Alethes
Diagramação: Ana Carolina Rodrigues Defante (colaboração especial) e Maria Gabryela Semeão Lima.
Capa: Edição e montagem de Ana Carolina Rodrigues Defante (colaboração especial) sobre fotografia
vencedora do concurso, de Ana Luiza Brinati Medina, 2018.
Divisórias: Edição e montagem de Ana Carolina Rodrigues Defante (colaboração especial) sobre fotografia
vencedora do concurso, de Ana Luiza Brinati Medina, 2018.
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Alethes: Periódico científico dos graduandos em Direito
da UFJF. N. 16. (2019/1° semestre)
Juiz de Fora: DABC, 2019. Semestral. 1.
Direito – Periódicos
ISSN 2178-1303
_____________________________________________
As opiniões expressas são de inteira responsabilidade de seus autores
Esta publicação conta com o apoio do Diretório
Acadêmico Benjamin Colucci, da Faculdade de Direito
da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Memória
Amar o perdido deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas finas, muito mais que lindas,
essas ficarão.
Carlos Drummond de Andrade
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Colaboração na diagramação
Acadêmica Ana Carolina Rodrigues Defante (UFJF)
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Alethes | 7
Sumário Conselho Editorial | Editorial Board | 1
Sumário | Summary | 5
Editorial | Editorial | 9
Artigos | Articles | 13
A ameaça ao princípio da taxatividade no artigo 233 do código penal brasileiro | The threat of
principal of taxation in the article 233 of the brazilian penal code | 15
Gabriel Sartori Jacob Thales Augusto Andrade Oliveira
A influência da mídia no Tribunal do Júri e a necessidade da observância dos princípios
processuais penais | Influence of the media in the Jury and the importance of compliance with
criminal procedural principles | 31
Brenda Dutra Franco Hugo Vidigal Ferreira Neto Isabella Tostes Teixeira Letícia Montebunhuli Pereira Fiorindo
Ensaios | Essay | 55
Ensaio sobre memória e cidade: o Museu Mariano Procópio e o projeto Vozes da Memória | 57 Ana Beatriz Marques Penna Danielle de Souza Menezes
A tutela das manifestações afro em Juiz de Fora em um breve resgate histórico-cultural | 63 André Paulo da Silva Gabriel Karolyne Guedim Batista Poemas | Poems | 73
Fotografias | Photos | 79
Entrevista | Interview | 85
Normas de Publicação| Publication Norms | 105
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Editorial
Já há algum tempo, notamos que são bastante recorrentes expressões como é com
muita alegria ou é com muita satisfação, e seus congêneres, no início de textos como os que
se propõem a lançar ou apresentar uma nova edição de periódicos como o Alethes, textos
como este. Essa observação sempre veio acompanhada, deve-se admitir, de um certo desdém
pela comicidade com que atingem estas palavras. Ao busca-las para iniciar o texto de
apresentação para esta edição, no entanto, esta miríade de combinações monótonas de
palavras veio à tona com outra significação, que é um tanto mais honesta e, ao mesmo passo,
irônica.
A honestidade da rememoração dispensa explicação complexa. O lançamento da
presente edição, de fato, é motivo de alegria e satisfação, pois nos deixa contentes em
perceber que o trabalho das bastantes poucas pessoas que se dedicam de forma integral na
parte de sua vida que reservam à busca pelo conhecimento e seu compartilhamento traz à
tona, ao fim e ao cabo, um trabalho de excelência e com as melhores qualidades que se
poderia propor a apresentar. Quando se encontra alguns focos de esforço e talento que
convergem para o fim comum o trabalho que individualmente realizam, o resultado que se
obtém, em vezes muito especiais, é aquém e além de todo o esperado.
A presente edição traz uma reunião de exposições de ideias e pensamentos que, cada
um a seu modo, trazem reflexões, impressões e conhecimento organizados em torno da
proposta de pensar a cidade e a memória. Foi nessa jornada de pensar no tempo e no espaço
locais que recebemos fotografias, inclusive a que ilustra a nossa capa, e percebemos que elas
transmitem muito do que o Alethes tem como missão transmitir. Foi também nesse passeio
que tivemos o prazer de conversar com a Professora Elione Guimarães, que, ao contar do
trabalho incrível que realiza preservando a memória da nossa cidade e sua região, nos faz
recordar da forma mais vívida e localmente referenciada o óbvio – toda cidade é histórica. Na
entrevista publicada nesta edição, também compreendemos que este meio traz muito
conhecimento, potencialmente com muita sensibilidade. Traz exatamente muito do que o
Periódico tem para apresentar. Dialogando de forma tangencial o tema da edição, há ainda
neste número os artigos e ensaios enviados por colegas graduandos. Estes trabalhos trouxeram
reflexões de nossos pares que, com coragem e desejo de visar à construção do conhecimento
por meio daquele que já vem angariando e construindo, confiaram a nós as suas inquietações
para o escrutínio dos melhores profissionais da área afim e publicação na presente edição.
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Não nos resta nenhuma dúvida de que estimular e orientar a feitura, receber e publicar os
trabalhos de nossos pares é a missão ímpar da Alethes, e agradecemos àqueles que conosco
construíram esta seção da revista.
A parte irônica já está quase esquecida a esta altura, graças a deus! Ela decorre de
certa tragicidade que acomete o pensamento que percebe que a possibilidade de reunião de
esforços que levaram à efetiva consecução do fim de construção de um objeto parece
depender de uma série de fatores tão singular e ocasional, que parece ser guiada e ora mantida
por uma tênue e invisível linha. É irônico que toda a especialidade decorra de um encontro
que, inevitavelmente, retorna para a fragilidade da incerteza de que surgiu tão logo tenha
produzido os seus efeitos mais mirabolantes. Mas assim é a vida, e assim sempre será a obra
humana. Fazendo malabarismos sobre uma tênue corda também é o caminho do Atlethes, que
se por vezes é o e por vezes é a, é porque é um projeto em construção, tautologia que
representa por excelência aquilo que é esta revista. A Alethes tem a missão de congregar
graduandos que desejem produzir conhecimento e, sobretudo, trazer outros para esta jornada.
Estamos aqui para atuar como um imã, como um fórum, como uma praça pública. Nossa
vocação é reunir alunos para falar e para ouvir. A história, como a ciência, é viva. São feitas a
todo o momento, sejamos ou não parte ativa neste processo.
JACOB, G. S; OLIVEIRA, T. A. A. A ameaça ao princípio da taxatividade no artigo 233 do código penal brasileiro
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A ameaça ao princípio da taxatividade no artigo 233 do código penal brasileiro
The threat of principal of taxation in the article 233 of the brazilian penal code
Gabriel Sartori Jacob1 Thales Augusto Andrade Oliveira2
Resumo O presente artigo tem por meta principal discutir o alinhamento dos princípios penais
da Teoria do Garantismo Penal de Luigi Ferrajoli ao artigo 233 do Código Penal Brasileiro. Para tanto, realizar-se-á uma comparação entre os princípios do Garantismo com o termo “ato obsceno”, presente no referido artigo, a fim de que se possa mostrar como a inobservância do princípio da taxatividade pode gerar uma reação em cadeia que impede que diversos outros princípios sejam concretizados. Depois disso, será feito um estudo de três casos e do Recurso Extraordinário nº 1.093.553 para avaliar, respectivamente, se inexiste taxatividade e se é inconstitucional a norma. Por fim, concluiu-se a alta gravidade proveniente da falta de taxatividade do artigo 233, e que este carece não de exclusão do Código Penal, mas de uma reforma em sua redação.
Palavras-chave: Ato obsceno. Princípio da taxatividade. Garantismo penal.
Abstract The present article aims to discussing the alignment of the criminal principles of Luigi
Ferrajoli’s Criminal Garantism Theory with the Article 233 of the Brazilian Penal Code. To this end, a comparison between the principles of the garantism with the term "obscene act", presented in the said article, will be carried out in order to show how the infringement of the Principal of Taxation can cause a chain reaction that compromises the accomplishment of other principles. After that, a study of three cases and also the Extraordinary Appeal number 1,093,553 will be made to evaluate, respectively, if there is no rate and if the norm is unconstitutional. Finally, it was concluded that there was a high level of severity stemming from the lack of taxation in article 233, and that it lacks non-exclusion from the Penal Code, but a reform in its wording.
Keywords: Obscene act. Principal of taxation. Criminal Garantism.
1 Graduando em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: [email protected] 2 Graduando em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: [email protected]
Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 15-30. 2019/1°semestre.
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Introdução
O presente trabalho tem como escopo a análise do artigo 233 do Código Penal
Brasileiro à luz dos princípios da Teoria do Garantismo Penal de Luigi Ferrajoli, com o
objetivo de incitar a interpretação crítica acerca do artigo 233 do Código Penal.
Pretende-se averiguar a constitucionalidade do dispositivo tendo em vista as
finalidades da pena dentro do sistema garantista e os axiomas construídos pelo autor. Destes
se pode inferir-se os princípios que regem o Direito Penal e limitam o ius puniendi em um
Estado Democrático de Direito, a fim de que a atuação deste não seja autoritária, arbitrária e
excessivamente impositiva, restando a segurança jurídica dos cidadãos resguardada.
Nesse momento, a racionalização do Direito configura-se como sendo manifestação da
própria racionalização estatal e, por isso, cada vez mais necessária à compatibilização entre a
sociedade contemporânea e os Estados. A relação entre o sistema penal garantista e o Estado
Democrático de Direito ficará evidente ao longo da explanação e será a base para a análise do
dispositivo legal, juntamente com a noção de direito penal mínimo, a qual fundamenta todo
raciocínio desenvolvido e estipula, de forma genérica e abrangente, como o Direito Penal
deve ser funcionalizado dentro desse modelo de Estado para a consecução dos fins eleitos
pela sociedade e por ela perseguidos. A sanção penal precisa ser verdadeiramente útil à
coletividade, não bastando apenas ter a aparência de tal.
Entre os princípios mencionados ao longo do texto (tanto penais, quanto processuais
penais), os quais estão intrinsecamente ligados entre si, serão trabalhados com maior destaque
os princípios penais da ofensividade, da economia do direito penal e da legalidade
(juntamente com seus subníveis, a saber, anterioridade, irretroatividade, tipicidade e
taxatividade), mostrando a pertinência lógica e prática existente entre esses e o referido artigo.
Para complementar o trabalho e aclarar ao máximo a explanação, far-se-á breve conceituação
de bem jurídico, elemento central quando se pretende dotar a intervenção penal de sentido e
utilidade dentro de uma sociedade contemporânea.
A partir dessa explicação introdutória, o artigo 233 do Código Penal Brasileiro,
temática do presente artigo, será transcrito e comentado, a fim de que as conclusões
alcançadas se tornem mais compreensíveis e acessíveis ao leitor. Em seguida, serão relatados
três casos semelhantes de prática de ato obsceno, mas em que o tratamento concedido aos
seus autores fora distinto. Nesse momento, a discussão mostrará sua relevância prática e sua
necessidade na atualidade.
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Após, parte-se, devido à sua atualidade, à análise do recurso extraordinário interposto
pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul que vai de encontro à decisão de significativa
repercussão prolatada pela Turma Recursal dos Juizados Especiais Criminais do Rio Grande
do Sul no sentido de absolvição de um indivíduo que havia se masturbado em público,
fundamentada na inconstitucionalidade do art. 233 do CPB. Nesse ponto a conceituação feita
no início do texto mostrará, claramente, sua relevância no debate acerca do tema e nos levará
à indagação: tem o tipo penal em voga legitimidade jurídica na hodiernidade, ou apenas tutela
um bem jurídico já relativizado?
Diante da dúvida sobre a completude e a relevância no mundo fático da norma,
suscitada pela Turma Recursal dos Juizados Especiais Criminais do Rio Grande do Sul, surge
outra questão: é recomendável que haja a completa inconstitucionalidade do dispositivo, ou
que se objetive uma nova redação a ele?
É válido ressaltar que não temos aqui a pretensão de esgotar o tema, mas apenas trazer
alguns conceitos pertinentes ao debate e apontar algumas possíveis soluções, sem afirmar
peremptoriamente a prevalência de uma delas sobre outra; dessa forma, o presente estudo
configura-se como sendo um ponto de partida da discussão e não um ponto de chegada.
1 – Garantismo penal e o estado democrático de direito
A teoria do Garantismo Penal, formulada pelo autor italiano Luigi Ferrajoli, estabelece
limitações ao poder punitivo do Estado, fornecendo, dessa forma, certas diretrizes a serem
seguidas no que se refere à aplicação da lei penal dentro de um Estado Democrático de
Direito (aquele no qual o Poder Público encontra-se substancialmente vinculado às leis, isto é,
limitado por elas e também submetido ao plano processual). Assim, o que os dez axiomas
organizados pelo autor estipulam não são condições suficientes para a aplicação da lei penal,
mas sim condições necessárias para a responsabilização penal dos indivíduos, vinculando a
atuação estatal à observância dos princípios penais; em caso de inobservância, a atuação do
ente estatal é autoritária, absolutista e, por conseguinte, ilegítima dentro do modelo estatal
eleito pelo país. Cada uma das implicações deônticas – ou princípios – de que se compõe todo modelo de direito penal enuncia, portanto, uma condição sine qua non, isto é, uma garantia jurídica para a afirmação da responsabilidade penal e para a aplicação da pena. Tenha-se em conta de que aqui não se trata de uma condição suficiente, na presença da qual esteja permitido ou obrigatório punir, mas sim de uma condição necessária, na ausência da qual não está permitido ou está proibido punir. (FERRAJOLI, 2002, p. 74).
Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 15-30. 2019/1°semestre.
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Os axiomas são prescritivos e não descritivos, estipulando aquilo que deve ocorrer, o
dever-ser do direito penal, ou seja, a prática jurídica deve se aproximar ao máximo dos
comandos extraídos das máximas utilizadas por Ferrajoli, caso isso não ocorra, os cidadãos
ficam vulneráveis a uma atuação arbitrária do Estado e, portanto, indevida. Essa relação entre
o Garantismo Penal, seus princípios e o Estado Democrático de Direito é fundamental e, por
isso, explicitada pelo penalista italiano em diversas passagens de sua obra “Direito e Razão”.
A formulação de axiomas, de máximas garantistas, das quais se pode extrair os princípios,
demonstra a necessária racionalização do Direito Penal a fim de se atender as exigências
necessárias para a concretização de um Estado Democrático de Direito. Em outras palavras, o
Garantismo é o modelo penal a partir do qual o Estado Democrático de Direito pode se
efetivar na realidade fática: ele compatibiliza tal forma de Estado e a aplicação do Direito
Penal.
A partir dos seis primeiros axiomas, infere-se os princípios penais (princípios da
retributividade, da legalidade, no sentido lato ou estrito, da economia do direito penal, da
ofensividade, da exterioridade da ação e da culpabilidade, respectivamente), enquanto dos
quatro últimos, os princípios que devem reger o processo penal (princípios da
jurisdicionariedade, no sentido lato ou estrito, da separação entre juiz e acusação, do ônus da
prova e do contraditório, respectivamente). Os axiomas estão estritamente relacionados uns
aos outros; assim, a inobservância de uma das garantias compromete a concretização de todas
as demais. Para que o sistema garantista funcione da melhor forma possível, todos os
princípios, todas as garantias devem ser asseguradas na maior medida possível. Percebe-se
que o sistema garantista é um complexo de princípios integrados entre si; logo,
desrespeitando-se um dos princípios, não estaremos mais diante do sistema garantista, mas
sim de um novo sistema, como bem assevera o pensador italiano: [...] a lesão de cada garantia, ao estarem concatenados entre si os axiomas de cada sistema, não comporta apenas uma mudança de sistema, mas repercute sobre o conjunto das garantias restantes, debilitando-as ou inclusive, anulando-as. (FERRAJOLI, 2002, p. 82).
Quanto mais fortemente as garantias penais limitam a atuação estatal, mais próximo se
estará de um direito penal mínimo, o qual deve intervir minimamente na vida dos indivíduos,
sendo a última instância (ultima ratio), o último meio a ser utilizado para a proteção de um
bem jurídico (este termo será explanado mais detidamente no capítulo 2), sendo fragmentário,
JACOB, G. S; OLIVEIRA, T. A. A. A ameaça ao princípio da taxatividade no artigo 233 do código penal brasileiro
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tutelando apenas uma parcela específica dos bens da vida (aqueles mais importantes ao
desenvolvimento individual e à manutenção da coexistência coletiva), e subsidiário, devendo
apenas ser acionado quando nenhum outro ramo do Direito ou, até mesmo, fora do Direito
conseguir oferecer uma tutela satisfatória a um bem jurídico. Por meio de um direito penal
mínimo, assegura-se maior liberdade aos cidadãos frente ao arbítrio do Estado (vez que os
atos de poder não são presumidamente regulares ou bons) e também se reforça a segurança
jurídica dentro de uma sociedade, visto que o Estado somente aplicará sanção àquele que
comprovadamente, através de um processo dotado de garantias, seja culpado por um delito
anteriormente tipificado, ou seja, os critérios de condenação são certos, racionais e estão
previamente determinados.
Corroborando com o exposto até o momento, o autor explicita que “A certeza
perseguida pelo direito penal mínimo está, ao contrário, em que nenhum inocente seja punido
à custa da incerteza de que também algum culpado possa ficar impune.” (FERRAJOLI, 2002,
p. 84-85). Em outras palavras, é melhor não penalizar todos os culpados do que correr o risco
de se punir um inocente, por isso o Garantismo estabelece as condições necessárias para a
condenação, todas precisam ser preenchidas para que a aplicação da lei penal seja devida,
lícita, e as condições suficientes para a absolvição, apenas a presença de uma delas já afasta a
responsabilização penal do indivíduo. Se ocorresse de forma oposta, estaríamos diante de um
direito penal máximo (comum em Estados Absolutistas), no qual se considera a hipótese de
um culpado ficar impune tão absurda, que é válido correr o risco de penalizar-se um inocente.
Para uma compreensão mais correta do modelo de Direito Penal proposto por
Ferrajoli, deve-se atentar para as funções que a pena cumpre dentro do Estado. Nesse sentido,
o autor elabora o, por ele denominado, Utilitarismo Reformado, o qual dá um novo sentido às
funções da pena, estas devem ser consideradas dentro de um contexto social realista, ou seja,
que devem considerar a realidade fática existente. As funções da pena deveriam ser
primordialmente duas: evitar o arbítrio estatal, e coibir, inibir o cometimento de crimes por
parte dos cidadãos (prevenção geral negativa). A partir delas, ocorreria, também, como
consequência, o impedimento da vingança privada. Dessa forma, a aplicação de uma pena a
um indivíduo somente seria devida quando ela se mostrasse apta a preencher todos esses
requisitos, apta a realizar todas essas funções; sendo assim, útil à sociedade.
Entre as garantias do cidadão em face do arbítrio estatal esquematizadas por Ferrajoli,
trataremos mais especificamente os princípios da legalidade, tanto em seu sentido lato quanto
estrito, da economia do direito penal e da ofensividade.
Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 15-30. 2019/1°semestre.
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1.1 – Princípio da legalidade
O princípio da legalidade possui duas acepções, uma em sentido amplo, também
denominada “mera legalidade”, e outra em sentido estrito. A primeira diz respeito à análise da
passagem de forma válida do dispositivo legal por todos os procedimentos necessários para
sua legitimação, focando, principalmente, nas formalidades do processo legislativo (condição
de vigência da lei). Quando uma norma respeita o princípio da legalidade em sentido amplo,
ela atende aos requisitos legais necessários para a sua existência, adquirindo validade formal.
Já a segunda relaciona-se à averiguação de compatibilidade do dispositivo com os Direitos
Fundamentais de um Estado, aqui o que importa é o conteúdo da norma (condição de
legitimidade das leis vigentes). Quando uma lei é compatível com a Constituição em seu
substrato, ela tem validade material ou substancial. Por vezes, a norma penal é dotada de
legalidade em sentido amplo, sendo vigente em um país, porém não apresenta legalidade em
sentido estrito, sendo em seu conteúdo, em sua aplicação prática, incompatível com a
Constituição.
Alguns autores, como Assis Toledo (1994), utilizam os termos “princípio da
legalidade” e “princípio da reserva legal” como sinônimos. Enquanto outros pensadores,
como Bitencourt, fazem uma diferenciação entre as expressões. Para o renomado penalista, o
princípio da legalidade determina que
[...] a elaboração de normas incriminadoras é função exclusiva da lei, isto é, nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente. (BITENCOURT, 2017, p. 53)
Por outro lado, o princípio da reserva legal “[...] significa que a regulação de
determinadas matérias deve ser feita, necessariamente, por meio de lei formal, de acordo com
as previsões constitucionais a respeito.” (BITENCOURT, 2017, p. 53). Percebe-se que o
princípio da legalidade é, de certa forma, um prolongamento da reserva legal, pois, sendo
positivado em lei formal, o dispositivo precisa, ainda, ser claro e preciso e ser aplicado apenas
a condutas cometidas durante sua vigência (exceto se a lei posterior for benéfica ao réu) para
que respeite o princípio da legalidade. A distinção entre os dois princípios é tênue, por isso,
muitos autores os utilizam como sinônimos.
O princípio da legalidade apresenta quatro subprincípios, são eles: anterioridade,
irretroatividade, tipicidade e taxatividade. O primeiro postula que a criação do tipo penal e a
JACOB, G. S; OLIVEIRA, T. A. A. A ameaça ao princípio da taxatividade no artigo 233 do código penal brasileiro
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cominação da pena devem ocorrer anteriormente ao cometimento do fato, a fim de
salvaguardar a segurança jurídica, ou seja, resguardar a previsibilidade das possíveis
consequências diante da prática de um ato por parte do cidadão. O segundo estabelece que a
lei penal somente retroagirá ao tempo do fato, caso seja benéfica ao réu, do contrário, sua
eficácia fica restrita ao período de sua vigência. O terceiro propugna pela positivação dos
crimes em forma de tipos penais (modelos abstratos de comportamento proibido), com os
preceitos primário e secundário, seguindo o modelo adotado pelo Código Penal. O quarto
determina que as leis devam ser positivadas de forma clara, objetiva e precisa, o texto legal
deve, assim, evitar ao máximo o uso de expressões polissêmicas, que possam dar margem a
existência de interpretações distintas. Nota-se que todos os subprincípios concorrem para a
proteção da segurança jurídica dos destinatários da lei, por meio da limitação da atuação
estatal através do estabelecimento de requisitos para a aplicação da lei penal. De outra forma
elucida o consagrado autor: “[...] os tipos legais de crime constituem verdadeira autorização
primária para que o Estado possa intervir em certas áreas reservadas, na esfera da liberdade
individual.” (TOLEDO, 1994, p. 24).
1.2 – Princípio da economia do direito penal
Como o próprio nome indica, tal princípio almeja que os tipos penais e suas
correspondentes sanções somente existam em casos que realmente sejam necessários, em
casos que a tutela do bem jurídico seja realizada da melhor forma possível através do direito
penal. Dessa forma, caso a proibição seja supérflua, sem uma utilidade para a coletividade;
quando a tipificação não proteger nenhum bem jurídico; quando a pena for desmedida em
proporção ao bem jurídico que se procura preservar com a norma incriminadora; ou em casos
em que a sanção penal poderia ser substituída por uma civil ou administrativa, sem que a
tutela do bem jurídico fosse prejudicada, está-se diante de um desrespeito ao princípio da
economia do direito penal. É válido ressaltar que o princípio em comento relaciona-se
intimamente ao princípio da intervenção mínima, do qual são corolários os princípios da
subsidiariedade e da fragmentariedade, já mencionados durante a explanação sobre a Teoria
do Garantismo Penal.
1.3 – Princípio da ofensividade
Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 15-30. 2019/1°semestre.
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Um dos princípios de maior destaque na atualidade, o princípio da ofensividade
determina que apenas aquelas condutas (ações ou omissões) que efetivamente lesam ou
colocam em perigo de lesão um bem jurídico penalmente tutelado são dotadas de relevância
penal, isto é, somente os autores de tais condutas lesivas devem arcar com a drástica
intervenção do Direito Penal, somente nesses casos a imposição de sanções por parte do
Estado é legítima. Como bem explica Bitencourt, “somente se justifica a intervenção estatal
em termos de repressão penal se houver efetivo e concreto ataque a um interesse socialmente
relevante, que represente, no mínimo, perigo concreto ao bem jurídico tutelado.”
(BITENCOURT, 2017, p. 64).
