamente a relação de propriedade

das forças produtivas e, por isso, é a relação homem-homem que dá a direção geral (diz-se histórico-concreta) à

relação homem-meio".

Em síntese, o processo de ocupação e transformação das vertentes no sistema de produção

capitalista, que é uma relação homem-meio, encontra-se subordinada às relações homem-homem, que tem na

relação de propriedade das forças produtivas a categoria principal. Se tal relação de propriedade do

capitalismo separa os homens em classes (proletariado e burguesia) e o espaço é "mercadoria", torna-se

evidente que as diferenciações espaciais resultam do próprio poder de compra. Diante disso, enquanto se des-

tinam as melhores condições topográficas (de relevo) àqueles que detêm o capital, sobram as áreas de risco aos

desvalidos e marginalizados da elite económica.

No sistema de produção capitalista a vertente se caracteriza como suporte ou recurso, como

nas demais formas de relações possíveis. Contudo, existe uma diferença substancial determinada pela

propriedade privada, que faz da vertente uma "mercadoria" e como tal, submetida a especulação ou exploração

de uso que ultrapassa o limiarjle capacitação ou mesmo recuperação.

Portanto, a vertente como tal pode se constituir, como nos centros urbanos, em suporte para a

implantação de usos desaconselháveis, tanto por aqueles que detêm o capital e ambicionam acumular

riquezas, como por aqueles que não têm nenhum recurso e forçosamente se obrigam a ocupar determinados

espaços considerados clandestinos Nas áreas rurais as vertentes são vistas como recurso indispensável ao

acúmulo de capital ou simplesmente reserva de valor, independentemente das restrições impostas pela

natureza a um uso racional, o que tem implicado o encadeamento de processos agressivos com consequentes

desequilíbrios ambientais. Conforme Lutzenberger (1985), "o agricultor moderno está tão alienado de seu

ambiente natural como está o fabricante de automóveis da evolução geológica que deu origem ao minério de

ferro e às jazidas de petróleo. Ele não sente a natureza, apenas maneja materiais, sementes e máquinas, como o

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Page 51: Ambiente e apropriação   valter  casseti

engenheiro maneja ferro, cimento e plástico". Acrescenta ainda que "o crédito bancário já é mais importante

do que o solo e a natureza".

Nas áreas urbanizadas, o processo de ocupação espacial é diferenciado, dependendo do valor

económico, ou ainda, definido pela ganância dos midas do capitalismo, que equiparam ao "pa-drão-ouro" o

metro quadrado da terra. Assim, evidenciam-se os contrastes entre espigões e favelas, dos bairros ricos e bairros

pobres, a ocupação de áreas estáveis e permissíveis, a implantação de edificações e ao mesmo tempo, ocupação de

áreas de risco, consideradas "clandestinas" (fundos de vales ou vertentes de fortes declives). Deve-se observar,

ainda, que muitas vezes as grandes in-corporadoras transformam tais espaços de risco em verdadeiras áreas

"aprazíveis", como o aterro de determinados compartimentos, como várzeas ou mesmo áreas pantanosas (como a

região de mangue de Cubatão-Guarujá), que se constituem exclusivamente em extensividade do "espaço-

mercadoria", independentemente das condições de segurança.

Apesar da legislação de uso do solo, elas são facilmente burladas pêlos detentores do

capital, ou simplesmente favorecidas pelo poder público constituído por políticos despreparados ou

"espertos".

- As transformações acontecidas nas vertentes, independentemente das diferenciações de

classe, acabam muitas vezes atingindo aqueles que habitam as áreas de risco, o proletariado, como as

enchentes que se intensificam a partir da impermeabilização de superfícies associadas ao processo de

assoreamento por mau uso, ou a contaminação por efluentes produzidos principalmente por aqueles

que detêm o capital (proprietários dos meios de produção, portanto, responsáveis pêlos resultados de

seu funcionamento). A vulnerabilidade do pobre aos "azares" da natureza é uma perspectiva mal-

thusiana: o pobre é mais afetado na maioria dos desastres sobretudo por apresentar uma tendência de

se reproduzir rapidamente, tratando-se de um exemplo clássico de culpar a vítima.

Mais ainda, esse exército de reserva que coloniza as cidades, é fruto do êxodo rural,

determinado por uma política agrícola de monopólio da terra e ineficiência de uso, evidenciando mais

um dos contrastes do sistema de produção capitalista. Outras vezes, "a incorporação das relações rurais

ao circuito mercantil capitalista", no dizer de Moreira (1987, p. 173), espacializa o uso do solo agrícola

em monoculturas de baixo custo, aumento da produtividade e formação de preços de venda

competitivos, o que entra em contradição com a heterogeneidade do ecossistema local. Tem-se, por-

tanto, a simplificação do ecossistema (efeito aleopático), que implica proliferação de pragas e essas

por sua vez, respondem pela introdução de agrotóxicos, que além de envenenarem as águas e os solos,

ainda provocam a contaminação das próprias safras.

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Page 52: Ambiente e apropriação   valter  casseti

Tanto na cidade como no campo as relações vertente-sistema fluvial implicam acréscimo

do fluxo por terra, determinado pela impermeabilização da superfície, ao mesmo tempo em que respon-

dem por constantes fenómenos de enchentes (considerando-se o

desequilíbrio hidrodinâmico), muitas vezes agravados pelo assoreamento resultante dos efeitos

denudacionais das vertentes/. Tudo isso sem considerar o despejo de efluentes industriais, domésticos e agrícolas, in

natura, nos cursos d'água, contaminando-os, implicando a própria existência da fauna ictiológica ou colocando

em risco o abastecimento público.

Em conclusão, a fornia de relações de produção, principalmente através da relação de propriedade das

forças produtivas, responde por uma relação homem-meio predatória, visando exclusivamente o acúmulo de capital,

sem nenhuma preocupação ambienta], o que encerra a referida relação ecológica. A predação vincula-se ao instinto de

autopreservação do sistema de produção capitalista, que vê no lucro a única forma de manutenção de sua existência.

E é exatamente no contexto das referidas relações de produção que se insere a categoria vertente e, como tal,

constitui-se em mercadoria.

Ao se caracterizar em suporte ou recurso das forças produtivas, a vertente se converte em "conteúdo",

que é o conjunto articulado das relações internas, determinadas pelas próprias relações de produção, e externas,

vinculadas aos efeitos morfogenéticos as-sociadSs às intervenções do homem.

A forma como a vertente se apresenta é o estado do conteúdo, ou seja, o resultado de sua conversão em

"mercadoria", associado aos fenómenos processuais. Como mercadoria se constitui em ob-jeto de possível

predação, momento em que é vista como uso útil-imediato, proporcionando uma ação mais agressiva dos proces-

sos morfogenéticos, com consequente degradação ambiental.

Portanto, fenómenos de ravinamentos ou boçorocamentos, que implicam grandes perdas de

recursos, sobretudo sob enfoque agronômico-ambiental, o que evidencia nova contradição do próprio sistema de

produção capitalista; ou ainda deslizamentos de massas, assoreamentos ou mesmo enchentes (vinculadas ao com-

portamento das vertentes), que muitas vezes respondem inclusive por "acidentes" fatais, na maioria das vezes

podem ser relacionados ao despreparo cultural do lavrador ou daqueles que se obrigam a buscar as referidas áreas

críticas como último recurso de moradas. São imposições do próprio modo de produção, que ao mesmo tempo em

que responde pelo antagonismo de classe, transforma o espaço em mercadoria Mesmo que as consequências

ambientais fossem entendidas como de natureza cultural, conforme procura evidenciar Drew (1985) ao utilizar as

diferenças de religiosidade entre os países do Ocidente e Oriente como determinantes do grau de consumo e

consequente degradação dos ecossistemas, deve-se observar que a "consciência social" de um povo é

personificada pela superestrutura ideológica, e como tal,<se constitui em símbolo, que tem por finalidade legitimar a

ordem topológica burguesa (no capitalismo). Portanto, o grau de evolução cultural encontra-se na dependência do

interesse do Estado (superestrutura ideológica), que por sua vez responde pela manutenção do sistema de produção.

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Page 53: Ambiente e apropriação   valter  casseti

A seguir serão apresentados alguns estudos de caso da categoria vertente, onde a essência das relações de produção

capitalista que determina as relações homem-meio (a natureza produzida) responde por alterações do "equilíbrio

climáxico", com consequências ambientais.

DERIVAÇÕES GEOMÓRFICO-AMBIENTAIS E SUAS IMPLICAÇÕES

Neste capítulo pretende-se apresentar alguns estudos de caso, de repercussão ambiental, resultantes

da utilização do relevo ou da categoria vertente, como suporte. O objetivo é evidenciar a aplicação de esforços

(fenómenos), procurando-se demonstrar a articulação entre as relações internas e externas (conteúdo), oferecendo,

assim, subsídios à compreensão da essência da paisagem.

Os exemplos a serem relatados referem-se ao processo de multiplicação incontrolada do espaço, o

que implica a degradação do meio ambiente. Conforme observou Prestipino (1977), a planificação deve

fundamentar-se não apenas nas relações de produção, no nível de sociedade total, como também nas forças

produtivas, no nível de intercâmbio orgânico entre o homem e a natureza.

