D I N Â M I A Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS A ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS RELATÓRIO FINAL
ESTUDO PARA O OBSERVATÓRIO DO QCA III / DGDR SETEMBRO DE 2005
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
RELATÓRIO FINAL
EQUIPA: José Maria Castro Caldas (coord.) Isabel Salavisa Fátima Suleman Helena Lopes Pedro Costa Ana Cláudia Valente Ana Sofia Henriques Ricardo Ferreira
ESTUDO PARA O OBSERVATÓRIO DO QCA III / DGDR
SETEMBRO DE 2005
ÍNDICE Introdução......................................................................................................... 1
Adaptabilidade(s) e Emprego.......................................................................... 9 A adaptabilidade nas estratégias de emprego dos anos 90 .............................. 9 Mudança e adaptação .............................................................................. 17 Perspectivas teóricas sobre a adaptabilidade ............................................... 22 Processos de adaptação ........................................................................... 27 As estratégias de emprego em retrospectiva ............................................... 32 Conclusão .............................................................................................. 41
Portugal: características e complementaridades institucionais................ 43 Estrutura Produtiva e Especialização .......................................................... 43 O Sistema de I&D e a Inovação em Portugal ............................................... 48 Educação e Formação .............................................................................. 50 Legislação de protecção do emprego.......................................................... 61 Relações laborais .................................................................................... 65 Modelos organizacionais........................................................................... 68 Relações inter-empresas .......................................................................... 72 Financiamento e governação empresarial ................................................... 75 Protecção Social...................................................................................... 81 Complementaridades e elementos de bloqueio institucional ........................... 85
Atitudes, estratégias e visões do futuro ...................................................... 93 Diagnóstico comum ................................................................................. 93 Atitudes face à mudança e valores............................................................. 95 Convergência e divergência na percepção dos factores críticos....................... 96 Jogos de actores ....................................................................................104 A adaptabilidade necessária e o que queremos evitar ..................................108
Políticas para a adaptabilidade ................................................................... 118 Níveis de capacitação e prioridades de actuação .........................................118 Das prioridades estratégicas aos meios de acção ........................................120 Lógicas e princípios organizativos das intervenções .....................................133
Anexos .......................................................................................................... 141
Referências................................................................................................... 155
ÍNDICE DE QUADROS E FIGURAS
Dimensões da adaptabilidade e domínios institucionais relevantes ....................... 6 PIB per capita e PIB por pessoa empregada (em PPS) (1993 e 2003,
UE25=100) ........................................................................................... 44 Taxa de emprego e desemprego (1993 e 2003) .............................................. 44 Decomposição do gap do PIB per capita dos países da UE face aos EUA (2002) ... 45 Estrutura das exportações (1992 e 2001) ...................................................... 46 Número de empresas, por actividade, segundo a dimensão .............................. 47 Despesa total em I&D em Portugal (1990-2001) ............................................. 48 Comparação internacional do esforço de I&D (2001) ....................................... 49 Número médio de anos de escolaridade (1960 - 2002) .................................... 51 Jovens com o ensino secundário completo (20-24 anos, em %) ........................ 52 Nível de instrução da população em idade activa (25-64 anos) por ISCED-97
(2002) .................................................................................................. 53 Percentagem de população dentro e fora do sistema educativo, por grupo
etário e situação perante o trabalho (2002)................................................ 53 Abandono precoce do sistema educativo pelos jovens (18-24 anos, em %)......... 54 Aprendizagem ao longo da vida .................................................................... 56 Níveis de capacidades básicas ...................................................................... 57 Taxa de desemprego por nível de instrução (2002) ......................................... 59 Taxa de desemprego por nível de literacia...................................................... 60 Empresas com envolvimento dos representantes dos trabalhadores na
introdução da participação directa (em %) ................................................. 66 Prática da participação directa...................................................................... 68 Percentagem dos estabelecimentos que declararam, em 1996, certas
iniciativas da parte dos empregadores nos últimos 3 anos ............................ 70 Tipologia de formas de organização institucional tendo em consideração as
suas formas de financiamento .................................................................. 76 Capitalização do mercado / PIB .................................................................... 79 Desigualdade na distribuição do rendimento................................................... 82 Taxas de risco de pobreza (%) ..................................................................... 84 Bifurcações por factor crítico .......................................................................113 Combinações impossíveis ...........................................................................114 Perfis dos cenários.....................................................................................115 Rede de dependências no cenário de capacitação...........................................117
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
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Introdução
O estudo que seguidamente se apresenta foi realizado por uma equipa do DINÂMIA
entre Janeiro e Julho de 2005, a solicitação do Observatório do QCA III, tendo
como objectivo geral contribuir para a reflexão estratégica sobre a questão da
adaptabilidade no quadro das políticas de emprego portuguesas. O estudo procura,
em particular, ajudar a identificar prioridades para políticas relacionadas com a
adaptabilidade dos trabalhadores e das empresas em Portugal, tendo em vista uma
utilização racional dos fundos estruturais no ciclo 2007 – 2013.
A “adaptabilidade dos trabalhadores e das empresas” é actualmente concebida no
âmbito da Estratégia Europeia de Emprego de forma abrangente (CE, 2003a) como
capacidade de antecipação, geração e integração da mudança por parte dos
trabalhadores e das empresas. O desenvolvimento desta capacidade é encarado na
perspectiva de mudanças institucionais orientadas para a produção de resultados
em três dimensões: (a) ambiente para o desenvolvimento das actividades
empresariais; (b) desenvolvimento e difusão da inovação e da investigação; e (c)
promoção da flexibilidade e da segurança no mercado de trabalho.
A generalidade, ou mesmo a indefinição, desta noção de adaptabilidade decorre de
causas objectivas. A UE sempre foi, e com os sucessivos alargamentos é cada vez
mais, um mosaico de “modelos sociais”. Compreende-se assim facilmente que seja
difícil ou mesmo indesejável consensualizar ao nível da União orientações
específicas comuns para as mudanças institucionais associadas aos requisitos da
adaptabilidade, já que um mesmo tipo de reconfiguração institucional, dependendo
da estrutura pré-existente, tanto pode reforçar como enfraquecer as vantagens
comparativas mobilizadas pelas empresas instaladas nos diferentes espaços
nacionais e regionais. Além disso, as políticas da UE são sempre produto de
laboriosos compromissos políticos – as formulações em que maiorias políticas e
ideologicamente pouco homogéneas se reconhecem são necessariamente vagas.
Por detrás das formulações “oficiais” a respeito da adaptabilidade escondem-se, na
realidade, acesos debates teóricos, políticos e ideológicos. A controvérsia
fundamental trava-se em torno das questões da “regulamentação” e da
“flexibilidade” do mercado de trabalho. Trata-se, mais precisamente, de saber se,
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ou em que medida, os problemas de competitividade e emprego europeus resultam
de uma regulamentação excessiva da economia e das relações de trabalho, de uma
desadequação dessa regulamentação, ou se existem outras causas mais
importantes. Trata-se, afinal, de discutir o sentido de uma reconfiguração
institucional que na realidade está em curso há mais de trinta anos.
Os debates em torno da adaptabilidade têm como pano de fundo a aceleração das
transformações no sistema económico internacional verificadas nas últimas três
décadas – a crescente abertura dos mercados de bens e serviços, acompanhada da
intensificação da concorrência, e a liberalização e expansão dos mercados
financeiros internacionais e dos movimentos de capitais – a que se acrescentam
mudanças demográficas e societais como o envelhecimento populacional, a
intensificação dos fluxos migratórios e as alterações de papéis na família
tradicional.
Este processo de mudanças encadeadas modificou o contexto que deu origem e
sustentou os arranjos institucionais do pós-guerra – o Welfare State – e
desencadeou pressões que tendem a por em causa: (a) a estabilidade do emprego
nos sectores expostos das economias nacionais; (b) a capacidade de financiamento
dos sistemas de protecção social; (c) o poder dos sindicatos e dos governos
nacionais nas suas relações com o poder económico.
Quer em teoria, quer na prática, as concepções de adaptabilidade divergem. Do
ponto de vista teórico, o debate envolve desde as perspectivas que tendem a
considerar as instituições que enquadram as relações de trabalho como causas do
desemprego, às que encaram estas instituições como sustentáculo de vantagens
comparativas específicas susceptíveis de serem valorizadas mesmo no contexto da
globalização, passando pelas que reconhecem os limites e as falhas do mercado e
do estado e procuram compatibilizar a flexibilidade do mercado de trabalho com a
segurança dos trabalhadores.
Da combinação de visões teóricas com características institucionais específicas de
cada país têm resultado processos de adaptação divergentes. Enquanto nalguns
casos as pressões da envolvente internacional se traduziram em processos de
reconfiguração institucional tendentes a aproximar os sistemas de emprego do ideal
tipo do mercado de trabalho “desregulado”, noutros o movimento no sentido da
flexibilização foi limitado e sobretudo complementado com medidas de apoio, de
“activação” e de protecção dos indivíduos relativamente a acidentes nos percursos
profissionais.
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O modelo analítico
Pensar a adaptabilidade no contexto nacional português pressupõe um esforço de
aprofundamento do conhecimento das características distintivas dos nossos
sistemas de emprego e welfare, uma identificação das suas potencialidades e
fraquezas e dos factores críticos em que se devem concentrar as atenções.
O modelo analítico adoptado neste estudo é inspirado em abordagens comparativas
das “variedades de capitalismo” (Hall e Soskice, 2001; Amable, 2005) e parte da
identificação de um conjunto de domínios institucionais relevantes para a análise da
questão da adaptabilidade, envolvendo subsequentemente:
o a caracterização da situação portuguesa em cada um destes domínios;
o a identificação das complementaridades institucionais que no seu conjunto
caracterizam o sistema socioeconómico;
o a identificação dos factores críticos, isto é, dos elos ao longo da cadeia de
complementaridades institucionais que constituem factores de bloqueio à
reconfiguração do sistema socioeconómico.
Este modelo em que nos apoiamos é centrado nos agentes (individuais e colectivos)
– em particular empresas e trabalhadores. Os agentes procuram realizar propósitos
que são seus agindo individual e colectivamente, sempre, ou quase sempre, em
relação com outros. O seu comportamento é determinado pela representação que
elaboram da situação em que se encontram e pelos critérios de avaliação que
mobilizam na selecção entre cursos de acção alternativos. Mas as representações e
os critérios de avaliação mobilizados dependem do contexto institucional da acção.
As instituições, entendidas como “sistemas duradouros de regras sociais
estabelecidas e embutidas (embedded) que estruturam as interacções sociais”
(Hodgson, 2002: 113), ou mais informalmente como “regras do jogo” da vida em
sociedade, condicionam a percepção e representação do contexto da acção por
parte dos agentes, os seus julgamentos e as suas escolhas.
O modelo enfatiza a importância das instituições. Sendo mais do que restrições no
espaço de escolha, as instituições influenciam as preferências e os valores dos
agentes, estabelecem expectativas quanto à acção dos outros, facilitam (ou
dificultam) a difusão de informação e conhecimento, viabilizam (ou impedem) a
coordenação e a cooperação. As instituições condicionam o espaço deixado livre à
discrição individual, mas ao permitirem realizar propósitos que requerem acção
colectiva expandem, ao mesmo tempo, o domínio das oportunidades.
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Os mercados são instituições centrais características do capitalismo desenvolvido
que fazem apelo à autonomia individual e ao relacionamento anónimo e
concorrencial entre agentes, economizando, em contrapartida, nos laços afectivos e
nas obrigações normativas em que se fundam todas as relações sociais. Mas a
viabilidade e a expansão do mercado enquanto instituição dependeu sempre, e
continua a depender, de instituições complementares, nomeadamente do sistema
judicial, como garante dos contratos e dos direitos de propriedade, e mesmo de
instituições informais em que se fundam laços de confiança sem os quais a
existência de sociedade não é concebível. Além disso, o mercado nunca se
substituiu aos colectivos de produção que conhecemos por empresas e que se
caracterizam internamente pelo predomínio de princípios de organização não
mercantis.
Na realidade a história sugere que a expansão dos mercados foi sempre
acompanhada de um processo de criação-destruição de formas institucionais
complementares que se traduziu não no desaparecimento mas antes na expansão
de novas instituições não mercantis, nomeadamente as jurídico-políticas.
O modo como as instituições mercantis e não mercantis se articulam na produção
de ordem social pode ser tomado como a questão fundamental na caracterização e
diferenciação das variedades de capitalismo. No modelo analítico adoptado a
análise da articulação entre instituições baseia-se na noção de complementaridade
institucional, segundo a qual duas instituições são ditas complementares quando a
existência (e o desempenho) de uma depende da existência (e do desempenho) da
outra.
Por exemplo, instituições de protecção do emprego que promovem a segurança
podem estar associadas a níveis elevados de emprego estável quando as
instituições financeiras favorecem relações de financiamento “pacientes” (pouco
sensíveis às variações conjunturais da rendibilidade). Em contrapartida, instituições
que favorecem relações laborais líquidas (facilmente revertíveis) podem igualmente
produzir níveis de emprego elevados quando articuladas com instituições
financeiras que favorecem a transferência rápida de recursos entre
empreendimentos alternativos, sustentando, apesar das flutuações, níveis de
procura de trabalho elevados.
A existência de complementaridades institucionais implica, para a análise
comparativa de modelos de capitalismo, a necessidade de considerar o sistema
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institucional no seu conjunto – a estrutura institucional – e não cada instituição em
particular.
Da natureza sistémica das relações institucionais resultam duas implicações
importantes. Em primeiro lugar, há que contar com um certo grau de rigidez nas
instituições – as alterações pontuais são difíceis ou mesmo indesejáveis se não
forem acompanhadas de outras alterações concomitantes noutros pontos críticos da
estrutura. Em segundo lugar, há que prever efeitos sistémicos de alterações
pontuais – mudanças num ponto da estrutura (endógena ou exogenamente
induzidas) tendem a repercutir ao longo da cadeia de complementaridades podendo
originar quer novos padrões de estruturação viáveis, quer processos de
desestruturação de tipo catastrófico.
A análise das “variedades de capitalismo” sustenta a existência de mais do que uma
estrutura institucional viável, isto é, mais do que um capitalismo competitivo.
Relativamente aos debates acerca da adaptabilidade sugere que existem vantagens
comparativas institucionais quer no modelo caracterizado pelo predomínio das
relações de tipo mercantil em todos os domínios incluindo o do emprego, quer em
modelos “coordenados”, em que as instituições mercantis estão menos
disseminadas e coexistem com instituições complementares que favorecem a
confiança como suporte da acção colectiva.
No entanto, por estar centrada nas modalidades mais avançadas de capitalismo,
esta abordagem fornece poucas indicações quanto a modelos “periféricos” como os
dos países da Europa do Sul, incluindo Portugal. Apesar de todos os esforços (ver,
por exemplo, Silva (2002)) a caracterização destes modelos continua a ser
insuficiente, vacilando entre interpretações que consideram tratar-se apenas de
modalidades subdesenvolvidas de “modelos continentais ou corporativos” e outras
que salientam os contornos de um “modelo mediterrânico” específico. O diagnóstico
apresentado neste relatório, centrado nas dimensões institucionais relevantes do
ponto de vista da adaptabilidade, ressentindo-se do défice analítico prévio, procura,
ao mesmo tempo, contribuir para o reduzir.
As dimensões da adaptabilidade e os domínios institucionais relevantes
As três dimensões da adaptabilidade identificadas nos documentos da UE,
(nomeadamente no relatório Wim Kok de 2003 (CE, 2003a)) referem-se a um
conjunto vasto de domínios institucionais (ver quadro 0.1).
A melhoria do ambiente para o desenvolvimento de actividades empresariais
remete para medidas como: (a) remoção de obstáculos administrativos e
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regulamentares à criação e gestão de empresas; (b) informação e assistência às
PMEs; (c) acesso ao financiamento das PME e das novas empresas; (d) promoção
da cultura de empresa e intensificação da formação em gestão; (e) reexame da
legislação respeitante às falências; e (f) redução dos custos não salariais do
trabalho e indexação dos salários aos ganhos de produtividade. Inúmeros domínios
institucionais estão aqui envolvidos: (a) administração pública; (b) sistema
financeiro; (c) sistema de educação-formação; (d) sistema jurídico; (e) sistema de
protecção social; e (f) sistema de relações laborais.
Quadro 0.1 Dimensões da adaptabilidade e domínios institucionais relevantes
Dimensões da adaptabilidade
Ambiente para o desenvolvimento de
actividades empresariais
Difusão da inovação e da investigação
Flexibilidade e segurança
Obstáculos administrativos e regulamentares
Informação e assistência às PME
Acesso ao financiamento
Cultura de empresa e formação em gestão
Legislação sobre falências
Custos não salariais do trabalho e salários
Redes de parceria envolvendo universidades, empresas e
autoridades públicas
Difusão das TIC
Incentivos ao investimento privado em investigação
Normas comuns, cooperação transnacional e mobilidade dos
investigadores
Flexibilização dos contratos de duração indeterminada
Alargamento de opções quanto ao tipo de contrato
Garantias de segurança independentes do tipo de contrato
Desenvolvimento das agências de trabalho temporário
Flexibilidade do tempo de trabalho e modernização da organização do trabalho
Adaptação dos regimes de protecção social
Domínios institucionais
Estrutura produtiva
e especiali-
zação
Sistema de I&D
Sistemas de
educação e
formação
Legislação de
protecção do
emprego
Relações laborais
Modelos organi-
zacionais
Relações inter-
empresas
Financia-mento e
governação empresarial
Sistema de
protecção social
A difusão da inovação e da investigação envolve: (a) o encorajamento das redes de
parceria envolvendo universidades, empresas e autoridades públicas; (b)
acessibilidade e difusão das TIC; (c) incentivos apropriados (fiscais, direitos de
propriedade intelectual) ao crescimento do investimento privado em investigação; e
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(d) normas comuns, cooperação transnacional e mobilidade dos investigadores no
quadro europeu. Os domínios institucionais envolvidos são: (a) as relações inter-
empresas; (b) o sistema de educação-formação; (c) o sistema de I&D nacional e
europeu; e (d) o sistema jurídico.
A flexibilidade e a segurança evocam: (a) a flexibilização dos contratos de duração
indeterminada; (b) o alargamento das opções quanto ao tipo de contrato, incluindo
o trabalho a tempo parcial; (c) garantias de segurança suficientes para os
trabalhadores independentemente do tipo de contrato; (d) desenvolvimento das
agências de trabalho temporário; (e) promoção das TIC e da flexibilidade do tempo
de trabalho na modernização da organização do trabalho; e (f) adaptação dos
regimes de protecção social. Os domínios institucionais implicados são: (a) a
legislação de protecção do emprego; e (b) o sistema de protecção social.
O presente estudo não tem a pretensão de cobrir todas as dimensões da
adaptabilidade e todos os domínios institucionais relevantes. A caracterização da
estrutura produtiva e institucional portuguesa apresentada no segundo capítulo
enfatiza sobretudo aspectos ligados à terceira dimensão e cobre os domínios
identificados no quadro 0.1. Os aspectos ligados ao ambiente para o
desenvolvimento das actividades empresariais, nomeadamente os que remetem
para aspectos regulamentares e práticas da administração pública, não foram
objecto de análise. Do mesmo modo, a inovação e a investigação são apenas
abordadas em relação com a estrutura produtiva e a especialização.
As ambições deste estudo são limitadas ainda noutro sentido. Um processo de
reconfiguração institucional como aquele para que remete a problemática da
adaptabilidade não é uma questão técnica que deva ser deixada ao cuidado de
“peritos”. É um processo de negociação social que envolve todos os actores
relevantes. O papel dos “peritos” é necessariamente modesto. Cabe-lhes apoiar o
debate com elementos de reflexão e intervir nesse debate sem pretensão de vir a
substituir os actores e os decisores políticos a quem, na realidade, incube a
responsabilidade das escolhas.
Organização do relatório
O presente relatório reúne, resume e complementa os resultados apresentados em
fases intermédias do estudo. O primeiro capítulo, dedicado a uma discussão geral
da noção de adaptabilidade dos trabalhadores e das empresas, sublinha a
diversidade das perspectivas teóricas sobre as questões da “regulamentação” e da
“flexibilidade” do mercado de trabalho, assim como dos próprios processos
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empíricos de adaptação. O segundo capítulo trata da caracterização da estrutura
produtiva e institucional portuguesa, procurando identificar as principais
complementaridades institucionais e os factores críticos delas decorrentes. O
terceiro capítulo, baseado na análise e interpretação da informação recolhida em
entrevistas com actores e numa reflexão prospectiva, procura descortinar cenários
de médio prazo, estabelecendo o quadro dos desígnios das “políticas de
adaptabilidade”. As implicações em termos de actuações políticas, particularmente
as que são susceptíveis de ser mobilizadas no âmbito do próximo Quadro
Estratégico de Referência Nacional (QERN), constituem objecto do capítulo
conclusivo.
Agradecimentos
A equipa responsável por este estudo contou com valiosos apoios e colaborações.
Aos responsáveis do Observatório do QCA III, nomeadamente Nuno Vitorino e
Paulo Areosa Feio ficamos a dever o acompanhamento atento, a crítica e o
encorajamento. Um agradecimento pelos contributos críticos é também devido a
todos os participantes num seminário de apresentação de resultados intermédios
realizado no ISCTE no dia 6 de Maio de 2005 e, em particular, a Jérôme Gautié.
Este seminário foi realizado com o apoio institucional do IGFSE.
Uma referência particular é devida aos autores de dois capítulos do segundo
relatório intermédio, cujos resultados incorporamos agora parcialmente: Reinhard
Naumann, Fernando Cabral, Arminda Neves e Manuel Roxo.
Sem a colaboração das entidades (e seus dirigentes) que acederam em conceder
entrevistas, o estudo não teria sido possível. Agradecimentos são devidos à
EFACEC, VW Autoeuropa, Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses,
União Geral de Trabalhadores, Comissão de Trabalhadores da VW Autoeuropa,
Associação Industrial Portuguesa, Confederação do Comércio e Serviços de
Portugal, Confederação da Indústria Portuguesa, Câmara do Comércio Luso-Alemã,
Direcção Geral de Estudos, Estatística e Planeamento, Direcção Geral do Emprego e
das Relações de Trabalho e programas Equal, Prime e POEFDS.
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Adaptabilidade(s) e Emprego
Partindo de uma comparação sistemática das duas estratégias de emprego dos
anos 90 em que a questão da adaptabilidade foi originalmente suscitada – a da
OCDE e a da UE –, este capítulo tem por objectivo mostrar que a montante e a
jusante das formulações “oficiais” existem concepções de adaptabilidade
divergentes. Na teoria é possível identificar pelo menos três perspectivas
alternativas que remetem para implicações políticas substancialmente diferentes.
Na prática é possível constatar, a partir do estudo comparativo de diferentes casos
nacionais, que as reconfigurações institucionais operadas em nome da
adaptabilidade têm vindo a seguir sendas de desenvolvimento marcadamente
distintas.
Além disso, a própria concepção da adaptabilidade tem vindo a evoluir em
consequência da reflexão e da experiência. De facto, as reavaliações das
estratégias de emprego, nomeadamente a que está em curso na OCDE, contrastam
em aspectos importantes com a perspectiva predominante nos anos 90.
Quer na teoria quer na prática há, portanto, mais do que uma concepção de
adaptabilidade. O espaço para o exercício das escolhas colectivas existe
manifestamente, embora o domínio das soluções admissíveis seja fortemente
condicionado pela estrutura institucional, os recursos disponíveis e as capacidades
dos agentes.
A adaptabilidade nas estratégias de emprego dos anos 90
No início da década de 90 a questão do desemprego irrompeu com grande
premência nas agendas dos governos nacionais dos países da OCDE e da UE e, por
extensão, na destas organizações multilaterais.
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A necessidade de uma resposta política urgente resultava de uma dupla
constatação: (a) o número de desempregados na OCDE (cerca de 10 milhões em
finais da década de 1960) havia triplicado entre 1972 e 1982; o crescimento
económico posterior, na década de 1980, não fizera regredir significativamente o
desemprego; e, pior, no início dos anos 90 a taxa de desemprego crescia de novo;
(b) as opiniões públicas representavam o desemprego como a mais perigosa
ameaça ao bem-estar e à coesão social. Para a OCDE, daqui decorria um perigo de
ressurgimento de tendências proteccionistas; para a UE, o problema era a erosão
da base de apoio à construção da União Económica e Monetária.
A reacção foi desencadeada praticamente ao mesmo tempo na OCDE e na UE, mas
a OCDE foi mais rápida. Em 1992 realizaram-se no âmbito desta organização
encontros ministeriais sobre questões de emprego e, logo em 1994, foi publicado o
documento que sintetiza a estratégia acordada – The OCDE Jobs Study: Facts,
Analysis, Strategies (JS) (OCDE, 1994). Na UE o processo foi lento. Teve início em
1993 com o Livro Branco sobre Crescimento, Competitividade e Emprego (CE,
1993), e só foi formalmente concluído em 1997, na cimeira do Luxemburgo que
lançou a Estratégia Europeia para o Emprego (EEE).
Em ambas as estratégias, JS e EEE, a “adaptabilidade” surge como uma questão
central em consequência de diagnósticos que atribuem a causa do desemprego à
“insuficiente capacidade de adaptação à mudança” (OCDE, 1994). Embora as duas
estratégias sejam em traços gerais convergentes (Casey, 2004; OCDE, 2004a),
existem diferenças significativas que importa identificar.
Diagnóstico
O diagnóstico da OCDE era claro. Ao longo dos anos de estabilidade do pós-guerra
os rendimentos per capita subiram e convergiram, os termos de troca da área da
OCDE melhoraram, o comércio e os sistemas de pagamentos foram
progressivamente liberalizados. Contudo, em finais dos anos 60 o desempenho
económico deteriorou-se revelando pressões inflacionistas que tinham estado
contidas e no início dos anos 70, com o choque petrolífero e o colapso do sistema
de câmbios fixos, o ambiente económico tornou-se turbulento. Na década seguinte
verificaram-se “vagas de liberalização dos mercados financeiros e de
desregulamentação dos mercados de produtos que expandiram grandemente a
eficiência potencial das economias da OCDE e ao mesmo tempo aceleraram o ritmo
das mudanças”, pondo à prova “a capacidade de adaptação das economias e das
sociedades” (OCDE, 1994).
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No entanto, ao mesmo tempo que estas forças testavam a flexibilidade das
economias, na Europa e na Oceânia, as políticas orientadas para a “prossecução de
objectivos sociais foram alargadas, tendo como efeito colateral não intencional
tornar os mercados, em particular os mercados de trabalho, mais rígidos” (OCDE,
1994). Nestas zonas o sector público cresceu como empregador à medida que os
obstáculos à criação de emprego privado, criados pela redução “do incentivo para
aceitar trabalho – particularmente trabalho precário e mal remunerado” (OCDE,
1994) aumentavam, e as sociedades exigiam mais serviços públicos.
Em contrapartida, nos EUA os mercados de trabalho continuaram a ser altamente
flexíveis e o empreendedorismo dinâmico. Em consequência, o número de novos
postos de trabalho cresceu rapidamente no sector privado. “Muitos dos novos
postos de trabalho eram altamente produtivos e bem remunerados. Mas muitos
outros eram postos de trabalho de baixa qualificação, muitas vezes ocupados por
mulheres. Os trabalhadores nestes postos de trabalho não podiam deixar de aceitar
salários baixos, condições precárias e poucos benefícios de saúde e outros, já que
careciam das competências necessárias em postos de trabalho mais qualificados e
não dispunham da alternativa do apoio social ao estilo europeu. Por outro lado, os
problemas sociais enfrentados por muitos destes trabalhadores poderiam ter sido
piores caso os mercados de trabalho inflexíveis os tivessem privado destes
empregos” (OCDE, 1994).
Em suma, a economia dos EUA – flexível e dinâmica – parecia responder melhor do
que a europeia aos novos desafios e apontava o caminho, apesar do inconveniente
da precariedade nos segmentos menos qualificados da força de trabalho.
Os diagnósticos na UE não divergiam deste em nada de fundamental. Referindo-se
à posição dos países membros, o Livro Branco refere um “acordo unânime” nos
seguintes pontos: (a) os mercados de trabalho não funcionam de forma eficiente,
tendo falta de flexibilidade, particularmente em termos da organização do tempo de
trabalho, salários e mobilidade (a consequência seria o aumento relativo dos custos
da mão-de-obra na Europa e a tendência das empresas para substituir o trabalho
por factores intensivos em capital); (b) há um desencontro entre a oferta e a
procura no mercado de trabalho no que diz respeito a qualificações; (c) os
esquemas de protecção do emprego têm um impacto negativo no sentido em que
defendem os já empregados (insiders) mas impedem o recrutamento dos que
procuram trabalho (outsiders); e ainda (aparentemente com níveis de consenso
mais precários entre os países membros) (d) sistemas desadequados de protecção
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social reduzem a motivação para o trabalho; e (e) o elevado nível de encargos
obrigatórios acresce pesadamente ao custo unitário da mão-de-obra.
Além disso, o diagnóstico dos autores do Livro Branco acrescentava à rigidez do
mercado de trabalho como causa do desemprego, a reduzida taxa de crescimento
do produto na UE. A nuance é importante porque releva das preocupações de
Jacques Delors e de alguns governos europeus relativamente aos efeitos
potencialmente deflacionistas das políticas fiscais e monetárias restritivas do Banco
Central Europeu e a sua intenção de contrabalançar estes efeitos com
melhoramentos das infra-estruturas físicas publicamente financiados (as redes
transeuropeias). Pode não ser exagerado notar que a estratégia do Livro Branco
diferia da JS sobretudo neste retoque “keynesiano” na estrutura supply-sider
(Casey, 2004). No entanto, os planos para a rede transeuropeia nunca foram
prosseguidos e o fundamento supply-sider permaneceu.
A mensagem política fundamental
As duas estratégias coincidiam quanto à mensagem política fundamental. A OCDE
(1994) afirmava: “o elevado desemprego deve ser abordado não através da
tentativa de abrandar o ritmo de mudança, mas antes por via da restauração da
capacidade das economias e das sociedades se adaptarem a ela”. E acrescentava:
“mas isto deve ser realizado por meios que não impliquem o abandono dos
objectivos sociais das sociedades da OCDE [... estes...] devem ser garantidos por
meios novos e mais cuidadosamente desenhados que não tenham os efeitos
colaterais, não pretendidos e não desejados, dos do passado”.
Em contrapartida, no Livro Branco podia ler-se que a resolução do problema do
desemprego “requer mudanças nas políticas económicas e sociais e mudanças no
ambiente do emprego quanto à estrutura do mercado de trabalho, no sistema fiscal
e nos incentivos da segurança social” (CE, 1993) e prosseguia: “isto implica
mudanças significativas, mas não significa simplesmente a desregulamentação dos
mercados de trabalho europeus” e envolve “a necessidade de manter a paz
industrial e social e de evitar a criação de mais pobreza nos grupos que ocupam já
a posição mais fraca no mercado de trabalho”.
Recomendações
O sentido destas mudanças era clarificado nas recomendações formuladas, em
ambas as estratégias, em torno de nove prioridades.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 13
1) Estabelecimento de um enquadramento macroeconómico apropriado
Quer a JS quer a EEE sublinhavam que a capacidade de criar emprego duradouro
depende da solidez do enquadramento macroeconómico. A OCDE especificava: (a)
finanças públicas sãs, para que o sector público não absorva a poupança nacional e
consequentemente impeça o investimento; (b) controlo da inflação, de molde a que
as empresas e os trabalhadores não sejam afectados pela incerteza associada à
distorção dos sinais transmitidos pelos preços; e (c) gestão da procura agregada
que evite um crescimento demasiado rápido, gerador de inflação, ou demasiado
lento com o risco de deflação.
Já a UE na conclusão da cimeira do Luxemburgo (paragrafo 10) escrevia: “A
respeito do contexto macroeconómico é essencial que a União prossiga uma política
de crescimento orientada para a estabilidade, finanças públicas sãs, contenção
salarial e reforma estrutural”. De facto, a preocupação com a compatibilidade entre
os objectivos do emprego e os da estabilidade macroeconómica tinha ganho na UE
grande destaque a partir do momento em que o tratado de Amesterdão estabelecia
que as guidelines do emprego destinadas a promover “um alto nível de emprego”
deviam ser consistentes com as das políticas económicas, isto é, com a atribuição
da prioridade ao controlo da inflação.
2) Criação e difusão de tecnologia
Na JS o desenvolvimento tecnológico é visto como a força determinante do
crescimento da produtividade, do emprego e dos níveis de vida, a longo prazo: os
efeitos negativos de curto prazo sobre o emprego menos qualificado resultante da
adopção de tecnologias poupadoras de trabalho seriam mais do que compensados
pelo aumento dos rendimentos reais possibilitados pelo aumento da produtividade e
pelo acréscimo da procura gerada por novos produtos.
O desenvolvimento tecnológico era evidentemente também uma prioridade nas
políticas europeias, mas, até à cimeira de Lisboa, a UE parecia ser mais céptica do
que a OCDE quanto às virtualidades de longo prazo do progresso técnico a respeito
da criação de emprego. Nas guidelines da EEE de 1998 (paragrafo 64) refere-se
apenas: “Se a União Europeia quiser enfrentar com sucesso o desafio do emprego
terá de explorar eficazmente todas as possíveis fontes de emprego e novas
tecnologias”. A Estratégia de Lisboa contribuiu para alterar a perspectiva. Em
consequência, o relatório Wim Kok (CE, 2003a) integra explicitamente o
desenvolvimento tecnológico (investigação e difusão da inovação) na estratégia de
emprego.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 14
3) Aumento da flexibilidade do tempo de trabalho
O aumento da flexibilidade do tempo de trabalho é outra recomendação comum. Na
JS envolve a flexibilidade na organização do tempo de trabalho no interior das
empresas, o estímulo ao trabalho a tempo parcial voluntário e surge associado à
remoção de incentivos à reforma antecipada.
No pilar da adaptabilidade das guidelines de 1998 (CE, 1997, paragrafo 70),
referem-se explicitamente “arranjos flexíveis do trabalho” como: a expressão do
tempo de trabalho em termos de um número de horas anual, a redução das horas
trabalhadas, a redução do trabalho considerado extraordinário, o desenvolvimento
do trabalho a tempo parcial, a articulação entre tempo de trabalho e tempo de
formação. Neste aspecto a única diferença relativamente à JS diz respeito à
referência à redução do tempo de trabalho.
4) Acarinhar o espírito empresarial
A recomendação de medidas tendentes a acarinhar o “clima empresarial” na JS
(redução dos custos de arranque, provisão de informação e aconselhamento,
eliminação de obstáculos regulamentares) tem como contrapartida na EEE o
segundo pilar das guidelines de 1998 (“desenvolver a empresarialidade”,
parágrafos 61 - 66) onde além da mesma menção aos custos de arranque existe
uma referência ao capital de risco, à redução da carga fiscal e dos custos
administrativos das pequenas e médias empresas.
5) Aumentar a flexibilidade dos salários e dos custos do trabalho
No que diz respeito à flexibilidade dos salários e dos custos do trabalho a JS
recomenda que os salários e os custos do trabalho sejam flexibilizados de forma a
remover as restrições que impedem que os salários reflictam as condições locais e
os diferenciais de qualificação.
Nas guidelines de Luxemburgo há apenas referência à flexibilização dos custos
indirectos do trabalho e não à flexibilização dos salários propriamente ditos. Há no
entanto diversas alusões à moderação salarial (crescimento dos salários inferior ao
da produtividade) quer no Livro Branco quer nas guidelines de Luxemburgo.
6) Reformar as disposições de protecção do emprego
Quanto à segurança do emprego, a JS advogava: (a) o estabelecimento, por via
legislativa ou de acordos colectivos, de provisões que sancionassem os
despedimentos sem justa causa ou discriminatórios mas facilitassem os
economicamente justificados; e (b) a adopção de contratos a termo certo
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 15
contrabalançada por desincentivos à sua generalização (contribuições patronais
mais elevadas para a segurança social, por exemplo).
A EEE é menos precisa a este respeito preconizando, por um lado, a reforma dos
elementos abertamente restritivos da legislação laboral que afectam as dinâmicas
do mercado de trabalho e, por outro, a articulação desta flexibilidade com a
segurança.
7) Expandir as políticas activas de emprego
Em ambas as estratégias as políticas activas de emprego surgem no quadro de uma
defesa da deslocação das políticas de emprego, do apoio financeiro passivo aos
desempregados para a ajuda activa ao reemprego. Para a OCDE a activação dos
desempregados interage virtuosamente com a redução dos custos unitários da
mão-de-obra no sentido em que reforça a capacidade competitiva dos “outsiders”
no mercado de trabalho reduzindo o poder dos “insiders”.
Na EEE as políticas activas de emprego surgem associadas não só à activação dos
“outsiders” como à empregabilidade dos “insiders”, isto é, o reforço da sua
capacidade de retenção do emprego.
8) Melhorar as qualificações e competências dos trabalhadores
A melhoria das qualificações e competências dos trabalhadores é vista em ambas
as estratégias como a pré-condição determinante para a criação de novos postos de
trabalho qualificados e bem remunerados, a única via para a sustentabilidade do
emprego num contexto de deslocalização dos segmentos da produção intensivos
em mão-de-obra pouco qualificada para as regiões de baixos salários e mão-de-
obra não qualificada abundante. A ideia chave em ambas as estratégias é a de
perspectivar a melhoria das qualificações e competências como um processo
contínuo ao longo da vida. O objectivo envolve para a OCDE: a melhoria da
qualidade da educação inicial, a melhoria da transição escola-trabalho e o reforço
dos incentivos para a provisão e aquisição de formação, respectivamente por parte
das empresas e dos trabalhadores. As mesmíssimas prioridades surgem no Livro
Branco, embora em muito mais detalhe, e nas guidelines posteriores associadas ao
eixo da “empregabilidade”.
9) Reformar o sistema de subsídios de desemprego
A reforma do sistema de subsídios de desemprego na JS deve ser orientada para a
redução dos benefícios dos seguros de desemprego e da sua duração e para a
restrição das condições de elegibilidade. No Livro Branco é também feita referência
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 16
aos efeitos desmotivadores da oferta de trabalho de “sistemas de protecção social
inapropriados”, mas a ênfase atribuída ao problema é muito menor.
JS e EEE – Principais diferenças
As duas estratégias, JS e EEE, coincidem em dois aspectos fundamentais: (a) no
diagnóstico que atribui o desemprego à rigidez do mercado de trabalho; e (b) na
defesa de uma resposta adaptativa a tendências globais tidas como inelutáveis
quanto ao comércio internacional, à dinâmica dos mercados financeiros
internacionais e à tecnologia (excluindo portanto a possibilidade de uma
intervenção na esfera da política internacional que condicione estas tendências).
Coincidem ainda, em geral, quanto às recomendações.
No entanto, como refere Casey (2004), divergiam à partida num aspecto e
divergem ainda noutros dois. O ponto em que à partida se diferenciavam era o
toque keynesiano dado pela proposta das redes transeuropeias. Os aspectos em
que ainda divergem são a ênfase atribuída pela UE à relação entre emprego e
políticas de protecção social e ao papel dos “parceiros sociais”.
Quanto ao primeiro aspecto, a EEE procura sublinhar a necessidade de
compatibilizar a flexibilização do mercado de trabalho com o que designa de
“modelo social europeu”. Incorporando o objectivo do aumento da taxa de emprego
(e não apenas o da redução do desemprego), a EEE procura articular a política de
emprego e a política social. De facto, uma das pré-condições para a
sustentabilidade dos sistemas de protecção social é não só a redução do
desemprego como o alargamento da base contributiva dos sistemas de seguro
social. Globalmente, a UE declara-se comprometida com o propósito de
compatibilizar a necessária adaptação às tendências globais com a salvaguarda do
“modelo social europeu”. Em contrapartida, na JS a complementaridade não é tida
em conta surgindo referências vagas a “riscos criadores de tensões sociais que
podem acarretar custos humanos e económicos avultados” e a necessidade de
preservar os “objectivos sociais dos países da OCDE”.