O princípio da ofensividade apresenta aplicabilidade em dois momentos distintos:
durante a elaboração do tipo penal e na interpretação dos fatos no caso concreto. No primeiro
momento, fica evidente a função de limite ao poder punitivo do Estado, pois o legislador
somente poderá tipificar aquelas condutas que, abstratamente, sejam dotadas de conteúdo
lesivo relevante. Já no segundo, o que se limita é a possibilidade de aplicação de penas por
parte do julgador; mesmo que, abstratamente, a conduta seja considerada ofensiva, é
necessário que a análise dos fatos confirme a lesividade da mesma no caso concreto. Tal
análise deve partir da averiguação de exterioridade da conduta (se a conduta deixou o plano
das ideias e avançou no “itinerário do crime” até o momento da execução, tornando-se externa
ao indivíduo) e de alteridade da mesma (se ela atinge a esfera de direitos de outrem). Essa é,
nos termos usados por Bitencourt, a dupla função do princípio da ofensividade no Direito
Penal no Estado Democrático de Direito (função político-criminal e função interpretativa,
respectivamente).
Ao contrário do supracitado autor, que difere os princípios da exclusiva proteção dos
bens jurídicos e da ofensividade: [...] no princípio da exclusiva proteção dos bens jurídicos, há uma séria limitação aos interesses que podem receber a tutela do Direito Penal; no princípio da ofensividade, somente se admite a configuração da infração penal quando o interesse já selecionado (reserva legal) sofre um ataque (ofensa) efetivo, representado por um perigo concreto ou dano. (BITENCOURT, 2017, p. 66).
Adotaremos o entendimento de que o próprio princípio da ofensividade estipula a
limitação de o Direito Penal tutelar valores morais, éticos e religiosos. Dessa forma, pode-se
depreender, a partir do princípio analisado, limitações materiais à possibilidade de aplicação
da reprimenda penal aos indivíduos, são elas: impossibilidade de punir condutas meramente
imorais e que não afetam a nenhum bem jurídico; impossibilidade de punir violação de
JACOB, G. S; OLIVEIRA, T. A. A. A ameaça ao princípio da taxatividade no artigo 233 do código penal brasileiro
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postura ou comportamento social ou dever de etiqueta; impossibilidade de proibições
meramente ideológicas; impossibilidade de punir o modo de ser, o direito de ser;
impossibilidade de punir atos preparatórios do crime e situações em que a consumação é
impossível. Em todas essas situações, não há bem jurídico dotado de dignidade penal a ser
tutelado; logo, caso fossem tipificadas tais condutas, ocorreria a inobservância da função
político-criminal do princípio da ofensividade e, por conseguinte, este restaria desrespeitado.
Justamente em virtude de limitar a atuação legislativa no sentido de proibir a tipificação de
condutas que não carregam conteúdo lesivo, é que o próprio princípio da ofensividade impõe
essas limitações à aplicação da sanção penal aos cidadãos.
2 – Análise do artigo 233: a problemática do artigo e o bem jurídico tutelado
Pretende-se nesse item, por meio da metodologia de inferência causal3, cunhada por
Lee Epstein e Gary King, verificar a lesão a outros princípios quando o da taxatividade não é
cumprido.
Ao se fazer a leitura do artigo 233, presente no Capítulo VI do Código Penal
Brasileiro (“Do Ultraje Público ao Pudor”), tem-se a pena de detenção de três meses a um
ano, ou multa ao “praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público”4.
Em face dos princípios garantistas já explanados, a problemática do presente artigo assenta-se
na imprecisão técnica gerada pelo termo “ato obsceno”, que provoca consequências de
inúmeras naturezas. Analisar-se-á a seguir, após breve explanação de bem jurídico, a
discussão entre a falta do princípio da legalidade consubstanciado na taxatividade do artigo
233 e o princípio da lesividade.
Seria um tanto quanto pretensioso conceituar prontamente “bem jurídico”, em face da
infindável discussão acerca do que se trata esse ente que para alguns é protegido pelo Direito
Penal, e que para outros é um elemento justificante da intervenção. Ao longo dos anos,
diversos juristas, como Feuerbach, Birnbaum, Binding, Von Liszt e Welzel tentaram
conceituar bem jurídico, e até mesmo a filosofia neokantiana buscou dar-lhe uma precisão
teórica (BUSATO, 2015). Entretanto, dentro do recorte teórico que aqui está sendo utilizado,
e a fim de considerar a intervenção mínima do Direito Penal, convém nos alinharmos tanto à
corrente de viés mais abstrato, que entende bem jurídico como “[...] uma diretriz normativa,
uma referência de recorte da intervenção. [Logo] Não basta que exista um bem jurídico para
3 A inferência causal é um método que analisará se um fator (variável causal) dá origem a um novo evento. 4 Decreto-lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
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estar justificada a intervenção penal, mas ela não pode estar justificada senão guardando
referência a um bem jurídico” (SCHÜNEMANN, 1975, p. 258 apud BUSATO, 2015, p. 368),
quanto à que considera bens jurídicos “como valores ideais da ordem social nos quais
descansam a segurança, o bem-estar e a dignidade da coletividade.” (JESCHECK, 1993, p.
234 apud BUSATO, 2015, p. 366)
A partir de uma síntese entre as duas definições, tem-se bens jurídicos como valores
ideais da ordem social eleitos para ingressar uma diretriz normativa de intervenção penal.
Logo, pode-se entender que o bem jurídico tutelado pelo artigo 233, o “pudor público”
(GRECO, 2017), advém da importância em resguardar valores morais e sociais eleitos pelo
Código Penal de 1940, e que se desrespeitados, justificam a intervenção do Direito Penal.
No entanto, resta claro que os valores ideais que compuseram a diretriz normativa do
artigo 233 muito se modificaram ao longo de um lapso temporal de quase oitenta anos entre a
publicação do Código Penal e os dias atuais. Em face da evolução das relações sociais, da
eleição de novos valores e dos adventos tecnológicos, é indubitável que o “pudor público”
não carrega consigo a mesma relevância que possuía na publicação da lei. Esse bem jurídico,
no entanto, não é totalmente relativizado. Caso o fosse, estar-se-ia aqui discutindo a
desnecessidade dos artigos 233 e 234 do Código Penal, e do artigo 61 da Lei das
Contravenções Penais, por exemplo, os quais resguardam o pudor público. A hipotética
revogação dos referidos artigos em detrimento da suposta inutilidade do bem jurídico tratado
acima traz à tona questões alarmantes, como a não punição da conduta de ejaculação
direcionada a passageiros de transporte público, caso de notoriedade no ano de 2017 que foi
considerado como importunação ofensiva ao pudor5 (art. 61, Lei das Contravenções Penais).6
O que aqui se discute no âmbito da ofensividade é a ameaça que esta pode sofrer
diante da falta de taxatividade do artigo 233, conforme a já explanada interdependência entre
as garantias, que gera lesão em cadeia quando uma delas não é observada. O ferimento ao
princípio da ofensividade não está assim ligado à inutilidade do bem jurídico “pudor público”,
mas condicionado à não observância do princípio da legalidade consubstanciado na
taxatividade referente ao termo “ato obsceno”, que ignora a inexistência de um padrão moral
médio na sociedade brasileira hodierna (NUCCI, 2017), e mantém nebulosas as condutas
realmente ofensivas ao pudor público atualmente.
5 Processo físico nº 00765655920178260050, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 6 Atualmente, no entanto, a Lei 13.718/2018 revogou o art. 61 da Lei das Contravenções Penais, incluindo no Código Penal o crime de importunação sexual (art. 215- A) com sanção proporcional.
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A seguir, realizar-se-á um estudo de três casos que auxiliarão no debate acerca das
implicações da escassez de taxatividade do artigo 233.
3 – Análise de casos: consequências da falta de taxatividade
Pretende-se aqui, a fim de se analisar os itens 3 e 3.1, realizar uma inferência
descritiva7, para usar novamente a expressão de Epstein e King.
Para que se configure o ato obsceno, dois elementos devem estar presentes na conduta
tipificada no art. 233, de acordo com Rogério Greco (2017): a conduta de praticar um ato
considerado ofensivo ao bem jurídico do pudor, e a prática em lugar público, ou aberto ao
público, ou exposto ao público. De acordo com Greco, lugar público é aquele ao qual todos
têm acesso irrestrito, como no caso das praças, ruas, avenidas, viadutos, parques, etc.; aberto
ao público é aquele em que, embora com certa restrição, o acesso ao público é permitido,
como acontece com os cinemas, teatros, museus, igrejas, etc.; exposto ao público é aquele
lugar em que, embora podendo ser considerado privado, permite que as pessoas presenciem o
que nele se passa, como acontece, por exemplo, com as varandas dos apartamentos, quadras
de esportes existentes no interior dos prédios, onde todos os vizinhos têm acesso através de
suas janelas.
Em julho de 2017, o artista performático conhecido como Maikon K foi detido pela
Polícia Militar do Distrito Federal pela prática de ato obsceno em frente ao Museu Nacional
da República em Brasília, um espaço utilizado para exposições itinerantes de artistas
renomados, e que pode considerado como lugar público. A apresentação do artista consistia
em cobrir o corpo nu com um líquido que aos poucos se resseca, e depois de um tempo
romper a casca que havia se formado. Maikon K foi levado pela polícia à 5ª Delegacia de
Polícia na Asa Sul, e foi obrigado a assinar um termo circunstanciado por “praticar ato
obsceno'', para que pudesse ser liberado.8
Outra ocorrência de ato obsceno que ganhou notoriedade nas mídias foi o caso de
Roberta da Silva Pereira, ativista da “Marcha das Vadias” que foi condenada em julho de
2016 a três meses de prisão, convertidos em multa no valor de mil reais, por ter exposto os
seios durante protesto do grupo feminista em 2013 na cidade Guarulhos, São Paulo. Acusada
de ato obsceno em lugar exposto ao público, Roberta moveu recurso ao Tribunal de Justiça de 7 As inferências descritivas são usadas para produzir fatos novos a partir de fatos já conhecidos. 8 Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/performer-tem-sua-obra-interrompida-e-detido-pela-pm-de-brasilia-21598264> Acesso em 18 de julho de 2018.
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São Paulo (TJ-SP), que foi negado por dois votos a um. A defesa de Roberta informou que
deve levar o caso ao Supremo Tribunal Federal por considerar que as duas decisões judiciais
do processo violam princípios constitucionais. 9
Entretanto, no carnaval de 1989, mais de vinte anos antes dos exemplos anteriores,
Enoli Lara desfilou pela União da Ilha exibindo o primeiro nu frontal da história da Marquês
de Sapucaí, lugar que sediava um espetáculo, que fora ter sido televisionado, era aberto ao
público10. Seguindo a lógica construída por Rogério Greco, a conduta de Enoli Lara, além de
conter o elemento de prática em lugar aberto ao público, continha a obscenidade mais incisiva
que nos casos supracitados, uma vez que, caracterizada da deusa romana Afrodite, a artista
simulava gestos sexuais. No entanto não houve condução policial, ou processo movido contra
ela, apenas uma restrição no regulamento interno do desfile na Sapucaí que proibia a nudez.
Porém isso não impediu que diversos outros casos de nudez se repetissem na avenida ao
longo dos anos, praticados pelas escolas Grande Rio, Imperatriz Leopoldinense, Beija-Flor,
Salgueiro, dentre outras, e que, da mesma forma, passaram ilesos à intervenção do dispositivo
do Código Penal.
Embora tenha se analisado somente três casos, eles indicam que há uma tendência em
se julgar arbitrariamente diante da obscuridade técnica. A desuniformidade da incisão do art.
233 nos casos citados demonstra o confronto entre liberdade de expressão e ofensa ao pudor
que é passível de ocorrer devido à imprecisão técnica de “ato obsceno”. A fim de que se
propugne um alinhamento da norma penal com um Estado Democrático de Direito, e com a
Constituição Federal, há que se reduzir a vaguidade do termo “ato obsceno”, impedindo que a
livre manifestação do pensamento (artigo 5°, inciso IV, Constituição Federal), e que a
dignidade humana (artigo 1°, inciso III, Constituição Federal), princípio sobre o qual se funda
todo o Estado, sejam vítimas do arbítrio estatal. Há que se considerar que a vaguidade do
termo é diretamente proporcional à possibilidade de amplidão da intervenção do Direito
Penal, vez que a ausência de taxatividade dá margem a múltiplas interpretações advindas do
arbítrio, fato que contraria a pretensão de alcance de um Direito Penal de intervenção mínima.
Está claro que a falta de taxatividade [...] comporta uma contaminação subjetivista dos pressupostos de fato da pena, e em consequência, um enfraquecimento de todas as demais garantias e a estrita jurisdicionariedade de SG (sistema garantista)
9 Disponível em: <https://ponte.org/ativista-e-condenada-por-participar-de-performance-na-marcha-das-vadias/> Acesso em 13 de julho de 2018. 10 Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2014/noticia/2014/01/virei-um-mito-diz-1-mulher-desfilar-nua-no-carnaval-do-rio-ha-25-anos.html> Acesso em 10 de julho de 2018.
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decaem, em S1 (sistema não garantista), à mera legalidade e à mera jurisdicionariedade. (FERRAJOLI, 2002, p. 79)
Como exemplificado anteriormente, a aplicação do dispositivo não tem sido consoante
em todos os casos, infelizmente essa é uma realidade comum a tantos outros tipos penais.
Muitas vezes o que determina a condenação ou a absolvição é o contexto no qual o indivíduo
se encontrava, sua classe social, o interesse de detentores de poder e de influência nas
decisões judiciais, entre outros fatores.
Em se tratando de manifestações artísticas, deveriam ter os casos de Maikon K e Enoli
Lara resoluções distintas, já que ambas as expressões se assentavam em ambientação pública?
Quão perverso pode ser condenar alguém por se manifestar, por protestar – utilizando seu
corpo para tanto – contra um modelo de opressão, e ter em resposta mais opressão e
repressão? Será que, nesse caso, “ato obsceno” pode ser englobante a ponto de permitir que
um protesto afete o bem jurídico “pudor público" de forma mais relevante do que tenha
assegurada a livre manifestação do pensamento? Nos parece que a nudez parcial para
simbolizar um protesto não é um ato gravoso atualmente a ponto de causar, de fato, um dano
à pessoa em específico ou à coletividade. A tipificação da conduta de Roberta da Silva Pereira
se assemelha muito mais a uma arbitrariedade do poder por aproveitamento da plasticidade do
termo “ato obsceno”, do que a uma prática realmente lesiva.
Mesmo se admitindo a possibilidade de o bem jurídico “pudor público” – que não tem
a mesma relevância que possuía há 78 anos– ter sido lesado ou colocado em perigo de lesão
nos casos concretos, já que algumas pessoas que assistiram a tais exibições podem ter se
sentido constrangidas no momento em que ocorreram, surgem questionamentos mais
abstratos, mas não por isso menos importantes: será que tais atitudes devem ser incriminadas,
em outras palavras, é compelido unicamente ao direito penal –que realiza uma drástica
intervenção na vida das pessoas– que deve ser mínimo, fragmentário subsidiário, tutelar esse
bem jurídico? É razoável que pessoas sejam apenadas por terem praticado tais condutas?
Outros ramos do Direito poderiam conceder uma tutela satisfatória a esse bem jurídico? O
bem jurídico em questão tem dignidade penal, isto é, a conduta tem conteúdo lesivo relevante
para o Direito Penal? Todos esses questionamentos devem estar presentes quando se pretende
realizar uma análise com seriedade das aplicações e funções da pena dentro de um Estado
Democrático de Direito.
Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 15-30. 2019/1°semestre.
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3.1 – Recurso extraordinário nº 1.093.55311
No ano de 2017, foi imputada a um indivíduo no Rio Grande do Sul a conduta de
praticar ato obsceno, sob a justificativa de que havia se masturbado em via pública, exibindo
seus órgãos genitais a diversos transeuntes que passavam no momento. Em primeiro grau, foi
o réu condenado pela prática do crime previsto no art. 233 do Código Penal a uma pena
privativa de liberdade de quatro meses de detenção em regime aberto, substituída por pena
restritiva de direitos de prestação de serviços à comunidade, pelo período da pena privativa de
liberdade, durante seis horas semanais. Após a defesa interpor recurso, foi ele provido pela
Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Sul,
que emitiu um acórdão que alegava a inconstitucionalidade do artigo 233 do Código Penal,
por traduzir violação ao princípio da reserva legal (art. 5º, XXXIX, da CF), consubstanciado
na taxatividade, vez que o tipo penal, excessivamente aberto, não precisava quanto ao
elemento “ato obsceno”. Alegou a Turma Recursal que era possível ao legislador ter sido
mais esclarecedor para a determinação das condutas que podem ser tidas por obscenas, e o réu
foi absolvido, sob a consignação de ser atípica sua conduta.
Sendo assim, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul interpôs um
recurso extraordinário contra o acórdão prolatado pela Turma Recursal, sendo inserido no
sistema eletrônico da repercussão geral em 9 de março de 2018 e tendo como relator o
ministro Luiz Fux. Entendeu o Ministério Público que a decisão do órgão colegiado viria a se
tornar uma tendência e acabaria por vincular os juízos de piso a se alinharem com a
orientação de declarar a atipicidade de atos obscenos, provocando o arquivamento de
expedientes policiais que lhes forem submetidos. Proclamou também o Ministério Público
que a exclusão do art. 233 do ordenamento brasileiro acabaria por provocar mais danos que a
sua manutenção, uma vez que fragilizaria a tutela de um bem jurídico atrelado à moralidade e
aos bons costumes, e traria prejuízo à sociedade. Defendendo não haver ferimento ao
princípio da taxatividade, dada à complexa realidade social, esclareceu o referido órgão que
era perfeitamente possível extrair da norma a tipicidade da conduta do réu, tendo a Turma
Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Sul agido
inadequadamente ao declarar a inconstitucionalidade, quando poderia ter feito uso de outros
instrumentos de controle da constitucionalidade para harmonizar a norma do Código Penal
com o princípio constitucional tido por violado. O Ministério Público do Estado do Rio
11 Inteiro teor do acórdão do STF disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5311709>
JACOB, G. S; OLIVEIRA, T. A. A. A ameaça ao princípio da taxatividade no artigo 233 do código penal brasileiro
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Grande do Sul interpôs o recurso extraordinário com base no art. 102, inciso III, alínea “a”, da
Constituição Federal, considerando a contrariedade ao disposto no art. 5º, inciso XXXIX, e ao
princípio da separação dos poderes (art. 2º da Constituição Federal). É de suma importância
que a discussão da inconstitucionalidade do art. 233 tenha chegado, mesmo que por recurso
extraordinário –logo não possuindo força para modificar o texto do artigo– ao Superior
Tribunal Federal, de forma a conquistar visibilidade a nível nacional.
Sob um ponto de vista garantista, pode-se dizer que a decisão da Turma Recursal
considerou o ferimento do art. 233 à legalidade em seu sentido estrito. Entendendo a
incompatibilidade do substrato do artigo com a Constituição, que aspira ao princípio da
legalidade (art. 5°, inciso XXIX, Constituição Federal), alegou o colégio sua
inconstitucionalidade, devendo sua legalidade formal (lato sensu) ser suspensa.
No entanto, como já se observou no presente trabalho, o bem jurídico “pudor público”
ainda resguarda importância e relevância atualmente. A revogação do dispositivo do Código
Penal às custas unicamente da taxatividade, um déficit que percebemos poder ser superado,
traria um efeito indesejado, porquanto o princípio penal da ofensividade reside, ainda que não
de forma tão latente, no artigo 233. Com a retirada do dispositivo do ordenamento pátrio, a
sociedade acreditaria estar diante de um absurdo legal, vez que entenderia que o “pudor
público” transformou-se em um bem jurídico ausente de significado valorativo, e indigno de
cobertura penal. Assim presumindo, teria então receio de que os demais artigos que tutelam
tal bem jurídico deixariam de existir. Dessa forma, resta claro que o dispositivo aguarda uma
reforma, talvez advinda de uma revisão integral aguardada pelo Código Penal à luz da
Constituição de 1988 e de institutos mais modernos do direito. (NUCCI, 2017)
Conclusão
Dando margem ora a interpretações mais restritas, ora a mais abrangentes, conclui-se
que a vagueza do termo “ato obsceno” municia o juiz de uma discricionariedade que não lhe é
devida, sendo esse um dos absurdos que se pretende coibir ao aplicar-se os princípios
garantistas e ao adotar-se o modelo de Estado Democrático de Direito. A arbitrariedade que é
passível de ser empregada no mundo fático por uma interpretação indevida dos aplicadores do
direito provoca a insegurança jurídica, deixando os cidadãos vulneráveis à atuações
casuísticas, o que confirma a hipótese de alta gravidade da ausência de taxatividade no artigo
233 para a sociedade.
Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 15-30. 2019/1°semestre.
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É válido ressaltar que não se busca aqui a defesa dos autores de toda e qualquer
conduta obscena, mas apenas explicitar que, em alguns casos, o dispositivo tem sido usado de
forma a reprimir manifestações artísticas e também protestos, o que não é cabível, pois não se
respeita as finalidades da pena propostas por Ferrajoli.
Em uma interpretação mais abrangente, o artigo 233 do Código Penal seria
inconstitucional por violar o princípio da legalidade, em seu subnível taxatividade. No
entanto, tendo em vista possível prejuízo social frente à falta de tutela do bem jurídico do
“pudor público”, é mais seguro manter o artigo, contrariando a hipótese que almejava sua
inconstitucionalidade. A melhor alternativa que se apresenta é a reformulação de sua redação,
a fim de delimitar com mais precisão e clareza o âmbito de abrangência de “ato obsceno”,
além de excluir da incidência do tipo condutas que se relacionem, comprovadamente (não
basta a mera alegação de que o intuito da ação era artístico, pois estar-se-ia concedendo uma
tese de defesa pronta para a generalidade de autores do crime), a manifestações artísticas ou
protestos, os quais detém, dentro do ordenamento brasileiro, relevância e proteção.
Referências
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 23. ed. Editora Saraiva, 2017. BUSATO, Paulo César. Direito penal: parte geral/Paulo César Busato. 2. ed. São Paulo: Atlas. 2015. EPSTEIN, Lee. KING, Gary. Pesquisa empírica em direito [livro eletrônico]: as regras de inferência. São Paulo: Direito GV, 2013 (Coleção acadêmica livre) 7 Mb; título original: The rules of inference. – Vários tradutores. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 6. ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2002. GRECO, Rogério. Código Penal comentado. 11. ed. Editora Impetus, 2017. NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito penal: parte geral: art. 1º a 120 do Código Penal. Editora Forense, 2017. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a Lei n. 7.209, de 11-7-1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5. ed. Editora Saraiva, 1994.
FRANCO, B. D. Et al. A Influência da mídia no Tribunal do Júri e a necessidade da observância dos princípios processuais penais
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A influência da mídia no Tribunal do Júri e a necessidade da observância dos princípios processuais penais
Influence of the media in the Jury and the importance of compliance with criminal procedural principles
Brenda Dutra Franco1
Hugo Vidigal Ferreira Neto2 Isabella Tostes Teixeira3
Letícia Montebunhuli Pereira Fiorindo4
Resumo O cerne deste trabalho é observar a atuação do Estado Democrático de Direito na
contemporaneidade sob a ótica das implicações da mídia no âmbito do Tribunal do Júri, e como isso pode influenciar negativamente no julgamento, pelo Conselho de Sentença. Este tema mostra-se importante pois ressalta a observância dos princípios processuais para o julgamento justo e imparcial, sendo analisada a globalização e a influência da mídia em toda sociedade. Aborda os princípios do processo penal como imparcialidade, verdade real, publicidade e presunção da inocência e sua aplicação em julgamentos criminais.
Palavras chave: Princípios do processo penal. Influência da Mídia. Conselho de Sentença. Tribunal do Júri. Abstract
The aim of this article is to observe the contemporary Democratic State's role by the view of the implications of the media in the Jury, and how this may negatively influence the judgment of the jury. This topic of discussion is important because it highlights the observance of procedural principles for a fair and impartial view, besides the analysis about the globalization and the influence of the media in the society. Followed by a research of the principles of criminal procedure such as as impartiality, pursuit of truth, publicity and presumption of innocence and your application in the jury.
Keywords: Fair trial principles. Influence of the Media. Jury Trial.
1Graduanda do 6° período da Faculdade de direito da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF, estagiária do Departamento de Procuradoria do Patrimônio, Urbanismo e Meio Ambiente (DPPUMA), membro do grupo de pesquisa de Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do UniCEUB-Brasília-DF. [email protected] 2Graduando do 6º período da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF, estagiário do Ministério Público de Minas Gerais, Monitor de Teoria do Direito Penal II, membro do grupo de pesquisa “Empresa, desenvolvimento e responsabilidade”. [email protected] 3Graduanda do 6° período da Faculdade de direito da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF, estagiária do escritório de advocacia “Jabour & Oliva Sociedade de Advogados”, membro do grupo de pesquisa “Empresa, desenvolvimento e responsabilidade”. [email protected] 4Graduanda do 6º período da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF, participante do projeto de extensão “Tutela Jurídica da Pessoa com Deficiência”, Integrante do “Núcleo de Extensão e Pesquisa em Ciências Criminais- NEPcrim”. [email protected]
Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 31-54. 2019/1°semestre.
