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Alfabetizao Ecolgica: de indivduos s empresas do sculo XXI
Deborah Munhoz
Como citar este artigo:MUNHOZ, D Alfabetizao Ecolgica: das pessoas s cadeias produtivas. IN:
Identidades da Educao Ambiental Brasileira. MMA/DEA; P. P. Layrargues,
(Coord.), Braslia: MMA, 2004; p.141 155
Disponvel para download em:
http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/og/pog/arqs/livro_ieab.pdf
Palavras chaves: alfabetizao ecolgica ecodesign educao ambiental -empresas
Introduo
Meu primeiro contato com o trabalho de Fritjof Capra ocorreu no final da dcada de
oitenta, durante minha graduao em Qumica, quando estudava Fsico-Qumica
Moderna e tive o primeiro contato com a fsica quntica. Embora fosse um autor noaceito pela Academia, encontrei em seu trabalho valores e a sistematizao de um
conhecimento que buscava em vrias reas do conhecimento assim como nas
tradies da humanidade. O contato com a Alfabetizao Ecolgica aconteceu em
1995, ao final do mestrado, durante o Io Seminrio de Educao Ambiental e ISO
14000, realizado em Salvador, Bahia. Naquela ocasio conheci Moema Viezzer e a
Rede Mulher. O caderninho Princpios da Alfabetizao Ecolgica, do Elmwood
Institute, exposto mesa de publicaes da Rede Mulher, logo me chamou a
ateno. Reconheci naquela publicao uma srie de princpios que j faziam parte
de minha educao. Os anos se passaram. Distanciei-me do universo da Qumica
pura e fui me aproximando do universo das organizaes, particularmente de
empresas.
Atualmente, trabalho com a linha de alfabetizao ecolgica tanto na concepo de
projetos de Educao Ambiental para empresas, para o desenvolvimento de
lideranas jovens, na campanha do consumo consciente quanto dentro dos mdulos
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de Gesto e Tecnologia e Projetos e Produtos com Eficincia Ecolgica no curso de
ps graduao em Engenharia Ambiental Integrada, oferecido pelo IETEC Instituto
de Educao Tecnolgica, em Belo Horizonte. Nesse ltimo fao uma introduo ao
Ecodesign (Ecoplanejamento). Desta forma trabalho em diferentes nveis
hierrquicos dentro das organizaes e fora delas buscando contribuir para o
desenvolvimento de uma cultura de Sustentabilidade. Uso duas outras linhas que
considero complementares alfabetizao ecolgica. Uma delas o trabalho de
Ecologia Integral, do Centro de Ecologia Integral de Belo Horizonte e a outra a da
autopotencializao e empoderamento, pautadaem valores, de Ken Odonnel, da
organizao Brahma Kumaris. Falarei sobre ambas ao longo do artigo. Antes de
falar sobre os princpios, acredito ser importante explicitar o que considero sendo
Educao Ambiental.
Educao Ambiental: de qual ambiente estou falando?
Como lembra DIAS (1992), a evoluo do conceito de educao ambiental
acompanhou a evoluo do conceito e da percepo de ambiente. Evoluiu de um
enfoque mais ecolgico no sentido das Cincias Biolgicas, para uma dimenso que
incorpora as contribuies das cincias sociais fundamentais para a melhoria do
ambiente humano.
Assim, pode-se pensar o ambiente e a Educao Ambiental de forma a reduz-los
aos aspectos relativos fauna, flora, ar, solo e gua. Pode-se, no entanto, ampliar o
conceito e adotar o modelo do tecido celular de DIAS (1992), abordando os
aspectos polticos, ticos, sociais, cientficos, econmicos, tecnolgicos, culturais eecolgicos, por exemplo. Compartilho, no entanto, de um pensamento no qual o
ponto de partida o ambiente interno de cada ser humano. No no sentido
antropocntrico, mas porque parto do princpio de que o ambiente interno de cada
ser humano est interconectado com o planeta e com o cosmos. onde comea a
compreenso do conceito de rede e de interconexo, de interdependncia, de teia
da vida. A Conferncia de Tbilisi considera a Educao Ambiental como sendo:
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um processo permanente no qual indivduos tornam-se conscientes do
seu ambiente e adquirem conhecimento, valores, habilidades,
experincias e a determinao para agir individual e coletivamente,
prevenido e resolvendo problemas presentes e futuros.