Quanto ao segundo aspecto, a EEE atribui um peso considerável ao papel dos
“parceiros sociais” em todos os planos das políticas de emprego: formulação,
execução e avaliação. Em contrapartida, a OCDE fica-se por uma referência
genérica às responsabilidades dos empregadores, dos sindicatos e dos
trabalhadores individuais na acção orientada para a promoção do emprego.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 17
Mudança e adaptação
A adaptabilidade apresenta-se como um imperativo decorrente de um processo
encadeado de mudanças socio-económicas com origem na crise dos anos 70. A
partir do final da 2ª guerra mundial e até essa data o arranjo institucional que
designamos por Welfare State foi capaz de assegurar o crescimento e o emprego. É
um facto universalmente reconhecido que a partir de então o desemprego se
instalou de uma forma duradoura, questionando as virtualidades e a própria
viabilidade dos arranjos institucionais arduamente construídos no pós-guerra.
Compreender as razões pelas quais a adaptabilidade surge como um imperativo
neste quadro de mudanças encadeadas, determinar até que ponto os requisitos da
adaptabilidade implicam uma reconfiguração do Welfare State ou a sua erradicação
pura e simples, exige uma caracterização das mudanças a que a adaptabilidade se
refere1.
As mudanças na envolvente económica internacional
O Welfare State foi produto de circunstâncias históricas irrepetíveis. Em
consequência da vaga proteccionista dos anos trinta e da própria guerra, a
economia mundial caracterizava-se no final do conflito por um baixo nível de
integração. Os controlos aos movimentos de capitais, a estabilidade das taxas de
câmbio e as barreiras ao comércio asseguravam um considerável poder e margem
de manobra aos estados nacionais. Além disso, no contexto da reconstrução do
pós-guerra, a procura dirigida à indústria crescia rapidamente na América do Norte
e na Europa e os ganhos de produtividade alcançados com a produção em massa
de produtos estandardizados possibilitavam o crescimento quer dos lucros quer dos
salários, sustentando deste modo a procura de bens de investimento e de consumo.
No interior das fronteiras económicas a liberdade de escolha dos consumidores e a
liberdade de movimentos dos capitais e dos contribuintes era limitada – o seu
poder negocial face quer aos governos nacionais quer aos sindicatos era
incomparavelmente menor do que é hoje. Em consequência, o nível dos impostos e
da despesa pública eram determinados sobretudo por considerações políticas (e
menos por imperativos de competitividade). Além disso, os aumentos dos salários e
dos custos não salariais do trabalho, assim como o fardo da regulamentação das
condições de produção e das relações de trabalho, tendo que ser suportados por
todas as empresas no espaço económico, repercutiam sobre os consumidores e não
1 Baseamo-nos neste ponto sobretudo na perspectiva de Scharpf (Scharpf e Schmidt, 2000, Cap. 2).
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 18
sobre o lucro das empresas. Por outro lado, o controlo da taxa de juro e da oferta
de moeda permitiam aos governos controlar os ciclos económicos através da gestão
da procura agregada, mantendo o emprego e as taxas de investimento a níveis
relativamente elevados.
Dois acontecimentos conjugados, no início da década de 1970 – o colapso do
sistema de câmbios fixos de Bretton-Woods e o primeiro choque petrolífero –
assinalam o início do fim desta “idade de ouro”. De facto, a emergência e expansão
dos mercados de euro-dollars, resultante da riqueza súbita dos países produtores
de petróleo, combinado com o novo regime de câmbios flutuantes, criou as
condições e a oportunidade para a expansão de uma especulação cambial sem
precedentes que passou a condicionar as políticas orçamentais e monetárias dos
governos. Daí em diante, as políticas keynesianas de pleno emprego passaram a
ter repercussões nas taxas de câmbios das moedas nacionais afectando quer a
competitividade das exportações, quer o nível de inflação. Neste contexto, passou a
ser difícil, senão impossível, contrariar em simultâneo o desemprego e a inflação
induzida pelo aumento do preço do petróleo. Os governos enfrentavam o dilema da
estagflação: se escolhessem combater o desemprego a partir da reflação da
procura, teriam de enfrentar a inflação e a perda de competitividade; se quisessem
enfrentar a inflação com políticas monetárias restritivas, teriam de enfrentar o
desemprego.
Quando no início dos anos 80 eclodiu uma nova crise petrolífera, os governos
debatiam-se ainda com elevados níveis conjugados de inflação e desemprego. Mas
agora, contrariamente ao ocorrido na década de 1970, o novo choque exógeno iria
ser respondido não com políticas keynesianas mas com os instrumentos
monetaristas que entretanto as haviam substituído. As políticas monetárias
restritivas adoptadas pelo FED norte-americano combinadas com o astronómico
défice orçamental da era Reagan iriam resultar num aumento das taxas de juro
sem precedentes, primeiro nos EUA e depois em praticamente todos os países da
OCDE. Em consequência o serviço da dívida pública tornou-se mais pesado para
todos os estados que entretanto se haviam endividado e o controlo do défice
orçamental passou a figurar, a par da inflação e do desemprego, na agenda
política.
Paralelamente, face ao aumento das taxas de juro, as condições de atractividade do
investimento real tornaram-se mais exigentes. Agora, tornar o investimento real
compensador face a alternativas financeiras com elevadas taxas de juro e baixo
risco passava por garantir taxas de lucro elevadas, o que num contexto de
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 19
estagnação da procura agregada e da produtividade se traduzia necessariamente
numa redistribuição do valor acrescentado em benefício do capital e em detrimento
do trabalho.
Na segunda metade dos anos 80 os preços do petróleo tinham regressado ao seu
nível original, a inflação tinha sido controlada e as taxas de juro haviam iniciado um
percurso descendente. O desemprego, no entanto, regredira marginalmente mas
mantinha-se a níveis elevados. Mas quando, no início da década de 90, as
economias da OCDE entraram de novo em recessão o desemprego disparou em
quase todos os países a níveis superiores aos do início da década de 80.
A nova recessão coincidia no tempo com o culminar do processo de integração dos
mercados de produtos e de capital que se vinha desenvolvendo ao longo de todo o
período do pós-guerra. De facto, o processo de integração económica e financeira
havia sido acelerado por uma conjugação de acontecimentos e decisões políticas
entre as quais avultam: o colapso do sistema soviético, o reforço e alargamento do
regime de livre comércio no âmbito da OMC, o estabelecimento do mercado único
na UE, as políticas de desregulamentação e privatização e, mais importante, a
liberalização e a desregulamentação dos mercados financeiros. Em geral, o quadro
era o de uma concorrência acrescida nos mercados de bens e serviços e uma muito
maior mobilidade do capital.
Este processo de mudanças encadeadas na envolvente económica internacional
modificou radicalmente o contexto que deu origem e sustentou os arranjos
institucionais do pós-guerra. Com fronteiras económicas porosas não há já
consumidores, capitais ou contribuintes cativos, nem governos e sindicatos capazes
de condicionar as suas decisões. No novo contexto, os governos nacionais estão
impedidos de responder à perda de competitividade com ajustamentos cambiais, o
aumento dos custos deixa de poder ser transmitido para os consumidores, as
empresas passam a ser financiadas por agentes que tomam decisões de
investimento real ou de carteira com base na comparação da rendibilidade de cada
alternativa disponível e a rendibilidade da melhor oportunidade à escala global. Em
traços largos, as posições relativas dos agentes inverteram-se, no sentido em que
os governos nacionais e os sindicatos estão agora numa situação em que para criar
emprego são obrigados a competir com outros governos e sindicatos de forma a
atrair e fixar o capital real e financeiro que se movimenta à escala global.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 20
Consequências das mudanças na envolvente: concorrência
A intensificação da concorrência nos mercados mundiais de bens e serviços resulta
quer da integração na economia mundial de novos países industrializados, dotados
de stocks abundantes de mão-de-obra barata, quer da crescente integração
económica dos países industrialmente avançados.
Em consequência destas pressões conjugadas a competitividade das empresas
instaladas em países com custos de mão-de-obra elevados, ou relativamente mais
elevados, passa a depender da automação da produção, da especialização em
segmentos com alto valor acrescentado e da incessante inovação de produto que
permite ocupar nichos de mercado privilegiados.
Nos casos em que este processo de adaptação é bem sucedido, os requisitos em
qualificação da mão-de-obra aumentam e as oportunidades de emprego dos
trabalhadores menos qualificados diminuem. O efeito líquido sobre a criação de
emprego é indeterminado, mas o facto é que as taxas de emprego nos sectores
expostos à concorrência internacional declinaram desde o início dos anos 70 em
quase todos os países industrialmente avançados. Nesses países os sectores
abrigados são os que criam emprego: comércio grossista e de retalho, restaurantes
e hotéis, serviços comunitários, sociais e pessoais.
Consequências das mudanças na envolvente: financiamento
A consequência mais evidente da liberalização dos fluxos de capital é a
transformação dos padrões de financiamento das empresas. O financiamento do
investimento real através de “capital paciente”, característico da maior parte das
empresas europeias está a dar lugar à dependência das empresas relativamente a
investidores institucionais que sendo moveis exigem dos projectos e das empresas
rendibilidades de curto prazo e desempenhos bolsistas sempre superiores à da
melhor alternativa globalmente disponível. O resultado é que empresas
tradicionalmente imunes às pressões especulativas estão cada vez mais sujeitas às
flutuações da sua valorização bolsista. As dinâmicas especulativas passam a
condicionar a sua capacidade de financiamento e de resistência a aquisições hostis.
Consequências das mudanças na envolvente: financiamento do estado
O processo de mudanças encadeadas está também a sujeitar os estados nacionais
a pressões financeiras contraditórias.
No sentido do aumento da despesa convergem o desemprego, o aumento da
pobreza, o envelhecimento da população, as crescentes exigências da educação e
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 21
formação e a necessidade de infraestruturação de apoio à actividade económica. No
sentido da descida das receitas, pressiona a concorrência fiscal entre estados e
outros incentivos orientados para a atracção de novo investimento.
Os dados relativos à OCDE revelam, em traços largos, que a partir de meados da
década de 80 o peso dos impostos e das contribuições para a segurança social no
PIB estagnou, mantendo-se as diferenças preexistentes entre países.
Simultaneamente, na maior parte dos casos, o controlo dos défices orçamentais
tornou-se mais apertado.
No entanto, isto não significa que nada se tenha alterado na receita pública. De
facto, em resposta ao efeito conjugado das pressões contraditórias, o nível da
despesa manteve-se, mas a base fiscal alterou-se com um desagravamento dos
impostos sobre os lucros e os rendimentos de capital e o agravamento dos
impostos sobre o consumo e das contribuições para a segurança social.
Tendências e contra-tendências
Três tendências principais parecem decorrer das mudanças na envolvente
internacional: (a) erosão e perda da estabilidade do emprego nos sectores
expostos; (b) perda de capacidade de financiamento do estado; (c) perda de poder
dos sindicatos e dos governos nacionais.
Ao mesmo tempo os objectivos e os valores do Welfare State – pleno emprego,
segurança social e igualdade – enquanto aspirações, não parecem estar em
regressão, como o demonstra a sua reafirmação em programas eleitorais da grande
maioria das forças políticas. Os eleitores resistem às tendências que decorrem das
mudanças na envolvente internacional. Reclamam respostas dos governos afastam
as coligações políticas no poder que se manifestam incapazes de as proporcionar.
As forças sociais reorganizam-se à revelia das fronteiras tradicionais doutrinárias ou
de classe. Na realidade, as pressões concorrenciais e especulativas não atingem
apenas os trabalhadores e os sindicatos, elas estão a pôr em causa as vantagens
comparativas institucionais em que se funda a competitividade de muitas
empresas.
Em geral, o acordo é unânime num ponto – os regimes de Welfare State tal como
se desenvolveram no pós-guerra vacilam face às pressões da envolvente externa.
Alguns prenunciam o colapso definitivo das instituições de “protecção social” e o
alastramento do mercado a todas as esferas da vida. Outros antecipam mudanças
tendentes a “uma mudança de regime” (Esping-Andersen, 2002), e outros ainda
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 22
afirmam que está em causa apenas a “forma do Welfare State” (Scharpf in Scharpf
e Schmidt (2000)). Em qualquer caso não há dúvida que está em curso um
processo rápido de reconfiguração institucional; como veremos as direcções em que
aponta esse processo são divergentes.
Perspectivas teóricas sobre a adaptabilidade
As estratégias de emprego dos anos 90 são em grande medida tributárias de uma
perspectiva teórica que tende a encarar as instituições que enquadram as relações
de trabalho como impedimentos ao bom funcionamento do mercado de trabalho e
portanto como causas do desajustamento da oferta e da procura de emprego. Esta
visão, dominante nas décadas de 80 e 90, partilhou e partilha o terreno do debate
teórico com outras correntes que reconhecem os limites ou as falhas dos mercados
e acentuam o papel das políticas públicas e das instituições não só como garantes
de objectivos de equidade mas também como condicionantes da eficiência e da
competitividade.
A perspectiva neo-liberal
A perspectiva habitualmente designada neo ou ultra liberal resulta de uma simbiose
de correntes teóricas diversas – a neoclássica, que tem o modelo de equilíbrio geral
como referência, e a austríaca, representada sobretudo por Hayek. A perspectiva
neoclássica erigiu a concorrência pura e perfeita em todos os mercados (bens e
serviços, capital, recursos naturais e trabalho) como modelo de referência ideal em
que a eficiência é realizada. Durante muito tempo esta visão foi matizada pela
percepção da importância de falhas de mercado, inclusivamente na esfera da
distribuição do rendimento, que justificariam a intervenção supletiva do estado.
Mas a “descoberta” de falhas do estado, potencialmente mais graves que as do
próprio mercado, combinada com a ideia hayekiana de que qualquer intervenção
pública se traduz em distorções do sistema de preços que induzem nos agentes
comportamentos que afastam o sistema da eficiência, para além de o
encaminharem para um plano inclinado de crescente socialização, modificaram a
perspectiva.
A síntese neoliberal, condensada no chamado “consenso de Washington”, preconiza
a liberalização de todos os mercados, internos e externos, a extensão da provisão
privada aos domínios tradicionais da esfera pública, a redução da carga fiscal e o
controlo estrito dos défices orçamentais. Ao estado caberia um papel, ainda assim
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 23
importante, na atribuição e salvaguarda dos direitos de propriedade, na garantia do
cumprimento dos contratos e eventualmente na provisão de mínimos de protecção
social.
A adaptabilidade no modelo neoliberal traduz-se sobretudo em flexibilidade total na
gestão da mão-de-obra e nos salários, individualização da negociação dos contratos
de trabalho, e substituição dos sistemas de welfare públicos por sistemas de
seguros privados.
O projecto neoliberal nunca foi até hoje realizado. Se existe alguma realidade que
dele se aproxime ela é, como é sabido, a América de Reagan e a Grã-bretanha de
Tatcher, além de, convém não esquecer, numerosos países de desenvolvimento
intermédio que nunca conheceram o Welfare State.
As terceiras vias
As “terceira vias” partem de uma rejeição das soluções neoliberais que, no entanto,
reconhece ao mesmo tempo, as vantagens do mercado e as falhas quer do
mercado quer do estado (Gautié, 2003). Defendem que a flexibilidade do mercado
de trabalho e a segurança dos trabalhadores só numa lógica fordista tradicional são
incompatíveis.
Os contornos das terceiras vias são muito menos precisos do que os da solução
neoliberal e não existe consenso, nem entre os investigadores nem entre os
políticos, acerca dos projectos de reforma que podem ser incluídos nesta via do
meio.
As “terceiras vias” partem do reconhecimento de transformações irreversíveis nos
mercados de trabalho pós-fordistas que tendem a atribuir sobretudo a mudanças
tecnológicas e sociais. Gautié (2003) identifica, entre outras, as seguintes: a) a
“balkanização” da relação salarial; (b) a substituição da relação de trabalho pela
relação de serviço; (c) a reconfiguração dos riscos e das desigualdades.
A “balkanização” remete para a substituição das regras de protecção do emprego e
das modalidades de fixação do salário características do fordismo, por relações de
emprego mais “líquidas”, isto é, mais facilmente revertíveis pela empresa. Este
regime é, na realidade, um regime dual que afecta de forma diferenciada os
trabalhadores segundo o seu nível de qualificação: de um lado situam-se os
trabalhadores pouco qualificados e facilmente substituíveis que a empresa não
procura fidelizar e que tendem a ser, como tal, precários, do outro estão os
trabalhadores altamente qualificados que empresa procura fidelizar e que tentam,
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 24
eles próprios, tirar partido da liquidez, isto é, das oportunidades de mobilidade
inter-empresas.
A emergência da relação de serviço tem como contexto a substituição da produção
de massa pela produção personalizada; a substituição da organização taylorista
baseada no posto de trabalho por uma outra mais flexível capaz de responder
rápida e criativamente às exigências da procura. Numa economia que tenta
incessantemente diferenciar-se com a oferta de soluções adaptadas a cada procura
particular, a qualidade do “serviço” depende fortemente de qualidades relacionais e
cognitivas que vêm sendo descritas como competências-chave e não só do domínio
de conhecimentos técnicos necessários à ocupação de postos claramente definidos.
Contra um pano de fundo fordista assente no trade-off segurança-subordinação, a
produção flexível parece exigir aos trabalhadores autonomia, poupando ao mesmo
tempo na segurança.
A reconfiguração dos riscos e das desigualdades resulta principalmente da
incapacidade dos sistemas de protecção social face, quer à precariedade acrescida
da relação de emprego, quer às transformações sociais que afectam a esfera de
protecção social familiar. Os sistemas concebidos para níveis de desemprego
relativamente baixos e nalguns casos apoiados num modelo familiar caracterizado
pela estabilidade vacilam e ameaçam ruir. Por outro lado, a dualização das relações
de trabalho acarreta um inevitável aumento das desigualdades na repartição do
rendimento entre o núcleo de trabalhadores dotado de competências chave para as
empresas e a periferia menos qualificada.
Para as terceiras vias estas tendências obrigam necessariamente a repensar os
modelos sociais, nomeadamente a articulação entre mercado de trabalho e
protecção social. Segundo Gautié (2003) existe um terreno comum que é
transversal a todas elas. O primeiro elemento desse consenso seria a necessidade
de explorar a possibilidade de articular flexibilidade do sistema produtivo com
segurança do indivíduo, passando de uma lógica de protecção passiva contra o
risco, a uma lógica de segurança activa, isto é, inscrevendo a protecção social
numa “lógica preventiva e não simplesmente reparadora” (Gautié, 2003: 17). Nesta
perspectiva “a empregabilidade”, permanentemente recriada através da formação
ao longo da vida, constituir-se-ia como o elemento securizante para o trabalhador.
Mas nem por isso o indivíduo trabalhador assim responsabilizado pelo seu destino
deveria deixar de ser apoiado pela sociedade. A redução das garantias dos sistemas
de protecção do risco de desemprego devia ser acompanhada de políticas activas
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 25
que permitissem ao indivíduo-trabalhador readquirir a empregabilidade perdida
quando necessário.
O segundo elemento de consenso diz respeito às políticas redistributivas. As
terceiras vias opõem-se simultaneamente às visões igualitaristas e à naturalização
da desigualdade. Reconhecem o condicionamento das trajectórias individuais pelas
diferenças nas condições de partida e contrapõem à redistribuição reparadora, a
que visa a igualdade de oportunidades.
Para lá destes elementos de consenso, afirma Gautié, as vias divergem,
particularmente no que diz respeito à necessidade de regulações colectivas que
assegurem direitos.
Perspectivas institucionalistas
Um terceiro conjunto de perspectivas que aqui descrevemos por “institucionalistas”
contrapõe aos cenários de convergência para um modelo de capitalismo único, seja
ele de tipo neo-liberal ou uma qualquer modalidade de terceira via, cenários de
diversidade.
De acordo com esta perspectiva, a diversidade de configurações institucionais
origina diferentes formas de capitalismo, cada uma delas com as suas
características, sendas de desenvolvimento, forças e fraquezas específicas.
Em particular, a perspectiva das “variedades de capitalismo” proposta por Hall e
Soskice (Hall e Soskice, 2001) opões ao cenário de convergência para um modelo
“liberal” único o argumento de robustez de outros capitalismos de tipo
“coordenado”.
Essa abordagem assume, em primeiro lugar, diferenças na estrutura e na
estratégia das empresas ditadas pelas diferenças institucionais dos modelos em que
se apoiam. Constata, em segundo lugar, que a tendência das empresas para se
deslocarem em função dos diferenciais nos custos unitários da mão-de-obra é
frequentemente contrariada por contra-tendências relacionadas com a necessidade
de competências avançadas e com vantagens institucionais que sustentam as
relações de cooperação inter e intra-empresas em que se fundam as suas
estratégias.
Assumem, por último, dinâmicas diferenciadas ao nível do sistema político. A
pressão das empresas a favor da desregulamentação em face de pressões
competitivas tenderia a ser mais forte no caso dos modelos liberais do que nos
coordenados, já que o aprofundamento das vantagens comparativas institucionais
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 26
do modelo liberal depende exactamente do alargamento e do aperfeiçoamento das
relações mercantis, enquanto a desregulamentação representa uma ameaça para
as vantagens comparativas do modelo coordenado. A consequência seria uma
menor pressão para as reformas liberalizantes (e uma menor simpatia dos
governos por estas reformas) no último caso. Além disso, a base política para a
resistência à desregulamentação seria mais alargada nos modelos coordenados já
que existiria aí espaço para uma larga convergência de interesses entre sectores
empresariais, laborais e políticos diversificados.
O cenário defendido pela abordagem das “variedades de capitalismo” antecipa
portanto uma bifurcação caracterizada pelo aprofundamento das relações mercantis
no modelo liberal e uma deslocação limitada neste sentido no modelo coordenado.
Os autores encontram na evolução do padrão das políticas dos países da OCDE nas
décadas recentes evidência favorável à sua tese.
Amable (2005) encara a “terceira via”, pelo menos na sua versão britânica, e a
política europeia de emprego como portadoras de uma estratégia de desarticulação
das vantagens comparativas institucionais dos modelos europeus continentais que
tende a agravar e não a superar os problemas de competitividade destas
economias. Contrapõe-lhes não um regresso ao passado fordista, mas antes uma
via da flexigurança à dinamarquesa que combina uma relativa flexibilidade do
mercado de trabalho com um sistema de protecção social generoso e políticas
activas orientadas para a formação permanente.
Debate teórico e evolução das estratégias de emprego
A visão dos analistas e dos decisores políticos é sempre muito mais influenciada por
visões doutrinárias do que eles próprios estão dispostos a admitir. Enquanto as
estratégias de emprego dos anos 90 têm a marca da perspectiva teórica que nas
décadas de 80 e 90 se tornou hegemónica em consequência da crise do
keynesianismo e do marxismo, as reavaliações e reconfigurações posteriores são já
matizadas por influências inspiradas nas terceiras vias. Partem do pressuposto que
a competitividade exige uma reconfiguração dos mercados de trabalho e dos
sistemas de protecção social, mas não deixam de assinalar os perigos de dualização
e de ruptura da coesão social inerentes à liberalização e de preconizar medidas
correctoras.
Alem disso, na UE as políticas de emprego estão hoje enquadradas por uma
estratégia mais ampla de resposta aos desafios da globalização. Esta estratégia – a
estratégia de Lisboa – parece assentar no reconhecimento de que o risco de
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 27
ruptura da coesão social só poderá ser conjurado caso a Europa transite
rapidamente para um regime de acumulação intensivo em conhecimento. A
reconfiguração da especialização produtiva da Europa permitiria abrigar a economia
europeia e o “modelo social europeu” das pressões competitivas da economia global
que se pensa actuarem sobretudo nos sectores intensivos em mão-de-obra não
qualificada. A adaptabilidade surge assim inscrita numa via para a competitividade
assente no conhecimento, na inovação e na diferenciação.
Processos de adaptação
Os estudos comparativos mostram claramente que a vulnerabilidade dos países às
mudanças da envolvente económica internacional, tal como a orientação das
respostas elaboradas e testadas, depende de forma determinante das estruturas
dos sistemas de emprego e do Welfare State pré-existentes, assim como da
experiência histórica embutida na cultura. Consideremos brevemente alguns casos
nacionais representativos de três sistemas de Welfare: Suécia e Dinamarca (welfare
escandinavo ou social democrático), Reino Unido (welfare anglo-saxónico), França
(welfare continental).
Suécia e Dinamarca
Até à década de 1990 o modelo sueco, com baixas taxas de desemprego e
desemprego de longa duração praticamente inexistente era a história de sucesso
das políticas de emprego (Björklund, 2000). Em contrapartida, a Dinamarca
experimentava desde a década de 70 um desemprego elevado e crescente e era
considerada um fracasso. Em 1990 o desemprego na Suécia disparou, subindo de
cerca de 2% para 8% três anos depois.
A Suécia e a Dinamarca partilhavam (e partilham) características estruturais que
justificam a sua inclusão num regime de welfare e de emprego específico: taxas
elevadas de emprego feminino e taxas igualmente elevadas de emprego no sector
público; um elevado nível de provisão de serviços públicos para os idosos, os
doentes, os deficientes e as famílias com crianças a cargo, suportado por elevadas
cargas fiscais2; densidade sindical e grau de cobertura dos acordos colectivos
elevados; regulação das relações laborais relativamente uniforme com diferenciais
2 Os elevados níveis de emprego e serviços públicos eram e são financiados por impostos elevados aceites por famílias que beneficiam quer como consumidores quer como produtores das actividades a cargo do estado.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 28
salariais muito reduzidos e negociação centralizada; benefícios dos sistemas de
seguro de desemprego generosos com taxas de reposição elevadas, períodos de
benefício longos e regras de elegibilidade abarcando os entrantes no mercado de
trabalho.
Ao mesmo tempo os sistemas dos dois países não diferiam apenas no que diz
respeito ao seu desempenho. Enquanto na Suécia a legislação da protecção do
emprego era (e ainda é) muito estrita, na Dinamarca era (e ainda é) muito flexível.
Além disso o sistema sueco, contrariamente ao dinamarquês, envolvia políticas
activas de emprego.
A crise de emprego dos anos 90 fez despoletar processos de reformas que fizeram
evoluir os dois países em direcções relativamente distintas.
Na Dinamarca a duração dos subsídios de desemprego foi reduzida e os critérios e
elegibilidade reforçados. Em contrapartida, medidas de activação tendentes a
facilitar a transição do desemprego para o emprego foram introduzidas. Um
generoso sistema de licenças remuneradas foi implementado.
Quanto à legislação de protecção do emprego, que já era muito flexível, as
alterações introduzidas na década de 90 foram no sentido de tornar mais oneroso
para as empresas o recurso aos lay-offs temporários. Além disso, o sistema de
negociação dinamarquês foi gradualmente descentralizado para o nível do sector e
da empresa.
Na Suécia o sistema de seguro de desemprego mudou muito menos. A taxa de
substituição sofreu uma ligeira redução em baixa, mas a duração dos benefícios
manteve-se apesar de diversas tentativas de alteração por parte do governo, a que
os sindicatos resistiram. Durante a recessão os programas de activação,
nomeadamente programas de trabalho temporário, foram expandidos.
Posteriormente estes programas foram sendo progressivamente substituídos por
ofertas de participação no sistema educativo regular dirigidas aos desempregados.
Ao mesmo tempo que a duração da escolaridade obrigatória era aumentada para a
idade de 19 anos, o número de vagas na universidade foi duplicado.
Alterações na legislação de protecção do emprego introduzidas em 1994 pelo
governo conservador alterando os procedimentos de despedimento e alargando o
período probatório do contrato foram posteriormente repelidas em 1995 pelo novo
governo social democrático. Entretanto o sistema de negociação colectiva foi
evoluindo no sentido da descentralização para o nível sectorial.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 29
Actualmente3 as taxas de desemprego dos dois países nórdicos são das mais baixas
da OCDE, 5.6% na Dinamarca e 4.9% na Suécia, e as taxas de emprego são das
mais elevadas. O “modelo” Dinamarquês de flexigurança com a sua combinação de
flexibilidade e protecção social converteu-se na nova história de sucesso.
Reino Unido
Em 1979 o governo conservador de Margareth Tatcher foi pioneiro do programa de
reformas estruturais de sentido neo-liberal que vê na “desregulamentação” do
mercado de trabalho a chave para a resolução dos problemas do desemprego e da
competitividade.
Este programa prosseguido energicamente até meados da década de 90 (Deakin e
Reed, 2000) envolveu: o desmantelamento das instituições que até então
sustentavam o processo de determinação dos salários, a redução das provisões de
seguro social para os desempregados e reformados e a flexibilização da legislação
de protecção do emprego.
Este processo embora seja habitualmente descrito como “desregulamentação”
envolveu de facto uma ampla intervenção jurídica traduzida na progressiva
substituição do direito de trabalho pela lei geral, no uso das políticas de
concorrência para contrariar o estabelecimento de normas de enquadramento da
prestação de trabalho em sede de contratação colectiva e a re-regulamentação no
sentido restritivo da intervenção sindical e do direito à greve.
Mantendo o compromisso com a flexibilidade do mercado de trabalho o governo
trabalhista eleito em 1997 não inverteu propriamente o sentido das reformas
estruturais de Tatcher mas desacelerou-as, introduzindo elementos que são alheios
à lógica neo-liberal, como o salário mínimo, provisões para a protecção individual
do emprego e sobretudo medidas na área da educação e formação, assim como
políticas de activação dos jovens e desempregados de longa duração.
Actualmente as taxas desemprego no Reino Unido são também das mais baixas da
OCDE. Além disso ao longo do período das “reformas estruturais” tornaram-se
também das mais voláteis (Deakin e Reed, 2000): a taxa de desemprego oscilou de
6.4% em 1980 para 12.4% em 1983, descendo para 6.8% em 1990 para subir de
novo para 10% em 1993 e voltar a descer para 4.6% em 1999. A taxa de emprego
em 2003 era das mais elevadas da OCDE.
3 2003 (OCDE, 2004a)
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 30
França
Nos estudos comparativos, a França é habitualmente incluída no cluster designado
“modelo de welfare continental ou corporativo”, caracterizado pela influencia do
modelo bismarkeano que enfatizava a estabilidade da relação de trabalho e a
segurança social para a família na pessoa do “pai de família”, deixando o cuidado
das crianças, dos idosos e dos doentes para as mães as esposas e as filhas (Esping-
Andersen, 1990) e pela ligação da protecção ao estatuto profissional, com
esquemas universalistas subsidiários.
O caso francês é paradigmático da resistência e da relutância na adopção das
reformas estruturais “desregulamentadoras”. No entanto, não estando imune às
pressões da envolvente externa, também a França está a experimentar desde os
anos 80 uma reconfiguração institucional no sentido da flexibilização do mercado de
trabalho. Apesar disso o processo tem sido marcada por sucessivos avanços e
recuos e a imagem prevalecente do caso francês é a de uma “desregulação que
nunca existiu” (Malo et al., 2000).
No plano da legislação de protecção do emprego ao longo da década de 1980 foram
removidos obstáculos ao despedimento colectivo e facilitado o recurso a contratos
temporários e em part-time, mas na década de 90, quando se tornou manifesta a
tendência para substituir os trabalhadores despedidos por trabalhadores
temporários, foram introduzidos novos requisitos para o despedimento colectivo,
particularmente nas grandes empresas. No entanto, a facilidade de recurso a
formas atípicas de trabalho manteve-se, enquanto elemento flexibilizante.
O sistema de negociação colectiva, tradicionalmente fraco em França, não
conheceu nenhuma mudança fundamental. No entanto, a negociação ao nível da
empresa, tornada obrigatória por lei, contribuiu, de facto, para descentralizar um
sistema anteriormente baseado na negociação sectorial. Ao mesmo tempo verifica-
se uma tendência para a individualização da determinação dos salários, com um
número crescente de trabalhadores a receber remunerações “extra” dependentes
das “competências” demonstradas e dos “desempenhos”.
As alterações respeitantes à gestão do tempo de trabalho são as que mais
evidentemente respondiam aos propósitos de flexibilização defendidos pelas
empresas. A partir de 1993 passou a ser legalmente possível recorrer a contagens
de tempo de trabalho anualizadas. Embora a aplicação da lei estivesse condicionada
pelos resultados da negociação entre parceiros sociais em sede de contratação
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 31
colectiva a “flexibilidade horária” parece ter vindo a aumentar em França nos anos
mais recentes (Malo et al., 2000).
Em consequência das crescentes pressões financeiras o sistema de seguro de
desemprego foi também reformado no sentido do reforço das condições de
elegibilidade, da redução da extensão dos benefícios.
A França conheceu ao longo da década de 1990 uma taxa de desemprego elevada e
crescente. Em 2003, esta situava-se próxima dos 10%, acima da média da OCDE,
enquanto que a taxa de emprego se encontrava abaixo da média.
A diversidade dos processos de adaptação
A imagem que emerge dos estudos comparativos sobre os diversos processos de
adaptação é sinteticamente apresentada em Scharpf (2000). Países como o Reino
Unido (e também a Nova Zelândia), com as características estruturais do welfare
anglo-saxónico que experimentaram reformas estruturais de inspiração neo-liberal,
vendo o seu estado “emagrecer” e a sua esfera privada de produção de bens e
serviços de interesse geral “engordar”, parecem ter obtido resultados positivos no
plano da redução do desemprego. Enfrentam hoje desafios decorrentes do aumento
das desigualdades e da pobreza e procuram enfrentá-los mediante investimentos
na educação e na formação. Por outro lado, os países nórdicos, que se limitaram a
recalibrar os seus sistemas de emprego e welfare, parecem ter obtido resultados
igualmente positivos no plano do emprego. No entanto, embora o apoio político à
combinação de uma carga fiscal elevada com serviços públicos desenvolvidos
pareça não estar em causa, há uma tensão crescente entre a fidelidade ao
compromisso normativo com os valores de igualdade e a maior diferenciação das
condições de trabalho em função da qualificação.
Entre estes dois extremos os países de welfare continental como a França (ou a
Alemanha) estão a braços com sérios problemas de emprego e face a escolhas que
se apresentam como dilacerantes.
O quadro geral parece assim corroborar a análise das variedades de capitalismo
segundo a qual estamos a assistir a uma bifurcação nos regimes de welfare e
emprego: ao aprofundamento das relações mercantis no modelo liberal e a uma
deslocação limitada neste sentido no modelo coordenado. Em que medida o mau
desempenho da variedade “continental” de “modelo coordenado” se fica a dever à
relutância em adoptar um padrão de reformas “liberalizantes”, à incapacidade de
recalibrar o modelo com inovações institucionais ou de outras causas, é objecto de
intensa polémica.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 32
A variedade dos processos de adaptação, inclusive dos processos de adaptação
bem sucedidos nos planos da competitividade e do emprego, favorece a ideia de
que a adaptabilidade não é uma via de sentido único para a “desregulamentação”.
As estratégias de emprego em retrospectiva
A uma distância de dez anos é já possível avaliar as estratégias de emprego dos
anos 90 à luz dos resultados obtidos e isso é efectivamente o que tem vindo a ser
feito por vários investigadores e por parte da própria OCDE.
A primeira constatação é a de que os resultados da estratégia ficaram muito aquém
das promessas – as taxas de desemprego mantêm-se altas em média na UE. Uma
possível resposta a esta constatação é que a execução das estratégias não foi
apropriada. Verifica-se, no entanto, que há países que conseguiram obter alguns
resultados positivos sem seguir à letra as recomendações prescritas e outros que
não obtiveram qualquer resultado positivo apesar da adopção das reformas
recomendadas, e há ainda países que tendo realizado estas reformas conseguiram
efectivamente reduzir o desemprego. A inexistência de qualquer relação entre
resultados obtidos e grau de profundidade das reformas pode levar a questionar
não a boa ou má execução das recomendações mas os próprios fundamentos em
que assentaram as estratégias.
A relação rigidez – desemprego em questão
As estratégias de emprego baseiam-se essencialmente no pressuposto de uma
relação entre níveis de desemprego e rigidez do mercado de trabalho, evidenciado
pelo contraste entre uma América flexível e com baixo desemprego a uma Europa
esclerosada e com altos níveis de desemprego. Com base em abundante
investigação empírica, Esping-Andersen (2000) escrutina este pressuposto. Começa
por constatar que dada a variedade das situações na Europa, o confronto Europa-
América é desprovido de fundamento – “perto de um terço da população europeia
vive em ambientes com menos desemprego do que a América” (pág. 67). Além
disso a relação regulamentação-desemprego é no mínimo simplista – “algumas
economias supostamente regulamentadas têm bom desempenho, e vice-versa,
algumas supostamente desregulamentadas menos bom” (pág. 68), sobretudo não
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 33
existe evidência estatística concludente que permita relacionar regulamentação4 e
volume do desemprego – “não existe simplesmente qualquer relação consistente ou
convincente entre protecção do emprego e desemprego”. No entanto, segundo
Esping-Andersen parece existir alguma relação entre a regulamentação e os fluxos
de entrada e saída no emprego e portanto a composição do desemprego,
originando um problema específico para os jovens e os menos qualificados.
Uma investigação mais recente (Baker et al., 2004) conclui, por outro lado (pág.
54), “não existir (...) relação óbvia entre os padrões de desregulamentação ao
longo dos anos 90 e as tendências das taxas de desemprego”.
Estes estudos empíricos sugerem efectivamente que a relação simplista
regulamentação-desemprego carece de fundamento empírico.
Outros diagnósticos do desemprego
Diversos estudos recentes de orientação pós-keynesiana (de que Stockhammer,
2004, é um exemplo) sugerem que se procurem as causas do desemprego noutros
quadrantes, nomeadamente nalguns aspectos da transformação estrutural da
economia mundial verificada nas últimas duas décadas, em particular a
liberalização dos fluxos de capitais e o crescimento exponencial dos mercados
financeiros.
A perspectiva keynesiana relaciona crescimento do emprego com crescimento da
procura e crescimento da procura com acumulação de capital.
A quebra, efectivamente verificada, na taxa de acumulação de capital explicaria, de
acordo com esta visão, a incapacidade de criar emprego na Europa e portanto as
elevadas taxas de desemprego. A quebra da taxa de acumulação por sua vez seria
explicada pela financiarização da economia.
As transformações no sector financeiro foram estimuladas não só pelas inovações
tecnológicas que permitem comunicar e processar informação a baixo custo, como
pelas decisões políticas que culminaram na liberalização dos fluxos internacionais
de capitais e dos sistemas financeiros nacionais. Estas liberalizações levaram ao
florescimento de novas instituições financeiras, fundos de todos os tipos, e à
proliferação de novos produtos.
Os efeitos destas transformações são múltiplos. Em primeiro lugar a distribuição de
rendimento mudou radicalmente em benefício do rentismo (rendimentos de juros,
4 Entendendo a “regulamentação” como: (a) garantias de rendimento proporcionadas pelo sistema de welfare; (b) praticas de fixação de salários (salário mínimo e diferenciais salariais); (c) limitações à liberdade de despedir e contratar.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 34
dividendos e ganhos de capital) e em prejuízo do trabalho. Em segundo lugar, em
muitos países, sistemas de financiamento baseados na banca transformaram-se em
sistemas baseados nos mercados financeiros. As empresas passaram não só a
depender mais dos mercados financeiros para o financiamento do seu investimento
como passaram elas próprias a fazer correntemente aplicações financeiras. Em
terceiro lugar, emergiu um mercado de corporate governance com frequentes
takeovers hostis, fusões e aquisições.