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Introdução
Este artigo trata sobre a influência da mídia na decisão do Conselho de Sentença nos
julgamentos submetidos ao Tribunal do Júri.
É direito subjetivo daqueles que se encontram na posição de réu um julgamento
criminal justo e imparcial, pautado em princípios como publicidade, verdade real, presunção
de inocência, imparcialidade do juiz. Neste sentido, conforme preceitua Guilherme de Souza
Nucci (2013, p. 837), “não há possibilidade de haver um julgamento justo com um corpo de
jurados parcial”.
A necessidade da observância e aplicação dos princípios processuais se faz necessária
e é ressaltada por renomados doutrinadores, como, por exemplo, quando explicam o princípio
da presunção de inocência, esclarecendo que ninguém deve ser considerado culpado enquanto
ainda houver dúvida sobre sua culpa ou inocência, por ser um “ato de fé na pessoa”.
(TOURINHO FILHO, 2017)
Já outro princípio de grande relevância, e não menos importante, é o da publicidade
que garante acesso a todo cidadão aos atos praticados no processo e asseguram a
transparência da Justiça. Neste sentido o cidadão se encontra protegido de excessos ou
arbitrariedades pois foi lhe dada a oportunidade de fiscalizar o poder judiciário. (LIMA, 2016)
Quanto à organização do artigo, pode-se dizer que primeiro item versará sobre o
fenômeno da globalização, de forma a abordar os diferentes aspectos midiáticos e seu
concernente poder de influência em julgamentos criminais. Inicialmente, será realizada uma
análise acerca da evolução histórica e do desenvolvimento perpassado pela sociedade, para
que, assim, possamos compreender com maior clareza como alcançamos essa atual conjuntura
que, inclusive, se caracteriza como a sociedade da informação. Posteriormente, será
estabelecida e explicitada a correlação entre a maximização dos meios de comunicação e a
sua respectiva interferência nos processos de competência do Tribunal do Júri.
No segundo item a abordagem será pautada nos princípios processuais penais, os quais
buscam garantir os direitos de todos os indivíduos, e na sua aplicabilidade no momento dos
julgamentos criminais.
No terceiro item há o trato da dinâmica do Tribunal do Júri visto de uma maneira
problematizada do ponto de vista criminológico. Tem-se uma análise da influência da mídia
sobre os jurados e Conselho de Sentença, a partir da sociedade do risco e do medo
institucionalizado naqueles que são os juízes naturais do júri.
FRANCO, B. D. Et al. A Influência da mídia no Tribunal do Júri e a necessidade da observância dos princípios processuais penais
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No quinto item será realizada uma estudo sobre as garantias processuais penais e as
possíveis medidas que podem ser adotadas para que se tenha a instauração de um julgamento
criminal justo e imparcial.
E, por fim, será feito o estudo do caso, do jovem que foi encontrado morto perto de
uma boate de Juiz de Fora. O mesmo será explicado detalhadamente ao longo do trabalho.
Todavia, agora cumpre salientar que o caso foi escolhido para o presente trabalho, uma vez
que o fato teve grande repercussão na mídia local, e, apesar de ter ocorrido em 2015, ainda
não houve julgamento. Sendo ainda apresentada uma possível solução para este caso em
específico.
Com relação à metodologia, a investigação deve ser classificada como descritiva, pois
retrata as características do tema a ser apresentado. O estudo proposto pode ser considerado
como uma pesquisa bibliográfica, para servir de base para a análise do caso fático. Além
disso, será orientado por uma abordagem qualitativa em que os autores farão análise das
reportagens que foram divulgadas à época do fato, com o intuito de inferir se foram
imparciais ou se tinham o condão de influenciar a opinião de possíveis jurados, além de
buscar conceitos e princípios norteadores do processo penal.
1 – Globalização e mídia com poder de influência em julgamentos criminais
Quando mencionamos o processo de globalização, é importante atentar para a
relevância e os impactos das revoluções industriais, as quais se encarregaram por,
gradualmente, consolidar o capitalismo enquanto modelo econômico dominante, isso em
escala mundial. (GARCIA, 2008)
A Terceira Revolução Industrial, que teve termo inicial meados do século XX, se
destaca como o marco mais recente de transformação dos sistemas informacionais, haja vista
que a também denominada Revolução Técnico-Científica-Informacional. Trouxe consigo uma
série de inovações. Tais reformas foram imprescindíveis para a ascensão do fenômeno da
globalização, o qual assegurou que os meios de comunicação tivessem pleno
desenvolvimento, possibilitando que as distâncias fossem verdadeiramente encurtadas, uma
vez que tanto as pessoas, quanto às informações, têm circulado com maior velocidade e
facilidade por todo o mundo. É possível afirmar que as inovações tecnológicas e científicas
não transformam apenas o setor industrial e o “informacional”, mas implicam alterações,
também, nas relações humanas estabelecidas entre os indivíduos dentro de nossa sociedade.
(CASTELLS, 2003)
Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 31-54. 2019/1°semestre.
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Nesse contexto de proliferação dos meios de comunicação em massa, o acesso à
informação se tornou demasiadamente facilitado. Ao mesmo tempo que tais mecanismos
servem para concretizar o direito fundamental à liberdade de expressão e informação, por não
haver um controle prévio sobre o que é veiculado na mídia, essa possui o poder de direcionar
o pensamento e posicionamento dos cidadãos. (CASTELLS, 2003)
Assim, a mídia dirige as percepções da pessoa por meio de teses, as quais se firmam
como verdades históricas paradigmáticas da visão unilateral de dado acontecimento mundano
apresentadas pelos meios de difusão de informação.
Tal direcionamento, diversas vezes, se mostra maléfico, como no caso de veiculação
de certas investigações criminais. Isso porque a Carta Magna delega o julgamento dos seus
pares a indivíduos da sociedade civil no âmbito dos crimes contra a vida. São justamente
esses tipos penais que ganham repercussão midiática, o que faz com que aquele conceito de
que “todos são inocentes até que se prove ao contrário” seja esquecido. (KHALED JUNIOR,
2006)
Percebe-se que o problema se agrava quando os órgãos voltados à persecução penal,
principalmente aqueles que assumem um papel acusatório, valem-se dos expedientes
midiáticos para angariar o apoio coletivo da população. Concatena-se a isso a visão da mídia -
muitas das vezes direcionada a promover a imparcialidade - de que a persecutio criminis é
tratada como meio de purgar os pecados da humanidade. (KHALED JUNIOR, 2006)
Ato contínuo, as teses de acusação ganham a simpatia da população, pelo fato de ser
essa última induzida a pensar em um trabalho “purificador” da condenação do réu a quaisquer
custos. Em virtude disso, muitas vezes o princípio constitucional da não culpabilidade do réu
é obliterado, e o escrito do texto constitucional se torna letra morta no ordenamento jurídico.
É resultado disso a percepção de que o discurso do direito penal do inimigo retorna
com cada vez mais força, incutindo em modelo de processo que se assemelha muito ao
inquisitorial. Assim, a mídia, vista pela falsa ideia de meio propagador do que realmente se
deu no mundo fenomênico, serve como fornecedora de um conjunto probatório que é muitas
vezes incorporado pelos jurados e que não corresponde à realidade.
Como bem relembra o professor Peter-Alexis Albrecht (2000, p.480, tradução nossa): A criminalidade e a persecução penal não somente têm valor para o uso político, senão que são também o objeto de autênticos melodramas cotidianos que se comercializam com textos e ilustrações nos meios de comunicação. Comercia-se com a criminalidade e sua persecução como mercadoria da indústria cultural. Consequentemente, a imagem pública dessa mercadoria é trazida de forma espetacular e onipresente superando inclusive a fronteira do que é empiricamente constatável.
FRANCO, B. D. Et al. A Influência da mídia no Tribunal do Júri e a necessidade da observância dos princípios processuais penais
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O jurado se vale desse perpicioso conjunto probatório midiático para julgar, utiliza
alguns excertos, e deixa outros de lado, onde injeta suas impressões pessoais, integrando
“subsídios de acordo com suas predileções e assim, de fato, inventa”. (KHALED JUNIOR,
2016, p. 180)
Percebe-se, então, que o jurado desgarra de seu papel de juiz imparcial, age como
parte velada e enseja a volta do juiz inquisidor, deixando de lado a sua imparcialidade,
elemento indispensável para a persecução penal instituída em um Estado Democrático de
Direito.
O parecer (Indicações n° 040/2008) dado por Simone Schreiber versa, justamente,
sobre a influência da mídia nos julgamentos criminais, contendo a seguinte Ementa: O presente parecer versa sobre o fenômeno da publicidade opressiva de julgamentos criminais, sobre o risco de que tal publicidade prive os acusados do direito a um julgamento justo em um ambiente de serenidade, e surge algumas medidas legislativas para solucionar o problema.
A autora, mediante a análise teórica e fática, discorre acerca da interferência dos
veículos de circulação de informação nos julgamentos realizados pelo Tribunal do Júri.
Inicialmente, no estudo acima referido, discursa sobre a imprescindibilidade da identificação
de uma situação em que resta configurada uma campanha de mídia instaurada contra
determinado réu, a qual, de fato, possa vir a influenciar o resultado do julgamento de alguma
forma.
Para que se atinja tal constatação, existem três elementos essenciais, quais sejam: a) o
caráter prejudicial das reportagens veiculadas e a constância de inserções de notícias
informativas e opinativas sobre determinado julgamento; b) o risco potencial que as
reportagens prejudiciais causam no resultado do julgamento; e, c) a atualidade do julgamento.
A este ponto, faz-se ponderação entre a liberdade de expressão e o direito à publicidade em
contrapeso ao direito ao julgamento justo e imparcial, haja vista que a presença dos aspectos
supramencionados podem vir a assombrar o juízo de quem o faz. (SCHREIBER, 2008)
A autora supracitada, em uma análise sobre como não restringir diretamente a
liberdade de expressão e ao mesmo tempo preservar os julgamentos criminais, aponta 5
formas de se reduzir esse impacto da mídia: (1) questionário e instrução dos jurados; (2)
desaforamento; (3) postergação do julgamento; (4) sequestro de jurados; (5) vedação de
introdução de provas produzidas pela mídia no processo.
Com o propósito de minorar as repercussões do problema em apreço, Simone
Schreiber expõe também possíveis mudanças legislativas as quais, ao serem materializadas,
Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 31-54. 2019/1°semestre.
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atuariam no sentido de cumprir o objetivo acima traçado. Dentre os critérios por ela arrolados
encontra-se a implementação de regra que faculte ao juiz a suspensão do processo até que
cesse ou arrefaça o interesse da mídia sobre determinado caso criminal. Ademais, a execução
de regra que vede a produção de provas produzidas pela mídia no processo é um recurso
apreciável, haja vista a importante contribuição que essa medida traria para a concretização do
direito ao devido processo legal.
A autora ainda sugere a adoção do direito de resposta especialmente para as situações
nas quais esse fenômeno se caracteriza, assim como a criação de um tipo penal de publicidade
opressiva, o que é, também, uma distinta solução, a qual, juntamente às demais propostas, tem
como objetivo otimizar o quadro individualizador do contexto vigente. Posteriormente,
levanta a possibilidade de discussão no que tange à conveniência de previsão legislativa de
medidas judiciais de proibição, sendo este um relevante ponto a ser pensado considerando a
essencialidade da consubstanciação dos princípios aplicados ao ordenamento jurídico
brasileiro. Nesses termos, após apresentados todos estes argumentos, a autora encerra seu
autêntico parecer.
2 – Princípios do processo penal e a mídia
O processo penal busca efetivar e garantir os direitos de todos os indivíduos, como
forma de gerar segurança jurídica aos cidadãos do Estado. E para assegurar tais garantias, o
processo penal se vale de princípios, como o da imparcialidade do juiz, da publicidade, da
presunção da inocência, o da verdade real, entre outros.
Nesse sentido, tal mecanismo do direito mostra-se de extrema relevância no âmbito
social, pois se trata da maneira do Estado exercer o seu direito por deter o monopólio da força
assegurado. No entanto, essa maneira violenta de se valer do direito penal só pode ser
aplicado se forem observadas as regras do jogo como forma de garantia para que se tenha uma
sentença justa. (LOPES JR., 2018)
2.1 – Princípio da imparcialidade do juiz
No que tange ao princípio da imparcialidade do juiz, vale salientar a sua
imprescindibilidade no processo, haja vista que a existência de posicionamento distante e
indiferente daquele que fora investido do poder da jurisdição é pressuposto de validade de
quaisquer relações processuais. Tal mandamento de otimização assegura justiça às partes, de
FRANCO, B. D. Et al. A Influência da mídia no Tribunal do Júri e a necessidade da observância dos princípios processuais penais
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modo que o processo não se manifeste apenas em sua tecnicidade, mas expresse, juntamente a
isso, valores éticos e morais que se encontram disseminados no âmbito social e que devem ser
ponderados no momento de solucionar os conflitos. (SILVA, 2016)
Desse modo, em regra, o magistrado tem o dever de direcionar sua atuação no sentido
de garantir que o as partes terão igual oportunidade, fundamentando sua decisão na lei e, ao
mesmo tempo, naquilo que fora provado. Neste ponto, é importante ressaltar o princípio do
livre convencimento do juiz, tal qual se encontra disposto no artigo 155 do Código de
Processo Penal Brasileiro, e que, no curso das legislações modernas, vem atrelado ao
princípio da imparcialidade.
O princípio do livre convencimento motivado do juiz permite que o mesmo forme,
livremente, a sua convicção ao analisar as provas produzidas em juízo, salvaguardando
sempre o direito ao contraditório e à ampla defesa. Nesse ponto, traz-se à tona o princípio da
motivação das decisões, uma vez que a livre valoração e a apreciação das provas devem ser
empregues junto à fundamentação da decisão, para que, assim, ela tenha legitimidade.
(SILVA, 2016)
Quanto à análise do Tribunal do Júri, os princípios em estudo se encontram afetados
em um duplo aspecto, os quais decorrem inarredavelmente do modo de construção desse
órgão judicante: a) a ausência de motivação por parte do Conselho de Sentenças; b) a
ausência de aconselhamento técnico aos jurados, os quais se encontram no meio de um jogo
processual, onde tendem a se movimentar como na teoria dos jogos. (ROSA, 2015)
Assim, a imparcialidade, além de se mostrar afetada pela carência da tecnicidade
jurídica por parte dos jurados - algo que não invalida o tribunal -, mostra-se também
influenciada pela dinâmica, muitas vezes teatral, dos tribunos para o deslinde processual.
Nesse sentido, os jurados se tornam parte de um jogo entre as partes, sendo eles guiados por
argumentos que são embasados não só na faticidade do caso sob julgamento, mas podendo
também se valer da cultura midiática5, presente no consciente e no subconsciente da
população como um todo.
Nada obstante, vale lembrar que o princípio da imparcialidade do juiz não se mostra
afetado pela mídia tão só quando o juiz natural são os jurados, mas também quando o é o juiz
togado, conhecedor do direito e das técnicas jurídicas, está exercendo a atividade judicante no
processo penal, pois:
5Aqui a cultura midiática não se restringe tão só às notícias televisivas, mas inclusive às representações midiáticas verossímeis, como as novelas de televisão.
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[...] órgãos informativos transmitem à sociedade uma noção de impunidade exacerbada, a qual gera revolta popular contra o Poder Judiciário. E, para agravar o cenário, os próprios magistrados [os togados] são alvos dessas informações sensacionalistas. Dessa forma, podem ocorrer dois efeitos: o primeiro deles consiste na possibilidade de parcela dos juízes acreditarem nos conteúdos veiculados de forma infundada e, com isso, decidirem com fulcro neles. O segundo efeito compreende a pressão da sociedade em busca de sentenças mais rigorosas (AZEVEDO, 2018, p. 130).
2.2 – Princípio da publicidade
A publicidade dos atos processuais surge do panorama constitucional como uma
garantia fundamental do cidadão e da própria sociedade, pois permite que qualquer indivíduo
possa acompanhar a atuação das autoridades, para que o Poder Público não se exceda ou se
contenha em suas decisões. (LIMA, 2016)
Tal panorama gera um grande dilema a ser enfrentado pelo processo penal na
atualidade, já que a sociedade se apresenta cada vez mais informada, o que leva a reflexão se
essa busca excessiva da mídia sobre os crimes, que serão levados em julgamento, não deixaria
de representar o princípio da publicidade em sua essência, e sim uma forma de prejudicar
ainda mais o réu que já se encontra em uma posição de vulnerabilidade, devido a situação de
estigmatização daquele que possui uma mera acusação criminal.
É possível notar que ao assumir uma posição midiática, o processo penal passou a ser
mais uma forma de venda e repercussão social, passando a se tratar como uma forma de
divertimento do povo, quase um espetáculo. O que atualmente pode ser observado em como
os jornais veiculam os crimes ocorridos, inclusive já existe até produção de séries sobre o
ocorrido com pessoas que ainda estão no cárcere. Esse posicionamento da sociedade frente
aos processos criminais passou a dizimar a reputação de possíveis autores dos crimes, antes
mesmo que fossem condenados pelo ato. (SILVA, 2016)
O princípio da publicidade que deveria trazer um aspecto de maior justiça, passou a
aliar a punição estatal com a punição social. Ademais, há de se falar na maneira, também, que
estes acontecimentos são expostos nas mídias, como que o seu modo de veiculação pode
influenciar o julgamento do Conselho de Sentença, manipulando a informação. (SILVA,
2016)
O princípio da publicidade encontra-se limitado pelo princípio da presunção de
inocência, considerando que a presunção de inocência exige proteção contra a publicidade
abusiva. Desta forma, o princípio da presunção de inocência impede uma abusiva exploração
da mídia em torno do processo. (LIMA, 2016)
FRANCO, B. D. Et al. A Influência da mídia no Tribunal do Júri e a necessidade da observância dos princípios processuais penais
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A este ponto, é importante reafirmar que os princípios constitucionais não apresentam
um caráter absoluto, uma vez que podem vir a ser limitados nas hipóteses em que houver
colisão entre si. A bem da verdade, são esses princípios mandamentos de otimização, a serem
realizados na maior medida do possível, quando da avaliação das circunstâncias fáticas e
jurídicas (ALEXY, 2011, p. 91).
Diante dessa possibilidade de colisão entre tais normas principiológicas, aplica-se, no
ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da proporcionalidade, de origem alemã, tal qual
se apresenta como sendo um mandamento constitucional que objetiva, primordialmente,
realizar uma ponderação entre os princípios colidentes com a finalidade de alcançar um
resultado justo e legítimo para uma determinada situação. Nesse sentido, Alexy (2011, 116):
“Essa conexão não poderia ser mais estreita: a natureza dos princípios implica a máxima da
proporcionalidade, e essa implica aquela”.
2.3 – Princípios da verdade real e da presunção da inocência
O princípio da presunção da inocência é substancial no direito brasileiro
(BITENCOURT, 2017, p. 77), o qual tutela em sua essência a liberdade dos indivíduos, como
pode-se observar previsto na Constituição Federal, em seu artigo 5°, LVII: LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
Essa previsão garantista não retira do Estado o direito de punir os indivíduos que
eventualmente possuam condutas que contrariem a ordem jurídica. Deve-se respeitar a
liberdade individual, pois só se pode privar um bem jurídico, dentro dos limites da lei.
Nesses passos, o Direito Penal, tanto material quanto processual, trabalha quase que
paradoxalmente, pois, é a um só tempo um sistema de persecução do indivíduo que comete
fatos definidos como ilícitos penais, e um sistema de garantias desses mesmos indivíduos
(HUNGRIA e DOTTI, 2014). Pelas leis materiais e processuais penais o Estado exerce seu
jus puniendi, e pelos mesmos instrumentos encontra limites intrínsecos ao exercício desse
poder, garantindo os direitos fundamentais das pessoas.
De tal sorte, por agir sobre a liberdade do indivíduo - um dos direitos mais estimados
no Estado Democrático Liberal e Capitalista - a doutrina desenvolveu critérios limitadores ao
exercício arbitrário da força estatal. Assim, tem-se que o jus puniendi estatal é dirigido tão
somente àquele que tenha cometido uma infração penal. (TOURINHO FILHO, 2017)
Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 31-54. 2019/1°semestre.
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Para tanto, é mister a busca pelo verdadeiro desdobramento dos fatos, com o fito de
esclarecer se ocorreu ou não a infração penal, daí exsurge o princípio da verdade real.
Assim, o princípio da verdade real pode ser sintetizado como a busca pela verdade
verdadeira, ou seja, a perscrutação dos exatos contornos dos fatos como eles se deram no
mundo fenomênico passado.
Como elucida o professor Mirabete (2017, p. 47): Com ele [o princípio da verdade real] se excluem os limites artificiais da verdade formal, eventualmente criados por atos ou omissões das partes, presunções, ficções, transgressões etc., tão comuns no processo civil. Decorre desse princípio o dever do juiz de dar seguimento à relação processual quando da inércia da parte e mesmo de determinar, ex officio, provas necessárias à instrução do processo, a fim de que possa, tanto quanto possível, descobrir a verdade dos fatos objetos da ação penal.
Logo, por tratar-se de um instrumento de persecução penal que envolve a privação da
liberdade, deveria o juiz se valer de poderes instrutórios para determinar, ex officio, a verdade
substancial. Nesse sentido, o poder inquisitivo do juiz na produção de provas permite que ele
vá além das provas trazidas pelas partes no processo, buscando atingir a verdade real.
(GRECO FILHO, 2012)
A busca de tal verdade, mesmo que sublevando prerrogativas e direitos de ambas as
partes, era a função precípua do processo penal, perseguível a qualquer custo. (LIMA, 2016)
Assim, tal princípio permite que o juiz atravesse6 as provas produzidas pelas partes e,
por ato próprio, determine produção de seu próprio arcabouço probatório, com o fito único de
chegar, a quaisquer custos, à teórica verdade substancial.
2.4.1 – Crítica ao Princípio da verdade real
O princípio da verdade real tem sido duramente criticado pela doutrina mais atualizada
pelo fato de ter ele permitido, durante tempos, o menoscabo dos direitos fundamentais,
garantindo um argumento teórico frágil de que a necessária reconstrução da verdade real
permitia a instalação de práticas probatórias sem previsão legal. (PACELLI, 2017)
A premissa de que o juiz pode produzir ex officio provas para chegar ao cerne dos
fatos encontra clara contradição quando se diz que o ônus probandi é da acusação e de que o
juiz deve valorar as provas imparcialmente.
Dizer que o juiz, que tem prerrogativas probatórias supra-legais, com o fito de buscar a
verdade real, é um avanço para o processo penal acusatório, democrático e constitucional, é
6 Usa-se o verbo “atravessar” por realmente querer dizer passar no meio, rasgar.
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quase que um paradoxo. Explica-se: de um lado o sistema jurídico traz a visão de que o juiz,
presentante do Estado em sua função judicante, é inerte, devendo a persecução penal ser posta
em movimento por quem de direito - querelante ou Ministério Público - de outro lado se tem
que, uma vez instaurada a relação processual, pode o magistrado sair de sua inércia e produzir
provas.
Nesse diapasão, não há como negar que o juiz sai de sua postura inerte e assume uma
postura ativa no processo, dando vez ao deslocamento do centro gravitacional que balanceia
acusação e defesa e passando a pender para um dos seus lados.
Diz-se mais: [...] mesmo que a verdade correspondente apareça maquiada com as alegorias de “relativa” ou “aproximada” nos autores que admitem a sua busca pelo juiz, ela permanece legitimando a deformação inquisitória do processo contemporâneo (KHALED JR., 2016, p. 154).
Concatena-se a essas ideias o pensamento de que a verdade encontrada não é a
verdadeira, quando muito uma reconstrução aproximada mas ainda assim falha da realidade.
O sistema como vem construindo o mito da verdade real se assemelha muito ao sistema da
idade média, no qual a busca pela verdade material deu vez a técnicas de obtenção de
confissões do acusado que nem sequer chegava perto da realidade fática. (PACELLI, 2017)
Destarte, o sistema penal brasileiro, instaurado o princípio da verdade real, beira ao
inquisitório. Khaled jr. (2016, p. 155) lembra que se uma cultura jurídica como modo de
produção da verdade e “o que define o sistema processual penal - seu princípio unificador - é
a gestão da prova, a cultura jurídica brasileira caracteriza-se pela posição hegemônica da
tradição inquisitorial, fundamentada pela falácia discursiva da verdade correspondente”.
Nessa toada, fica evidente que o princípio da verdade real no direito brasileiro permite
a abertura de um verdadeiro um sistema inquisitorial, o qual devia ter sido abolido e
rechaçado no ordenamento jurídico nacional a partir da Constituição Federal de 1988.
