Download - Alfabetização de Pescadores Artesanais

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  • Rede

    de

    Saberes

  • REDE DE SABERES

    Alfabetizao depescadores artesanais:Informaes, reflexese pistas metodolgicas

    na formao de educadores

  • PRESIDENTE DA REPBLICALuiz Incio Lula da Silva

    MINISTRIO DO TRABALHO E EMPREGORicardo Berzoini

    SECRETRIO DE POLTICAS PBLICASDE EMPREGORemgio Todeschini

    DIRETOR DO DEPARTAMENTO DEQUALIFICAOAntonio Almerico Biondi Lima

    COORDENADORA-GERAL DEQUALIFICAOEunice La de Moraes

    Copyright 2004 Ministrio doTrabalho e Emprego

    Secretaria de Polticas Pblicas deEmprego SPPEDepartamento de Qualificao DEQEsplanada dos Ministrios, Bloco F, 3andar, Sala 300CEP.: 70059-900 Braslia DFTelefones: (0XX61) 317-6239/317-6004FAX: (0XX61) 224-7593E-mail: [email protected]

    Tiragem: 500 exemplares (vendaproibida)

    Elaborao, Edio e Distribuio:Dados da Entidade ConvenenteCentro de Ao Comunitria CEDACRua Benjamin Constant, 108 GlriaCEP.: 20241-150 Rio de Janeiro RJTel.: (21) 2509-0263Fax: (21) 2222-2527E-mail: [email protected]

    Concepo EditorialGrfica Freitas

    Reviso de TextoFtima Oliveira e Maria Elisa Nunes

    Projeto grficoAvellar & Duarte Ltda

    IlustraesLygia Ferraz

    Obs.: Os textos no refletem necessariamente aposio do Ministrio do Trabalho e Emprego

  • Boa

    via

    gem

    !Sejam bem-vindos e bem-vindas a bordo! Va-mos iniciar uma viagem desafiadora e estimu-lante. Esperamos que esta revista, tal como umpequeno barco no vasto mar, possa trazer con-tribuies a essa travessia que tem como nicapreciso (no sentido de exatido) o ponto departida - a alfabetizao de jovens e adultospescadores artesanais.

    A revista foi pensada para apoi-los nesse per-curso e, embora traga indicaes e orientaesrelacionadas aos sujeitos e temas da alfabeti-zao de jovens e adultos, ela no uma cartanutica onde o caminho j est traado e bastaapenas segui-lo. Sabem por qu? Porque onosso jeito de pensar educao envolve senti-mentos, atitudes, valores, experincias, sabe-res e como tal processual, est permanente-mente se fazendo. algo que acontece em umespao artesanal, invisvel e denso tramadonuma rede de relaes. Portanto, o processo eo ponto de chegada sero construdos em cadaturma com os seus diferentes jeitos de ser, emcada lugar com seus aromas, cores e sabores.As indicaes e orientaes devem ser percor-ridas, ressignificadas e reconstrudas na buscade novos sentidos para essa alfabetizao.

    So muitos os desafios, mas so eles que nosimpulsionam na direo das mudanas espera-das, desejadas, sonhadas; mudanas to poss-veis quanto necessrias. Um dos desafios paravocs, alfabetizadores, est em exercitar nessaviagem a busca de sua autonomia, sua autoria,seu papel de protagonista nessa ao e a indis-pensvel criatividade na conduo dos traba-lhos. Entendemos que a tarefa de alfabetizar to pedaggica quanto poltica, que ler e es-crever as palavras abrem possibilidades decompreender e de se estar no mundo, de discu-tir e intervir nas prprias condies de vida, depensar os homens, as mulheres e as crianasem sua plenitude, de produzir coletivamenterespostas e aes novas e criativas para pro-blemas velhos que insistem em persistir.

    Amigos e amigasalfabetizadores

    Que essa viagem possa nos ajudar a redesco-brir, na relao que se estabelecer entre edu-cadores e educandos, o encantamento das pala-vras; palavras que desvelam o desconhecido;que registram as memrias dos pescadores so-bre seus fazeres, saberes e poderes. Palavrasque quando escritas ajudam o pensamento aatravessar tempo e espao, e a exercitar a auto-ria de seus prprios textos. Palavras que quere-mos despertar e fortalecer, como: justia social,solidariedade, tica, convivncia, paixo, com-paixo, amor e tantas outras. Talvez possamosadormecer ou ressignificar as palavras que vio-lentam, agridem e ferem a condio humana. Edar relevo s palavras que nos permitam ampli-ar nossa capacidade de comunicao, de ex-presso e de enriquecimento pelo contato coma diversidade do convvio humano e, assim,conseguir traar com maior preciso as nossasrotas de navegao, e clarear as escolhas quefazemos e faremos ao longo desse percurso.Boa viagem!

    Equipe de produo da revista

  • Sumrio

    Amigos e amigas alfabetizadores 3

    Navegando com palavras 6

    A histria da Educao de Jovens e Adultos no Brasil 8

    Por que alfabetizar pescadores artesanais? 14

    Quem so os nossos alunos? 18

    Que alfabetizao desejamos? 20

    A questo poltica 22A questo pedaggica 25

    A questo ambiental e a pesca 28

    Quem o educador de jovens e adultos? 31

    Como acontece a formao do educador? 34

    Preparando barcos, anzis e redes: a prtica na sala de aula 36

    Os nomes das pessoas e das coisas 39Estabelecer alianas e negociaes 40

    Fazer da sala de aula um espao de fortalecimento do grupo 42Valorizar suas histrias 43

    Usar e valorizar as diversas linguagens expressivas 46Problematizar as situaes de aprendizagem 48

    A importncia de ler diariamente para os alunos 50Registrar a oralidade, valorizar e socializar saberes e experincias 52Registrar a memria literria - ditados, trovas, msicas, parlendas 55

    O alfabeto como fonte de consulta 56Associando atividades e alternando os jeitos de fazer 58

    Trabalhando com grupos heterogneos 59

    Navegando com a escrita e a leitura 60

  • Como o trabalho pode ser organizado nesses seis meses? 62Pensando o tempo: o tempo do pescador e o tempo para estudar 62

    Pensando a organizao dos contedos 64

    Quando, como e para que avaliar o aluno e a ao alfabetizadora 68

    Avaliao inicial e diagnstica 69Dirio de classe do alfabetizador 70

    O sentido do erro na avaliao 71

    Terra planeta gua 72

    Pescando mais 74

    Uma entrevista com o lavrador Antnio Ccero de Souza 74O homem, esse descuidado 78Guilherme Augusto Arajo Fernandes 82Um sonho que no serve ao sonhador 84Analfabetismo ou leitura do mundo 88Sugestes para as prticas de sala de aula 89Caboclo das guas 94A Iara 96O marido da me dgua 98O sineiro, o sino, 100Msicas de Dorival Caymmi 103

    Psicognese da lingua escrita 104

  • 6No incio de seu governo, o Presidente LuizIncio Lula da Silva criou a Secretaria Espe-cial de Aqicultura e Pesca que ficou com aresponsabilidade de elaborar polticas sociaise econmicas para desenvolver este setor daeconomia, to rico e ao mesmo tempo toabandonado no Brasil.

    Um dos problemas levantados, logo noincio pela Secretaria, foi o alto ndice deanalfabetismo entre os pescadores e suasfamlias. Para comear a combater esseproblema foi criado o Programa Pescan-do Letras que pretende, at o ano 2006,alfabetizar 400 mil pescadores em todo

    Navegandocom as palavras

    Brasil. As organizaes no-governa-mentais Cedac1 e Semear,2 que possuemum histrico semelhante de trabalhoscom educao popular, foram convida-das para, junto com a Secretaria Especialde Aqicultura e Pesca, buscar alternati-vas para desenvolver o Programa.

    Por meio do Ministrio do Trabalho ecom recursos do Fundo de Amparo aoTrabalhador (FAT) foi possvel obter oapoio para os primeiros passos dessalonga caminhada. Um pequeno projeto,executado entre outubro e dezembro de2003, articulou as seguintes aes:

  • 7 o desenvolvimento da metodologia etecnologia de qualificao social e pro-fissional para a alfabetizao de pes-cadores artesanais;

    a formao de 35 formadores, repre-sentantes de diferentes estados;

    a realizao de oficinas de validaoda metodologia em trs colnias depescadores artesanais no estado doRio de Janeiro;

    a confeco do relatrio de sistemati-zao do processo de formao de for-madores;

    a elaborao e distribuio de 500exemplares de uma revista sobre ametodologia para alfabetizao depescadores artesanais.

    Para realizar bem esse volume de ativi-dades, em to curto espao de tempo, oCedac e o Semear pediram a colabora-o de tcnicos vinculados ao Nead Razes Comunitrias Ncleo de Edu-cao de Adultos da PUC-Rio, e orga-nizao no-governamental Sap Ser-vios de Apoio Pesquisa em Educao,todos com vasta experincia na rea daalfabetizao de jovens e adultos e naformao de educadores.

    Assim nasce essa revista, como fruto deuma produo coletiva que envolveu aequipe mobilizada para esse processo, ossaberes dos 35 representantes da Secre-taria de Pesca de 14 estados, participan-tes do curso de formao realizado noRio de Janeiro, e a vivncia das oficinas,nas Colnias dos Pescadores, que fize-ram parte da formao.

    O objetivo da revista levar aos futurosalfabetizadores um conjunto de informa-es, reflexes e pistas metodolgicasque possam ajud-los a enfrentar, comsucesso, a tarefa de preparar as condi-es para que pescadores e pescadorascomecem a se mover, com maior segu-rana, no mundo da leitura e da escrita.

    Todos os que se comprometeram comesta proposta de trabalho enfrentamum desafio novo: Como ensinar a umpovo com o qual temos tanto a apren-der? Na histria dos pescadores en-contramos a histria do Brasil. Na vidados pescadores encontramos a resis-tncia, coragem, fora e capacidade desuperar dificuldades.

    O pescador com sua simplicidade nosensina meteorologia, ecologia e muitosoutros conhecimentos que fazem partede sua cultura. Temos conscincia de quea troca vai ser rica: alfabetizao, cons-truo de palavras, textos... de um lado,respeito pela natureza e orgulho de umavida inteira sobrevivendo exploraoe fazendo a histria de uma nao... dooutro lado.

    Mais do que alfabetizar, a publicao seprope a demonstrar que o poder econ-mico forte, mas o poder de um povoque tem orgulho do que faz supera qual-quer obstculo.

    Cedac e Semear

    1. Cedac Centro de Ao ComunitriaRua Benjamim Constant 108, GlriaCEP: 20241-150, Rio de Janeiro.

    2. Semear Centro Ativo de Programas SociaisRua Itoror 44, casa 1, Jardim Catarina,

    So Gonalo. CEP: 24715-220, Rio de Janeiro.

  • 8Para melhor entender a Educao de Jo-vens e Adultos (EJA), consideramos im-portante uma breve retomada de sua his-tria em nosso pas, sobretudo a partir dosculo passado, ou seja, o sculo XX.

    A trajetria da EJA no cenrio educativonacional, ao longo de mais de 500 anosde histria oficial, foi marcada por aescom um carter assistencialista, compen-satrio e marginal. E principalmente poruma urgncia em sanar, erradicar, resol-ver de uma vez por todas esse grave pro-blema que impedia o desenvolvimentodo pas. nesse contexto que surgem ascampanhas de alfabetizao de jovens eadultos.