Problemas considerados muitas vezes como "catástrofes naturais" têm sido reproduzidos cada vez com

mais intensidade, decorrentes do processo de ocupação. Conforme Smith & O'Keefe (1980), na sociedade

capitalista é a produção material da natureza que unifica os domínios natural e social, previamente separados, mas

mesmo sem torná-los idênticos simultaneamente - sem a dissolução de um dentro do outro. Isso favorece uma

estrutura superior, dentro da qual os desastres são considerados. "É uma relação social que na sociedade capitalista

representa uma relação de classe" que responde por um acesso diferenciado à natureza.

Conforme se considerou anteriormente, a extemalização da "natureza" com relação à atividade

humana, apresentada por Smith & O'Keefe (1980), dentro da concepção positivista de natureza, tipifica o evento

do azar (deslizamentos de terra, enchentes, terremotos...): primeiramente, a interpretação aceita o azar como

natural, significando com efeito que são "atos de Deus"; uma segunda abordagem entende a ocorrência dos

desastres como "uma interface entre uma população vulnerável e um evento externo" (como se a natureza fosse

neutra); a terceira equivale à dissolução da natureza humana dentro da natureza externa. Trata-se de uma

perspectiva malthusiana, onde "o pobre é o mais afetado na maioria dos desastres, não somente pela falta de

recursos, mas principalmente pela tendência de se reproduzir rapidamente". Exemplo clássico de culpar a vítima,

considerado anteriormente.

Tragédias como as registradas em fevereiro de 1988 no Rio de Janeiro e no Acre (Rio Branco)

demonstram as implicações de natureza geomórfica, vinculadas a questões hidrodinâmicas, agravadas ou produzidas

pelo processo de ocupação indevido, mas que refletem as diferenciações espaciais no sistema de produção capitalista:

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Parei aqui!!!
Page 54: Ambiente e apropriação   valter  casseti

"o espaço não é algo indiferenciado, mas segmentado, dependendo de seu valor económico, forma de domínio e

significado político e social" (Lipietz, 1977).

Tanto no Rio de Janeiro como no Acre, apesar da distância que os separa, a renda da terra responde

pela discriminação no processo de apropriação do espaço, individualizada como "espaço-mercadoria" nas revelações

de produção capitalista. O espaço, com seu preço determinado pela lei de mercado, traduzida pela especulação

imobiliária, reserva os compartimentos susceptíveis de desencadeamento de "catástrofes naturais", à ocupação

clandestina pêlos desprovidos de recursos ou marginalizados do sistema de produção. Isso ocorreu em

compartimentos de riscos representados por vertentes de declives acentuados - caso da ocupação do Maciço da Tijuca

no Rio de Janeiro —, e em áreas de várzeas, como a planície de inundação do rio Acre, em Rio Branco.

Como se sabe, a estabilidade das vertentes no domínio dos "mares de morros" é determinada pela

relação biostásica, na qual a infiltração de água responde pelo predomínio da pedogenização, cujo manto

intemperizado é preservado pela ação mecânica da cobertura vegetal (exploração biológica); essa cobertura é retirada

para dar lugar ao desenvolvimento de habitações, observando-se o desequilíbrio climáxico, ou seja, ruptura do

equilíbrio entre a exploração biológica e o potencial ecológico, conforme conceito de apresentação por Bertrand

(1968). Tal desequilíbrio é agravado por cortes de vertentes para proporcionar suporte às construções, retirando-se a

sustentação, a jusante, do volume intemperizado a montante.

Considerando que o material resultante da intemperização acha-se representado sobretudo por argila,

proveniente da decomposição dos feldspatos existentes nos granitos ou gnaissés que caracterizam a estrutura,

observa-se para ele comportamento distinto segundo a condição hídrica da capacidade de campo: quando seco,

oferece resistência muito grande, dado o grau de coesão dos agregados, o que acontece principalmente a partir do

desmatamento, quando os depósitos de cobertura ficam diretamente expostos à incidência dos raios solares,

submetidos à dissecação. Essa situação dá uma sensação de estrutura superficial estável própria à implantação de

ocupações, que é desfeita a partir da saturação hídrica da capacidade de campo. A argila torna-se plástica,

apresentando um efeito de "lubrificante" entre o manto intemperizado e a rocha subjacente, reduzindo o atrito

(redução das pressões neutras negativas) pelo escoamento hipodérmico e permitindo o deslizamento de massas.

Conforme se considerou anteriormente, tal fenómeno decorre da eliminação da ação mecânica do sistema

radicular das formações vegetais e cortes de taludes, que rompem o equilíbrio da vertente.

Considerando as possibilidades de fenómenos de movimentos de massa, os "mares de morros" se

constituem em áreas de preservação, conforme legislação constante do Código Florestal Brasileiro e lei n- 948/59, do

então estado da Guanabara. O Código Florestal Brasileiro, em sua lei n- 4.771/65, estabelece "preservação

permanente às florestas e demais formas de vegetação natural situadas no topo de morros, montes e montanhas e

nas encostas ou parte destas com declividade superior a 45o" (art. 2-, alíneas d, e) "preservação permanente,

quando assim declarados por ato do poder público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas: a

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atenuar a erosão de terras; a assegurar condições de bem-estar público" (art. 3-, alíneas a, h). Proíbe a derrubada

de florestas "em áreas de inclinação entre 25 e 45°, só sendo nelas tolerada a extração de toros, quando em regime

de utilização racional" (art. 10).

O poder público do antigo estado da Guanabara, motivado pêlos tradicionais escorregamentos dos

morros cariocas, acumulou extensa legislação sobre a matéria. Como medidas preventivas são estabelecidas áreas

"não-edificadas" em reservas florestais, tanto urbana, suburbana quanto rural. Também a posição topográfica e o

declive são critérios usados na fixação de reservas florestais: na zona rural (mesmo em sua porção sujeita à

expansão urbana), fixa como reserva florestal "toda área situada acima da curva de nível de 80 metros..., nas

elevações menores que a referida cota, em declives superiores a 15%..., toda área de cumeada acima da cota definida

pelo ponto situado sobre a linha de menor declive e que diste do cume uma distância equivalente a um terço da

cota desta ao nível do mar" (alínea a do art. 23, da lei 948/59). Ainda estabelece inúmeras reservas florestais nas

zonas urbana e suburbana, tendo como critério os terrenos de difícil acesso.

O processo de metropolização determinado pelas oportunidades de emprego e a tendência crescente do

êxodo rural responderam pela concentração populacional nos grandes centros, como Rio de Janeiro, implicando

ocupação de fortes encostas, dada a condição de miséria que caracteriza o migrante, determinada pela "ganância

destes midas do capitalismo selvagem que equiparam ao pa-drão-ouro o metro quadrado da terra" (Revista Senhor

360, 1988, P- 21).

Sabe-se perfeitamente que a ocupação de tais compartimentos exige obras de contenção caríssimas,

impossíveis de serem realizadas por aqueles que nem direito à terra têm..

As várzeas, por outro lado, tradicionalmente apropriadas

paia determinados usos, têm sido consideradas áreas de preservação na moderna legislação do uso do

solo, uma vez que são susceptíveis aos fenómenos de enchentes ou inundações que acontecem no período das

chuvas (com tendência crescente de intensificação, como se observará adiante). Conforme se considerou ante-

riormente, o regime torrencial que tem caracterizado as descargas fluviais, decorrentes das disritmias pluviométricas

e alterações dos fluxos hidrodinâmicos das vertentes (impermeabilização de superfícies) além do evidente

assoreamento, resultante do crescente desmatamento, têm agravado as possibilidades de enchentes e con-

seqüentemente, aumentado o número de "catástrofes naturais".

Mais uma vez, a população desprovida dos recursos necessários a uma vida digna obriga-se a ocupar as

planícies de inundação, que "afogam" as esperanças e levam o pouco dos que nada têm.

Cabe aqui ainda observar que os conhecimentos geomorfoló-gicos assumem significativa importância

para a compreensão dos fenómenos considerados, ou seja, para o entendimento das relações externas que integram o

conteúdo do espaço.

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As relações processuais tratadas correspondem ao terceiro nível metodológico preconizado por

Ab'Saber (1969), considerado anteriormente, ou seja, a "fisiologia da paisagem". Aproveita-se para observar que,

apesar de o termo "fisiologia" encontrar-se di-retamente ligado à ciência biológica, herança darwiniana - o que

caracteriza o sentido de "função" ou funcionamento da paisagem -, e "paisagem" referir-se à disposição dos

objetos ou coisas no espaço físico (as ditas relações externas), na prática do emprego deve ser bem mais amplo,

incorporando ou devendo incorporar, as relações do homem com a natureza, vinculadas as relações de produção (as

relações internas), procurando, assim, desvendar as aparências, ou melhor, buscar a essência do conteúdo que

representa as causas e consequências.

Contudo, para se desenvolver com segurança as relações processuais atribuídas à fisiologia da

paisagem, necessária se f az a compreensão dos dois níveis metodológicos anteriores, ou seja, o entendimento da

compartimentação topográfíco-morfológica e da estrutura superficial ou formação superficial.

Ó exemplo apresentado evidencia a integração dos referidos níveis metodológicos. As

descontinuidades topográficas no Rio de Janeiro respondem pelas diferenciações espaciais: enquanto a superfície

intermontana cenozóica foi ocupada pela população de melhor poder aquisitivo, o compartimento caracterizado pêlos

"mares de morros", com raras exceções, é destinado à população de baixa renda, que representa a força de

trabalho bruta ou componente do exército de reserva. Portanto, a ocupação em diferentes compartimentos, na

maioria das vezes, constitui-se em referencial para a individualização de classes, como as diferenciações espaciais

registradas pelo suporte morfológico no Rio de Janeiro.