(PACELLI, 2017)
A partir da Constituição Federal de 1988, o ordenamento jurídico e o processo penal
passam a figurar como defensores dos direitos fundamentais, claros aparelhos de resguardo do
indivíduo em seu patrimônio jurídico fundamental. Mas, como lembra Lopes jr. (2018, p. 63),
“tudo isso cai por terra quando se atribuem poderes instrutórios (ou investigatórios) ao juiz,
pois a gestão ou iniciativa probatória é característica essencial do princípio inquisitivo, que
leva, por consequência, a fundar um sistema inquisitório”.
O problema da persecução da verdade real se agrava ainda mais quando analisado
perante o panorama globalizado e conectado do mundo contemporâneo. Atualmente, na mente
Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 31-54. 2019/1°semestre.
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de todos, e não só do juiz, misturam-se as linhas entre o fático e o midiático, tornando-se uma
margem sem limite definido entre um e outro. Dessarte, ocorre de muitas vezes a “verdade
real” não ser verdade alguma, mas sim uma hipótese criada pela mídia para a explicação
daquele caso sub judice ou de algum caso com conjunturas parecidas.
2.4.2 – A visão devido-constitucionalista do processo e a verdade real
Diante do que foi exposto no tópico anterior, é perceptível que o princípio da verdade
real garante prerrogativas ao magistrado de trespassar garantias fundamentais do réu. Assim
sendo, importa em dizer que tal princípio foi superado com o advento da Constituição Federal
de 1988. (PACELLI, 2017)
Ao tratar do tema do Direito Penal material, Barroso (2018, p. 423) diz que ele se
submete aos princípios e regras da Constituição, e para ele isso resulta em afirmar “a
centralidade dos direitos fundamentais, tanto na sua versão subjetiva como na objetiva”. A
partir de tais pensamentos, crê-se que não somente o direito penal material mas também o
processual se submete aos ditames constitucionais, servindo como meio de resguardo dos
direitos fundamentais.
Nesses passos a Constituição Federal de 1988 prevê que nenhuma pessoa será privada
de sua liberdade ou de seus bens sem a ocorrência do devido processo legal, como preceitua o
inciso LIV do artigo 5º.
Logo, cabe pesquisar o que é o princípio do “devido processo legal” e quais seus
desdobramentos no processo penal, bem como sua devida efetividade.
O princípio constitucional do devido processo legal - também conhecido como due
process of law - é uma cláusula geral que possui duas vertentes: a concepção formal e a
concepção material, interessa ao presente trabalho o último. O processo devido material é
materialmente informado pelos princípios de justiça e adequação, baseando-se nos elementos
constitucionais, sobretudo os oriundos dos direitos fundamentais. (CANOTILHO, 2003) A proteção alargada através da exigência de um processo equitativo significará também que o controlo dos tribunais relativamente ao caráter “justo” ou “equitativo” do processo se estenderá, segundo as condições particulares de cada caso, às dimensões materiais e processuais do processo no seu conjunto. O parâmetro de controlo será, sob o ponto de vista intrínseco, o catálogo dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados [...] (CANOTILHO, 2003, p. 495)
O devido processo legal é garantia constitucional e direito fundamental subjetivo do
réu, sendo que emana garantias básicas em uma dupla dimensão: de um lado o direito de
FRANCO, B. D. Et al. A Influência da mídia no Tribunal do Júri e a necessidade da observância dos princípios processuais penais
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defesa do indivíduo frente aos próprios órgãos judicantes e contra seus atos, e de outro lado o
de proteger o indivíduo de ataques provenientes de terceiros. (CANOTILHO, 2003)
Ato contínuo, o devido processo legal é uma garantia contra a própria arbitrariedade
estatal, e por isso vedando quaisquer atos do magistrado que firam os núcleos essenciais dos
direitos fundamentais do réu. Logo, com o princípio da verdade real abre espaço para uma
investigação que incube a imparcialidade do juiz e permita o menoscabo das garantias
fundamentais do réu, fere ele o princípio do devido processo legal e, ipso facto, é ele
inconstitucional.
Em síntese: a partir da Constituição Federal de 1988 os direitos fundamentais são a
pedra de toque do Estado Democrático de Direito brasileiro, e são tanto escopo, quanto limite
do devido processo legal, insculpido no inciso LIV, artigo 5º da Constituição Federal. Uma
vez que o princípio da verdade real representa uma afronta ao devido processo legal, deve ele
ser posto de lado no ordenamento constitucionalizado nacional.
3 – Tribunal do Júri e sua problemática
O Tribunal do Júri pode ser entendido como uma instituição que atua concomitante à
cooperação dos cidadãos, e que se caracteriza como órgão especial do Poder Judiciário de
primeira instância, pertencente à Justiça comum, sendo responsável por julgar os crimes
dolosos contra a vida.
Constitui-se, ainda, pelo juiz togado e por vinte e cinco cidadãos, sendo sete deles
sorteados para compor o Conselho de Sentença. Esse colegiado tem a função julgar se o crime
em análise ocorreu e se o réu em questão é culpado ou inocente, assumindo o compromisso de
apreciar a causa conforme os princípios de justiça e com imparcialidade. O magistrado, por
sua vez, decide de acordo com o colegiado, proferindo a sentença e fixando a pena, em caso
de condenação.
O procedimento do Tribunal do Júri se encontra no Código de Processo Penal do
artigo 406 ao artigo 497. Pode ser dividido em duas partes, a primeira chamada de instrução
preliminar e a segunda, o julgamento plenário propriamente dito.
A primeira fase pressupõe o recebimento da denúncia formulada pelo Parquet, ou a
queixa-crime nos casos de ação penal privada subsidiária da pública. Conseguinte se dá a
instrução até culminar em uma decisão judicial, na qual pode ocorrer a pronúncia, a
impronúncia, a absolvição primária e, até mesmo, a desclassificação. Essa primeira fase é
Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 31-54. 2019/1°semestre.
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levada adiante pelo magistrado concursado, o juiz de direito, não havendo a participação dos
jurados. (LOPES JR., 2018)
A segunda fase, o julgamento em plenário, têm início a partir da pronúncia definitiva
do réu, e que determina a participação dos jurados e a atuação do Conselho de Sentença como
juiz natural da causa.
O trabalho foca no julgamento em plenário, pelo fato de ser o âmbito onde o
julgamento é realizado pelos jurados escolhidos para compor o corpo de sentença, e sobre os
quais a mídia exercerá função massiva e diretiva.
O julgamento de uma pessoa por seus pares é, sem dúvida alguma, uma evolução
sólida quando visto da perspectiva de uma passagem do processo inquisitorial ao processo
acusatório. (FERRAJOLI, 1989)
Mas não é por essa razão, tão pouco por possuir previsão constitucional, que o
Tribunal do Júri não pode ser problematizado, muito ao revés, deve ele ser, pois o pensamento
jurídico e científico, como nas demais áreas, se desenvolvem a partir de uma dialética de tese,
antítese e síntese. (HEGEL, 1992)
O Tribunal do Júri, uma vez pronunciado o réu definitivamente, possui como juiz
natural o Conselho de Sentença, composto, em tese, por maioria não conhecedora da
dogmática jurídica. Concatena-se o fato de que o réu está diante de julgador que possui como
prerrogativa o seu livre convencimento e decisionismo imotivado, agravados pelo fato não
possuírem prerrogativas e deveres institucionais de independência, o que implica em uma
posição mais suscetível à pressões externas, principalmente midiáticas.
Assim lembra Lopes jr. (2018, p. 853): [...] o jurado decide sem qualquer motivação, impedindo o controle da racionalidade da decisão judicial. Não se trata de gastar folhas e folhas para demonstrar erudição jurídica (e jurisprudencial) ou discutir obviedades. O mais importante é explicar o porquê da decisão, o que levou a tal conclusão sobre a autoria e materialidade.
O livre convencimento dos jurados abre espaço para a utilização de provas que não se
encontram nos autos, ou até mesmo que não foram produzidos por órgãos preparados, como é
o caso do lastro probatório midiático, que ganha relevo por força da sociedade e da sensação
de insegurança sentida pela população.
3.1 – A influência da mídia sobre o jurado diante da sociedade do risco
FRANCO, B. D. Et al. A Influência da mídia no Tribunal do Júri e a necessidade da observância dos princípios processuais penais
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Atualmente, com o advindo da chamada pós-industrial, o Direito Penal como um todo
sofreu uma expansão de forma generalizada, demonstrando-se como a área que a sociedade
tem elegido como a suposta solução fácil aos problemas sociais. A desenvoltura e
maximização do Direito Penal se deve em grande parte à sociedade do risco. Torna-se
inegável que com a desenvoltura da tecnologia e da globalização surgiram novos riscos aos
bens jurídicos já existentes e, concomitantemente, surgem novos bens-jurídico que são
penalmente tutelados.
Ato contínuo, configura-se no seio dessa sociedade a expansão do chamado “risco de
procedência humana” como fenômeno social estrutural, pois “boa parte das ameaças a que os
cidadãos estão expostos provém precisamente de decisões que outros concidadãos adotam no
meio dos avanços tecnológicos”. (SÁNCHEZ, 2001, tradução nossa)
A partir dos avanços que presencia a sociedade, ocorre o que pode ser traduzido, a
partir das lições de Sánchez (2001, p. 27), como a institucionalização do risco, tanto em sua
vertente objetiva quanto subjetiva. A proliferação do pensamento da chamada “criminalidade
de massas” faz com que a sociedade moderna veja as ações do outro sempre como um
potencial risco. Mais importante que isso, a sensação de insegurança é determinante na
atualidade.
Destarte, a sensação de insegurança vivida na modernidade é muitas vezes distantes do
que de fato se dá no mundo fenomênico, pois com o avanço do individualismo moderno, a
sociedade não se vê além do que um aglomerado de pessoas, narcisisticamente levados à sua
proteção.
Os meios de comunicação então exercem decisivo papel, pois: [...] por um lado, desde a posição privilegiada que ostentam no seio da “sociedade de informação” e no marco de uma concepção do mundo como aldeia global, transmitem uma imagem da realidade na qual o longe e o próximo têm uma presença quase idêntica em relação ao receptor da mensagem. Isto dá lugar, em algumas ocasiões, diretamente à percepções inexatas; e em outras em todo caso, a uma sensação de impotência. Ao maior montante, por outro lado, de reiteração e da própria atitude (dramatização, morbidez) com que se examinam determinadas notícias atua como modo de multiplicar ilícitos e catástrofes, gerando uma insegurança subjetiva que não corresponde com o risco objetivo (SÁNCHEZ, 2001, p. 37 e 38, tradução nossa).
Diante do exposto, a obsessão da verdade real no processo penal, plantada não só nas
mentes dos juristas, mas também nos pensamentos dos populares que compõem o Conselho
de Sentença do Júri, conjuntamente com a sensação de insegurança, faz com que as teses
propostas pela mídia ganhem proeminência, qualificando os fatos mundanos criminais como
dogmas históricos reais, menoscabando o princípio da não culpabilidade.
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Nesse diapasão, há a mistura de influência da mídia sobre jurados que não possuem
conhecimento teórico da área jurídica, com a incessante busca da verdade real e do
pensamento do direito penal como meio purgador dos pecados. Tal mistura faz com que os
julgadores saiam de sua posição de imparcialidade e tomem frente como autênticos
inquisidores que purificam a alma do agente - o qual é criminoso por causa das provas
trazidas pela mídia - através da pena, bem como previnam os bens jurídicos tutelados nesta
sociedade do risco e insegura.
Logo, demonstra-se que a predisposição condenatória incutida pela mídia atinja os
princípios tratados neste trabalho, os mitigando ou, inclusive, ceifando-os da disposição
defensiva ao réu que foram pensados. Nesse sentido, a mídia incute na população e, por óbvio, nos jurados um preconceito de punir de forma severa os criminosos. Assim, os membros do Conselho de Sentença possuem uma pré-disposição para condenar os réus. Portanto, tal comportamento afronta direitos e garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório, plenitude da defesa e o princípio da não culpabilidade [...] (AZEVEDO, 2018, p. 111).
Ao fim e ao cabo, a influência irrestrita da mídia sobre a decisão dos jurados se revela
um processo penal inquisitorial, aproximando-se de um Estado sem garantismo e desprovido
dos direitos fundamentais do réu, onde o que reina no Processo Penal é a verdade real, a qual
é trazida pela mídia.
4 – Observância dos princípios processuais penais nos julgamentos criminais e formas
de minimização do impacto causado pela mídia
Através do que foi anteriormente apresentado neste trabalho, pode-se observar a
imprescindibilidade de princípios que servem como parâmetros para o alcance de um
julgamento justo. Ademais, se mostrar perceptível o poder de influência da mídia sobre a
sociedade como um todo e a busca pela imparcialidade de julgamento se mostra muitas vezes
distante da possibilidades existentes.
No que tange ao papel da mídia e ao princípio de publicidade, não há dúvidas que eles
se mostra de certa forma interligados. A mídia publiciza os acontecimentos e realiza pré-
julgamentos como uma forma de responder aos anseios da população curiosa que acompanha
as notícias.
No entanto, se mostra necessário que os profissionais do direito sejam cada vez mais
aptos de separarem essa realidade demonstrada na televisão e outros meios, como a internet,
da realidade fática da situação. Em seu parecer, Schreiber traz algumas sugestões para
FRANCO, B. D. Et al. A Influência da mídia no Tribunal do Júri e a necessidade da observância dos princípios processuais penais
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minimizar a influência da mídia nos julgamentos criminais, e em uma delas, a qual foi
analisada como a qual pode ter o melhor aproveitamento, pois respeita o princípio do devido
processo legal, presunção de inocência, da verdade real, da publicidade, e traz a ideia de que
sejam vedadas a utilização de notícias veiculadas na mídia como forma de provas em um
julgamento criminal. Essa postura, inicialmente, seria essencial, durante o processo já há a
investigação e a valoração de todas as provas anexadas no processo, as quais são avaliadas
pelo juiz e pelo perito, este último caso seja necessário. Assim, são essas as provas que devem
ser observadas e utilizadas durante o julgamento.
A fim de reduzir o impacto trazido pela mídia durante os julgamentos criminais, há de
se expressar que, em muitos casos, as informações fornecidas à mídia, não se tratam de provas
lícitas, pois precisam passar pela aprovação do juiz anteriormente. Assim, não se pode aferir
veracidade às informações apresentadas na mídia.
Ademais, é necessário que aqueles que vierem a ser convocados para compor o
Conselho de Sentença se preocupem saber como funciona o júri. É fundamental que seja
observado o princípio da presunção da inocência, mesmo que os jurados não conheçam os
seus termos de maneira técnica, quando não há provas suficientes para que uma pessoa seja
incriminada, deve-se presumir inocente.
Outrossim, casos que demonstram influência da mídia são normalmente julgamentos
mais longos com o propósito de desligar o jurado da realidade e deixá-lo imerso ao caso, para
que restem diminuídas as influências externas.
A partir da contribuição trazida por Schreiber, existem algumas formas de minimizar
esse impacto, preservando-se do infortúnio de olvidar o direito fundamental à liberdade de
expressão, quais sejam: (1) questionário e instrução dos jurados; (2) desaforamento; (3)
postergação do julgamento; (4) sequestro de jurados; (5) vedação de introdução de provas
produzidas pela mídia no processo. No entanto, vale salientar que os presidentes do júri
devem avaliar quais as melhores medidas a serem adotadas em cada caso específico.
Neste momento, é relevante retomar alguns pontos expostos por Simone em seu
parecer. Inicialmente, a proibição de introdução de provas providenciadas pela mídia no
processo é uma medida legítima que, ao ser aplicada, serviria como uma forma de assegurar
que tal material probatório não prejudique o réu, conferindo a este o devido processo legal.
Além disso, a constituição de um tipo penal que viesse a atuar no sentido de sancionar a
publicidade excessiva fomentada pela mídia, também contribuiria para a otimização do
cenário ao qual nos submetemos atualmente.
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5 – Estudo de caso e possível solução jurídica
O caso a ser debatido no presente trabalho ocorreu na cidade de Juiz de Fora - MG, no
dia 14 de novembro de 2014, quando um jovem de 18 anos, desapareceu após deixar a casa de
show noturna e apenas foi encontrado morto três dias depois na mata próxima.
Atualmente, o que se relata é que o jovem brigou dentro da boate e por esse motivo
teria sido expulso e, posteriormente, perseguido por seguranças da boate até a mata onde
desapareceu. Nesta toada, o Ministério Público considera que ele foi assassinado e aponta
como suspeito quatro ex-funcionários da boate.
O que se pretende mostrar é que, apesar de não haver provas cabais de como o jovem
faleceu, a mídia local insistiu em divulgar que o mesmo teria sido assassinado. Assim trar-se-
a diversos segmentos de notícias divulgadas, com o intuito de provar, que as mensagens
veiculadas são suficientes para viciar a opinião da população, de modo que o julgamento no
Tribunal do Júri, o qual ainda não ocorreu, dificilmente será imparcial.
A primeira notícia encontrada é datada do dia 21 de setembro de 2015, veiculada pelo
site G1 da Globo. Nesta percebe-se que só é levantado argumentos de modo completamente
unilateral, induzindo os leitores a acreditar que o jovem teria sido assassinado. No corpo da
notícia a seguinte frase está redigida: “O delegado também comprovou que a morte foi
violenta e por afogamento”. (G1. Globo, 2015)
Todavia, até o dia 18 de maio de 2016, quando ocorreu a oitiva das testemunhas, a
causa da morte ainda não havia sido confirmada, sendo que afogamento era uma das
hipóteses. Assim, não restam maiores dúvidas que as mensagens são tendenciosas e possuem
o condão de influenciar os futuros jurados, correndo o risco de os mesmos já irem para o
tribunal com sua decisão tomada. (G1. Globo, 2016)
Além desse, o jornal Tribuna de Minas também veiculou notícias a respeito do
presente caso. De modo semelhante às narrações supracitadas, o presente jornal trata do caso
de forma tendenciosa, chegando a declarar que: “No matagal, o rapaz foi morto.” Essa notícia,
não só apresenta declarações infundadas como se fossem fatos incontroversos, mas também
apela para o lado emocional do seu leitor. Em diversos segmentos são trazidos depoimentos
dos familiares, principalmente de sua mãe, que diz com concretude que o menino teria sido
assassinado e clama para que o povo faça a justiça. (ARAÚJO, Tribuna de Minas, 2017)
Neste diapasão, seria, no mínimo, desarrazoado acreditar que essas notícias não irão
influenciar no julgamento que está para acontecer. Como já foi debatido nos tópicos
anteriores, o direito penal é pautado em diversos princípios que não poderão deixar de serem
FRANCO, B. D. Et al. A Influência da mídia no Tribunal do Júri e a necessidade da observância dos princípios processuais penais
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observados. Assim, na réstia do artigo será apresentada uma possível solução para o caso em
estudo, de modo a garantir que os réus tenham um julgamento justo.
Nos casos como o apresentado acima em que a influência da mídia possa distorcer o
julgamento pelo Conselho de Sentença no Tribunal do Júri, por se tratar de um caso de
repercussão regional, como o estudado neste trabalho, uma medida judicial cabível é o
desaforamento.
O desaforamento trata de uma decisão jurisdicional que tem como finalidade mudar a
competência previamente estabelecida pelos critérios do artigo 69 do Código Processual
Penal, que define a atuação procedimental do Tribunal do Júri. (NUCCI, 2013)
Mais especificamente, na visão de TÁVORA e ALENCAR (2013, p. 851)
“desaforamento é o deslocamento da competência do processo de crime doloso contra a vida
para a comarca mais próxima”. Deste modo, entende-se que desaforar é transferir o local de
julgamento do Tribunal do Júri para outra comarca.
Tal matéria é regulada pelo artigo 427 do Código de Processo Penal, que assim dispõe: Art. 427 Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.
Ainda preceitua Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 836 e 837) que para assegurar os
princípios processuais penais e uma sentença justa, assim como, a imparcialidade do
Conselho de Sentença, é necessário afastar o julgamento da cidade de origem, considerando a
forte influência da mídia sobre toda a população - a qual poderia acarretar uma sentença
injusta.
Cabe ressaltar, por fim, que para assegurar os princípios processuais penais através da
decisão judicial pelo desaforamento, é necessário que haja fortes indícios da parcialidade dos
jurados, por exemplo através da maciça influência da mídia, conforme já decidiu o Superior
Tribunal de Justiça - STJ no Habeas Corpus 225565-MG, 5.ª T., rel. Laurita Vaz, 06.03.2012
(NUCCI, 2013).
Ademais, outras medidas trazidas por Schreiber poderiam vir a ser utilizadas, como a
proibição de introdução de provas que não tenham sido produzidas de forma lícitas, para
assegurar que os documentos probatórios não prejudique o acusado, e a instrução adequada
dos jurados antes de comporem o Conselho de Sentença.
Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 31-54. 2019/1°semestre.
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Conclusão
O presente estudo abordou a influência da mídia na decisão do Conselho de Sentença
nos julgamentos levados ao Tribunal do Júri. A discussão deste tema é de fundamental
importância, pois o caso apresentado ainda não foi submetido ao Tribunal do Júri, e a
discussão é como se evitar ou minimizar a influência da mídia para que o julgamento seja
mais justo e imparcial.
No primeiro item foi abordado o fenômeno da globalização, sobre os diferentes
aspectos midiáticos e seu respectivo poder de influência em julgamentos criminais. A partir
disso, fora possível constatar a imensurável importância da Terceira Revolução Industrial para
que tais avanços referentes à potencialização dos meios de comunicação se tornassem
concretos. Depois de feita uma retrospectiva histórica acerca do tema, fora estabelecida uma
correlação entre a disseminação dos diferentes mecanismos propagadores de informação e sua
concernente interferência nos julgamentos processuais de competência do Tribunal do Júri.
Feito esse exame, é razoável afirmar que a facilidade ao acesso à informação tem sido
utilizada como um mecanismo direcionador de pensamento e de posicionamento dos
cidadãos, utilizando-se, muitas vezes, de uma visão parcial e limitada da realidade.
O contexto se mostra ainda mais delicado quando atentamos para o fato de que tais
expedientes midiáticos são, em muitos casos, aplicados pelos órgãos voltados à persecução
penal, mais especificamente, por aqueles que ocupam um papel acusatório.
Nesses termos, pode-se concluir que, no cenário atual, os veículos de informação em
massa tem ocupado um papel de interferência cada vez mais assídua nos julgamentos
realizados pelo Tribunal do Júri.
No segundo item, foi levantado um estudo sobre os princípios processuais penais, os
quais buscam garantir os direitos de todos os indivíduos, e na sua aplicabilidade no momento
dos julgamentos criminais. Os mais importantes a serem observados nesse contexto foram o
da imparcialidade do juiz, o da publicidade, o da presunção da inocência e o da verdade real.
No princípio da imparcialidade do juiz prevê a hipótese de se assegurar igual
oportunidade às partes, de forma que o magistrado se comprometa a ocupar a posição de
terceiro estranho e desinteressado. Importante ressaltar, ainda, que o princípio se encontra
atrelado ao do livre convencimento motivado, o qual o permite formar livremente a sua
convicção ao analisar as provas produzidas no curso do processo, atentando, sempre, para o
princípio do contraditório e da ampla defesa.
FRANCO, B. D. Et al. A Influência da mídia no Tribunal do Júri e a necessidade da observância dos princípios processuais penais
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Em seguida, o princípio da publicidade demonstrou que temos cada vez mais uma
sociedade informada que condiciona que qualquer indivíduo possa acompanhar a atuação das
autoridades. No entanto, essa liberdade se extrapola quando passam a colocar os indivíduos,
que possuem uma denúncia criminal, em posição de vulnerabilidade frente a sociedade,
devido a massiva presença da mídia para noticiar o ocorrido, principalmente em se tratando de
tragédias que, infelizmente, muitos da sociedade tratam como um espetáculo a ser
acompanhado.
Aliado a este princípio, foi demonstrado, também, a presunção da inocência que limita
o da publicidade no momento em que impede que a exploração abusiva da mídia haja em
torno do processo penal.
Nesse sentido, perceptível foi a possibilidade de perceber a colisão dos princípios em
estudo, o que deve ser de algum modo solucionado, não podendo o ordenamento jurídico se
mostrar com antinomias ínsitas. Assim, percebeu-se que o princípio da proporcionalidade, de
matriz constitucional, é ferramenta hábil para solucionar colisões principiológicas.