    Entre 1947 e 1960, uma srie de aesconcebidas em diferentes espaos eimplementadas, principalmente, pelo Es-tado e pela Igreja tentaram responder tarefa a que se propunham, embora semmuito xito. So desse perodo:

    a Campanha de Educao de Ado-lescentes e Adultos (CEAA) lanadaem 1947, pelo Ministrio da Educaoe Sade;

    a Campanha Nacional de EducaoRural (CNER), lanada em 1952 pelomesmo Ministrio e extinta em 1963;

    a Campanha Nacional de Erra-dicao do Analfabetismo, lanadapelo Governo Federal em 1958, quepretendia, alm de alfabetizar, iniciaruma nova etapa nas discusses sobrea ao educativa junto populao.Uma das preocupaes era o compro-metimento que a Educao de Jovense Adultos teria de ter com o iderionacional.

    A histria da Educao deJovens e Adultos no Brasil

    A nao no sabe ler. H s 30% dosindivduos residentes neste pas

    que podem ler; destes uns 9% no lemletra de mo. 70% jazem em profunda

    ignorncia. (...). 70% dos cidados votamdo mesmo modo que respiram: sem saber

    porque nem o qu. Votam como vo festa da Penha - por divertimento. Constituio para eles uma coisa

    inteiramente desconhecida. Esto prontospara tudo: uma revoluo ou um

    golpe de Estado. (...) As instituiesexistem, mas por e para 30% dos cidados.

    Proponho uma reforma no estilo poltico.(Machado de Assis,1879)

  • 9As campanhas de Alfabetizao de Jo-vens e Adultos se iniciaram dentro de umcontexto em que era importante, no sincrementar a produo econmicacomo tambm aumentar as bases eleito-rais dos partidos e integrar ao setor urba-no as pessoas que migravam do campopara a cidade. Nesse perodo, havia umapreocupao de no tornar explcito onmero de analfabetos.

    A dcada de 1960 foi marcada, nos seusprimeiros anos, por diversas iniciativaseducacionais de cunho progressista, tan-to por parte do Governo Federal comopor diferentes segmentos da sociedade.Datam dessa poca o MCP - Movimentode Cultura Popular, no interior da admi-nistrao municipal de Recife e o CPC -Centro de Cultura Popular, rgo cultu-ral da UNE. Alm deles, a Campanha deP no Cho Tambm se Aprende a Ler,em Natal Rio Grande do Norte, foi degrande importncia em um momentorico em aes e investimentos na rea daalfabetizao de adultos. Foi ento que omovimento popular ganhou fora. Umpensamento renovador comeou a tomarconta da educao e absorver alguns in-telectuais com experincias em lutas po-lticas ao lado dos grupos populares.

    nesse momento que se destaca a atua-o do Movimento de Educao de Base MEB, criado em 1961, pela CNBB(Conferncia Nacional dos Bispos doBrasil) em convnio com o Governo Fe-deral, cobrindo com sistemas radioedu-cativos quase todo o territrio nacional.

    A experincia do educador Paulo Freirefoi uma das mais expressivas nesse mes-mo perodo. Ligado primeiro ao MCP edepois aos Servios de Extenso Univer-sitria da Universidade Federal de Per-nambuco, chamou a ateno, juntamentecom um grupo de professores do Recife,para o fato de que a educao poderia li-bertar o homem ao invs de domestic-lo e, aps algumas experincias em tor-no de um mtodo de alfabetizao paraadultos, foi convidado pelo ento Minis-tro da Educao para implement-lo emmbito nacional.

    Com o golpe militar, em maro de 1964,todas essas aes foram extintas e dis-persas. O MEB, nico a sobreviver aogolpe, tem de passar pela reviso meto-dolgica de seu material didtico e daorientao do programa, perdendo assimsuas caractersticas de movimento deeducao popular.

    Entre as aes que se destacaram no pe-rodo do governo militar temos, em1966, no Recife, a Cruzada da Ao B-sica Crist, entidade protestante que con-tava com recursos do Governo Federal esofreu muitas crticas no que se refere aomaterial didtico, atuao comunitriae ao alto custo do aluno.

    Em 1974, alm de campees de analfa-betismo, ramos um dos pases que me-nos aplicava recursos financeiros emeducao. As aes governamentais da-queles anos obscuros foram: a implanta-o do Ensino Supletivo voltado para oatendimento dos jovens e adultos nossistemas pblicos de ensino, por meio daregulamentao da Lei de Diretrizes eBases da Educao Nacional Lei n.5692/71, e a criao do Movimento Bra-sileiro de Alfabetizao Mobral, quese apresentou como uma resposta do re-gime militar situao de analfabetismono pas. Na viso daqueles que apoiavamo regime, o Mobral tinha como impor-tante funo a preparao de mo-de-obra trabalhadora para sua insero emuma economia que estava em uma novade fase de desenvolvimento. O Mobralfoi extinto em 1985, poca de aberturapoltica, do Movimento das Diretas J,

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    transformando-se na Fundao Educarque incentivava a realizao de experi-ncias diversificadas, com mais respeito autonomia pedaggica.

    No final dos anos 80, a sociedade, pormeio dos movimentos sociais, se mobili-zou em torno da Educao, o que resul-tou no desafio proposto pela Constitui-o de 1988: superar o analfabetismo emdez anos, promovendo a alfabetizaofuncional, ou seja, garantindo aos bra-sileiros de qualquer idade o ingresso (su-cesso e permanncia no foram discuti-dos), no ensino fundamental gratuito ede qualidade. Essa Constituio foi ummarco no reconhecimento do direito EJA, na qual ficou assegurado para todos,independente da idade, o direito ao Ensi-no Fundamental, cabendo ao Estado ofe-recer escolas noturnas e criar condiespara que o trabalhador pudesse estudar.

    Em 1989, com o Governo de LuizaErundina, do Partido dos Trabalhadores,nasce o Movimento de Alfabetizao deJovens e Adultos da cidade de So Pau-lo, o Mova-SP, idealizado pelo professorPaulo Freire, na poca Secretrio deEducao, e que se concretizou por meiode convnios entre a Secretaria Munici-pal de Educao - SME e entidades po-pulares.

    Em 1990, o presidente eleito FernandoCollor de Melo, no acender das luzes deseu governo, extinguiu a Fundao Edu-car, juntamente com outros rgos decultura, no mesmo ano declarado pelaUnesco como o Ano Internacional da Al-

    No Brasil, existem mais de 16 milhes de pessoas jovense adultas analfabetas absolutas e cerca de 65 milhes com escolaridade

    inferior ao Ensino Fundamental completo, excludos,portanto, de um direito bsico que lhes garante a Constituio nacional.

    (IBGE 2000)

    fabetizao. Em seu lugar, ainda em se-tembro de 1990, foi lanado o PNAC -Programa Nacional de Alfabetizao eCidadania que, entre outras coisas, sepropunha a terminar com 70% do anal-fabetismo em quatro anos. Alm de dis-tribuir recursos a entidades sindicaissimpticas ao governo , nunca saiu dopapel .

    Na dcada de 1990, o MEB - Movimen-to de Educao de Base ressurge pormeio do Promap - Programa de Alfabeti-zao em Parceria e envolve amplos seg-mentos da sociedade civil.

    No governo Fernando Henrique Cardo-so, as polticas governamentais perma-neceram identificadas com o no-com-promisso com a rea de EJA.

    A partir de 1997, o Governo Federal co-loca nas mos de uma ONG Comuni-dade Solidria a responsabilidade mai-or do desenvolvimento de aes na reade alfabetizao de jovens e adultos.Cria-se ento o Programa AlfabetizaoSolidria, financiado com recursos doMEC e do empresariado, contando aindacom apoio de universidades. O Progra-ma atendia, prioritariamente, aos muni-cpios com maiores ndices de analfabe-tismo no Norte e Nordeste. A partir de1999, estendeu-se tambm aos grandescentros urbanos. A proposta do progra-ma que a alfabetizao realize-se emmdulos de seis meses e seja entendidacomo um ponto de partida em um pro-cesso educativo que deveria ter continui-dade nos cursos do Ensino Supletivo.Entretanto, crticas so feitas no sentidode que o alto investimento no justifi-cado pelos resultados.

    No ano de 1996, a Lei n. 9424, que re-gulamenta o Fundef - Fundo de Manu-teno e Desenvolvimento do Ensino

  • 11

    Fundamental e Valorizao do Magist-rio - exclui os jovens e adultos, na medi-da em que no registra os alunos do En-sino Supletivo na contagem de matrcu-las nas redes municipais e estaduais doEnsino Fundamental. A verba vem deinstituies privadas e pblicas. O Mi-nistrio da Educao e Cultura colaboraabrindo, para as prefeituras municipais,linhas de crdito que possibilitam a for-mao de professores e a impresso dematerial didtico por meio do FNDE -Fundo Nacional de Desenvolvimento daEducao. Por sua vez o Ministrio doTrabalho garante aos municpios a reali-zao de cursos profissionalizantes comrecursos do FAT - Fundo de Amparo aoTrabalhador. Tambm so parceiros doPrograma, na implantao dos cursos, assecretarias estaduais de educao, uni-versidades e prefeituras.

    Mesmo com a realizao da V Confintea Conferncia Internacional de Educa-o de Adultos, em julho de 1997, emHamburgo, Alemanha, e a participaode representantes oficiais, o governocontinuou adotando estratgias quepriorizavam aes preventivas ligadasao Ensino Fundamental de crianas,como forma de evitar a continuidade doproblema analfabetismo no pas, deslo-cando recursos - ao invs de ampli-los -para dar conta da dimenso preventiva edo combate ao analfabetismo de jovense adultos simultaneamente.

    Em 2003, com o governo Lula, renasce aesperana de justia e eqidade social ecom ela a expectativa do reconhecimen-to efetivo, por meio de aes da EJAcomo modalidade de ensino. O Minist-rio da Educao voltou a assumir as res-ponsabilidades da Unio com a EJA. OPrograma Brasil Alfabetizado, por meiode parcerias com outros rgos governa-

    mentais e com diversos segmentos da so-ciedade, pretende mais uma vez enfren-tar o analfabetismo em nosso pas. So-mente a Secretaria Especial de Aqicul-tura e Pesca, com recursos da Secretariade Erradicao do Analfabetismo e doFundo Nacional de Desenvolvimento daEducao (FNDE), pretende alfabetizar400 mil pescadores artesanais.

    No entanto, sabemos que temos muitoainda a avanar tendo em vista uma EJAque no se limite alfabetizao e quegaranta a continuidade dos estudos paraaqueles que desejarem. Isso nos remete idia de que no basta eleger um gover-no popular, mas que temos de estar juntopara que esse governo seja efetivamentedo e para o povo.

    A histriada Educaode Jovense Adultos

  • 12Meu professor professoraA quem foi dada a funoDe ensinar com vontadeAo povo desta NaoA vencer o analfabetismoCom muita garra e herosmoPeo-lhes sua ateno

    Embora o nosso BrasilTenha seus quinhentos anosS nos mil e novecentosComeou a traar planosCom o fim do Estado NovoDe educar o nosso povo -Mas s nos espaos urbanos

    Por trs havia o interessePor bases eleitoraisQue ficassem nas cidadesOs imigrantes ruraisE escondiam decertoQuantos eram analfabetosFalseando os numerais

    Foi quando em cinqenta e oitoO Governo FederalLanou a sua campanhaDe amplitude nacionalPro povo aprender a lerE ainda poder entenderSua excluso social

    Pois s a partir daO jovem ou adulto educadoPoderia construirO futuro to almejadoSendo assim a educaoInstrumento de formaoDo cidado respeitado

    Assim surgiram as campanhasPara alfabetizaoDizendo que jovens e adultosTinham direito educaoForam muitas as campanhasNenhuma delas deu certoDa a sua extino

    2.

    Por muita iniciativa educacionalA dcada de sessenta foi marcadaTanto pelo Governo FederalComo pela sociedade organizadaForam criados os CPCsO MEB, P no cho e MCPsEm cada Estado do BrasilTinha assentada uma empreitada

    Realizado no Rio de JaneiroO Congresso Nacional de EducaoProcurou definir com mais rigorPedagogia e a diferenciaoEntre a prtica de ensino utilizadaNa educao dirigida crianadaE a proposta para o adulto cidado

    Paulo Freire, o grande educadorDefendia a ao educativaQue desse o indispensvel valorPra conscincia crtica ativaPassando de objeto a sujeitoHumanizao, liberdade e direitoSeriam a maior expectativa.