A necessidade de se compreender a estrutura superficial no referido exemplo justifica-se pelas

características dos depósitos de cobertura, que implicam diretamente o processo de deslizamento de massas. Portanto,

necessário se faz entenderem as relações entre a estrutura geológica e processos morfoclimáticos responsáveis pela

génese dos depósitos de cobertura, para se entender as características argiláceas da referida formação, responsável pelo

cizalhamento determinado pela redução de atrito (redução das pressões neutras negativas) com aumento da plasticidade

favorecida pela saturação hídrica (grandes aguaceiros), sobretudo em função da ruptura de equilíbrio das vertentes

submetidas a cortes para instalação de habitações.

A partir de então, torna-se possível considerar as relações processuais (fisiologia da paisagem) ou o

funcionamento dinâmico da paisagem, causas e consequências resultantes.

IMPACTOS GEOMÓRFICO-AMBIENTAIS EM ÁREA RURAL

Procurando-se evidenciar as características ecodinâmicas do meio ambiente, elegeu-se uma área-tipo,

cujas diferenciações estruturais das propriedades agroecológicas se constituíssem em subsídios para o estabelecimento

das comparações pretendidas (Cunha Santos & Casseti, 1984/86). Para tal, escolheu-se a seção setentrional de

Goianésia-GO, individualizada pelas intrusivas básico-ultrabásicas encravadas em estruturas araxaídes, cuja

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evolução morfológica, apesar das implicações topográficas, respondeu por um uso intensivo do solo, criando

transformações geoecológicas, que de certa fornia caracterizam tendências resistásicas.

A área em questão, conforme se considerou, acha-se individualizada pelas intrusivas básico-

ultrabásicas, representadas sobretudo por gabros, anfibolitos e serpentinitos, em estruturas me-tassedimentares do

Grupo Araxá, além de ocorrência de "janelas", caracterizadas pêlos leptinitos e gnaisses do Complexo Goiano.

Enquanto o grande corpo intrusivo responde por uma morfologia acidentada, o domínio encaixante é individualizado

pelo pediplano intermontano.

Se, por um lado, as rochas básico-ultrabásicas respondem pela fertilidade dos solos (brunizéns

avermelhados, latossolo roxo distrófico e terra roxa estruturada eutrófíca), por outro, as implicações geotectônicas

tomaram o relevo restritivo a uma prática agrícola intensiva.

Considerando tais aspectos, uma vez que as condições climáticas também são favoráveis, tem-se uma

certa intensificação do uso do solo através de culturas cíclicas e pastagem que, muitas vezes, desconsiderando as

implicações morfológicas, sem nenhuma preocupação conservacionista, têm respondido por impactos ambientais

que carecem de controle. Testemunhos de uma floresta estacionai caracterizam certos pontos em biostasia que, em

grande parte, tendem à resistasia, principalmente onde as implicações morfológicas são mais agressivas.

O comportamento periférico representado pêlos metassedi-mentos araxaídes, por apresentar-se

pediplanado, apesar de favorecido pelo comportamento topográfico, sofre restrições pedológicas, sendo caracterizado

por cambissolos e latossolos distróficos, de baixa troca de bases. Apesar disso, o uso de insumos tem contri-

buído para o desenvolvimento de cultivos comerciais, embora o domínio seja de pastagens,

principalmente na seção circunjacente às intrusivas, onde colúvios provenientes do complexo atenuam as implicações

edáficas.

Diante das transformações agroecológicas e sobretudo em função do grau de restrição imposto pelo

relevo, tem-se a diferenciação determinada pela intensidade e distribuição dos processos comandados sobretudo pela

dinâmica pluvial.

Após apresentar a compartimentação topomorfológica e análise da estrutura superficial, com o intuito de

evidenciar as implicações geomórfico-ambientais decorrentes do processo de ocupação, foram produzidos os

documentos cartográficos adiante considerados (esboço geomorfológico, fig. 13, e da situação da cobertura

vegetal, fig. 14, reflexo do próprio processo de ocupação), que permitiram a compreensão da paisagem resultante

(fig. 15).

Considerando a faixa de superposição dos componentes vegetais (1966/84), constatou-se o

desmatamento de aproximadamente 18.000 ha (fig. 14), entre formações do tipo florestal e do tipo cerrado, que

correspondem a 30% da área estudada (58.700 ha, aproximadamente). A preservação de pouco mais de 5.000 ha

Page 58: Ambiente e apropriação   valter  casseti

de mata responde por menos de 10% da área em questão, o que de certa forma é preocupante, principalmente ao se

considerarem as restrições impostas pelo relevo, no core intrusivo, quanto ao aproveitamento agropecuário.

Deve-se observar aqui, que um dos fatores responsáveis pelo agravamento do desmatamento nos

últimos anos vinculou-se ao temor da propalada reforma agrária, acreditando o agricultor que tal procedimento

responderia pela afirmação do direito de propriedade.

Diante da superposição da representação referente às derivações da cobertura vegetal (fig. 14) com os

compartimentos morfológicos (fig. 13), pode-se chegar a algumas conclusões.

No domínio das formas muito aguçadas constata-se ainda a grande ocorrência de erosão acelerada,

marcada por ravinamentos e boçorocamentos (instabilidade crónica), sem contar a participação da dessoloagem,

que se faz presente principalmente nas áreas utilizadas para cultivos. Deve-se acrescentar que em

pontos visitados na referida unidade morfoestrutural, observou-se, mesmo em áreas de pastagens, o

desenvolvimento de litossolos por decapitação do horizonte superior, à medida que o declive se

intensifica. Isso demonstra a participação da dessoloagem, que assume certa liberdade de ação na

medida em que as gramíheas deixam de oferecer uma total cobertura do solo, associado ao forte

declive, que tende a proporcionar a queda gravitacional dos agregados (creeping ou reptação),

intensificada pelo pisoteio do gado (instabilidade generalizada). Além disso, quando das precipitações,

apesar da implicação da greamínea na determinação do fluxo por terra, este de certa forma é agravado

pelo acréscimo da energia cinética em função do declive transportando principalmente partículas de

menores dimensões, mesmo considerando a relativa resistência mecânica dos agregados, determinada

pelo resultado da participação do plagio-clásio decomposto.

Quando a incisão vertical do fluxo concentrado se faz presente, tem-se a exumação de

fragmentos subarredondados ou su-bangulosos de gabro (resistasia), o que é facilmente obtido em

função da pequena espessura dos brunizéns (aproximadamente 50/80 centímetros).

No segundo compartimento considerado, representado por formas aguçadas ou pouco

aguçadas (fig. 15), observa-se também um agravamento das derivações geoecológicas, o que foi

individualizado principalmente através da tendência crescente à instabilidade ou semi-estabilidade,

onde a morfogênese já se faz presente e em certos pontos chega a predominar sobre a pedogênese.

Como no caso anterior, são áreas utilizadas largamente pelas atividades agropecuárias,

dada principalmente a fertilidade do solo. O que mais preocupa são os desmatamentos considerados

que, além de desconsiderar o fator declividade, têm acontecido com grande insistência nas cabeceiras

dos cursos de primeira ordem, o que tem promovido a desperenização constatada em certos casos. . .

É comum observar em praticamente toda área levantada processo de desmatamento sucedido de

queimaduras, o que tem respondido pela destruição da camada húmica, bem como dos microorganismos, causando

Page 59: Ambiente e apropriação   valter  casseti

um empobrecimento precoce do solo a ser utilizado. Como exemplo podem ser citados os desmatamentos visando a

expansão canavieira, nas proximidades da usina de Goia-nésia (Monteiro de Barros), sobretudo a partir de 1981,

com o advento da política agroenergética. Apesar da menor movimentação topográfica na seção considerada,

fenómenos de dessoloagem são registrados principalmente no início das chuvas, quando a cana-de-soca (brotação de

sequeiras) ou plantio recente, representam baixo índice de área foliar, expondo o solo aos efeitos pluvioerosivos. As

queimadas realizadas durante as safras respondem pelo calcina-mento dos microorganismos e redução da

fertilidade, além da propensão à mineralização, que de certa forma atenua a resistência mecânica dos agregados.

Outras áreas que já se encontravam bastante desmaiadas em 1966, como as de Cafelândia e

Natinópolis (fig. 14), continuaram sofrendo a destruição dos restos florestais, encontrando-se, hoje, com uma das

menores densidades vegetais da área estudada.

Observa-se, ainda, assoreamento de certos cursos d'água (como o dos formadores do rio do

Peixe), determinado pelo processo de desmatamento, associado às disritmias pluviométricas que já são sentidas

(chuvas torrenciais), como as registradas no período de 1984/85 (índices pluviométricos, como os do mês de janeiro

de 1985, demonstram a capacidade erosiva através do efeito de splash e consequente ação mecânica do fluxo por terra).

Em menores proporções são constatados alguns pontos de instabilidade ou semi-estabilidade no

domínio das formas convexi-zadas ou mesmo dos pediplanos intermontanos (fig. 15), o que pode ser justificado

principalmente pelo baixo declive (inferior a 10%), uma vez que as práticas agrícolas e processo de desmata-

mento são mais ou menos proporcionais às demais áreas analisadas. Mesmo assim, tais efeitos erosionais são

identificados em setores específicos, como vertentes desprovidas de testemunhos de pedi-planação, ou seja,

onde o processo de reafeiçoamento pleigto holocênico respondeu pelo aumento do declive em função

da incisão dos talvegues, ou cabeceiras mais elevadas que respondem pelo aumento do gradiente, ou

ainda em contato com unidades morfo-gestruturais mais movimentadas. Trata-se de compartimentos

onde a agricultura comercial se intensifica, principalmente no domínio das formas convexizadas, ou

de uma pecuária extensiva, como no domínio dos pediplanos intermontanos. Deve-se acrescentar que

associadas à extensividade da pecuária encontram-se as práticas predatórias da queimada, que só não

agravam mais as consequências pelo baixo declive e considerável resistência mecânica dos

agregados, determinada pelo grau de laterização.