A reemergência das crises financeiras, com o consequente contágio da economia
real activado pelo efeito no consumo da perda de riqueza, ilustra uma das
consequências macroeconómicas desta cadeia de transformações. A ênfase no valor
dos activos na gestão corrente das empresas ilustra a outra, porventura a
fundamental, para explicar a quebra da taxa de acumulação.
Em empresas fortemente dependentes dos mercados financeiros em consequência
das suas necessidades de financiamento e de resistência a takeovers hostis e
mesmo da importância que as suas aplicações financeiras passaram a assumir, a
margem de autonomia da gestão relativamente ao capital accionista foi
substancialmente reduzida. Incentivos à gestão baseados no desempenho bolsista
culminaram o processo de realinhamento dos objectivos da empresa, fazendo
prevalecer a posição dos accionistas sobre a dos restantes stakeholders. As
empresas (e os gestores) deixaram de definir a sua identidade em função dos seus
produtos ou dos seus serviços, tornando-se apenas em centros (agentes) de
produção de lucro cujo desempenho (e mérito) deve ser medido como tal.
Em consequência, o enviesamento nos objectivos da empresa a favor do
crescimento e da acumulação de capital, em detrimento dos dividendos
distribuídos, que anteriormente existia, foi substituído por um enviesamento a favor
dos dividendos e do valor bolsista, em detrimento agora do crescimento e da
acumulação.
Esta explicação pós-keynesiana, como a que se baseia exclusivamente na rigidez
do mercado de trabalho, é uma explicação mono-causal, podendo por isso não
abarcar o problema em toda a sua complexidade. No entanto, ela modifica
integralmente o ângulo de análise do problema e deve ser considerada.
A reavaliação da Job Strategy pela OCDE
O ângulo de análise do problema do desemprego europeu parece efectivamente
estar a deslocar-se.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 35
Em 2003 a OCDE iniciou um processo de reavaliação da Job Strategy cujos
primeiros resultados foram recentemente publicados (OCDE, 2004a). A análise, até
agora, incide em particular na avaliação das seguintes recomendações das
estratégias dos anos 90: (a) aumento da flexibilidade do tempo de trabalho; (b)
reforma das disposições de protecção do emprego; (c) aumento da flexibilidade dos
salários e dos custos do trabalho; (d) melhoria das qualificações e competências
dos trabalhadores. A questão do emprego informal (e), subestimada nas
estratégias dos anos 90, e de grande relevância para países como Portugal, é agora
abordada pela OCDE
(a) Aumento da flexibilidade do tempo de trabalho
A OCDE parte da constatação de que nos dez anos decorridos após a adopção da JS
a ênfase se deslocou da flexibilização na contagem do tempo de trabalho para a
importância do numero médio de horas trabalhadas.
A questão foi suscitada por investigação que mostra que a vantagem dos EUA em
termos de PIB per capita relativamente às economias mais avançadas da UE é
determinada pelo diferencial positivo nas horas totais trabalhadas per capita e não
por um maior produto por hora trabalhada. Os estudos sugerem que o aumento do
tempo de trabalho se tornou num factor determinante dos diferenciais de
crescimento na área da OCDE.
O aumento do tempo de trabalho, considera o relatório da OCDE, pode ser
encarado de duas perspectivas distintas: (a) uma centrada nas suas vantagens em
termos de produto e rendimento; (b) outra baseada no receio de que a cultura dos
“horários longos” esteja a minar o equilíbrio trabalho-vida dos trabalhadores, com
prejuízo graves para a vida familiar, sobretudo quando combinada com horários de
trabalho flexíveis ditados pela lógica do “just-in-time”.
“Enquanto as discussões sobre políticas orientadas para a melhoria de desempenho
do crescimento económico têm tendido a adoptar a primeira perspectiva, as
discussões sobre políticas de emprego e regulamentação do mercado de trabalho
tipicamente enfatizam a segunda” (pág. 48). As duas perspectivas, afirma a OCDE,
são complementares. Quer do ponto de vista do crescimento, quer do ponto de
vista do combate ao desemprego, o aumento da taxa de emprego apresenta-se
como uma pré-condição do sucesso. No entanto, o aumento da taxa de emprego,
quando resulta do crescimento do trabalho a tempo parcial, pode traduzir-se numa
diminuição do número médio de horas trabalhadas. Por outro lado, o alongamento
dos horários do trabalho pode levar à redução da taxa de emprego já que pode
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 36
originar uma retracção da procura de emprego por parte de alguns indivíduos em
idade activa, em consequência do aumento do custo de oportunidade do tempo de
trabalho. A reconciliação, adianta a OCDE, passaria pela flexibilidade dos horários
de trabalho. No entanto, constata a OCDE, “é evidente que os tipos de flexibilidade
dos horários de trabalho que reduzem os conflitos trabalho – vida familiar, só em
parte se sobrepõem aos tipos de flexibilidade procurados pelos empregadores”
(pág. 50).
(b) Reforma das disposições de protecção do emprego
A OCDE parte neste ponto da constatação de que “a maior parte dos estudos
disponíveis encararam a protecção do emprego como um custo do trabalho
adicional para as empresas e estudaram os efeitos deste custo no emprego e no
desemprego, deixando de lado dois aspectos importantes e interrelacionados: (i) a
razão de ser da existência da protecção do emprego; e (ii) as suas consequências
em termos de bem-estar.” (pág. 62). Ao mesmo tempo assinala o surgimento de
novas abordagens em que a protecção do emprego é encarada como um
instrumento de política “capaz de resolver certas imperfeições do mercado, com
implicações potencialmente positivas em termos de bem-estar” e a evolução das
recomendações de política “no sentido de uma visão mais equilibrada do dilema
que opõe a necessidade de flexibilidade expressa pelas empresas à importância de
proteger os trabalhadores contra os riscos do mercado de trabalho” (pág. 62).
Estes desenvolvimentos recentes, lê-se no relatório, justificam uma reanálise da
questão da legislação de protecção do emprego (LPE) e uma revisão da JS neste
ponto.
As principais conclusões da reanálise empreendida são as seguintes:
o Nos últimos 15 anos verificou-se um processo de convergência na OCDE
que se traduziu num relaxamento da regulamentação nos países em que
era relativamente estrita; na maior parte dos casos as reformas facilitaram
o recurso a formas de emprego temporário sem alterar as provisões
relativas aos contratos regulares ou permanentes.
o A LPE dá origem a dois efeitos opostos: reduz o fluxo de entrada no
desemprego e ao mesmo tempo dificulta o acesso ao emprego por parte
dos que procuram emprego; o efeito líquido da LPE no desemprego
agregado é a priori ambíguo (“os numerosos estudos empíricos sobre esta
questão conduzem a resultados contraditórios, e além disso a sua robustez
tem sido posta em causa”, pág. 63).
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 37
o Facilitar o recurso ao trabalho temporário, sem modificar a LPE quanto ao
emprego regular pode agravar a dualidade do mercado de trabalho,
afectando a progressão na carreira de trabalhadores que caem na
armadilha das formas temporárias de trabalho que tipicamente se
caracterizam por uma falta de aderência ao posto de trabalho e
oportunidades limitadas de acumulação e actualização do capital humano.
o A LPE pode estimular relações de emprego de longo-prazo, promovendo
deste modo o esforço dos trabalhadores, a cooperação e a disposição para
a formação, o que é positivo para o emprego agregado e a eficiência
económica. Além disso, um nível “razoável” de protecção do emprego, “ao
promover a responsabilidade social das empresas face ao ajustamento a
circunstâncias económicas desfavoráveis pode traduzir-se num
melhoramento do bem-estar” (pág. 63).
O relatório da OCDE advoga a necessidade de “uma abordagem equilibrada” à
questão da LPE que: 1) reconcilie as recomendações no sentido de uma protecção
menos estrita, com incentivos que levem as empresas a internalizar o custo social
das suas decisões de despedimento; 2) assegure a coerência entre as várias
dimensões da segurança no mercado de trabalho (estabilidade no emprego,
oportunidade de encontrar rapidamente um novo emprego após períodos de
desemprego ou inactividade, segurança de rendimento).
A OCDE sublinha as complementaridades entre regimes de LPE, seguro de
desemprego e políticas activas de emprego. Constata a existência de múltiplas
combinações possíveis: “Alguns países parecem ter tido sucesso na redução das
taxas de desemprego, mantendo um elevado rácio emprego-população através do
uso combinado destes instrumentos. Outros parecem ter também melhorado o
desempenho do mercado de trabalho reduzindo em simultâneo a LPE e os
benefícios de desemprego, com recurso limitado a políticas activas de emprego”
(pág. 99).
(c) Aumento da flexibilidade dos salários e dos custos do trabalho
A JS assumia que as instituições que enquadram a determinação dos salários, ao
restringir o livre jogo das forças de mercado, eram parcialmente responsáveis pela
deterioração da situação do emprego e recomendava reformas tendentes à
contenção dos custos salariais e à adaptação dos níveis salariais às diferenças de
produtividade e condições locais.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 38
Passados cinco anos, a OCDE havia constatado num relatório de avaliação da JS
que esta era uma das áreas em que muitos governos dos estados membros haviam
dado mostras de uma maior relutância em implementar as recomendações da
organização.
Passados dez anos, a OCDE considera agora que esta relutância reflecte
preocupações de equidade e coesão social que merecem atenção: “Em todos os
países da OCDE, uma maior dispersão salarial está associada com uma maior
incidência do emprego fracamente remunerado e uma maior persistência das
baixas remunerações. Além disso, há uma associação forte entre emprego
fracamente remunerado e incidência da pobreza na população em idade activa,
embora a relação entre desemprego e pobreza seja ainda mais forte.”
Independentemente da relutância e das preocupações de muitos governos,
constata a OCDE, as instituições que enquadram a determinação dos salários,
assim como o nível e a dispersão dos salários sofreram efectivamente
transformações profundas nestes dez anos:
o Na maior parte dos países da OCDE tem-se verificado desde a década de
1970 uma tendência para a moderação salarial com reflexo na
desaceleração do crescimento dos salários nominais e na diminuição da
parte dos salários no rendimento gerado no sector privado.
o Verificou-se uma tendência global para o aumento da dispersão dos
salários.
o Na maior parte dos países densidade sindical declinou (à excepção da
Bélgica, Dinamarca, Finlândia e Suécia), embora o grau de cobertura dos
contratos colectivos se tenha mantido relativamente estável.
Discutindo o fundamento das recomendações da JS, a OCDE aponta para a
necessidade de aprofundamento da investigação e conclui apenas que:
o A associação de níveis salariais elevados e da fraca dispersão dos salários a
maus desempenhos do mercado de trabalho continua a ser plausível,
embora “a evidência seja de certo modo frágil”.
o “(...) A grande dificuldade encontrada pelos investigadores que tentam
identificar associações robustas entre diferenças na organização da
negociação e diferenças no desempenho macroeconómico sugere que
formas organizacionais muito distintas podem ser capazes de desempenhos
semelhantes”.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 39
o A única relação robusta entre organização da negociação colectiva e os
resultados do mercado de trabalho é a que aponta para uma redução da
dispersão dos rendimentos com o aumento da densidade sindical, da
cobertura dos contratos colectivos e do grau de centralização/coordenação
da negociação, sugerindo que os efeitos das reformas no plano da equidade
devem ser considerados com cuidado.
(d) Melhoria das qualificações e competências dos trabalhadores.
A importância conferida na JS ao aumento das qualificações dos trabalhadores em
resposta aos desafios da mudança tecnológica, das transformações estruturais da
economia mundial e do envelhecimento populacional é inteiramente corroborada na
reavaliação da OCDE. O relatório aponta mesmo para um aumento da importância
da educação e da formação num contexto em que a intensificação da concorrência
agrava o risco de obsolescência das qualificações.
O relatório informa que a investigação levada a cabo a partir de comparações inter-
países permite concluir que existe uma forte correlação entre taxas de emprego,
por um lado, e, quer educação inicial, quer formação de adultos, por outro. Esta
correlação não existe, no entanto, no que diz respeito à relação entre formação e
taxas de desemprego.
Ao nível individual a associação entre trajectórias de formação e emprego é forte. O
tempo de formação aumenta significativamente a probabilidade de estar
empregado e reduz significativamente a probabilidade de desemprego, embora o
impacto da formação nos desempregados não seja claro.
(e) Emprego informal
Suscitando uma questão inteiramente ignorada quer na JS quer na EEE, afirma o
relatório da OCDE: “Para um conjunto de países de rendimento intermédio
membros da OCDE, o emprego informal [isto é, o emprego que se exime aos
impostos, contribuições para a segurança social e outra regulamentação] e as suas
consequências são problemas do mercado de trabalho mais importantes do que o
desemprego em si mesmo”.
Dada a relevância da questão no que diz respeito ao caso português, vale a pena
atentar em alguns dos principais resultados e recomendações do estudo da OCDE:
o O emprego informal na OCDE, segundo estimativas pouco fiáveis, varia
entre um mínimo de 5% e um máximo de 30%.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 40
o O emprego informal assume formas muito diversificadas: (a) relações de
emprego dependente disfarçadas de prestações de serviços; (b)
subcontratação em cadeia ocultando a relação entre o empregador principal
e o empregado; (c) trabalho de imigrantes ilegais; (d) combinação de
emprego formal e informal no interior de pequenas ou médias empresas
formais; (e) actividade de indivíduos que são beneficiários de subsídio de
desemprego; (f) sub-declaração de rendimentos do trabalho.
o O emprego informal tem como consequências: (a) altas taxas de imposto
combinados com baixas receitas públicas; (b) ineficácia dos sistemas de
protecção social; (c) concorrência desleal e incentivos para actividades
pouco produtivas; (d) ineficiência na produção da economia informal; (e)
facilitação da imigração ilegal. Em geral, assinala a OCDE, “o emprego
informal pode bloquear a economia num baixo nível de desenvolvimento”.
o Qualquer estratégia orientada para a redução do emprego informal deve
incluir questões de governação como o estabelecimento de um
enquadramento legal adequado para as transacções na economia formal,
remuneração adequada dos funcionários públicos e melhoria da capacidade
administrativa do estado, em particular das autoridades fiscais.
o Embora a responsabilidade do emprego informal seja normalmente
atribuída a regulamentação excessivamente estrita, é preciso não perder de
vista que as autoridades fiscais não dispõem por vezes de outros meios
senão o enquadramento regulamentar para sustentar a colecta fiscal (o que
pode ajudar a explicar por que razão nos países de rendimento intermédio
existe uma combinação de regulamentação estrita e altos níveis de
emprego informal). Sendo certo que em certos casos pode ser necessário
desregulamentar, em geral o que se justifica é “uma regulamentação de
melhor qualidade que promova eficazmente a colecta fiscal e outros
objectivos, mas com custos de cumprimento reduzidos”.
o As autoridades fiscais devem procurar criar incentivos à declaração dos
custos salariais por parte das pequenas empresas taxando os lucros reais e
não os lucros estimados de forma presuntiva.
o As políticas devem procurar uma transição gradual, de longo-prazo, para a
economia formal reforçando simultaneamente as sanções e relaxando a
“má” regulamentação e a burocracia.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 41
o Programas de apoio social bem geridos podem contribuir para o combate à
informalidade: “por exemplo, o pagamento de subsídios de desemprego
adequados, combinado com um combate eficaz à fraude, pode reduzir a
incidência do trabalho informal mal remunerado”.
Conclusão
A atribuição do desemprego à rigidez do mercado de trabalho, isto é, às instituições
que ao longo do século XX, e em particular depois da segunda guerra mundial,
garantiram a viabilidade social do capitalismo, estando longe de ser uma ideia
recente, esteve silenciada até à década de 1970, enquanto o Welfare State foi
capaz de realizar as promessas de segurança e de pleno em emprego que o
legitimavam.
No entanto, posteriormente, a ideia foi reintroduzida, primeiro nos círculos
académicos (flexibilidade) e, nos anos 90, sob a designação de “adaptabilidade”,
nas estratégias de emprego da OCDE e da UE, assim como nos programas de
reforma estrutural implementados um pouco por todo o lado.
A adaptabilidade é normalmente apresentada como um imperativo face a uma
ordem económica internacional que é normalmente tomada como um dado. “A
globalização”, entendida como processo de intensificação da concorrência
internacional e sobretudo de remoção das barreiras ao livre movimento de capitais,
não é evidentemente um fenómeno natural ou um processo espontâneo. A
“globalização” foi construída. E da mesma forma que o foi, a possibilidade e a
necessidade de a condicionar mediante intervenções concertadas dos estados
nacionais, existe e merece ser discutida. A verdade, no entanto, é que para os
indivíduos, as organizações cívicas e políticas confinadas aos espaços nacionais e
para os estados nacionais individualmente considerados, a capacidade de
intervenção a este nível é mais do que muito limitada.
As respostas às pressões exógenas da “globalização” podem variar e efectivamente
variam – quer em teoria quer na prática existe mais do que uma “adaptabilidade” e
entre as várias adaptabilidades existentes mais do que uma delas é
economicamente viável. A adaptabilidade varia no espaço geográfico e institucional,
como os estudos comparativos demonstram, e varia também no tempo como a
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 42
reconsideração equilibrada e ideologicamente desapaixonada da Job Strategy da
OCDE pela própria OCDE sugere.
Esta constatação sugere, em geral, que mesmo num quadro que admite a
“globalização” como um dado, existe espaço para escolhas. No entanto, a
possibilidade de escolha é sempre condicionada pelas capacidades do sujeito da
escolha. Como os estudos comparativos demonstram a vulnerabilidade às
mudanças na envolvente internacional e a capacidade de resposta estratégica de
cada país dependem fortemente das estruturas produtivas e institucionais pré-
existentes. As respostas estratégicas, como não podia deixar de ser, têm de ser
concebidas tendo em conta as especificidades institucionais nacionais e as
capacidades dos agentes locais.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 43
Portugal: características e complementaridades institucionais A caracterização do caso português ensaiada neste capítulo engloba os domínios
institucionais identificados na introdução. A análise envolve comparações com cinco
países que representam tipos distintos de configurações institucionais: a Alemanha
e a França (modelo coordenado de economia de mercado, dominante na Europa
Continental); a Suécia, (variante social-democrata do modelo coordenado,
correspondente aos países escandinavos); a Irlanda e os Estados Unidos (modelo
liberal anglo-saxónico); e, finalmente, a Espanha (país do Sul da Europa, como
Portugal, de nível de desenvolvimento intermédio, mas com uma escala e uma
dinâmica muito diferenciada da nossa)1. O capítulo conclui com uma síntese das
principais complementaridades institucionais e uma identificação dos elementos de
bloqueio estrutural que, numa óptica de actuação política, constituem aspectos
críticos.
Estrutura Produtiva e Especialização
No decurso das últimas décadas, assistiu-se a uma transformação em vários planos
nas economias avançadas: expansão absoluta e relativa dos serviços – ou
terciarização –, tanto no que se refere ao produto como no que se refere ao
emprego; expansão dos sectores industriais de alta tecnologia e dos serviços
intensivos em conhecimento; aumento da exposição ao exterior, mediante o
incremento das trocas de bens, serviços e capitais; e aumento do investimento,
quer em TIC quer em conhecimento, com o eventual declínio da taxa de
investimento material.
O quadro 2.1 revela que, entre 1993 e 2003, o gap da UE face aos EUA se manteve
ou foi agravado no tocante à produtividade e que a Espanha e a Irlanda tiveram um
1 Ver Hall e Soskice, 2001 e Esping-Andersen, 1990.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 44
notável desempenho. Entretanto, apesar do razoável progresso de Portugal quanto
à produtividade, o fosso manteve-se.
Quadro 2.1
PIB per capita e PIB por pessoa empregada (em PPS) (1993 e 2003, UE25=100)
PIB por habitante
(UE25=100)
PIB por pessoa empregada (UE15=100 em 1993; UE25=100
em 2003)
1995 2003 1993 2003
Alemanha 119.4 108.1 98.5 100.9
Espanha 87.5 97.8** 95.8 103.9
França 115.2 111.0 115.4 118.7**
Irlanda 99.1 132.5 101.4* 127.2**
Portugal 73.1 74.7 56.0* 67.5**
Suécia 118.2 115.2** 92.8 103.0**
UE15 110.7 109.2** 100 106.8**
EUA 153.4 154.0 123.7 139.0
Nota: * Estimado ** Previsão Fonte: Eurostat, Indicadores estruturais, 29 de Abril 2005.
A disparidade entre o PIB per capita e a produtividade indica uma mobilização de
emprego muito diferenciada, o que se pode constatar no quadro 2.2. Neste é visível
uma aparente convergência das taxas de emprego entre países. Portugal apresenta
uma taxa superior à da UE, e quase 10 pp. acima da Espanha.
Quadro 2.2 Taxa de emprego e desemprego (1993 e 2003)
Taxa de emprego
Taxa de emprego feminina
Taxa de desemprego
1993 2003 1993 2003 1993 2003
Alemanha 65.1 65.1 55.1 59.1 7.7 9.0
Espanha 46.6 59.7 30.7 46.0 18.6 11.3
França 59.3 63.2 51.5 57.2 11.1 9.5
Irlanda 51.7 65.4 38.5 55.8 15.6 4.6
Portugal 65.1 68.1 55.0 61.4 5.6 6.3
Suécia 71.3 72.9 69.7 71.5 9.1 5.6
UE15 60.1 64.4 49.2 56.1 10.0 7.9
UE25 - 63.3 - 55.1 - 8.9
EUA 71.2 71.2 64.0 65.7 6.8 6.0
Fonte: Eurostat, Indicadores estruturais, 29 de Abril 2005.
Uma análise mais completa tem forçosamente de incluir a produtividade horária. A
leitura do quadro 2.3 permite identificar uma especificidade portuguesa, apenas
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 45
comparável à da Grécia, quer no tocante ao PIB per capita, quer, sobretudo, no
tocante ao baixíssimo nível da produtividade horária que “explica” praticamente
todo o desvio em relação aos países mais avançados.
Quadro 2.3 Decomposição do gap do PIB per capita dos países da UE face aos EUA
(2002) Componentes
Gap no PIB per capita em pontos
percentuais
População em idade
activa
Taxa de emprego
Horas trabalhadas
Produtividade por hora
Alemanha -27 1 -8 -13 -7
Espanha -40 2 -18 6 -29
França -26 -2 -18 -9 2
Irlanda -13 1 -14 0 -1
Portugal -51 1 -4 1 -49
Suécia -28 -2 -2 -5 -19
UE15 -29 0 -12 -4 -13
Fonte: CE (2003b): 40.
O diferencial de produtividade parece resultar sobretudo da diferente especialização
do país, ou seja, da diferente composição da sua economia, com a preponderância
dos sectores tradicionais, onde a produtividade média é mais baixa. A análise das
exportações (quadro 2.4) revela que, apesar dos assinaláveis progressos na fileira
automóvel, de média-alta tecnologia, a especialização portuguesa exibe um
contraste gritante com a maioria dos países da OCDE. Em 2001, as indústrias de
alta tecnologia representavam apenas 11% das exportações industriais
portuguesas, contra 24% na UE e 38% nos EUA. Em conjunto, a alta e a média-alta
tecnologia pesavam 43% nas exportações, contra 64% na UE e 75% nos EUA.
Mesmo a comparação directa com a Espanha é-nos bastante desfavorável.
Contudo, o factor eficiência parece ser igualmente importante para dar conta da
distância entre o nosso país e os restantes no que toca à produtividade. O baixo
nível de eficiência e o tipo de produtos e mercados onde se posicionam (fraco valor
acrescentado, gama baixa ou média, não diferenciação do produto, deficiente
posicionamento na cadeia produtiva global) parecem ser factores que não estão
circunscritos a alguns sectores específicos.
Deste modo, estamos perante um sério problema de capacidade de criação de
riqueza em Portugal, irredutível “à culpa dos sectores tradicionais”. A retracção
forçada desses sectores, que está em curso acelerado mediante um movimento
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 46
intenso de deslocalizações, mas também de falências e de “emagrecimento” de
empresas domésticas, não é susceptível de ter um efeito a prazo muito relevante
em termos de produtividade global, como parece ter tido no caso espanhol nos
anos 80-90, com os conhecidos custos sociais em termos de um desemprego
elevadíssimo.
Quadro 2.4 Estrutura das exportações (1992 e 2001)
Indústrias de alta
tecnologia
Indústrias de
média-alta
tecnologia
Indústrias de
média-baixa
tecnologia
Indústrias de baixa
tecnologia
1992 2001 1992 2001 1992 2001 1992 2001
Alemanha 14,7 20,6 52,3 51,1 15,9 14,6 17,0 13,7
Espanha 9,3 10,2 46,9 46,8 21,9 19,2 22,0 23,8
França 18,3 25,4 40,2 39,8 17,0 14,7 24,4 19,7
Irlanda 32,7 58,2 21,7 23,9 7,4 3,0 38,2 15,0
Portugal 6,3 11,2 20,9 31,6 13,2 13,3 59,6 43,8
Suécia 17,6 23,5 36,1 36,3 19,5 17,4 26,9 22,8
UE15 15,5 23,5 41,1 40,2 17,7 15,3 25,7 20,8
EUA 32,4 37,9 39,1 37,1 11,1 10,6 17,3 14,3
Nota: Parte nas exportações industriais totais. Para cada país e ano, o total em linha é igual a 100. Fonte: OCDE, OECD Science, Technology and Industry Scoreboard 2003, pp. 193-194.
Em síntese, embora Portugal seja pouco dotado em indústrias e sectores de alta
tecnologia, fortemente criadores de riqueza e posicionados em mercados em
expansão, o caso português não se pode resumir à existência de uma má
especialização. Para além desta, é necessário ter em consideração outros factores:
a esmagadora hegemonia da pequena escala a par da fraquíssima presença de
empresas com alguma dimensão, não só na indústria, mas também nos serviços; o
posicionamento em produtos de gama baixa/média, pouco susceptíveis de se
valorizarem nos mercados; a fraca capacidade de gestão e a quase inexistência de
gestão profissional na maioria das empresas nacionais2; a escassa presença de
técnicos altamente qualificados para o exercício de muitas profissões e de quadros
médios, tendencialmente portadores de habilitações superiores; o baixo nível de
preparação escolar e técnica dos donos/gestores; o fraco interesse por promover
formação profissional, etc.
2 Em 1997, 78% das empresas industriais, com 10 ou mais trabalhadores, eram geridas pelos seus proprietários em exclusividade, isto é, sem apoio de gestores contratados (Salavisa, 2000: 64-66). Segundo a mesma fonte, metade das empresas referidas não tinha nenhum licenciado ao serviço.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 47
A pequena dimensão da esmagadora maioria das empresas nacionais e, sobretudo,
o escassíssimo número de empresas com alguma dimensão é certamente um
problema sério. Das quase 289 mil empresas recenseadas em 2002 (Quadros de
Pessoal, 2005), no Continente, apenas 300 tinham mais de 500 trabalhadores e
apenas 2.681 tinham mais de 100. O número de micro-empresas, com menos de
10 efectivos, era ligeiramente superior a 240 mil. É errado falar de um país de PME,
quando se trata, afinal, de um país de pequenas e muito pequenas empresas.
Quadro 2.5
Número de empresas, por actividade, segundo a dimensão
Escalões de dimensão (efectivos) 1 – 9 10 – 49 50 - 99 100-249 250-499 500 e + TOTAL
Actividades (CAE - REV.2)
Total 241.141 41.104 3.752 1.886 495 300 288.678
Do qual:
D Ind. Transformadoras 30.229 12.285 1.585 851 214 103 45.267
F Construção 36.275 7.654 425 175 45 18 44.592
G Comércio e reparação 77.835 9.038 582 239 53 33 87.780
H Alojamento e restauração 28.879 2.820 157 58 19 12 31.945
I Transportes, armaz. e comunicações 10.443 1.365 139 72 28 26 12.073
I 60/63 Transportes e armazenagem 10.311 1.322 133 66 23 18 11.873
I 64 Correios e Telecomunicações 132 43 6 6 5 8 200
J Actividades Financeiras 1.392 260 55 34 13 19 1.773
K Actividades imobiliárias, alugueres e serviços às empresas, dos quais: 24.870 2.493 246 194 67 54 27.924
K74 Outros serviços às empresas 16.710 1.818 185 149 60 51 18.973 Fonte: MTSS, DGEEP, Quadros de Pessoal, 2005.
Esta realidade indica que as empresas não têm, em geral, massa crítica suficiente
para assegurarem funções e competências essenciais nas áreas da abordagem ao
mercado, da organização e planeamento, da formação, da inovação, da qualidade,
etc., e que só a procura de soluções externas, das parcerias à inserção em redes ou
pólos, e à ligação com carácter regular a instituições de apoio (centros
tecnológicos, centros de formação, empresas de serviços avançados às empresas,
etc.), pode representar um início de solução para as suas muito graves deficiências.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 48
O Sistema de I&D e a Inovação em Portugal
A partir dos anos 90, o incipiente sistema de I&D português, beneficiando de
financiamento comunitário, e por virtude de uma forte aposta política, abandona o
estado letárgico e enceta uma fase de crescimento e de criação e consolidação de
instituições de ciência e de intermediação.
Apesar desta evolução, a distância que nos separa dos países avançados é muito
grande, e constituindo o reforço do sistema de I&D uma prioridade para todos eles,
a convergência de Portugal nesta matéria afigura-se particularmente difícil e crítica.
Os números constantes dos quadros 2.6 e 2.7 devem ser lidos numa perspectiva
dupla: de avaliação do progresso obtido, e de verificação da distância em relação a
um alvo em movimento, a saber o desempenho dos países da OCDE e mesmo da
UE.
Quadro 2.6
Despesa total em I&D em Portugal (1990-2001)
Despesa total em I&D Parte das
empresas na I&D executada (%)
Ano Preços
correntes 106 euros
Preços constantes1
106 euros
Tmca2
(%) PPCC3
106 US$ DI&D/PIB Portugal UE
1990 259,5 379,4 - 501,8 0,51 26% 65%
1992 401,0 477,8 12,2% 695,7 0,61 22% 63%
1995 460,0 460,0 -1,3% 774,5 0,57 21% 62%
1997 576,9 539,6 8,3% 978,0 0,62 22% 63%
1999 814,7 711,6 14,8% 1283,5 0,76 23% 64%
2001 1038,4 838,2 8,5% 1582,8 0,85 32% -
Notas: (1) Deflactores implícitos do PIB (Base 1995 = 1). (2) Taxa média de crescimento anual a preços constantes. (3) Paridade de poder de compra a preços correntes.
Fonte: OCES (2003).
A partir dos dados, é evidente a fragilidade nacional nesta matéria, pese embora a
evolução da década de 90. Uma análise mais atenta permite identificar, como uma
das causas, ou mesmo a causa fundamental da distância, o desempenho em I&D
das empresas portuguesas, como mostra o quadro 2.6. Executam apenas cerca de
¼ da investigação e desenvolvimento do país, contra um valor médio de 2/3 na
União Europeia. Este resultado é inteiramente compatível com o esperado, tendo
em conta a estrutura dimensional das empresas (quadro 2.5).
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 49
Quadro 2.7 Comparação internacional do esforço de I&D (2001)
DI&D/PIB
Pessoal total em I&D (por 103
activos)
Investigadores (por 103
activos)
Alemanha 2,53% 12,1 2 6,4 2
Espanha 0,97% 6,7 2 4,3 2
França 2,20% 12,3 2 6,5 2
Irlanda 1,21%1 7,3 1 4,9 1
Portugal 0.85% 4,4 3,4
Suécia 3,78% 1 15,2 1 9,1 1
UE15 1,88% 2 10,1 2 5,5 2
EUA 2,80% 3 - 9,0 1
Notas: (1) Em 1999; (2) Em 2000; (3) Em 2002. Fonte: OCES (2003).
É interessante, e revelador, examinar o universo das empresas que realizam
actividades de I&D no nosso país. Em 2001, eram 568 e empregavam um pouco
mais de 2.700 investigadores e um total de cerca de 3.900 trabalhadores em I&D
(equivalente a tempo integral). Estes números, bastante modestos, representam
um acréscimo muito significativo desde 1995.
Quando se passa ao domínio da inovação, a posição relativa de Portugal aparenta
ser mais confortável o que, pelo menos em parte, se deverá ao tipo de indicadores
utilizados.
Com efeito, de acordo com o indicador sintético de inovação (SII), usado nos
relatórios que monitorizam, desde 2000, os progressos dos países da UE (European
Innovation Scoreboard 2004), Portugal apresentava, em 2004, um valor de 0,30,
contra uma média da UE15 de 0,44, situando-se a meio da tabela. Dentro da UE, a
Suécia e a Finlândia lideravam, com valores de 0,76 e 0,75, respectivamente. A
boa notícia é que Portugal figura entre os países com um catching up mais forte nos
últimos anos, apenas superado ou aproximado por alguns dos novos membros,
como o Chipre, a Hungria e a Eslovénia.
A performance portuguesa é ainda positiva quando se toma a designada mudança
não técnica realizada pelas empresas (que engloba a implementação de mudança
organizacional, ou de técnicas avançadas de gestão e a alteração da aparência
estética dos produtos), situando-se em 7º lugar no conjunto dos 23 países que
responderam ao CIS III – Community Innovation Survey III (1998-2000).
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 50
Segundo a tipologia avançada dos modos de inovação (inovadores estratégicos;
inovadores intermitentes; modificadores de tecnologia; e adoptantes de
tecnologia), baseada nas respostas ao CIS III, Portugal parece situar-se mais
próximo de um padrão híbrido de modificador de tecnologia/inovador intermitente,
se bem que o uso desta fonte careça da maior prudência3.
Já os indicadores de recursos humanos para a inovação ficam muito aquém da
média europeia, especialmente o da aprendizagem ao longo da vida que é bastante
inferior a metade da média.
Nos indicadores de criação de conhecimento, além da referida fraca contribuição
das empresas domésticas, é clamorosa a baixa performance portuguesa nas
patentes. É curioso assinalar, neste domínio, o esforço público em I&D, o qual é
comparável ao dos outros países quando posto em proporção do PIB.
A conclusão a retirar é que, nos últimos anos, se verificaram melhorias importantes
no desempenho português, mas não tão significativos como as fontes europeias
sobre inovação indicam.
Educação e Formação
Um diagnóstico do estado da educação permite identificar problemas persistentes
no que respeita ao processo de escolarização da população portuguesa. Nesta
secção distinguimos três aspectos: a dinâmica da escolarização; os níveis de
instrução da população portuguesa comparativamente aos países em análise; e,
finalmente, os níveis de escolaridade da mão-de-obra.
Apresentamos igualmente uma análise qualitativa da performance educativa, tendo
por base os dados relativos às capacidades básicas dos jovens e dos adultos que
decorrem de estudos internacionais.
Escolarização da população portuguesa: uma visão dinâmica e comparada
No início do século XIX, Portugal, assim como outros países do Sul da Europa,
apresentava taxas de analfabetismo próximas dos 90%. No início do século XX,
Portugal iniciava já o seu processo de divergência: contava com 78% de
analfabetos, enquanto a Espanha tinha reduzido a sua taxa para 60% e a Itália
3 Os dados do CIS III parecem contaminados por um efeito de simpatia pelo tema da inovação, que deverá ter pesado nas respostas, as quais se prestam a um elevado grau de subjectiviadade por parte dos respondentes.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 51
para 56% (Carneiro, 2000). Nesse período, o analfabetismo nos países
industrializados situava-se entre os 10% e os 30%.
Em 1960, o número médio de anos de escolaridade era de 4,4 em Portugal,
enquanto que a Dinamarca apresentava o valor mais elevado, com 10,8 anos. Já
em 2002, o indicador passou em Portugal para 7,2 anos, e na Dinamarca para 12,5
anos (De la Fuente e Dommenech (2001) in CE (2003c)). A análise revela que os
diferentes países partem de situações muito díspares, mas que certos países
avançam mais rapidamente que outros. A evolução de Portugal e Espanha é mais
rápida do que a média, mas ainda assim insuficiente.
Quadro 2.8 Número médio de anos de escolaridade (1960 - 2002)
1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2002 Var (%)
Alemanha 9,9 10,4 11,0 11,5 12,0 12,6 12,9 13,1 13 31,3
Espanha 5,0 5,1 5,2 5,5 5,9 6,5 7,1 9,2 84,0
França 8,1 8,6 9,0 9,6 9,9 10,2 10,5 10,6 30,8
Portugal 4,4 4,6 4,9 5,3 5,7 6,1 6,4 7,2 63,6
Irlanda 7,4 7,5 7,8 8,2 8,5 8,9 9,4 10,1 10,6 43,2
Suécia 8,0 8,3 8,6 9,1 9,6 10,1 10,6 11,1 11,7 46,3
UE 15 7,8 8,2 8,5 8,9 9,3 9,7 10,2 11,1 42,2
EUA 10,6 11,0 11,3 11,8 12,2 12,4 12,7 13,0
Fonte: De la Fuente e Dommenech (2001) in CE (2003c). Cálculos próprios da variação entre 1960 e 2002.
A educação pré-escolar
Os efeitos positivos da educação pré-escolar são amplamente reconhecidos,
designadamente sobre a aquisição de mais formação e de capacidade de
aprendizagem. Este tipo de educação beneficia ainda os mais desfavorecidos, que
obtêm melhores performances educativas quando passam pelo sistema pré-escolar.
Portugal investe menos neste nível de escolaridade, embora haja um crescimento
substancial nos últimos 30 anos. Em 2000/2001, a taxa de participação na
educação pré-primária (ISCED 0) era de 76% para as crianças com 4 anos (dados
do Eurostat).
O ensino básico e secundário
Entre 1993 e 2003, a taxa de participação dos estudantes neste nível cresce, em
Espanha, de 55,4% para 63,4%, em França, de 76,6% para 80,9% e, em Portugal,
de 37,8% para 47,7% (dados do Eurostat).
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 52
Quadro 2.9 Jovens com o ensino secundário completo (20-24 anos, em %)
1993 2003 Variação em p.p.
Alemanha 81,3 72,5 - 8,8
Espanha 55,4 63,4 + 8
França 76,6 80,9 + 4,3
Portugal 37,8 47,7 + 9,9
Suécia 88,1 85,6 -2,5
UE 15 69,2 73,8 + 3,4
UE 25 - 76,7 -
Fonte: Eurostat, Indicadores estruturais, 29 de Abril 2005.
Portugal, seguido da Espanha, é dos países onde o ensino profissionalizante é
menos atractivo para os estudantes (28% dos estudantes com ensino secundário
profissionalizante em Portugal e 36% em Espanha, em 2000/2001), enquanto que
na Alemanha é claramente dominante (63%) (dados do Eurostat).
A situação mais preocupante em Portugal é, com se referiu, a dos estudantes que
abandonam o ensino sem terminar os estudos de nível secundário.
O ensino superior
A taxa de participação no ensino superior em Portugal é mais elevada relativamente
à média europeia. Mas as opções são claramente orientadas para as ciências sociais
e mais fracamente para as ciências exactas – matemática e engenharia – as quais
permitem a “produção” de mão-de-obra adequada à economia da informação.
Para sintetizar, o quadro 2.10 revela a distribuição da população em idade activa
por níveis de escolaridade.
O dado mais relevante é a concentração da população portuguesa em idade activa
nos níveis mais baixos de escolaridade (67% da população do grupo etário). Não
obstante os progressos verificados, os jovens continuam a abandonar o sistema
educativo mais cedo em Portugal do que nos outros países (quadro 2.10).