    Seu Plano Nacional de EducaoFoi cortado pelo golpe militarConsiderado ato de subversoQue os militares no podiam tolerarA educao que Paulo Freire pretendiaEste novo Governo j proibiaEm nome da ordem preservar

    S o MEB pde ento permanecerPor ser ligado Igreja, CNBBMas sua metodologia foi mudadaFoi o preo pago pra tentar sobreviverBoa parte dos tcnicos demitidaE a sua didtica distorcidaLogo, logo tambm ficou merc

    Histria de EJAcontada em cordelCordel de Carmen Lcia Lira de Andrade

    1.

  • 13

    3.

    Cruzada de Ao Bsica CristCriada em sessenta e seisAlm de alfabetizarDava alimento, por vezMas tambm foi derrubada,Sua imagem muito abalada,Altos custos, todo ms

    Na dcada de setentaApareceu o MobralPra melhorar a imagemEconmica nacionalMas com a legitimaoVinha a neutralizaoDo conflito social

    Mobral depois transformou-seNa Fundao EducarMas a pesquisa mostrouO que se tentava ocultarAlfabetizao imagem de sucessoRealidade gente demais, em excessoExcluda do banco escolar.

    Em outubro de oitenta e oitoA Constituio FederalAssegurou para todosO Ensino FundamentalCabendo ao Estado proverA escola e condiespra que a Lei ficasse legal

    No governo ErundinaPaulo Freire, do Mova foi criadorTrazendo alfabetizaoPara o trabalhador.Atendidos muitos milEspalhou-se pelo BrasilO pensamento renovador

    O Mova j demonstravaQue era fundamentalUnir pblico e privadoNuma esfera no-estatalPoltica e administrativaCom a sociedade ativa,Contra a excluso social

    No d mesmo pra entenderA Educar em extinoEnquanto a Unesco celebraO Ano da AlfabetizaoO Governo enganando o nosso povoAssinando um documento novoA Declarao Mundial da Educao

    Pois logo em noventa e umO MEC formalizouNo ter mais a inteno(O prprio Governo informou)De adultos educarVai s criana ensinarO tempo do adulto, passou

    Passou o governo ItamarPassou o FHCE s em noventa e seteA EJA voltou a serUm Programa por inteiroNorte e Nordeste primeiroPara a regio crescer

    Dois anos depois partiaTambm pros centros urbanosA proposta criticadaPor estabelecer bravos planosEm seis meses ensinarO adulto alfabetizarMilagre por trs dos panos!

    Mas nem o Fundef registraAlunos do supletivo.O MEC acabou criandoUm crdito meio ilusivoPro professor se formarE material comprarEis seu empenho exclusivo

    Lula acendeu a esperanaDa justia socialVoltando a assumir com a EJACompromisso naturalAgora vamos saberO que vai acontecer Educao Nacional

    o desejo de todosQue esta breve leituraChegue a todos vocsCom clareza e bem maduraE que a todos com igualdadeTraga mais dignidadeCom uma nova assinatura

    A histriada Educaode Jovense Adultos

  • 14

    Na letra de Caymmi, o bem do mar dopescador o prprio mar, seu territriode trabalho, de onde ele tira o seu sus-tento, e o bem da terra aquela que lheespera aps a pescaria. Dois bens que re-presentam dimenses fundamentais navida do pescador: uma ligada afetivi-dade, aos laos familiares, e outra ligadaao trabalho como condio de produoda sua prpria existncia.

    No Brasil no conhecemos uma pesqui-sa que informe com mais preciso o n-mero de pescadores artesanais em ativi-dade. uma pesquisa necessria e im-portante para o planejamento de aes einvestimento nesse setor produtivo. Noentanto, pesquisa realizada pelo IBAMA Instituto Brasileiro de Meio Ambiente,em 2002, indica que a pesca artesanalteria sido responsvel por 51% da pro-duo total de 2000, a pesca empresari-al (industrial), por 28,1%, e a aqicultura,por 20,9%. Ou seja, a parte mais signifi-cativa da extrao do pescado foi a dospescadores artesanais. preciso ressaltarque tanto as suas condies de vida, quan-to as suas condies de trabalho estomuito distantes da importncia que pos-suem na produo nacional do pescado.

    A pesca artesanal enfrenta vrios desafios.Por ser uma atividade extrativista est in-timamente relacionada s condiesambientais, seja no impacto causadopela poluio, seja na legislao ambien-tal e sua relao com as questes sociais.Muitos pescadores trabalham para as in-dstrias pesqueiras, utilizando materialterceirizado - como barco, motor e rede;ao mesmo tempo, a expanso do turis-mo acaba por desloc-los das suas reastradicionais de pesca. Por fim, suas con-dies de vida esto muito aqum dadignidade que esses trabalhadores e suasfamlias necessitam e merecem.

    Uma possibilidade de enfrentamento atantas adversidades est nas formas deorganizao dos pescadores para quepossam entender melhor o ciclo produti-

    Por que alfabetizarpescadores artesanais?

    O pescador tem dois amorUm bem na terra, um bem no mar

    (Dorival Caymmi)

  • 15

    vo e as atividades derivadas da pesca,tais como: a produo de rao, o trata-mento do peixe, agregando outros valo-res ao produto. E ainda, descobrir comoampliar a participao das mulheres naatividade produtiva e entender-se comoparte integrante da natureza, estendendoo cuidado com o meio ambiente ao seuespao familiar e comunitrio.

    Entretanto, para que o fortalecimentodessa organizao possa de fato ocorrer, preciso tambm investir em educao,seja em alfabetizao de jovens e adul-tos pescadores, seja em termos de umaeducao permanente voltada para a ne-

    cessidade de responder a outras ativida-des relacionadas s formas de organiza-o como, por exemplo, obeneficiamento do pescado e a negocia-o e venda de seus produtos.

    J dizia sabiamente Paulo Freire que aleitura de mundo precede a leitura dapalavra. Os pescadores lem com sabe-doria os sinais da natureza, os ventos,as correntes martimas, o fluxo dos pei-xes, os problemas ambientais que atra-palham a pesca, as dificuldades do seutrabalho, a necessidade de organizao.No entanto, percebem tambm que sualeitura de

  • 16

    Perodo em que se probepor lei a captura ou coletade determinado animal.A Lei n. 7.679, de 23 de

    novembro de 1988,probe a pesca de espcies

    em perodo de reproduo ouem pocas e locais interditados

    pelo rgo competente,que poder, tambm,estabelecer tamanhos

    mnimos de captura ou cotasde captura mximas.

    Fonte: www.seap/html/cartilhapronafpesca

    Alguns direitosregulamentados so aindapouco conhecidos pelos

    pescadores. A Lei n. 8.287,de 20 de dezembro de 1991,dispe sobre a concesso do

    beneficio do seguro-desempregoaos pescadores profissionais

    que atuam na pesca artesanal,tambm chamado de

    Seguro Defeso, ao qualo pescador e a pescadora tm

    direito na poca da reproduodos peixes, na entressafra.

    A Lei n. 7.356, de 30de agosto de 1985, inclui

    os Pescadores Profissionais,sem vnculo empregatcio, noRegime da Previdncia Social,

    na qualidade de seguradosespeciais. Esse benefcio

    pode ser requerido tambm pormeio da Colnia, Associao ouCooperativa qual o pescador

    esteja associado.Procure mais informaes

    na Colnia ou naPrevidncia Social de sua cidade.

    Direitos sociaisdos pescadores

    Defeso

    mundo seria ampliada com a leitura dapalavra. Tanto leituras que pudessemcolaborar no entendimento e na reivin-dicao de seus direitos, no fortaleci-mento de suas formas de organizao,quanto leituras que pudessem possibili-tar o encontro com o universo da pesca.Este universo, cantado em verso e prosapelos poetas e romancistas, com a me-mria escrita da organizao dos pesca-dores, com as memrias de suas vivn-cias, com outras experincias e saberes,podem somar-se e potencializar a suaprpria existncia.

    A participao desses trabalhadores nasociedade fundamental para expressaro que pensam e fazem. Podem dividirconosco os seus saberes, contribuir eampliar as possibilidades de construodemocrtica com as suas vozes, culturase criaes, participar mais ativamentenas decises, geralmente tomadas emoutros espaos, mas relacionadas ao seutrabalho e sua vida. Portanto, alfabeti-zar esses sujeitos no apenas umaquesto de direito, mas sobretudo umapossibilidade de cuidar melhor de umaimportante faceta de nossa humanidade,de nossa forma de ser e estar no mundo,a qual une dois bens, tal como diz o poe-ta, o bem do mar e o bem da terra.

  • 17

    Pro

    nafSute dospescadoresDorival Caymmi

    Minha jangada vai sair pro marVou trabalharMeu bem quererSe Deus quiser quando eu voltar do marUm peixe bom, eu vou trazerMeus companheirosTambm vo voltarE a Deus do cu vamos agradecer

    Adeus, adeusPescador no se esquea de mimVou rezar pra ter bom tempo, meu bemPra no ter tempo ruimVou fazer sua caminha maciaPerfumada de alecrim

    Pedro, Pedro, Pedro, PedroNino, Nino, Nino, NinoZeca, Zeca, Zeca, ZecaCad vocs, homens de Deus?Eu bem disse a Jos, no v JosNo v JosMeu Deus!Com um tempo desses no se vaiQuem vai pro marQuem vai pro marNo vemPedro, Pedro, Pedro, PedroNino, Nino, Nino, NinoZeca, Zeca, Zeca, Zeca

    to tristeVer partir algum que a gente querCom tanto amorE suportar a agonia de esperar voltar

    Viver olhando o cu e o marA incerteza, a torturaA gente fica s, to sA gente fica s, to s triste superarUma incelena entrou no paraso(bis)Adeus, irmo, adeus, at o dia de Juzo(bis)

    * Foi atravs da luta organizada dos pescadores e pescadorasartesanais, que se tornou possvelestender o benefcio do Pronaf -Programa Nacional de Fortalecimen-to Agricultura Familiar a essa ca-tegoria.A partir de 1997, essa linha de cr-dito se estendeu tambm aos pe-quenos aqicultores e pescadoresprofissionais que se dedicam Pes-ca Artesanal com fins comerciais,explorando a atividade como aut-nomos, com meios de produo pr-prios ou regime de parceria com ou-tros pescadores artesanais.

    Destina-se a financiar aes deinfra-estrutura, produo e capaci-tao dos pescadores artesanais.

    Para acess-lo o pescador/pescado-ra deve procurar uma agncia doBanco do Brasil ou dos bancos esta-duais, BNB ou BASA, com os seguin-tes documentos: carteira de identi-dade; CPF ou CIC; RGP Registro Ge-ral de Pesca; DAP Declarao deAptido ao Pronaf; contrato de ga-rantia de compra do pescado comuma cooperativa, colnia de pesca-dores ou empresa de beneficia-mento.

    Para mais informaes procurar aAssociao de Pescadores do seuMunicpio, a Secretaria Estadual daPesca de seu Estado ou acessar osite

    Por quealfabetizarpescadoresartesanais?

    http: www.seap/html/cartilhapronafpesca

  • 18Sabedoriasde pescadorCeu pedrento

    chuvaou vento

    e indicachegada defrente fria.

    Cerraobaixa solque racha

    Antes, tentamos deixar claro o que moti-va o nosso envolvimento com a alfabeti-zao de jovens e adultos e, em particu-lar, a atuao especfica vinculada aospescadores artesanais e suas comunida-des. Assim sendo, traamos algumasconsideraes que nos ajudaro a (re)co-nhecer quem so esses grupos que irofreqentar as nossas salas de aula.