Em síntese, pelo volume de evidências de transformações geoecológicas geradas pela

ação do homem, os compartimentos representados por formas muito aguçadas e aguçadas requerem

atenção especial por parte dos órgãos de apoio, tanto da administração municipal quanto dos

programas técnicos específicos, devendo contar com a vontade de se minimizarem os impactos

ambientais em detrimento da maximização dos lucros dos agricultores ou pecuaristas.

Page 60: Ambiente e apropriação   valter  casseti

Para tanto, serão apresentadas algumas sugestões de caráter geomorfológico para a área

considerada crítica:

a) Preservação de restos de cobertura vegetal existente, principalmente em vertentes com

declives iguais ou superiores a 40%, bem como nas cabeceiras e ao longo dos cursos d'água. Tal

procedimento evitará a progressão dos efeitos erosionais acelerados em novas áreas, além de

permitir o predomínio da pedogênese local, em função da infiltração (componente perpendicular),

com consequente abastecimento do lençol freático, contribuindo para uma tendência à perenização

dos cursos efluentes;

b) Reflorestamento, de preferência com espécies heterotípi-cas, principalmente nos

pontos considerados de instabilidade crónica ou generalizada, bem como outras práticas que se

fizerem necessárias, procurando-se evitar a progressão de ravinas e boçoro-camentos. Tais práticas

podem ser interpretadas como barreiras nas cabeceiras de ravinas e boçorocas (desvio de água ou

redução da energia cinética do fluxo por terra), sucedidas de proteção por leguminosas, ou em áreas de plantio, a

utilização de curvas de nível e terraços, com leirões, proporcionais ao declive, "amarrados" por leguminosas ou

outras espécies de poder de retenção mecânica dos agregados, pelo efeito foliar e radicular.

Deve-se ter bastante preocupação também com relação ao reflorestamento de cabeceiras dos cursos

de primeira ordem, bem como ao longo deles, procurando-se assim, manter o armazenamento hídrico prejudicado

pela estiagem.

O que deve ficar claro é que as áreas de elevado declive são as mais susceptíveis de erosão quando

utilizadas com finalidade sócio-reprodutora, devendo ser protegidas pela vegetação natural, responsável pela

manutenção biostásica e equilíbrio dinâmico da vertente. Ainda, além de proporcionarem a continuidade da pedo-

gênese, uma vez que predominará o componente perpendicular sobre o paralelo, ter-se-á um excedente hídrico do

lençol freático, ao contrário do que se observa com o processo de desmatamento (elevação do lençol e desperenização

dos cursos d'água).

Outro ponto a ser considerado, de natureza morfogenética, é a ação direta da insolação, desidratando

o solo, e os pingos da chuva, que proporcionam o deslocamento dos agregados superficiais (efeito de splasK) com

consequente transporte pelo fluxo por terra, uma vez que inicia o predomínio do componente paralelo (escoamento)

sobre o perpendicular (balanço morfogenético positivo).

O desmatamento e consequente erosão acelerada respondem pela condição resistásica, ou seja, a

remoção dos elementos que compõem a fase residual da biostasia, além dos integrantes da fase migradora. Diante

disso, tem-se a coloração avermelhada das enxurradas (elevada turbidez), que tinge as águas fluviais, principalmente

durante as chuvas, determinada pelo principal indicador representado pelo hidróxido de ferro, ao contrário do que se

evidenciava na fase biostásica (água clarificada pelo filtro seletor, representado pela vegetação).

Page 61: Ambiente e apropriação   valter  casseti

c) Tratos culturais, visando o conservacionismo, conforme já se considerou, além de outras práticas de

manejo, como redução do número de arações e subsolagens, evitando o gradeamento e se possível a

utilização de técnicas de plantio direto. A aração deve ser bem superficial, quando indispensável,

considerando-se a baixa espessura dos solos na área intrusiva.

Mesmo nos declives moderados (20 a 40%), deve-se optar por cultivos de grande

densidade de área foliar. As pastagens devem ser formadas por espécies de boa encorporação e de bom

sistema radicular, como a brachiaria-sp, bem como Napier e outras.

d) Ainda, admitindo ser o sistema educacional o grande responsável pela formação da

consciência social, propõe-se, mesmo que seja apenas no nível municipal, a reestruturação curricular

nas escolas de primeiro e segundo graus, com o objetívo de se criar uma consciência crítica. Dentre

outras medidas indispensáveis, sugere-se a criação de disciplinas voltadas a preocupações ambientais e

práticas conservacionistas, visando a aptidão regional e local.

Em associação a essas medidas, deve-se propor a orientação sobre técnicas e práticas

agrícolas conservacionistas aos agricultores, o que poderia ser de iniciativa municipal, através de sua

secretaria especial, ou de órgãos governamentais (Emater, Engopa e Embrapa).

Além de práticas educacionais, necessárias se fazem a criação e exigência do cumprimento

de uma legislação específica, impedindo a ação de desmatamento em áreas críticas (como no domínio

das formas aguçadas), além do chamamento para a preservação da cobertura vegetal restante.

Deve-se promover uma política de incentivo ao refloresta-mento, com espécies

heterogéneas (construção de viveiros com formações heterotípicas), tentando reconstituir a mata

primitiva, sobretudo nos pontos considerados de instabilidade acentuada ou de tendência crescente à

instabilização.

Além das sugestões consideradas, propõe-se ainda a elaboração de cartilhas populares,

com .aplicações geomorfológicas às questões ambientais, que expliquem as principais razões da

preservação, demonstrando as relações processuais (relações entre os componentes paralelo e

perpendicular) como elementos da morfogénese e pedogênese, chamando atenção quanto ao tempo necessário

para a elaboração do solo (milhares de anos) e a possibilidade de sua degradação imediata (poucas décadas).

Após considerações quanto aos efeitos decorrentes das relações das forças produtivas, ou seja, das

relações externas, necessário se faz evidenciar as implicações de natureza interna ou relativas à essência do conteúdo da

paisagem.

Diante disso, deve-se observar que o processo de ocupação e a própria intensificação da produção da

natureza não se vincula apenas às condições edafológicas da área, mas sobretudo ao valor atribuído à propriedade

portadora de tais aspectos. Assim, a qualidade dos solos e a própria posição geográfica da área constituem-se em

Page 62: Ambiente e apropriação   valter  casseti

subsídios de importância ao desenvolvimento da produção. E o relevo (vertente), suporte das referidas condições,

agravante das derivações processuais, como mercadoria, intensifica o processo de especulação, proporcionando

interesse àqueles que detêm o capital. É, portanto, uma percepção do sistema capitalista de mercado, em que se

constrói o conceito de "propriedade".

Esse mesmo sistema de produção, que determina a forma de propriedade e gera especulação,

responde pelo antagonismo de classe que acaba inclusive proporcionando uma certa ameaça à propriedade,

representada pêlos desvalidos e marginalizados dos meios de produção. A ameaça dos despossuídos, de uma

reforma agrária desejada, mobilizou os proprietários, não somente para se organizarem, como também para

recorrerem a outras estratégias para garantir a propriedade. Uma delas, sem dúvida, refere-se à intensificação do

processo de desmatamento, sentida na área, como forma de indução a uma aparente função social da propriedade,

guarnecendo assim o direito da terra. Tal fato foi evidenciado através do desmatamento ocorrido entre 1966 e 1984,

correspondente a aproximadamente 18.000 ha, ou seja, 30% da área estudada.

Diante do exposto, constata-se uma enorme fragilidade da legislação brasileira no cumprimento das

determinações constantes do Código Florestal, consideradas anteriormente, bem como o total desprestígio e

despreparo do órgão fiscalizador competente (IBDF), decorrente da própria ausência de uma autonomia económica

e política.

Ainda, deve-se observar dois aspectos vinculados ao sistema de produção, relacionados à modalidade

de uso da terra: a) o primeiro refere-se ao domínio da pecuária, que reflete a ineficiência do uso ao mesmo tempo

em que pretende induzir uma aparência de função social, responsável pela restrição da mão-de-obra (ao mesmo tempo

em que reduz as despesas do proprietário, colabora para o êxodo rural, evidenciando uma condição pré-capitalista de

produção); b) o segundo refere-se ao uso indevido do solo, pelo cultivo em vertentes de fortes declives, que responde

pelo agravamento dos impactos ambientais: erosão acelerada, que determina a redução da fertilidade natural e

implica reposição artificial de insumos, reflexo da indústria química sobre a produção agrícola, como consequência

das relações de produção capitalista. O resultado, em função da continuidade dos efeitos erosivos, é a

concentração de fertilizantes e defensivos agrícolas nos cursos d'água, com consequências toxicológicas para a

ictiofauna, além da contaminação dos solos e do próprio fruto produzido.

É necessário observar, ainda, a tendência crescente de concentração da produção e cultivo da cana-de-

açúcar na área em consideração. Para se ter uma ideia, na safra 1981/82, a usina Monteiro de Barros plantou 5.146

ha de cana, área essa ampliada para 11.806 ha na safra 1984/85, sobretudo em decorrência da implantação da

Destilaria Jalles Machado, em 1983. Tal fato reflete o efeito do Proálcool, que em Goiás se manifestou de

forma tardia (Cunha Santos, 1984/86).