Portugal, seguido dos EUA, apresenta as menores percentagens de população
jovem (15-19 anos) a frequentar o sistema educativo (quadro 2.11). Em
contrapartida, nos outros países a quase totalidade – entre 82% e 95% –, da
população jovem encontra-se no sistema educativo.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 53
Quadro 2.10 Nível de instrução da população em idade activa (25-64 anos)
por ISCED-97 (2002)
Ensino secundário superior
Ensino terciário
Ensino primário
e pré-primário
Ensino secun-dário
inferior ISCED
3C Curto
ISCED 3C
Longo/3B
ISCED 3A
Ensino pós-
secun-dário não
terciário Tipo B
Tipo A e progra-mas de investi-gação
avança-da
Anos médios
de escola-ridade
(%) (%) (%) (%) (%) (%) (%) (%)
(1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8) (9)
Alemanha 2 15 52 3 5 10 13 13,4
Espanha 32 26 nd 6 11 nd 7 17 10,3
EUA 5 8 x(5) x(5) 49 x(5) 9 29 12,7
França 17 18 27 3 10 nd 12 12 10,9
Irlanda 21 18 23 12 10 16 12,7
Portugal 67 13 x(5) x(5) 11 x(5) 2 7 8,0
Suécia 8 10 x(5) 49 x(7) 15 18 12,4
Nota: x indica que o valor está incluído noutra coluna. A referência da coluna encontra-se entre parêntesis depois do x [p. ex., x(2) significa que o valor está incluído na coluna 2]. Fonte: OCDE.
Quadro 2.11 Percentagem de população dentro e fora do sistema educativo,
por grupo etário e situação perante o trabalho (2002) Dentro do
sistema educativo
Fora do sistema educativo
Grupo de idade
Total Empregada Desempregada
França 15-19 94,6 1,9 3,4 20-24 53,2 32,5 14,4 25-29 11,7 70,1 18,2 Alemanha 15-19 90,1 5,2 4,7 20-24 38,1 46,0 15,9 25-29 16,3 66,3 17,4 Irlanda 15-19 81,6 13,6 4,8 20-24 29,0 60,2 10,8 25-29 3,5 81,8 14,7 Portugal 15-19 72,4 20,3 7,3 20-24 34,7 53,3 12,0 25-29 10,7 77,1 12,2 Espanha 15-19 81,9 11,0 7,2 20-24 43,4 41,5 15,1 25-29 16,1 64,2 19,8 Suécia 15-19 88,4 7,0 4,6 20-24 41,7 47,0 11,2 25-29 22,4 69,5 8,1 EUA 15-19 75,3 16,2 8,6 20-24 31,0 53,7 15,3 25-29 13,3 70,7 16,0
Nota: EUA: 2001. Fonte: OCDE.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 54
O abandono escolar
Convém recordar as diferenças do número de anos de escolaridade obrigatória em
cada um dos países. Assim, o quadro 2.12 reflecte o abandono escolar precoce e
tem como referência a idade e não o nível de escolaridade.
Quadro 2.12 Abandono precoce do sistema educativo pelos jovens
(18-24 anos, em %) 1993 2003
Alemanha 13,3 12,8
Espanha 37,7 29,8
França 17,2 13,7
Portugal 46,7 40,4
Irlanda n.d. n.d.
Suecia 7,5 9,0
UE 15 21,7 18,1
UE 25 - 15,9
Nota: Percentagem dos jovens na classe etária dos 18 aos 24 anos que abandonaram o sistema escolar, sem concluir 12 anos de escolaridade. Fonte: Eurostat, Indicadores estruturais, 29 de Abril 2005.
Apesar de ser possível constatar, em Portugal, um decréscimo nos últimos 10 anos,
este não é muito significativo e continua a atingir 40% da população em idade
escolar. O panorama espanhol é igualmente negativo, mas a recuperação é, de
certa forma, mais rápida.
Segundo, a taxa de emprego, bem como de desemprego, desses jovens é
igualmente das mais elevadas. Quer isto dizer que os jovens com (ou sem)
escolaridade mínima, obedecendo em Portugal apenas à condição de terem 15 anos
para aceder ao mercado de trabalho, apresentam uma empregabilidade que pode
ser motivadora da não prossecução dos estudos.
A formação profissional sob tutela do IEFP
A formação profissional tutelada pelo IEFP envolveu sobretudo jovens e, apesar dos
esforços, só conseguiu trazer para a formação um número muito reduzido de
adultos, o que constitui um facto preocupante quando se conhecem as baixas
qualificações da população activa. A educação e formação de adultos promovidas
pelo IEFP e entidades associadas só abrangeram 0,2% dos formandos.
Tal como no sistema educativo, as áreas de formação predominantes no sistema de
formação profissional são as áreas associadas ao sector terciário, apesar de um
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 55
forte peso das formações técnicas, sobretudo no quadro do Sistema de
Aprendizagem (IEFP, 2003). É de notar que este último, apesar de proporcionar
uma formação profissionalizante em alternância, particularmente adequada para os
jovens que desistem do sistema educativo formal, não conseguiu atingir, em
Portugal, a maioria dos jovens em situação de abandono escolar tendo, portanto,
em parte fracassado no objectivo primeiro desta modalidade de educação-
formação, que era a de proporcionar uma segunda oportunidade aos jovens menos
orientados para os estudos gerais.
A formação promovida pelas empresas
O Inquérito à Execução das Acções de Formação Profissional em 2002 (DGEEP,
2004) revela que 16% das empresas inquiridas realizaram formação no ano
anterior ao inquérito, envolvendo 17,5% dos seus trabalhadores, sobretudo do sexo
masculino. Convém assinalar e sublinhar que este inquérito só abrange as
empresas com 10 trabalhadores ou mais4. Mas a promoção de formação é muito
diferenciada por sector e por escalão de dimensão da empresa: enquanto que
65,4% dos trabalhadores das empresas ligadas às actividades financeiras
realizaram formação, só 6,3% dos trabalhadores da construção e do
alojamento/restauração tiveram acesso à formação. O “aperfeiçoamento” é a
modalidade de formação largamente predominante (envolvendo 88,5% do total de
participantes), enquanto que só 1% dos participantes seguiu acções de formação
de “reconversão”. Os trabalhadores que têm oportunidades de formação pertencem
a grandes empresas dos sectores mais produtivos do país e, apesar de não haver
dados que o confirmem, trata-se provavelmente dos trabalhadores com níveis de
instrução acima da média. Assim, a fraca e desigual dotação em capital humano
que resulta da passagem pelo sistema educativo não é compensada, muito pelo
contrário, pelo acesso à formação profissional.
Existe um envolvimento muito fraco por parte das empresas na formação. As
empresas, para além de uma procura de formação muito fraca, não influenciam o
tipo e a natureza da oferta formativa, com o efeito perverso de a formação
realizada não ir ao encontro das respectivas necessidades – sobretudo das PME – e
dos seus trabalhadores. O relatório de avaliação do FSE refere um “efeito
massificador” da formação, ou seja, a formação realizada é fortemente influenciada
pela oferta promovida pelas entidades com capacidades instaladas, o que contribui
4 Ou seja, 17% do total de empresas em Portugal.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 56
para o desajustamento da oferta e das necessidades do mercado de trabalho,
nomeadamente quanto à formação de antecipação e de reconversão (IESE, 2000).
A aprendizagem ao longo da vida
A proporção de adultos em idade activa com participação em acções de educação e
formação em Portugal é a mais baixa dos países da UE. Enquanto todos os outros
países registaram uma melhoria muito significativa deste rácio entre 1993 e 2003
(nalguns países, o rácio mais do que duplicou), em Portugal a situação permaneceu
quase inalterada.
Quadro 2.13 Aprendizagem ao longo da vida
Taxa de participação de adultos em idade activa 1993 2003
Alemanha 5,7 6,0
Espanha 3,5 5,8
França 3,0 7,4
Irlanda 3,5 9,7
Portugal 3,2 3,7
Suécia 26,5 34,2
UE15 5,7 10,0
UE25 - 9,3
Nota: O indicador representa a percentagem da população entre os 25 e os 64 anos que participou em educação ou formação ao longo das últimas quatro semanas anteriores ao inquérito. UE15 (estimativa do Eurostat); Alemanha e Suécia: 1996 em vez de 1993; UE25, EU15, França, Irlanda e Suécia: quebra na série em 2003. Fonte: Eurostat, Indicadores Estruturais, 29 de Abril 2005.
Capacidades básicas
Actualmente, a atenção dos actores sociais tem-se concentrado, com maior
acuidade, na componente qualitativa da educação. Para este efeito, são usados
indicadores de performance individual da educação, a que se atribui correntemente
a designação de “capacidades básicas”. Iremos assim avaliar o grau de capacidades
básicas da população portuguesa e compará-lo com os outros países, através de
uma análise dos dados do PISA (Programme for International Student Assessment),
relativos aos níveis de literacia, numeracia e resolução de problemas dos jovens
com 15 anos de idade, e ainda do IALS5 (International Adult Literacy Survey), o
qual fornece uma imagem idêntica da população adulta.
5 Literacia de texto (prose): conhecimentos e capacidades necessárias para compreender e usar informação dos textos, incluindo editoriais, novas histórias, brochuras e manuais de instrução.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 57
Jovens e capacidades básicas
Analisando cada uma das dimensões que compõem as capacidades básicas, ou o
nível de literacia, os quais facilitam a aquisição de outras capacidades, e tomando
como base os dados do PISA (OCDE: PISA 2003), verificamos que os jovens em
Portugal apresentam os níveis mais baixos em todas as dimensões no conjunto dos
países de referência (quadro 2.14). É importante assinalar que, de acordo com a
divisão proposta no estudo em apreço, Portugal, Espanha e os EUA se encontram
todos no mesmo grupo, ou seja, no grupo dos que estão estatisticamente abaixo da
média da OCDE. Em contrapartida, a França e a Suécia estão no grupo oposto, ou
seja, naqueles que estão acima da média da OCDE.
Quadro 2.14
Níveis de capacidades básicas
Literacia
matemática Literacia de
leitura Literacia científica
Resolução de problemas
Alemanha 503 491 502 513
Espanha 485 481 487 482
França 511 496 511 519
Portugal 466 478 468 470
Irlanda 503 515 505 498
Suécia 509 514 506 509
EUA 483 495 491 477
Fonte: OCDE: PISA 2003.
Os investimentos em educação não parecem explicar estas diferenças de
performance educativa dos jovens. Países com rendimento nacional e investimentos
em educação próximos (Portugal e Coreia) apresentam uma disparidade muito
elevada dos desempenhos médios ao nível da literacia matemática. Com níveis de
despesa por aluno inferiores, a Irlanda e a Espanha têm melhor desempenho neste
mesmo tipo de literacia.
População adulta e capacidades básicas
No que se refere à população adulta, Portugal apresenta os mais baixos níveis
médios em todos os domínios da literacia. Enquanto que, na Suécia, apenas 25%
da população activa se fica pelos 271,1 pontos na análise de textos, em Portugal
Literacia de documentos (document): conhecimentos e capacidades requeridos para localizar e usar informação contida em vários formatos, incluindo candidaturas a empregos, formulários, horários de transportes, mapas, tabelas e cartas. Literacia matemática (quantitative literacy): conhecimentos e capacidades requeridos para aplicar operações matemáticas, únicas ou sequenciais, em números integrados em materiais impressos, como análise do conteúdo de cheques, preencher um formulário de encomenda ou determinar a taxa de juro num empréstimo, a partir de um anúncio.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 58
75% fica-se praticamente no mesmo patamar de desempenho – 272,7 pontos. Na
análise documental, a situação é ainda mais preocupante, na medida em que 75%
da população activa portuguesa tem um nível ainda mais baixo – não ultrapassando
os 268,6 pontos –, enquanto que na Suécia apenas 25% têm um nível equivalente
a 276,0 pontos. É apenas na numeracia que Portugal se encontra mais perto dos
outros países, embora o respectivo desempenho seja o mais fraco do conjunto dos
países (IALS, dados relativos a 1994-1998).
Esta situação é, de certa forma, influenciada pelo nível de escolaridade da
população que, como já vimos, é muito baixo. Mas o baixo nível de escolaridade
não explica tudo. A população sueca atinge, com o ensino secundário, um nível em
análise de texto – 302,3 pontos –, que a população portuguesa apenas atinge com
o ensino superior – 304,8. Aliás, a Suécia afigura-se como um país de elevada
performance educativa em todas as dimensões que estamos a retratar. Um
segundo aspecto a reter é que, na análise documental, a população portuguesa
com o ensino superior revela níveis mais baixos – 289,9 pontos –,
comparativamente à população alemã e sueca com o ensino secundário – 295,4 e
308,3, respectivamente. A mesma análise é válida para a numeracia,
comparativamente à Suécia: a população deste país com o ensino secundário
atinge os 307,4 pontos, contra os 304,3 da população com o ensino superior em
Portugal (IALS, dados relativos a 1994-1998).
Que factores podem estar na origem destas diferenças, uma vez que o nível dos
recursos financeiros afectos à educação não parece constituir a explicação? Assim,
e a título de exemplo, com níveis inferiores de despesa por aluno, a Irlanda e a
Espanha têm melhor desempenho na literacia matemática.
Impacto no mercado de trabalho
A questão que agora se levanta é do impacto desta performance educativa nos
diversos fenómenos do mercado de trabalho. Tratando-se da problemática da
adaptabilidade dos trabalhadores, de que forma este panorama influencia
negativamente (ou não) a performance individual no mercado de trabalho?
Tendo em atenção os níveis das diferentes dimensões das capacidades básicas da
população portuguesa comparativamente aos países em análise, iremos avaliar
brevemente o impacto destas em alguns fenómenos do mercado de trabalho.
Portugal é, dentro do conjunto dos países em apreço, o único em que os gestores
apresentam a taxa mais elevada nos níveis mais baixos de literacia e a taxa
substancialmente mais baixa nos níveis superiores. Quer isto dizer que o tecido
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 59
empresarial português não só apresenta níveis mais baixos da sua mão-de-obra,
mas revela igualmente uma fragilidade estrutural no âmbito da sua gestão. Esta
evidência empírica pode ser reveladora de um ciclo vicioso que impede, devido às
capacidades e qualificações dos gestores, uma requalificação da mão-de-obra. Um outro aspecto a reter para Portugal é o da absorção de mão-de-obra com
baixas capacidades básicas em empregos de comércio e serviços: 62,9% com o
nível 1. Nos EUA, o mesmo indicador é de 26,6% e na Irlanda de 16,8%,
verificando-se nos restantes países valores muito mais baixos. Nos outros sectores
de actividade; em Portugal, também é determinante a integração de mão-de-obra
com capacidades básicas baixas, representando 74,7% dos profissionais
qualificados da indústria. Na e 52,5% dos efectivos totais da agricultura., números
outra vez muitíssimo superiores aos dos restantes países.
Desta breve análise é possível concluir que dentro de um padrão de emprego pouco
qualificado, existe em Portugal facilidade de aceder a um emprego por parte de
indivíduos que possuem baixos níveis de literacia documental, em todos os sectores
de actividade.
Habilitações e desemprego
Paradoxalmente, apesar de o nível médio de habilitações literárias ser muito baixo
em Portugal, o desemprego atinge relativamente mais os indivíduos mais
qualificados, em comparação com outros países da EU (quadro 2.15). E a situação
é mais paradoxal ainda quando se sabe que as pessoas que têm no máximo 6 anos
de escolaridade estão relativamente menos afectadas pelo desemprego (recorde-se
que estas pessoas representam 62% da população activa). São sobretudo os
detentores do 9º ano e, sobretudo, do 12º ano, os indivíduos mais
sobrerepresentados no desemprego.
Quadro 2.15 Taxa de desemprego por nível de instrução (2002)
9º Ano ou menos
Ensino Secundário e Profissional
Ensino Médio Não
Universitário
Licenciatura e Pós-Graduação
Taxa de Desemprego
Alemanha 14,0 9,0 4,2 4,9 8,8
Espanha 12,7 11,4 8,8 9,8 11,4
França 13,3 7,9 5,7 5,6 8,9
Irlanda 6,7 3,7 2,0 2,4 4,2
Portugal 5,4 5,5 5,2 4,4 5,4
Suécia 8,4 5,1 3,0 3,4 5,2
EUA 13,9 6,7 2,9 4,0 6,4 Fonte: OCDE.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 60
Os dados do IALS mostram que, em geral, a incidência do desemprego decresce
quando o nível de literacia aumenta – a taxa de desemprego é claramente superior
entre os indivíduos com níveis baixos de literacia comparativamente aos indivíduos
com níveis mais elevados (quadro 2.16). Todavia, esta relação não assume a
mesma intensidade nos países em análise: na Alemanha, na Irlanda e nos EUA é
mais forte, enquanto que em Portugal, pelo menos na análise de texto e na análise
documental, a relação é menos intensa.
Quadro 2.16 Taxa de desemprego por nível de literacia
Análise de texto Análise documental Numeracia
Níveis 1 e 2
Níveis 3, 4 e 5
Níveis 1 e 2
Níveis 3, 4 e 5
Níveis 1 e 2
Níveis 3, 4 e 5
Alemanha 14,2 7,8 16,5 7,2 16,1 8,6
Irlanda 23,1 11,3 23,4 9,9 24,4 10,2
Suécia 11,1 7,4 12,8 7,0 11,2 7,5
Portugal 15,4 9,0 14,4 12,0 16,0 8,8
EUA 6,9 3,6 7,1 3,4 7,4 3,3
Fonte: OCDE: IALS.
A avaliação do POEFDS revela que o Eixo 2 – destinado a promover a
sustentabilidade/adaptabilidade das empresas e trabalhadores através da promoção
dos níveis de escolaridade e de qualificação – se saldou numa certa recuperação
dos níveis de escolaridade, e os níveis de empregabilidade dos ex-formandos após
a formação confirmam que a abordagem profissionalizante imprimida aos percursos
formativos era a estratégia adequada. Mas a análise das taxas de empregabilidade
revela que os que possuem a escolaridade obrigatória e uma qualificação
profissional de nível II tiveram mais sucesso na integração no mercado de trabalho
do que os de nível de instrução e qualificação superiores.
Estas evidências sugerem a existência de “um ciclo vicioso” de baixas qualificações:
as dificuldades experimentadas pelos mais qualificados quanto ao acesso ao
emprego podem desincentivar a procura de qualificações e, ao mesmo tempo, a
escassez de qualificações dificulta a criação de condições atractivas para
investimentos qualificantes e para a expansão da procura de qualificações.
Estrutura do emprego em Portugal: requalificação da mão-de-obra
Entre 1993 e 2000, houve um esforço considerável de requalificação da mão-de-
obra, com um decréscimo anual de 7,5% de trabalhadores com habilitações
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 61
inferiores ao 1º ciclo do ensino básico (Quadros de Pessoal). Se esta evolução é
positiva, no sentido das qualificações, ela pode não reflectir mudanças nos
comportamentos de recrutamento das empresas. Sabemos que os trabalhadores
com este nível de escolaridade são também os mais antigos pelo que esta melhoria
pode apenas resultar da evolução natural.
A evolução mais positiva é a dos trabalhadores com o ensino superior, cuja taxa
média anual de crescimento foi, entre 1993 e 2000, de cerca de 13%. Em
contrapartida, o crescimento da população empregada com o ensino secundário é
menos intensa – a taxa de crescimento anual médio foi, no mesmo período, de
6,7% (Quadros de Pessoal).
Legislação de protecção do emprego6
A redução do trabalho subordinado e o aumento da diversidade de formas de
trabalho são tendências que se manifestam na evolução do mercado de trabalho
em Portugal, tanto quanto em toda a Europa, determinando a necessidade de
revisão do quadro regulador da relação de trabalho. Em Portugal, a iniciativa da
regulação da flexibilidade tem sempre pertencido ao Estado, sendo adoptada a
forma legislativa.
As primeiras abordagens, no nosso país, com significado específico no plano da
flexibilidade da relação de trabalho foram estabelecidas, em 1976, em dois
domínios: (1) pela ampliação do conceito de “justa causa”, operada pela alteração
introduzida ao regime do despedimento promovido pelo empregador (Decreto-Lei
841-C/76, de 7 de Dezembro); (2) pela reformulação do regime legal do contrato
de trabalho a termo, operada em 1976 (DL 781/76, de 28 de Outubro), tendo-se
eliminado a figura do contrato a termo incerto e estabelecendo-se um sistema que,
apesar de diversas limitações de tipo formal, era, à época, consideravelmente
amplo, tendo servido, assim, de válvula de escape à rigorosa limitação de toda e
qualquer forma de “despedimento”, decorrente do período revolucionário de
1974/1975, e vindo a favorecer uma dinâmica intensa de precarização do vínculo
contratual no mundo do trabalho.
Nos anos oitenta, verificaram-se as seguintes abordagens legislativas com interesse
para a análise do quadro da flexibilidade: (1) o regime da suspensão ou redução da
6 Esta secção, resume e reproduz parcialmente um texto de Fernando Cabral, Arminda Neves e Manuel Roxo, incluído no segundo relatório intermédio deste estudo.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 62
prestação de trabalho (DL 398/83, de 2 de Novembro, alterado pela Lei 137/99, de
28 de Agosto); (2) o regime do contrato (especial) de aprendizagem (DL 102/84,
de 29 de Março com alterações introduzidas pelo DL436/88, de 23 de Novembro).
Todavia, só com a reforma legislativa de 1989 (DL 64-A/89, de 27 de Fevereiro)
foram introduzidas alterações significativas e com carácter de sistematização no
quadro jurídico, tendo em vista aproximar este quadro da legislação da
generalidade dos países da União Europeia. Os principais vectores desta reforma
consistiram nas abordagens seguintes:
o Trabalho a termo: (1) restaurada a figura do contrato a “termo incerto”; (2)
especificação das situações em que poderia ter lugar a contratação a termo; (3)
obrigação da introdução no contrato da indicação dos motivos da contratação;
(4) consequências automáticas penalizantes para a cessação do contrato no
final do termo por vontade do empregador (pagamento pelo empregador ao
trabalhador de indemnização e impossibilidade de contratar outros
trabalhadores a termo certo ou incerto para o mesmo posto de trabalho,
durante 3 meses);
o Denúncia unilateral do contrato: alargamento do período experimental;
o Cessação do contrato de trabalho: (1) possibilidade de serem associadas
cláusulas indemnizatórias à cessação do contrato por acordo de ambas as
partes (o que, na prática, pode funcionar como hipótese de redução de
pessoal); (2) ampliado, simplificado e retirado da autorização do Ministério do
Trabalho o regime de despedimento colectivo; (3) introduzida de novo a figura
da cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho,
justificada por causas objectivas de ordem estrutural, tecnológica ou
conjuntural relativas à empresa; (4) criação da figura do despedimento por
inadaptação do trabalhador (DL 400/91, de 16 de Outubro).
o Trabalho temporário: primeira definição autónoma de um regime legal (DL
358/89, de 17 de Outubro) do trabalho temporário que incluiu, também, a
cedência ocasional de trabalhadores, ainda que sob fortes restrições;
o Tempo de trabalho: compromisso assumido entre o Governo e os Parceiros
Sociais de redução do tempo de trabalho, a concretizar de forma diferida
através da contratação colectiva (compromisso entretanto não concretizado
nesse patamar da negociação colectiva, pelo que veio a ser retomado nos anos
noventa).
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 63
Em 1996/1999 verificaram-se abordagens relevantes no âmbito da flexibilidade em
torno do tempo de trabalho: (1) Lei 21/96, de 23 de Julho e Lei 73/98, de 10 de
Novembro, onde, a par da redução do tempo de trabalho, se procurou regular a
adaptabilidade na organização do tempo de trabalho e aflorar a polivalência
funcional; (2) configuração do contrato de trabalho a tempo parcial (Lei 103/99, de
26 de Julho).
No respeitante à “flexibilidade externa”, o actual Código do Trabalho não avançou
significativamente para além da legislação pré-existente. E, assim, os sistemas de
flexibilidade externa consagrados são os seguintes: (1) despedimento promovido
pelo empregador dependente da verificação de justa causa; (2) despedimento
promovido pelo empregador por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos,
com garantia de indemnização (despedimento colectivo e despedimento por
extinção de posto de trabalho); (3) despedimento por inadaptação do trabalhador
(condicionada à observância de requisitos de formação e com garantia de
indemnização); (4) suspensão do contrato de trabalho, ou redução temporária do
período normal de trabalho, por motivos económicos da empresa, catástrofes ou
outras ocorrências graves; (5) encerramento temporário do estabelecimento ou
diminuição temporária da actividade (com diminuição da retribuição); (6) regime de
trabalho a termo certo ou incerto (com direito a indemnização associada à cessação
no termo do prazo); (7) trabalho temporário e cedência ocasional de trabalhadores;
(8) contrato de trabalho em comissão de serviço (reservado a cargos de
administração, direcção ou de confiança); (9) trabalho independente (prestação de
serviços); (10) contrato de trabalho celebrado com uma pluralidade de
empregadores (dependente de haver entre os empregadores uma relação societária
de participações recíprocas ou que mantenham estruturas organizativas comuns).
Do mesmo modo, no respeitante à “flexibilidade interna” o Código do Trabalho
aborda, sem alterações significativas face à evolução registada até aos anos
noventa, os seguintes sistemas de flexibilidade interna: (1) mudança para categoria
profissional inferior (dependente da aceitação do trabalhador e da autorização da
Inspecção do Trabalho); (2) mobilidade funcional (com direito às vantagens
salariais correspondentes às novas funções); (3) mobilidade geográfica (com
salvaguarda de prejuízo sério para o trabalhador); (4) transferência temporária de
local de trabalho (modalidade introduzida pelo Código do Trabalho em termos
idênticos à mobilidade geográfica); (5) polivalência (restrita às funções afins, ou
funcionalmente ligadas à categoria profissional, e para as quais o trabalhador
detenha qualificação suficiente, conferindo ao empregador uma obrigação específica
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 64
de formação do trabalhador e de remuneração correspondente ás funções em
causa); (6) organização do tempo de trabalho nas suas formas clássicas (trabalho
por turnos, trabalho suplementar e isenções de horário de trabalho), possibilidade
de horários individualizados (em alguns casos) e modelação do período normal de
trabalho, com base em definições estabelecidas na contratação colectiva
(adaptabilidade); e, (7) reclassificação profissional.
A evolução mais marcante da legislação de protecção do emprego em Portugal foi a
que correspondeu à reforma de 1989, vindo dela a matriz essencial da actual
legislação. Apesar de, em alguns institutos, aquela legislação prever
desenvolvimentos concretizadores da flexibilidade negociada, o certo é que tem
permanecido sem grande relevância a abordagem que se conhece da negociação
colectiva. A explicação para tal desfecho poder-se-á, com certeza, procurar na falta
de renovação e débil representatividade dos actores sociais actuais, na quase
inexistente negociação colectiva ao nível da empresa e, naturalmente, na cultura
regulamentar e proteccionista ainda predominante. No entanto, a natureza da
flexibilidade e da adaptabilidade tem mais a ver com a dinâmica da negociação
colectiva do que com a acção legislativa do Estado (naturalmente mais rígida,
uniforme e duradoura).
O actual Código do Trabalho, apesar dos sinais dos tempos em que nasceu (ano de
2003), limitou-se, todavia, no essencial, a repor a doutrina clássica pré-existente.
Com efeito, (1) remete (parcialmente) para o regime do trabalho juridicamente
subordinado as únicas situações alternativas tipificadas (contratos de regime
especial e contratos equiparados), sem qualquer complemento de regulação
autónoma das suas especificidades, e (2) remete, ainda (totalmente), para o
mesmo regime do trabalho subordinado, todas as demais situações de contratos de
prestação de serviços que reúnam os requisitos factuais da relação subordinada.
Esta uniformização deixa a questão de fundo por resolver, ou seja: (1) emergiram,
de facto, diversas tipologias de relações de trabalho que exigem uma pluralidade de
enquadramentos jurídico-laborais; (2) em toda aquela diversidade de relações de
trabalho há a necessidade de ser configurada a tutela pública do “núcleo duro” dos
direitos fundamentais e ajustada a abordagem da protecção social.
A tendência desregulamentadora que acompanhou o movimento de flexibilização
nos finais do século XX, fez, a partir dos anos 70 e 80, emergir, também em
Portugal, aquilo que hoje vulgarmente se designa por dois mercados de trabalho –
o protegido e o não protegido.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 65
Uma vez que são praticamente inexistentes os sistemas de acompanhamento do
desenvolvimento da flexibilização, dotados de eficiência, criados pelos actores
sociais nos contextos da negociação colectiva, ou fomentados pelo Estado, resta o
recurso insistente à Inspecção do Trabalho e aos Tribunais onde as respectivas
metodologias, porque baseadas no exercício dos poderes de autoridade pública, não
são as mais adequadas ao desenvolvimento de compromissos ajustados às
necessidades concretas de conjugação flexibilidade/segurança.
Desta forma, o reduzido desenvolvimento jurídico e institucional da flexibilização
tem como efeito directo o aumento exponencial da zona franca da desprotecção de
uma faixa crescente do mercado de trabalho (sobretudo os trabalhadores jovens).
Em Portugal (como de resto noutros países de desenvolvimento intermédio da
OCDE) é característica a coexistência de um elevado nível de exigência formal da
legislação de protecção do emprego (Portugal ocupa a primeira posição no índice
publicado pele OCDE) e de uma igualmente elevada informalidade.
Relações laborais7
Por razões históricas, o sistema de relações industriais em Portugal tem uma
estrutura e uma “lógica” de funcionamento que condicionam a possibilidade de um
envolvimento bem sucedido dos trabalhadores na actual transição. O sistema de
relações industriais em Portugal hoje é caracterizado: pela falta de articulação entre
os diferentes níveis (macro-concertação, contratação colectiva, participação nas
empresas) e pela ausência de um “compromisso de base” genuíno entre as partes
relativamente à sua respectiva posição no sistema e em relação a um projecto
comum; pela estagnação da contratação colectiva a nível de sector, limitada em
grande medida às questões pecuniárias e com reduzida capacidade de adaptar as
convenções às novas necessidades; por uma estrutura contratual que não fomenta
soluções descentralizadas; por baixos índices de participação efectiva nas
empresas.
Concertação a nível macro e participação a nível micro
Há um grande contraste entre a dinâmica da macro-concertação e os baixos índices
de participação nas empresas. Desde a criação do CPCS, em 1984, assinaram-se
7 Esta secção, resume e reproduz parcialmente um texto de Reinhard Naumann, incluído no segundo relatório intermédio deste estudo.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 66
uma séria de Acordos de Política de Rendimentos, dois Acordos Globais (AES, 1990
e ACE, 1997) e vários Acordos Específicos (com maior incidência nas áreas da
formação profissional e da higiene e segurança no trabalho). Um recente estudo
comparativo sobre o envolvimento dos parceiros sociais nos Planos Nacionais de
Emprego (2002/2003) coloca Portugal no topo do “ranking” europeu (UE 15).
Segundo essa fonte, Portugal e Luxemburgo são os únicos países onde a consulta
na fase da definição das políticas chegou a um grau “muito significativo”.8 Um
inquérito sobre a participação directa dos trabalhadores na mudança organizacional
nas empresas europeias revela, por outro lado, índices muito baixos. Sob este
aspecto, Portugal ocupa, num grupo de dez países, o último lugar (quadro 2.17).
Quadro 2.17 Empresas com envolvimento dos representantes dos trabalhadores na
introdução da participação directa (em %) Empresas sem participação
(% do total) / % locais de trabalho com participação directa
Média dos 10 países 25 / 10
Dinamarca 22 / 5
França 22 / 8
Alemanha 29 / 10
Itália 25 / 15
Irlanda 40 / 12
Países Baixos 39 / 13
Portugal 44 / 18
Espanha 19 / 4
Suécia 3 / 3
Reino Unido 19 / 10
Fonte: EFILWC (1997)
Contratação colectiva
Numa perspectiva comparativa, a contratação colectiva em Portugal parece, à
primeira vista, situar-se nos mesmos níveis da Áustria, Alemanha, Itália, nos Países
Baixos, em Espanha e na Suécia (EIRO, 2002). O nível do sector ou ramo de
actividade é dominante e o nível de empresa é existente, mas não tem grande
importância. Ora, o que distingue fundamentalmente o sistema português dos
outros é a ausência de mecanismos de articulação entre o nível dominante (sector)
e o nível de empresa.
8 Chegaram a um grau “significativo: a Bélgica (só 2002), a Dinamarca, a Finlândia, a França (só 2002), a Grécia, a Irlanda e a Suécia. Nos escalões “suficiente” e “não suficiente” encontravam-se a Alemanha, a Itália, os Países Baixos, a Espanha e o Reino Unido (EFILWC, 2005).
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 67
No momento em que o Código de Trabalho de 2003 criou a possibilidade da
caducidade das convenções, a crise da contratação colectiva tornou-se uma
evidência. Anteriormente, uma convenção não podia caducar, só perdia a sua
validade se fosse substituída por outra. Agora basta a denúncia duma das partes
para abrir o caminho à caducidade. Teoricamente, esta nova regra poderia ser
entendida como um estímulo para as negociações. Mas, na prática, as associações
patronais aproveitaram-na para abrir caminho à caducidade de grande parte das
convenções. Entre 2003 e 2004, o número de trabalhadores abrangidos por
convenções publicadas (isto é, renegociadas) baixou de 1,5 milhões para 600 mil.
Direitos de participação colectiva versus práticas
Um inquérito nacional no universo das empresas com 100 e mais trabalhadores,
realizado no início dos anos 1990 (Stoleroff, 1995), revelou que a rede de
delegados sindicais é consideravelmente mais densa que o tecido de Comissões de
Trabalhadores (CT). É de notar que a densidade das estruturas representativas é
significativamente mais alta nas empresas de grande dimensão. Outro aspecto
importante é a predominância das estruturas sindicais, existentes em 39% das
empresas (contra 15% no caso das CT).
No entanto, os dados do inquérito supracitado mostram que metade das empresas
(com 100 e mais empregados) não realiza reuniões de informação com os órgãos
representativos dos trabalhadores, e 20% fazem-no apenas esporadicamente. Esse
índice deve ser ainda mais negativo nas empresas de menor dimensão. Portugal
tem a maior taxa de empresas “sem participação” (44% vs. 25% na média dos
dez) e o índice mais baixo (ao lado da Irlanda) no envolvimento de maior alcance
(a frequente tomada de decisões e negociações em conjunto) (EFILWC, 2005).
Participação directa dos trabalhadores
Existe uma correlação entre o baixo índice de envolvimento dos representantes dos
trabalhadores e a introdução da participação directa em Portugal. A reduzida
percentagem de empresas com participação directa em Portugal (quadro 2.18)
refere-se a todas as suas formas principais, nomeadamente à consulta individual
dos trabalhadores (directa e indirecta), à consulta de grupos (temporários e
permanentes) e à delegação (individual e ao grupo).
Da análise de vários estudos sobre Portugal (Kovács, 1993; Lopes, 2000; Caetano,
1999) conclui-se pelos baixos níveis de participação, em geral, e a adopção
crescente do modelo da participação individual, informal e limitado às tarefas do
trabalhador. Os mecanismos formais de participação colectiva, através dos
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 68
representantes, são relativamente desqualificados e têm um papel mais defensivo
do que pró-activo na gestão das condições de trabalho e do funcionamento geral
das organizações.
Quadro 2.18
Prática da participação directa Percentagem dos locais de trabalho com
participação directa
Média dos 10 países 82
Dinamarca 81
França 87
Alemanha 81
Itália 85
Irlanda 82
Países Baixos 90
Portugal 61
Espanha 65
Suécia 89
Reino Unido 83
Fonte: European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions, Novas Formas de Organização do Trabalho. Poderá a Europa via a concretizar as suas potencialidades? Resultados de um inquérito sobre a participação directa na Europa, s.l., s.d.
Modelos organizacionais
Em Portugal, apesar da diversidade dos modelos de organização do trabalho
encontrados e da crescente adopção da organização parcialmente flexível,
predomina a racionalização (Moniz, 1989; Kovács et al, 1993; Lopes, 2000; IQF,
vários anos). Continuam a predominar as práticas tayloristas, por vezes mesmo
pré-tayloristas, em particular nas pequenas empresas que constituem a maior parte
do tecido empresarial. As mudanças que estão a ocorrer serão maioritariamente
inspiradas pelos princípios da produção magra e não pelos do modelo
antropocêntrico (Alves, 2000:97). Quando se introduzem novas formas de
organização do trabalho, as modalidades mais frequentes são o enriquecimento e o
alargamento de tarefas. A prática de rotação de funções, menos frequente, está
fundamentalmente confinada à sequência da produção (normalmente linear).
Mesmo nalguns sectores de serviços estudados, prevalece este tipo de organização
nas funções mais operacionais e menos qualificadas. O trabalho a nível operacional
é essencialmente individual e pouco qualificante.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 69
As empresas mais inovadoras neste domínio apresentam normalmente
determinadas características – de dimensão média, com uma gestão
profissionalizada e uma estrutura de qualificações enriquecida –, apostando em
estratégias de diferenciação de produto e de qualidade e estreitando as suas
relações com o mercado. As estratégias das empresas com vista à obtenção da
certificação em qualidade e, nalguns casos, à implementação de sistemas de
qualidade total, são propiciadoras de maior inovação organizacional. Os círculos de
qualidade e, nalguns casos, a organização da produção em grupos semi-
autónomos, são as modalidades mais encontradas. Estes desenvolvimentos a nível
organizacional derivam sobretudo da necessidade de melhorar os níveis de
exploração da tecnologia empregue, e do cumprimento dos objectivos de produção
em volume e em qualidade, questões críticas face à pressão dos mercados.
Objectivos essencialmente económicos, para os quais as estratégias de co-
responsabilização dos trabalhadores têm demonstrado resultados (veja-se as
filosofias da lean production, da gestão por objectivos, do just in time - JIT - e da
qualidade total – TQM -, amplamente divulgadas).
Com base nos resultados do inquérito EPOC (Employee Direct Participation in
Organizational Change), para o ano de 1996, reforçamos a ideia de que Portugal
tem uma performance no domínio da inovação organizacional muito abaixo da dos
países europeus, em especial no que respeita ao envolvimento dos assalariados e
ao nivelamento das estruturas hierárquicas (quadro 2.19). Em praticamente todos
os indicadores, os países escandinavos lideram. A Suécia revela uma performance
muito inovadora precisamente no envolvimento, na rotação de tarefas e no
nivelamento da hierarquia, o que demonstra bem o desenvolvimento dos modelos
de organização inspirados no movimento sociotécnico e na democracia industrial.
O esforço de modernização em Portugal revela uma orientação fortemente
tecnológica e com grande enfoque nos processos (segundo os dados do
Innobarometer (CE, 2004b), o maior peso das respostas para Portugal concentra-se
em “novas tecnologias de processo”, um dos valores mais elevados no conjunto dos
países, e apenas equivalente ao da Itália). Do conjunto dos países analisados,
destaque-se a Espanha, com a maior orientação para a inovação de produto, e a
Alemanha, com a focalização na relação com os fornecedores e na inovação de
produto. A Suécia e a França revelam também uma significativa orientação para a
inovação dos processos, mas nas áreas da informação e da logística e distribuição.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 70
Quadro 2.19 Percentagem dos estabelecimentos que declararam, em 1996, certas
iniciativas da parte dos empregadores nos últimos 3 anos (EPOC - Employee Direct Participation in Organizational Change)
Rotação de tarefas
Trabalho em equipa
Envolvimento dos
assalariados subalternos
Nivelamento de estruturas hierárquicas
Suécia 38 29 60 46
Dinamarca 28 40 10 42
Países Baixos 9 9 46 47
Alemanha 7 20 19 30
França 6 30 44 21
Reino Unido 13 33 48 45
Irlanda 10 27 32 23
Itália 13 28 24 10
Espanha 14 34 33 --
Portugal 9 22 9 3
Média não ponderada 15 27 33 29
Fonte: OCDE, 1999 in Kovács (2003: 314).