Quando olho para a sociedade, no entanto, onde esto a ao individual e coletiva,
as mudanas de atitude to preconizada pela educao ambiental? Percebo muito
mais pr-ocupao do que ao propriamente dita. Para contribuir nesse processo,
apoio-me na Ecologia Integral e na Autopotencializao/empoderamento. Falarei
sobre ambas nos pargrafos seguintes.
Ecologia Integral, Autopotencializao e empoderamento: o incio do processo
de Alfabetizao Ecolgica
Assim como o ambiente precisa ser percebido na sua totalidade, a Educao
Ambiental tambm precisa ser vista e praticada na sua integralidade. comum a
prtica de uma EA voltada para o cuidado externo, com o oikos: nosso planeta-casa.
A primeira casa, no entanto, habitada pelo ser humano constituda pelo seu prprio
ser, seu prprio corpo. A viso do corpo como oikos encontrada tanto na cultura
oriental quanto na tradio indgena ou crist. Desta forma, a educao ambiental
precisa ser praticada tanto nas diferentes dimenses do ambiente interno de cada
um (fsico, mental, emocional, espiritual) quanto nas dimenses do ambiente externo
(relacionamentos interpessoais e com a as demais manifestaes da natureza).
Para isso, utilizo de duas contribuies: a chamada ecologia integral peloCentro de
Ecologia Integral, em Belo Horizonte, que sintetiza princpios trabalhados pela
Universidade da Paz; e as consideraes sobre a
autopotencializao/empoderamento, relacionando a interdependncia entre
ambiente interno e externo e valores feitas por ODONNEL (1994). A ecologia
integral rene as dimenses do ser humano, da sociedade e da natureza. composta por:
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Ecologia pessoal paz consigo
Ecologia social paz com os outros
Ecologia ambiental paz com a natureza
A ecologia pessoal est relacionada ao cuidado que devemos ter com o nosso
corpo. Isto inclui a prtica de alimentao saudvel, respirao correta, o movimento
fsico, o sono reconfortante e o descanso necessrio. Relaciona-se com o
conhecimento e entendimento de nossos estados emocionais com a finalidade de
torn-los cada vez mais harmoniosos. Diz respeito tambm nossa mente, a
ateno que devemos dar aos nossos pensamentos e s informaes que os
alimentam, tais como msicas, dilogos internos ou programas de tv. E com nossa
espiritualidade, buscando uma conexo interna, com as outras pessoas, com o
planeta e com cosmos. Aecologiasocialexpandeo cuidado pessoal para com as
outras pessoas com as quais nos relacionamos assim como para com toda a
espcie humana. solidariedade, dilogo, soluo pacfica dos conflitos,
compartilhar, respeitar s diferenas, dedicao s causas ligadas justia social e
conquista de uma vida digna para todos. Por fim, aecologia ambientalprope
uma unio profunda com a natureza, trazendo conscincia a estreita relao de
interdependncia entre a vida humana e no humana. Desta compreenso, nasce a
necessidade de praticar a simplicidade voluntria, optar pelo conforto essencial, pelo
consumo consciente. Neste ponto, planta-se a semente dos princpios de
alfabetizao ecolgica, na prtica do Ecodesign (Ecoplanejanento) do cotidiano.
Para introduzir o conceito de interdependncia existente entre ao modo de vida e
atitude interna das pessoas com o estado do mundo uso o trabalho de ODONNEL(1994). O estado interior de uma pessoa afeta seus pensamentos, idias e os
desejos de sua mente. A sade da mente est diretamente conectada com a sade
do corpo. A sade da mente e do corpo determina o estado dos relacionamentos
que, por sua vez, geram a condio da sociedade e a forma com que ela se
relaciona com o ambiente externo (fauna, flora, gua, ar, solo, pessoas, setor de
uma empresa, partes interessadas de uma empresa...). Assim, o estado do
ambiente externo reflete o que acontece nos outros nveis. Esta afirmao no uma novidade. Encontramos esta observao tanto na fsica quntica moderna
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quanto nos preceitos budista da no separatividade. Assim, vemos no mundo o
resultado da prpria patologia da sociedade humana. Em muitas prticas de EA, o
conhecimento e a orientao para a ao diz respeito somente ao ambiente externo
ao indivduo. Muitos esforos vem sendo feitos pelos educadores e educadoras
ambientais e outros profissionais da rea ambiental para que pessoas ou empresas
mudem a atitude em relao ao ambiente externo. Na minha percepo, poucos
vem se ocupando da educao para o auto-conhecimento: corpo, emoes,
palavras, relacionamentos, pensamento, sentimentos, carter. Este costume pode
ser interpretado como uma conseqncia da cultura da aparncia.