E, por fim, conjugado com o princípio da presunção de não culpabilidade, tratou-se do
princípio da verdade real que permite ao magistrado buscar a suposta verdade dos fatos de
qualquer forma, mesmo que para isso acabe por comprometer as garantias do réu ou
indiciado. Tal princípio traz um verdadeiro ponto inquisitorial no processo brasileiro, pelo
fato de o magistrado poder se valer dele para atentar contra as garantias constitucionais e os
direitos fundamentais do acusado. Nesse caminho, tem-se que com o advento da Constituição
Federal de 1988 o dito princípio se encontra superado, devendo reinar no sistema brasileiro o
devido processo constitucional, o qual em sua vertente material é representado por garantia do
sujeito contra arbitrariedades do Estado e contra lesão à seus bens-jurídicos mais importantes.
Assim, o princípio da verdade real vai de encontro aos preceitos constitucionais vigentes, não
devendo ele prosperar, sob a pena de voltarmos ao processo inquisitorial sem garantias
fundamentais do indivíduo.
No terceiro item houve a perscrutação de como o procedimento do júri deve ser
problematizado, de tal sorte que sua contribuição para a superação do processo inquisitório
não suprima o avanço científico e crítico da teoria do direito processual penal.
Nesse sentido, não pode ser olvidado que a sociedade do risco instituiu na mente da
população um medo institucionalizado e proliferado pela mídia, a qual produz uma visão
unilateral de um mundo fenomênico, construindo um lastro probatório que, muitas vezes, não
corresponde à realidade. Incute na mente dos jurados impulsionados pela suposta verdade real
fornecida pela mídia e pela idéia desarrazoada de um direito penal purificador, o que acaba
Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 31-54. 2019/1°semestre.
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por trazer à baila a volta do processo inquisitorial, ceifando garantias adquiridas pelo réu na
marcha histórica.
No quarto item foi realizada análise das garantias processuais penais em julgamentos
criminais de repercussão regional e nacional, além de terem sido avaliadas as sugestões
apresentadas pela Simone Schreiber, sendo possível identificar que o melhor meio para buscar
a imparcialidade dos julgamentos não seria a partir da censura da mídia, pois também se deve
preservar a liberdade de expressão, mas sim buscar meios que minimizem o seu impacto
negativo, como a melhor instrução do júri e vedação da introdução de provas produzidas pela
mídia no processo, pois não se pode afirmar que as mesmas foram adquiridas de forma lícita.
No último item, foi apresentado um estudo de caso, sendo demonstrados alguns
trechos de reportagens da época do fato, trazidos com o intuito de demonstrar a
tendenciosidade das mensagens veiculadas pela mídia. Defende-se nesse trabalho que, devido
a influência midiática, dificilmente esse julgamento será imparcial. Assim como solução para
este caso, analisando o poder da mídia, todos os princípios processuais penais apresentados, a
dinâmica do Tribunal do Júri, o desaforamento seria uma medida adequada para solucionar o
problema ou, pelo menos, suavizá-lo. A ideia principal é que o desaforamento seja utilizado
para assegurar a eficácia de todos os princípios processuais penais, sem tal mecanismo, não se
é possível se dar a devida observância do princípio da imparcialidade por parte do Conselho
de Sentença. Deve-se atentar também que essa análise e solução foi pautada no caso
específico, de abrangência regional, e que, possivelmente, em um caso de repercussão
nacional a mesma não seria efetiva, caso fosse adotada.
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PENNA, A. B. M; MENEZES, D. S. Ensaio sobre memória e cidade: o Museu Mariano Procópio e o projeto Vozes da Memória
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Ensaio
Ensaio sobre memória e cidade: o Museu Mariano Procópio e o projeto Vozes da Memória
Ana Beatriz Marques Penna1 Danielle de Souza Menezes2
A partir do final do século XVIII, os primeiros jardins públicos voltados para o lazer
começam a integrar a paisagem urbana brasileira. Na cidade de Juiz de Fora, o Museu
Mariano Procópio, fundado em 1922, além de um suntuoso conjunto arquitetônico, abre ao
público um dos mais expressivos jardins da época, que foi apelidado pelo naturalista suíço
Jean Louis Rodolphe Agassiz como o “Paraíso dos Trópicos”.
Projetado pelo paisagista francês Auguste François Marie Glaziou, o parque do museu
revela um conceito de multiplicidade muito utilizado nos jardins do século XIX, com uma
extensa flora e fauna, que aliam espécies tanto nativas quanto exóticas, enriquecendo a
paisagem urbana da cidade.
Além da importância urbanística, climática e biológica que o parque desempenha, do
ponto de vista psicológico e social, vai influenciar diretamente sobre o estado de ânimo dos
indivíduos massificados com os transtornos típicos das grandes cidades, que veem nesse
espaço um ambiente agradável e propício para descanso e lazer. É nesse momento que o
Museu Mariano Procópio deixa de ser apenas espaço, para se tornar lugar.
De acordo com Yi Fu Tuan, é a relação entre espaço e tempo que constrói o lugar. O
que começa como um espaço indiferente transforma-se em lugar à medida que o conhecemos
melhor e o dotamos de valor. O lugar é uma área que foi apropriada afetivamente, é um
“mundo de significado organizado” (TUAN, 1983, p.198).
Se um lugar, portanto, é definido a partir das apropriações afetivas que desdobram-se
com as experiências e vivências atribuídas às relações humanas, podemos concluir que é a
memória de um determinado espaço que molda o que vem a ser o lugar.
A memória é a faculdade psíquica através da qual se consegue reter e relembrar o
passado, mas acima de tudo, é um processo dinâmico da própria rememorização, o que estará
1 Bacharela em Artes e Design pela Universidade Federal de Juiz de Fora e atualmente licencianda em Artes Visuais pela Universidade Federal de Juiz de Fora. 2 Bacharela em Artes e Design pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 57-61. 2019/1°semestre.
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ligado à questão de identidade (SANTOS, 2004).
O Museu Mariano Procópio estabelece com a população juiz-forana uma relação de
notável afetividade e proximidade. Além de sua importância histórica e cultural por conta do
acervo que abarca, ele se faz presente no cotidiano das pessoas, e, portanto, é lugar de muitas
memórias e vivências.
O documentário Vozes da Memória, nesse sentido, pretende resgatar e registrar a
história oral do Museu Mariano Procópio, com o intuito de evidenciar essa relação do museu
com o público. Essa ação almejou, além de criar um vínculo entre a passagem do tempo e a
memória, investigar o papel do lugar como meio fundamental para essas relações.
O projeto surgiu em 2016, a partir da ideia do então professor do departamento de
turismo da UFJF, Lucas Gamonal, que pretendia por meio da história oral, resgatar o vínculo
das pessoas com o museu Mariano Procópio.
Durante algum tempo o projeto foi apenas uma ideia. Em agosto de 2017, fomos
convidadas a colaborar com a proposta. Como nós duas éramos estagiárias no MAPRO e,
também, alunas da UFJF, fazendo graduação no Bacharelado Interdisciplinar em Artes e
Design, com o contato do Lucas, conhecemos o projeto e logo entendemos a importância da
gravação desse documentário.
Ficamos então com a parte técnica, que incluía a gravação dos áudios, vídeos e
também com a formulação de um roteiro e questionário para as entrevistas. Também nos
responsabilizamos pela edição, montagem e cor do filme, pois a equipe era pequena. No
começo entre os bolsistas estávamos apenas nós duas e o Manoel, aluno do curso de Turismo,
que ficou responsável por contatar os possíveis entrevistados.
Com a relação que tínhamos como estagiárias, diversas vezes nos eram narrados fatos
pelos visitantes, que mostravam o Mariano Procópio como um museu incomum. Por sua forte
ligação com a população, essas histórias muitas vezes eram contadas com um notório carinho
dessas pessoas pelo museu que, em certas épocas ficou fechado para restauro ou obras em seu
entorno, dificultando o acesso e afirmando um trajeto histórico de bastante conflito com os
moradores da cidade.
Esse processo de extrema dificuldade do MAPRO, para nós que pesquisávamos essas
histórias, só afirmava a familiaridade das pessoas com o museu. Os fatores que influem para
que esse lugar seja alvo de tantos questionamentos, ganham muito mais nitidez quando
mostrados frequentemente pela sociedade que realmente se importa e luta para que esse
museu esteja em sua melhor forma.
Conforme as gravações foram acontecendo, passamos a entender melhor também o
PENNA, A. B. M; MENEZES, D. S. Ensaio sobre memória e cidade: o Museu Mariano Procópio e o projeto Vozes da Memória
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nosso papel como documentaristas dessas histórias. Quando percebemos a quantidade de
pessoas interessadas ou envolvidas emocionalmente com o processo do documentário, nos foi
clara a importância de cada frase dita pelos nossos entrevistados. Resgatar essas memórias
extremamente pessoais indicavam, para nós, um possível resgate de um museu cercado de
belíssimas obras de arte, de plantas diversas, de construção arquitetônica memorável, porém,
mais do que isso, o resgate da história de uma cidade cercada de pessoas que identificavam
naquele museu parte de sua vida.
No quase um ano que desenvolvemos esse projeto passamos também por inúmeras
dificuldades. Como ainda universitárias, nunca havíamos trabalhado com tantas
responsabilidades que nos exigiam técnicas cinematográficas, a produção de um longa-
metragem nos era algo completamente novo e desafiador. Também por esse motivo, o
encanto com todas as questões que o documentário envolvia, marcou profundamente nossas
vidas. O aprendizado do primeiro filme e a relação com os entrevistados foi muito diferente
do que esperávamos, e o ambiente acabou se tornando, de certa forma, outro, como
documentaristas nos sentíamos parte também das histórias das pessoas.
Ao encerrarmos a etapa das gravações – que contaram também com as músicas do
compositor Vinicius Borges, que aceitou criar no violão a trilha musical para o filme –
passamos para a parte da edição. O que melhor caracteriza a lembrança dessa etapa é a
preocupação que tivemos em não descaracterizar os personagens que filmamos.
Foi interessante perceber como as memórias iam se entrelaçando, se completando e
aos poucos foram construindo a história da instituição. Um dos momentos mais marcantes em
que isso aconteceu envolveu a história de um macaquinho de circo que costumava habitar
uma das ilhas do parque. Através do olhar de um dos funcionários do museu, somado ao de
um frequentador do parque enquanto criança, foi possível perceber a relação afetiva
estabelecida com o animal que provavelmente marcou uma geração que costumava passear
pelo museu naquele tempo.
Para nós, era claro uma personalidade em cada entrevistado a partir de sua forma de
contar as histórias, isso influenciou também para elaboração das perguntas e o rumo da
conversa, portanto a retirada de algumas falas do material seria o mesmo que forjar entrevistas
ou tornar o documentário incoerente com tudo que havíamos buscado até então. Dialogamos,
em média, com quarenta pessoas e cada entrevista teve em torno de meia hora a quarenta e
cinco minutos, cortar ou selecionar as falas que entrariam no filme acabou sendo muito difícil,
pois como participamos de todo o processo o vínculo com as entrevistas era muito forte,
tínhamos muito receio das modificações.
Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 57-61. 2019/1°semestre.
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No processo de criação do roteiro pensamos em construir uma espécie de linha do
tempo cronológica, que contaria primeiramente as histórias dos mais velhos até chegarmos às
crianças. Essa ideia surgiu ao notarmos que, dependendo da idade, há uma diferença na forma
como as histórias são contadas. Os idosos, tendo mais vivências, buscam em suas memórias
muitos detalhes, a fim de especificar suas lembranças de forma exata. Já as crianças são mais
diretas, não relatam com as particularidades do momento, não informam sobre datas ou coisas
específicas, são mais objetivas, porém menos claras. Isso se dá por um processo intrínseco à
construção de memória em relação a passagem do tempo, para que a lembrança seja mais fiel
ao momento guardado as pessoas precisam relembrá-la com determinada frequência ou viver
momentos parecidos para que o cenário ganhe destaque das outras lembranças, esses
momentos, com o decorrer dos anos, são diversas vezes repetidos na memória, e por isso os
mais velhos têm esse atributo de guardar fatos minuciosos, e foi exatamente essa questão que
pretendemos buscar no roteiro do Vozes da Memória.
Faz parte da experiência museológica individual a apropriação e ressignificação das
narrativas que estão ali colocadas, e o documentário, nesse sentido, se tornou mais uma dessas
possíveis leituras do Museu Mariano Procópio.
Um museu só existe quando o público se faz presente e é reconhecendo seu papel
emblemático e icônico para a formação identitária da cidade que torna-se possível que a
consciência do patrimônio municipal seja despertada, assim como a necessidade de
preservação e cuidado para que esse lugar continue permeando o imaginário juiz-forano e
garantindo o princípio da dignidade humana.
O significado da palavra dignidade é a “consciência do próprio valor”, segundo o
dicionário Google. Nesse sentido, ao ser assegurada pelo primeiro artigo da Constituição
Federal Brasileira de 1988, torna o patrimônio cultural essencial para sua conquista, já que
este é entendido, acima de tudo, como portador de referência à identidade, à ação, mas
principalmente à memória.
Intrinsecamente relacionada à consolidação da democracia, ideais de cidadania plena e
fator de desenvolvimento, a memória se configura como instrumento robusto de
sobrevivência da própria sociedade ao permitir o conhecimento e uso do passado,
interferência ativa no presente e previsão de ações para o futuro. Assim, é de interesse
coletivo e ofício do Estado sua proteção.
PENNA, A. B. M; MENEZES, D. S. Ensaio sobre memória e cidade: o Museu Mariano Procópio e o projeto Vozes da Memória
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O trailler do documentário Vozes da Memória, assim como seu site e redes sociais
estão disponíveis nos links abaixo para maiores informações:
Trailler: https://www.youtube.com/watch?v=IYfPX89hp58
Site: https://vozesdamemoria.wixsite.com/vozes
Instagram: https://www.instagram.com/vozesdamemoria/
Referências
CORADINE, Afonso B. e RANGEL, Tauã L. V. O reconhecimento do acesso ao patrimônio cultural como direito fundamental. Revista Âmbito Jurídico, Rio Grande, nº 158, ano XX, mar. 2017. (ISSN - 1518-0360) <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=18576&revista_caderno=4> GOMES, Marcos A. S. e SOARES, Beatriz S. A vegetação nos centros urbanos: considerações sobre os espaços verdes em cidades médias brasileiras. Estudos Geográficos, Rio Claro, 1(1): 19-29, Junho, 2003 (ISSN 1678—698X) <www.rc.unesp.br/igce/grad/geografia/revista.htm> TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. 1930. Tradução de Lívia de Oliveira, São Paulo: Difel, 1983. SANTOS, Reinaldo Soares dos. O Encanto da Lagoa: O imaginário histórico-cultural como elemento propulsor para o turismo cultural na Lagoa Encantada. Dissertação (Mestrado em Cultura e Turismo) - Programa de Pós-Graduação em Cultura e Turismo, UESC/UFBA, Ilhéus-Ba, 2004.
GABRIEL, A. P. S; BATISTA, K. G. A tutela das manifestações afro em Juiz de Fora em um breve resgate histórico-cultural
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Ensaio A tutela das manifestações afro em Juiz de Fora em um breve resgate
histórico-cultural
André Paulo da Silva Gabriel1 Karolyne Guedim Batista2
Resumo O presente ensaio objetiva a análise da atual efetividade do poder público na
preservação material da memória cultural africana, uma das matrizes da formação da identidade da cidade de Juiz de Fora. Para tanto, quantificam-se os mecanismos apresentados sob a forma de criações legislativas locais, contrapondo-os às mesmas estratégias destinadas à promoção de outras culturas - no caso, a cultura alemã.
Palavras-chave: Manifestações afro. Cultura negra. Políticas públicas. Juiz de Fora.
Introdução
Nascida às margens do chamado Caminho Novo - estrada destinada ao escoamento de
ouro entre a capital de Minas Gerais, Vila Rica, e Rio de Janeiro-, a cidade de Juiz de Fora, à
semelhança de uma série de outros povoados da Zona da Mata, formou-se a partir da
instalação de hospedarias e pequenas casas de comércio ao longo da região. Entretanto, como
afirma Paulino Oliveira (OLIVEIRA, 1966, p. 10), até o ano de 1836, a atual Juiz de Fora
consistia tão somente em uma fazenda de propriedade do Juiz de Fora, funcionário do Estado
que, segundo Saint-Hilaire, posteriormente conferiu seu título à cidade a que deu origem.
Somente em 1853, então chamada de Vila de Santo Antônio do Paraibuna, Juiz de Fora
adquiriu status de cidade.
Reunindo cada vez mais habitantes, Juiz de Fora tornou-se o destino de brasileiros
que, segundo incentivo do Império, vieram povoar fazendas cedidas pelo Governo, locais
onde, posteriormente, seria iniciada a produção cafeeira. A partir do ano de 1850, visando
ampliar ainda mais o perímetro habitado da região, o Governo do Império passou a promover
Juiz de Fora como destino de imigrantes de diversas regiões da Europa, dentre os quais pode-
se citar os italianos e os alemães. Contudo, apesar da tendenciosa ideia de que a cidade
1 Estudante no 6ª período do Bacharelado em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora. Agradecimentos a Denyz Degasperi Botacim Stofel pelo auxílio no levantamento legislativo. 2 Estudante da Universidade Federal de Juiz de Fora desde abril de 2016, quando ingressou na Faculdade de Direito da instituição. Atualmente, encontra-se na Faculdade de Letras da UFJF, para onde, em breve, será oficialmente transferida.
Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 63-72. 2019/1°semestre.
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abrigava, no século XIX, apenas habitantes de origem nobre ou europeia, urge lembrar que a
Juiz de Fora do período foi também morada da população cativa, que veio para a cidade no
auge da produção cafeeira local, que, juntamente com a indústria de prestação de serviços,
demandava cada vez mais mão de obra, tornando-se característico na região a formação de
quilombos, frequentemente reduzidos e atacados pelas milícias da cidade, por vezes, por
determinação do poder público
Nesse cenário extremamente miscigenado, consolidaram-se as influências atuantes
sobre a cultura juizforana: brasileiras, europeias e africanas. A partir da breve análise dessas
heranças culturais presentes na formação da identidade da cidade de Juiz de Fora, buscar-se-
ão resquícios legislativos e sociais que comprovem na atualidade a valorização das culturas
que deram origem àquela visível na cidade por meio de festividades e homenagens locais,
entre outros.
1 – Memória e manifestações culturais
Em Zubaran (2016), o conceito de memória coletiva é introdutoriamente apresentado
sob a perspectiva de Maurice Halbwachs, designando memória não como faculdade, mas
“uma representação que membros de um grupo vão produzir a respeito da memória
supostamente comum aos membros desse grupo”. No que se compreende a memória como
processo em construção, possível apenas no presente, sujeito a ressignificações e
reconstruções contínuas pelos indivíduos que hão de compreendê-la e empreendê-la
coletivamente. Assim, sobre as comunidades negras, as repressões sobre a cultura afro por
meio da estigmatização e do proibicionismo de suas práticas características têm um impacto
histórico profundo na construção dessa identidade e manutenção de sua unidade coletiva.
Acredita-se que este processo intencionava não apenas a uma mera aculturação de costumes
com objetivos civilizatórios, mas o enfraquecimento paulatino de uma comunidade ampla e
resistente submetida aos rigores da escravidão e, posteriormente, ao desamparo sócio-estatal,
uma vez que “no século XIX as lutas e revoltas eram fortalecidas além das lutas físicas, pois
em todo canto estavam presentes características das crenças e festividades próprias dos
negros, isso pode ser mensurado nas festas populares vistas no mundo rural e urbano e nas
organizações das irmandades de pretos” (FREITAS, 2016).
É no século XX, a partir da década de 1970, que movimentos sociais organizados,
fortalecidos então pelo processo de redemocratização do país, conseguem passar a ter atenção
das políticas públicas no sentido do resgate e promoção de suas memórias, concomitante ao
GABRIEL, A. P. S; BATISTA, K. G. A tutela das manifestações afro em Juiz de Fora em um breve resgate histórico-cultural
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combate ao racismo3. O espaço público pode, a partir disso, ser compreendido então como
novo ambiente de construção da memória coletiva deturpada e dinamitada nos anos passados,
evidente que submetida às ressignificações próprias de seu momento, a fim do fortalecimento
e consolidação da identidade afro, por meio da promoção e livre expressão de suas
festividades, manifestações culturais, artísticas ou religiosas. Por isso, a importância de se
conhecer a tutela concedida pelo poder público a tais manifestações, que se concretize no
apoio, incentivo e proteção a sua realização e consolidação, contribuindo diretamente a
construção da identidade afro local e nacional.
2 – Levantamento legislativo do município de Juiz de Fora
Entendendo que as políticas públicas estão suscetíveis às transições governamentais,
conforme novas composições do poder público executivo e legislativo e suas respectivas
secretarias, comissões e conselhos, a pesquisa procurou destacar as medidas de promoção da
cultura e manifestações afro a partir do recorte de produção legislativa de lei ordinária
municipal do município de Juiz de Fora, admitindo-se o alto grau de legitimidade social do
instrumento normativo fruto do processo democrático regular - proposta do poder legislativo,
por ele votada e aprovada, consequentemente sancionada pelo chefe do executivo - e a
estabilidade que confere as medidas que veicula. Submetidas a pesquisa pela plataforma
Sistema JFLegis4, disponibilizada pela Prefeitura Municipal de Juiz de Fora, selecionou-se, a
partir das palavras-chave “negro”, “preto”, “afro” (e, existindo, suas variantes em gênero e
número), os seguintes atos normativos, identificados como promotores das manifestações
culturais tradicionais da cultura afro, artísticas ou religiosas, sendo excluída do recorte a
legislação direcionada exclusivamente a políticas socioeconômicas, políticas de saúde e
políticas de desenvolvimento regional. Também foi excluída do recorte a legislação que
determina a criação de datas comemorativas desacompanhadas de qualquer encaminhamento
específico para a realização de eventos ou celebrações de cunho cultural, artístico ou
religioso5. Dos resultados finais, extrai-se o seguinte conjunto de leis:
3 MACEDO, 2012, citado por ZUBARAN, 2016 4 Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br 5 É o caso do “Dia Municipal da Mulher Negra Cirene Candanda” (a ser celebrado dia 25 de julho, cf. LEI Nº 13.256 - de 08 de dezembro de 2015); do “Feriado Municipal rememorando a morte do líder negro Zumbi dos Palmares” (ao dia 20 de novembro, cf. LEI Nº 13.242 - 20 de novembro de 2015); do “Dia Municipal da Consciência Negra” (na mesma data que o anterior, cf. LEI N.º 8752 de 21 de novembro de 1995) e da
Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 63-72. 2019/1°semestre.
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Legislação Ementa Trecho de Interesse
LEI N.º 9213 - de 27 de janeiro de 1998
Dispõe sobre o Combate ao Racismo no Município de Juiz de Fora e dá outras providências.
Art. 1º, parágrafo único, VIII6 - o desenvolvimento de programas que assegurem igualdade de oportunidade e tratamento nas políticas culturais do Município, tanto no que diz respeito no fomento à produção cultural, quanto na preservação da memória, objetivando dar visibilidade aos símbolos e manifestações do povo negro.
LEI N.º 9796 - de 19 de maio de 2000
Cria o Conselho Municipal para a Valorização da População Negra e dá outras providências.
Art. 2º, IV - promover festividades que incluam manifestações artísticas, musicais e religiosas próprias da cultura afro, como forma de valorização da cultura original da população negra.
LEI Nº 11.769 – de 26 de maio de 2009
Institui a Semana da Consciência Negra e da Cultura Afro-brasileira, incluindo-a no Calendário Oficial do Município de Juiz de Fora e dá outras providências.
Art. 4º. O Poder Público Municipal poderá instituir uma Comissão com o objetivo de organizar, juntamente com os grupos e entidades representativas do movimento negro e da cultura afro-brasileira, as atividades sociais, educativas e culturais a serem desenvolvidas durante as comemorações.
LEI Nº 12.144 - de 21 de outubro de 2010
Institui o Dia Municipal da Capoeira e dá outras providências.
Art. 3º, I - contribuir para a valorização da capoeira enquanto patrimônio imaterial e resistência cultural da identidade afro-brasileira; II - promover atividades que dêem visibilidade à pluralidade dos elementos envolvidos nessa arte-luta.
LEI Nº 13.109 - de 05 de março de 2015
Cria o Conselho Municipal para a Promoção da Igualdade Racial - COMPIR e o Fundo Municipal para Promoção da Igualdade Racial - FUMPIR e dá outras providências.