A capacidade de inovação no produto parece não variar significativamente em
função da dimensão e da idade da empresa, mas sim em função do peso das
exportações: as empresas mais exportadoras são as que concentram mais atenção
na inovação de produto. A exposição a uma concorrência mais intensa e mais
exigente parece ser, assim, um factor crucial (Innobarometer, CE, 2004b).
No âmbito das intervenções do POE e do PRIME, do POCTI e do POSI, várias foram
e são as medidas que promovem a inovação organizacional. No entanto, a vocação
para os factores tangíveis da inovação, nomeadamente os tecnológicos, é evidente
nos resultados dos programas.
A necessidade de estabilidade das empresas
Apesar da forte aposta nas estratégias de flexibilização quantitativa da mão-de-
obra (precarizando os vínculos contratuais e externalizando serviços e mão-de-obra
não nuclear), as empresas procuram também atingir níveis de segurança e de
estabilidade suficientes para a sua sobrevivência e actuação estratégica de longo
prazo.
As estratégias mais adoptadas para reter os melhores e aumentar a sua motivação
incidem, principalmente, sobre factores extrínsecos, nomeadamente o aumento da
componente variável das recompensas, a individualização das promoções e das
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 71
progressões salariais e a sua vinculação à produtividade e ao desempenho. Revela-
se, assim, no seio da empresa (para o dito “segmento primário”), um modelo de
gestão centralizado na flexibilidade financeira e na importância das relações
“transaccionais” entre os empregadores e empregados, que resulta a curto prazo,
mas é gerador de tensões, a longo prazo.
Por outro lado, a empresa procura gerar vinculações afectivas e desenvolver
“contratos psicológicos” necessários para um desenvolvimento organizacional mais
sustentado (Caetano, 1999: 303). Esta vinculação afectiva é, contudo, cada vez
mais difícil: a forte orientação da empresa para os ajustamentos quantitativos (do
volume de mão-de-obra, dos custos, nomeadamente dos salariais, do tempo de
trabalho, com implicações salariais) gera, também, um nível de insegurança (real
e/ ou psicológico) elevado, mesmo no segmento dos core workers, cujo emprego
pode estar ameaçado por múltiplos factores. As mudanças de liderança e estilo de
gestão, o encerramento, emagrecimento ou reestruturação da empresa, a perda de
valor do know-how acumulado face às reorientações estratégicas da empresa ou ao
rápido avanço técnico-científico da área (particularmente importante em
determinados sectores), ou ainda a idade, são alguns desses factores. Neste
ambiente, a relação transaccional e pouco afectiva com a empresa é também o
comportamento mais natural por parte de um número crescente destes
trabalhadores, em que, efectivamente, a segurança do emprego está cada vez
menos garantida.
Lideranças e modelos de gestão
É frequente referir a necessidade de empresários e gestores com visão estratégica
para uma capacidade de actuação mais pró-activa face ao mercado. Contudo, as
competências de índole organizacional, específicas à gestão da mudança, ao
desenvolvimento de culturas abertas à inovação e ao risco, e à implementação de
relações do tipo democrático-participativo que favoreçam mais a confiança do que o
controlo, e mais a autonomia do que a hierarquia, parecem constituir efectivamente
uma “mudança de paradigma”, absolutamente necessária, mas difícil de
concretizar.
Cultura nacional
Recorrendo à análise de Hofsftede (1991) sobre as dimensões da cultura nacional
que afectam o trabalho, Portugal destaca-se pelos muito elevados índices de
controlo da incerteza e de distância hierárquica. Temos, segundo Hofstede (1991),
uma elevada formalização das relações no seio da organização e uma elevada
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 72
estratificação (ou desigualdade) na distribuição de poder, com reflexos nos níveis
de participação na tomada de decisão (elevado grau de centralização), na estrutura
salarial e de qualificações (acentuado dualismo) e nos níveis de mobilidade (baixa
mobilidade vertical).
Explicando, em parte, a aversão ao risco e a resistência à mudança na sociedade
portuguesa, em geral, o inquérito relativo às atitudes sociais dos portugueses, no
que concerne às orientações perante o trabalho (Cabral, 1997), revela que o
aspecto mais valorizado é o da estabilidade do emprego, com 76,7% dos inquiridos
a considerar este aspecto muito importante. Por outro lado, recorrendo ao
European Social Survey (1999) no que diz respeito à confiança, verifica-se que
Portugal se encontra em 31º lugar, num conjunto de 33 países, com 12,3% dos
inquiridos a responder “pode confiar-se na maioria das pessoas”. Nos primeiros
lugares encontram-se a Dinamarca, a Suécia, a Holanda e a Finlândia (Lopes e
Moreira, 2004). Considerando o factor confiança, um factor fundamental para o
desenvolvimento das relações que fomentam a descentralização da decisão, a
participação e a autonomia no quadro das empresas, gerando modelos de
organização do trabalho mais qualificantes, encontramos certamente aqui uma
razão também cultural para o fraco desenvolvimento destes modelos em Portugal.
Relações inter-empresas
Em traços muito genéricos, o contexto português pode ser caracterizado por uma
certa fragilidade das associações empresariais e por uma fraca cooperação nos
domínios da formação, tecnologia e mercados externos, onde ainda domina o
predomínio da concorrência inter-empresas, baseado essencialmente nos preços, e
isto não obstante um papel significativo das fidelidades informais no inter-
relacionamento empresarial.
Sistemas input-output relativamente integrados
No que concerne à questão das relações, mais ou menos formalizadas e
contratualizadas, entre empresas interdependentes (via redes e hierarquias), no
âmbito de sistemas de produção mais integrados, podemos verificar que estas têm
vindo progressivamente a densificar-se, por motivos diversos. Com efeito,
verificam-se alterações profundas nas redes empresariais, decorrentes dos
processos de reorganização empresarial e da reestruturação de alguns mercados,
particularmente com a densificação de relações entre empresas, no seio de grupos
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 73
económicos, com a difusão de redes empresariais, de maior ou menor dimensão e
hierarquia variável, ou com a pura e simples externalização de funções, através de
práticas de outsourcing em muitas actividades e sectores.
Simultaneamente, verifica-se em alguns mercados uma tendência para uma maior
concentração empresarial, através de operações como aquisições, fusões, ou
outras, mais ou menos voluntárias, tendência essa que, embora por vezes
signifique a criação (ainda que temporária) de entidades juridicamente únicas de
maior dimensão, na prática se traduz geralmente pela interligação numa rede
integrada de entidades que permanecem juridicamente autónomas, embora
claramente interdependentes entre si, em termos económicos, funcionais,
tecnológicos ou financeiros.
Obviamente que, em termos da sua visibilidade (e da sua contabilização no seio do
circuito económico formalizado), as relações entre empresas aumentam, aqui, de
forma clara, embora seja questionável se efectivamente as relações existentes
sofrem um incremento, ou se antes simplesmente deixam de se fazer – pelo menos
algumas delas – dentro da mesma unidade produtiva (ou estabelecimento, ou
empresa), para se fazerem através da subcontratação de serviços no seio de um
mesmo sistema input/output ou sistema produtivo9. Por exemplo, serão claros
sinais de uma “falsa” externalização, no plano económico, as empresas que
subcontratam simplesmente a função pessoal a outras empresas especializadas na
área, ou as empresas de pequena dimensão que regularmente efectuam a
montagem de infra-estruturas de telecomunicações ou as canalizações de gás ou
electricidade, para grandes empresas do sector. Em geral, esta externalização
traduz-se na flexibilização dos vínculos contratuais, particularmente da ligação ao
factor trabalho e à protecção social, mantendo-se as empresas subcontratadas
totalmente dependentes (em termos de mercado, de domínio da tecnologia, etc.)
das grandes empresas para as quais trabalham.
Finalmente, um outro caso a destacar no cenário da evolução deste primeiro tipo de
inter-relações entre empresas em Portugal, nos anos mais recentes, diz respeito às
relações de franchising, com um crescimento exponencial na última década, e um
peso muito significativo, tanto na actividade de comércio como, crescentemente, na
prestação de outros serviços, traduzindo uma lógica de adaptabilidade com um
grau de especificidade acentuado.
9 Utilizando novamente a terminologia de Storper e Harrison, 1994.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 74
Relações entre empresas autónomas
Em termos das relações inter-empresas vistas de forma mais genérica, é também
de salientar uma crescente tendência para o desenvolvimento de movimentos de
integração, embora a uma escala embrionária e, em geral, a um nível bem menor
do que acontece na generalidade dos países europeus. É de destacar neste domínio
o estabelecimento de redes locais, de plataformas de acordo sectoriais, com lógicas
horizontais ou verticais, na exploração das cadeias de valor dos bens que produzem
e transaccionam.
Um outro tipo de relações entre empresas que se desenvolve claramente (passando
por formas de subcontratação ou relações mais flexíveis, bem mais episódicas ou
pontuais) é aquele que se associa à exploração das economias de aglomeração e à
possibilidade de redução de custos de transacção em contextos de proximidade (e
particularmente, de urbanidade). Um interessante caso particular que será aqui
importante destacar (e que apresenta uma dimensão crescente na sociedade
portuguesa, tal como na generalidade dos países) é o das actividades “plataforma”
ou actividades realizadas “por projecto”, que consistem num conjunto de serviços
(por exemplo, na área artística, no campo da consultoria, no planeamento e na
actuação pública, nas políticas locais, etc.) que, no essencial, são prestados através
da conjugação de esforços individuais no seio de projectos concretos, para os quais
se constituem equipas com competências específicas.
Relações com o meio envolvente
No que se refere às “instituições intermédias”, que possam ter impacto nas relações
inter-empresas (como associações empresariais, associações ou agências de
desenvolvimento, a nível regional ou local, centros tecnológicos, ou outras
instituições que assumam parcerias entre empresas e outros agentes na óptica do
desenvolvimento local, etc.) a situação é bastante diversificada, não obstante um
crescimento, diversificação e complexificação, em termos genéricos, do tecido
institucional existente.
Quanto a outro tipo de relações, formais e informais, no plano local, é de destacar
que algumas outras instituições (autarquias, associações e agências de
desenvolvimento local, agências de promoção e marketing territorial, centros de
investigação e de tecnologia, regiões de turismo, etc.) podem e têm
desempenhado, em alguns casos, um papel importante como promotoras e
facilitadoras das relações inter empresas, como incentivadoras de comportamentos
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 75
cooperativos, ou mesmo simplesmente como mobilizadoras em torno de projectos
comuns.
Outras formas de relação particulares entre empresas, associadas com o ambiente
existente na sua envolvência, prendem-se em particular com a questão da
existência de clusters de actividades mais ou menos territorializados (estando
diversos identificados em Portugal, desde indústrias tradicionais, como o têxtil e
calçado, a actividades de expansão mais recente, como o automóvel ou os moldes;
desde actividades mais específicas, como a prestação de certos serviços culturais
ou financeiros, até actividades mais disseminadas, como o turismo ou as indústrias
extractivas, por exemplo). Esta realidade suscita a necessidade da análise e da
actuação sobre os processos de adaptabilidade ser vista à luz do tecido produtivo
regional/local (ou sectorial) em que se inserem.
São igualmente de destacar outras formas de colaboração e concertação de base
territorializada, com enfoque na relação entre empresas, embora envolvendo outros
agentes (locais ou não), como acima foi referido, as quais podem traduzir o
cruzamento com outras dimensões institucionais fundamentais para a análise da
adaptabilidade (por exemplo, a congregação de empresas e outros agentes em
torno de parques tecnológicos, a criação de centros de investigação ou tecnologia,
a articulação entre o tecido empresarial e as entidades responsáveis pela oferta de
formação e ensino, etc.). Um bom exemplo dessa articulação é o da concertação
entre os pequenos comerciantes do centro histórico da cidade de Lagos, no Algarve,
que, face às contingências do seu mercado particular, conseguiram chegar a acordo
de forma a alterar os regimes horários de funcionamento, num quadro específico de
adaptabilidade que não necessita de ser igual ao do resto do país ou do sector.
Financiamento e governação empresarial
De uma forma geral, regista-se uma tendência para a flexibilização das estruturas
empresariais e para o desenvolvimento de novas formas, cada vez mais específicas,
de governação no seio dos sistemas produtivos (envolvendo teias de relações e
hierarquias entre empresas, e entre estabelecimentos, articulando-se ou não com
as características do meio envolvente). A lógica de investimento será relativamente
distinta em muitos destes casos, bem como as perspectivas de adaptabilidade daí
decorrentes. Em termos simplificados, sob o ponto de vista da lógica de
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 76
financiamento, podemos identificar, no mínimo, o conjunto de formas de
organização institucional (empresarial) que consta da tipologia apresentada no
quadro 2.20.
Quadro 2.20 Tipologia de formas de organização institucional tendo em consideração as
suas formas de financiamento
Tipos de entidades Dinâmicas em termos das lógicas de financiamento
Implicações em termos dos processos de adaptabilidade
Empresas de grande dimensão (nacionais ou multinacionais), maiores grupos económicos
Crescente a lógica de financiamento pelo mercado de capitais, com a consequente pressão para apresentação de resultados no exercício; lógica de rentabilização de activos, fomentando investimentos financeiros fora do core business
Aumento da capitalização bolsista (e necessidade de distribuição de dividendos) implica restrições ao nível da flexibilidade laboral e da indisponibilidade para a inovação e formação
Pequenas empresas na órbita dos grupos económicos, das grandes empresas públicas e privadas e das multinacionais (subcontratadas, franquiisadas, formas de hierarquias informais), etc.
Essencialmente alimentadas por capitais próprios, pelo crédito, ou pelo investimento, directo ou indirecto das empresas-“núcleo”; clara dependência (de mercado, tecnológica, de investimento) das entidades-núcleo
O crescimento (evidente) destas empresas e da sua (inter)dependência, via outsourcing e participações cruzadas de capital, por exemplo, traduz uma crescente flexibilização
Pequena empresa tradicional, com características familiares
Essencialmente alimentada por capitais próprios e por crédito bancário (ou outro); estratégia muito virada para o mercado
Aumento do endividamento dificulta adaptabilidade tecnológica e promove precarização de vínculos laborais (a pequena escala)
Pequeno trabalhador isolado, free-lancer, portfolio worker (empresas individuais e os verdadeiros “trabalhadores independentes”)
Mercado ou crédito, embora muitas vezes estejam dependentes de hierarquias informais, pelas estruturas de mercado (de clientes, fornecedores, etc.)
Grande receptividade a estratégias de adaptabilidade, mas ónus na protecção social (apoio centrado na carreira?)
Sector empresarial do Estado, empresas públicas ou participadas (a nível local ou central)
Lógica de financiamento crescentemente assente nas parcerias com o privado, ou mesmo privatizações totais
Implica adaptabilidade na gestão da estrutura de competências das empresas públicas
Administração pública e serviços públicos não (?) mercantis
Lógica de financiamento público, crescentemente sujeita a pressões para a contenção orçamental (e a todas as retóricas associadas ao peso do Estado na economia)
Pressão para externalização de funções e/ou precarização dos vínculos laborais; fraco incentivo à inovação no seio da instituição; incentivo à renovação da força de trabalho, através de antecipação de reformas
Empresas e outras instituições (ONG’s, etc.) essencialmente dependentes de assistencialismo, sob diversas formas (bens e serviços públicos, actividades subsidiadas)
Lógica de financiamento público crescentemente sujeita a pressões de contenção orçamental; crescente alimentação por fontes externas ao orçamento do Estado (nomeadamente fundos estruturais)
Pressão para um planeamento da actividade a mais curto prazo e uma gestão mais flexível
Outras instituições (ONG, associações, etc.), viradas para objectivos não mercantis
Financiamento por capitais próprios e pelo mercado; crescente importância do mecenato ou outras fontes de benefício fiscal; importância decrescente do financiamento público
Incentivo a uma certa inovação e “adaptabilidade” a nível organizacional
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 77
Não obstante a grande diversidade de situações de modelos de governação
empresarial, o modelo português poderá, em termos muito genéricos, ser
caracterizado pelo facto de estar fortemente baseado num tecido empresarial de
pequenas empresas familiares, cuja estrutura de financiamento assenta no claro
predomínio dos capitais próprios e do crédito bancário, e isto apesar de muitas
vezes estas serem discriminadas no acesso ao financiamento bancário.
Formas de financiamento
Em termos globais, para a generalidade do tecido empresarial (e empregador) do
país, e para além da disponibilidade de capitais próprios, destaca-se um peso
elevado e crescente do sector financeiro no financiamento das empresas, via
concessão de crédito, a que se junta, no caso das micro e pequenas empresas, de
algumas grandes e da própria Administração Pública, uma forma de financiamento
singular que consiste no recurso ao crédito sobre fornecedores, o qual se torna
particularmente relevante (e asfixiante para a sua actividade) em períodos de
recessão. O crédito concedido pelo sistema financeiro a empresas não-financeiras
subiu de cerca de 31% do PIB, em 1995, para 53%, em 2000, o que traduz um
claro aumento deste tipo de financiamento, baseado sobretudo no crescimento do
crédito de longa duração (ECB, 2002). O grau de endividamento das empresas não-
financeiras, segundo o Banco de Portugal, representava, em 2003, um valor de
94% do PIB, o que ilustra bem a dimensão do crédito na sua estrutura de
financiamento (Banco de Portugal, 2004). Note-se que uma parte significativa do
aumento do crédito bancário verificado nos anos mais recentes se associa à
necessidade de aquisição de activos financeiros relacionados com aquisições e
fusões, e com operações de IDE, no contexto de reestruturação de alguns grandes
grupos económicos nacionais.
A importância dos investidores institucionais (fundos de pensões, companhias de
seguros), por seu turno, é ainda relativamente fraca em comparação com outros
países europeus, mas claramente crescente nos anos recentes (passando de 19%
do PIB, em 1995, para 33%, em 2000 (ECB, 2002), sobretudo com o
desenvolvimento de esquemas de protecção social paralelos aos estatais.
A importância dos mercados bolsistas é igualmente fraca em comparação com
outros países, embora francamente crescente ao longo dos últimos anos.
Igualmente segundo dados do Banco Central Europeu (ECB, 2002), a dimensão do
mercado de acções em Portugal, medido pelo valor da capitalização bolsista, passou
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 78
de menos de 20% do PIB, em 1995, para cerca de 60%, em 199910 (ainda abaixo
de valor médio da área euro, de 88% do PIB em 2000).
O acesso ao capital de risco, por seu lado, tem tido uma expressão residual,
destacando-se o surgimento de sociedades e fundos diversos ao longo dos últimos
anos (SCR, fundos de capital de risco, fundos de reestruturação e
internacionalização empresarial, sociedades de desenvolvimento regional, etc.),
mas, no entanto, sem grande significado em termos de impacto. Outras
experiências têm permitido o financiamento a projectos de menor dimensão ou com
maiores riscos de sustentabilidade, sejam regimes de financiamento particulares
como o microcrédito, por exemplo, sejam medidas pontuais de apoio institucional
ao funcionamento de empresas em incubadoras empresariais ou ninhos de
empresas (suportando ou reduzindo-lhes temporariamente custos de
funcionamento e permitindo a obtenção de economias de escala conjuntas), entre
outras.
Formas de governação empresarial
A alteração profunda, sentida progressivamente ao longo dos últimos anos, no que
concerne à articulação (formal e informal) entre empresas, no sentido de uma
maior densificação dos sistemas input/output, com anéis mais ou menos dispersos
em termos de núcleos mais ou menos fortes, tem resultado numa crescente lógica
de integração, tanto a nível horizontal como vertical, dos agentes, no âmbito de
redes empresariais organizadas pelo mercado ou por diversas outras formas de
hierarquia, bem como no seio do desenvolvimento de processos de fusão ou de
concentração empresarial.
Estes movimentos, em sectores muito diversos, dão-se claramente no seio dos
principais grupos económicos e financeiros, mas igualmente em áreas dinâmicas da
economia, nos novos sectores e actividades em crescimento, com a afirmação e
desenvolvimento de empresas mais competitivas e inovadoras, de entre as muitas
que tentam explorar esses mercados nascentes.
Associado a este fenómeno está igualmente um crescimento claro das redes
cruzadas de participação no capital entre empresas, no seio de redes de pequenas
empresas relativamente autónomas, mas também, e sobretudo, no âmbito do
desenvolvimento de grupos empresariais de grande dimensão (de carácter
essencialmente privado mas, por vezes, igualmente centrados em torno de
10 Ou 56%, em 2000, num cenário de recessão financeira em toda a Europa.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 79
empresas (semipúblicas), permitindo esta estratégia desenvolver formas de
financiamento específicas.
É de destacar um peso significativo e crescente de novas lógicas de financiarização,
particularmente pela via da capitalização bolsista, a qual, não obstante o seu forte
desenvolvimento, regista em Portugal um valor ainda relativamente baixo (cerca de
56% do PIB), quando confrontado com os outros países europeus considerados
(quadro 2.21).
Quadro 2.21
Capitalização do mercado / PIB Fim de 2000
Alemanha 0,68
Espanha 0,95
França 1,09
Irlanda 0,77
Portugal 0,56
Fonte: ECB, 2002.
Neste contexto, e no que concerne à questão da adaptabilidade, destaca-se ainda a
importância significativa do factor grau de autonomia da gestão face ao capital
accionista, pois será claro o incentivo das empresas cotadas para adoptarem lógicas
que lhes permitam distribuir maiores dividendos (que possibilitem manter
capitalizações bolsistas elevadas), o que terá impactos claros nas estratégias de
flexibilidade (em particular em termos laborais), seja pelos efeitos directos na
redução de custos e riscos, seja pelo seu impacto nas convenções dominantes nos
mercados (os “sinais” que envia ao mercado bolsista respectivo…). Esta tem sido
um vertente muito visível no nosso país, com uma articulação estreita entre os
resultados bolsistas de algumas grandes empresas e grupos e o anúncio de cortes
substanciais ao nível dos recursos humanos respectivos, por exemplo.
A crescente divergência entre as lógicas de gestão e as lógicas de rentabilização
dos investimentos na esfera accionista é igualmente manifesta, no caso português,
através de uma tendência para o incremento da concentração hostil, a qual tem
amplo espaço para se desenvolver no caso das empresas cotadas em mercados
bolsistas.
A informalidade
O aproveitamento de reservas de mão-de-obra excedentárias têm desempenhado
um papel importante na sustentação do crescimento de algumas empresas
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 80
(particularmente em alguns ramos em grande desenvolvimento, como a construção
civil ou a actividade turística), permitindo reduzir o custo de trabalho e suportar
artificialmente o crescimento económico (e o financeiro, visível nos resultados
líquidos…) de algumas empresas ou sectores.
Há ainda que destacar o papel que as estruturas familiares desempenham no
financiamento da actividade empresarial. Para além, obviamente, da canalização de
poupanças pela via do investimento, destaca-se que, em termos do papel da
família, este é indirectamente significativo igualmente por outros dois grandes
motivos: por um lado, pela sua contribuição através do trabalho familiar não
remunerado (o qual é muito diferenciado consoante o tipo de actividade, mas
assume relevância significativa em actividades como a agricultura ou a pequena
actividade comercial a retalho, por exemplo); por outro lado, ainda através de uma
outra situação típica em Portugal, que se relaciona com a sustentação económica
artificial de algumas actividades através do trabalho informal, complementar, que é
exercido a tempo parcial (e a titulo particular) pelos seus trabalhadores, numa
lógica de produção (sobretudo agrícola) para complemento da subsistência familiar,
a qual permite a manutenção de salários extremamente baixos nessas actividades.
A presença do Estado
No que concerne à presença do Estado, esta é ainda relativamente importante na
economia, particularmente pelo papel estratégico (embora nem sempre maioritário)
que o Estado continua a deter em algumas grandes empresas. Desenvolvem-se
parcerias entre sector público e privado, com as mais diversas soluções
institucionais, que vão desde as semiprivatizações de empresas públicas, à
constituição de empresas públicas com formas de gestão privadas, à formação de
associações, fundações ou diversos outros tipos de entidades associando estes e
outros agentes, etc. Tanto a nível nacional, como num âmbito local ou regional,
desenvolve-se todo um conjunto de novas instituições, mais ou menos casuísticas,
que formalizam estas parcerias (desde empresas públicas a nível municipal, a
centros tecnológicos ou a agências de desenvolvimento regional, por exemplo).
Mas, mais do que isso, a relevância do Estado no financiamento empresarial passa
pela assistência e o subsídio a vastos sectores da actividade económica, seja pela
via do fornecimento ou da subvenção à provisão de bens públicos, seja através do
apoio concedido, no âmbito de diversas outras políticas sectoriais, a várias outras
actividades (por exemplo, política agrícola comum, política de transportes, política
de desenvolvimento regional, etc.). Os fundos comunitários, e em particular os
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 81
associados à política de coesão comunitária, têm desempenhado aqui um relevante
papel nas duas últimas décadas, mas a sua importância (ainda que indirecta) no
financiamento das actividades empresariais irá necessariamente diminuir nos
próximos anos.
Há ainda que destacar o reduzido papel que desempenham em Portugal outros
tipos de instituições que noutros países preenchem um lugar importante no
financiamento de alguns sectores económicos mais específicos. É o caso do
chamado “terceiro sector”, que integra fundações ou outras organizações com
carácter não lucrativo, e que podem ter uma relevância fundamental no
financiamento de determinados sectores – em geral muito ligado à substituição ou
complemento da actividade do Estado na satisfação do interesse público – (p. e.,
com um papel fulcral em sectores como a cultura, o desporto, a economia social ou
a reabilitação urbana).
Protecção Social
Portugal combina, como tem vindo a ser o caso na maioria dos países da Europa
continental, esquemas bismarckianos de protecção social, baseados no estatuto
ocupacional dos cidadãos, com esquemas de rendimentos universalistas (pensões
sociais, velhice, invalidez e rendimento mínimo garantido). Estes últimos
esquemas, associados à assistência social, desempenham um papel extremamente
importante na luta contra a pobreza e a exclusão social, e abarcam um número de
beneficiários muito significativo. Todavia, os montantes das transferências
monetárias em que estes esquemas se traduzem são notoriamente baixos e
mantêm os beneficiários sempre abaixo do limiar da pobreza (fixado por convenção
em 60% do rendimento mediano).
A preponderância que assume ainda em Portugal o acesso à protecção social em
função das contribuições, combinada com a fragilidade da rede pública de serviços
sociais e o crescimento das instituições privadas, fazem com que uma das
características principais do sistema de protecção social em Portugal seja a
reprodução, nas esferas extraprofissionais da vida, das desigualdades existentes na
esfera do trabalho. A sociedade portuguesa encontra-se, assim, fortemente
segmentada. A desigualdade de distribuição do rendimento é, de longe, a mais
elevada de todos os países da OCDE, em geral, e de todos os países da UE, em
particular. Ao contrário da maioria dos países, em que o nível de desigualdade
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 82
diminuiu, a situação em Portugal permaneceu a mesma entre 1995 e 2002 (quadro
2.22).
Quadro 2.22 Desigualdade na distribuição do rendimento
(rácio entre o rendimento dos 20% da população com maior rendimento e o dos 20% da população com menor rendimento)
1995 2003
Alemanha 4,6 4,3
Espanha 5,9 5,1
França 4,5 3,9
Irlanda 5,1 4,5
Portugal 7,4 7,4
Suécia 3,0 3,3
UE 15 5,1 4,5
UE 25 - 4,5
Notas: (1) UE15 (1995) – estimativa do Eurostat. (2) UE15 e UE25: 2001 em vez de 2003 (estimativas do Eurostat). (3) Suécia: 1997 em vez de 1995. (4) França e Suécia: 2002 em vez de 2003 (estimativas do Eurostat); quebra na série em 2002. (5) Irlanda: 2001 em vez de 2003. Fonte: Eurostat – Indicadores Estruturais.
O financiamento do sistema de protecção social provém predominantemente das
contribuições patronais, baseadas nos custos salariais, e das contribuições dos
trabalhadores, apesar da legislação e regulamentação mais recente prever outras
fontes de financiamento, nomeadamente fiscal.
Protecção no desemprego
As taxas de substituição do rendimento proporcionadas pelo subsídio de
desemprego em Portugal são das mais altas de todos os países da OCDE e a
duração do direito ao subsídio também é relativamente elevada11, sobretudo para
os desempregados mais idosos. O facto destes subsídios, além disso, serem isentos
de impostos e contribuições para a segurança social, pode fazer aumentar o risco
de desincentivo ao trabalho – sobretudo dos trabalhadores menos qualificados – e,
sobretudo, de encorajamento do trabalho não-declarado.
Em contrapartida, os critérios de elegibilidade para a atribuição do subsídio de
desemprego são bastante selectivos, o que leva a que a maioria dos
desempregados não tenha acesso ao subsídio (jovens, trabalhadores com contrato
11 Sobretudo quando se tem também em conta o subsídio social de desemprego.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 83
precário que não reúnem as condições de acesso, trabalhadores com história curta
de contribuição, entre outros). Assim, os esquemas de protecção no desemprego
tendem a beneficiar os grupos profissionais à partida mais protegidos.
Políticas activas de emprego
Os poderes públicos têm vindo a promover políticas activas de emprego, com
algum sucesso no que diz respeito à prevenção do desemprego de longa duração.
Mas essas políticas têm beneficiado sobretudo os jovens e os menos
desfavorecidos. Em Portugal, como noutros países da UE, as medidas de activação
dos desempregados têm-se revelado incapazes de atingir os trabalhadores menos
qualificados. A única forma de ajudar esses trabalhadores e de prevenir a sua
exclusão social parece ser uma intervenção enquanto estão ainda no emprego,
através da melhoria da qualidade dos seus empregos (Gallie, 2000) e do acesso à
formação quando ainda se encontram a trabalhar12.
Working-poor em Portugal
O bem-estar dos cidadãos portugueses assenta, assim, em grande parte, numa
participação intensa no mercado de trabalho. Mas essa participação caracteriza-se,
como já foi dito, por fortes desigualdades, já que a percentagem de working-poor
em Portugal (ou seja, indivíduos que, mesmo trabalhando, não auferem
rendimentos acima do limiar da pobreza) é das mais elevadas dos países da UE.
Sendo que os trabalhadores de baixos salários beneficiam de baixos níveis de
protecção social, e que a rede pública de serviços sociais é deficiente, pode inferir-
se que as desigualdades sociais, com particular incidência para as mulheres, não
saem diminuídas da participação ao mundo do trabalho. Esta permite tão-somente
diminuir os níveis de pobreza. Importa para o efeito analisar dois factores: a
eficiência da acção retributiva e a eficiência das medidas e dos regulamentos.
Enquanto que, na maioria dos outros países, em 1995, o risco de pobreza depois
das transferências sociais diminuía de cerca de 10 pontos relativamente à situação
antes das transferências, em Portugal esse risco só diminuía 4 pontos. A situação
melhorou em 2002 (enquanto a “eficiência” da redistribuição nos outros países
piorava), mas o impacto da redistribuição permanece inferior em Portugal ao dos
outros países e o risco de pobreza permanece mais elevado (Quadro 2.24).
12 Como descrito no capítulo sobre formação profissional, a maioria da formação profissional promovida em Portugal tem envolvido sobretudo pessoas ainda não inseridas no mercado de trabalho. Por outro lado, os activos que beneficiam de formação são sobretudo os trabalhadores mais qualificados.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 84
Quadro 2.24 Taxas de risco de pobreza (%)
Taxa de risco de pobreza antes das transferências sociais13
Taxa de risco de pobreza depois das transferências
sociais14
1995 2003 1995 2003
Alemanha 22 24 15 15
Espanha 27 22 19 19
França 26 26 15 12
Irlanda 34 30 19 21
Portugal 27 26 23 19
Suécia - 17 8 11
UE 15 26 24 17 16
UE 25 - 24 - 15 Notas: (1) Taxa de risco de pobreza antes das transferências sociais:
- UE15 e EU25: 2001, em vez de 2003 (estimativas do Eurostat); - França (quebra na série) e Suécia: 2001, em vez de 2003; - Irlanda: 2001, em vez de 2003. (2) Taxa de risco de pobreza depois das transferências sociais: - UE15 e UE25: 2001, em vez de 2003 (estimativas do Eurostat); - Suécia: 1997, em vez de 1995; 2001, em vez de 2003 (quebra na série em 2001); - França: 2002, em vez de 2003; - Irlanda: 2001, em vez de 2003.
Fonte: Eurostat – Indicadores Estruturais.
Quanto à eficiência das medidas e dos regulamentos, os analistas concordam em
afirmar que existe, em Portugal, uma utilização instrumental dos esquemas de
substituição do rendimento e das medidas públicas, quer pelos agentes do Estado,
quer pelos seus beneficiários. Às apropriações particulares dos recursos do Estado
junta-se o clientelismo político. É também largamente conhecido que muitas
empresas portuguesas não cumprem as suas obrigações, quer em termos de
contribuições ou outros deveres sociais, quer em termos fiscais. O desenvolvimento
da economia informal desempenha, aliás, um papel crucial na sustentabilidade de
certos sectores da economia, cuja competitividade está baseada em baixos salários.
13 Segundo o Eurostat, a taxa de risco de pobreza antes das transferências sociais é a percentagem de pessoas com um rendimento disponível, antes de transferências, abaixo do limiar de pobreza, o qual é fixado em 60% do rendimento disponível mediano do país (depois das transferências). As pensões de reforma e de sobrevivência são contadas como rendimento antes das transferências e não como transferências sociais. 14 Segundo o Eurostat, a taxa de risco de pobreza depois das transferências sociais é a percentagem de pessoas com um rendimento disponível abaixo do limiar de pobreza, o qual é fixado em 60% do rendimento disponível mediano do país
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 85
Complementaridades e elementos de bloqueio institucional
Nas últimas três décadas Portugal conheceu: a) uma convergência com os países
mais avançados, em termos não apenas de riqueza por habitante, mas no domínio
dos indicadores sociais mais expressivos (esperança de vida, indicadores de saúde
e de conforto, equipamentos disponíveis, etc.); (b) uma evolução no sentido da
convergência com a média da UE num conjunto de domínios críticos (especialização
produtiva, níveis educativos médios, capacidade de I&D em infra-estruturas e
recursos humanos, taxa de penetração das novas tecnologias); (c) a emergência de
“pólos de excelência” (empresas, redes, instituições intermédias e unidades de
I&D), normalmente voltadas para o exterior e inseridas em redes internacionais.
No entanto, num conjunto de domínios importantes persistem fragilidades que
condicionam a competitividade da economia portuguesa e a sua capacidade de
resposta às pressões decorrentes das mudanças na envolvente internacional (ver
síntese por domínio institucional no Quadro A.1 do Anexo). As comparações com
países que partilham com Portugal o espaço da UE tornam manifestas as
dificuldades da convergência.
As divergências relativamente ao nosso espaço de integração são produto de uma
trajectória de industrialização tardia, baseada nas vantagens comparativas
decorrentes de diferenciais significativos nos custos salariais. Este processo
transformou o país numa plataforma manufactureira habitada por uma miríade de
pequenas e médias empresas industriais, inseridas de forma periférica (via
subcontratação de actividades de fraco valor acrescentado) em redes internacionais
de produção e distribuição.
Em consequência da transição democrática, que coincidiu com a crise dos anos 70,
e da alteração do balanço de forças sociais e políticas que originou, estabeleceram-
se em Portugal um conjunto de direitos há muito consagrados nos “Estados sociais”
da Europa, mas até então inéditos em Portugal. Em vastos domínios – trabalho,
protecção social, educação, saúde – o país transitou, pelo menos formalmente, e
em grande parte efectivamente, para um patamar de desenvolvimento superior.
No entanto, a progressiva efectivação destes direitos teve sempre de enfrentar as
resistências provenientes da instalação no terreno de um sistema produtivo cuja
viabilidade e capacidade de gerar emprego dependia de factores que colidiam com
o exercício pleno dos direitos consagrados. Sob a ameaça permanente de falências
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 86
ou deslocalizações, a “realidade” do sistema produtivo foi, durante décadas,
encontrando formas de se impor, alimentando-se quer de desvalorizações cambiais,
quer da “informalidade”, quando não da ilegalidade tolerada. Mais recentemente, o
recurso à imigração (de preferência clandestina), combinada em muitos sectores
com outras formas atípicas e precárias de emprego, avulta entre os mecanismos
que têm permitido adiar a reconversão.
Em contrapartida, e naquilo que surge como um movimento de dualização, em
alguns sectores mais organizados e protegidos da ameaça de desemprego, foi
possível ir fazendo prevalecer alguns dos direitos legalmente instituídos.
Do contraste entre direitos formalmente proclamados, com prevalência em sectores
protegidos, e práticas de informalidade generalizadas e oficialmente toleradas,
decorre uma perda de legitimidade do Estado e da lei, que se constitui em incentivo
a uma ainda maior e mais generalizada banalização da “informalidade”.
De facto, a “adaptabilidade” de grande parte do tecido empresarial português tem
sido fundada na “informalidade”, isto é, no incumprimento tolerado do
enquadramento regulamentar das relações de trabalho e na instrumentalização dos
esquemas de protecção social, utilizadas muitas vezes como complemento de
baixos rendimentos do trabalho.
É hoje finalmente consensual que o regime de acumulação intensivo em mão-de-
obra pouco qualificada e barata deixou de ser viável, e é o principal responsável
pelas dificuldades de convergência que o país tem sentido de forma mais nítida nos
últimos anos.
Ao mesmo tempo que novos países estão num processo de rapidíssima
industrialização, crescimento e posicionamento nos mercados externos, os países
avançados encetaram sérios esforços para ascender a um regime de crescimento
baseado em factores radicalmente novos – a economia baseada no conhecimento e
na aprendizagem. Entre estes dois mundos, o “cerco” tem claramente vindo a
apertar-se para Portugal.
Mas a transição para um novo regime mais intensivo em capital humano, tecnologia
e conhecimento tem sido dificultada pelo peso do lastro do passado, presente na
estrutura produtiva e nas atitudes, valores e comportamentos dos agentes.
A análise das principais complementaridades institucionais (ver quadro A.2 no
Anexo) ajuda a compreender os principais mecanismos envolvidos:
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 87
o a especialização produtiva baseada em fraca incorporação de tecnologia e
produções rotinizadas torna o investimento em capital humano, sobretudo por
parte das empresas, supérfluo; por outro lado, a escassez de procura e a
incerteza de valorização de qualificações mais elevadas desincentiva os
trabalhadores de investirem em formação e leva-os a dirigir o esforço para a
aquisição de competências gerais, susceptíveis de apoiar percursos de
mobilidade social ascendentes; a escassez de qualificações faz de Portugal uma
localização pouco atractiva para investimentos qualificantes;
o os baixos níveis de escolaridade reduzem a eficácia da formação dirigida aos
que dela mais necessitam, desviando os meios e os recursos disponíveis para a
formação em benefício dos mais jovens e escolarizados;
o a precariedade dos vínculos trabalhador-empresa e a debilidade dos esquemas
de substituição de rendimento dos menos qualificados e dos mais jovens
desincentiva-os de investirem na formação profissionalizante e na formação ao
longo de vida,
o a inserção periférica das PME industriais (via subcontratação), em redes de
produção e comercialização multinacionais, dispensa a colaboração inter-
empresas e favorece a atomização. Em consequência:
• o investimento público em I&D, que só poderia ser acompanhado pelas
empresas no quadro de redes de colaboração, tende a produzir pólos
isolados ou, no melhor dos casos, voltados para o exterior;
• a formação dos trabalhadores no interior das empresas é dificultada pela
reduzida escala dimensional e pelo tipo de gestor e de gestão
predominante;
• as débeis capacidades de gestão, decorrentes da frágil preparação
escolar e profissional dos proprietários/gestores, não são renovadas nem
reforçadas com a integração de quadros qualificados;
• a integração das empresas e dos trabalhadores em organizações
associativas é difícil, e a representatividade e capacidade negocial fracas;
em alternativa à procura conjunta de soluções negociadas para
problemas comuns, as organizações associativas tendem a privilegiar
funções de representação política e de reivindicação junto dos poderes
públicos; as práticas de relacionamento laboral defensivas,
caracterizadas por uma combinação da negociação política, no topo, com
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 88
um vazio comunicacional, na base, dificultam a invenção de soluções
institucionais equilibradas e efectivas;
o a segmentação do mercado de trabalho, expressa no contraste entre o vazio
regulamentar de novas formas de trabalho (designadas frequentemente de
prestação de serviços) e o detalhe jurídico que envolve o contrato de trabalho,
favorece a expansão da zona franca de desprotecção e incentiva estratégias de
informalidade;
o a predominância dos princípios de organização tayloristas (e, mesmo de formas
de organização pré-tayloristas, baseadas no casuísmo e na improvisação,
sobretudo nas empresas pequenas e muito pequenas que constituem a
esmagadora maioria das empresas portuguesas) reforça o dualismo das
qualificações, reduz a eficácia da formação e impede a mobilização e
desenvolvimento dos recursos cognitivos dos trabalhadores;
Bloqueio institucional: factores críticos
A trajectória de industrialização prosseguida, e artificialmente prolongada,
consolidou elementos da estrutura produtiva e institucional que hoje se constituem
como factores de bloqueio do processo de reconversão.