Dentro dessa cultura, muitas empresas gastam pequenas fortunas em mquinas
para controle da poluio, colocam sua equipe continuamente sobre estresse para
obterem certificaes ambientais em prazos mnimos, insuficientes para mudanas
consistentes nos hbitos humanos. Esto dentro de uma cultura reativa e pouco
investem na transformao verdadeira e consistente de seus funcionrios, de seu
ambiente interno. Por isso trabalho com a autopotencializao e empoderamento.
Penso ser mais eficaz, mais econmico e preventivo trabalhar com equipes cujas
pessoas tenham compromissos pessoais de melhoria contnua com a prpria vida.
Ento, em minha concepo, na dimenso do ambiente interno que comea o
processo de alfabetizao ecolgica. Esse o alicerce da minha metodologia de
trabalho aplicada tanto com alunos jovens ou adultos quanto empresas: contribuir
para que primeiro redescubram a sua dimenso viva, humana, olhem e aceitem
suas prprias limitaes. Reconheam seus talentos, potencializem-se e
empoderem-se. Assumam seu prprio poder de transformao, faam
compromissos pessoais com a proteo da vida humana e no humana e,
paralelamente, trabalhem para a aplicao dos princpios ecolgicos em seusprojetos, trabalhos, negcios.
E o que a educao dentro deste contexto? CAPRA (2002), em seu livro As
conexes ocultas traz a frase de Vclav Havel: A educao a capacidade de
perceber as conexes ocultas entre os fenmenos. Educar tambm pode ser
compreendido como trazer de dentro. A educao ambiental centrada na
alfabetizao ecolgica e na ecologia integral pode ento ser vista como odesenvolvimento da habilidade de perceber as conexes existentes entre o
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ambiente interno e o ambiente externo e agir no mundo a partir dessas conexes. O
processo de auto-educao adotado pela prtica da Ecologia Integral faz com que
tais conexes deixem de ser ocultas. Num processo de expanso do pensamento e
sentimento, a EA ainda pode ser compreendida como sendo um processo
permanente de ampliao da conscincia de ser parte da Terra e sentir-se em casa,
desenvolvendo uma cidadania planetria e csmica. Nesse contexto, um programa
de educao ambiental pode ser compreendido como um processo no qual o(a)
educador(a) contribui para que cada pessoa ou organizao envolvida descubra
dentro de si sua ligao com a natureza e seu potencial de conhecer, criar, aplicar,
agir em conformidade com princpios bsicos ensinados pelos ecossistemas.
Falando sobre os princpios ecolgicos:
Os ndios so grandes mestres em relao ao princpio da Interdependncia. Algo
que aprendi rapidamente aos primeiros contatos com a sua cultura a profunda
diferena existente entre a forma com que ndios e no ndios se relacionarem com
a Terra e com a Natureza. Nosso sistema educacional nos ensina que ns estamos
sobre a Terra. Considerando a influncia da cultura crist-judaica, estar sobre
significa dominar. Somos, na concepo crist-judica, a espcie que est sobre,
acima das outras espcies que foram criadas para servir ao ser humano, ou melhor,
ao homem, ao gnero masculino.
Na cultura indgena, ns fazemos parte da Terra, somos a Terra. Dentro dessa
sabedoria ancestral, a relao de cada homem e mulher com a Terra de profunda
reverncia. De filho/filha para com a grande me, que gera, nutre, que d a vida.Essa mesma relao encontrada em culturas muito antigas, matriarcais,
espalhadas por todo o mundo.
Dentro da cultura patriarcal, nos sistemas formais e informais de ensino, temos
dificuldade na internalizao do princpio ecolgico da Interdependncia.