Art. 3º, IV - promover festividades que incluam manifestações artísticas, musicais e religiosas próprias da cultura negra e de outros seguimentos [sic] étnicos existentes no Município;
“comemoração da Abolição da Escravatura” (sem data definida no calendário anual, cf. LEI N.º 7.109 - de 19 de junho de 1987). 6 A redação original apresenta dois incisos VII e nenhum VIII, do que se conclui erro de datilografia na segunda ocorrência, a qual corresponde ao dispositivo citado. Dessa maneira, ele será encontrado no texto original como inciso VII do art 1º. Disponível para verificação em https://jflegis.pjf.mg.gov.br/c_norma.php?chave= 0000023032
GABRIEL, A. P. S; BATISTA, K. G. A tutela das manifestações afro em Juiz de Fora em um breve resgate histórico-cultural
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O conjunto encontrado de leis, por sua vez, demonstra-se extremamente amplo e
genérico nas suas orientações, verificando-se uma delegação de competências na busca pelos
objetivos elencados em seus incisos para estruturas diversas que passam a compor a
administração pública, na forma de Conselhos permanentes ou comissões eventuais, a
depender do caso. Estas, em geral, buscam um alto grau de representatividade nas suas
composições, visando a uma pluralidade de integrantes originários de diferentes setores do
poder público e da sociedade civil. Para citar um, toma-se como exemplo a composição do
Conselho Municipal da Promoção da Igualdade Racial (a que se atribui a promoção de
festividades próprias da cultura negra e segmentos étnicos existentes no Município), formado
por 24 conselheiros titulares, formados por 12 representantes da sociedade civil, escolhidos
entre entidades constituídas para defesa e promoção da Igualdade Racial e 12 representantes
governamentais selecionados por indicação de diversos órgãos e entidades7. Os mandatos
têm duração de dois anos, permitida uma recondução8.
Por um lado, ao institucionalizar tal Conselho (e outros, sejam conselhos permanentes,
sejam comissões eventuais, compostas em modelo semelhante, com fins aproximados) e suas
ações e objetivos há a conferência de legitimidade dos esforços do poder público em perseguir
a promoção da cultura afro. Por outro, no que tange ao desenvolvimento de manifestações
culturais tradicionais, há um afastamento do papel original de seus promotores originários e
guardiões históricos, responsáveis pela sua manutenção e transmissão em suas comunidades
originais, o que se verifica pela distribuição dos cargos em um meio para representantes da
sociedade civil e um meio para representantes diversos e difusos do poder
público/institucional. A preocupação é o fato de que “o poder público brasileiro participa de
um processo de culturalização de símbolos e rituais religiosos de origem africana, sem dar a
devida valorização às pessoas que os trouxeram e os produzem no País”9.
Nesse âmbito, torna-se de alta relevância o reconhecimento de organizações
independentes da sociedade civil, originárias e titulares dessa cultura passada de geração em
7 A saber “a) 01 (um) representante da Secretaria de Governo; b) 01 (um) representante da Secretaria de Educação; c) 01 (um) representante da Secretaria de Saúde; d) 01 (um) representante da Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage - FUNALFA; e) 01 (um) representante da Secretaria de Desenvolvimento Social; f) 01 (um) representante da Ordem dos Advogados de Minas Gerais/Subseção Juiz de Fora; g) 01 (um) representante da Câmara Municipal; h) 01 (um) representante da Universidade Federal de Juiz de Fora; i) 01 (um) representante da Superintendência Regional de Ensino de Juiz de Fora; j) 01 (um) representante da Fundação Hemominas; k) 01 (um) representante da Polícia Militar de Minas Gerais; l) 01 (um) representante da Polícia Civil de Minas Gerais”, cf. art. 4º da LEI Nº 13.109 - de 05 de março de 2015. 8 Cf. Art 5º da LEI Nº 13.109 - de 05 de março de 2015. 9 FERREIRA, 2018.
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geração, que ganham mandato de legitimidade para pleitear e articular os direitos dessa
comunidade frente ao poder público, autonomamente ou inserida em tais conselhos e comitês.
Na cidade de Juiz de Fora, positivamente há o reconhecimento de instituições de utilidade
pública conectadas à cultura afro, artística e ou religiosamente, por meio de certificado
próprio conferido por lei municipal. Conforme resultados de pesquisa com as mesmas
palavras-chave acima citadas, encontram-se, a saber, as instituições:
Entidade de Utilidade Pública Certificada pela
Batuque Afro-Brasileiro de Nelson Silva LEI N.º 5245 - de 08 de junho de 1977
Culto Afro Ile Ase Oba Aganju Ati Yeye Oke LEI N.º 10.567 - de 24 de outubro de 2003
Associação Religiosa e Cultural de Culto Afro Brasileiro Ilê Axé Aldeia de Oxosse
LEI N° 11.979 – de 02 de março de 2010
Com isso, encerram-se as determinações legislativas do Município disponibilizadas no
recorte realizado acerca da promoção das manifestações culturais, artísticas ou religiosas na
forma de eventos e festividades com o apoio e suporte do poder público, visando a uma
consolidação da memória histórica em torno dessa herança étnica-cultural na cidade.
A partir desse ponto, procurou-se traçar paralelo com outra manifestação étnica-
cultural, conferindo-se maior destaque, no município, à cultura alemã. Tendo como
referencial os atos normativos direcionados à sua difusão, diferentemente do recorte anterior,
no qual foram encontrados dispositivos difusos, amplos e genéricos, os critérios de pesquisa
análogos (legislação ordinária, por meio da palavras-chave “alemão” e suas variações em
gênero e número), apresentaram como resultado leis em menor quantidade, mais específicas e
direcionadas a um único evento, as quais apresentam-se no quadro abaixo. Surgem, ainda,
duas entidade beneméritas e de utilidade pública, as quais, no entanto, diferentemente das
anteriores, não encontram conexão com o ordenamento referente às manifestações culturais.
Legislação Ementa
LEI Nº 11.714 – de 11 de dezembro de 2008 Dispõe sobre a instituição no Calendário Oficial do Município de Juiz de Fora, do evento que menciona. [“Festa Alemã”].
LEI Nº 12.621 - de 09 de julho de 2012 Declara de Utilidade Pública, para fins de tombamento como patrimônio cultural da cidade, A Festa Alemã do Bairro Borboleta.
LEI Nº 13.742 - de 06 de agosto de 2018 Declara o Bairro Borboleta como Bairro Alemão.
GABRIEL, A. P. S; BATISTA, K. G. A tutela das manifestações afro em Juiz de Fora em um breve resgate histórico-cultural
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Assim, constata-se que, enquanto as manifestações afro recebem tratamento
legislativo difuso e desconcentrado, fruto de orientações amplas e genéricas, a cultura alemã
institucionalizou sua celebração em torno de um evento único, ao longo de dois atos
normativos e um terceiro, mais recente, determinando geograficamente na cidade sua maior
incidência. Ao mesmo tempo, é também notável a proximidade no tempo entre a publicação
dessas leis, em comparação com as anteriores.
Enquanto a promoção das manifestações da cultura negra e os esforços do poder
público estendem-se e se renovam no tempo (de 1998 a 2015), sem se consolidarem em uma
única manifestação definida, a tutela do evento “Festa Alemã” inicia-se em 2008 e consolida-
se em curto período de tempo (de 2008 a 2012). De razões para isso, pode-se constatar a partir
do último ato normativo encontrado, correspondente ao recorte das duas pesquisas realizadas,
a Lei nº 13.480 de 26 de dezembro de 2016, a qual, conforme sua ementa, “autoriza o
dispêndio de transferências correntes para entidades sem fins lucrativos, para o exercício
financeiro de 2018”. Nessa autorização do poder legislativo ao executivo, conforme projeto
remetido por este, extraem-se direcionamentos orçamentários a diferentes setores e eventos de
cunho social, cultural e da saúde. Distribuídos por secretarias governamentais e entidades, é
precipitado determinar seu efetivo uso, relembrando aqui o recorte realizado reter-se a Lei
Municipal ordinária e sua distribuição efetiva decorrer de ato administrativo de órgão público.
Repara-se, no entanto, no planejamento a priori de se destinar os seguintes valores
propriamente a duas contas determinadas, a Festa Alemã e a Valorização da Cultura Afro-
Descendente: “404100 Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage 13.392.0006.2015.0000 Eventos Culturais Festival de Coros Festa Alemã Banda de Música Monte Castelo Banda de Música Tenente Januário 3.3.50.41 - Contribuições R$ 22.200,00 13.392.0006.2017.0000 Festividades Carnavalescas Liga das Escolas de Samba de Juiz de Fora Associação de Blocos Carnavalescos de Juiz de Fora Lei Rouanet 3.3.50.41 - Contribuições R$1.580.000,00 13.392.0006.2021.0000 Valorização da Cultura Afrodescendente 3.3.50.41 - Contribuições R$ 12.000,00” (JUIZ DE FORA, LEI Nº 13.635 - de 27 de dezembro de 2017)
Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 63-72. 2019/1°semestre.
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No ato correspondente ao exercício financeiro de 2017, a Festa Alemã, por sua vez,
não constava entre as contas favorecidas, e o fundo de Valorização da Cultura
Afrodescendente tinha seu valor elevado, conforme lê-se:
“13.392.0012.2255.0000 - Valorização da Cultura Afro-Descendente
3.3.50.41 - Contribuições R$ 23.000,00” (JUIZ DE FORA, LEI Nº 13.480/2016).
Reafirma-se, porém, a incapacidade do recorte adotado neste ensaio para averiguar o
efetivo uso e destinação de tais valores para além das organizações a que se referem.
Considerações finais
A partir da revisão anteriormente analisada acerca das produções legislativas da cidade
de Juiz de Fora no tocante à promoção e valorização concreta da cultura africana em meio aos
eventos locais, pode-se notar que, a despeito da institucionalização de eventos como a Festa
Alemã, por exemplo, manifestações próprias à cultura africana não recebem a mesma tutela
direcionada e concentrada em um evento determinado. Se por um lado isso abre espaço para a
realização de diversos eventos de ocasião, por outro, aparenta demonstrar uma menor
efetividade do poder público em mapear, identificar e reconhecer tais movimentos. . Dessa
forma, é de extrema importância o engajamento de organizações civis independentes que
tenham por escopo a expansão da consciência histórica a respeito do fundamental papel
desempenhado por diversos aspectos da cultura afro que, fazem parte de nosso cotidiano.
Entretanto, embora seja de suma importância a participação da sociedade civil, não se
pode deixar de imputar o dever de promoção de manifestações culturais de origem africana ao
poder público, ente que, em princípio, é responsável pela divulgação e disseminação de tais
manifestações, as quais, por encontrarem-se na base da formação da identidade da sociedade
juizforana, deveriam, a exemplo do que ocorre com as expressões da cultura alemã na cidade,
ser tratadas como patrimônio cultural, tal qual ocorre com a Festa Alemã, legalmente tombada
como tal. Ao tempo em que existem pelo menos três organizações da sociedade civil
reconhecidas como entidades de utilidade pública relacionadas a cultura afro e suas múltiplas
facetas, o poder público ainda não foi capaz de tutelar uma das manifestações como um
evento de caráter não apenas próprio a um subgrupo, mas formador de toda a cultura e história
da cidade, ou seja, pertencentes ao juiz-forano.
Por fim, apesar dos existentes e diversos esforços legislativos em se tutelar e promover
as manifestações culturais, artísticas e religiosas da cultura afro, o poder público falha na
missão de construção de uma memória coletiva que torne possível a identificação cultural da
GABRIEL, A. P. S; BATISTA, K. G. A tutela das manifestações afro em Juiz de Fora em um breve resgate histórico-cultural
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cidade com a identidade negra que a compõe. Está, assim, a cidade ainda sujeita aos reflexos e
consequências cruéis dos esforços passados em se afastar a cultura negra e destruir suas
raízes, como fazia por meio das ordens impetradas contra os quilombos arredores, nos tempos
do Império.
Referências
FERREIRA, Ivan. Manifestações afros são incorporadas à cultura sem valorização dos negros. Disponível em https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-humanas/manifestacoes-afro-s ao-incorporadas-a-cultura-sem-valorizacao-dos-negros/. Acesso em 05 de outubro de 2018. FREITAS, Madalena Dias Silva. Manifestações culturais como forma de resistência do negro brasileiro: Festa da Congada. V Congresso Internacional de História, Jataí, 2016. Disponível em http://www.congressohistoriajatai.org/2016/resources/anais/6/147794 9441_ARQUIVO_Manifestacoesculturaiscomoformaderesistenciadonegrobrasileiro.pdf. Acesso em 30 de setembro de 2018. JUIZ DE FORA. LEI N.º 5245 - de 08 de junho de 1977. Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br. Acesso em 30 de setembro de 2018. ________________. LEI N.º 9213 - de 27 de janeiro de 1998. Dispõe sobre o Combate ao Racismo no Município de Juiz de Fora e dá outras providências. Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br. Acesso em 30 de setembro de 2018. ______________. LEI N.º 9796 - de 19 de maio de 2000. Cria o Conselho Municipal para a Valorização da População Negra e dá outras providências. Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br. Acesso em 30 de setembro de 2018. _____________. LEI N.º 10.567 - de 24 de outubro de 2003. Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br. Acesso em 30 de setembro de 2018. _____________. LEI Nº 11.769 – de 26 de maio de 2009. Institui a Semana da Consciência Negra e da Cultura Afro-brasileira, incluindo-a no Calendário Oficial do Município de Juiz de Fora e dá outras providências. Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br. Acesso em 30 de setembro de 2018. _____________. LEI N° 11.979 – de 02 de março de 2010. Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br. Acesso em 30 de setembro de 2018. _____________. LEI Nº 12.144 - de 21 de outubro de 2010. Institui o Dia Municipal da Capoeira e dá outras providências. Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br. Acesso em 30 de setembro de 2018. _____________. LEI Nº 13.109 - de 05 de março de 2015. Cria o Conselho Municipal para a Promoção da Igualdade Racial - COMPIR e o Fundo Municipal para Promoção da Igualdade Racial - FUMPIR e dá outras providências. Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br. Acesso em 30 de setembro de 2018.
Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 63-72. 2019/1°semestre.
Alethes | 72
_____________. LEI Nº 11.714 – de 11 de dezembro de 2008. Dispõe sobre a instituição no Calendário Oficial do Município de Juiz de Fora, do evento que menciona. Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br. Acesso em 30 de setembro de 2018. _____________. LEI Nº 12.621 - de 09 de julho de 2012. Declara de Utilidade Pública, para fins de tombamento como patrimônio cultural da cidade, A Festa Alemã do Bairro Borboleta. Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br. Acesso em 30 de setembro de 2018. _____________. LEI Nº 13.742 - de 06 de agosto de 2018. Declara o Bairro Borboleta como Bairro Alemão. Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br. Acesso em 30 de setembro de 2018. OLIVEIRA, Paulino. História de Juiz de Fora. 2. ed. Juiz de Fora: Gráfica Comércio e Indústria, 1966. ZUBARAN, Maria Angélica. Memórias e patrimônios documentais afrobrasileiros: implicações para a educação. Textura, Canoas, v. 18, n. 36, p. 230-249, jan./abr. 2016. Disponível em http://www.periodicos.ulbra.br/index.php/txra/article/viewFile/1566/1462. Acesso em 30 de setembro de 2018.
Poemas
Alethes | 75
Casarão
Ana Luiza Brinati Medina
A luz se encolhe,
aos poucos,
sob o barulho estridente da cidade.
A multidão parece calar-se somente aos domingos,
e nos dias de velar os indigentes.
Ao longe, a funerária acolhe mais um
de seus vívidos corpos.
(Há muitas bocas numa morte pequena).
A criança prende-se ao colo da mãe,
os olhos castanhos mareados,
dois corpos entrelaçados como um.
O vento assobia no escuro dos meus ouvidos,
a pele brilha, os pelos arrepiados.
Ao fundo, o céu que voa,
os pássaros que se põem.
As senhoras adentram a padaria.
O café nunca pareceu tão fresco,
o pão nunca pareceu tão quente.
Ouço lentas buzinas,
e sinos abarrotando Igrejas,
colonizando índios,
decretando Inquisições.
Vejo cruzes e o Redentor,
sinto saudades do Rio.
Poemas
Alethes | 76
Concrescere
Daniela Dell’Isola
Poemas
Alethes | 77
Vale do Ácido Inoxidável Hugo Paiva Barbosa
Nasci no Vale
Cheio de Aço ao redor
Com usinas espalhadas
E eu cheirando pó
Pó de malha de ferro
Metais pesados por aí
Quanto mais olhava o espelho
Frio e térreo me senti
Frio do metal
Terra de onde ele vem
Mas se alguém coloca fogo
Pode esquentar também
O calor é insuportável
A dor, inimaginável
É por isso que a pele
É tipo aço inoxidável
O ferro vem é cru
Das montanhas de onde vem Drummond
Em Timóteo processado
Pra depois agradar fã
É o vício que consome
É um ar poluído
É barulho pra caralho
Pode até "surdar" ouvido
O que é derretido
Não é meramente o ferro
O coração de quem vive lá
Fundido no cemitério
Fundida tá a mente
Depois tanto cheirar pó
A barriga é só miséria
É fudida à quiproquó
Fotografias
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Por Ana Luiza Brinati Medina, São João Del
Rey-MG (1 a 4).
1
2
Fotografias
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4. Fotografia eleita para compor a capa da edição.
3
Fotografias
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6
7
Fotografias
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Por Lucas Borges da Cruz, Juiz de Fora-MG (6 a 8).
6 8
Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães
Alethes | 87
Entrevista
Elione Guimarães é mestre e doutora
em História pela UFF, professora,
pesquisadora do Arquivo Histórico de
Juiz de Fora e autora de uma vasta lista
de livros. Em seus estudos se preocupa
com as leis, os direitos as concepções de
justiça em relação aos afrodescendentes
no escravismo e no pós-emancipação.
Dedica-se, ainda, a estudar o acesso à
terra por escravos e libertos, os usos, a
ocupação e as possibilidades de
manutenção da propriedade rural pelos
emancipados.
No dia 26 de outubro de 2018, a
pesquisadora do Arquivo Histórico de Juiz
de Fora Elione Silva Guimarães recebeu os
editores da Alethes Lívia Calderaro Garcia e
Felipe César de Andrade para uma
entrevista acerca do trabalho que realiza
no acervo, que tem sido uma prolífica
fonte de pesquisa para pesquisadores de
diversa áreas, além de todos os
interessados em conhecer a história da
cidade de Juiz de Fora e seu entorno.
Segue:
Alethes: A gente agradece o aceite do
convite Elione. A temática do próximo
dossiê é “Cidade e memória”, então a
gente gostaria de começar pelos
arquivos com os quais você trabalha
aqui no arquivo histórico de Juiz de
Fora. Você poderia contar um pouco da
importância do seu trabalho de
conservação realizado pela memória da
cidade? Também gostaríamos de
escutar algumas experiências e opiniões
pessoais, detalhes do funcionamento
aqui do arquivo, rotina e resultados
alcançados nesses longos anos em que
você trabalha aqui.
Elione: O trabalho da gente aqui no
arquivo começou em 1985, primeiro
com a documentação que já estava
Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães
Alethes | 88
acumulada pela prefeitura, e
posteriormente a gente recolheu outros
acervos. Você quer que eu fale da
documentação mais geral, que eu fale
dessa documentação mais relacionada à
questão criminal ou da documentação
do fórum?
A: Pode falar do arquivo primeiro e
depois você aborda esses pontos.
E: Então, quando a gente começou, a
documentação estava preservada.
Acredito que Juiz de Fora é uma cidade
privilegiada em termos de conservação
de acervos, porque a gente possui
diversidade, quantidade e qualidade de
material, então mesmo uma pessoa leiga
olha e fala “olha, esse documento tá
feio, tá sujo, tá precisando de
restaurar”. Aqui, o importante é que
eles estão num suporte que está
preservado, que a gente tem acesso à
informação e aqueles que a gente
considera ser necessário [passar por] um
trabalho de restauração é uma
quantidade pequena. Não só nesse
arquivo aqui da prefeitura, [também] no
arquivo municipal, tem vários outros
que também têm qualidade, quantidade
e bom estado de conservação. A gente
começou com esse acervo, e
posteriormente a gente foi recolhendo
outros acervos que estavam em risco,
tanto do próprio município, o distrito
sede, como nos distritos que pertencem
a Juiz de Fora. Por exemplo, a gente
recolheu a documentação cartorária de
Chapéu d'Uvas, Paula Lima, Rosário de
Minas e de Torreões, e também de
Vargem Grande, que é a atual Belmiro
Braga. A gente recolheu esses acervos
porque eles estavam em risco onde se
encontravam. Nós sempre acreditamos
que o melhor é que o acervo permaneça
no seu local de origem, [pois] assim ele
está mais perto da comunidade. Nós
pensamos que o acervo não é
importante só para a comunidade
acadêmica, mas para as pessoas, para o
cidadão, que quer conhecer sua história
ou que quer conhecer a história da sua
localidade, e o acesso para ele é mais
fácil se essa documentação ficar no
local de origem. A gente recolhe em
situações de risco. Desde então, a gente
procura fazer algumas ações no sentido
de conscientizar algumas cidades do
entorno, da microrregião de Juiz de
Fora, a também fazer esse trabalho de
preservação. Estamos sempre ajudando
apesar da escassez de recursos. Nós
ajudamos, por exemplo, Mar de
Espanha. Mar de Espanha tinha um
acervo em risco, porque o acervo
administrativo que lá havia estava
depositado numa sala na rodoviária da
cidade. A gente trouxe essa
Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães
Alethes | 89
documentação para cá, higienizou,
organizou, digitalizou e devolvemos
para o Centro Cultural de Mar de
Espanha. Eles montaram o Centro
Cultural com a documentação que a
gente devolveu organizada,
inventariada, disponível para pesquisa e
digitalizada com imagens para que eles
fizessem uso da forma que eles
achassem melhor. Então, se você vai
pesquisar isso, recebe uma cópia, recebe
acesso, então você tá não somente
preservando a documentação, mas
também fazendo circular. É claro que a
gente não deseja que algo assim
aconteça, mas, no caso de um acidente
como o que aconteceu no museu do Rio,
você tem pelo menos a documentação, a
imagem da documentação, que está
circulando, tem outras pessoas que
possuem [cópias dos documentos]
também. Nós recolhemos em 1995 o
acervo do fórum, que ia fazer uma
reforma e descartar a documentação
antiga que lá havia. Nós pedimos que
eles não se desfizessem dela assim,
porque tem uma lei que determina que
toda instituição é responsável pelo
acervo que produz e que recebe, mas
eles alegaram que não tinham condições
de manter, que essa documentação
antiga seria descartada, então nós
recolhemos uma parte e a Universidade
Federal recolheu outra. A gente tem
principalmente [documentos
relacionados a processos de] crime e a
federal tem principalmente o acervo
cível, embora a gente também tenha um
pouco de cível aqui, então, foi nesse
contexto que a documentação veio para
cá. Quando veio, estava tudo misturado,
porque ela estava depositada em uma
sala do fórum, sem organização. A
gente tem documentos de 1829 e
processos a partir dessa data é que
vieram para cá, pra ficar mais restrita a
essa documentação que veio do fórum.
A gente então organizou, e como nós
organizamos? Nós dividimos a
documentação em dois fundos, que são
os grandes grupos de documentos, a
gente dividiu no criminal e no cível. O
criminal a gente organizou de acordo
com o código [Penal] vigente à época],
então o primeiro é o de 1830, ele muda
em 1891, e ele muda de novo em 1942.
Então a gente faz esses grupos: a
documentação criminal no período
imperial, primeiro Código; do segundo
[Código Penal] até 1942; e de 1942 até
1945, que foi a data limite para o
recolhimento que a gente estabeleceu. E
aí a gente organizou de acordo com o
delito, então a gente olhou no código
quais são os delitos desse período e
organizamos de acordo com eles, sendo
então os de homicídio, ofensas físicas,
furto, roubo e etc, seguindo cada um
Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães
Alethes | 90
desses códigos conforme eu disse antes.
Dentro de cada tipo de delito a gente
organiza os documentos e processos em
ordem cronológica. Tivemos um pouco
mais de dificuldade para organizar a
parte do acervo cível, porque nós não
temos uma formação exatamente
técnica nesse ramo, então a gente
identifica o tipo de ação, por exemplo,
execução, inventário, testamentária etc.,
e a partir daí a gente separou,
conscientes de que estamos correndo
alguns riscos de não ter ficado cem por
cento né, mas era o que nós tínhamos
condições de fazer. Dentro disso nós
também organizamos em ordem
cronológica, então foi nessas condições
que a documentação veio parar aqui e
foi dessa forma que nós organizamos
essa documentação do crime e cível. O
acervo de documentação da justiça do
trabalho a gente também recolheu
porque ia ser eliminado e nós
recolhemos exatamente por entender
que a documentação, mesmo que não
tenha mais implicações legais, continua
tendo informação, então isso é
importante para a preservação da
memória e da história da cidade. Quanto
à documentação criminal, são duas
juntas, os processos são numerados e a
gente organizou seguindo a numeração
dos processos.
A: Como funciona a sua rotina aqui no
arquivo?
E: A rotina para pesquisa ou rotina
mesmo
de trabalho?