Exemplo de concentração de terras pode ser evidenciado através da própria Usina Monteiro de

Barros, que no ano de 1985 adquiriu área superior a 380 ha , para ampliar o cultivo da cana.

Page 63: Ambiente e apropriação   valter  casseti

Como se sabe, a concentração da terra reflete uma das características do sistema de produção vigente,

apesar de se constituir num entrave ao próprio desenvolvimento do capitalismo, uma vez que implica a

imobilização de capital na compra e aluguel da terra. Conforme Guimarães (1979, p. 153), esse fato muitas

vezes encontra duas fortes razões para a adoção de medidas contrárias: primeira, porque temem que a "abolição da

propriedade privada do solo se torne um precedente capaz de dar seguimento a outros golpes contra a propriedade em

geral; segundo, porque, com o desenvolvimento económico, os capitalistas estão por toda parte se transformando em

proprietários de terra'' (a terra como reserva de valor).

As relações de trabalho na agroindústria canavieira são bastante conhecidas pelo volume de estudos

realizados. O trabalhador é tido como simples "mercadoria", responsável pela "mais-valia", submetido à constante

substituição pelo exército de reserva que se amplia e responde pelo "paradoxo da abundância com escassez",

descrito por Souza (1980).

As relações de produção na agroindústria canavieira respondem ainda por uma série de implicações

ambientais ao considerar a natureza como efeito útil e imediato: processo de erosão acelerada ao se promover o

plantio em época de término de safra, quando os impactos meteorológicos respondem pela degradação mecânica da

formação superficial; queimadas, que destroem os humatos; ampliação da monocultura canavieira, que além de

implicar substituição de cultivos alimentares, contribui para o processo de proliferação de pragas, em decorrência da

simplificação do ecossistema (e-feito alelopático) e consequências do despejo de efluentes (vinhoto ou restilo), direta

ou indiretamente, nos cursos d'água, o que tem respondido pêlos grandes "acidentes" ecológicos. Deve-se observar

que o vinhoto se constitui no principal elemento poluente; basta observar sua relação com a produção alcooleira: uma

tonelada de cana produz em média 70 litros de álcool e 913 litros de restilo.

ALTERAÇÕES HIDRODINÂMICAS DAS VERTENTES EM ÁREAS URBANIZADAS

E SUAS IMPLICAÇÕES

Conforme Casseti (1989), a área urbana de Goiânia-GO tem se caracterizado por exemplos

pluvioerosivos e hidrodinâmicos preocupantes, resultantes das derivações processadas pelo

homem.

Problemas de escoamento são constantes no período das chuvas, não existindo estrutura de

vazão em relação à quantidade de água pluvial que se intensifica em função do crescimento da im-

permeabilização de superfícies e consequentes tendências de dis-ritmias pluviométricas. As atividades

erosionais caracterizadas por ravinas e boçorocamentos são observadas de forma generalizada nas

áreas desprovidas de pavimentação (erosão acelerada). Processos de dessoloagem são evidenciados em

áreas desmaiadas, ao mesmo tempo em que o assoreamento dos cursos d'água favorece a tendência

crescente de enchentes.

Page 64: Ambiente e apropriação   valter  casseti

É evidente que a expansão urbana, além de implicar alterações hidrodinâmicas das

vertentes e conseqüentemente dos cursos d'água, proporciona certas anomalias pluviométricas em

função de alterações do clima local. Como exemplo, pode-se citar o episódio que implicou a

destruição da ponte da rua 90 (córrego Areião), no setor Pedro Ludovico, ocorrido no dia 2 de janeiro

de 1986, no mesmo dia em que o rio Tocantins transbordava em seis municípios.

Para se compreender melhor o caso em questão, necessário se faz entender as alterações

hidrológicas das vertentes, determinadas pela própria expansão urbana. A impermeabilização de

superfícies respondeu pela redução substancial da 'infiltração, com consequente acréscimo do

escoamento superficial. Diante disso, tem-se a redução do abastecimento do lençol freático, o que

implica despe-renização dos cursos d'água , ao mesmo tempo em que responde por suas descargas

excepcionais (fluxo torrencial) no período das chuvas.

Esse fato, por si só, seria suficiente para justificar a destruição da ponte do córrego Areião,

considerando que o vale ou sua seção molhada encontrava-se balanceado para receber uma quantidade

de água bem inferior àquela obtida, uma vez que em condições suba-tuais, na vertente predominavam

uma cobertura florestada e uma expressiva mata ciliar, que cederam espaço para a ocupação urbana.

Como se não bastasse, o ano de 1985, marcado por um projeto de repercussão, respondeu por grande

extensão de ruas asfaltadas, envolvendo inclusive a região do entorno dos córregos Botafogo-Areião. Assim

sendo, cresceu de forma significativa a quantidade de água pluvial escoada em superfície, sem que o vale

apresentasse capacidade para receber o volume considerado.

Deve-se acrescentar, ainda, que o vale em questão é ocupado por "invasões" (posseiros urbanos),

o que teria favorecido o des-matamento considerado. Contudo, se tal processo de ocupação contribuiu para o

agravamento das condições ambientais, a responsabilidade maior deve ser atribuída ao próprio sistema de

produção capitalista, que converte o espaço social em "espaço-mercadoria". E mais ainda, uma política agrária

voltada ao monopólio da terra, somada à ineficiência de uso, que implica uma tendência crescente de

transformar a terra em reserva de valor e expulsa o trabalhador rural que, desprovido de qualquer recurso,

obriga-se a ocupar áreas clandestinas dos centros urbanos. Tem-se, assim, o agravamento dos problemas

urbanos, intensamente debatidos.

Além de todas as transformações responsáveis pela alteração do comportamento hidrodinâmico das

vertentes adjacentes, deve-se considerar as disritmias pluviométricas que passaram a existir, também em

função do próprio crescimento urbano.

A título de ilustração, serão apresentadas algumas considerações quanto às referidas alterações

clímato-locais.

Page 65: Ambiente e apropriação   valter  casseti

Através de observações meteorológicas (IO9 Disme-MA) da série histórica apresentada

(1939/87), com base nos elementos transcritos (fig. 16), pode-se constatar as alterações consideradas:

temperaturas média das máximas, média das mínimas e compensadas, que até aproximadamente 1958 estavam

abaixo da média da série analisada, a partir de então começaram a apresentar irregula-ridades transitórias para

assumirem um comportamento inverso, ou seja, a partir de 1966, passaram a apresentar uma tendência térmica

crescente, com valores superiores às respectivas médias. A temperatura compensada, por exemplo, na década

de 40, encontrava-se em torno dos 21°C, enquanto na década de oitenta, aproximou-se dos 23°C,

evidenciando um acréscimo térmico da ordem de 2°C.

A umidade relativa, por sua vez, que no início encontrava-se acima da média da referida

série (entre 70/75%), também após período de instabilidade higrométrica, a partir de 1966 se

individualiza por uma tendência decrescente (entre 60/65%), reflexo do próprio efeito térmico, decorrente da

redução da cobertura vegetal, com valores anuais abaixo da média estabelecida.

A precipitação, que sempre se caracterizou por oscilações, parece ter assumido um certo domínio

de valores localizados acima da média da série, sobretudo depois de 1969.

Ao lado de tais alterações meteorológicas, justapôs-se a curva de crescimento populacional, cuja

evolução geométrica, a partir da criação de Brasília, justifica plenamente a relação em questão.

Como se vê, o crescimento urbano tem respondido pelo crescimento térmico, o que foi mais bem

caracterizado em observações realizadas em 1986, quando foram instalados oito abngos meteorológicos em

diferentes pontos da cidade, além de transectos realizados ao longo desta. Tais resultados demonstram a tendência

de individualização de uma ilha de calor (fig. 17), caracterizando as implicações antropogênicas através do

desmatamento, concentração de edificações (densidade de ocupação), pavimentação ou impermeabilização de

superfícies.

Conforme se pode constatar através da representação que se segue (fig. 17), às 15 h do dia 8/3/86, o

centro da cidade era individualizado pela isoterma máxima dos 31°C, com tendência decrescente em direção à

periferia (27 a 28°C, como no setor meridional). No mesmo instante, a umidade relativa encontrava-se em torno

de 50% no centro (fig. 18), com acréscimo gradativo em direção à periferia.

Ainda, através do transecto norte-sul, para o qual utilizou-se psicrómetro de funda, pode-se

individualizar um acréscimo significativo da temperatura de bulbo seco na zona de concentração urbana (acima da

média dos 30,1°C, com máximo de 31,5°C, como na rua 90, próximo ao córrego Areião), em relação à periferia

(em torno de 28,5/29°C). O inverso mais uma vez foi constatado com relação à umidade relativa do ar, que no

centro encontrava-se abaixo da média (fig. 19), com mínimas em torno de 42%, enquanto a periferia, pela menor

densidade de ocupação, apresentava máximos em tomo de 60%.

Page 66: Ambiente e apropriação   valter  casseti

Como se sabe, o acréscimo da temperatura na área urbanizada, em relação à periferia

circunjacente, responde por um sistema de ventos convergentes, que tendem a entrar em convecção no

centro da "ilha" (dormis) por aquecimento basal. Como tais ventos periféricos transportam um certo teor de

umidade especifica, ao encontrar uma quantidade significativa de núcleos de condensação, próprios das

atividades humanas (concentração de material parti-culado), obtém-se uma aceleração do processo de

condensação, favorecido pela disposição da curva de estado, com consequentes ocorrências de pancadas de

chuvas, que acontecem em curto espaço de tempo, caracterizando fortes intensidades ou disritmias plu-

viométricas.