Aprendemos a estabelecer acordos injustos, nos quais uma das partes tem o
mximo de vantagens em detrimento da(s) outra(s) parte(s) envolvida(s) nanegociao. Tem sido assim nas relaes entre comunidades humanas e natureza:
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tudo para os ecossistemas humanos, para as mquinas e para os fortes e/ou ricos,
nada para os demais ecossistemas, nem para os pobres e/ou fracos; entre pases
ricos e pobres, entre grandes e pequenas empresas, entre empresas e
fornecedores, entre Estado e populao; entre empregador e empregado (te pago o
suficiente para voc sobreviver e no me deixar; quero que voc d o seu sangue
pela empresa, desenvolva novas habilidades por sua conta mas a empresa no tem
nenhum compromisso com voc). Dentro dos ecossistemas diferentes espcies se
associam atravs da competio e da cooperao. Nosso sistema econmico optou
predominantemente pela competio, em detrimento da cooperao entre as partes,
conduzindo-nos aos atuais padres insustentveis da civilizao.
Dentro da teia da vida, no entanto, estamos todos interconectados. Estamos em
rede. Uma rede pode ser formalmente definida como um agrupamento de pontos
(tambm chamados de elos ou ns) que se ligam a outros pontos por meio de
linhas, conexes. So essas linhas ou conexes que fazem a rede. Os pontos
podem ser clulas, pessoas, organizaes, equipamentos, etc. A vida se organiza
e se manifesta em redes: redes celulares, neurais, sociais, organizacionais. Redes
de bancos, supermercados, computadores... e a qualidade da rede vai depender do
relacionamento entre seus pontos (ecologia social). Quanto pensamos em
relacionamento, particularmente entre seres humanos precisamos tambm pensar
em negociao. H quatro tipos bsicos de negociao que podemos estabelecer:
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Quadro 1: Diferentes Tipos de Negociao
Tipo de negociao Conseqncia
1. Eu perco, Voc perde Nesta todos perdem. um estilo suicida.
2. Eu ganho Voc perde Estilo egosta, no qual apenas quero o meu
prprio bem.
3. Eu perco- Voc ganha Doao total, incondicional, na qual eu fao
tudo pelo outro sem pensar em mim mesmo.
Acabo morrendo e compromentendo a vida
do outro.
4. Eu ganho Voc ganha Bom para todas as partes, levando
sobrevivncia da relao. Exemplo de
relao sustentvel.
No estabelecimento de uma Parceria, seja ela qual for: um namoro, um casamento,
uma sociedade, uma relao entre empresa e fornecedores, a relao sustentvel
se e somente se ela boa para todas as partes envolvidas. H uma relao
simbitica, de Cooperao, de ganha-ganha, de crescimento mtuo, de jogar
frescobol, como diz Rubem Alves. Nas parcerias, com o passar do tempo, a relao
amadurece permitindo que cada um dos envolvidos saiba as necessidades do outro
e faa o melhor de si para atend-lo, respeitando a sua prpria vocao e
especialidade e sem colocar em risco a sua prpria sobrevivncia. Desta forma, as
relaes se tornam sustentveis e Sustentabilidade quer dizer que se mantm ao
longo do tempo.
Com o passar dos anos, as partes envolvidas aprendem, mudam, se adaptam s
necessidades umas das outras, coevoluem e Coevoluo outro princpio da
natureza. As espcies vivas que habitam o planeta tm uma histria evolutiva em
comum. Da mesma forma, as organizaes humanas possuem histrias conjuntas
com seus consumidores e fornecedores. Consumidores mais conscientes do ponto
de vista scio-ambiental provocam mudanas em empresas. Da mesma forma, uma
grande empresa ao se tornar socialmente responsvel, passa a provocar mudana
nos seus fornecedores e demais partes interessadas (stakeholders). E mudana
envolve dinamismo, flexibilidade. A natureza no esttica e muda
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constantemente dentro de certos limites de tolerncia. Os prprios genes mutam ao
longo do tempo. Esse eterno mover entre limites chamado de estado de equilbrio
dinmico e encontrado por toda parte: do universo atmico aos macrossistemas. O
princpio da Flexibilidade e do Equilbrio Dinmico encontrado dentro da Qumica,
no Taosmo ou no Surf. pelo equilbrio dinmico que um surfista se mantm em p
na prancha, em cima de uma onda. um eterno ceder e recomear a cada instante.
