Prefácio
Não sou adepto de apresentações, nem de escritos que antecedem poemas. Eles devem, no máximo, ter posfácios. Mas como faço parte dessa coleção, resolvi seguir instruções à risca. Por isso, sugiro que este texto seja lido após a matéria em verso queaqui apresento.
O livro contempla três tipos de poemas: os livres, que acabam saindo da gaveta nessas oportunidades, os litúrgicos, que se aglutinaram em torno do título Sinais de Vida, e os Poemas Nordestinos, que traduzem uma nova fase, lúdica.
Sobre os livres pouco tenho a dizer, além deles. Gostaria apenas de ressaltar que Beijing é a maneira correta, segundo os chineses, de grafar Pequim no nosso alfabeto.Os poemas de Sinais de Vida registram os anos que vivo com tons litúrgicas. Eles são espirituais e intimistas. Surgiram com Oração para os 80', publicado em Faculdade dos Sensos, e esses agora simbolizam os 90’. Sua leitura é repetitiva, despojada, com estrofes recorrentes, combinações cíclicas de palavras e aquele sotaque de on budista, como se lêssemos em voz alta no pensamento.
Os Poemas Nordestinos fazem um resgate gráfico da sonoridade tropical. Devem ser lidos em voz alta, com toda intensidade, ritmos e acentos de sotaque. Vogal escancarada, t e d originais. Mas não se trata de fidelidade absoluta. O poeta se julga no direito de inventar. Fazer moda com o sotaque alheio e dar trabalho para a ‘equipe lexicográfica permanente’, que sempre prestigiou a poesia. Brincadeiras à parte, escrever e ler compõem enigmas. Cabe a você, meu leitor, decifrá-los agora.
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A PALAVRA VIVA
a palavra lava o que agente mentea palavra mente onde agente sentea palavra cansa a palavra amansaa palavra passa o que agente pensaa palavra amassa
a palavra atrasa o que agente esquecea palavra aquece o que agente teimaa palavra queimaa palavra fogo que agente apaga
a palavra tralha que agente afastaa palavra gagaa palavra lavraa palavra ato
mato onde agente embrenhaa palavra exata onde nada ataa palavra sacra
a palavra senha a palavra laca amargadoce luzassanha brilho soa
bela voaa palavra garça
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taça
a palavra que agente bebea palavra tonta a palavra esquece
a palavra enterra o que agente trocaa palavra cavaa palavra covaafoga trama aplainaa palavra amaina
amanhece
a palavra espaço diacomo brisa
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DOIS POEMAS DE CASAL
IAh então é isso
ah então é issotô sabendovocê é assimvocê sempre é assimvocê é tristevocê aprofunda demaise fica a fim de envelhecertira a barbatô sabendovai sair com outravocê sempre sai com outraé! não tem nada a vernuma boa, brincadeiramentirosovocê é um grande mentirosolevou a sério?eu prefiro não falarvocê é herméticovocê é louconão quero perder sua amizadepor que nunca foi nada alémmas eu sempre disse issovocê é que esperaque eu fale algoque não tem nada a ver
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qualé? nunca me viu?você leva tudo a sériovocê é difícil de convivernossa que cabeça complicadavocê é enrolado mesmonuma boanão é nada disso
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IILouc’aritmética de um louc’amor
eu sou 1como vocêvocê é 22 para 2não falta nadaeu sou 1você é 22 mais 1é sempre 31 mais 1é sempre 2nós somos 2mas 2 assimé 1 menos 1é parte do 2que é 1é vocêdisso sobram 2quem sabe 1ou ainda 3acabam 1só 1para cada 1
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sujeito estrambóticode olho estrogeno valgonariz aduncomanco de estreito vultoesse sujeito estropio
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NATAL 91
Ise isso é natalsou naldívio das ovas de jesussou carne e osso sem devaneio
IIo natal é normal como a rima barata da loja Pernambucana
o natal é regular como um salgado na mesa do baro natal é deus menino como o álibi é do assassino
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SINAIS DE VIDAOU O VERÃO DENTRO DO PEITO
Iuma gaiola de ossosentre os braços
o sangue espessono espaço oculto
onde o sol nutrehumores
o corpo tensoentre bandagens de peleno tumulto dos músculos
a relva verdeuma árvore vazadapelo leque de luz
a árvore amadaa selva da almaoutra vez
a força dos músculosos punhos do sangue
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as batidas n’aortaestamos vivosainda estamos
suspiramos a chamatragamos a chamae ainda assim duvidamos dela
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II
as mãos dentro do corpo por vezes serenas e móveis
as mãos dentro do corpopor vezes ferozes e firmes
— como lâminas —
o sopro dos sereso hálito denso e matinal
corre pela relvaentre gotas solares
o corpo se inventa de contentamento
sobre cada osso empilhadoum acórdão de sinais de vida
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III
o vento envolve a casae corre apressadoentre ramagens e frestas
esmiúça ventarolas e rodapés
o corpo imóvel e mornoestirado na cama
os pés fora do lençol
a janela de gotasopaca e doce
o vento percorre os caminhoscomo um enxame, sete bestas zoando
o mundo é um imenso cão de caçafarejando cada quina, cada frincha
até nos encontrar
estamos vivosainda estamossuspiramos a chamatragamos a chamae ainda assim duvidamos dela
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IV
a vida corrige os atosatravessa os enganosa vida atrás dos braços
os músculos da voza vida ultrapassa a vida
não antes não depoisnada mesmo por fazer
atravessar apenas— palmo a palmo —esse minúsculo solonde há luzpara todas as gotas
estamos vivosainda estamos
suspiramos a chamatragamos a chamae ainda assim duvidamos dela
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A DUCHA 4 ESTAÇÕES
a ducha quatro estações faz da água um arranjode quadros de matissee azulejos decoradoscomo nos prédios de galdi
a ducha quatro instantesa ducha quatro cantos
a ducha nuaa ducha quadroiluminadapelo grito do papagaio
a ducha quadriculadaempeixeada de cacosde rios que escorremno pêlo
o shampoo nos olhoso som com sotaque de peixecaolho & borbulhante
bons fluidos me banhamnessa ensolarada manhã
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PONTE
entre dois corpos uma bocaentre dois portos um oceano
entre dois corpos uma faíscaum cisco de cores um talismã
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( colibri com bem te vi )
c o l i b e m t i b r ib e m c o t i b r i l ib e m c o t i l i b r it i b e m c o b r i l i
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( autobiográfica )
minha vógalsó traz dónasci sacinuma bela és quinade minamar um dia és quecio tê que casa com xis
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