Tentando demonstrar o aumento de intensidades pluviométricas em questão, utilizou-se a

quantidade de chuvas diárias caídas entre 1949 e 1987, segundo diferentes classes, em razão da ausência de

pluviogramas que permitissem tal comprovação. Se por um lado os resultados anuais não ofereceram as

conclusões esperadas, por outro, as observações mensais, especificamente de janeiro, proporcionaram certas

considerações que merecem destaque: o número de ocorrências pluviométricas relativas à classe l (chuvas até 25

mm/24 horas), no período de 1957 a 1968, sempre esteve acima da média da série analisada (média de

18,7 ocorrências no mês de janeiro, entre 1949 e 1987), momento em que se instabiliza, resultando em uma

tendência crescente (média de 20,5 ocorrências nos quatro últimos anos); por sua vez, a classe 2 (chuvas entre 25

e 50 mm/24 horas), que tinha um comportamento irregular em rela cão à média da série (média de 2,7

ocorrências, em janeiro), a partir de 1978 começa a apresentar uma tendência crescente (média de 3,7

ocorrências, no período de 1978/87 e de 4,3 nos três últimos anos). Em síntese, observa-se, grosso

modo, considerando a necessidade de maiores informações conclusivas, que se registrou um acréscimo

das intensidades pluviométricas (da classe l para a classe 2), individualizadas sobretudo pelo mês de

janeiro.

Retomando o exemplo iniciado, com base nos valores plu-viométricos de Goiânia nos

meses de dezembro de 1985 e janeiro de 1986, constata-se que a área em questão ou a "capacidade de

campo" encontrava-se com excedente hídrico pronunciado, e que no dia 2 de janeiro se constituiu no

ponto crítico para o acontecimento relatado, apesar da moderada pluviometria registrada (33,9 mm).

A responsabilidade atribuída à chuva, "apresentada como causa eficiência única, age em

detrimento de uma ação positiva, de longo alcance embora não encontre apoio no inquietante desequilí-

brio, patente nas relações do homem com a paisagem. Se a altura da chuva caída de modo algum se

submeteria à vontade do homem, o mesmo não se pode dizer do volume total da água escoada à su-

perfície (deflúvio ou runoff), nem da velocidade destruidora com que é evacuada, nem tampouco da

devastação das vertentes que se esbarrondam" (Sternberg, 1949, p. 234/5).

Page 67: Ambiente e apropriação   valter  casseti

Como exemplo de implicações geomórfíco-fluviais pode-se considerar o baixo ribeirão

João Leite, em Goiânia, nas proximidades de sua confluência com o rio Meia Ponte.

Com o loteamento denominado "Goiânia 2", que chegou a atingir as proximidades do leito

direito do referido ribeirão, desrespeitando inclusive a faixa de preservação estabelecida em lei,

constatou-se uma série de implicações. Enquanto a abertura de ruas e limpeza de quadras, que é normal

em qualquer loteamento, favoreceu o desenvolvimento de dessoloagem e ravinamentos, a retirada de

parte da já degradada mata ciliar proporcionou a transferência livre do material retirado da vertente

para a calha do ribeirão. Quando não existe vegetação ciliar ou galeria, a terra é ar rastada para dentro do

curso d'água e vai-se depositar em pontos favoráveis à recepção.

Além disso, a própria Saneago promovia corte de pedúnculos dos meandros (fíg. 20), visando

aumento de vazão de água (ou velocidade de fluxo), necessário ao abastecimento de parte da cidade. Tal

procedimento, como se sabe, tende a romper o equilíbrio hidrodinâmico, implicando aumento da erosão linear ou

fluvial.

Como se procurou demonstrar anteriormente, a eliminação de dispersores de energia, representados pela

vegetação arbustiva que predominava na área, provocou o aumento do fluxo por terra, o qual respondeu pelo

transporte do material de superfície que se encontrava em processo de remobilização. Deve-se acrescentar que o efeito

de assoreamento é plenamente reconhecido, considerando o uso relativamente intenso e predativo de toda vertente

adjacente e a característica turbidez das águas que se agrava no período das chuvas, demonstrando uma condição de

resistasia. Além do mais, deve-se acrescentar a implicação do insignificante gradiente no baixo ribeirão João Leite

(menos de 3 m/km), seção onde se desenvolve o processo de meandração, e a existência de um gabião transverso à

seção molhada, nas proximidades da confluência com o rio Meia Ponte (fíg. 20).

O objetivo do referido gabião é proporcionar represamento de água para bombeamento, que

geomorfologicamente significa a elevação local do nível de base, respondendo pela concentração depo-sicional dos

materiais em suspensão. Assim, a tendência crescente de assoreamento a montante do gabião parece justificar o

agravamento de ocorrências de enchentes na seção considerada, análogo ao assoreamento processado em barragens,

conforme levantamento realizado pela Eletrobrás (1985), em pelo menos treze reservatórios. Estudos recentes feitos

pela Sociedade de Agronomia do Rio Grande do Sul estimam que a barragem de Passo Real, a maior do estado,

poderá estar assoreada dentro de trinta a cinquenta anos, considerando as elevadas taxas de sedimentos em

suspensão dos rios que lhe são tributários (mais de 20 mil cursos d'água estão com suas condições alteradas, o

que exige maiores gastos do estado para manter a água dentro dos padrões de qualidade estipulados pela

OMS).

Page 68: Ambiente e apropriação   valter  casseti

Levantamentos sedimentométricos realizados por Casseti & Cunha Santos (1989) no

baixo ribeirão João Leite, objetivando a relação descarga sólida (concentração de material em

suspensão) com as concorrências pluviométricas, demonstram as implicações ambientais decorrentes

do processo de ocupação e transformação das vertentes marginais.

Através da representação que se segue (fig. 21), apesar da transcrição parcial (dezembro

de 1987 a setembro de 1988), pode-se inferir, grosso.modo, uma certa dependência da perda de mate-

rial (solo) arrastado das vertentes e incorporado ao sistema hidrográfico, com as ocorrências

pluviométricas. Observa-se, ainda, que os máximos de descargas sólidas acontecem principalmente

após um período de estiagem periódica, o que pode ser atribuído à redução do grau de coesão dos

agregados do solo, determinado pela deficiência hídrica superficial (aumento da capacidade de campo).

Se se considerassem os valores mínimos (concentração de sedimentos abaixo de 50

mg/litro), registrados ao longo das estiagens periódicas, como referenciais ao entendimento de

ambiente biostá-sico (vegetado), tornar-se-ia evidente que as implicações resultantes do processo de

ocupação e transformação das vertentes imediatas justificaria os elevados índices de descargas sólidas

obtidos (máximos acima de 400 t/dia).

Considerando-se os valores anomálicos observados, em grande parte justificados pelas

derivações impostas pelo homem (forma de ocupação das vertentes imediatas), além da produção de

sedimentos, a jusante do ponto de coleta, determinada por cortes de pedúnculos, acredita-se na

possibilidade de tendência crescente de assoreamento, o que responde pela elevação do talvegue, ou

elevação do nível de base (redução da profundidade), com possibilidade de intensificação de

enchentes, como a registrada em 22 de abril de 1988, sem precedentes (concentração de sedimentos da

ordem de 275 mg/litro).

De acordo com Hoyt (1942), "... em muitas áreas, o problema das enchentes não poderá ser

completamente resolvido, enquanto os nossos cidadãos não reconhecerem que a natureza formou leitos fluviais,

vales e áreas de transbordamento para o armazenamento temporário e para a evacuação das águas de enchentes.

Enquanto o homem continuar a utilizar e ocupar esses leitos e planícies inundáveis com lares, fazendas, estradas e

concentrações urbanas, serão inevitáveis os estragos materiais e as perdas de vidas infligidos pelas enchentes".

O uso agrícola das vertentes tem também proporcionado a concentração de corretivos e agrotóxicos

no leito, que além de representar prejuízo ao produtor rural, altera a composição das águas e aumenta o risco de

contaminação, considerando que ainda parte de Goiânia se utiliza dessas águas para consumo. Exemplo de pos-

sibilidade de contaminação pode ser observado nas proximidades da estação de captação de água, em plena

planície alveolar, onde se cultiva o arroz. Conforme informações do proprietário, a corre-ção do solo foi feita com

Page 69: Ambiente e apropriação   valter  casseti

fertilizante à base de NPK e, na safra 1985/86, foi utilizado Herbadox. Ainda o tratamento das sementes foi feito

com Furadan.

A entrada de compostos fosfáticos e nitrogenados vem aumentando com a exploração de substâncias

naturais e minerais (fabricação de fertilizantes e detergentes). O resultado é a concentração dos referidos elementos,

inclusive provindos de esgotos, que contaminam a água potável.

Tanto os nitratos como os fosfates, perdidos para o ciclo, implicam o excessivo crescimento de algas,

cuja decomposição responde por consequente eutrofização, ou seja, o acréscimo da deficiência bioquímica de

oxigénio (DBO), e tendência de extermínio da fauna ictiológica.

Conforme o Compêndio de Defensivos Agrícolas (1985), o Herbadox, de uso local, empregado no

controle de ervas daninhas, tem como princípio atuante o Pendmethalin, que responde pela classe toxicológica

LQ, colocando em risco até a vida, no caso de ingestão direta.