No momento em que enrijece, o surfista cai. Trazendo tal princpio para as
comunidades humanas, o princpio da flexibilidade deve estar presente nos
processos de negociao, onde ambas as partes devem conhecer seus limites de
tolerncia e na resoluo de conflitos: Hay que endurecer pero que sen perder la
ternura. A flexibilidade de um ecossistema est relacionada com sua diversidade,
da riqueza e complexidade de suas teias ecolgicas e de suas redes de relaes.
Aqui, merece destaque o trabalho que o SEBRAE vem fazendo com
empreededores, ensinando-os a serem flexveis, a negociar, a estabelecer relaes
sustentveis, de respeito mtuo, transparncia, de redes de cooperao. A
cooperao essencial para construirmos um mundo onde todos ganhem.
O movimento da natureza tambm ocorre em ciclos. Tais ciclos ecolgicos so
fundamentais para as diferentes manifestaes de vida, pois por meio deles,
matria e energia fluem intra e entre ecossistemas lembra do ciclo de Krebs?. So
exemplos de ciclos biogeoqumicos o da gua, carbono, fsforo, nitrognio, enxofre.
Um corpo dgua, por exemplo sofre variaes em seu metabolismo ao longo do
ano. Ocorrem variaes de temperatura, densidade populacional de diferentes
espcies, concentrao de nutrientes, pH, etc. Caso uma perturbao em um
sistema ultrapasse seus limites de tolerncia, ele fica estressado, podendo entrarem colapso.
Dia e noite, estaes do ano, ciclos lunares, ciclo menstrual so exemplos de ciclos
que podemos observar macroscopicamente. A percepo da natureza cclica
perdida quando passamos a maior parte do tempo nos ecossistemas artificiais
chamados de cidades. Nelas no vivenciamos os ciclos das plantas e da terra.
Vivemos a iluso vendida pelo Marketing do instantneo, nos supermercados e
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shoppings, onde tudo pode ser comprado com um carto de crdito, a qualquer
momento do dia ou em qualquer estao.
Os princpios dentro do Ecoplanejamento
No modelo convencional, o sistema produtivo linear e aberto, extraindo a matria
prima da natureza e devolvendo a ela uma grande quantidade de resduos e
produtos no biodegradveis e txicos. A natureza, no entanto cclica e no h
desperdcio: Na natureza, nada se perde, nada se cria. Tudo se transforma, j dizia
o qumico Lavoisier. Todos os tomos se movimentam atravs da Reciclagem
dentro dos Ciclos Ecolgicos nos ambientes naturais. H que se compreender
melhor o que reciclagem. Confeccionar vassouras de pedaos de PET (chamadas
de ecolgicas) ou roupas de materiais que iriam para o lixo no configura
reciclagem. Transformar garrafas PET em fibras txteis para confeco de
agasalhos Reciclagem. Ao usar as vassouras de PET, estamos unicamente
transformando grandes pedaos de plstico em pequenos pedaos de plstico pelo
atrito durante a varrio, mas o material no biodegradvel continua existindo. Fora
da percepo humana mas prxima da percepo de outros seres vivos. No
resolve o problema. Da mesma forma, brinquedos e bijuterias de materiais que iriam
direto para o lixo apenas adiam o problema. No temos mais tempo para adiar. O
Marketing, alm de tica, tambm precisa de alfabetizao ecolgica e cientfica.
Por meio do desenvolvimento cientfico e tecnolgico, atravs da cooperao e
parceria entre consumidores e empresas podem ser projetados parques industriais
ou cadeias produtivas nas quais os resduos ou produtos de uma empresa sejam
usados como matria-prima de outra. A partir da perspectiva do Ecodesign(Ecoplanejamento), da chamada Ecologia Industrial, parques industriais podem ser
planejados imitando os sistemas naturais no fluxo de materiais e no Fluxo de
energia. O parque industrial da pequena cidade de Kalundborg, Dinamarca
considerado modelo em simbiose industrial, com muitas de suas indstrias
conectadas entre si atravs de dutos. Outra importante iniciativa a organizao
ZERI (Zero Emissions Research and Initiatives Pesquisas e Iniciativas de Emisso
Zero), fundada pelo empresrio Gunter Pauli no incio dos anos 90: zero deresduos, zero de desperdcio. Com mais de cinqenta projetos pelo mundo, a
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organizao tem exemplos de sucesso na Amrica Latina, como o caso de
fazendas de caf e o programa de reflorestamento em Las Gaviotas, Colmbia. Zeri
baseia-se no conceito de redes conectadas entre si: agrupamentos ecolgicos de
indstrias, a comunidade local, na qual os empreendimentos se localizam e a uma
rede internacional de cientistas que trocam informaes entre si para sustentar os
parques industriais.