A: Pode falar dos dois, nós somos um
pouco leigos na área.
E: Assim, em relação ao trabalho, eu
sempre digo, a gente tem uma equipe
muito pequena. A gente já teve uma
equipe maior, mas nesse momento
somos só dois funcionários, o Henrique,
que é o diretor, e eu, cuja função é
principalmente coordenar os trabalhos e
os projetos educativos. Eu vim pra cá
para isso, a gente tem um projeto
educativo que chama “Arquivo escola,
um arquivo que ensina”. O nosso
objetivo é receber estudantes de todos
os níveis, desde os menorzinhos até a
pós-graduação, para que eles possam
entrar em contato com essa
documentação. Partindo do princípio de
que a história que está mais próxima é
aquela que mais interessa, que é mais
fácil de ser compreendida e que é a
partir daí que você vai ter um interesse
por uma história mais ampla é que a
gente fez esse projeto. Esse projeto
especificamente funciona assim: o
professor interessado agenda um horário
Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães
Alethes | 91
e pede um tema, e a gente vai tentar
atender de acordo com isso. Por
exemplo, um dos temas mais pedidos é
a questão da escravidão, então a gente
vai separar documentos variados que
falem sobre a escravidão em Juiz de
Fora, vai fazer uma palestra e vai
mostrar os documentos, nesse caso eles
vão ser mais ilustrativos.
A: Vocês fazem isso aqui no arquivo ou
vocês vão nas escolas?
E: A gente faz aqui no arquivo, teve
uma época em que a gente ia nas
escolas, mas como eu disse, a equipe é
muito reduzida, então ter que sair
complica muito para a gente, porque um
atendimento desse vai levar tempo. Eu
vou atender de 40 minutos a uma hora,
uma hora e pouco, dependendo do nível
do estudante, para os menores eu vou
falar um tempo menor, entre meia hora
d 40 minutos, porque eles vão se cansar
e se dispersar. Mas os adultos, por
exemplo, já da licenciatura, dos cursos
de pós graduação, para esses eu posso
falar por um tempo maior, em torno de
uma hora, uma hora e pouquinho. Mas
se eu tiver que sair da cidade, o tempo
que eu gasto para ir e voltar, a pessoa
que estiver aqui vai ficar sozinha.
Quando eu estou atendendo aqui eu só
vou me ocupar durante o tempo do
atendimento, então eu posso ajudar nas
outras atividades porque na organização
do acervo tem muita coisa já
organizada, mas a gente ainda tem
muita coisa por organizar, e mesmo que
já está organizado a gente procura
melhorar. Por exemplo, a gente fez um
banco de dados que está no site da
prefeitura, então você tem um link no
site da Prefeitura para o arquivo
histórico e os nossos inventários estão
lá, então, por exemplo, se você pedir os
criminais, verá listados todos os
processos que eu tenho aqui, e com o
cível a mesma coisa. A justiça do
trabalho a gente ainda não tem isso,
porque nós não conseguimos ainda
fazer os bancos de dados, então na
medida que o tempo permite, que o
atendimento permite, a gente vai
fazendo esse serviço. Eu costumo dizer
que aqui a gente joga nas onze e senta
no banco de reserva, você tem que fazer
um pouco de tudo.
A: Nesse banco de dados tem só o
número do processo ou ele aparece
digitalizado, na íntegra?
E: Eu não trabalho com o número,
digitalizado eu não tenho, então vou
explicar um pouco por aí. O que que eu
coloco nesse banco de dados e o que
que você vai ter nesse sitem nesse
Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães
Alethes | 92
inventário que você acessa pela
prefeitura, a gente coloca o tipo de
crime, a data, nome do réu e o nome da
vítima. Eu não posso detalhar muito
porque isso vai demandar muito tempo,
então, como eu disse, como a gente
ainda tem muita coisa precisando de um
atendimento mais urgentes a gente vai
fazendo aos poucos. Se você pegar o
Cível, ocorre a mesma coisa, mas, se
pegar, por exemplo, a documentação de
cartórios, eu tenho do cartório Maninho
Farias, que é o primeiro cartório de
notas, nesse caso, eu tenho o livro de
notas do período tal, tal e tal. livro 1,
livro 2 do período tal, tal e tal, então é
uma coisa assim mais geral, não tá
detalhado, eu não tenho o nome das
pessoas que tem esses livros, escrituras
de compra e venda, escrituras de
perfilhação, então eu não vou ter os
nomes, não vou ter as datas, esse nível
de detalhamento eu não tenho para esse
acervo. Quanto a digitalizar, a gente
pretende digitalizar e colocar tudo na
internet, nós temos até parte do acervo
digitalizado, o que a gente não teve
ainda foi condições de colocar na
internet, já tentamos com a prefeitura,
mas ela diz que precisa de um servidor
com uma capacidade que ela alega não
possuir, já tentamos fazer alguns
projetos e conseguimos aprovação para
alguns que infelizmente não puderam
ser executados. Depois desses nós não
tivemos mais oportunidades, por
algumas razões, uma delas é que não é
sempre que abre um edital para o qual
você consegue se candidatar, pois às
vezes são exigidas coisas que a gente
não tem, como por exemplo, sede
própria, pois o prédio é alugado, então a
gente acaba não podendo concorrer, por
exemplo. E agora com a crise, a gente
não tá tendo essa oportunidade, mas a
ideia é essa, é digitalizar. A gente vai
digitalizando de qualquer forma porque
é uma forma de preservação, às vezes
eu não tenho condições sequer de deixar
que aquele que veio pesquisar tenha
acesso ao documento físico, eu vou dar
acesso à imagem do que eu já tenho
digitalizado, porque eu não tenho
computadores para poder disponibilizar.
Então, quando é um documento que está
muito fragilizado, como por exemplo, a
gente tem um acervo de plantas da
cidade de coisas que foram construídas
ou não, tanto públicas quanto
particulares, e eu estou digitalizando
todas as plantas, e até onde eu já
digitalizei eu não dou mais acesso ao
físico, porque é um suporte muito frágil,
então se as pessoas ficarem manuseando
a gente vai perder esse suporte material
e vamos perder a informação. A mesma
coisa são os jornais, que também
ressecam muito, então eu ainda não tive
Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães
Alethes | 93
condições de digitalizar, a gente até já
começou a digitalizar aqueles que estão
mais danificados para não dar mais
acesso, mas também ainda é um
trabalho que está em processo e a gente
às vezes é muito atropelado pelas
necessidades. Se eu recolher um acervo
hoje, por exemplo, ele chega aqui e eu
tenho que parar o serviço que está sendo
feito, de digitalização, por exemplo, que
tá sendo feito para poder higienizar essa
documentação e organizar para
disponibilizar para pesquisa. Aí eu paro
o outro e venho para esse, e como eu
disse é uma equipe pequena hoje, com
dois funcionários e quatro estagiários,
então a gente tem que ir dividindo o
trabalho de acordo com as
possibilidades.
A importância disso para a
preservação da memória acho que já
ficou mais do que evidente, porque é
uma documentação muito variada, então
eu vou comentar por alto sobre o que a
gente tem aqui. A gente tem a
documentação administrativa desde
1853, quando foi instalada a primeira
Câmara até 1945. Temos a
documentação criminal desde esse
processo que foi aberto em 1829 até
1945, temos cível, a documentação de
cartórios que, como eu falei para você,
os livros de notas, alguns registros do
distrito-sede não [possuímos], mas a
gente tem registro de casamento,
nascimento e óbito para Vargem
Grande, Rosário, e Torreões. Temos
dois títulos de jornais, o Mercantil e o
Da Tarde, a gente tem a documentação
da Justiça do Trabalho, então você pode
estudar os mais diferentes temas, e não
só sob a perspectiva da história, mas sob
as mais diversas perspectivas, por isso
eu disse que a documentação é muito
rica. Juiz de Fora com certeza é um dos
poucos lugares no Brasil que possui
tanta diversidade de tipos de fontes que
te permitem fazer estudos, você me fez
uma pergunta antes, a gente volta nela
agora, da forma que eu consegui
trabalhar. Essa diversidade acho que
ajuda pra isso, então a gente está
preservando a memória e esse trabalho
educativo também contribui com isso.
eu já tive aqui alunos que vieram com a
escola e que depois voltaram num outro
horário, por exemplo, um deles voltou
com o avô, disse “achei que meu avô ia
gostar de conhecer isso aqui”. Eu achei
isso muito lindo, uma criança que
voltou com o avô porque o avô ia
lembrar de coisas e ia gostar! Eu tive
um pai que depois que a escola veio ele
alugou uma van e voltou com a filha e
um grupo de amiguinhas, passou um dia
aqui, passou a tarde inteira aqui comigo
para poder fazer mais, eu tive alunos
que não queriam ir embora, então eu
Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães
Alethes | 94
acho que com isso a gente acaba
contribuindo para a formação de um
cidadão consciente da importância da
preservação da memória né, desse
conhecimento. Tem uma frase que eu
costumo usar sempre aqui que é assim
“a gente só briga por aquilo que a gente
ama, mas a gente só ama aquilo que a
gente conhece”, então na medida em
que você conhece a história da sua
cidade, a luta das pessoas que vieram
antes de você para preservar, para
transformar, pois essa cidade era um
brejo, [e hoje] esse centro é bonito,
eisso foi possível graças a luta dessas
pessoas, e que se lá no meu bairro eu
tenho uma série de problemas que me
remetem a como era essa cidade no
passado o que tá faltando para melhorar
esse bairro? São as ações políticas, e o
resultado disso é a organização, é luta, é
reivindicação, é participação, então eu
acho que a gente contribui um pouco
para a formação das pessoas como
cidadãos conscientes da importância da
preservação, da importância da atuação
do cidadão nessa transformação.
A: Em relação ao seu livro Aspectos
Cotidianos da Escravidão em Juiz de
Fora, qual foi a metodologia de
pesquisa utilizada? Historiográfica?
Etnográfica? Você teve acesso a algum
tipo de relato?
E: Esse livro eu fiz com Valéria Alves
Guimarães, minha amiga, que na época
era estagiária aqui no Arquivo. Na
verdade, esse livro é muito
despretensioso, pois eu comecei com
esse projeto educativo que eu comentei
antes, por uma coincidência, no mesmo
ano em que mudou os parâmetros
curriculares. As professoras, desde o
ensino fundamental, passaram a ensinar
história e geografia local, porém com
dificuldades, porque na época não tinha
muita publicação de livros e elas tinham
que trabalhar, para poder levar isso para
Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães
Alethes | 95
sala de aula, em cima de algumas teses
e dissertações com uma linguagem
muito academicista, não acessível nem
mesmo para o professor, que muitas
vezes não tinha uma formação em
história, ou até para uma professora,
uma normalista, uma pedagoga; claro
que era muito mais fácil para essas, mas
tinha muitos jargões, que a gente usa
cada um na sua profissão e que, às
vezes, dificultam um pouco a
compreensão. Então as professoras
chegavam aqui e pediam para falar
sobre a história da cidade. Só que é
impossível você falar sobre a história da
cidade em 40, 50 minutos, então
procurávamos abordar alguns pontos.
Passei a observar nesses encontros que
um dos temas que mais chamavam
atenção era justamente a questão da
escravidão e mesmo os professores, às
vezes, surpreendiam-se. Friso que não
eram professoras com formação em
História, mas sim normalistas,
pedagogas. Até mesmo nós que fizemos
o curso de História, na época, não
tínhamos a história local muito
trabalhada, logo esta dificuldade era
mais do que compreensível.
Quando se falava que “Juiz de
Fora tinha tantos escravos… era o
município com maior número de
escravos na província…”, província que
possuía um dos maiores quantitativos de
escravos do Brasil, as pessoas se
surpreendiam: “nossa mas teve
escravidão em Juiz de Fora?”. Então é
aquilo: a gente é uma coisa e a história é
outra coisa, como se não fizéssemos
parte dela, quando a história é feita por
todos e cada um de nós. Foi observando
isso que eu e Valéria resolvemos montar
nesse ponto um material para podermos
trabalhar nas aulas mesmo, já que, como
eu disse, era um dos temas mais
solicitados, então fomos separando
alguns documentos. Portanto, a pesquisa
foi historiográfica e os documentos
entraram quase que para ilustrar.
Algumas questões já tinham sido
trabalhadas por alguns estudiosos da
cidade, principalmente pelo Professor
Rômulo Andrade, produtor do primeiro
trabalho mais voltado para pesquisa
empírica sobre escravidão em Juiz de
Fora; contudo, algumas questões ainda
não haviam sido trabalhadas por
ninguém, mas sempre eram
questionadas: as crianças perguntavam e
eu ficava meio sem resposta! Foi a
partir daí que eu comecei a estudar a
questão da escravidão mesmo, para
tentar responder algumas das questões
que me eram colocadas. Naquele
momento, em 1995, a gente não tinha
muitas respostas e hoje nós temos vários
trabalhos tanto sobre escravidão como
sobre outros temas.
Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães
Alethes | 96
Agora lembro que na pergunta
anterior faltou falar sobre isso, mas eu
separei alguns livros, não todos, mas
alguns, que eu tinha e que trabalharam
também sobre essa documentação. Para
vocês terem ideia, esse, do Denilson
Barbosa, Movimento Operário e o Uso
da Justiça do Trabalho; esse de
economia da Rita de Cássia Silva
Almico, Em Nome da Palavra e da Lei,
ela que trabalhou principalmente com as
ações de execução de dívidas; esse
trabalho da Sônia Maria de Souza,
Terra, Família, Solidariedade:
estratégias de sobrevivência camponesa
no período de transição - Juiz de Fora
(1870-1920), que pesquisou muito aqui
com a gente e também pesquisou essa
documentação criminal. Esses são
alguns que eu deixei para vocês, mas há
mais uma quantidade de trabalhos de
mestrado e de doutorado, que não estão
publicados, porém que mesmo assim
conseguimos ter acesso fácil. O livro
Aspectos Cotidianos da Escravidão em
Juiz de Fora foi pensado sem maiores
pretensões, como forma de auxiliar o
professor, para que ele pudesse ser
utilizado por alunos de oitava série, do
Ensino Médio. Hoje eu tenho minhas
dúvidas se ele atinge esse aspecto,
apesar de se poder observar que ele tem
bastantes imagens de documentos.
Nosso objetivo também era divulgar o
Acervo, além de facilitar o acesso à
informação.
A: Queria aproveitar nessa mesma
questão, pois é uma pontuação muito
interessante, que você tinha até
comentado na resposta da pergunta
anterior: Você vê algum exemplo de
algum aspecto desse cotidiano de
escravidão em Juiz de Fora que ainda
permanece?
E: Que bom que você lembrou! Neste
livro eu trabalhei, em um capítulo, sobre
o movimento dos negros nas últimas
décadas e há diversas histórias de
encontros que se realizavam ali no
Largo do Riachuelo. Eu queria contar
umas histórias para vocês! Quando eu
comecei esse trabalho que eu falei para
vocês da escola, a Soraia e o Ernesto,
amigos meus que eram professores, na
época davam aula na escola do bairro
Floresta. Eles então vieram aqui e
disseram: “Elione, a gente queria que
você fosse no bairro Floresta”, e eles
contaram uma história de uma escrava
que teria suicidado no açude da Fazenda
da Floresta, no período da escravidão:
ela estava com duas crianças e,
segurando-as, matou-se, jogando-se no
açude, matando as crianças também.
Existe a história que é possível ver a
escrava saindo e passeando pelo bairro
Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães
Alethes | 97
Floresta e, com isso, eu falei assim:
“Soraia, eu tenho um processo criminal,
que não foi no bairro da Floresta, mas
que a escrava se joga no açude e estava
com uma criança em cada mão. Ela se
jogou com as crianças, que começaram
a chorar, até que alguém ouviu e
conseguiu tirar uma das duas crianças,
morrendo a escrava e a outra criança”.
Mesmo então não tendo acontecido no
bairro Floresta, é aquilo que fica na
mentalidade, que vai passando de um
para o outro, que vai perdendo um
pouco, vamos dizer assim, a
especialidade, mas que fica na memória,
as pessoas vão contando. Assim, eu fui
no bairro Floresta, e a Soraia pediu,
[pois] na época a gente saía, ia às
escolas, e levei esse processo, reuni as
crianças da escola inteira no pátio, para
falar no geral sobre escravidão, e
comentei sobre o processo. Coloquei na
mesinha que eles arrumaram minha
exposição e eles faziam fila para ver o
processo, todo mundo queria ver...
Depois, eu conversava com as Azarias
do movimento negro, que moram no
bairro Floresta, que me disseram que lá
é um bairro muito frio, então tem
aquelas névoas, e é isso que, na
mentalidade das pessoas, perpetua essa
lenda da de que a escrava passeia pelo
bairro Floresta. Isso é interessante
porque a memória guarda, recria,
acrescenta elementos que
necessariamente não correspondem aos
fatos, mas ela tem uma uma relação,
como nesse caso do bairro Floresta.
Eu tive aqui um outro estagiário
aqui que era de São Sebastião do
Barreado e contou que lá umas crianças
negras iam na beirada da mata das
fazendas para pegar comida e,
conversando, falei para ele que no
período escravista muitos fugiam para
dentro das próprias matas, porque, às
vezes, não dava para fugir para longe.
Há um caso de um processo que um
cara saiu para caçar na Fazenda da
Graminha, entrou na mata e não voltou.
Ai as pessoas da Fazenda saíram para
procurar e o encontraram morto; o outro
negro estava ferido e foi interrogado.
Ele fala: “Há muitos anos eu fugi para
dentro das matas do meu senhor.
Encontrei com outra pessoa que estava
fugindo também dentro da mata e ele
me chamou para vir para cá para essas
matas, porque aqui tinha muita caça
para a gente sobreviver. Então chegou
esse caçador e deu voz de prisão para a
gente. O outro conseguiu fugir, mas eu
fiquei ferido e não pude acompanhar, e
nesse conflito acabou matando outro”.
Por isso o que se conta é que os cativos
que estavam no trabalho deixavam
próximos das matas alimentos para que
as pessoas que estavam na mata fugidos
Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães
Alethes | 98
pudessem se alimentar, além da caça.
Lendo vários processos, há relatos de
que eles iam no pomar da Fazenda
durante a noite para pegar frutas, ou no
milharal, ou no feijoal. E muitos
conflitos decorriam dessas situações.
Essas são algumas histórias, se ficarmos
aqui pensando, contando histórias,
durariam meses. Sobre o largo do
Riachuelo, que eu conheço mais são de
quando eu ia muito na escola e ouvia
algumas professoras contar que era
proibido para os negros passar na Rua
Halfeld. Eu não sei qual o fundamento
disso, mas está na memória. Pedro Nava
fala da “cidade dividida”, que da
Halfeld para lá [direção ao Largo do
Riachuelo] era a cidade dos ricos e dos
brancos, e da Halfeld para cá tudo era a
cidade dos negros e dos pobres.
Acredito que haja esses resquícios.
Outra coisa que é importante de
se falar: quando lançamos esse livro
pela Funalfa, eu fiz um projeto muito
simples e pedi o apoio da Lei Murilo
Mendes, o qual ganhamos. Nunca
tínhamos publicado antes, Valéria e eu,
e não pedimos [verba] para correção
ortográfica nem para ilustrar, só
pedimos o dinheiro para a gráfica; uma
pessoa da Prefeitura fez a correção
ortográfica para mim, o Rogério que
trabalha na Prefeitura fez a diagramação
com as imagens, com os documentos...
Ficou lindo, mas dobrou de preço. Por
isso tive que negociar tudo, porque me
falaram que ficou muito bonito, que
tínhamos que publicar desse jeito, e
acabei conseguindo o apoio da
Secretaria de Educação, que deu uma
parte, e da Secretaria de Administração,
que deu mais uma parte, e eu pude fazer
o livro desse jeito. O Jorge Sanglard era
assessor de imprensa da Funalfa e fez
uma divulgação muito bacana para o
meu livro, e eu acho que é o primeiro
livro, não o primeiro trabalho ou a
primeira pesquisa, mas sim o primeiro
livro sobre escravidão em Juiz de Fora.
As pessoas me ligavam de todos os
lugares de Minas, como alguns
professores que eram de Juiz de Fora,
porém estavam dando aula na UFMG,
que falaram que ficaram felizes em
saber que arquivos estavam sendo
recuperados e em ter uma pesquisa
sobre o tema. Foi divulgado em vários
jornais e teve um lançamento que achei
que não fosse ir ninguém, porque,
quando você tem os alunos, vocês
divulgam, mas eu estava aqui isolada,
né? Eu nem pedi coquetel - hoje nem
pode, mas na época podia. Quando eu
cheguei estava lotado! Isso porque foi
muito divulgado e eu não tinha livro
para vender, já que eu nunca vendi um
livro desse; eu pedi o livro todo para
doação para as escolas. Então eu doei
Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães
Alethes | 99
uma quantidade maior para a biblioteca
da Secretaria de Educação, para que eles
pudessem emprestar para as escolas, e
me esforcei para que chegasse um
exemplar em cada escola da cidade,
fosse Municipal, Estadual, até mesmo
Federal. Tentei divulgar o livro o
máximo o possível, porque o importante
para mim era que fosse divulgado
informações do Acervo, o potencial de
pesquisa, porque, não sei se vocês
repararam, mas algumas coisas que são
só apontadas aqui, hoje existem várias
pesquisas, por exemplo, a dissertação de
mestrado da Ana, que trata exatamente
sobre suicídio de escravo, com base na
documentação aqui do Acervo. O
Cristiano fez sobre os furtos feitos pelos
escravos nas propriedades escravistas.
Enfim, o coquetel estava lotado e as
pessoas queriam comprar livro e não
tinha livro para vender, era só mesmo
para escutar o que eu tinha para falar e
procurar ler o livro em outros lugares.
Chegou perto de mim uma pessoa que
disse trabalhar em uma rádio
comunitária em um bairro negro e
queria o livro para poder divulgar.
Então dei um livro pra ele, pois isso
também estava dentro dos meus
objetivos. Passou um tempo e um amigo
meu que trabalhava aqui no Arquivo
(agora está aposentado) encontrou-se
com esse homem na rua e perguntou se
ele tinha lido o livro. Ele disse que
ainda não, porque a mãe dele não
largava o livro e ainda que ela disse que
sabia uma porção daquelas histórias.
Então isso para mim foi muito
gratificante, porque de certa forma é o
encontro da comunidade com a sua
história. Dentre aquelas pessoas que me
ligaram, uma moça que conversou
muito tempo comigo, falou: “Eu sou
negra e eu queria agradecer, porque eu
estou muito feliz de ver a minha
história, de ver história do meu povo,
ganhar essa projeção”.
A: Continuando a entrevista, vamos
falar agora sobre o livro “Múltiplos
viveres de afrodescendentes na
escravidão e no pós-emancipação”.
Diante dessa temática, também queria
falar um pouco da questão da zona
rural de Juiz de Fora e o seu entorno, a
microrregião da Zona da Mata. Como
foi o processo de reassentamento de ex-
escravos na região após a abolição?
Quais os tipos de empecilhos os negros
encontraram no acesso à terra e sobre
conflitos na senzala?
E: O trabalho que eu desenvolvi e que
deu origem ao livro Múltiplos viveres de
afrodescendentes na escravidão e no
pós-emancipação vai tratar
principalmente da Fazenda Boa Vista,
Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães
Alethes | 100
então é mais um estudo de caso.
Posteriormente, eu fiz vários outros que
também convergem com que eu
encontrei aqui. Eu procurei trabalhar
essa questão da possibilidade de acesso
dos negros ao pedaço de terra, fosse no
período da escravidão ou no pós-
emancipação, e tentei perseguir algumas
histórias que me permitissem realmente
compreender na prática como e se isso
ia acontecer.
O livro "Terra de preto", que eu
considero uma continuidade, aborda
outras histórias e todas as minhas, pelo
menos, convergem nessa mesma
direção. É muito difícil você encontrar
na fonte, por exemplo, uma escritura de
compra e venda ou um inventário de
uma pessoa parda ou negra. Você não
conhece essa informação, porque você
comprou uma terra em Paris. Eu, Elione
branca, comprei um pedaço de terra, ou
eu fulano negro vendi um pedaço de
terra. Então, eu tive essa dificuldade
para encontrar as fontes que, a
princípio, poderiam me levar a essa
questão da posse da terra, e eu tive que
encontrar uma forma de chegar até lá.
Então, eu parti da leitura de todos os
testamentos dos proprietários de terras
em Juiz de Fora e fiz uma seleção de
todos aqueles que deixaram algum bem
para escravos, que então eram
libertados, ou para algumas pessoas que
já haviam sido libertados antes da morte
desse senhor e que para as quais ele
deixou um pedaço de terra. Na verdade,
eu fiz um levantamento de qualquer
bem que ele tenha deixado para
escravos ou libertos. E muitos deixaram
um pedaço de terra, principalmente
aqueles que não tinham herdeiros, que
eram pequenos proprietários, mas que
costumavam deixar tudo o que tinham.