O Furadan, "defensivo agrícola" largamente empregado, tem Fig. 21 - Relação Precipitação-

Concentração de Sedimento em Suspensão BAIXO RIBEIRÃO JOÃO LEITE-GOIÁNIA

como princípio ativo o Carbofuran, pertencente ao grupo dos car-bomatos, sendo um dos produtos de

maior grau de toxidez (classe toxicológica I). Apesar de os carbomatos não possuírem atividade tóxica sobre o

sistema nervoso, como os organo-fosforados, seu efeito toxicológico se manifesta imediatamente após o contato; as-

sim, a sintomatologia sempre será precoce e os níveis sanguíneos muito aquém da dose letal média.

Além das implicações e da gravidade da intoxicação provocada pêlos carbonatos, deve-se observar,

ainda, que eles são solúveis em água, o que agrava as condições no estudo de caso. Em síntese, além das

implicações menos nocivas dos macronutrientes considerados, o emprego do Furadan coincide com o início das

chuvas, havendo grande possibilidade de contaminação, agravada por ocorrências de enchentes, observando-se as

condições do gradiente do baixo ribeirão João Leite, e o destino das águas em questão (abastecimento público).

A Lei de Uso do Solo em Goiânia, publicada em 29/12/80 (lei 5.735/80, complementada pela

lei 5.983/82), prevê em seu capítulo II a existência de quatro tipos de zonas verdes: de conservação, de

transição, de preservação e específica. Para efeito de proteção especial dos recursos hídricos, como a do

ribeirão João Leite, há uma faixa definida de 100 metros como Zona Verde de Preservação (item XX,

parágrafo único), a qual deve ser contornada por outra faixa, de Zona Verde de Transição, também com largura

mínima de 100 metros. Enquanto na Zona Verde de Preservação não é admitido nenhum uso (§ l- do art. 33),

na Zona Verde de Transição os usos admitidos, permitidos e permissíveis são (§ 3-, do art. 33): a) habitação

singular; b) comércio e serviço vicinal, exceto mercearia, açougue, leiteria, quitanda, farmácia, café, bar e

restaurante. São permissíveis os usos para lazer vicinal.

Conforme se pode observar através da representação mencionada anteriormente (fig. 20), enquanto na

margem esquerda do baixo ribeirão João Leite as chácaras têm como limite o próprio curso d'água e são

Page 70: Ambiente e apropriação   valter  casseti

inclusive aproveitadas para cultivos - o que responde pelas questões ambientais já consideradas -na margem direita

foi aprovado, posteriormente à referida lei, loteamento denominado "Goiânia 2" (Decreto Municipal 403/80), do

Grupo Encol S.A., correspondendo a uma área de 202,7984 ha.

Apesar de o referido decreto insistir na preservação da zona verde marginal (art. l-, alínea d), conforme

levantamento aerofoto-gramétrico de 1975, momento em que a degradação já existia em acentuada proporção, e

determinar a reconstituição de áreas desmaiadas (art. l-, alínea f), nada foi feito nesse sentido. Pelo contrário, a

referida faixa foi invadida por aterro, o que permitiu a implantação de lotes, por onde se estendeu o arruamento.

Deve-se observar, contudo, que o processo de desmatamento é anterior à legislação, e que, conforme observações

aerofotogramétricas (fotografias aéreas da USAF, Projeto AST-10), a maior proporção teria acontecido antes mesmo

de 1966.

É mais do que evidente que as injunções políticas de um grupo económico como a Encol S.A.

contribuíram para a aprovação de loteamento nas referidas proporções e condições, em compartimento que

deveria, ao menos em parte, ser destinado exclusivamente à preservação (planície aluvial). Ainda, modificações

com aterramento parcial da referida planície (ampliação do "espaço-mercadoria") demonstram a "fragilidade" e

contradições das próprias leis, cujo órgão responsável pela aprovação provavelmente não prognosticou as

consequências de ocupação por uma população inicial prevista para 2 mil pessoas (área parcelável de 325 lotes, que

corresponde a 25,7984 ha , ou seja, apenas 12,7% da área total, ficando o restante como reserva de valor).

Considerando os problemas observados, além do forte agravamento das questões ambientais previstas,

apresentam-se aqui, a tftulo de sugestão, algumas medidas que se entendem como imediatas: para as descargas

urbanas, a lei deve estabelecer a necessidade de depuração de certas substâncias orgânicas nelas contidas, antes de

atingir as águas superficiais. "Que seja obrigatório o uso de depuradores de terceira fase, que detenham os nitratos e

fosfatos..." (Conti, 1986, p. 134), evitando-se o processo de eutrofïzação das águas. Ainda, Frederic Vester (1979,

Revista Scala, 5, RFA) apresenta alternativas de técnicas naturais que implicam pré-limpeza biológica de esgotos,

com o uso de "lama de clarificação" e "clarificação final por juncos e raízes" para águas pré-depuradas. Necessário

se faz, portanto, evitar que as consequências atinjam condições alarmantes, colocando em risco a saúde pública,

exterminando a fauna ictiológica ou gerando problemas que impliquem aplicação de recursos astronómicos como

alternativas corretivas, que poderiam perfeitamente ser destinados às verdadeiras necessidades sociais.

Conforme se observou, o encadeamento de derivações antro-pogênicas com consequente desrespeito

ambiental tem originado uma série de problemas que se agravam e ampliam no espaço da sub-bacia hidrográfica

em questão.. Em cada compartimento são observadas superfícies descontínuas, cujo tratamento deve ser condizente

com elas, exigindo-se uma tomada de consciência para que se possa entender a natureza e suas leis e aplicá-las

Page 71: Ambiente e apropriação   valter  casseti

corretamente. Necessários se fazem a criação e o respeito de uma legislação específica, na qual as condições

ambientais sejam priorizadas em detrimento de interesses políticos ou injunções económicas.

Conforme já se considerou anteriormente, as relações internas, determinadas pelas relações de

produção, respondem pela forma de apropriação e transformação da natureza - a produção da natureza.

No presente caso, desde as derivações clímato-locais até os demais impactos ambientais evidenciados

encontram-se subordinados às relações internas. O primeiro, justificado exclusivamente pelo excedente

populacional das áreas urbanizadas, o que leva à individualização do ser (evita o "gueto" da pequena cidade, que

oferece condições de uma convivência comunitária), implicando assim o desconforto ambiental. O segundo,

determinado pela forma de propriedade, que transforma a terra em "mercadoria", o que implica especulação e

consequentes diferenciações espaciais.

Deve-se observar que ao mesmo tempo em que se evidencia a ocupação de fundos de vales pêlos

denominados "invasores" (o que, na maioria das vezes, é uma resultante da própria política agrária, que obriga

os marginalizados do sistema a buscarem trabalho nos centros urbanos), tal fato responde pelo acesso diferencial à

natureza, ficando-lhes reservadas as referidas áreas de risco, que em função das derivações acontecidas,

normalmente os convertem em vítimas dos "azares" naturais.

Observa-se ainda, na maioria das vezes, o proveito da situação por pretendentes eleitorais que, através

de certos "benefícios sociais", como iluminação ou água tratada dos referidos compartimentos de risco, acabam

contribuindo para a vulnerabilidade ao desastre, em vez de proporcionarem condições ou suporte adequado de

moradia. Tal fato encontra-se justificado pelo terceiro argumento dos "azares", apresentados anteriormente, que se

caracterizam por uma perspectiva virtualmente malthusiana, refletindo a contradição na concepção positivista de

natureza: "o pobre é mais afetado na maioria dos desastres, não somente pela falta de recursos, mas especialmente

pela tendência de se reproduzir rapidamente" (Smith & O'Keefe, 1980). Trata-se, portanto, de um exemplo clássico

de culpar a vítima.

A lógica malthusiana conduz à seleção "lógica", segundo a qual as vítimas devem ser socorridas

depois do evento, ao invés de previamente atendidas. Esse argumento pode ser ilustrado pelas enchentes que se

repetem todos os anos e que atingem diretamente não apenas os habitantes das margens dos córregos Areião e Bota-

fogo, como também em maior proporção, aqueles que ocupam as várzeas do rio Meia Ponte, na Vila Roriz (Goiânia).

í Os fenómenos de enchentes são atribuídos à pura autonomia da natureza, ou seja, são vistos como o

resultado dos processos essencialmente físicos, como os climatológicos. São considerados "atos de Deus" a que se

subordinam as influências sociais.]

Deve-se observar, ainda, que o processo de expansão urbana, através da especulação imobiliária,

converte inclusive os compartimentos de risco em espaços habitáveis. Tal fato pode ser comprovado através do

mencionado loteamento Goiânia 2, cuja incorpora-dora, através das mencionadas injunções políticas, determinadas

Page 72: Ambiente e apropriação   valter  casseti

pelo potencial económico, conseguiu aprovar o referido projeto, contrariando inclusive as determinações

constantes da lei do uso do solo, além de responder por alterações substanciais na paisagem, a ponto de

agravar os impactos ambientais em desenvolvimento: o assoreamento considerado, que implica

tendência crescente de enchentes, favorecidas pelas disritmias pluviométricas e processo de ocupação.

Problemas de contaminação das águas produzidos pelo emprego de agrotóxicos em plena

planície aluvial ou mesmo vertentes imediatas, refletem o mau uso do solo, que gera dependência da

indústria química, cujo objetivo maior é vincular a produção agrícola às relações de produção

capitalista, mesmo em pequena escala.