    Necessitamos trazer tona o que j dis-pomos como informao e entendimentoa respeito desses sujeitos sociais. O queaparece num primeiro plano que sotrabalhadores, jovens ou adultos, que vi-vem direta ou indiretamente da atividadepesqueira. Podem ser pescadores ou pes-cadoras das guas doces e salgadas toabundantes em nosso pas e, paralela-mente, fazedores de redes, construtoresde barcos, consertadores de peixe, inclu-indo, em boa medida, o trabalho com anegociao e venda de sua produo.Enfim, so muitas as atividades em quenossos alunos podero estar envolvidos.Tambm pode acontecer de haver algunsque no realizam qualquer atividade re-lativa pesca, formal ou informal, masque sendo parentes e vizinhos dos pesca-dores estaro includos nas classes de al-fabetizao por fazerem parte de sua for-a social, do seu pertenci-mento e cultu-ra local e, portanto, das suas possibilida-des de mudana.

    importante observarmos que todos etodas possuem uma grande experinciade vida para partilhar nos seus diferentesespaos de convivncia, incluindo a salade aula.

    Quem so osnossos alunos?

    Os pescadores do muita importncia ssuas famlias. Na opinio deles, a fam-lia o grande porto que os acolhe na vol-ta do trabalho e os motiva em suas idas evindas entre a pesca e o descanso. Essesmomentos que passam com as famliasso por eles considerados preciosos. E nesse convvio amoroso que os filhosaprendem com os pais. Numa relao deconfiana e admirao, os pais ensiname aprendem com os filhos tudo o que sa-bem sobre a atividade da pesca.

    Os pescadores conhecem a natureza deuma forma surpreendente. Lem o tem-po atravs das fases da lua, dos ventos edas mars. Conhecem todos os fenme-nos que acontecem nos mares, rios, la-goas e manguezais. Classificam todos ostipos de vida que habitam as guas, reti-rando delas a sobrevivncia e cuidandopara que no se esgotem. Desta forma, osaber nascido da experincia circula en-tre os membros da famlia como umacervo valioso onde todos so aprendi-zes e mestres.

    Apesar de toda esta rica experincia, edo orgulho de ser um pescador por he-rana e vocao familiar, sabemos queesses trabalhadores, em relao aos sa-beres escolares, sentem-se pouco von-tade. Isso porque no dominam a leiturae a escrita, um tipo de cdigo que foi cri-ado h menos tempo que a atividade dapesca; e costumam ficar muito constran-gidos quando conversamos com eles so-bre alfabetizao.

    Convivendo numa sociedade onde a lei-tura e a escrita esto no centro de tudo,esses jovens e adultos, sem se dar contadisso, desenvolveram estratgias para li-dar com as situaes que exigem saberler e escrever. O que eles realmente nopercebem que, apesar de no saberem

  • 19* Num nico dia, o rio Amazonasdespeja no oceano Atlnticomais gua do que todaa vazo do rio Tmisa,em Londres, duranteum ano inteiro.S a bacia do rio Negro,um dos afluentes do Amazonas,tem mais gua docedo que toda a Europa.

    *Tubares e outros peixes do mar entram com certaregularidade no Amazonas.Eles no se reproduzem na guadoce, mas conseguem se darrelativamente bem.Tubares j foram pescadosat em Iquitos, no Peru.

    * O peixe-boi tem o peso de sete pescadores. um bicho com nome imprprio.Em vez de peixe, um mamfero.Maior animal da Amaznia,pode atingir meia toneladae 3 metros de comprimento.Pasta nas campinas aquticas.Um peixe-boi adulto podedevorar 50 quilos de capim por dia.Est sendo dizimado pela caa.A carne muito saborosae a banha d um leo excelente.

    Fonte:http://www.pescabrasil.com.br/curiosidades

    Por quealfabetizarpescadoresartesanais?

    Vocsabia?

    ler formalmente um texto e escrever umbilhete ou um recado, possuem muitosconhecimentos sobre o funcionamentoda lngua escrita. Este aprendizado vaisendo desenvolvido naturalmente en-quanto interagem com os textos que en-contram no seu cotidiano e se inscrevemnas prticas letradas, tais como: registrarum filho, batizar um barco, enviar e re-ceber cartas, assistir TV, ler as notciasde jornais, entre outras.

    Pescando mais:

    Leia o texto: Analfabetismoou leitura do mundo? na p-gina 86.

    Tambm so portadores de fantsticasexperincias que os tornam sujeitos desuas histrias, produtores de uma culturaque a sociedade letrada nem sempre re-conhece. Da que, levar a alfabetizao aesses sujeitos tambm uma forma depotencializar e reconhecer todas as pro-posies e estratgias em benefcio daconstruo de uma sociedade onde todosestejam includos.

    Assim, no tomamos os nossos alunosnuma tica em que eles so percebidoscomo indivduos carentes das informa-es que ns, educadores, dispomos.Eles chegam sala de aula com sua car-ga de saberes acumulados que, como ou-tros, precisam ser sistematizados e soci-alizados. E tambm por isso, importan-te que eles se apropriem dos mecanismosda leitura e da escrita.

    Pescando mais:

    Leia o texto: Uma entrevis-ta de Carlos RodriguesBrando com o lavrador An-tnio Ccero de Sousa napgina 74.

  • 20

    Estamos convencidos de que precisamosde uma alfabetizao que signifique oincio de uma caminhada para a cidadedos leitores e escritores, e que tenha, aomesmo tempo como horizonte e cho, oexerccio da cidadania. muito limitadopensar a alfabetizao como a simplestransferncia de uma tcnica, de um c-digo. A tcnica, no sendo neutra, se ins-creve num contedo que lhe d sentido.

    Se escolhermos fortalecer as possibilida-des dos pescadores e de suas comunida-des para melhorar as condies de exis-tncia dadas, a matria-prima da alfabe-tizao a sua experincia de vida. Issopode se traduzir na valorizao da suapalavra, da sua memria, de seus desafi-os, responsabilidades, projetos e sonhos.

    A partir da, o que est em jogo na alfa-betizao o uso que se quer fazer desse

    novo instrumento. Portanto, no hcomo dissoci-la de um processoeducativo que vai construindo, com to-dos os saberes em presena, o sentidodessa aprendizagem. A aprendizagem,na alfabetizao, se d no espao deuma convivncia onde uns e outrosaprendem juntos, e essa dinmica in-duz ao reconhecimento da riqueza dasdiferenas dentro do coletivo.

    Aprender a ler e a escrever , no mesmomomento, ensaiar leituras do mundo,pensar a vida e suas implicaes, regis-trar valores de afirmao, descobrir afora coletiva, valorizar o que faz e am-pliar o seu espao de interveno social.

    Alm disso, lembramos que o cdigo daescrita uma linguagem, entre outras, deexpresso e comunicao e, como tal, oacesso a ela no deve se dar de modo aisol-la das outras (a oralidade, os ges-tos, as imagens, etc.). Se na vida real es-sas linguagens interagem, se comple-mentam, se reforam, no caberia a ns,educadores, a desateno de separ-lasartificialmente.

    Quando paramos para pensar na especi-ficidade de uma ao alfabetizadora jun-to populao dos trabalhadores da pes-ca, encontramos trs eixos de interesse a questo poltica, a questo pedaggicae a questo ambiental - que poderiam serconsideradas como rios por onde nave-gam os contedos de maior significaopara os nossos alunos. So sugestes quepodem dar uma certa organicidade nos-sa proposta de uma alfabetizao atentaao contexto de seus participantes.

    Que alfabetizaodesejamos?

    Colnia de pescadores de So Gonalo, Rio de Janeiro

  • 21

    Este texto est publicado no livroTodas as vezes que dissemos adeus/

    Ore Aw Roirua Ma de Jecup, Kaka WerEditora Triom, So Paulo, 2002, p. 31-32.

    Um dia, sem mais nem porque,uma senhora convencera meupai a matricular-me na escolaque se instalara morro abaixo, de nomeProfessor Manuel Borba Gato. No quis.O pai me disse que era uma maneira denos defendermos. Perguntei o que era es-cola. Me respondeu que era um lugaronde se riscava com traos o que se fala-va, e qualquer um podia dizer exatamen-te o que se havia falado olhando paraaqueles traos, mesmo que se passassemsis e luas. Isso me deixou fortementeencantado.

    - Pe o menino na escola dizia a se-nhora. No quis. Havia os peixes paraserem apanhados, os bons palmitos, asborboletas azuis para serem seguidas pe-las trilhas sem fim da mata para que nosmostrassem onde ficava a cabea mgi-ca em que mergulhavam e tingiam as

    asas. Muitas coisas importantes paraaprender! Tranar, talhar, compreender oespao e o tempo certo para colher fo-lhas ou plantar sementes, pintar...

    No quis. Mas aquela histria de que seaprendia a riscar com traos o que se fa-lava me deixava muito pensativo. Como que poderia ser isso? Fui, No comeono se importavam que eu andasse pelaescola descalo e sem camisa, mas como tempo exigiu-se uniforme: calo azul-marinho, meias brancas, sapatos pretos,camisa branca, uma gravatinha com ris-co branco que indicava o primeiro ano.Ganhei roupa completa. Todo dia chega-va at o porto somente de calo, dolado de fora punha o resto, a mim eraimpossvel andar mais de cinco quilme-tros com aqueles tecidos todos apertan-do o corpo e os ps presos, isolados docho, pelos sapatos.

  • 22

    Quem pensa que o adulto na escola atrasado porque no percebeu todo seu aprendizadoO adulto estudante chega trazendo a bagagemDe uma vida carregada de vivncia e coragem.

    Vivendo em uma cidade e dela participandoMesmo fora da escola ele vai se educandoAprende com seu trabalho mesmo quando exploradoAprende no sindicato a tornar-se organizado,

    Numa roda de amigos ou ento num bom forr,Tudo isso pro adulto escola das milhPegar o metr ali, andar sem pedir uma dicaComprar no Ceasa, isso uma lio de vida.

    Esses jovens e adultos ao tornarem-se estudantesBuscam dentro da escola um espao interessanteEstudar para eles momento de informao,Mais do que decorar, buscam a compreenso.

    Querem aprender a ler, a somar, multiplicarQuerem tambm um tempo para poder dialogarDebater sobre a cultura e a sexualidadeSo demandas pra escola falar da realidade.

    Ter um grupo de amigos para se relacionar tambm esse o desejo de quem volta a estudarA escola mais que a aula pra esse trabalhador espao de vivncia muito socializador.

    Educao de

    A nossa memria ainda guarda os crit-rios pelos quais, na Repblica Velha, obrasileiro se habilitava como eleitor:suas posses e seu grau de instruo. Nostermos dessa democracia formal, pobree analfabeto no tinham direito a voto.Hoje, esse direito foi ampliado: o anal-fabeto pode votar, mas no pode sereleito. Foi uma conquista, sem dvida,mas ainda se trata de uma cidadaniapela metade.

    Lcia Helena lvarez Leite

    Num certo sentido, se associarmos acompetncia para gerir os destinos deuma nao ao grau de instruo dos pol-ticos com poder nas decises, o mundono teria tantos problemas. Em grandeparte, so portadores de diplomas uni-versitrios. No , portanto, o saber for-mal que ilumina o caminho da humani-zao. Ento, por que to importante,do ponto de vista poltico, a apropriaoe uso da leitura e da escrita?

    A questo poltica

    *

  • 23

    Receber estes alunos exige um repensarUma mudana radical no cotidiano escolarTempos fingidos no servem pra esse tipo de estudanteNo d pra ficar sem aulas por atrasar mais um instante.

    Aulas sem motivao sem ningum a intervirFaz que o Jovem e o Adulto passem o tempo a dormir.Quem de noite vai estudar precisa de muita aoPra acabar com o cansao s com a participao.