No caso de grandes pedaços de terra, foi
o que eu acompanhei aqui no Múltiplos
viveres [de afrodescendentes na
escravidão e no pós-emancipação]. De
uma forma geral, eu acredito que o fim
da escravidão, com a proclamação da
Lei Áurea, em Juiz de Fora e aqui na
sua região não provocou, talvez em um
primeiro momento, mas não logo
depois. Eles [os negros] vão continuar
trabalhando nas fazendas de café. Na
nossa realidade, o que as fontes
mostram é que eles vão continuar,
majoritariamente, nas fazendas cafeeiras
trabalhando como assalariados, como
meeiros, como colonos. São várias as
formas de contrato de trabalho, mas eles
vão continuar majoritariamente é
trabalhando nessas propriedades.
Os que tiveram acesso à terra
através da herança vão permanecer nos
pedaços de terras que receberam e vão
ter uma certa dificuldade dependendo
do lugar em que eles estão assentados.
Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães
Alethes | 101
O que eu percebi, e outros
pesquisadores apontam em outras partes
do país, é que vocês ficam ali, tocando a
vida, até que começa o processo de
valorização da terra, aí nesse momento
eles começam a ser expulsos. Por
exemplo, a Fazenda Boa Vista está
naquela região de Benfica, Igrejinha,
aquele parte ali... Então eles receberam
a terra, eles ficaram ali, vão tocando, até
que começa a valorizar, porque ali em
Benfica tinha a maior feira de gado de
Minas, então as pessoas vinham trazer o
gado para ser comercializado, e as terras
no entorno começam a ser valorizadas,
porque elas são usadas para as
invernadas, que são os passos para
engorda do gado, pra ele recuperar o
peso que perdeu no trajeto pra cá, e
nesse processo eles começam a ser
expulsos de suas terras. Acredito eu que
é mesma lógica do que ocorre hoje com
o crescimento da cidade, em que essas
fazendas são hoje os nossos bairros, por
exemplo, Dom Bosco que é um bairro
negro.
A: A gente já falou de como ocorreu o
processo de ocupação dos negros na
região, agora eu queria falar deste
processo nos bairros de Juiz de Fora.
Como foi o processo de assentamento
dos negros na cidade de Juiz de Fora?
E: Pois é, aqui que eu disse para você
eu teria menos propriedade para
responder. Tem algumas questões que a
gente não consegue chegar, por
exemplo, como se deu esse processo de
ocupação do bairro Dom Bosco, que é
um bairro com uma população negra tão
forte. Especula-se que é relacionado
com a questão dos quilombos, mas eu
não posso te falar com certeza. O Santa
Efigênia e o São Benedito... O Floresta,
eu conheço menos em termos dessa
característica, mas na fazenda do
Floresta tinha um quilombo. E só para
ficar bem claro, pela legislação, se não
me engano, a partir de três ou quatro
indivíduos já era considerado um
quilombo. Então quando a gente fala no
quilombo, para o senso comum, se
remete a Palmares, aquela coisa grande,
um monte de gente aglomerada, quase
uma vila, mas não necessariamente era
assim. Como eu disse, muitos vão se
aquilombar no interior das matas, então
no interior da fazenda da Floresta tinha,
pelo menos havia em jornais da época,
denúncias de que havia um quilombo na
fazenda da Floresta. Agora vamos
imaginar, a cidade de Juiz de Fora,
como eu falei antes, tinha uma
população de pessoas escravizadas
muito grande, então você tem uma
Carta de Ofício da década de 1860, do
Governo da província, perguntando para
Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães
Alethes | 102
o governo do município como e o que
se produzia na região, e como era
composta a população. E a resposta era
que a gente produzia café e que dois
terços da população do município era
composta de escravos. Olha só, dois
terços de escravos, e dentro desse um
terço restante tem os negros livres.
Então a população da cidade de Juiz de
Fora era uma população negra, a
população de Minas no século 18, ela só
perdia em termos de população negra e
parda, aqui considerando todos os
afrodescendentes, só perdia para Bahia.
Era a segunda maior população negra
do Brasil, então tem essas questões
todas, e eu acho que a gente ainda não
conhece a história mesmo de ocupação
dessa cidade, nesse sentido desse
assentamento. O que eu sei e o que a
historiografia aponta que é mais na
década de 1920 é que vai haver mais
uma expulsão do campo em direção à
cidade.
A: Os seus textos são marcados pela
interdisciplinaridade. Observa-se, além
de toda análise histórica, um diálogo
com a antropologia, sociologia,
economia, geografia, urbanismo e com
o direito. Quais são os percalços desse
trabalho tão rico? Você acredita que a
academia, de modo geral, também tem
caminhado nessa mesma direção?
E: Então, na verdade eu fiquei muito
feliz com essa leitura que vocês
fizeram, porque a gente até tem uma
pretensão, mas nunca sabe o quanto
conseguiu atingir. Eu entendo a história
dessa forma, entendo-a como um
mecanismo para a gente tentar explicar
passando pelo todo, porque tá todo
mundo interligado. Eu acredito que a
dificuldade de fazer um trabalho dessa
forma, que aborde tantos campos do
conhecimento, são alguns limites
impostos pela academia. Por exemplo,
eu estou aqui há 33 anos, o que faz com
que eu conheça essas fontes como a
palma da minha mão. Eu conheço
também o conteúdo de boa parte das
fontes, claro que não sei tudo de cabeça,
mas eu sei, muitas vezes, onde eu posso
tentar encontrar uma informação. Então
eu acho que isso, nesse sentido, me
facilita a fazer esse tipo de pesquisa que
busca dialogar. Isso pois, eu não
trabalho apenas com uma fonte, eu não
consigo, porque me incomoda
profundamente pensar que pode existir
uma informação em outro lugar e eu
não fui naquele lugar saber se ela
realmente existe. Acho que isso talvez
me permita esse diálogo com esses
vários campos e eu acho que essa é a
dificuldade para outras pessoas
realizarem esse trabalho. E a gente sabe
Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães
Alethes | 103
que há prazos na academia; então você
tem um mestrado e sabe que terá que
fazer dois anos, o doutorado em quatro
anos, e nesse meio tempo você tem um
monte de coisa para ler, você tem um
monte de arquivo para visitar, de coisa
para coletar. Assim, os prazos acabam
impedindo que você faça um trabalho
percorrendo todos esses caminhos.
Quanto à academia, acredito que ela
tem feito um esforço nesse sentido.
Percebo mais pessoas trabalhando com
o intercruzamento de fonte, tentando
trabalhar com trajetória, o que exige que
você trabalhe com múltiplas fontes,
contudo, as dificuldades pontuadas
ainda persistem.
Normas de Publicação
Alethes |107
Normas de Publicação 1. Das Regras Gerais dos artigos
1.1. Todo artigo deve ser de autoria exclusiva de graduandas e/ou graduandos, regularmente matriculados em curso de graduação, não havendo restrições com relação à área de conhecimento a ser abordada no trabalho, desde que dialogue com a temática jurídica;
1.2. Os trabalhos poderão ter um máximo de 4 (quatro) autores/as, sendo que somente será aceito para avaliação 1 (um) trabalho assinado como primeiro autor/a, cabendo aos demais coautoria;
1.3. Os trabalhos devem conter um mínimo de 15 (quinze) e máximo de 25 (vinte e
cinco) laudas, contando os elementos pré e pós-textuais; 1.4. Para a submissão de trabalhos, o/a autor/a deve enviar 3 (três) arquivos em
formato Word (.doc ou .docx) para o e-mail do periódico ([email protected]): Um arquivo Word com o texto completo do trabalho; um segundo arquivo Word com o texto completo do trabalho sem a identificação do/a autor/a; e um terceiro documento Word com apenas os dados do/a autor/a, sendo essencial informar a área do Direito abordada diretamente no trabalho, nome completo, instituição de ensino, e-mail e telefone; 1.4.1. O/A autor/a deverá, ainda, atestar por meio de comprovante de matrícula,
ou outro meio que couber, que está regularmente matriculado/a em curso de graduação, como prevê 1.1;
1.4.2. As disposições de 1.4.1 devem vir no terceiro documento Word previsto em 1.4, trazendo as devidas informações especificadas;
1.4.3. Os trabalhos deverão ser enviados, EXCLUSIVAMENTE, para o endereço indicado acima, ficando os autores desde já cientes de que o envio por qualquer outro meio de comunicação do periódico ou dos editores implicará na eliminação sumária do trabalho enviado.
1.5. O trabalho submetido deverá ser inédito, e não estar sob avaliação de nenhuma
outra revista. Contudo, obras publicadas em anais de congresso e outros eventos acadêmicos podem ser submetidas ao periódico, desde que apresentem alterações substanciais;
2. Critérios de avaliação e aceitação do artigo
2.1. Todo trabalho será submetido à análise do Conselho Editorial, sendo enviados a dois pareceristas anônimos para avaliação de conteúdo, segundo o método de avaliação duplo-cego por pares;
2.2. As e os pareceristas serão definidos pelos editores de acordo com a área de
atuação/formação, a qual deverá ser, na máxima medida do possível, coincidente com a temática do artigo a ser avaliado;
Normas de Publicação
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2.3. As e os pareceristas deverão optar por uma das seguintes recomendações:
aprovado; reprovado; aprovado com ressalvas; 2.4. Os artigos serão submetidos à avaliação técnica (adequação às normas da
ABNT e formatação conforme o disposto neste edital), que poderá pesar no juízo de ponderação;
2.5. Recebidos os pareceres pela editora ou pelo editor, a mesma ou o mesmo definirá a publicação ou não do trabalho, levando em consideração as avaliações das e dos pareceristas e as análises do item 2.4; 2.5.1. Caso ocorra no item 2.3 uma aprovação e uma reprovação, o trabalho será
analisado pelas editoras e pelos editores do periódico, que realizarão um juízo de ponderação;
2.6. Caso o trabalho seja reprovado, serão encaminhadas as devidas justificativas;
2.7. Os pareceres poderão conter indicações bibliográficas, sugestões de mudança
na estrutura do texto, acréscimo ou subtração de informações, críticas, elogios e outras observações consideradas pertinentes para o aprimoramento do trabalho e para a adequação aos critérios definidos neste edital;
2.8. Feitas as alterações pelas autoras e pelos autores, caso sejam aprovadas pelo
conselho editorial, o artigo será publicado. A Alethes, no entanto, reserva-se o direito de colocar os trabalhos para números seguintes conforme conveniência, sendo que será enviado o informe e a devida justificativa ao/à autor/a;
2.9. O processo de análise dos artigos terá o prazo de 30 a 60 dias, que se iniciará
com a confirmação do recebimento da submissão. 2.10. Serão utilizados como critérios pelos sujeitos envolvidos na avaliação dos
trabalhos: a adequação à metodologia científica, a relevância do tema e a originalidade da abordagem, o bom delineamento do objeto de pesquisa, a qualidade na seleção e no manejo da bibliografia pertinente, a utilização da norma padrão da língua portuguesa, a adequação às normas da ABNT e outros que forem julgados pertinentes;
2.11. A decisão do conselho editorial é final, não sendo passível de recurso.
3. Estrutura e Formatação do artigo
3.1. Os artigos devem ser apresentados digitados em folha A4 (210 x 297mm);
3.2. Editor de texto Word for Windows 6.0 ou posteriores. Times New Roman,
tamanho 12; 3.3. Margens 2,5cm X 2,5cm;
Normas de Publicação
Alethes |109
3.4. Espaçamento 1,5 entre linhas, com texto justificado. Parágrafo recuado 1,25 da margem esquerda e sem espaço entre parágrafos;
3.5. Corpo do Texto
3.5.1. A primeira página do trabalho deve conter título em português e em inglês, com máximo de 15 (quinze) palavras, alinhamento centralizado; fonte Times New Roman, Tamanho 14, destacado em negrito;
3.5.2. O nome do/a autor/a deve vir logo abaixo do título, com duplo espaço, fonte Times New Roman, tamanho 12 e alinhado à direita;
3.5.3. O nome do/a autor/a deve ser acompanhado pela primeira nota de rodapé, contendo um breve currículo do/a mesmo/a, levando em consideração sua instituição de ensino e o curso;
3.5.4. Na primeira página deve conter, ainda, resumo em português e inglês. Estes devem ser antecedidos pela expressão “Resumo:” e “Abstract:”, respectivamente, e destacadas em negrito, um espaço acima do corpo textual;
3.5.5. Os resumos devem ter máximo de 150 (cento e cinquenta) palavras, fonte Times New Roman, tamanho 12, espaçamento simples entre linhas;
3.5.6. As palavras-chave devem figurar logo abaixo do resumo, em um número máximo de 5 (cinco), em português e inglês, antecedidas das expressões “Palavras-chave:” e “Keywords:”, respectivamente; espaçamento simples; separação entre elas por ponto e finalizadas também por ponto;
3.5.7. É facultado ao/à autor/a optar pela versão em espanhol do resumo e das palavras chave, além da versão em inglês;
3.5.8. O texto, de forma geral, deve ser digitado em fonte Times New Roman, tamanho 12, alinhamento justificado;
3.5.9. Os títulos e os subtítulos das seções do artigo, excetuando-se a introdução e a conclusão, devem ser numerados e destacados em negrito, fonte Times New Roman, tamanho 12. Devem ser antecedidos e sucedidos por um espaço de uma linha;
3.5.10. As notas devem ser postas no rodapé do texto, numeradas em sequência, fonte Times New Roman, tamanho 10, alinhamento justificado. As notas de rodapé não devem ser usadas para referências, somente em caso de indicação, explicação e/ou elucidação que se faça necessário remeter;
3.5.11. As citações devem seguir a regra: se menores que 3 (três) linhas, devem estar inseridas diretamente no texto, entre aspas e com a devida referência, conforme o padrão (AUTOR/DATA). Se maiores que 3 (três) linhas, devem ser destacadas com recuo à esquerda de 4 cm, fonte Times New Roman, tamanho 10, com a devida referência no padrão (AUTOR/DATA);
3.6. Referências Bibliográficas
3.6.1. Todas as referências bibliográficas deverão ser realizadas conforme ABNT 6023;
3.6.2. As referências completas deverão ser trazidas em ordem alfabética e no final do texto;
3.6.3. Os destaques da referência bibliográfica devem ser feitos em negrito; 3.6.4. As demais composições bibliográficas não discriminadas devem seguir os
padrões estabelecidos pela ABNT (ABNT 6023, 6022, 6028, 10520);
Normas de Publicação
Alethes |110
3.7. Agradecimentos, menções a financiamentos de agências governamentais (CNPq, FAPEMIG etc.), publicações de versões anteriores do artigo e outras observações do gênero devem ser inseridas na nota de rodapé indicativa de autoria (conforme item 5.5.3), e excluídas da versão sem identificação;
3.8. Pequenas variações no tamanho dos artigos, tanto aquém como além dos limites definidos neste edital, poderão ser relevadas, a critério do conselho editorial e considerando-se a fluidez da argumentação e a necessidade do uso dos espaços.
4. Das regras gerais dos Poemas
4.1. Os poemas devem ser de autoria exclusiva de graduandas e graduandos,
regularmente matriculados/as em curso de graduação; 4.2. O texto literário deve ser inédito, não havendo reprodução integral ou de partes
de textos anteriormente publicados no formato digital ou impresso; e não tendo sido submetido a nenhum outro edital;
4.3. Os textos devem prezar pela idoneidade, não possuindo conteúdo que possa
constituir ofensa à liberdade de crença, dados e informações discriminatórias ou quaisquer ofensas a direitos humanos;
4.4. Os trabalhos não devem conter mais de duas (2) páginas e serão publicados
conforme a formatação adotada pelo Periódico Alethes, resguardadas as características identitárias do texto literário submetido; 4.4.1. Os autores e as autoras poderão submeter o seu trabalho na forma que
julgarem adequada, cabendo à editoração do periódico Alethes o esclarecimento de eventuais dúvidas;
4.5. O trabalho literário deverá ser submetido em formato Word (.doc ou .docx)
para o e-mail do periódico ([email protected]): um arquivo Word com o texto e a devida identificação do/a autor/a; um segundo documento Word com apenas os dados do/a autor/a, sendo essencial dizer o nome completo, a instituição de ensino, e-mail e telefone; 4.5.1. Os trabalhos deverão ser enviados, EXCLUSIVAMENTE, para o
endereço indicado acima, ficando os autores desde já cientes de que o envio por qualquer outro meio de comunicação do periódico ou dos editores implicará na eliminação sumária do trabalho enviado.
4.6. Os trabalhos serão publicados na ordem de recebimento e não serão
submetidos a avaliações de conteúdo, prezando sempre pela liberdade literária e idoneidade de seu/sua autor/a; 4.6.1. O Periódico Alethes reserva-se no direito de publicar quantos poemas julgar
necessário para o presente número.
5. Das regras gerais dos Ensaios
Normas de Publicação
Alethes |111
5.1. Este número receberá ensaios, preferencialmente, relacionados à temática da edição, divulgada nos canais de comunicação do Periódico, sendo aceitos, contudo, ensaios com tema livre.
5.2. Ensaios de outras temáticas também serão avaliados, sendo dada preferência,
entretanto, aos ensaios que se encaixem na temática do dossiê. 5.3. Os Ensaios devem possuir no máximo 2 autores/as, regularmente
matriculados/as em curso de graduação;
5.4. O texto deve ser inédito, não havendo reprodução integral ou de partes de
textos anteriormente publicados no formato digital ou impresso; e não tendo sido submetido a nenhum outro edital;
5.5. Os trabalhos devem conter um mínimo de 5 (cinco) e máximo de 10 (dez)
laudas, contando os elementos pré e pós-textuais;
5.6. Os trabalhos serão submetidos apenas à avaliação das(es) editoras(es) do próprio Periódico;
6. Estrutura e Formatação dos Ensaios
6.1. Os artigos devem ser apresentados digitados em folha A4 (210 x 297mm); 6.2. Editor de texto Word for Windows 6.0 ou posteriores; 6.3. Fonte do texto deve ser Times New Roman, tamanho 12; 6.4. Margens 2,5cm X 2,5cm;
6.5. Espaçamento 1,5 entre linhas, com texto justificado. Parágrafo recuado 1,25 da
margem esquerda e sem espaço entre parágrafos; 6.6. Corpo do Texto
6.6.1. A primeira página do trabalho deve conter título em português com máximo de 15 (quinze) palavras, alinhamento centralizado; fonte Times New Roman, Tamanho 14, destacado em negrito;
6.6.2. O nome do/a autor/a deve vir logo abaixo do título, com duplo espaço, fonte Times New Roman, tamanho 12 e alinhado à direita;
6.6.3. O nome do/a autor/a deve ser acompanhado pela primeira nota de rodapé, contendo um breve currículo do/a mesmo/a, levando em consideração sua instituição de ensino e o curso;
6.6.4. As notas devem ser postas no rodapé do texto, numeradas em sequência, fonte Times New Roman, tamanho 10, alinhamento justificado. As notas de rodapé não devem ser usadas para referências, somente em caso de indicação, explicação e/ou elucidação que se faça necessário remeter;
6.6.5. As citações devem seguir a regra: se menores que 3 (três) linhas, devem estar inseridas diretamente no texto, entre aspas e com a devida referência,
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conforme o padrão (AUTOR/DATA). Se maiores que 3 (três) linhas, devem ser destacadas com recuo à esquerda de 4cm, fonte Times New Roman, tamanho 10, com a devida referência no padrão (AUTOR/DATA);
6.7. Referências Bibliográficas
6.7.1. Todas as referências bibliográficas deverão ser realizadas conforme ABNT 6023;
6.7.2. As referências completas deverão ser trazidas em ordem alfabética e no final do texto;
6.7.3. Os destaques da referência bibliográfica devem ser feitos em negrito; 6.7.4. As demais composições bibliográficas não discriminadas devem seguir os
padrões estabelecidos pela ABNT (ABNT 6023, 6022, 6028, 10520);
6.8. Agradecimentos, menções a financiamentos de agências governamentais (CNPq, FAPEMIG etc.), publicações de versões anteriores do artigo e outras observações do gênero devem ser inseridas na nota de rodapé indicativa de autoria (conforme item 5.5.3), e excluídas da versão sem identificação;
6.9. Pequenas variações no tamanho dos Ensaios, tanto aquém como além dos limites definidos neste edital, poderão ser relevadas, a critério do conselho editorial e considerando-se a fluidez da argumentação e a necessidade do uso dos espaços.
7. Das regras gerais das Fotografias e Desenhos
7.1. As fotografias ou desenhos devem ser de autoria exclusiva de graduandas e graduandos, regularmente matriculados/as em curso de graduação; 7.2. A peça deve ser inédita e autoral, não havendo reprodução integral ou de partes de textos anteriormente publicados no formato digital ou impresso e não tendo sido submetido a nenhum outro edital 7.3. Os desenhos e fotografias devem prezar pela idoneidade, não possuindo conteúdo que possa constituir ofensa à liberdade de crença, dados e informações discriminatórias ou quaisquer ofensas a direitos humanos; 7.4. As fotografias e desenhos devem ser enviados em formato .JPEG com alta qualidade, não havendo restrição quando à resolução ou proporção da imagem.
7.4.1. Os autores e as autoras poderão submeter o seu trabalho na resolução e proporção que julgarem adequada para sua expressão autoral, cabendo à editoração do periódico Alethes inserir as imagens na diagramação do Periódico de acordo com a conveniência editorial e especificidades de diagramação. 7.4.2. Os desenhos e fotografias publicados o serão em sua integralidade, sem cortes ou alterações na proporção das imagens.
7.5. O trabalho literário deverá ser submetido para o e-mail do periódico ([email protected]), com a identificação do autor.
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7.6. Os trabalhos serão publicados na ordem de recebimento e não serão submetidos à avaliação de conteúdo, prezando sempre pela liberdade artística e idoneidade de seu/sua autor/a; 7.6.1. O Periódico Alethes reserva-se no direito de publicar quantos desenhos ou fotografias julgar necessário para o presente número. 7.7. As fotografias e desenhos poderão ser enviados até o dia 17 de novembro de 2018.
8. Dos Prazos
8.1. A submissão de trabalhos (artigos, poemas e ensaios) é contínua, contados da data de publicação deste edital até a prazo limite para a publicação no número 16 do Periódico Alethes. Caso o trabalho seja enviado após a data limite para a publicação nesta edição, sua avaliação ocorrerá para possível publicação no número imediatamente posterior do Periódico; 8.2. A divulgação do resultado da avaliação dos artigos submetidos ocorrerá via e-mail, por meio de mensagem particular aos/às autores/as, sempre que possível dentro dos prazos estabelecidos por este edital;
8.3. As autoras e os autores que tiverem artigos aprovados, porém com necessidade de alterações, terão o prazo mínimo de 10 dias para efetuá-las, contados da data de divulgação do aceite com ressalvas;
8.4. A data máxima prevista para publicação deste número será: 16 de dezembro de 2018; 8.5. O prazo final para submissão de trabalhos para este número é: 7 de outubro de 2018; 8.6. Mais informações poderão ser obtidas através do e-mail do Periódico Alethes ([email protected]), pelo nosso sítio na internet (www.ufjf.br/periodicoalethes) ou por meio de nossa página no Facebook (https://www.facebook.com/periodicoalethes/). 8.7. Os prazos são previstos e poderão ser alterados a qualquer momento, a critério da editoração do Periódico, porém jamais de forma a reduzir prazos de submissão ou outros a que estejam submetidos os autores.
9. Das disposições finais
9.1. As opiniões contidas nos trabalhos são de inteira responsabilidade das autoras e dos autores, de modo que o Periódico Alethes não se responsabiliza pelo conteúdo dos textos que publica;
9.2. A publicação dos artigos não terá por contrapartida qualquer tipo de remuneração às autoras e aos autores;
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9.3. As autoras e os autores, ao concordarem com a publicação de seus trabalhos, estarão cedendo os direitos autorais referentes à primeira publicação ao Periódico Alethes. Ficam autorizados a publicá-los novamente no futuro, aceitando, contudo, citar o nome e a edição da revista, e fazendo referência ao fato de a publicação original ocorreu na mesma. As constatações de qualquer imoralidade, ilegalidade, fraude ou outra atitude que coloque em dúvida a lisura da publicação, em especial a prática de plágio, importarão imediata interrupção do processo de avaliação do artigo. Caso este já tenha sido publicado, ele será retirado da base da revista, sendo proibida sua posterior citação vinculada ao nome do Periódico Alethes. Ainda, no número seguinte da revista, será publicada nota informando e justificando o cancelamento da publicação; 9.4. Quaisquer omissões deste edital serão solucionadas pelos/as editores do Periódico Alethes.
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