No caso específico, necessário se faz observar que não bastam os limites de preservação

estabelecidos pela lei do uso do solo, quando as várzeas ou compartimentos de inundação os ultrapas-

sam.

Em síntese, é preciso esclarecer que a relação do homem com a natureza (primeira e

segunda naturezas) é uma relação social, que na sociedade capitalista representa uma relação de classe.

"A natureza não produz de um lado proprietários de dinheiro ou de mercadorias e, de outro, homens que

não possuem uma base material, nem é mesmo aquela base social comum a todos os períodos histó-

ricos" (Marx, apud Smith & O'Keefe, 1980). Assim sendo, conclui-se que a vulnerabilidade do pobre

aos "azares" da natureza resulta exclusivamente do acesso diferencial à natureza.

CONCLUSÕES

Através dos tópicos discutidos, tentou-se oferecer algumas noções relativas à apropriação do relevo

(vertente) e consequentes derivações ambientais. Para tal, insistiu-se na necessidade de se levar em consideração a

compartimentação topomorfológica e suas implicações, como critério indispensável a todo e qualquer processo de

ocupação ou transformação da paisagem, além, evidentemente, da necessidade de se compreenderem as relações

processuais e o comportamento da estrutura superficial.

Procurou-se, através das relações de produção, demonstrar as relações entre o homem e a natureza, as

quais, muitas vezes, no processo de apropriação e transformação do espaço, implicam o equilíbrio dinâmico do

relevo, resultando em consequências ambientais até mesmo dramáticas; os referidos "azares" da natureza.

Considerando que as mudanças radicais da sociedade acontecem a partir das transformações ocorridas

no modo de produção que tem, historicamente, as forças produtivas como elementos mais dinâmicos e

revolucionários do processo produtivo, conclui-se que os problemas ambientais só serão definitivamente superados

com o desenvolvimento de tal conteúdo.

Page 73: Ambiente e apropriação   valter  casseti

Toma-se, portanto, impossível desejar mudanças substanciais quanto à essência do problema ecológico,

sem que exista desenvolvimento das forças produtivas; ou de acordo com Kolbasov (1983, p. 159), "a essência

do problema ecológico da sociedade contemporânea consiste em assegurar a conservação, a reprodução

e o melhoramento das condições naturais da terra, favoráveis à vida do homem, e o processo de

desenvolvimento continuo das forças produtivas, a cultura e a organização social".

No sistema capitalista dependente brasileiro (conforme Lut-zenberger, 1985, os países capitalistas

oligopolistas representam "um mal pouco menor que o capitalismo de monopólio total do Estado"), os recursos

da natureza são objeto de uma explotaçâb intensiva, onde o Estado tenta restringir a espontaneidade da produção

capitalista através de legislação protecionista, que na maioria das vezes é estiolada pelo próprio grau de dependência

económica nacional (as relações de produção) ou transnacional. Para eliminar tais implicações, necessário se faz

alterar a raiz da estrutura social, liquidando as relações de propriedade privada e os antagonismos de classe. A

expectativa é que o sistema amplie tais contradições (antagonismo de classe) a ponto de proporcionar a evolução das

forças produtivas, comandadas pela classe trabalhadora, que necessariamente culminará em alterações substanciais

nas relações de produção (forma de propriedade e consequente estrutura social). Tal fato leva a entender que

enquanto a terra, o subsolo, a água, os bosques não se constituírem em património comum, de todo o povo,

aumentando a riqueza social, elevando o nível material e cultural da vida da população, o problema ecológico

tenderá a crescer. Contudo, as mudanças nas relações de produção devem estar associadas a mudanças culturais,

para que a sociedade, como um todo, entenda que não basta a socialização dos meios de produção, sem que se

estabeleça uma política racional de aproveitamento dos recursos naturais (com base nas reais necessidades de consu-

mo, preservando-se assim a condição ambiental).

Diante disso, enquanto o processo de organização indispensável para uma existência digna e explotaçâb

racional dos recursos da natureza não se concretizarem, necessário se faz sensibilizar a sociedade para um

confronto, através de lutas políticas que se opo-'nham à tendência da espontaneidade. Portanto, enquanto não se

proceder às mudanças radicais necessárias às transformações sociais desejadas, tem-se que sensibilizar a

sociedade, observando que os recursos da natureza e as condições naturais da vida dos homens são patrimónios de

todo o povo. Isso é valido mesmo num sistema de produção em que os meios de produção são privados, o que faz com

que os detentores dos referidos meios, ou detentores do capital, sejam responsabilizados pêlos resultados de seu

funcionamento. Ou ainda, conforme Feldman (1988,p. 17), "oexercício do direito da propriedade está subordinado ao

bem-estardacoletividade, conservação de recursos naturais e proteção do meio ambiente''.

Conti (1986, p. 147) observa que "muitos intelectuais da extrema esquerda pensam que dentro de uma

sociedade capitalista, qualquer política de proteção ambiental esteja destinada ao fracasso", uma vez que o

capitalismo não pode respeitar a natureza. "É verdade; mas é precisamente por isso que vale a pena lutar pela defesa

Page 74: Ambiente e apropriação   valter  casseti

dos valores ambientais, para obrigar o capitalismo a fazer algo que não pode realizar sem se contradizer

ostensivamente".

Honeste Gomes (1988), em importante contribuição, destaca três •posicionamentos como formas de

luta, lembrando que os dois primeiros não vão ao centro da questão ambiental por "não questionarem os

compromissos do Estado burguês com as empresas monopolistas nacionais e transnacionais..., não penetram a

fundo no domínio da formação económica do modo de produção capitalista, nas suas contradições, nos seus jogos

de interesses. Não compreendem o capitalismo em sua historicidade (...), não questionam o acelerado processo de

divisão internacional do trabalho, que, por sua vez, passa pela industrialização imposta na regionalização dos

espaços geográficos entre sistemas político-ideológicos e económicos opostos...".

São os seguintes os questionamentos apresentados pelo autor:

a) um de caráter utópico, podemos assim dizer, porquanto os seus propositores vêem a

solução via apelo à consciência das pessoas envolvidas no processo de destruição do património

natural. Acreditam que é uma questão que se define pela vontade, pelo querer das pessoas, no

sentido de que possam reverter os comportamentos dos indivíduos que destroem o meio ambiente;

b) outro, mais consequente, embora seja dotado também de forte dosagem idealista.

Seus propugnadores já cobram do aparelho estatal uma atitude mais agressiva contra os infrato-res

do espaço natural-cultural;

c) um terceiro, mais realista, que procura encaminhar as soluções dos problemas

ecológico-ambientais via incremento das lutas políticas. O problema é colocado contra a estrutura

do Estado dependente do capital financeiro, contra grupos e empresas que detêm não só o capital

monopolista, como também a posse e uso dos espaços regionais. Entende que a luta política não

elimina as outras formas de lutas, muito pelo contrário, ela se alimenta de todas, notadamente da

luta económica. Em razão de esta ser determinante — não a única e absoluta forma de luta —, o

objetivo é produzir mudanças na base (a questão da posse dos meios de produção, da produção, da

distribuição e do consumo); e adquirir assim um maior potencial de fogo contra os depredadores

do binómio Natureza-Sociedade, constituindo-se numa forma superior de produzir mudanças

fundamentais na superestrutura (as diferentes formas de consciência sociopolftica, jurídica, educa-

cional, científica, ética, estética, religiosa, etc.).

A partir do momento em que o Estado se sentir pressionado por uma política que parta da própria

sociedade, ou mais especificamente da classe trabalhadora, que detém a força de trabalho responsável pela

materialização do processo de produção, ele tenderá a assegurar a proteção necessária ao meio ambiente,

estabelecendo princípios, exigências, normas e prescrições jurídicas obrigatórias, sérias.

Page 75: Ambiente e apropriação   valter  casseti

Apesar de tarde, a preocupação ambiental no Brasil começa a ser sentida e inclusive incorporada na

legislação maior. Contudo, muita luta política deverá ser travada contra as injunções políticas e económicas que

estiolam as prescrições jurídicas.

Sabe-se, contudo, que o modo de produção capitalista pode continuar a produzir a natureza enquanto

puder continuar a produzir sua própria base "natural".

"Para apreender cientificamente essa relação com a natureza, é necessário proceder como Marx:

através da Ciência conduzir a ciência ao ponto em que possa ser apresentada dialeticamente"

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(Schmidt, 1976). Assim, recuperando a dialética, "a ciência recuperará a política de lutas de

classe que legitimamente permeia sua matéria-sujeito, mas que, sob as concepções burguesas ortodoxas

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O AUTOR NO CONTEXTO

Valter Casseti nasceu em Catanduva, interior de São Paulo e graduou-se em Geografia. Lecionou

na Universidade de Uberlândia, quando optou pela Geografia Física.

Defendeu mestrado com a dissertação Estrutura e Génese da Compartimentação da Paisagem de

Serra Negra; e doutorado com a tese Estudos dos Efeitos Morfodinâtnicos Pluviais no Planalto de Goiânia,

ambos na FFLCH, da USP.

A partir de 1976 passou a lecionar na Universidade Federal de Goiás.

Participou de projetos integrados ligados ao meio ambiente e assessorou parlamentos na

elaboração de leis referentes a esse tema. É vice-diretor da Associação dos Geógrafos Brasileiros de Goiânia

e coordena o Projeto Ozônio em Goiás.

É autor de quatro livros, entre eles Elementos de Geomorfo-logia.