    Quatro horas na escola numa carteira assentadoPara o aluno trabalhador tempo demasiadoD matria sem sentido pra quem tem tanto a dizerFaz o aluno do noturno desistir de aprender.

    Mudar tempos e espaos mudar todo o ensinarSo propostas colocadas para o educador pensarA mudana bem grande para o aluno ser mantidoMas quando ela bem feita o sucesso garantido

    Quando a escola rompe o modelo transmissivoTransforma a sua rotina em um espao bem mais livreO pensar, participar, pesquisar e debaterFaz o aluno ampliar o seu saber.

    Faz tambm transformao para quem professorQue ensina e aprende com o aluno trabalhadorA escola dessa forma espao culturalCriando uma relao com o meio social.

    De um lado, nesse mundo letrado, parater acesso s informaes que circulam epermitem esclarecer muitas das decisesque temos a tomar, importante decifr-las e interpret-las. Para tanto precisa-mos dominar esses cdigos, entrar noscircuitos, participar dessa socializao,fortalecendo, assim, o poder de escolhados nossos caminhos. Por outro lado, eesse to ou mais importante quanto oanterior, a oportunidade que se abre,

    com a escrita e a leitura, de agregar, aoque est em circulao, o que a socieda-de j produziu, ou est processando, eque ainda no foi disponibilizado comoinformao. Quer dizer, falta traduzir emlinguagem escrita o que, na prtica, jexiste e interfere na dinmica da socie-dade. Nesses termos, quem perde com aexistncia de milhes de analfabetos oconjunto da sociedade que no consegueter acesso a essa reserva histrica. A ri-

    Quealfabetizaodesejamos?

    *Jovens e Adultos

  • 24

    queza que se encontra em estado deoralidade e memria viva corre o riscode desaparecer com o tempo. A transfor-mao desses saberes em registro garan-te a sua permanncia. Muito da nossahistria, das razes das nossas identida-des culturais, das nossas descobertas, seno vierem tona pela via de canais pas-sveis de socializao, podem se apagar.E isso conta muito para o conhecimentodo que somos; e se no temos seguranasobre o que somos, como saber o quepodemos?

    O universo dos trabalhadores da pesca objeto de leis disciplinares, dispe de or-ganizaes especficas de defesa de seusinteresses. Ao mesmo tempo, diversifi-cam-se as formas locais de associao dospescadores que concorrem por meio desuas reivindicaes e lutas com propostasde melhorias e mudanas. Para se torna-rem mais fortes e competentes frente sburocracias e ao entendimento dos recur-sos ao seu alcance, indispensvel a apro-priao desse instrumental da escrita e daleitura. O campo de exerccio de sua cida-dania ser certamente ampliado com o do-mnio da linguagem escrita.

    Primeira estrofe de um Canto

    E houve por todos aqueles da primeira terraacesso ao que no destinado imperfeio,aqueles que no se perderam, sendo msica,

    aqueles que no se perderam, sendo vo,aqueles que no se perderam, sendo dana,

    aqueles que, passando por msica, dana, vo,no perderam o belo saber.

    Aqueles que no esqueceram o que so.

    Este texto est publicado no livroTodas as vezes que dissemos adeus /

    Ore Aw Roirua Ma de Jecup, Kaka WerEditora Triom, So Paulo, 2002.

  • 25A transio de uma sociedade subdesen-volvida para uma outra, segundo pesqui-sas realizadas, no dependeu apenas dashabilidades bsicas de contar, ler e escre-ver dos trabalhadores. O debate coletivodaqueles que possuam forte poder de ar-gumentao contribuiu decisivamentepara a mudana em suas sociedades.Quer dizer, o avano das sociedades de-pende mais do debate oral e da expres-so criativa do seu povo do que das habi-lidades bsicas de ler e escrever.

    O que queremos ressaltar que a alfabe-tizao, aliada capacidade de traduziridias em aes, significa somar ao po-tencial humano da argumentao, ele-mentos de efetiva afirmao daquelesque no tm sido considerados nos espa-os de deciso sobre a vida de todos.

    Assim sendo, o trabalho a que nos pro-pomos realizar precisa estar inscrito, so-bretudo, no desejo destes sujeitos sociaisque faro parte de nossas salas de aula. Aperspectiva de ocupar os seus lugares nasociedade como agentes de mudana quese apropriam do instrumental da leitura eda escrita, pode ser uma das razes queos levam alfabetizao. Desta forma,ler e escrever s sero realmente impor-tantes se puderem contribuir para ampli-ar sua participao na sociedade.

    Nesse momento importante falarmosde letramento ou alfabetismo e no so-mente de alfabetizao. Quando falamosem letramento, estamos nos referindo auma dinmica de interao que leva aspessoas, por fora da convivncia com omundo letrado, a se familiarizarem comas prticas sociais que demandam o usoda leitura e da escrita e, parcialmente, ase utilizarem de alguns recursos dessecdigo. Nesse movimento, criam hipte-ses e mecanismos para enfrentar essesdesafios. Com isso, estamos dizendo queessas pessoas, mesmo as que nunca esti-veram na escola, j tm de algum modouma iniciao ao mundo letrado.

    Como a nossa perspectiva , acima detudo, poder produzir uma leitura e umaescrita que revelem e desvelem asidias e aes de um determinado gru-po social, essa experincia de letra-mento, anterior ao processo mais sis-temtico de aprendizagem da leitura eda escrita, deve ser tomada em consi-derao. A alfabetizao um primei-ro estgio do longo processo de cons-truo de leitores e escritores.

    A questo pedaggica

    Quealfabetizaodesejamos?

  • 26

    Consideramos alfabetizado aquele queapenas aprendeu a ler e a escrever, masse no tiver a oportunidade de consoli-dar este aprendizado, pode sofrer umaregresso. A regresso da aprendizagemse d, em geral, pela falta de uso e/ou porum grau de apreenso ainda insuficienteque possibilite uma autonomia na utili-zao do adquirido. A descontinuidadenessa fase de consolidao da aprendiza-gem ocorre com muita freqncia e a issose costuma chamar de analfabetismo fun-cional. Muitas campanhas de alfabetiza-o conheceram esses resultados.

    Para realizar um trabalho significativo necessrio rever nossa prtica pedaggi-ca e a ela incorporar contribuies queos estudos tm apontado no campo daalfabetizao. Dentre elas, a mais inte-ressante a que afirma que cada ser hu-mano, em seu processo de aquisio daescrita e da apropriao da leitura, repeteos passos que a humanidade trilhou aoinventar a escrita. Esta contribuiorompe com um modelo vertical apoiadona soletrao, que pensava o ato de ler ede escrever como uma prtica de juntaras letras para formar palavras, e nos co-loca numa perspectiva horizontal apoia-da na experincia humana de produzirum texto ainda incompleto, porm, re-pleto de sentido e significado.

    Portanto, no deve ser assim...

    a - e - i - o - uba - be - bi - bo - buca - ce - ci - co - cuda - de - di - do - du

    Mas, assim...pr a get aped aceage na vd a coiv no ume ce get de cenit *Luzinete Moura* Pra gente aprender a ser algum na vida, a

    conviver no mundo e ser gente decente.

    Desta forma, ns vamos atuar no nafalta de escrita do alfabetizando, masnas lacunas de sua escrita em constru-o, preservando o seu sentido e signi-ficado, respeitando seu tempo de ama-durecimento e reflexo, e oferecendoelementos e subsdios para que eleavance na sua idia de como a lnguaescrita funciona.

    O processo de alfabetizao vai se reali-zando medida que a escrita vai apare-cendo mais completa e definida. im-portante notar que esta idia ganhou for-a com os estudos da pesquisadora ar-gentina Emlia Ferreiro que, ao estudar aescrita em construo de crianas e adul-tos, observou que estes formulavam hi-pteses e passavam por um sistema derepresentao podendo ser identificadoem pelo menos quatro hipteses. Essashipteses variam e avanam na medidaem que constatam a sua incompletude.

    A escrita uma forma dominante de co-municao humana que, por descaso,ainda no se encontra apropriada por to-dos, mas que, naturalmente, se soma oralidade.

  • 27

    Tendo em vista que a sala de aula noprepara para a vida, mas ela a vidaacontecendo, nossa prtica pedaggicano pode prescindir de utilizar todas aslinguagens que favoream e desvelem aexpresso destes sujeitos presentes emsua totalidade pessoal e social. nesseplano que se exploram a criatividade e oartista residente em cada um.

    As diferentes vivncias precisam encon-trar suas linguagens de expresso e seexplicitarem nos desenhos, pinturas, m-sicas, danas, teatro, tomando lugar nocotidiano da sala de aula. Essas produ-es se constituem em rico acervo paracompreendermos e valorizarmos a cultu-ra dos nossos alunos.

    Ao contrrio do que muitos educadorespensam, trabalhar a expresso com ou-tras linguagens no um desvio da aten-o alfabetizao, mas uma necessida-de na direo de apoiar o desenvolvi-mento da subjetividade do aluno, toman-do assim distncia de uma abordagempuramente racional/intelectual. As incur-ses no mundo da expresso diversifi-cada tm uma repercusso imediatamen-te positiva sobre o processo de aquisioda escrita e da leitura.

    Vocsabia?

    Quealfabetizaodesejamos?

    Que o Brasil conhecido como o

    pas das guas, porquepossui as maiores reservasmundiais de gua doce doplaneta e compartilhacom seus vizinhosas maiores redes hidrogrficasda Amrica do Sul:a gigantesca bacia Amaznica,com 7 milhes dequilmetros quadrados,e a bacia de Prata,com 3 milhes dequilmetros quadrados.

    As medidas sobrenavegao, combate poluio e ao assoreamentodo rios, preservaoda fauna e flora e usodas guas para abasteceras populaes,irrigar lavourase gerar energia eltricaso tomadasconsensualmentepelos pases nos quais estosituadas essas bacias.

    Fonte:www.tierramerica.org

    Pescando mais:Leia o texto Psicognese dalngua escrita na pgina104.

    *

  • 28

    Na evoluo da vida sobre a terra, asguas tiveram um papel fundamental eainda o tem. S que os nossos sentidosno conseguem acompanhar todo o tra-balho das guas nos seus silncios e re-voltas, mas reconhecemos com clarezaque ela indispensvel sobrevivnciade todas as criaturas. Alm dos espetcu-los de beleza que no cansamos de admi-rar, no podemos dispensar a funo quecumpre na manuteno da sade indivi-dual e coletiva das populaes que se es-palham sobre a terra. Sem gua a vidaseria impensvel no planeta.

    No mundo atual, naes e organismosinternacionais manifestam preocupaesno s com a quantidade de gua potveldisponvel no mundo, mas com a preser-

    A questo ambientale a pesca

    vao de seus mananciais. Os homens,na inconseqncia de seus sonhos de po-der e riqueza, descuidaram-se de suaprpria fonte de vida: poluram e desres-peitaram o territrio das guas. Suas re-servas, nascentes e leitos esto pedindouma ateno cuidadosa e urgente. A Ter-ra est doente.

    E temos tanto o que agradecer s guasenquanto estradas que abriram a possibi-lidade de comunicao entre os povos dediferentes continentes, como via de tro-ca de produtos da diversidade do traba-lho humano, ou leito de reproduo esustento de uma multiplicidade de esp-cies. possvel no responder com deli-cadeza e cuidado a tamanha presena nasnossas vidas?