A questo do Ecodesign tambm diz respeito ao universo dos qumicos. A Qumica
a cincia que lida com as propriedades, transformaes e interaes entre
materiais. Por meio das reaes qumicas, todas os materiais que conhecemos so
fabricados quer seja pela natureza, quer pelas indstrias. Apaixonados pelo poder
de criar e intervir na natureza, a espcie humana vem criando materiais
desconectados do ritmo da natureza. A Qumica vem criando materiais no
biodegradveis, fazendo com que tomos sejam aprisionados em ligaes
extremamente estveis. Tais materiais refletem a rigidez, o perfil esttico e inflexvel
do nosso padro civilizatrio. a artificialidade, contracenando com a natureza
dinmica e gil dos ecossistemas. H que se introduzir a alfabetizao ecolgica
entre os profissionais da Qumica para agilizar a transformao dos processos
produtivos no que se refere gerao de produtos txicos e no degradveis.
Atravs da Qumica e das Cincias da Paz, criaremos produtos amigos da natureza,
da vida. No biocidas. Entraremos em outro paradigma de confeco de novos
materiais para satisfazer as necessidades humanas deixando s futuras geraes
aquilo que os ndios chamam de tempo de infinitas possibilidades e que ns
chamamos simplesmente de futuro.
A paz um dos valores humanos universais (OBKL, 2000). A formao delideranas e profissionais ticos, que possam atuar a favor da vida, da paz e no-
violncia passa por uma escola e por uma Universidade pautada na educao em
valores humanos.
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Quadro 2: Formao humana e tcnica
Formao humana e
tcnica clssica
Profissional alfabetizad@
ecologicamente
Autoridade autoritrio(a);
antropocntric@
Humildade dialoga com o mundo
em condies de igualdade
Trabalha principalmente com
o que sabe
Trabalha com o saber do(a)
outro(a) e o que no sabe
Razo - lado esquerdo do
crebro
Intuio, emoo (lado direito do
crebro) equilibrada com razo
O(a) outro(a) entra no meu
mundo
Eu compartilho o mundo com o(a)
outro(a)
Fechado(a) em si e no seu
prprio mundo
Eu fao parte de um todo maior
Predomina a expirao
(eu sei > o outro no sabe)
Expirao e inspirao equilibrados
(sabemos e no sabemos)
Eu decido/ Eu /Ego-ao Ns decidimos/Equipe/Eco-ao
Hierarquia Horizontalidade, policentrismo,
redes
Disciplina fragmentao Interdisciplinaridade holos
Durante minha passagem pela universidade, vi muitos professores autoritrios
usarem seus ttulos como patentes militares. Dentro das organizaes,
principalmente entre a mdia administrao, as relaes de poder dificultam a
transformao de processos produtivos. Tais comportamentos j no cabem mais
em um planeta cansado de guerras. Ano aps ano os Fruns Sociais Mundiais
gritam cada vez mais forte: um outro mundo possvel!
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Construindo um mundo onde todos ganhem
A Alfabetizao Ecolgica consiste no conhecimento, internalizao e
implementao de princpios ecolgicos nas comunidade humanas:
Interdependncia, Coperao e Parceria, Coevoluo, Flexibilidade,
Diversidade, Equilbrio dinmico, Reciclagem e ciclos ecolgicos, Fluxo de
energia, Redes. Existem muitos desafios para adotar tais princpios, mas penso
que a maior barreira para a implantao destes princpios est no interior de cada
um. Todos temos nossa prpria zona de conforto e sair deste estado confortvel, d
trabalho, implica em mudana. E mudana exige esforo, coragem, vontade, garra,
determinao, comprometimento, perseverana, empreededorismo, aventura,
risco... Tudo o que as empresas buscam de seus funcionrios para vencer. Ento,
preciso aprender a cooperar com a mudana.