A análise precedente convida a pensar que os principais elementos de bloqueio, em
torno dos quais se devem centrar as respostas concertadas dos actores sociais e
dos poderes públicos, podem ser resumidos em cinco factores críticos: a)
qualificação dos recursos humanos; b) informalidade; c) cooperação inter-
empresas; d) relações laborais; e e) capacidade de inovação.
Qualificação dos recursos humanos
As comparações internacionais mostram que o problema das qualificações diz
respeito ao conjunto da população portuguesa – quer aos trabalhadores, quer aos
empresários.
A complementaridade entre a estrutura do sistema produtivo e os níveis educativos
e de formação, acima diagnosticada, corresponde a uma situação característica de
reforço mútuo cumulativo: as exigências do sistema produtivo em mão-de-obra e
capacidade de gestão qualificada são limitadas e as qualificações escasseiam; ao
mesmo tempo, a escassez de qualificações constitui-se como entrave ao
investimento qualificante. O investimento realizado pelo Estado, nos últimos anos,
nos sistemas de educação e formação não é despiciendo, e não poderá deixar de
dar alguns frutos a prazo. No entanto, as dificuldades de emprego e de valorização
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 89
profissional experimentadas pelos detentores de níveis de qualificação mais
elevados são um sintoma de que a dinâmica da oferta de qualificações não está a
ser acompanhada por igual dinâmica da procura.
A emergência e reforço de um novo tipo de empresariado, mais qualificado, será
também um resultado, e é simultaneamente uma condição de sucesso, de uma
estratégia de qualificação global, exigindo actuações públicas específicas.
Informalidade
A expansão da informalidade, entendida nos termos da OCDE como emprego que
se exime aos impostos, contribuições para a segurança social e ao cumprimento da
legislação laboral, é uma modalidade de “adaptabilidade” prenunciadora do pior dos
cenários. A combinação de produção legislativa exigente com o incumprimento
mais ou menos generalizado, numa “cultura da informalidade” em que ilegalidade,
tolerância, corrupção e ineficácia dos mecanismos de controlo e imposição se
confundem muitas vezes, e se alimentam mutuamente, pode, como afirma a OCDE
(2004), “bloquear a economia num baixo nível de desenvolvimento”.
A associação muito frequente entre informalidade e rigidez da regulamentação,
podendo em alguns casos ser justificada, tende não só a legitimar a própria
ilegalidade, como a fazer perder de vista a razão de ser da regulamentação e da lei.
Em alternativa, e como recomenda a OCDE, a criação de condições favoráveis a
uma transição gradual, de longo-prazo, para a economia formal passa por um
esforço simultâneo de reforço das sanções e de revisão da regulamentação
deficiente.
Cooperação inter-empresas
A cooperação inter-empresas que depara com maiores resistências é a de tipo
formal. Apesar de indícios de uma importante cooperação informal, os empresários
portugueses parecem resistir ao associativismo. As tentativas de explicações em
termos de “mentalidades” ou de “cultura” são manifestamente insuficientes. Muitos
empresários, sobretudo os de pequenas empresas, parecem representar a
cooperação como uma “violação da intimidade”. Cooperação pressupõe alguma
partilha de informação e nem sempre a informação que se procura reservar diz
respeito a “segredos de fabrico” legítimos. A existência de um nexo entre, por um
lado, atomização, empresarialidade “patriarcal”, aversão à cooperação formal e
práticas de informalidade, por outro, é tanto mais plausível quanto parece ter
paralelo em regiões (como o a Itália do Sul) que partilham com Portugal algumas
características institucionais.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 90
Além disso, muitas empresas dos sectores tradicionais inserem-se em cadeias de
produção e distribuição internacionais, como folhas na extremidade de longos
ramos. Podem coabitar no mesmo espaço geográfico e fornecer inputs à mesma
rede, mas não desenvolvem, nem sentem necessidade de desenvolver, qualquer
tipo de relação formal entre elas.
Relações laborais
A visão da flexibilidade como uma necessidade das empresas, e da segurança como
uma necessidade dos trabalhadores, é enganadora.
As empresas fordistas retiraram tantas ou mais vantagens da segurança quanto os
trabalhadores. O contexto mudou e as empresas do mundo globalizado parecem
enfrentar hoje pressões contraditórias. Estão sujeitas, por um lado, a novas
exigências de accionistas voláteis, no sentido de uma flexibilidade extrema na
gestão da mão-de-obra que lhes permita responder prontamente às variações da
procura, sendo levadas a procurar “transformar custos salariais em custos
variáveis”. Mas continuam, por outro, a sentir a necessidade de fidelizar os seus
trabalhadores (ou parte importante dos seus trabalhadores), de forma a mobilizar a
sua motivação e conhecimento tácito, garantindo, ao mesmo tempo, os frutos dos
investimentos em capital humano. Ao mesmo tempo que se pretendem flexíveis, as
empresas procuram cultivar ambientes de cooperação. A compatibilização de
relações laborais “líquidas”, isto é, facilmente revertíveis, com confiança mútua, é,
evidentemente, problemática.
Por outro lado, a necessidade de segurança não é vivida da mesma forma por todos
os trabalhadores. Para alguns deles, detentores de competências muito valorizadas
no mercado, o estabelecimento de vínculos de exclusividade com empresas não é
desejável. São eles os interessados, pelo menos enquanto as suas competências
não se tornam obsoletas, na prevalência de “relações de serviço líquidas”.
As estratégias orientadas para a desregulamentação das relações de trabalho
pressupõem que é sempre preferível deixar a cargo da direcção das empresas a
gestão da tensão existente entre flexibilidade e segurança, removendo na medida
do possível os obstáculos institucionais à flexibilidade. Ignoram o agravamento de
riscos sistémicos que podem resultar da generalização da gestão individual dos
riscos, com externalização dos custos de ajustamento para a sociedade. Grande
parte dos riscos que um contrato de trabalho envolve para o empregador é
externalizada quando os custos da ruptura do contrato para a empresa são
removidos. A redução dos “custos de transacção” na relação de trabalho facilita
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 91
sem dúvida a decisão de contratar. Mas a externalização desses custos quando
ocorre em contexto recessivo, transforma-se facilmente, por efeito de composição
entre as múltiplas decisões descentralizadas, em agravamento do risco sistémico,
sob a forma de quebra da procura agregada, ou de sobrecarga sobre os sistemas
de protecção social.
As instituições que enquadram as relações de trabalho desempenharam, no
passado, o seu papel no controlo dos riscos sistémicos. O contexto mudou, mas
nada indica, antes pelo contrário, que instituições capazes de desempenhar o
mesmo papel tenham deixado de ser hoje necessárias.
A criação de vazios institucionais – esvaziamento da legislação de protecção do
trabalho, enfraquecimento das organizações representativas e da negociação,
degradação da confiança e redução da participação dos trabalhadores nas empresas
– e a generalização de práticas de flexibilidade numérica, constituem-se como um
factor de agravamento dos riscos sistémicos. Dificultam, além disso, a adopção de
modelos organizacionais, baseados na cooperação e na confiança e, portanto, mais
produtivos e mais favoráveis à inovação. Não é, portanto, apenas por razões de
equidade que o diálogo social, a negociação e a participação dos trabalhadores são
factores críticos na transição institucional que estamos a viver.
Capacidade de inovação
A transição para um novo regime de acumulação depende de forma crítica do
reforço da capacidade de inovação das empresas. Sendo evidente que a existência
de uma infra-estrutura de I&D suficientemente desenvolvida condiciona essa
transição, a evolução recente em Portugal, marcada pelo desfasamento entre a
dinâmica das instituições de investigação e o esforço de inovação das empresas,
sugere que, mais uma vez, o problema principal se situa do lado da procura.
A inovação ocorre nas empresas por pressão da concorrência, como resposta ao
agravamento de custos (inclusive salariais) ou perda de condições de acesso a
rendas especulativas e outras. Pressupõe empresários e trabalhadores capacitados
e uma estrutura social que garanta oportunidades aos indivíduos mais dotados para
o empreendimento, independente da esfera – pública, privada, associativa – de
actividade, sendo que na esfera privada o acesso a capitais é determinante.
Mas as oportunidades não são ditadas só pelo acesso a capitais. A sociedade
portuguesa, apesar da notável transformação dos últimos trinta anos, é ainda
muito estratificada, e as oportunidades são ainda condicionadas mais pelo stock de
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 92
“capital político e social” de cada individuo, do que pelo seu acesso a capital e pelas
suas competências como empreendedor.
Esta elencagem de factores críticos orientou a fase final deste estudo. Nela se
confrontaram um conjunto de actores com os desafios implicados em cada um
destes aspectos, de forma a caracterizar a sua atitude e descortinar a respectiva
resposta estratégica. Partindo do princípio que é da acção e da interacção dos
actores que resultaram as novas configurações institucionais, essa etapa precedeu
a reflexão prospectiva e a formulação de implicações em termos de políticas e
actuações públicas.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 93
Atitudes, estratégias e visões do futuro
A análise dos depoimentos de actores recolhidos em entrevistas realizadas durante
o mês de Junho de 2005 induz uma constatação relativamente inesperada1: os
actores sociais coincidem numa visão do futuro a médio prazo, partilham um
diagnóstico e convergem nos traços gerais de uma estratégia nacional. Este
consenso é recente na sociedade portuguesa, parece ser genuíno e deve ser
assinalado e valorizado. Ao mesmo tempo são evidentes as dificuldades na sua
tradução em convergência na acção.
Partindo da constatação desta convergência, procura-se na primeira parte deste
capítulo identificar os obstáculos que dificultam a tradução dos consensos em acção
colectiva, ou pelo menos concertada. A atenção desloca-se então para as
diferenças, com uma caracterização das atitudes face à mudança, dos valores e das
divergências estratégicas.
Baseada nesta análise dos jogos de actores, a reflexão prospectiva que se
apresenta na última parte do capítulo, tem como objectivo definir cenários e
clarificar a orientação normativa subjacente ao quadro de referência para a
actuação pública sugerido neste estudo.
Diagnóstico comum Implícita no diagnóstico dos actores está uma visão semelhante do futuro. Os
actores coincidem na crença de que, pelo menos no curto e médio prazo, os
processos de integração económica europeus e mundiais não vão sofrer qualquer
1 Os resultados apresentados neste capítulo baseiam-se em quinze entrevistas realizadas com portavozes de associações empresariais, confederações patronais, confederações sindicais, comissões de trabalhadores, directores de recursos humanos de empresas e quadros administração pública (ver lista completa nos agradecimentos). As inferências contidas neste capítulo devem ser tomadas com as precauções que uma pequena “amostra” impõe.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 94
retrocesso ou inflexão e pelo contrário vão aprofundar-se na direcção até agora
prevalecente.
Daí decorre a percepção de um “esgotamento do modelo de desenvolvimento
português” – uma fórmula originalmente avançada por especialistas e depois
popularizada pelos media. A ideia consensual é a do esvaziamento das vantagens
comparativas tradicionais de Portugal, baseadas em custos salariais relativamente
baixos, com a decorrente perda irreversível de competitividade das empresas
típicas dos sectores tradicionais: o diferencial dos custos salariais reduziu-se em
consequência do processo de convergência e a moeda única inviabilizou as
estratégias cambiais proteccionistas; o alargamento da União Europeia introduziu
na arena da concorrência-preço nos mercados externos e internos, e da
concorrência pelo IDE, novos competidores; por fim, a crescente abertura ao
exterior da EU, acompanhada da entrada de novos jogadores na economia global,
abateu as ilusões que pudessem restar quanto à viabilidade de uma
competitividade baseada em mão-de-obra barata.
A percepção destas tendências como “desafios” é recente2 mas parece ser genuína.
Dela decorre, como esboço de uma resposta estratégica do país e das empresas, a
percepção da necessidade (e da urgência) de uma dupla qualificação: o
crescimento quantitativo deveria dar lugar a um crescimento qualitativo baseado,
por um lado, na qualidade do produto e do serviço, na inovação de processo e de
produto, na melhoria da gestão e, por outro, na qualificação da mão-de-obra, com
melhoria do sistema educativo e investimento em formação profissional.
O cenário implícito de reforço da integração económica mundial, o diagnóstico de
“esgotamento do modelo de desenvolvimento” e a aposta estratégica na
qualificação são efectivamente consensuais, de tantas vezes repetidos tornaram-se
lugares comuns.
Por que razão parece então ser tão difícil traduzir a visão consensual em acção
colectiva, ou concertada?
É possível que o consenso seja demasiado precário, ou em alguma medida
encenado, escondendo uma diversidade de interpretações quanto às causas mais
profundas de esgotamento do “modelo de desenvolvimento” (Figueiredo, 2005). No
2 Até há bem pouco tempo muitos empresários das empresas tradicionais e muitos trabalhadores acreditavam que os pré-avisos dos especialistas eram “previsões catastrofistas” desmentidas pelos factos. Na realidade, graças às desvalorizações cambiais, primeiro, e a incentivos e apoios diversos, depois, os “factos”, sob a forma de rendimento dos empresários pareciam desmentir os “profetas da desgraça”.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 95
entanto, a interpretação que fazemos admite que o consenso é genuíno e procura
as razões da dificuldade de tradução em acção concertada nas diferentes atitudes
face à mudança, valores e estratégias.
Atitudes face à mudança e valores
É possível identificar três tipos de atitude face à percepção da aceleração das
mudanças na envolvente – a “adaptativa”, a “aristocrática”, e a “de resistência” –
que atravessam as identidades tradicionais, convivem no interior dos mesmos
grupos sociais e coabitam por vezes no discurso de um só indivíduo.
A atitude adaptativa caracteriza-se por aceitar as mudanças na envolvente como
“dados” – tendências inelutáveis, imunes à acção dos indivíduos, das organizações
e dos países. “A pior coisa”, afirmava um dos entrevistados, “é negar os factos,
porque enquanto se negar os factos não se faz nada para os ultrapassar”. Quanto à
forma de “ultrapassar os factos” a atitude é competitiva. Como dizia outro
entrevistado é preciso “trabalhar bem... trabalhar cada vez melhor e vencer as
resistências”. Esta atitude envolve a atribuição da resistência à mudança a défices
de capacidade – “quanto mais baixa a formação, normalmente maior resistência há
à mudança”. A resistência é considerada irracional: “em altura de mudanças as
pessoas reagem às mudanças, mesmo que as mudanças não as afectem tanto
quanto elas antecipam no seu imaginário”.
Encontrando-se sobretudo em empresas e indivíduos “de sucesso”, este tipo de
atitude não é característica apenas de gestores, engenheiros e outros quadros
superiores. É possível encontrá-la mesmo entre trabalhadores qualificados e
representantes destes trabalhadores muito identificados com a empresa. Esta
atitude é pró-activa, está claramente relacionada com capacidades individuais e a
consciência e confiança nessas capacidades. Está associada a uma ética
concorrencial (ou meritocrática). Tende a sobrepor considerações de eficiência à
equidade. Mobilizando todas as energias individuais, deixa pouco espaço para a
consideração “de outros”, menos bem equipados para a mudança. A dissonância
moral resultante é muitas vezes resolvida responsabilizando os menos capacitados
pela situação de vulnerabilidade em que se encontram.
A atitude “aristocrática” aflora, por vezes, em algum discurso patronal sob a forma
de elogio às capacidades próprias e de responsabilização dos “outros” pelas
dificuldades ou insucessos. A atitude envolve a crítica sistemática aos
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 96
trabalhadores, aos sindicatos, ao estado e à administração pública (e mesmo aos
outros empresários) e a defesa de um cenário idílico em que a liberdade de
empreender “dos melhores” não seria entravada pelas instituições, sendo antes
activamente apoiada pelos recursos e políticas públicas. O “aristocrata” considera-
se detentor de direitos especiais, merecedor de privilégios por força da sua
propriedade. Nesta perspectiva, as pressões provenientes das mudanças na
envolvente não suscitam a necessidade de modificar as próprias estratégias ou
comportamentos, sendo antes encaradas como uma oportunidade para obter um
reforço de poder que independentemente destas mudanças já seria desejado.
A atitude “aristocrática” mobiliza e recicla valores ancestrais na sociedade
portuguesa. É uma espécie de “miguelismo burguês”, desenvolvido à sombra da
protecção e da instrumentalização do estado. Pressupondo a naturalização da
desigualdade, tende a escandalizar-se com a democratização do acesso aos bens
públicos e privados conquistado na sociedade portuguesa nos últimos trinta anos.
Conta com a submissão resignada e pode nesse sentido assumir formas
paternalistas.
A atitude de “resistência” procura adiar os impactos mais negativos das mudanças
na envolvente ou evitá-los. É mais frequente em meios laborais e sindicais,
interpreta as tendências como um episódio de refluxo histórico e perspectiva a sua
actuação na óptica da salvaguarda de direitos. Está dilacerada entre uma
flexibilidade táctica que aceita participar no jogo negocial, podendo estar disposta a
aceitar cedências que consolidem a sua posição de “parceiro negocial”, e uma
“firmeza de princípios” que tende a encarar a legislação do trabalho e outra
regulamentação, tal como existe, como a única rede de protecção possível. Num
contexto negocial desfavorável, a escolha entre qualquer das vias apresenta-se
difícil.
Convergência e divergência na percepção dos factores críticos
A análise dos depoimentos dos actores a respeito dos factores críticos acima
identificados permite identificar um conjunto de convergências e divergências em
torno das quais se desenrola o jogo estratégico.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 97
Qualificação dos recursos humanos
Os actores são unânimes em atribuir aos baixos níveis de qualificação da população
activa portuguesa (trabalhadores e empresários) grande parte da responsabilidade
pelos baixos níveis de produtividade, competitividade e capacidade de inovação das
empresas. Comentários tendentes a desvalorizar o problema como: “não estou a
dizer que a qualificação que nós temos é desejável, é boa, mas não é tão má como
as estatísticas apontam” – são marginais e minoritários.
O desajustamento entre as qualificações proporcionadas pelo sistema educativo e
as necessidades das empresas é amplamente referido. Em consequência, as
empresas que apostam na formação são obrigadas a desenvolver competências que
são transferíveis e portanto susceptíveis de valorização no quadro de outras
empresas.
O problema da ineficácia da formação para alguns grupos de trabalhadores é
salientado por alguns actores: “Formação por formação não resulta (...) O resultado
da formação para níveis etários elevados e pouca qualificação é praticamente nulo”.
A consequência é encarada com preocupação: “Aceleram-se os processos de
reestruturação, esta gente sai do mercado activo e depois vai fazer não sei bem o
quê”.
Alguns actores, sobretudo da administração pública, sublinham que a fraca
formação dos empresários constitui um obstáculo à valorização de uma mão-de-
obra mais qualificada, dificultando o recrutamento de jovens com qualificações
académicas mais elevadas.
Os actores coincidem também na percepção de que parte do problema decorre de
uma desvalorização do ensino profissional em Portugal, mas divergem quanto à
atribuição de responsabilidades a um défice de oferta ou a um défice de procura,
oscilando entre posições que atribuem o problema ao desmantelamento do ensino
técnico em 1974 e ao “estatuto de menoridade” que a formação profissional
continua a ter (“não se canalizam recursos suficientes para o ensino de formação
profissional”) e outras que salientam o facto de “o perfil das empresas estar
adequado ao perfil dos empregados”, não se podendo “alterar o perfil dos
empregados sem alterar o perfil das empresas”.
No horizonte parece desenhar-se um conflito público-privado neste domínio: “Neste
momento, parece que o Ministério [da Educação] se vai preocupar com o ensino
profissional e está a preparar-se para o fazer da pior maneira, que é destruir o que
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 98
existiu até agora, em grande parte privado e chamá-lo ao público”, notou um dos
entrevistados.
Por outro lado, em alguns depoimentos perpassa a percepção de que em torno da
formação como actividade amplamente subsidiada se desenvolveram fenómenos
perversos e um “aparelho” poderoso que resiste à mudança: “Ainda continuamos
muito com a ‘velha’ formação, ou seja, quando os trabalhadores não têm uma
actividade importante a desenvolver na empresa são colocados em formação, e
assim sempre é dado algum apoio, mesmo que a formação não sirva para nada”; e:
“Sou uma pessoa da formação e acho inacreditável o estado a que se chegou.
Ainda no outro dia falava com uma pessoa de uma das organizações que faz
formação de boa qualidade, e comentava como era possível que as empresas ainda
mandem pessoas e recorram a fundos comunitários para formação em Excel, Word
e outros conteúdos mais primários”, ou ainda: “O aparelho de formação que se
criou é altamente conservador. Ninguém quer mudar nada porque todos estão
satisfeitos com os poderes que têm. O Instituto de Emprego continua a gerir
duzentos e tal programas; não há nenhum técnico de emprego que consiga
conhecê-los a todos. Há grandes dificuldades internas para reduzir programas,
mesmo aqueles que praticamente não têm gente. A realidade mudou e a máquina
tem que se adaptar a essa nova realidade.”
Informalidade
As visões acerca da informalidade (entendida como incumprimento da legislação de
enquadramento, das obrigações fiscais e respeitantes à segurança social)
organizam-se entre um extremo em que “informalidade (...) significa concorrência
desleal” e um outro que a desvaloriza: “(...) é evidente que há fuga ao fisco (...)
mas as taxas estão dentro da média europeia, não são uma espécie de caso à
parte”. Consideram os primeiros que a informalidade tem consequências graves no
plano da qualificação das empresas, uma vez que a “empresa formal vê reduzida a
sua capacidade de investir em inovação e novos produtos”, adiantam os segundos
que a informalidade se deve “basicamente a duas condições: os mecanismos de
controlo existentes não são eficazes (...) e as leis em Portugal são feitas sem
consulta”.
É por vezes sugerido que informalidade deve ser atribuída a um excesso de
regulamentação. Quando assim é, recomenda-se, como via para o combate da
informalidade, a adaptação dos regulamentos e incentivos como a “isenção/
redução da contribuição para a segurança social (...) mais do que repressão”.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 99
A relação entre adaptabilidade e informalidade é identificada por alguns. Na opinião
de um entrevistado: “Podemos dizer que nos EUA há muita flexibilidade e em
Portugal há informalidade”.
A informalidade é vista sugestivamente como uma realidade enraizada, já
internalizada pelos indivíduos: “Quando se fala em obrigações já se está a pensar
em como violá-las”.
Um dos sindicalistas entrevistados encara-a como um problema nacional de grande
dimensão: “Nós costumamos dizer que o acordo social e político mais útil que se
podia trabalhar neste país era um acordo centrado no compromisso da lei, que
fosse envolvente em relação a todos os cidadãos, mas que tivesse uma expressão
muito forte no trabalho”
Cooperação inter-empresas
O défice de cooperação inter-empresas é geralmente visto como um traço negativo
caracteristicamente português atribuível “às mentalidades”: “Não há cultura de
cooperação em Portugal”.
No entanto, alguns dos entrevistados apresentam perspectivas mais elaboradas.
Afirmava um deles: “Há cooperação em Portugal. Há cooperação informal e
cooperação no sector informal (...). Há quem diga que existe uma forte rede de
cooperação informal em muitas empresas onde não existe a cooperação formal e
regulamentada”. Com uma perspectiva semelhante um outro entrevistado,
sindicalista, sugeria que o fechamento das micro e pequenas empresas sobre si
próprias poderia de alguma forma estar relacionado com o propósito de proteger
práticas de informalidade da curiosidade de observadores externos, nomeadamente
sindicais: “Onde há organização dos trabalhadores, há mais cumprimento da lei.
Em Portugal, os patrões fazem um ataque enorme ao exercício da actividade
sindical, e que tem dois factores muito bem identificados: (i) impedir que os
trabalhadores, organizando-se colectivamente, possam fazer pressão para
melhorarem as suas condições de trabalho (no plano salarial mas não só); (ii) Os
patrões querem ninguém que observe a gestão e o andamento da empresa – é uma
obsessão autêntica.”
Contra a opinião geral que sublinha as vantagens e a necessidade da cooperação
inter-empresas apenas um dos entrevistados referiu que a cooperação “facilitaria a
revelação de saberes específicos” como argumento em desfavor.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 100
Relações Laborais
Embora por razões distintas, os actores coincidem numa apreciação negativa do
novo código de trabalho. Para as confederações patronais e na opinião de gestores
de recursos humanos, ouve-se: “mexeu-se no código de trabalho, e não mudou
praticamente nada”. A parte sindical coincide na opinião de que o novo código não
dá resposta a nenhuma das “novas” questões; noutras, acrescenta, representa um
retrocesso: “Quais são as novas questões do trabalho? Organizacionais e
estruturais, deslocalizações de empresas, subcontratações, estruturação das
multinacionais. Quais são as grandes mudanças do trabalhador? Movimentos
migratórios, aumento da esperança de vida, aumento quantitativo e qualitativo das
mulheres no trabalho e, depois, as questões dos saberes e das qualificações.
Pegue-se neste código do trabalho português, por exemplo, e veja-se se incorporou
algo que tenha a ver com isto! Nada.”
Por outro lado, da parte sindical ouve-se também: “O direito do trabalho existe,
com as características que tem, baseado na consideração que o trabalhador é a
parte mais fraca da relação. (…) Mas, quando o código de trabalho permite, em
alguns aspectos da relação individual, e especialmente na contratação colectiva,
que os contratos possam ser mais desfavoráveis que a própria lei e a caducidade
dos contratos colectivos de trabalho, então o que resta aos trabalhadores para
negociar (após a caducidade dos contratos).”
O novo código de trabalho seria responsável segundo as confederações sindicais
pelo bloqueio da contratação colectiva; uma avaliação a que as confederações
patronais contrapõem números de novos contratos assinados que não coincidem
com os das primeiras.
Os actores sociais tendem a projectar imagens estereotipadas uns dos outros nos
seus depoimentos: ”eles [os sindicatos] vão é pela defesa dos direitos dos
trabalhadores, vão pela manutenção dos direitos que no fundo é tudo o que vai
permitir que tenhamos uma maior rigidez e maior inflexibilidade para gerir as
empresas”, afirmava um gestor de recursos humanos. “Muitas vezes há da parte
dos empresários o quero, posso, e mando”, contrapõe um dirigente sindical ou “há
hoje uma tentativa de matar a negociação”, acrescentava outro.
Mas logo a seguir o mesmo gestor de recursos humanos acrescentava: “nós aqui
não temos muita razão de queixa... as pessoas que temos na comissão são pessoas
até bastante esclarecidas, o que ajuda, não são daquela cegueira que só vêem as
queixas dos trabalhadores e o resto não conta muito nem que a empresa vá à
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 101
falência... nós temos vindo a trabalhar bem com eles...”. Por outro lado, o mesmo
dirigente sindical que tinha assinalado a tentativa de matar a negociação,
relativizava, mais à frente, esta tendência: “Mas no nosso país há sectores em que
há negociação, embora não com grande profundidade... Há sectores onde há
alguma capacidade de inovação…”
De facto os depoimentos sugerem uma abertura para a negociação que não
corresponde às imagens estereotipadas. De dirigentes sindicais foi possível ouvir,
por exemplo: “Hoje é mais ou menos pacífico na sociedade portuguesa que a
polivalência bem utilizada, nomeadamente a utilizada em articulação com a
negociação colectiva, pode ser muito importante em termos de adaptabilidade da
empresa, mas pode ser muito importante em termos de valorização profissional,
desde que de facto haja salvaguarda de alguns princípios e direitos”. Ou ainda de
outro quadrante sindical: “A ideia que se gerou é que os sindicatos são
completamente contrários à flexibilidade. Isso não corresponde à verdade e pode
ser constatado, nomeadamente em alguns ‘sítios’ no sector têxtil. Houve a
capacidade de se fazer essa negociação, os trabalhadores são sensíveis ao
problema do emprego e à realidade da empresa, sem prejuízo do que falámos
atrás, e a negociar esses aspectos se constatarem que a resolução de algumas
dessas questões podem conduzir à diminuição dos problemas da empresa.
Obviamente, que não estão receptivos, nomeadamente os sindicatos, a negociar
esses aspectos de uma maneira qualquer. Têm que ser inseridos num projecto que
tenha um mínimo de viabilidade e que seja, de facto, adaptado à empresa e às
necessidades da empresa, mas com uma visão de que aquilo vai servir para algo e
que não servir apenas para retirar direitos e cortar salários. Tem que haver
equilíbrios”
Do lado das empresas é possível ouvir também: “É muito importante a
representação dos trabalhadores, primeiro que tudo, numa empresa que quer
vingar e tem uma determinada dimensão, é preciso ter alguém que represente os
trabalhadores porque negociação individual torna-se difícil... Em relação à CT, o
meu conselho, a minha perspectiva é uma CT efectivamente representativa, e forte
e muito forte. Pode ser muito difícil negociar com uma CT, mas de certeza que os
resultados vão ser muito mais fiáveis e aplicáveis nesse contexto do que com uma
comissão fraca ou com representantes mais fracos que cedem mais facilmente mas
que depois são acordos que não vingam… mais cedo ou mais tarde não vingam…
perdem-se.”
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 102
Pelo lado sindical, a percepção de uma tendência para deslocar a negociação do
sector para empresa é vista com preocupação: “Num país dominado por PME,
defendemos que se deve caminhar para uma negociação ao nível da empresa
complementar à negociação sectorial, salvo em grandes empresas, em que há uma
dinâmica patronal e sindical, com parceiros altamente representativos, que torna
possível as negociações. Mas numa pequena empresa há riscos na negociação
colectiva e, com cerca de 200 mil empresas, não vamos a nenhum lado por essa
via”.
Em geral, constata-se dos depoimentos que as dificuldades no plano do diálogo
social tendem a ser atribuídas pela parte patronal à “ortodoxia” dos sindicatos, e
pela parte sindical à “estratégia de desregulamentação adoptada pelo patronato”. A
parte sindical ressente-se de um contexto negocial que é desfavorável: “A receita
neoliberal em termos gerais, e que varre o mundo, é criar a ideia de que aquilo que
é moderno no trabalho é a precariedade, ou as precariedades... e a desregulação
do trabalho. E a partir daí considerar que os direitos dos trabalhadores são
privilégios...”.
Da parte sindical ainda é a inexistência de um clima favorável à negociação o que
explica o fracasso de uma flexibilização negociada da legislação do trabalho:
“Havendo um desequilíbrio entre a lei e a negociação, em Portugal prevalece
sempre a legislação. Aliás se virmos bem os grandes contratos, normalmente a
maior parte reproduz a legislação... É evidente que não havendo um quadro de
negociação forte e claramente definido, então é preferível haver um quadro
legislativo detalhado. Se a negociação do clausulado tivesse maior detalhe, então o
quadro legislativo poderia ser mais ligeiro.”
E, no entanto, o mesmo dirigente sindical considerava: “Nós achamos que a lei do
trabalho, que é evidentemente uma lei geral, deve ser ‘substituída’ pela
negociação. Na lei do trabalho define-se o caso geral de protecção dos direitos e,
posteriormente, a negociação é a que afirma a expressão desses direitos... Não se
trata de ignorar ou desrespeitar a lei mas tentar avançar [através da negociação]
para além da legislação, que define um quadro próprio. E depois criou-se um
imobilismo muito grande, a lei muda mas a negociação mantém a lei de alguns
anos. De facto, estes passos por vezes conduzem à ruptura e o código de trabalho
acaba por ser uma ruptura. Face a bloqueamentos nestes aspectos, muitas
matérias estavam em vigor em contratos que reproduziam leis de ‘75 ou de ‘80, e
entretanto a economia e a sociedade mudara, as leis mudaram, de maneira muitas
vezes relativamente pacífica, mas os contratos mantiveram-se.”
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 103
A relação rigidez legislativa – negociação é vista do seguinte modo por um outro
dirigente sindical: “O problema de hoje não está nas novas formas de prestação de
trabalho ou em novos factores de aferição do valor do trabalho para efeitos de
remuneração ou de determinação dos horários do trabalho, ou outros, o problema
está na aceitação que as partes intervenham em ‘pé-de-igualdade’ na identificação
dos mecanismos para determinar esses factores”.
Capacidade de Inovação
Embora os depoimentos tenham sido menos desenvolvidos neste aspecto, é
possível constatar que a inovação é em geral considerada um “desígnio nacional”.
Esta percepção é matizada por vezes pelo cepticismo relativamente ao realismo de
um “salto” tecnológico de qualquer tipo e pela constatação de que a emergência de
empresas de excelência em áreas de tecnologia avançada não demonstra nem
implica uma capacidade do tecido empresarial para a inovação.
Numa das entrevistas, o tema da inovação evocou espontaneamente o da
“subsidiação”: “Uma forma de levar as organizações empresariais a trabalhar
melhor, era ter um era ter um estado mais moderno e mais exigente; … não é mais
pequeno … isto implicava … que o próprio estado tivesse uma concepção do País,
uma concepção da gestão que fosse influenciado por certas e determinadas ideias
ao nível do funcionamento das organizações, e ele próprio impusesse padrões de
excelência, de funcionamento elevado das organizações que quisessem cooperar
com o estado. Nós, enquanto comunidade, enquanto estado, atribuímos subsídios,
atribuímos… negociamos programas de desenvolvimento, etc. mas não exigimos…
poucas coisas exigimos ao nível do funcionamento das organizações propriamente
ditas, o resultado directo daquilo que se fez … o subsídio, procura-se que seja bem
aplicado, mas não se diz: como contrapartida do subsídio, nós consideramos que,
do ponto de vista da gestão e da organização, há marcos conceptuais que levam a
uma melhoria do funcionamento das organizações e os senhores têm que provar
que fazem isso... Isto é burocracia? Não! Isto é o dono da obra a dizer como é que
quer que as coisas funcionem… O grande problema… nós dizemos assim: mas
quem é que podia fazer isto? Podia fazer isto um estado moderno, um estado
avançado, que se preocupasse em definir um marco para o país, um marco para o
funcionamento das organizações… ”.
O palco de conflito fundamental
Como seria de esperar as relações laborais são ainda hoje o palco de conflito
fundamental. Noutras questões fundamentais, incluindo prioridades como a
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 104
qualificação dos recursos humanos e as capacitação das empresas para a inovação
parecem existir áreas de consenso importantes.
Nas questões laborais o confronto principal parece não residir exactamente na
contradição entre estratégias empresariais que procuram a criação de vazios na
regulamentação das relações laborais e estratégias sindicais de “resistência” que
procuram refúgio numa recusa da renegociação dos contratos colectivos e da
legislação laboral. Embora este confronto possa existir, as imagens estereotipadas
não dão conta de uma outra realidade mais complexa, envolvendo, por um lado,
empresas que procuram cultivar o diálogo social, mas em quadros em que a sua
hegemonia não seja questionada, e que em conformidade procuram deslocar a
negociação para o quadro exclusivo da empresa e, por outro lado, sindicatos que
estão em princípio dispostos a negociar a flexibilidade sob condição de um
reequilíbrio das posições negociais.
Jogos de actores
Os principais actores sociais parecem estar actualmente envolvidos num estranho
jogo. Ao mesmo tempo que reconhecem a importância e a necessidade de uma
dupla qualificação das empresas e dos trabalhadores, nem os empresários parecem
revelar uma intenção resoluta de investir na formação e em factores que capacitem
as empresas, nem os trabalhadores parecem suficientemente motivados para o
fazer.
Em torno da formação, por exemplo, a situação existente pode ser representada de
forma caricatural através de um jogo de duas pessoas – empresários e
trabalhadores – ambas confrontadas com a escolha formação ou não formação e
ambas conscientes das vantagens mútuas da dupla qualificação, poderíamos
construir a seguinte matriz em que (+ , +) significa um resultado positivo quer
para os empresários, quer para os trabalhadores e (— , ——), um resultado
negativo para os empresários e muito negativo para os trabalhadores:
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 105
Trabalhadores
Formação Não formação
Formação (+ , +) (—— , —)
Em
pre
sári
os
Não formação (— , ——) (— , —)
O não investimento em formação por parte dos empresários e dos trabalhadores é
considerado negativo por ambos os jogadores e o investimento de ambos é
reconhecido como positivo, quer por uns, quer por outros. No entanto, se partirmos
da situação em que os dois actores escolhem a não formação, qualquer deslocação
isolada no sentido da formação pioraria a situação de quem a empreendesse – se
os trabalhadores investissem isoladamente na formação, não encontrariam
empresas em que essas qualificações fossem valorizadas; se as empresas
tomassem a iniciativa, correriam o risco de não ver o seu esforço não
correspondido pelos trabalhadores.
Existem neste jogo dois “equilíbrios”, um “baixo” (não formação/não formação) e
um “alto” (formação/ formação). Quando a situação inicial é um equilíbrio “baixo”
nenhum dos jogadores dará o passo que permitirá a ambos passar ao equilíbrio
“alto”. A passagem de um a outro só é possível se ambos os jogadores tiverem
garantias de que são acompanhados no seu movimento. A situação exige
coordenação, ou, mais precisamente, confiança.
Se a interacção dos agentes num jogo como este assumir a forma estratégica, não
existe passagem do equilíbrio “baixo” ao “alto” senão através de uma alteração da
estrutura de incentivos. Isso poderia acontecer, por exemplo, no caso dos
jogadores receberem uma qualquer forma de benefício exógeno em caso de
formação (ou de penalização, no caso contrário) que cobrisse o custo da formação
descoordenada. A solução tem sido testada e nem sempre com sucesso.
Uma parte do insucesso deste tipo de incentivos pode resultar de uma
descoordenação dos perfis de qualificação – não havendo esforço de qualificação
por parte das empresas pode ser difícil determinar o tipo de formação em que os
trabalhadores devem apostar.
Outra parte do insucesso pode estar relacionada com outro tipo de jogo, que
envolve apenas as empresas. Assumindo que os trabalhadores estão motivados
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 106
para adquirir formações e que as empresas sentem necessidade de recursos
humanos mais qualificados, para que exista investimento das empresas em
formação é preciso garantir que um número suficiente de empresas o faça e que
para nenhuma delas exista a possibilidade de aceder sem custo aos benefícios da
formação financiada por outros. Uma solução para este dilema, poderia passar pela
imposição legal de um número mínimo de horas de formação em todas as
empresas.