    Colnia de pescadores de So Gonalo, Rio de Janeiro

  • 29

    Os pescadores e pescadoras vivem do quea gua produz. Sem dvida, eles so os pri-meiros a assumir a sua parcela de respon-sabilidade na reposio da riqueza dasguas porque conhecem muito bem assuas manifestaes. o pedao de mundoque lhes cumpre zelar mais de perto, por-que a qualidade de suas vidas est tambmligada sade das guas como se fossemcompanheiros de uma mesma aventura.

    verdade que a tarefa mundial e osnossos alunos no podem responder so-zinhos pelos resultados nefastos de tan-tos. Mas podem colocar a sua vasta sa-bedoria a servio do movimento de pre-servao do meio ambiente na extensoque lhes seja possvel: debatendo mais afundo a questo, criando caminhos, pro-pondo aes, erguendo mais alto a ban-deira do respeito natureza. Mais do queningum eles percebem, na histria desuas vidas, os reflexos da desateno doshumanos com as guas. Temos certezaque muitas dessas inquietaes e indaga-es j lhes so familiares: por que al-guns tipos de peixe esto desaparecen-

    do? por que o resultado da pesca vem di-minuindo? por que os manguezais pro-duzem menos? o que pensam outros tra-balhadores a respeito? em funo destecenrio, que aes j empreendemos? oque ainda podemos fazer? o que outrosesto fazendo de interessante na mesmadireo?

    Uma das caractersticas da Educao deJovens e Adultos , historicamente, a con-textualizao. Se trabalhamos com pesca-dores e suas comunidades, o tema da rela-o entre a pesca e o meio ambiente, inde-pendentemente das nossas sugestes, vaiestar presente na sala de aula, nas conver-sas, no imaginrio, nas preocupaes. Esse um dos eixos de interesse mais flagrantedos nossos grupos de alunos. Nesse cami-nho, quem sabe, estaremos abrindo no-vos espaos para dar lugar cidadaniadas guas e dos pescadores.

    Mesmo assim, durante milnios agua foi considerada um recurso*Vocsabia?

    Pescando mais:Leia os textos gua noplaneta na pgina 72 e Ohomem, esse descuidadona pgina 78.

    Ciclo hidrolgico

    Onde est a gua no planeta?Todo mundo sabe que o Planeta Terra

    formado por muita gua, mas...Ou, ainda, distribuda como podemos

    ver a seguir: Oceanos, 97,50%.Geleiras - 1,979%.

    guas subterrneas, 0,514%.Rios e lagos - 0,006%.

    Atmosfera, 0,001%.Fonte: CNEN, 1996

    infinito. A generosidade da naturezafazia crer em inesgotveis mananciais,abundantes e renovveis. Hoje, o mauuso aliado crescente demanda pelorecurso vem preocupando especialistase autoridades no assunto, peloevidente decrscimo da disponibilidadede gua limpa em todo o planeta.Recurso natural de valor econmico,estratgico e social, essencial existncia e bem-estar do homem e manuteno dos ecossistemas doplaneta, a gua um bem comum atoda a humanidade.

    Quealfabetizaodesejamos?

  • 30

    Certa vez, recorda o viajante francsJean de Lry, um velho Tupinamb meperguntou: Por que vocs, mairs (fran-ceses) e pros (portugueses), vm de tolonge para buscar lenha? Por acaso noexistem rvores na sua terra?

    Respondi que sim, que tnhamos muitas,mas no daquela qualidade, e que no asqueimvamos, como ele supunha, masdelas extraamos tinta para tingir.

    E precisam de tanta assim?, retrucou ovelho Tupinamb.

    Sim, respondi, pois no nosso pasexistem negociantes que possuem maispanos, facas, tesouras, espelhos e outrasmercadorias do que se possa imaginar, eum s deles compra todo o pau-brasilque possamos carregar.

    Ah!, tornou a retrucar o selvagem.Voc me conta maravilhas. Mas mediga: esse homem to rico de quem vocme fala, no morre?

    Sim, disse eu, morre como os outros.

    Aqueles selvagens so grandes debate-dores e gostam de ir ao fim de qualquerassunto. Por isso, o velho indgena meinquiriu outra vez: E quando morrem osricos, para quem fica o que deixam?

    Para seus filhos, se os tm, respondi.Na falta destes, para os irmos e paren-tes mais prximos.

    Bem vejo agora que vocs, mairs, somesmo uns grandes tolos. Sofrem tantopara cruzar o mar, suportando todas as pri-vaes e incmodos dos quais sempre fa-lam quando aqui chegam, e trabalham des-sa maneira apenas para amontoar riquezaspara seus filhos ou para aqueles que vosuced-los? A terra que os alimenta noser por acaso suficiente para alimentar aeles? Ns tambm temos filhos a quemamamos. Mas estamos certos de que, de-pois da nossa morte, a terra que nos nutriunutrir tambm a eles. Por isso, descansa-mos sem maiores preocupaes.

    Este texto est publicado no livro Pau-Brasilde Eduardo Bueno e outros, Axis Mundi Editora,So Paulo, 2002 p. 21-22.

    O dilogo entreo pastor calvinista

    Jean de Lry (1534-1611) e umvelho Tupinamb, travado em

    algum momento da estada de Lryno Rio de Janeiro, entre maro de

    1557 e janeiro de 1558, alegricoe repleto de ressonncias.

    **

  • 31

    Antes de colocar em foco a particulari-dade do educador de jovens e adultos,sentimos necessidade de conversar sobreo lugar do educador de um modo maisamplo. Durante muito tempo, o que sepedia ao educador que ensinasse emantivesse o clima de ordem convenien-te aos aprendizes. Era uma figura centralno cenrio e precisava dominar uma pau-ta de conhecimentos, prescritos num cur-rculo, a serem transferidos justamentepara aqueles alunos. Com esse duplo po-der, de autoridade disciplinar e de cen-tralizador do saber em questo, ele ge-renciava o processo de ensino/aprendi-zagem que deveria ajudar a construirpessoas instrudas e obedientes.

    Esses tempos so quase passados, por-que muita experincia acumulada, inclu-sive pelos prprios educadores, resultouem indagaes e pesquisas. Os seus re-sultados vm modificando a perspectivaem que se assenta a educao, empres-tando maior amplitude sua funo so-cial. Sem deixar de lado a necessidade eo direito de acesso, por todos, aos sabe-res produzidos pela humanidade, foi sen-do preparado para e pelos educadoresum lugar menos imperativo e mais co-municativo. Progressivamente, esse lu-gar tem sido reconhecido e assumido pe-los que so convocados ou escolhem de-sempenhar esse papel fundamental nacostura do tecido da sociedade.

    Quem o educador dejovens e adultos?

  • 32O poder de intervir no processo educa-tivo deixou de ser uma prerrogativa ape-nas do educador. O estabelecimento derelaes democrticas, entre educadorese educandos, muito mais eficaz na so-cializao dos saberes e na construodesses sujeitos sociais do que a repres-so sistemtica identidade cultural, criatividade, e liberdade de pensamen-to e expresso. A uniformidade de gestose conduta, e a submisso do pensamentoa uma nica interpretao dos aconteci-mentos, no tm servido causa da pazentre os povos.

    , portanto, o novo que nos interessa, oua histria revisitada por novos olhares, eno a repetio do convencional como sefosse uma frmula de segurana diantedas ameaas e mudanas. Com as inova-es tecnolgicas, as redes informatiza-das pem em circulao uma tal vastidode conhecimentos que desaloja dos sis-temas formais de ensino o controle e adosagem de saberes a serem transmiti-dos. Sabemos que o acesso a esses recur-sos modernos ainda muito restrito. Masa televiso, um dia, tambm esteve res-trita aos mais abastados. O que quere-mos sinalizar que o educador no pre-cisa representar essa centralizao do sa-ber e que a sua funo vai ficando maisnua de vestimentas desnecessrias. S

    assim conseguimos ter mais sensibilida-de ao que a sociedade atual est pedindodo educador e podemos tambm ajudar aanalisar essa demanda, deixando vazio olugar de puro executor do que outrospensam.

    No fundo, o desafio do educador est emorganizar as condies pedaggicasmais convenientes a um determinadoprocesso educativo; se sentir provocadoe provocar o tanto de curiosidade poss-vel em descobrir o mundo, e escolher seumodo prprio de presena nele. Ele nodeve estar frente nem no centro desseprocesso, mas fazer parte da caminhadadesse grupo, nico no mundo, indito.Nesse sentido, ele mesmo se inaugura acada novo grupo que aparece no seu iti-nerrio profissional.

    Tudo isso permanece vlido tambmpara a esfera especfica da Educao deJovens e Adultos. A grande diferena en-tre este segmento e os outros talvez este-ja na proximidade maior entre ns, edu-cadores e educandos. Somos adultos e,por suposto, temos igualmente responsa-

  • 33

    bilidades sociais e desafios. Ento, omodo de impulsionar a dinmica do pro-cesso educativo requer uma competnciaespecfica que atente para essas caracte-rsticas. A educao infantil no deixa deter um certo sabor de futuro, de comeo.No caso dos adultos o presente queconta, o imediato, o aqui e agora - por-que, queiramos ou no, os jovens quechegam s nossas salas, pelo percurso devida que fizeram, j esto marcados poruma maturidade precoce.

    Um educador de jovens e adultos nopode deixar de se interessar pela conjun-tura que condiciona a existncia de seusalunos; de levar em conta a centralidadeque tem o trabalho no seu dia-a-dia; dese esforar por detectar o que j dispemcomo oportunidades e possibilidades dealterar para melhor as circunstncias desuas vidas; de perceber em que ncleosde convivncia ou reas de prefernciarepousa o fundamental de sua afetivi-dade. Sem esses elementos se torna mui-to difcil para o educador traar seumapa de navegao pedaggico.

    Outra coisa que no podemos esquecer a escola que os alunos j trazem no seuimaginrio. Possivelmente o que vamosconstruir juntos pode no reproduzir essaimagem. Nesse confronto, o educadorpode abrir muito espao para negocia-es e alianas. A presso, nem sempreexplcita, em nome do restabeleci-mento da velha escola uma oportuni-dade para a construo coletiva de novasregras do jogo. Nesse sentido, a criaode novas formas de controle do processoeducativo estar apoiada no exerccio derelaes mais democrticas.

    Por ltimo, uma das tarefas mais delica-das com a qual se defronta o educador dejovens e adultos, sobretudo na fase da al-fabetizao, a insegurana que tem o

    aluno sobre a sua possibilidade de apren-der, to fora do tempo convencional. Ummisto de vergonha, de culpa, de autodes-valorizao mantm, durante muito tem-po, uma porta aberta desistncia. Paraque ele se sinta menos intimidado e me-lhor convocado a continuar, a sala deaula precisa ter atrativos que o mobili-zem e o faam acompanhar seus progres-sos e acreditar nos seus passos. Sem d-vida, isso fortalece a sua vontade de per-sistir, de querer ser mais e poder mais.

    Ento, o educador de jovens e adultostem esses vrios temperos: um pouco deaventura, muita criatividade e arte, euma aposta incansvel na possibilidadedo outro, porque, no fundo, ele est tra-balhando na tarefa de resgate de sujeitossociais.

    Pescando mais:Leia o texto: Um sonhoque no serve ao sonhadorna pgina 84 .

    Quem oeducador dejovens eadultos?

  • 34

    A formao do educador estabelece des-de o incio uma relao, deliberada ouno, com os ensinamentos e experin-cias por ele colhidas e assimiladas aolongo de sua histria pessoal de vida. com essa base, da qual fazem parte suaspercepes e sua sensibilidade, que elevai apreender e processar o que lhe proposto de novo como ferramentas.

    Ento, num trabalho com um coletivo deeducadores, importante identificar, en-tre as instituies que historicamente sotomadas como referncias na formaoda sociedade (famlia, escola, igrejas...),aquelas que tiveram um papel maismarcante na estruturao de suas perso-nalidades.

    Sem dvida, para ns interessa muito deperto a recuperao de sua memria es-colar e, particularmente, as lembranasde seu prprio processo de alfabetizao.Esse resgate pode trazer tona muitasquestes da prtica e das explicaes quecirculam nesse campo ainda hoje.