H um outro nvel de cooperao: o nvel interno, pessoal. Quando olho meus
limites, percebo o que dou conta de mudar e o que no dou e coopero comigo
diminuindo minha presso sobre mim mesma. medida que aprendo a cooperar
comigo aprendo a cooperar com os outros. Torno-me mais tolerante. Quando
estabeleo estratgias de melhorias internas, planejo melhor minha vida e parto para
a ao, fica mais fcil planejar mudanas externas e intervir quando necessrio.
Dentro deste contexto, vejo a prtica da ecologia pessoal como essencial para o
comprometimento com a prpria vida. Quanto mais desintoxicados nosso organismo
e nossa mente tiverem, menos energia gastar para metabolizar substncias
desnecessrias, maior a vitalidade, a nossa disposio para agir, mais possibilidade
de criarmos solues saudveis teremos. Pessoas comprometidas com sua prpriamelhoria contnua do melhor sustentao a qualquer sistema de certificao de
uma organizao.
A espcie humana precisa urgentemente implementar o princpio da cooperao
tanto entre si quanto em relao natureza, caso deseje continuar a existir no
planeta e atingir um estado de no sofrimento. No caso das relaes entre as
empresas brasileiras, a no - cooperao coloca em risco os negcios, a gerao derenda de vrias famlias, a independncia econmica do pas. No adianta uma
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empresa trabalhar pela sustentabilidade se seus fornecedores no estiverem
comprometidos e seus consumidores tambm. No existe a sustentabilidade de
uma espcie ou um negcio s. Todos estamos interconectados em teias, em
cadeias produtivas. Da mesma forma, no existem as mos invisveis do mercado.
Na cadeia alimentar somos, por natureza, consumidores. Hoje, quase tudo o que
usamos feito por outr@s que trabalham para suprir o nosso consumo. Estes
outros, em sua maioria, so empresas. Uma empresa se move de acordo com os
hbitos dos consumidores que a mantm. Portanto, o ato do consumo consciente
essencial para a mudana profunda dos sistemas de produo. Ns, consumidores,
damos as cartas, pois ns somos o mercado. Um mercado no tem mos invisveis:
as mos so nossas. Precisamos nos alfabetizar ecologicamente para alfabetizar as
empresas. Como disse Ghandi ns devemos ser o que queremos ver no mundo.
Assim convido a vocs leitores, a empoderarem-se, a investirem no auto-
conhecimento, a olhar para as prprias limitaes e fraquezas e assumir o
compromisso pessoal de agir para a educao do prprio carter. As nossas
fraquezas so as mesmas de qualquer organizao humana. Ao nos transformar-
mos estaremos simultaneamente transformando a famlia, escolas, empresas,
cidades, governos, pases...
preciso empreender, empreender a favor da vida. A sustentabilidade, no sentido
amplo, quer dizer tudo aquilo que se mantm ao longo do tempo. No de forma
esttica, mas sim atravs de um equilbrio dinmico e vivo. O desafio da nossa
cultura (onde esto includas as empresas) de tornar-se uma cultura da vida, de
organizaes vivas, desenvolvendo processos e tecnologias que respeitem epromovam a vida, a paz, a incluso social, a preservao das espcies. Dentre
deste contexto, a prosperidade das empresas e da sociedade do sculo XXI est
diretamente ligada capacidade de transformar a cultura atual em uma cultura
sustentvel, incluindo a tica, a flexibilidade, o respeito s diferenas nas relaes
sociais, o uso de energias limpas e da reciclagem no uso de materiais.
Sustentabilidade significa futuro, para a espcie humana e para os negcios.
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REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
DIAS, G. F. Educao Ambiental - Princpios e Prticas. 4 ed. So Paulo: Gaia,
1992.
O'Donnel, K. Razes da Transformao - a qualidade individual como base para a
qualidade total. 2a ed. Salvador: Casa da Qualidade, 1994.
ORGANIZAO BRAHMA KUMARIS LIGHTHOUSE. Vivendo Valores - um manual.
4a ed. So Paulo: 2000.
CAPRA, F. As conexes ocultas cincia para uma vida sustentvel So Paulo:
Cultrix, 2002.
Elmwood Institute. Princpios da alfabetizao ecolgica. Publicaes da Rede
Mulher. Srie Mulher, Educao e Meio Ambiente. Caderno 3. Sem data.
Fim do artigo
www.deborahmunhoz.wordpress.com
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