Incentivos e valores
O jogo que acima serve de ilustração captura apenas a dimensão estratégica de
interacção, ignorando o contexto institucional e normativo em que a interacção
ocorre. Na realidade, os jogos que os actores jogam são mais complexos.
Toda a interacção social, em particular no domínio das relações laborais, envolve
necessariamente conflito e negociação. No entanto, é importante não perder de
vista que os papéis desempenhados pelos actores nos processos de
conflito/negociação são institucionalizados. O jogo tem regras que estabelecem as
jogadas admissíveis e as acções apropriadas em cada contexto.
Além disso, o enquadramento normativo do jogo pode sobrepor-se às preferências
decorrentes do interesse próprio: “Por outras palavras, as regras institucionais
canalizam e restringem as jogadas potenciais, moldam os incentivos e podem
influenciar as percepções e as preferências dos actores” (Scharpf, 2000: 22). A
expectativa que os jogadores têm dos outros e de si mesmos é a de respeito pelas
regras formais e informais do jogo.
Estas regras envolvem sempre sistemas de valores. Nesse sentido, os sistemas de
valores são pelo menos tão relevantes quanto a conflitualidade de interesses,
quando está em causa a explicação da incapacidade de acção colectiva. Na
realidade, subjacente ao défice de confiança que dificulta a passagem de equilíbrios
“baixos” a “altos” pode esconder-se uma insuficiente partilha de valores na
sociedade portuguesa.
O modo como os valores se criam e se delapidam, as formas que as intervenções
públicas podem assumir no sentido da criação e acumulação dos valores, são
questões cruciais, mas infelizmente insuficientemente compreendidas.
Os esquemas de incentivos (positivos e negativos), em particular os pecuniários,
são sempre concebidos no pressuposto de que os agentes são exclusivamente
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 107
movidos pelo interesse próprio, isto é, que as obrigações normativas, se bem que
possam influir nas motivações dos agentes, são negligenciáveis.
No entanto, existe hoje abundante investigação teórica e empírica que põe em
causa esta concepção das motivações humanas (ver, por exemplo, Frey, 1997).
Essa investigação sugere que as dimensões normativas são efectivamente muito
importantes na definição das preferências dos agentes, e revela algumas das
formas através das quais os incentivos operam sobre as preferências e as
motivações. Mostra, em particular, que os incentivos pecuniários podem em alguns
casos reforçar a disposição dos agentes para a realização de acções que, à partida,
estão dispostos a empreender, independentemente de qualquer prémio ou punição.
Mas mostra também que podem ocasionar uma diminuição da prestação, quando a
motivação “extrínseca” (decorrente do incentivo) substitui a motivação “intrínseca”
(decorrente, por exemplo, de uma obrigação normativa).
O caso clássico é o da doação de sangue ou de órgãos, onde a provisão por dadores
voluntários e a qualidade da provisão podem diminuir quando o voluntariado é
substituído pela provisão remunerada. No entanto, a investigação demonstra que
estes mecanismos não dizem respeito apenas a situações marginais (não
económicas). Em múltiplos domínios – do ambiente às relações laborais – tem sido
identificada a presença deste tipo de efeito de substituição de motivações com
redução da disposição contributiva (crowding out).
O que esta investigação sugere é que o recurso generalizado a incentivos
pecuniários (positivos e negativos), equivalendo a uma mercantilização de todas as
formas de relação social, se poderia contar entre os factores que explicariam a
delapidação de valores.
A conclusão geral a retirar desta linha de investigação é a de que as dimensões
normativas da acção não podem ser ignoradas. Os actores evocam frequentemente
valores morais quando reflectem sobre a sua actividade. Nas nossas entrevistas
ouvimos um gestor de recursos humanos dizer a respeito de negociações salariais:
“não faças aos outros o que não queres que te façam a ti, isto é a minha máxima;
é assim, eu não vou fazer a ninguém aquilo que eu acho prejudicial para mim, nem
sequer consigo argumentar muito bem numa situação dessas, portanto temos de
ter moral, ter respeito, temos de nos olhar ao espelho e estarmos felizes com o que
somos, dormirmos descansados”. Testemunhos como este devem ser levados a
sério. Os valores evocados influenciam de facto o comportamento de todos os dias.
Além disso, se o sistema de valores se alterar, por exemplo, em consequência da
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 108
introdução de esquemas de incentivos, o comportamento pode modificar-se em
sentido contrário ao antecipado.
Os sistemas de valores e o discurso têm influência no resultado dos jogos que os
actores jogam. O sucesso na passagem de equilíbrios “baixos” a “altos” é
condicionado não só pela negociação como pela argumentação (Schmidt, 2000) –
isto é, a capacidade de produção de um discurso político persuasivo, envolvendo
aspectos positivos e normativos, capaz de induzir nos agentes a disposição para
participar em “desígnios colectivos”. Essa disposição depende de uma convicção
individual a respeito do mérito da participação, apesar do custo que ela possa
envolver, e a confiança quanto à existência de uma semelhante disposição
participativa por parte dos outros.
Liderar a negociação e elaborar a argumentação são, afinal, duas das missões
fundamentais dos dirigentes políticos.
A adaptabilidade necessária e o que queremos evitar
Não faz sentido discutir a reforma da regulamentação sem uma ideia precisa do que queremos alcançar e do que queremos evitar.
Gøsta Esping-Anderson e Marino Regini
Introdução a Why Deregulate Labour Markets?
Partindo da análise das tendências de evolução e das motivações e estratégias dos
actores, o objectivo da prospectiva é a identificação de futuros possíveis. A
prospectiva não é um exercício meramente técnico. Envolve sempre escolhas
explícitas ou implícitas, baseadas em critérios normativos, entre uns cenários que
se pretendem evitar e outros que se pretendem alcançar. Esses cenários e as
escolhas a eles associadas, cujo fundamento normativo preferimos explicitar,
constituem o objecto desta secção. Partimos de uma reflexão sobre tendências e
cenários a uma escala europeia, particularizando-a depois para o caso português.
Tendências
Em geral, parece ser consensual que as transformações do trabalho no quadro da
chamada “crise do fordismo”, se têm traduzido “numa degradação das condições de
vida e de trabalho (...), evidente para os desempregados e os working poor (...)
mas também para ‘os que têm a sorte de ter um emprego’”, que “é particularmente
visível onde a flexibilidade foi entendida de forma unilateral, como ajustamento dos
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 109
recursos humanos às mínimas flutuações do mercado, e não de forma bilateral,
como conciliação da liberdade de empreender e da liberdade de trabalhar” (Supiot,
1999: 10).
Mas esta tendência negativa não está necessariamente inscrita nas transformações
do trabalho que, segundo Supiot (1999), se têm operado a três níveis distintos: (a)
o da promoção do trabalho independente relativamente ao trabalho assalariado; (b)
o da evolução do critério de subordinação que caracteriza o contrato de trabalho;
(c) o da exteriorização ou subcontratação do trabalho.
Estas mudanças podem ter expressão em modelos muito diferentes de relações de
trabalho. Em sectores de actividade tradicionais e de fraco valor acrescentado
podem corresponder simplesmente a estratégias de fuga ao direito do trabalho e à
procura de uma compressão de custos salariais; em sectores dotados de elevadas
qualificações podem corresponder a estratégias de inovação. No primeiro caso, o
objectivo é “reduzir o peso do factor humano (em termos financeiros); no outro, é
pelo contrário aumentá-lo (em termos de iniciativa, de competências e de
qualificações)” (Supiot, 1999: 27).
O recurso ao trabalho independente tanto pode assumir a forma de exclusão do
direito do trabalho dos trabalhadores pouco qualificados e em condição precária,
como meio de evasão, eventualmente fraudulento, por parte de algumas empresas,
dos constrangimentos que impendem sobre empresas concorrentes; como pode
significar uma valorização das capacidades de inovação e de adaptação de
trabalhadores autónomos e muito qualificados.
A evolução do critério de subordinação tanto pode implicar um reforço da
autonomia no trabalho, como um aumento do peso da própria subordinação. No
primeiro caso incluem-se os movimentos de substituição da organização piramidal
pela organização em rede, onde a autonomia dos trabalhadores é estimulada. No
segundo caso inclui-se a generalização dos empregos precários, em que ao poder
de direcção característico do contrato tradicional se adiciona o poder irrestrito de
dar ou não seguimento à relação de trabalho no momento em que o contrato
expira.
Sob a capa de exteriorização ou subcontratação tanto podem estar relações de
serviço genuínas, que em muitos casos podem impulsionar spin offs envolvendo
trabalhadores muito qualificados, os quais, desta forma, vêm acrescida a sua
autonomia, como se pode esconder, no pior dos casos, o puro e simples tráfico de
mão-de-obra.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 110
As direcções em que apontam as transformações do trabalho, no fundo as formas
que pode assumir “a adaptabilidade”, são portanto divergentes. Como escreve
Supiot (1999: 13), para o trabalhador assalariado ou independente e para a
sociedade, a evolução “pode (...) conduzir ao melhor ou ao pior: ao melhor no caso
em que as evoluções conduzem à fundação de um estado profissional que concilia
liberdade, segurança e responsabilidade. Ao pior quando falta um destes três
factores.”
O cenário a evitar
O modelo do Wefare State, como lembra Supiot (1999), pode ser interpretado
como um pacto social, envolvendo um compromisso entre dependência económica
e segurança social: quem aceitava um emprego submetia-se ao poder de outrem,
mas em troca via garantidas as condições de “uma vida social normal”. As bases
desse pacto foram postas em causa – a pressão económica, sobre os que não têm
e sobre os que têm trabalho, deixou de ser compensada pela segurança.
O discurso da “desregulamentação” procura agora fazer passar a mensagem de
que, uma vez rompido esse pacto, o dilema emprego-segurança só pode ser
resolvido a favor do emprego se o trabalho for reconduzido à situação de uma
mercadoria-como-as-outras, e a relação de trabalho for desembaraçada de
constrangimentos institucionais. Desejável ou não, essa transformação do trabalho
estaria inscrita na ordem natural das coisas.
Mas “a ordem natural das coisas” é escrita, quase sempre, por linhas tortas e como
nos lembra mais uma vez Supiot,
“(...) os homens acabam sempre por se revoltar contra um determinismo que pretende
condená-los à miséria ou ao vazio social. Mas essa revolta (e a violência que inevitavelmente a
acompanha) pode conduzir às piores regressões quando não é sustentada por uma utopia
razoável, por uma nova ideia de Justiça; dito de outra forma, pela reivindicação de um novo
estado de direito. O estado-providência foi a utopia razoável deste século; onde triunfaram as
utopias “científicas” (leis da história, leis da raça), a revolta deu à luz monstros.” (Supiot, 1999:
13)
À falta de uma utopia razoável, por exemplo a “integração plena da dimensão social
no direito comunitário” defendida no relatório Supiot, a revolta contra o
determinismo poderia facilmente degenerar numa escalada da violência, da
xenofobia e de todos os enconchamentos identitários culminando em novas derivas
totalitárias.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 111
O que queremos alcançar
Da mesma forma que a aposta num regresso ao “fordismo” é desprovida de sentido
– o tempo histórico desse mundo de produção do pós-guerra é passado, e além
disso esse mundo não foi exactamente uma idade de ouro – igualmente insensata é
a ideia de que estamos condenados a uma ordem natural global que nos impõe
uma adaptação de sentido único.
A “globalização” não é um estado da natureza. O processo de globalização tal como
o conhecemos é, em grande parte, um resultado de uma sequência de decisões
tomadas no plano das relações internacionais. Em função da avaliação dos
resultados essas decisões podem ser corrigidas. Além disso, por muito diminuído
que esteja, o poder regulador dos governos nacionais não deixou de existir. Por
último, em espaços de integração económica e política, como a UE, existe um
potencial de intervenção reguladora que está patente em múltiplas áreas. As razões
pelas quais na UE essas capacidades se exercem com grande determinação em
alguns domínios – políticas orçamentais, políticas agrícolas, políticas ambientais –,
e se mantêm latentes noutros – políticas fiscais e políticas sociais –, relevam da
orientação política dominante da União ou da sua incapacidade de forjar consensos.
São, de qualquer modo, causas políticas e não resultados da acção de forças da
natureza.
A preservação da “sociedade aberta” depende em grande medida da capacidade de
conceber a adaptabilidade, não em termos de liquefacção geral das relações
sociais, re-mercantilização total do trabalho e individualização de todos os riscos,
mas antes de preservação dos valores de autonomia, responsabilidade e
solidariedade em que se fundaram as sociedades democráticas. Depende da
capacidade de opor ao determinismo utopias razoáveis, como a de que fala Supiot,
em que estes valores sejam recriados.
Para a Europa, as escolhas parecem polarizar-se entre os projectos que a
concebem como um simples espaço de integração económica, e os que a encaram
como um espaço de integração económica e social. Para os primeiros, são
desejáveis os vazios no normativo comunitário no que diz respeito às relações de
trabalho, como é saudável a concorrência pela atracção de capitais e pelo emprego,
entre estados, espaços regionais, empresas e trabalhadores. O resultado
antecipado seria o de uma maior competitividade das empresas europeias no
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 112
mercado global e, portanto, mais emprego na Europa3. Para os segundos é
necessária uma integração equilibrada de todos os domínios de política, que
contrarie as dinâmicas competitivas entre espaços territoriais, sem restringir a
concorrência entre empresas, salvaguardando deste modo a “coesão social”, assim
como as empresas cuja competitividade radica em instituições que favorecem a
coordenação e a cooperação.
Cenários para Portugal
O futuro para Portugal depende naturalmente dos rumos da integração ao nível
global e da UE. Mas depende também da descoberta de respostas nacionais que
possam amortecer os impactos negativos das dinâmicas globais e influir nelas,
mesmo que modestamente.
Os exercícios sobre cenários, como o que se segue, devem ser sempre tomados
com as precauções que as especulações sobre o futuro recomendam. Procuram ser
lógicos e disciplinados e, nesse sentido, requerem pressupostos que naturalmente
estão sujeitos a ser desmentidos pelos factos. Têm de qualquer modo a vantagem
de exigir a explicitação destes pressupostos e, por vezes, ajudam a descobrir
relações que não seriam de outro modo imediatamente perceptíveis.
O exercício de cenarização que de seguida propomos parte do estabelecimento de
bifurcações para cada um dos factores críticos, em que a tendência 0 corresponde
ao prolongamento de traços negativos actuais e a tendência 1 aponta numa
direcção desejável (ver quadro 3.1).
Da combinação do conjunto de bifurcações por factor crítico resultariam 32 cenários
possíveis. No entanto, a constatação de que algumas combinações são impossíveis,
ou muito pouco prováveis, permite eliminar a grande maioria dos cenários.
Consideraram-se impossíveis as combinações constantes do quadro 3.2.
O número de cenários resultante da eliminação de incompatibilidades é de cinco.
Dois deles são os cenários extremos – bifurcação 0 ou 1 em todos os factores
críticos – e os restantes três têm como elementos comuns a bifurcação 1 no
segundo e no quarto factor crítico e a bifurcação 0 no quinto. O quadro 3.3
apresenta os perfis dos cinco cenários que podem ser reduzidos a três se os
cenários intermédios forem agregados.
3 Mas o resultado observado tem sido maior competitividade das empresas europeias e menos emprego na Europa.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 113
Quadro 3.1 Bifurcações por factor crítico
1. Qualificação dos recursos humanos
0. Manutenção de taxas elevadas de abandono escolar; acesso à formação sobretudo dos trabalhadores mais qualificados; predomínio da formação geral; oferta de formação pouco influenciada por necessidades sentidas pelas empresas; reprodução dos perfis de baixa qualificação dos empresários.
1. Aumento das taxas de escolarização e melhoria da qualidade em todos os níveis de ensino; expansão da formação promovida pela procura por parte das empresas e redes de empresas; elevação dos níveis de qualificação dos empresários e pessoal dirigente.
2. Informalidade 0. Manutenção do actual quadro de adaptabilidade pela informalidade.
1. Redução dos comportamentos de fraude, evasão e incumprimentos normativos por parte de empresas e trabalhadores
3. Cooperação inter-empresas 0. Atomização empresarial, fraca densidade das redes de cooperação formal, fraco nível de integração em associações empresariais.
1. Reforço da cooperação formal local e sectorial; aumento da representatividade e protagonismo das associações.
4. Relações Laborais 0. Recuo da negociação colectiva com deslocação da negociação laboral para os níveis individual e de empresa, com perda de poder das organizações representativas dos trabalhadores.
1. Passagem de lógica de bloqueio para lógica de diálogo e negociação ao nível sectorial e da empresa, com recalibragem do direito do trabalho no sentido da flexibilização negociada.
5. Capacidade de Inovação 0. Emergência de “ilhas de excelência” inseridas na economia global num oceano de actividades tradicionais de fraco valor acrescentado
1. Desenvolvimento de pólos de excelência com capacidade de arrastamento do conjunto do tecido produtivo
No fundamental, os resultados sugerem que a disseminação da inovação a todo o
tecido produtivo é um desígnio difícil de alcançar – emerge em apenas um dos
cinco cenários. Sugerem ainda que existe uma associação forte entre a
informalidade e o tipo de relações laborais que é patente nos cinco cenários.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 114
Quadro 3.2 Combinações impossíveis
Tendência... é incompatível com... dado que...
1.0. Manutenção de taxas elevadas de abandono escolar; acesso à formação sobretudo dos trabalhadores mais qualificados; predomínio da formação geral; oferta de formação pouco influenciada por necessidades sentidas pelas empresas; reprodução dos perfis de baixa qualificação dos empresários.
5.1. Desenvolvimento de pólos de excelência com capacidade de arrastamento do conjunto do tecido produtivo
A qualificação dos empresários e dos trabalhadores é uma condição necessária do desenvolvimento da capacidade de inovação das empresas; a qualificação de segmentos da força de trabalho viabiliza apenas o desenvolvimento de alguns pólos de excelência “globalizados” mas desligados das redes nacionais
2.0. Manutenção do actual quadro de adaptabilidade pela informalidade.
3.1. Reforço da cooperação formal local e sectorial; aumento da representatividade e protagonismo das associações.
A informalidade dificulta o aprofundamento da integração em redes de cooperação formal e organizações associativas
2.0. Manutenção do actual quadro de adaptabilidade pela informalidade.
4.1. Passagem de lógica de bloqueio para lógica de diálogo e negociação ao nível sectorial e da empresa, com recalibragem do direito do trabalho no sentido da flexibilização negociada.
A adaptação pela informalidade dispensa a negociação formal e bloqueia os esforços de extensão e efectivação da protecção legal
3.0. Atomização empresarial, fraca densidade das redes de cooperação formal, fraco nível de integração em associações empresariais.
1.1. Aumento das taxas de escolarização e melhoria da qualidade em todos os níveis de ensino; expansão da formação promovida pela procura por parte das empresas e redes de empresas; elevação dos níveis de qualificação dos empresários e pessoal dirigente.
Tendo em conta a pequena dimensão das empresas, esforços de formação bem sucedidos pressupõem articulação de meios no seio de redes de cooperação inter-empresas
3.0. Atomização empresarial, fraca densidade das redes de cooperação formal, fraco nível de integração em associações empresariais.
5.1. Desenvolvimento de pólos de excelência com capacidade de arrastamento do conjunto do tecido produtivo
Tendo em conta a pequena dimensão das empresas, os esforços de capacitação das empresas para a inovação pressupõem articulação de meios no seio de redes de cooperação inter-empresas
4.0. Recuo da negociação colectiva com deslocação da negociação laboral para os níveis individual e de empresa, com perda de poder das organizações representativas dos trabalhadores.
2.1. Redução dos comportamentos de fraude, evasão e incumprimentos normativos por parte de empresas e trabalhadores
A transição para a formalidade pressupõe o reforço das organizações de trabalhadores e da participação dos trabalhadores, nomeadamente nos locais de trabalho
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DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 115
Quadro 3.3 Perfis dos cenários
Perfil Cenário
Qualificação Informalidade Cooperação Relações Laborais Inovação
(1). Regressão 0 0 0 0 0
(2,3,4). Transição 0 1 0 1 0 0 1 1 1 0 1 1 1 1 0
(5). Capacitação 1 1 1 1 1
Regressão
O cenário de regressão decorrente do prolongamento de traços negativos actuais
nos diferentes factores críticos não corresponde a uma simples transposição para o
futuro do quadro actual. Em circunstâncias em que “o cerco” se aperta – isto é, em
que a competitividade dos sectores tradicionais está posta em causa e em que a
escassez de qualificações dificulta a atracção dos capitais que podem promover
uma reconversão qualificante – a inércia tende a traduzir-se em regressão. O
dilema “emprego” vs. “melhoria da qualidade do emprego” assumiria formas mais
agudas.
Para garantir o emprego seria necessário continuar a comprimir custos salariais.
Neste cenário este ajustamento seria feito à custa do alastramento da área de
desprotecção do emprego, à custa da informalidade. Neste caso, apesar da
reconversão inevitável, poderia ser possível manter algum emprego nos sectores
tradicionais (empresas que produzem pequenas séries just-in-time) e nos sectores
abrigados. Apesar das inevitáveis falências e deslocalizações o efeito agregado
sobre o emprego é indeterminado.
O cenário é compatível com a existência de pólos de excelência internacionalizados
(enclaves), onde os segmentos mais qualificados e bem remunerados da força de
trabalho se concentram. O que se pode antecipar é uma fragmentação, um
aprofundamento da dualização. Este processo poderia ser tanto mais complexo nas
suas consequências quanto a combinação da mobilidade do trabalho com a
informalidade poderia sustentar o prolongamento de dinâmicas migratórias
paradoxais. O aumento da emigração (legal) de portugueses menos qualificados
para outros países da UE, onde são melhor remunerados, é compatível com a
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 116
continuação da imigração (ilegal) de trabalhadores extra-comunitários para
Portugal, onde os mecanismos de informalidade predominam.
Transição
Nos cenários de transição, a capacitação do tecido produtivo para a inovação ainda
não ocorreu, ou foi bloqueada pela (des)qualificação e pela incapacidade de
cooperação das empresas, ou só pelo primeiro destes dois factores, o que não
exclui a emergência de alguns pólos de excelência.
É um cenário bastante provável a médio prazo, embora, mesmo assim, exigente,
no sentido em que pressupõe uma transição gradual para a formalidade e uma
melhoria da qualidade do diálogo social.
Representará uma antecâmara da dupla qualificação se os factores de bloqueio
(qualificações e cooperação inter-empresas) forem removidos e se forem
encontrados os nichos e segmentos de mercado em que existe espaço para a
valorização da inovação.
Capacitação
O cenário de capacitação corresponde à realização das bifurcações virtuosas em
todos os factores críticos. Envolve o fechamento do ciclo em que a capacitação das
empresas para a inovação se transforma em elemento dinamizador da própria
produção de qualificações.
A realização do cenário de capacitação pressupõe a realização de mudanças
coordenadas ao longo da cadeia de interacções representada na figura 3.1, onde se
tornam patentes as articulações fundamentais pressupostas neste cenário: a
transição para a formalidade é viabilizada pelo (e facilita o) diálogo social e a
participação dos trabalhadores; a transição para a formalidade facilita a cooperação
inter-empresas e a cooperação inter-empresas viabiliza a qualificação da mão-de-
obra e a capacitação das empresas para a inovação; e, finalmente, o ciclo é
fechado com o impacto da capacitação das empresas para a inovação na produção
de novas qualificações.
A natureza sistémica destas mudanças sugere que elas só poderão ter lugar se
forem coordenadas, isto é, caso se desenvolva a capacidade de governação. O
estado e as políticas públicas desempenham um papel central a este respeito.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 117
Figura 3.1 Rede de dependências no cenário de capacitação
A capacitação envolve quatro níveis: o dos indivíduos (qualificação), o das
empresas (capacitação para inovação), o das organizações associativas (capacidade
de diálogo e negociação, reforço da capacidade de participação na governação) e o
do estado (reforço da capacidade de governação). Constitui a resposta nacional que
pode amortecer os efeitos mais negativos da mudança na envolvente. É, em suma,
a adaptabilidade de que precisamos.
Qualificação Inovação
Cooperação
inter-empreas
Transição para
a formalidade
Diálogo social
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 118
Políticas para a adaptabilidade
Este último capítulo especifica um quadro de actuação pública tendente ao
desenvolvimento da adaptabilidade, particularmente aquela actuação que possa ser
mobilizada no âmbito do Quadro Estratégico de Referência Nacional (QERN),
equacionando possíveis prioridades estratégicas e formas de organização para uma
política para a adaptabilidade dos trabalhadores e das empresas.
Tomando como referência o cenário de capacitação, o capítulo apresenta de forma
sintética as principais prioridades e objectivos estratégicos de política, bem como
meios de intervenção a mobilizar, por grupo de actores.
Num segundo momento, formula um conjunto de sugestões em termos dos
princípios de organização e de gestão das medidas preconizadas, nomeadamente
no âmbito dos futuros programas operacionais.
Níveis de capacitação e prioridades de actuação
Do diagnóstico da situação portuguesa, bem como da análise das atitudes, valores
e estratégias dos actores, assim como do exercício de cenarização que lhes foi
associado, resulta a ideia de que a chave para a promoção da adaptabilidade dos
trabalhadores e das empresas se encontra na capacitação dos actores. Essa
capacitação diz respeito aos indivíduos, às empresas, às organizações associativas
e ao estado. Em complemento, a comunicação e a existência de instituições
criadoras de confiança entre esses mesmos actores são, num contexto como o
português, condições necessárias do processo de capacitação.
A capacitação dos indivíduos
É crucial dotar os portugueses de competências que lhes permitam ultrapassar o
mais rapidamente possível a situação de enorme desvantagem que ainda persiste,
apesar dos avanços registados nas últimas décadas nos domínios da educação e da
formação. O aprofundamento das competências (cognitivas, técnicas,
organizacionais, relacionais, de empreendedorismo) passa, por um lado, pelo
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 119
desenvolvimento de uma base cognitiva sólida (no qual o sistema de educação
formal é fundamental) e por outro pela actualização permanente (ao longo da vida)
das competências individuais (vertente onde o sistema de formação será
determinante).
São prioridades estratégicas ao nível da capacitação dos indivíduos: (i) Aumentar a
escolarização da população; (ii) Melhorar a qualidade da oferta educativa; (iii)
Promover a aprendizagem ao longo da vida; (iv) Promover a adequação entre
qualificações oferecidas e requeridas.
A capacitação das empresas e do tecido produtivo
Um traço característico da situação portuguesa é o baixo nível de qualificações de
grande número dos seus empresários, gestores e quadros intermédios, com
consequências graves no potencial de qualificação das pequenas empresas e na
capacidade de renovação do tecido produtivo.
No nível da capacitação das empresas e do tecido produtivo destacam-se as
seguintes prioridades: (i) o incremento da capacidade de inovar (nos produtos, mas
também nos processos ou nas formas de organização, articulando-se com o
sistema de I&D, com o meio envolvente, com os mercados globais); (ii) o
desenvolvimento da capacidade de arriscar (ultrapassando a tradicional aversão ao
risco e promovendo a aposta em empreendimentos e actividades menos seguras,
mas potencialmente mais inovadoras e dinâmicas); (iii) o aperfeiçoamento da
capacidade de se organizar e de planear a médio longo prazo (ao nível interno à
empresa, nos seus processos produtivos, na sua estrutura organizacional, mas
também ao nível da sua relação com os sistemas input-output em que esta se
insira, ou mesmo da articulação estrita com o exterior); e, finalmente, (iv) a
promoção da capacidade de se relacionar (ultrapassando as resistências à
cooperação inter-empresas, mas também ultrapassando as dificuldades de
relacionamento com o meio envolvente e com o estado).
A capacitação das organizações associativas
O reforço das organizações associativas locais, sectoriais e nacionais, tende a
favorecer a cultura de negociação e a emergência de compromissos de base
genuínos entre parceiros sociais e entre parceiros sociais e o estado. No entanto,
algumas organizações associativas tendem a dar prioridade ao seu papel enquanto
interlocutores dos poderes políticos, e a subvalorizar as suas funções de
governação.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 120
São prioridades no que respeita à capacitação destas organizações: (i) desenvolver
a cultura de negociação e de compromisso entre os parceiros sociais; (ii) incentivar
o papel das associações enquanto promotoras de dinâmicas de desenvolvimento e
de reconversão produtiva.
A capacitação do estado e dos poderes reguladores
Finalmente, é igualmente fundamental a capacitação do próprio estado e de todas
as agências com poder regulador e regulamentador nos diversos mercados (em
termos de produção legislativa, da sua implementação e fiscalização, do
estabelecimento de normas e padrões de qualidade, etc.).
Esta capacitação envolve como prioridades: (i) o aumento da eficiência e eficácia
(na obtenção e gestão de recursos, de regulamentação e fiscalização da actuação
dos outros agentes, no compromisso com o interesse colectivo público e na
garantia da sua sobreposição aos interesses particulares, na desburocratização e
facilitação da relação com os outros agentes, etc.); (ii) o desenvolvimento da
capacidade de pensar e actuar estrategicamente (mobilizando interesses
transversais de longo prazo, em torno de objectivos comuns à sociedade e
ultrapassando as questões associadas à gestão dos interesses político-partidários e
a lógica de gestão dos ciclos eleitorais); (iii) ou a capacidade de actuar de forma
efectiva, isto é, de conseguir governar efectivamente (explorando as diversas
formas de governação possíveis, articulando-se com outros actores, organizando
actuações em conjunto e reunindo esforços para, face a cada problema concreto,
encontrar soluções específicas para os resolver, adoptando o papel de mobilizador e
de facilitador de actuações e de processos de mudança, etc.).
Das prioridades estratégicas aos meios de acção
Identificados estes quatro níveis de intervenção no cenário de capacitação, procura-
se nesta secção especificar os objectivos estratégicos, para cada um dos níveis e
prioridades, bem como enunciar meios de intervenção, alguns deles passíveis de
enquadramento no âmbito dos programas operacionais a definir no quadro do
próximo QERN (ver quadro A3 no anexo).
Estando ainda muito em aberto a lógica de organização e a própria matriz global de
financiamento deste quadro, e não fazendo sentido procurar concretizar aqui o
desenho de medidas específicas, limitamo-nos a enunciar um conjunto de ideias e
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 121
princípios base de actuação que se nos afiguram fundamentais para a promoção da
adaptabilidade dos trabalhadores e das empresas em Portugal.
Capacitação dos indivíduos
Do ponto de vista da capacitação dos indivíduos, o factor crítico fundamental é a
qualificação dos recursos humanos.
O principal obstáculo à qualificação dos recursos humanos, em Portugal, decorre da
baixa escolarização (em particular da população adulta), que se reflecte não só na
performance dos trabalhadores, em geral, como, particularmente, na própria
organização e gestão das empresas.
Uma vez que a eficácia da formação é condicionada pelas aprendizagens prévias, o
aumento da escolarização e a melhoria da qualidade da educação surgem como
prioridades absolutas e urgentes, mesmo tendo em conta que os seus efeitos só se
farão sentir a prazo, e que o investimento nestas áreas terá uma visibilidade e
resultados imediatos relativamente escassos.
As complementaridades entre procura de qualificações, por parte das empresas, e
esforço de qualificação, por parte dos trabalhadores, indicam que a requalificação
exige mais do que políticas de oferta de formação. A oferta de formação deve ser
acompanhada de um impulso à procura de formação, que tem de partir das
empresas, assim como de outras condições que estimulem o investimento em
formação por parte de empresas e dos trabalhadores.
A capacitação dos indivíduos depende também da superação de bloqueios em
outras áreas identificadas como críticas.
Práticas de informalidade, como o trabalho infantil, contribuem fortemente para o
abandono escolar precoce, e o incumprimento das normas que regulam o tempo de
trabalho dificultam os percursos de aprendizagem ao longo da vida.
Por outro lado, o fortalecimento da cooperação inter-empresas pode favorecer
avanços quanto à qualificação dos recursos humanos na medida em que permite
partilhar os custos e reduzir o risco de apropriação dos benefícios da formação por
parte de quem não incorreu nos respectivos encargos, incentivando, deste modo, a
aposta das empresas na formação de competências.
Paralelamente, a capacitação dos indivíduos é uma pré-condição para a capacitação
das empresas para a inovação, mas é igualmente um resultado de processos de
inovação organizacional: a via mais eficiente para a formação dos trabalhadores
(sobretudo os menos qualificados e os mais idosos), passa pelo enriquecimento do
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 122
conteúdo da sua actividade de trabalho quotidiana, graças à implementação de
modelos organizacionais pós-tayloristas, baseados em postos de trabalho menos
especializados e mais polivalentes.
A qualidade das relações laborais condiciona igualmente o processo de capacitação
dos indivíduos, no sentido em que a adopção de modelos organizacionais, baseados
na negociação, que viabilizem relações de “lealdade” e de confiança favorece a
disposição para a aquisição de competências por parte dos trabalhadores e para a
sua provisão por parte das empresas em que estão inseridos.
Um aspecto igualmente fulcral, para lá dos factores críticos identificados, é a
protecção efectiva dos indivíduos relativamente a riscos de percurso na sua carreira
profissional, incluindo a substituição do rendimento em caso de desemprego.
Os objectivos estratégicos e os meios de intervenção para a capacitação dos
indivíduos, correspondentes a cada uma das prioridades acima indicadas é a
seguinte:
1. Aumentar a escolarização da população
• Combater o abandono escolar precoce;
• Promover e facilitar o acesso de 2ª oportunidade a quem abandonou
precocemente o sistema;
• Nivelar a escolaridade mínima obrigatória com a média europeia.
A prossecução destes objectivos estratégicos envolve a mobilização de
meios de intervenção tendentes a:
a) Acentuar a fiscalização ao trabalho infantil;
b) Desincentivar o acesso ao mercado de trabalho de jovens sem
escolaridade obrigatória;
c) Adequar as metodologias educativas aos públicos-alvo;
d) Intensificar o apoio social às crianças de famílias desfavorecidas
(refeições escolares, manuais, etc.)
e) Aumentar a oferta educativa nocturna;
f) Garantir a equivalência das formações profissionais a níveis de
escolaridade;
g) Passar a escolaridade obrigatória para o nível do ensino secundário
ou equivalente.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 123
2. Melhorar a qualidade da oferta educativa
• Promover a aquisição de competências-chave para a sociedade do
conhecimento;
• Apostar no desenvolvimento de capacidades relacionais e da
autonomia pessoal;
• Garantir a disponibilidade e qualidade das infra-estruturas de base.
Estes objectivos envolvem meios de intervenção tendentes a:
a) Identificar as competências-chave e melhorar a preparação
pedagógica e científica dos professores em todos os graus de ensino;
b) Desenvolver as capacidades de planeamento e de organização (e
outras competências relacionais e da autonomia pessoal) e adequar a
preparação pedagógica e científica dos professores à realização
destes desígnios;
c) Garantir os meios de financiamento às autarquias que lhes permitam
prover adequadamente as necessidades de infra-estruturação de
base.
3. Promover a aprendizagem ao longo da vida
• Incentivar os indivíduos a actualizarem permanentemente as suas
competências;
• Garantir que as empresas facilitam e valorizam a aquisição de
competências;
• Assegurar uma oferta adequada às necessidades (actuais e futuras)
dos indivíduos e das empresas por parte dos sistemas de ensino e de
formação;
• Estimular a actividade de formação no interior das empresas.
São meios conducentes à realização destes objectivos:
a) A validação e certificação de competências adquiridas pela
experiência;
b) A construção de balanços de competências e a identificação de
défices individuais de competências;
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 124
c) A protecção efectiva em relação a riscos de percurso na carreira
profissional dos trabalhadores;
d) A adopção de modelos organizacionais que viabilizem relações de
lealdade e confiança;
e) O reforço da cooperação inter-empresas no âmbito da formação
profissional, partilhando os seus riscos e custos;
f) A concepção da oferta formativa a partir de diagnósticos
(profissionais, sectoriais, e territoriais) das necessidades de
competências numa lógica preventiva e curativa;
g) O envolvimento dos parceiros sociais no diagnóstico das necessidades
de competências;
h) Criar programas de requalificação das chefias intermédias em PME,
com certificação (por exemplo, criação de um diploma de gestão e
organização de empresas de nível III);
i) Incentivar programas de reconversão organizacional tendentes ao
enriquecimento dos postos de trabalho.
4. Promover o ajustamento entre qualificações oferecidas e requeridas
1. Reduzir o desemprego de recursos humanos qualificados e/ou a
subutilização das competências já adquiridas;
2. Valorizar as representações sociais da educação e da formação
profissional;
3. Garantir a transferibilidade profissional, particularmente em sectores
em reestruturação.
A efectivação destes objectivos estratégicos envolve como meios de
intervenção:
a) A promoção de programas de estágios profissionais aos diferentes
níveis de educação e formação, e outros programas de inserção de
jovens na vida profissional (salvaguardando a desejável estabilidade
do vínculo de inserção);
b) A disseminação de informação sobre formações, profissões, saídas
profissionais e condições de trabalho;
c) A oferta de orientação profissional nas escolas básicas e secundárias;
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 125
d) A concepção da oferta de formação em função diagnósticos de
necessidades novas competências;
e) O alargamento dos programas de inserção de jovens licenciados.
Capacitação das empresas
O reforço da capacidade de inovação e da cooperação inter-empresas são aspectos
críticos fulcrais para o processo de capacitação das empresas na actual fase de
ajustamento da economia portuguesa.
No plano da capacitação das empresas para a inovação, o gap fundamental que é
necessário ultrapassar, envolve, por um lado, a debilidade da I&D no sector privado
e a sua desarticulação com as instituições públicas e, por outro a fraca capacidade
de introdução de inovação (mesmo incremental) nos produtos, nos processos
produtivos e na organização empresarial.
O alargamento da infra-estrutura de I&D depende fortemente não só da iniciativa
pública como de iniciativas empresariais que permitam valorizar o conhecimento
disponível e integrar as competências que o sistema de ensino e de investigação
(nacional e internacional) tem vindo a produzir. A articulação entre o tecido
produtivo e as instituições de ensino, de I&D e outras instâncias mediadoras
(centros tecnológicos, associações empresariais, etc.) é aqui fundamental.
Num quadro genérico de atomização empresarial (a par de uma certa solidificação
de redes relativamente estanques de empresas, em sistemas input-output
autónomos, no quadro de grupos económicos ou outros), a cooperação inter-
empresarial surge igualmente como uma prioridade. A cooperação permitirá
explorar economias de escala e de gama conjuntas, mobilizando massas críticas
que permitam às empresas reforçar a sua competitividade. A formação profissional,
a capacidade de criação de novos produtos e marcas, o acesso aos mercados
internacionais, a própria distribuição interna e o ganho de poder negocial face a
grandes superfícies comerciais ou a distribuidores, dependem destes factores de
escala, que tanto podem ser induzidos pela via da concentração, como pela via da
densificação de redes de cooperação. Para a maior parte do tecido empresarial (que
representa uma ainda maior parcela do emprego nacional), a cooperação é uma
condição de subsistência, que pode ser fomentada pela via do acesso a fontes de
financiamento conjunto, à informação, à partilha de infra-estruturas, etc. A
capacitação das empresas para a cooperação pressupõe e envolve ainda uma
mudança de atitudes dos pequenos empresários.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 126
Num plano mais alargado, o envolvimento num esforço conjunto de requalificação
do tecido produtivo exige coordenação e cooperação e a invenção de formas
institucionais que sustentem mecanismos de regulação autónomos ou em parceria
com outros actores e poderes públicos. A geração de formas de governação
específicas, enraizadas territorial ou sectorialmente, é crucial, devendo ser
contemplada no desenho das políticas públicas.
A qualificação dos recursos humanos (incluindo as competências dos próprios
empresários) é igualmente um aspecto central do processo de capacitação das
empresas. A empresa capaz de inovar, de arriscar, de se organizar eficientemente e
de se relacionar, é necessariamente uma empresa que mobiliza competências
avançadas nos planos operacionais e de gestão.