    O que queremos salientar que, assimcomo reconhecemos que os nossos alu-nos j tm, quando chegam sala deaula, um certo grau de iniciao leiturae escrita, o educador, em processo deformao especfica, j traz a sua forma-o original como ponto de partida ecomo contribuio. Portanto, qualquertentativa de formao de educadores quedesconhea esse acervo vivo pode correro risco de superpor ensinamentos e in-formaes que no estabelecem cone-xo com uma experincia anterior. Se-guir uma direo to abstrata perde osentido para o educador. A partir da, ofio da meada se rompe e ele pode no darandamento normal elaborao de suaprpria sntese. A sntese, que ele fazmobilizando e repensando os elementosde que j dispe, significa a sua apropri-ao e com a qual ele passa a operar. As-sim, reconhecemos que, em ltima an-lise, a pessoa quem aciona o motor deseu prprio pensamento e no, simples-mente, o brilhantismo do formador. Es-peramos sempre que essa quebra de co-municao entre formadores e educado-res no ocorra porque os que respondempela formao de educadores so, porsua vez, tambm educadores.

    Os momentos de formao so propos-tos para oferecer um espao de troca da

    Como acontece aformao do educador?

    Colnia de pescadores de So Gonalo, Rio de Janeiro

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    prtica e propor novos elementos quepossam ajudar a preencher as lacunasdetectadas por essa anlise da prtica. Ameta da formao o desenvolvimentoda competncia especfica tendo em vis-ta uma prtica de melhor qualidade.

    O desenvolvimento da competncia doeducador pode se apoiar em vrias reas:das cincias, das artes e de outros sabe-res e vivncias. Mas no prescinde dasua prtica onde esto apontadas as ne-cessidades de novas ferramentas. O pro-cesso de aquisio nada tem a ver com oformato de um curso acadmico. Quemd a pauta a anlise de uma prtica pr-xima, oferecida pelos prprios educado-res, e esse o cho da aprendizagem.

    O educador tem, em princpio, de sair deuma dessas rodadas de formao com asegurana de que sabe mais sobre o quefaz, sobre o que quer fazer e o que podefazer. Portanto, mais fortalecido diantedas tarefas que enfrenta.

    Os encontros de formao tambm tmseu currculo oculto: a construo de umnovo perfil e de uma nova postura doeducador se inscrevem entre as preocu-paes atuais. Deixar para um passadomuito distante esse lugar de antena derepetio, que durante tanto tempo oeducador ocupou, uma escolha. Paratanto, importa em desenvolver seu esp-rito de pesquisador, exercitar a sua capa-cidade de sistematizar a prtica, quebraro seu isolamento, incluindo-o em redespara que socializem sua produo e for-taleam sua capacidade de interveno.

    Da por diante, boa parte da formao doeducador segue o percurso do seu desejo,de sua adeso a esse lugar de insero nasociedade, e se passa fora dos momentosem que ele especificamente convocadopara atualizar a sua formao. o que cha-mamos de autoformao.

    No s individualmente ele pode locali-zar subsdios e deles fazer uso, comopode, registrando sua prtica e acompa-nhando seu desempenho, sistematizar assuas questes, elaborar sobre elas, des-cobrir que tem mais possibilidades doque supunha. Reconhecemos que, nessaperspectiva, h um obstculo a superarque o da reaproximao com a leitura ea escrita. Com muita freqncia nos de-paramos com essa dificuldade, e no sentre os educadores.

    Na verdade, a escola repressora em quefomos formados nem sempre nos ajudoua conviver com a beleza da linguagemescrita e o encantamento da leitura, e da recuperao dessa beleza e encanta-mento que estamos encarregados hoje.Redescobrir o gosto pela leitura e deixarcaminhar o escritor que se esconde emcada um faz parte da nossa autoforma-o. A autoformao , portanto, a con-solidao de uma postura ativa diante doseu prprio aperfeioamento.

    E o que se pode fazer, melhor ainda, constituir equipes de troca, de estudo, comparceiros prximos. Fica mais fcil e maisrica a partilha das crticas, das sugestes ea elaborao de pensamentos e projetos.Nessa direo, ainda h muito a criarcomo suporte ao esforo de autoformaodos educadores, e esse um caminho ques ns podemos inventar.

  • 36

    Conhecer e acolherA sala de aula deve ser entendida comoum espao de relacionamento entre alu-no/aluno e aluno/educador. Um lugar,onde os alunos jovens e adultos possamse sentir vontade para falar de suas his-trias de vida, suas expectativas, seus so-nhos e seus medos. necessrio, ento,que se estabelea um clima de envolvi-mento e confiana, no s no primeirodia de aula, mas durante todo o processode trabalho.

    O fato de os alunos pertencerem mes-ma comunidade no garante que todas aspessoas se conheam. Por essa razo,nosso primeiro contato com eles deveacontecer em um clima de acolhimentoonde todos tenham oportunidade de fa-lar e ouvir.

    Ouvir e conhecer cada um, dar-se a co-nhecer, encorajar-se uns aos outros. Pro-por convite ao envolvimento e estabele-cer acordos para o trabalho devem serdesafios deste momento.

    E to bonito quando a gente entendeQue a gente tanta genteOnde quer que a gente v(Gonzaguinha)

    Este momento, alm de proporcionar adescontrao dos participantes ao reco-nhecerem que ns educadores somosgente como eles, fortalece tambm aidentidade do grupo como pessoas por-tadoras de saberes, capazes no s deaprender, mas tambm de ensinar.

    Para o incio deste relacionamento temosalgumas sugestes que podem orientar otrabalho em sala de aula.

    Preparando barcos,anzis e redes: a prticana sala de aula

    Dinmica do cochicho

    Organizar os alunos em duplas ondecada um vai procurar colher o maior n-mero de informaes a respeito do seuparceiro. Estas informaes podem estarrelacionadas ao nome, caractersticaspessoais, estado civil, nmero de filhos,preferncias musicais, localidade de ori-gem, etc. Em seguida, pedir que cada umapresente o seu parceiro para a turmacom todas as informaes que for poss-vel lembrar.

    Com esta dinmica podemos desenvol-ver a linguagem oral, a capacidade dememorizao das informaes, a atenoe o prprio entrosamento do grupo.

    *

  • 37

    Dinmica do nome

    Distribuir para todos os participantes dogrupo um crach em branco e, em segui-da, perguntar os nomes de cada um, es-crevendo cada nome no quadro. Depois,com a nossa ajuda, eles podero copiarseus nomes no crach e no caderno. Apartir da, podem ser propostos vriosdesafios como:

    relato da histria do nome (por quetem esse nome)

    procura de significado do nome

    comparao entre os nomes dos alu-nos (semelhanas e diferenas)

    colocao dos nomes em ordem alfa-btica

    grupo de pessoas que tenham o mes-mo nome

    grupo de pessoas que tenham nonome o mesmo nmero de letras

    fila das pessoas comeando com onome menor e acabando com o nomemaior

    procura de um colega com um nomeque comece com a mesma letra do seu

    Dinmica da redeNo primeiro dia de aula levar para a salafitas de cartolina branca, peixes e iscasrecortados em cartolina colorida. Nestecaso, as fitas de cartolina branca com-pem a rede; as iscas representam os di-ferentes saberes que o grupo traz para asala de aula, enquanto que os peixes re-presentam as expectativas do grupo emrelao alfabetizao. O desenvolvi-mento da dinmica acontece da seguinteforma: com a nossa ajuda, cada um es-creve seu nome na fita de cartolina bran-ca. Na isca, desenha ou escreve palavrasque representam saberes adquiridos aolongo da vida. No peixe, desenha ou es-creve palavras que representam suas ex-pectativas. medida que falam para ogrupo suas expectativas e saberes, colamo peixe e a isca em suas respectivas fitasde cartolina, de forma a construir a rede.Esta rede poder ser usada como materialde leitura. Tambm pode ser usada paraavaliarmos o processo, verificando se asexpectativas de cada um, esto sendoalcanadas.

    Aproveite para ler com os alunos a poe-sia da pgina seguinte.

  • 38

    A bordo do Rui Barbosa O marinheiro JooChamou seu colega CartolaE pediu

    Escreve pra mim uma linhaQue pra Conceio

    Tu anarfa? disse o amigoE sorriu com simpatiaMas logo depois amoitouPorque era anarfa tambm

    Mas chamou ChiquinhoQue chamou BatistaQue chamou GeraldoQue chamou Tio

    Que decidiu

    Tomou copo de coragemCopo e meioE foi pedir uma mozinhaPara o capitoQue apesar de ranzinza homem bem letrado homem de culturaE de fina educao

    Pois noAssim fez o velhinhoPor acaso bem dispostoBem humoradoBem remoado

    s custas de uma velhinhaQue deixara l no cais

    E Joo encabuladoHesitou em ir dizendoAbertamente assimO que ia fechadoBem guardadinhoNo seu coraoMas ditou...

    A bordo do Rui BarbosaChico Buarque de Holanda e Vallandro Ketting

    E o capito boa genteCopiou com muito jeitoNum pedao de papel

    Conceio...

    ...No barraco Boa Vista

    Chegou carta verdeProcurando Conceio

    A mulata riuE riu muitoPorque era a primeira vezMas logo amoitou

    Conceio no sabia ler

    Chamou a vizinha BastianaE pediuQue d uma olhadaQue eu to sem crosNum xergo bem

    Bastiana tambm sofria da vista

    Mas chamou LurdinhaQue chamou MariaQue chamou MarleneQue chamou Yai

    Estavam todas sem culosMas Emlia conheciaUma tal de BeneditaQue fazia o seu servioEm casa de famliaE tinha uma patroaQue enxergava muito bemMesmo a olho nu

    E no houve mais problemas

    A patroa boa genteAlm de fazer o favorAchou graa e tirou cpiaPara mostrar s amigas

    Leu para BeneditaQue disse EmliaQue disse YaiQue disse MarleneQue disse MariaQue disse LurdinhaQue disse Bastiana

    Que disse sorrindo Conceio

    O que restou do amorO que restou da saudadeO que restou da promessaO que restou do segredo de Joo

    ConceioEu ti amo muitoEu tenho muita sodadeE vorto assim que pudeJoo

  • 39cem e usam este tipo de letra. Ou es-crever de um jeito e de outro usandoos dois lados do carto.

    PEDRO

    PEDRO DA SILVA

    importante possibilitar que eles visua-lizem e comparem os nomes dos colegase de seus barcos. Podemos criar, a cadadia, uma maneira de usar esses cartes.Pode ser uma forma de verificar a fre-qncia; valorizar os que compareceram,registrar a falta e procurar os motivosdos ausentes. Professores e alunos, po-demos elaborar perguntas para que eles,os alunos, comparem os seus nomes edos seus barcos: semelhanas, diferen-as, significados, quem e por que esco-lheram tais nomes? importante queeles escrevam, nos cadernos, essas listasde nomes: listas dos nomes dos barcos,listas das mulheres da turma, lista doshomens da turma, nomes das esposas,por letra inicial, etc. Uma outra ativida-de pode ser a de colocar os nomes dosalunos em ordem alfabtica, depois deexplicar a utilidade dessa organizao. Oalfabeto exposto em sala serve comofonte de consulta nesse momento.

    Existe apelo mais forte, mais significati-vo do que iniciarmos o processo de alfa-betizao de pescadores pela leitura e es-crita de seus nomes, dos nomes de seusfilhos, de suas esposas e de seus barcos?Acreditamos que no. Por vrios moti-vos: estes nomes so partes preciosas davida do pescador, ajudam a contar suatrajetria, afirmam sua identidade. Todasas pessoas no-alfabetizadas que regis-tram a sua assinatura com a impressodigital envergonham-se disso e desejamcom prioridade aprender a escrever oprprio nome. Estes nomes so verda-deiros textos, cheios de sentido para opescador, cada um deles tem sua hist-ria. Por isso, devemos usar estes nomescomo as primeiras referncias que ajuda-ro os pescadores a descobrir as relaesentre letras e sons.

    Podemos fazer, diariamente, ativida-des com cartes onde os nomes dospescadores estejam em jogo. De prefe-rncia, usamos a letra maiscula deimprensa (as letras soltas so mais f-ceis de visualizar e desenhar). Casoeles insistam em usar letra cursiva,deixamos vontade. Alguns j conhe-

    Os nomes das pessoase das coisas

    Preparandobarcos, anzise redes:a prtica nasala de aula

  • 40

    A classe um espao de confronto entreos saberes, valores e expectativas doseducandos e do educador. Tomemoscomo exemplo o fato de que os alunosimaginam que o professor o nico de-tentor do conhecimento que esto bus-cando. Acham, portanto, perda de tempoexpressar e ouvir dos colegas opiniessobre os assuntos debatidos em sala. Naviso deles, o conhecimento vem do pro-fessor, nunca dos alunos. Da mesma for-ma, resistem ao trabalho em grupo, poisno querem expor seus erros aos cole-

    gas. No percebem o erro como elemen-to que faz parte do processo de constru-o do conhecimento. Neste caso, os alu-nos precisam considerar que no trabalhoem grupo, mesmo aqueles alunos que seencontram em um nvel de alfabetismoinferior aos demais, podem expressar deforma oral suas contribuies para o en-riquecimento do trabalho escrito. Pode-mos ilustrar esta afirmao a partir deuma experincia de alfabetizao de jo-vens e adultos na zona rural de um muni-cpio nordestino:

    Estabelecer alianase negociaes

  • 41

    Como se tratava de um programa onde ogrupo estava motivado a continuar a es-tudar, a professora props que fosse ela-borado em sala de aula um requerimentopara o Secretrio Municipal de Educaosolicitando a continuidade de seus estu-dos aps esse perodo. Para esta ativida-de, a classe foi dividida em grupos dequatro pessoas em diferentes nveis dealfabetismo. Cada grupo deveria pensare escrever um pequeno texto. Em segui-da, estes textos foram coletivamente li-dos, discutidos e contriburam para aproduo do texto final do documento.A alfabetizadora, ao se deter em um dosgrupos, presenciou a seguinte situao:um aluno que ainda no sabia ler e escre-ver tinha organizado, na memria, comodeveria ser este texto e ia ditando para oscolegas mais adiantados no processo daescrita. Ao final da atividade, o alunoresponsvel por registrar as opinies dogrupo deu o seguinte depoimento:

    Ns gosta muito de t o Antniono nosso grupo, porque a gente jsabe escrev um pouquinho, masele tem umas idia muito boa emtodos os assunto que a professoratraz pra gente.

    Nesse caso, os alunos no viam mais oprofessor como o nico detentor do sabere consideravam importantes as sugestesde um colega, reconhecendo nelas um sa-ber muito particular, mesmo que este ain-da no soubesse escrever. A percepodos alunos nesse exemplo parece resultarda negociao continuada entre suas ne-cessidades e expectativas, os saberes dife-renciados em jogo e a proposta de traba-lho apresentada pela professora. Isto nosfaz afirmar que precisamos negociar comeles toda e qualquer inovao que iremospropor para a sala de aula. No podemos

    esquecer de apresentar sempre as razesque nos levam a agir de uma forma e node outra, e o que estamos querendo dizerclaramente em cada atividade apresenta-da. Eles precisam estar convencidos deque no esto perdendo tempo, porquetempo algo muito precioso para essesjovens e adultos.

    Igualmente, necessrio analisar com aturma as solicitaes e propostas feitaspelos alunos e acatar aquelas que o gru-po julgar interessantes. preciso, semdvida, um exerccio constante de nego-ciao, a fim de que se estabeleam asalianas necessrias. Nesse movimento,ora se ganha, ora se perde, mas o coleti-vo sai fortalecido. Criar esse clima de li-berdade e respeito s opinies divergen-tes contribui para uma convivncia de-mocrtica, to necessria ao fortaleci-mento de uma postura participativa e au-tnoma por parte dos pescadores.

    No esqueamos, sobretudo, de fazer dasala de aula um espao de alegria, deprazer, de cultivo amizade e solidari-edade humana; de negao a todo tipo depreconceitos (social, religioso, sexual,de idade, de gnero, etc.) e de respeito sdiferenas.

    Acreditamos que essa nova qualidade derelao ir potencializar o aprendizadodos alunos e garantir a permanncia de-les em sala de aula.

  • 42

    Durante muito tempo a escola e a alfabe-tizao, em particular, estiveram desco-ladas da vida e da realidade dos alunos.Aprender a ler e a escrever era um pro-cesso apenas escolar e que se fazia ba-seado em cartilhas com frases de slabasrepetidas. A alfabetizao, neste sentido,se resumia a ensinar a desenhar as letras,para assinar o nome e para mostrar comose formam as palavras.

    Felizmente, h algum tempo, a experin-cia em educao popular e as contribui-es mais recentes das pesquisas em al-fabetizao, leitura e escrita tm nosmostrado outras possibilidades de traba-lho em sala de aula, ressignificando amaneira de realizar o trabalho de alfabe-tizao, sobretudo a alfabetizao de jo-vens e adultos. Descobrimos que preci-so entender o aprendizado da leitura e daescrita em sua estreita ligao com as si-tuaes que envolvem o cotidiano doeducando: seus desejos, suas necessida-des, seus direitos ou at mesmo a faltadesses direitos.

    Fazer da sala de aula um espaode fortalecimento do grupo

    Assim, quando pensamos um processode alfabetizao de jovens e adultos pre-cisamos estar atentos s questes que en-volvem a vida e a histria dessas pessoase incorporar essas questes s atividadesde classe. A alfabetizao deve favore-cer, portanto, a autonomia dos alunosajudando-os a ampliar suas formas deinsero no mundo letrado e ir, aos pou-cos, construindo pontes para o exerccioda cidadania. A sala de aula , assim, umespao coletivo de mudana no s dacondio de no saber ler e escrever, mastambm da difcil realidade vivida pelosalunos. lugar permanente de discussoe ao sobre o meio social em que vivemos alfabetizandos.

    Pensando ento em uma populao dealunos pescadores, a nossa ao alfabeti-zadora pode incluir discusses sobre: aregularizao da condio de pescado-res, seja numa colnia, numa associaoou numa cooperativa; a necessidade deque todos tenham documentos (com as-sinatura); os diferentes formulrios exi-gidos por associaes e agncias f inan-ciadoras, a legislao da pesca e os direi-tos j conquistados por essa categoria,como: defeso, seguro-desemprego e asdiferentes formas de organizao.

  • 43

    A Histria o resultado do trabalho depessoas famosas e desconhecidas. Isto ,de homens e mulheres que enriquecerama civilizao e marcaram sua presena nahora das decises, ou de homens e mu-lheres que, mesmo sem deixar seus no-mes cercados de fama, contriburam paraque a cultura perdurasse e se ampliasse.Ilustres ou humildes, os homens e asmulheres que vivem e fazem a Histriaso como as pessoas que hoje nos cer-cam, com suas grandezas e seus erros,suas alegrias e inquietaes, seus medose esperanas.

    Nossos alunos, jovens e adultos pescado-res, so sujeitos histricos, sociais, cul-turais e desejantes de continuarem escre-vendo essa Histria que tambm nossa.

    Sendo assim, suas histrias de vida po-dem contribuir de forma significativapara o desenvolvimento do trabalho emsala de aula, servindo como referencialpara a valorizao da identidade de ca-da pescador e da comunidade pesqueirada qual fazem parte. Ao recuperaremsuas razes estaro (re)vendo o passado,para entenderem o presente e projeta-rem o futuro.

    Quando comparamos os acontecimentosno tempo e trabalhamos com os concei-tos de anterioridade, posterioridade e si-multaneidade, temos condies de esta-belecer relaes entre os fatos de hoje eos fatos do passado, ampliando assimnossa viso de que as coisas no aconte-cem por acaso. No caso especfico dascolnias de pescadores, faz-se necess-rio pesquisar nas fontes do passadocomo elas eram organizadas, o porqudeste nome colnia, em que poca daHistria do Brasil elas comearam a sur-gir, etc. Da, a necessidade de partir denossas micro-histrias para entendermosa macro Histria do nosso pas.

    Nossos alunos so jovens e adultos, ho-mens e mulheres, trabalhadores e traba-lhadoras do setor pesqueiro que, durantea infncia e a adolescncia, no tiveramoportunidade de freqentar escolas a fimde garantir o mnimo desse saber que valorizado pela sociedade. Portanto, pre-cisamos estar atentos para identif icarno s os saberes presentes em suas pr-prias histrias de vida, mas entender eexplicitar as razes que condicionaramesses sujeitos a estarem hoje em umaclasse de alfabetizao.

    A Histria no se faz com fatos e simcom fontes: o fato que esses sujeitos seencontram hoje em uma classe de alfa-betizao; no entanto, precisamos iden-tificar as fontes histricas que poderorevelar as razes que os levaram a viverhoje, a condio de pessoas no-alfabe-tizadas.

    Valorizar suas histrias

    Ba de lembranas

    Era um desses bas antigosDe vime tranadoE formato quadrado

    Ficava num canto do quartoBem perto do armrio

    Quem visse o ba,To quieto, to calado,Jamais saberiaO que neleEstava guardado

    Aristides Torres Filho em Cores de todas as flores

    *

    Preparandobarcos, anzise redes:a prtica nasala de aula

  • 44 Diante disso, necessrio que oferea-mos oportunidades para os alunos fala-rem sobre suas origens, isto , se nasce-ram na comunidade onde vivem ou sevieram de outros municpios ou at mes-mo de outros estados e quais as razesque os levaram a essa situao de mi-grantes. A partir do momento que todosconhecerem as histrias individuais, sero momento de fazer o levantamento deoutras para se situarem na histria da co-munidade. Um desafio tambm necess-rio lev-los a pensar sobre os seus sen-timentos e responsabilidades com a co-munidade. Talvez seja importante ques-tionar se eles conhecem e fazem parte dahistria local. Para dar conta desse de-safio poder ser feito um levantamen-to por meio de fotos e jornais antigos,documentos de cartrio, textos orais,que serviro como fontes histricaspara a construo das identidades in-dividuais e coletivas.

    necessrio resgatar as histrias e cren-as pessoais e coletivas, identif icar eanalisar essas trajetrias como condiode autoconhecimento e construo denovos conhecimentos, pois assim cadaaluno estar se reconstituindo como su-

    jeito. Nessa perspectiva, muitas pergun-tas podero surgir:

    Como surgiu essa comunidade?Quais so as expectativas dos alunos emrelao comunidade?O que eles esperam para o futuro?O que os alunos podem fazer para me-lhorar a comunidade?Qual a sua importncia para o Munic-pio, para o Estado e para o Pas?

    Por se tratar de uma comunidade pes-queira, outras perguntas podero surgir,tais como:

    Quem foi o primeiro pescador que sur-giu nessa regio e em que poca?Como surgiu a primeira colnia e a pri-meira cooperativa?Quem foram seus primeiros represen-tantes?

    No podemos perder de vista, que esta-remos diante de pessoas jovens e adultasque tm um objetivo comum: aprender aler e escrever. Por isso, todas as nossasatividades propostas devero estar volta-das para a leitura e a escrita.

    Pescando maisLeia o texto: GuilhermeAugusto Arajo Fernandesna pgina 82.

    Sai, azarFiguras grotescas entalhadas

    em madeira, as carrancas tambm conhecidas como cabea de proa

    eram originalmente usadaspelos barqueiros do Alto So Francisco

    para a