A capacitação das empresas pressupõe ainda um ambiente de relações laborais
favorável, caracterizado pelo diálogo, a negociação e a concertação, e é
incompatível com práticas de informalidade nos domínios das relações de trabalho e
da articulação com outras empresas e com o próprio estado.
São objectivos e meios de intervenção para a capacitação das empresas:
1. Incrementar a capacidade de inovar, ao nível dos produtos, dos
processos e das formas de organização
• Estimular a I&D empresarial, bem como a colaboração inter-
empresas no campo da I&D;
• Estimular a capacidade empreendedora e apoiar a iniciativa
profissional de quadros científicos e técnicos;
• Fomentar o aprofundamento da articulação universidade-empresas,
designadamente para a transferência de conhecimento científico e
técnico;
• Fomentar a difusão de capital de risco e do apoio à gestão a novos
projectos;
• Promover o upgrading das qualificações a todos os níveis dentro das
empresas.
A concretização destes objectivos estratégicos envolve meios de intervenção
como:
a) Adoptar uma abordagem “problem solving” na implementação de
parcerias, locais e não só, envolvendo um número razoável de
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 127
empresas de pequena e média dimensão, tendo em vista a criação e
a adopção de inovação em ligação com instituições tecnológicas e
científicas (centros tecnológicos, agências de desenvolvimento
regional ou local, parques de ciência e tecnologia, universidades,
etc.);
b) Apoio à formação de organizações de interface entre universidades,
empresas e outras instituições públicas;
c) Recrutamento de indivíduos com formações técnicas e tecnológicas
avançadas;
d) Diálogo entre empresas e instituições de educação e formação para
afinação de currículos;
e) Oferta de estágios profissionais e programas de inserção de jovens
licenciados;
f) Requalificação das chefias intermédias e reconfiguração das suas
funções profissionais, tendo em vista o seu papel de catalisador da
inovação.
2. Desenvolver a capacidade de arriscar
• Estimular a capacidade de empreendimento e apoiar a iniciativa
empresarial de quadros científicos e técnicos;
• Garantir meios de financiamento para projectos inovadores e
mecanismos que permitam socializar o elevado risco destes
projectos;
• Fomentar a internacionalização das empresas, em particular no que
diz respeito à exploração de novos mercados.
Estes objectivos estratégicos envolvem, como meios de intervenção:
a) O desenvolvimento das competências-base do empreendedorismo
nos currículos escolares, em particular no ensino secundário;
b) A difusão de conhecimentos de gestão de organizações nos cursos
técnicos, tanto a nível secundário e profissionalizante, como superior;
c) O apoio, através da disponibilização de informação e de consultoria
técnica, aos start ups de projectos de jovens empreendedores;
d) A difusão do capital de risco;
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 128
e) O desenvolvimento de atitudes pró-activas dos empresários face aos
processos de reconversão produtiva e aos seus efeitos;
f) O desenvolvimento de programas de apoio (técnico e logístico) à
internacionalização das empresas, dando prioridade às iniciativas que
visem o estabelecimento de parcerias de médio e longo prazo para
promoção e comercialização de produtos nacionais.
3. Aperfeiçoar a capacidade de organização e de planeamento
• Desenvolver as capacidades organizacionais em funções internas à
empresa, de empresários, gestores e quadros intermédios
(planeamento estratégico, planeamento e controlo dos processos
produtivos e concepção da estrutura organizacional);
• Desenvolver as capacidades organizacionais respeitantes aos
sistemas input-output em que a empresa se insere.
Estes objectivos estratégicos envolvem meios de intervenção tendentes a:
a) Melhorar as competências organizacionais dos empresários, através
do contacto com experiências de sucesso e do aconselhamento
especializado, proporcionado por agências públicas ou associações
empresariais;
b) Aprofundar a articulação universidade-indústria orientada para o
apoio à gestão e à reconversão organizacional.
4. Promover a capacidade de relacionamento
• Incentivar a implementação de parcerias locais e outras, orientadas
para a adopção e criação de inovação, para a formação, para o
acesso a mercados internos e externos, etc;
• Articular os sistemas produtivos com o meio em que se inserem,
aproveitando os recursos existentes nesse espaço e promovendo a
sua valorização exógena, aproveitando formas de governância
específicas, apropriadas à realidade sociocultural local e ao saber-
fazer codificado e tácito aí acumulado historicamente;
• Reforçar a exigência quanto ao respeito pelas normas legais e
contratuais e generalizando e difundindo a cultura da
responsabilidade social.
A estes objectivos correspondem enquanto meios de intervenção:
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 129
a) A valorização, nos critérios de selecção de projectos a apoiar
financeiramente, da colaboração entre empresas ou entre estas e
outras instituições públicas, associativas ou privadas;
b) O incentivo a projectos que envolvam um número razoável de
empresas de pequena e média dimensão, ligadas a instituições
tecnológicas e científicas (centros tecnológicos, agências de
desenvolvimento regional e local, parques de ciência e tecnologia,
universidades, etc.);
c) O apoio à criação de soluções institucionais específicas adaptadas a
cada realidade, que suportem a governação das parcerias;
d) A criação de mecanismos de fomento à formalidade, em particular
no campo da “certificação social das empresas”, exigindo estudos de
viabilidade ou de impacto social para o financiamento de projectos e
criando comissões de acompanhamento independentes para analisar
a sua implementação.
Capacitação das organizações associativas
As organizações associativas (sindicatos, associações e confederações empresariais,
mas também estruturas diversas de base territorial ou sectorial) podem
desempenhar um papel fundamental na mediação de interesses diversos, no que
concerne aos diversos aspectos críticos da adaptabilidade.
O factor crítico relações laborais é aquele que, porventura, envolve maior crispação
e um maior conflito entre posições extremas de (pelo menos alguns) actores. No
entanto, o diálogo e a concertação são cruciais para minimizar os custos da
adaptação para todos os agentes e para a sociedade como um todo. A capacitação
para a negociação das organizações associativas é, neste aspecto, fundamental.
A recalibragem dos aspectos regulamentares da protecção do emprego e da
protecção social, de forma a torná-las mais efectivas e a responder às mutações da
relação de trabalho terá de ser feita de forma negociada e sem esvaziar o princípio
do direito que estabelece a protecção da parte fraca das relações contratuais.
A imposição de facto da desregulamentação pode ser possível mas tem custos.
Parte destes custos recaem sobre as próprias empresas, com consequências
financeiras a que elas são naturalmente sensíveis. Mas uma outra parte é
externalizada, traduzindo-se numa ruptura da solidariedade e da coesão, com
consequências para todos. Os imperativos da competitividade (muitas vezes
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 130
evocados mesmo quando não está em causa a viabilidade nem a rentabilidade de
um investimento) podem, mas não devem, resultar numa desresponsabilização das
empresas e numa legitimação da externalização dos seus custos salariais para o
conjunto da sociedade.
A capacitação das estruturas associativas, particularmente as empresariais, envolve
ainda a extensão da sua área de actuação. Para além de meros interlocutores dos
poderes políticos, estas associações podem transformar-se no efectivo suporte para
o desenvolvimento das relações de cooperação inter-empresas, nomeadamente nos
planos da inovação e da qualificação dos recursos humanos, bem como no do
combate a mecanismos de informalidade.
Os objectivos e meios de intervenção respeitantes à capacitação das associações
são os seguintes:
1. Favorecer a cultura de negociação e de compromisso entre os
parceiros sociais
• Desenvolver os requisitos legais de consulta, diálogo e concertação,
com a abertura do domínio do negociável;
• Articular os quadros negociais nacionais e sectoriais com quadros
mais descentralizados que favoreçam a descoberta e adopção de
soluções adequadas a realidades sectoriais, empresariais e territoriais
específicas;
• Reforçar a representatividade das estruturas associativas.
Estes objectivos estratégicos envolvem meios de intervenção tendentes a:
a) Reforçar algumas das atribuições das associações, nomeadamente
nos planos da deontologia profissional e da responsabilidade social;
b) Desenvolver as competências negociais dos dirigentes e quadros
associativos, melhorando em quantidade e qualidade a assessoria
técnica das organizações associativas;
c) Reforçar o nível de implicação dos membros nos processos negociais
conduzidos pelas direcções das organizações associativas,
nomeadamente através da dinamização de acções comunicacionais
dirigidas aos associados;
d) Fomentar a participação activa nas decisões estratégicas aos níveis
profissional, sectorial, territorial e nacional;
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 131
e) Reforçar a representação na negociação dos interesses e direitos das
mulheres, dos emigrantes, dos desempregados, nomeadamente
jovens, dos trabalhadores em situação precária, e das pessoas com
deficiência.
2. Incentivar o papel das associações enquanto promotoras de
dinâmicas de desenvolvimento e de reconversão produtiva
• Sensibilizar as associações empresariais para a necessidade de
assumirem um papel mais activo junto dos seus associados apoiando
o estabelecimento de redes e plataformas de cooperação e de
partilha de informação;
• Promover a articulação entre actores a nível local/regional em
particular em zonas com o tecido produtivo mais débil ou rarefeito,
com a assunção de um papel mobilizador por parte das agências de
desenvolvimento local, associações de municípios ou estruturas
municipais.
A concretização destes objectivos estratégicos implica a mobilização de
meios de intervenção como:
a) A promoção de lógicas de financiamento que façam depender a
elegibilidade dos projectos do estabelecimento de parcerias
específicas, mediadas por organizações associativas, tendo em vista a
dinamização de redes flexíveis e adaptáveis;
b) O estabelecimento de plataformas de partilha de informação
baseadas nas associações (a nível interno, e com o exterior);
c) A partilha de infra-estruturas e de serviços de apoio, de base local
(em particular em zonas com o tecido produtivo mais débil ou
rarefeito);
d) A implementação de mercados transicionais de emprego, a nível
sectorial ou regional, envolvendo os parceiros sociais respectivos
(bolsas de emprego, reconversão de competências, protecção social,
etc.).
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 132
Capacitação do estado e dos poderes reguladores
A capacitação do estado e dos agentes reguladores é uma pré-condição para a
remoção dos bloqueios que resultam da informalidade.
A informalidade pode ser vista (e é entendida pelos próprios agentes) de forma
muito diversificada. Numa das suas acepções, considera-se que potencia
mecanismos de compressão artificial de custos que permitem uma concorrência
“desleal” com outras empresas ou países. Noutro sentido, e nalguns casos, pode
funcionar como plataforma de cooperação e de colaboração entre agentes tendente
a ultrapassar obstáculos ao nível da burocratização ou da formalização da relação
entre actores. A informalidade a combater é a que corresponde à primeira dessas
acepções, associada à subversão de mecanismos legais, tendo em vista uma
competitividade pela compressão de custos, particularmente os respeitantes ao
factor trabalho. Esta informalidade retarda a reestruturação, afecta recursos a
actividades pouco produtivas, exerce pressão concorrencial sobre o sector formal e
reforça a dualização da sociedade portuguesa. O combate à informalidade será,
portanto, imprescindível na óptica de um reforço sustentável da competitividade da
economia nacional e da coesão social.
No plano das relações laborais, o estado desempenha o triplo papel de árbitro, de
fiscal e de promotor do diálogo social e da inovação legislativa e institucional. A sua
capacitação será portanto fulcral em todas estas dimensões.
A eficiência e eficácia do estado, bem como a sua capacidade de actuação
estratégica e de governação condicionam também os processos de inovação e de
qualificação dos recursos humanos. O estado e a administração pública podem,
ainda, constituir-se em incentivadores e facilitadores da cooperação inter-
empresas.
Não tendo o estado e a administração pública sido objectos de análise aprofundada
no âmbito deste trabalho, não arriscamos a sugestão de quaisquer meios de
intervenção, limitando-nos aqui a enunciar prioridades e objectivos estratégicos.
1. Aumentar a eficiência e a eficácia da administração pública e
estado
• Melhorar a qualidade da produção legislativa e regulamentar;
• Agilizar os procedimentos da administração pública, nomeadamente
os processos de licenciamento (sem prejuízo da realização dos
objectivos de interesse geral que os justificam);
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 133
• Reforçar a fiscalização do cumprimento das normas legais,
particularmente no domínio das relações laborais;
• Aumentar a eficiência do sistema judicial;
• Combater as práticas de pequena e grande corrupção e nepotismo.
2. Desenvolver a capacidade de pensar e actuar estrategicamente
• Reforçar os recursos da administração para aumentar a sua
capacidade de processamento de informação e de acumulação de
conhecimento, com vista ao apoio à tomada de decisão política;
• Reforçar a ligação da administração à realidade, através do
acompanhamento e avaliação ongoing dos processos de inovação e
reconversão produtiva.
3. Desenvolver a capacidade de actuar
• Explorar novas formas de governação em articulação com outros
actores
• Desenvolver a capacidade de identificação de problemas e de
mobilização dos actores para intervenções conjugadas
Lógicas e princípios organizativos das intervenções
Tendo em conta as propostas adiantadas no ponto anterior, pretendemos aqui
apresentar algumas linhas condutoras em termos de princípios organizativos a
seguir nas intervenções e na organização dos Programas Operacionais que possam
abranger as medidas preconizadas.
Neste sentido, afiguram-se-nos como estruturantes 3 princípios gerais que deverão
organizar a intervenção a definir:
o Ênfase nas actuações transversais centralmente coordenadas:
A coerência das intervenções determina a necessidade de actuações
transversais, não sectorializadas. A tendência para a “ministerialização” ou
“departamentalização” dos programas operacionais ou das medidas a
desenvolver, que se tem vindo a aprofundar como forma de facilitação
institucional da sua implementação (cf. o que tem ocorrido sistematicamente no
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 134
actual e anteriores QCA’s, independentemente de diversas intenções e esforços
em sentido contrário), deve ser contrariada.
o A consideração das especificidades locais e regionais:
As especificidades locais e regionais requerem uma maior flexibilização (e
portanto também uma certa “adaptabilidade”…) das medidas a desenhar, sem
que o requisito da coerência e gestão centralizada dos programas seja
sacrificado. Com efeito, algumas medidas que promoveram uma gestão
descentralizada de programas levaram no passado a uma multiplicação de
instituições e a uma duplicação desnecessária e ineficiente de recursos, pelo
que a necessária adaptação das medidas e dos instrumentos de política às
especificidades das políticas adequadas para cada realidade concreta, deverá
traduzir-se numa gestão efectivamente descentralizada, mas fortemente
articulada num todo coerente e numa lógica de concepção e organização de
programas congruente e mais centralizada.
o O reforço da selectividade
Finalmente, a escassez de recursos exige uma aposta numa maior selectividade
das medidas, com a concentração das intervenções e dos próprios apoios num
conjunto de acções fundamentais, com impacto mais estruturante e com efeitos
reprodutores mais intensos sobre a economia, em detrimento de actuações
mais dispersas e abrangentes, que eventualmente apoiassem mais agentes
directamente no curto prazo, mas com efeitos indutores de longo prazo mais
reduzidos.
Neste quadro genérico, e face a tudo o que anteriormente foi especificado no que
concerne a objectivos e meios de intervenção que reconhecemos como
fundamentais para a questão da adaptabilidade, não nos parece adequada a
autonomização de um Programa Operacional específico sobre esta questão,
devendo antes as diversas formas de intervenção que preconizamos e os diversos
objectivos que reputamos como importantes serem distribuídos e cruzados em
diversas áreas de intervenção “sectoriais” (educação, formação, inovação,
economia, agricultura, etc.) ou “regionais”.
Paralelamente a estas três ideias-base gerais, vários outros princípios de
intervenção mais específicos, a seguir enunciados, deverão ser seguidos no
desenho dos Programas Operacionais decorrentes do próximo QERN.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 135
o Intervenções orientadas por diagnósticos de necessidades
A intervenção a efectuar deverá ser centrada claramente nas necessidades.
Muitas das intervenções anterior e actualmente realizadas no âmbito dos QCA
têm tido origem em programas desenhados no seio de organizações que
promovem a oferta em domínios tão diversos como a formação ou a
reconversão tecnológica e organizacional, para os quais são mobilizados a
posteriori agentes públicos ou privados interessados na promoção dessas
iniciativas. Tem-se verificado que muitas vezes esses programas estão muitos
desfasados das efectivas necessidades e potencialidades do tecido produtivo e
empresarial (em termos dos tipos de competências requeridas, da I&D
necessária à inovação, da tecnologia mais apropriada, da informação que seria
útil, etc.). Neste quadro, uma intervenção orientada pelas necessidades reais
dos diversos sectores e agentes seria aconselhável, mesmo que sacrificando
algumas competências entretanto geradas (ao nível de instituições, do saber
fazer acumulado) pelos agentes que têm feito essa intermediação (empresas,
centros de formação, associações de desenvolvimento local, associações
empresariais, etc.), os quais necessitariam de reconverter um pouco as suas
lógicas de funcionamento se quisessem manter este tipo de actividade.
Esta intervenção centrada nas necessidades não pode, no entanto, ser
focalizada nas necessidades particulares de empresas (ou instituições)
específicas, mas antes nas necessidades de um determinado tecido produtivo
(sectorial, regional, local, etc.). Com efeito, as intervenções prioritárias são as
que respondem às necessidades sentidas pela generalidade dos agentes num
determinado mercado, pela globalidade do tecido produtivo, e não por cada
agente em particular. A transferência da capacidade de obter apoios de uma
entidade para um conjunto de entidades (via incentivo às parcerias) ou para
instituições intermédias (associações empresariais, associações de
desenvolvimento local, associações de municípios, …) poderá ser uma via para a
prossecução deste objectivo.
o Fomento da cooperação inter-empresas e das parcerias
Deverão ser fortemente fomentadas as parcerias, podendo ser criados
mecanismos de elegibilidade nesse sentido, de forma a minimizar as “falsas
parcerias” (ou a mediação de instituições como associações empresariais ou
outras, desligada da especificidade de um dado projecto concreto). A
experiência de algumas iniciativas comunitárias neste campo apresenta alguns
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 136
resultados positivos, podendo ser aproveitada. Estas parcerias deveriam ser
estabelecidas especificamente para cada projecto concreto (sem prejuízo de
situações de cooperação sustentada em sequências de projectos), de forma a
promover cruzamentos e colaborações diversificadas entre agentes, adequados
à especificidade de cada projecto, e a dinamizar redes mais flexíveis, paralelas
às redes formais mais duradoiras.
Paralelamente a esta lógica de favorecimento do estabelecimento de parcerias,
organizadas especificamente por projectos, seria importante fomentar a
“abordagem orientada para a resolução de problemas” no desenho das medidas
a enquadrar no âmbito destes Programas Operacionais. As medidas viradas
para a actuação sobre sectores de actividade, ou mesmo sobre clusters de
actividades, têm o problema de muitas vezes terem uma abrangência restrita,
pelo que a ideia de fomentar o desenvolvimento de projectos estratégicos, para
responder a problemas específicos (por exemplo, protecção ambiental,
requalificação urbana, combate à falta de água, obtenção de energias
renováveis, promoção da identidade cultural, dinamização demográfica, etc.),
com efeitos de arrasto transversais em diversos clusters e diversas dimensões
críticas (mobilização de competências, fomento da inovação, reconversão da
base económica, etc.) se torna atractiva, pela sua transversalidade e extensão,
embora seja claramente mais difícil de implementar, por exigir a concertação de
instituições públicas que tutelam a intervenção em múltiplos campos.
O fomento de parcerias entre agentes, em torno do desenvolvimento de
projectos concretos, poderá ser articulado ainda com uma outra dimensão
importante a ter em conta nas medidas a elaborar no âmbito do QERN,
nomeadamente a que se prende com a questão da elegibilidade territorial. Com
efeito, as contingências com que uma parte considerável do território nacional
se terá de confrontar no que concerne à sua elegibilidade, particularmente em
relação aos vultuosos fundos do ex-objectivo 1, actualmente objectivo da
“convergência” (a região de Lisboa, já no âmbito do objectivo “competitividade
regional e emprego”; e o Algarve e a Madeira, em regimes transitórios de
phasing out do objectivo “convergência” e phasing in do objectivo
“competitividade regional e emprego”, respectivamente) pode fomentar a
colaboração entre parceiros de diversas regiões em torno de projectos
específicos que possam desenvolver em comum. A abertura destas hipóteses,
tendo em conta os critérios e regulamentos dos diversos fundos estruturais,
poderá ser estudada de forma a permitir adaptar quantitativamente e
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 137
qualitativamente (por exemplo, gerindo a calendarização da programação pelas
diversas regiões, de forma a aproveitar ao máximo, em moldes territorialmente
equitativos os recursos disponíveis) as possibilidades de obter resultados com
as medidas a desenhar, bem como o seu grau de exequibilidade.
o Viabilidade social dos projectos (avaliação social das empresas
promotoras e dos projectos)
Com o objectivo de contrariar algumas das facetas negativos da “flexibilidade”
(nomeadamente em termos sociais, económicos e fiscais), em particular
aquelas que estão associadas a algumas dimensões de informalidade, será
fortemente recomendável a implementação da exigência de estudos prévios de
“viabilidade social” de todos os projectos, como condição para a sua
elegibilidade. Este estudo (à semelhança dos estudos de viabilidade económica,
ou dos estudos de impacto ambiental hoje requeridos para muitos projectos)
seria requisito para a aprovação e implementação dos projectos a financiar. Os
projectos financiados deveriam ser monitorizados na sua execução por
Comissões de Acompanhamento. A esta avaliação social dos projectos poderia
estar associada uma ”certificação social das empresas”, que poderia ser
igualmente feita no âmbito de um acompanhamento, para o qual poderiam ser
mobilizados agentes “facilitadores” (estes poderiam vir mesmo de dentro da
própria administração pública: universidades, estruturas técnicas, etc.) cuja
missão seria a promoção da mudança de comportamentos nas empresas e a
sua adaptação às exigências de certificação da viabilidade social.
o Reforço das condições de elegibilidade pela via da avaliação do
currículo dos promotores
Um outro aspecto essencial será a assunção de uma lógica de elegibilidade
condicionada à avaliação curricular dos proponentes, avaliando o mérito das
medidas e projectos anteriormente financiados a esse agente, bem como o nível
(quantitativo e qualitativo) da sua execução. Esta lógica permitiria evitar
processos de abuso sistemático de utilização de fundos sem grande repercussão
prática (e sem grande controle da sua eficácia e eficiência ao nível micro),
minorar a fraude ou má utilização de recursos, e promover uma maior equidade
e selectividade nos apoios, embora necessitasse obviamente de mecanismos de
salvaguarda para algumas situações, nomeadamente para os casos de
candidatos sem historial de apoios, bem como para projectos inovadores ou
para novos agentes ou novas formas de intervenção.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 138
o Reforço do acompanhamento social, económico e financeiro dos
projectos (mediadores e facilitadores, Comissões de Acompanhamento
multiprojectos, reprodutibilidade de actuações específicas, visibilidade)
No quadro que aqui está a ser desenhado, um papel fulcral terá de será
assumido por um conjunto de agentes “facilitadores”, ou “mediadores”, que
introduzam choques exógenos (pelas suas competências, pelo know-how que
transmitem, pela sua capacidade relacional e de mediação, etc.) em realidades
estáveis e sedimentadas. Estes agentes podem originar um impulso de
mudança e de mobilização (ao nível sectorial, de um cluster, regional ou local),
em torno de opções estratégicas fundamentais, particularmente em situações
de reestruturação profunda ou de equilíbrios “baixos” nas lógicas de negociação
dos actores. A disseminação destes facilitadores (bem como a própria formação
de agentes com estas competências técnicas, relacionais ou pessoais, que não
são muito fáceis de conciliar num perfil único…) constituiria um desafio crucial
na organização e forma de implementação deste QERN, contribuindo para
“olear” a máquina de implementação das medidas.
A necessidade crescente de medidas específicas, para cada região ou sector,
com a tendência paralela para a flexibilização das formas de intervenção (o que,
relembre-se, não implica necessariamente falta de articulação e coordenação
das medidas, mas apenas descentralização da sua execução…), levanta um
outro problema ao qual será necessário fazer face. Quanto mais concretas a
cada caso e mais específicas são as intervenções, mais difícil será tirar lições do
sucesso ou insucesso dessas mesmas actuações e, portanto, mais difícil será a
sua reprodução para outros contextos. A intransferibilidade das actuações será,
por conseguinte, uma realidade crescente, implicando novos desafios para os
avaliadores e desenhadores de políticas, nomeadamente no campo da
adaptação das boas práticas a novos contextos de intervenção. Neste campo, o
desenvolvimento de estruturas institucionais que permitissem um
acompanhamento mais próximo das intervenções seria o ideal, em particular
com o apoio de elementos especializados com o perfil de “facilitadores” ou
“mobilizadores” acima enunciado, que tivessem a capacidade de ir
acompanhando diversos projectos, e difundindo e adaptando as boas práticas
verificadas.
Finalmente, em associação aos princípios de intervenção anteriores, será
igualmente importante assegurar uma maior visibilidade dos projectos, exigindo
uma maior transparência como contrapartida para o apoio público. Sendo
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 139
obviamente necessários limites a esta exposição (por exemplo, salvaguarda de
direitos de propriedade, ao nível da inovação, ou salvaguarda do poder
concorrencial nos respectivos mercados), ela poderia, no entanto, dentro de
certos limites, ser utilizada, através da actuação da Comissão de
Acompanhamento do projecto acima referida, como forma de assegurar uma
maior reprodutibilidade das boas práticas verificadas em cada projecto, e como
fonte de um maior controlo financeiro, social e político das intervenções.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 143
Quadro A1 Síntese das características por domínio institucional
Estrutura produtiva, especialização
Peso relativo elevado do emprego no sector primário
Hegemonia da produção em pequena escala (pequeníssima dimensão da esmagadora maioria das empresas): Portugal é um país de pequenas e micro-empresas
Predomínio esmagador da gestão não profissionalizada em empresas familiares
Especialização produtiva (peso na estrutura das exportações) enviesada a favor das indústrias de baixa tecnologia
Posicionamento em produtos de gama baixa/média, com pouco valor acrescentado, na generalidade dos sectores
Predominância da concorrência pelos preços em produtos banalizados e não diferenciados em mercados estagnados ou em fraca expansão
Sistema de I&D
Sistema de I&D relativamente incipiente
Esforço de investigação predominantemente público fracamente acompanhado pela generalidade das empresas
Escassez de capital de risco
Muito fraca cooperação entre empresas e instituições de investigação
Catching up centrado em alguns “pólos de excelência” internacionalizados e desligados do “pelotão”
Sistemas de educação e formação
Baixo nível médio de escolaridade
Baixas taxas de escolarização no pré-escolar e secundário combinadas com elevadas taxas de abandono e baixos níveis de capacidades básicas dos jovens, em termos de literacia matemática, de leitura e científica (segundo o PISA), apesar do investimento público elevado em educação
Baixa proporção do ensino profissionalizante no ensino secundário
Taxas de escolarização relativamente elevadas no ensino superior, acompanhadas de fraca proporção de estudantes nos domínios da ciência, da matemática e da computação
Baixíssimos níveis relativos de literacia da população adulta em todos categorias profissionais, com particular destaque para os escalões dirigentes (gestores)
Eficácia da formação fortemente condicionada pelos baixos níveis de instrução
Conteúdos de trabalho empobrecedores levam frequentemente à deterioração das competências dos trabalhadores
A formação não mobiliza os que mais dela necessitam – a formação de antecipação e de reconversão dos adultos menos qualificados tem muito pouca expressão – e não constitui segunda oportunidade, reforçando mesmo as diferenças geradas pelo sistema escolar
Escassez de formação no interior das empresas; conteúdos influenciados pela oferta por parte de entidades externas
Conteúdos orientados para a formação genérica e não para a formação específica e profissionalizante: armadilha dupla das baixas qualificações e das qualificações gerais
Incipiente sistema de certificação profissional
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 144
Legislação de protecção do emprego
Diversificação crescente das formas da relação de trabalho (trabalho a termo certo ou incerto, a tempo parcial, sazonal ou intermitente, trabalho temporário, independente, domiciliário …)
Ancoragem das formas contratuais emergentes no enquadramento ambíguo da prestação de serviços, a qual recobre efectivamente novas formas de trabalho frequentemente
Contraste entre o vazio regulamentar dos novos regimes de trabalho e o detalhe jurídico que envolve o contrato de trabalho
Regulação da flexibilidade/segurança entregue à iniciativa dos poderes públicos; inexistência de sistemas de acompanhamento da iniciativa dos actores
Segmentação do mercado de trabalho (protegido – desprotegido)
Relações laborais
Falta de articulação entre os diferentes níveis de negociação/contratação entre parceiros sociais (macro-concertação, contratação colectiva, participação nas empresas)
Ausência de um compromisso de base genuíno entre as partes relativamente à sua respectiva posição no sistema e em relação a um projecto comum
Estagnação da contratação colectiva a nível de sector, limitação da existente às questões pecuniárias; reduzida capacidade de adaptar as convenções às novas necessidades
Modelos organizacionais
Inovação organizacional globalmente muito fraca (em particular no que respeita ao envolvimento dos trabalhadores, à rotação de tarefas e ao nivelamento das estruturas hierárquicas)
Modelo dominante caracterizado por uma cadeia hierárquica longa e rígida e uma forte aversão à incerteza e ao conflito
Forte ênfase na inovação centrada na tecnologia e na melhoria dos processos de produção, administrativos e logísticos, em detrimento da inovação orientada para os produtos/serviços e para a relação com os fornecedores e com os clientes
Predomínio da organização rígida, caracterizada pela especialização vertical e horizontal das tarefas
Predomínio das práticas tayloristas e pré-tayloristas. Nas novas formas de organização do trabalho parece privilegiar-se o enriquecimento e alargamento de tarefas, em detrimento da rotação. Caminha-se mais no sentido da produção magra, da racionalização e da formalização do trabalho do que no sentido do modelo antropocêntrico, ou seja, mais no sentido do neotaylorismo do que do pós-taylorismo.
Baixos níveis de participação dos trabalhadores e adopção crescente do modelo de participação individual, informal e limitado às tarefas do trabalhador
Relações inter-empresas
Três situações distintas:
Relações no seio de sistemas integrados: relações densas e em progressiva densificação no interior de redes que resultam de processos de reorganização empresarial (externalização de funções ou reafectação de funções decorrente de fusões)
Relações entre empresas efectivamente autónomas: formas de colaboração incipientes (não obstante excepções relevantes), particularmente nas áreas tradicionais de especialização;
Associações patronais e empresariais numerosas e diversificadas mas com débil capacidade de integração dos membros e frequentemente muito concentradas nas funções de representação política e de defesa de interesses corporativos e muito pouco nos domínios da cooperação, da formação, da tecnologia e doo acesso aos mercados externos Relações com o meio ambiente sócio-cultural: emergência, ainda incipiente de instituições intermédias (locais, regionais e sectoriais) e clusters territorializados
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 145
Financiamento e governação empresarial
Lógicas de financiamento diferenciadas consoante o tipo de entidades empresariais:
Pequena empresa tradicional, com características familiares essencialmente alimentada por capitais próprios e crédito bancário a cujo acesso tem dificuldade
Pequenas empresas na órbita dos grupos económicos e grandes empresas ligadas a eles muitas vezes em redes de outsourcing, alimentadas por capitais próprios ou por recursos da empresa-núcleo
Grandes empresas crescentemente submetidas à lógica dos mercados financeiros, com pressão para apresentarem resultados a curto prazo
Recurso a formas “informais” de financiamento como os expedientes do crédito “involuntário” dos fornecedores, da evasão fiscal e do não-pagamento ou dilação do pagamento das contribuições sociais
Peso residual do capital de risco
Forte movimento de concentração no seio dos principais grupos económicos, particularmente evidente nos sectores financeiro, na distribuição, nos media, no entretenimento, nas telecomunicações e na construção e obras públicas; mas também em sectores com a agricultura e pecuária, os serviços às empresas e as tecnologias ligadas à informática e comunicação
Reduzida, mas crescente, importância dos investidores institucionais e dos mercados bolsistas
Crescente divergência entre as lógicas de gestão e as lógicas de rentabilização dos investimentos financeiros nas empresas cotadas em bolsa, acompanhada da adopção de mecanismos de protecção contra a ameaça de aquisições hostis
Peso do sector empresarial do Estado em refluxo
Dependência das empresas relativamente aos sistemas de incentivos públicos ao investimento
Sistema de protecção social
Importância das solidariedades tradicionais (família e Igreja)
Combinação de esquemas baseados no estatuto ocupacional dos cidadãos com esquemas universalistas (pensões sociais, velhice, invalidez e rendimento mínimo garantido)
Baixas prestações nos regimes universalistas
Rede pública de serviços sociais pouco desenvolvida
Reprodução nas esferas extra-profissionais das desigualdades existentes na esfera do trabalho quer no que se refere ao subsídio de desemprego, quer a outras prestações
Fraca eficácia redistributiva do sistema
Risco de pobreza elevado para os menos escolarizados
Instrumentalização da protecção como complemento a baixos salários em empregos informais
Dificuldade de abarcar os trabalhadores menos qualificados nos sistemas de activação
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 146
Quadro A2 As complementaridades institucionais em Portugal
Estrutura produtiva e
especialização Sistema de I&D
Sistemas de educação e formação
Financiamento e governação empresarial
Relações inter-empresas
Legislação de protecção do emprego e relações laborais
Modelos organizacionais
Sistema de protecção social
Est
rutu
ra
pro
du
tiva e
e
speci
aliza
ção
A especialização produtiva predominante não requer investimento das empresas em I&D; atomização inviabiliza investimento em I&D
A especialização produtiva predominante não requer investimento em capital humano, nem incentiva a aquisição de qualificações pelos jovens e pelos trabalhadores
Pequena dimensão e atomização enfraquecem a posição negocial face à banca
Inserção periférica (via subcontratação) em redes de produção multinacionais favorece a atomização
O predomínio da pequena dimensão dificulta a integração associativa das empresas e dos trabalhadores e favorecem informalidade
A produção rotinizada não exige autonomia e participação dos trabalhadores e inibe a passagem a formas mais evoluídas de organização
Sis
tem
a d
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&D
A desarticulação universidade-indústria dificulta o upgrade de algumas empresas; a cultura académica não favorece os spin offs
A insipiência do sistema de I&D não permite empregar mestres e doutores, formados em grande número nos últimos anos
Sis
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ção
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A orientação para as qualificações gerais origina escassez de qualificações específicas
O sistema de educação não produz qualificações suficientes nas áreas científicas e em várias áreas tecnológicas (ex: computação)
Os baixos níveis de preparação escolar e profissional de gestores e trabalhadores não favorecem a participação, o diálogo e a autonomia
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 147
Fin
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açã
o
em
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sari
al
Escassez de capital de risco dificulta a emergência de spin offs e a criação ou upgrade das empresas
A crescente dependência da performance bolsista por parte das (poucas) grandes empresas incentiva a flexibilidade numérica
A dependência da performance bolsista incentiva o controlo unilateral por parte da gestão e dificulta a fidelização dos trabalhadores
O reforço dos investidores institucionais pressiona a privatização dos sistemas de protecção social
Rela
ções
inte
r-em
pre
sas
A escassa colaboração inter-empresas dificulta a reorientação da especialização produtiva
A atomização empresarial dificulta o esforço de I&D e a procura de soluções de inovação pelas empresas
A atomização empresarial e a fraca preparação escolar e profissional dos gestores dificultam o esforço de formação
A atomização empresarial torna as empresas muito dependentes do crédito bancário e dos mecanismos informais de financiamento
A fraca integração nas associações empresariais dificulta a negociação e o diálogo social
Atomização dificulta renovação das capacidades de gestão
A crescente externalização de funções reduz a eficácia da protecção social e cria profunda segmentação no mercado de trabalho
Leg
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A fraca aplicação da regulamentação viabiliza a compressão dos custos salariais e permite a sobrevivência de práticas empresariais arcaicas
A fraca aplicação da legislação dificulta a formação no interior da empresa; A concentração da negociação colectiva em matérias salariais e de carreiras leva a negligenciar a formação profissional
A sectorialização da negociação esvazia a negociação dentro da empresa; a concentração da negociação em matérias salariais e de carreiras dificulta a procura de formas mais avançadas de organização
A concentração da negociação colectiva em matérias salariais e de carreiras leva a negligenciar os aspectos correlativos da protecção social.
Estrutura
produtiva e especialização
Sistema de I&D Sistemas de educação e formação
Financiamento e governação empresarial
Relações inter-empresas
Legislação de protecção do emprego e relações laborais
Modelos organizacionais
Sistema de protecção social
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Estrutura produtiva e
especialização Sistema de I&D
Sistemas de educação e formação
Financiamento e governação empresarial
Relações inter-empresas
Legislação de protecção do emprego e relações laborais
Modelos organizacionais
Sistema de protecção social
Mo
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Os modelos organizacionais prevalecentes e o tipo de gestão não são favoráveis à assunção de risco e à modificação do posicionamento nos mercados
Os modelos organizacionais prevalecentes e o tipo de gestão não são favoráveis a práticas visando a inovação
A adopção de princípios tayloristas reforça o dualismo das qualificações e impede a mobilização e desenvolvimento dos recursos cognitivos dos trabalhadores
Os modelos organizacionais prevalecentes e o tipo de gestão e propriedade familiar não são favoráveis ao desenvolvimento de cooperação entre empresas
Os modelos organizacionais prevalecentes e o tipo de gestão não são favoráveis à busca de novas possibilidades de negociação e aplicação dos instrumentos jurídicos que regulam o trabalho
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A protecção social tende a ser instrumentalizada para complementar baixos salários ou para mascarar situações de lay off intermitente
Precariedade do sistema desincentiva a aquisição de competências específicas e reforça o incentivo à aquisição de competências gerais
A externalização dos custos do desemprego não incentiva as empresas à procura de alternativas ao despedimento no quadro de redes formais ou informais
O enviesamento do sistema de protecção social a favor dos trabalhadores com estatuto profissional mais privilegiado enfraquece a posição negocial dos trabalhadores não protegidos
A precariedade do sistema de protecção social enfraquece a posição negocial dos trabalhadores menos protegidos e o seu grau de autonomia
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Quadro A3 Síntese do cenário de “capacitação” e prioridades estratégicas, objectivos prioritários e meios de intervenção
Capacitação dos
actores Prioridades estratégicas Objectivos estratégicos Meios de intervenção
Indivíduos o Aumentar a escolarização da população
o Combater o abandono escolar precoce
o Promover e facilitar o acesso de 2ª oportunidade
o Nivelar a escolaridade mínima com a média europeia
o Acentuar a fiscalização ao trabalho infantil
o Desincentivar o acesso ao mercado de trabalho de jovens sem escolaridade obrigatória
o Adequar as metodologias educativas aos públicos-alvo
o Intensificar o apoio social às crianças de famílias desfavorecidas
o Aumentar a oferta educativa nocturna
o Adequar os currículos e metodologias aos públicos-alvo
o Garantir a equivalência das formações profissionais a níveis de escolaridade
o Passar a escolaridade obrigatória para o nível do ensino secundário ou equivalente
o Melhoria da qualidade da oferta educativa
o Promover a aquisição de competências-chave para a sociedade do conhecimento
o Apostar no desenvolvimento de capacidades relacionais e da autonomia pessoal
o Garantir a disponibilidade e qualidade das infra-estruturas de base
o Identificar as competências-chave e melhorar a preparação pedagógica e técnica dos professores em todos os graus de ensino
o Desenvolver as capacidades de planeamento e de organização (e outras competências relacionais e da autonomia pessoal) e adequar a preparação pedagógica e científica dos professores à realização destes desígnios
o Garantir os meios de financiamento às autarquias que lhes permitam prover adequadamente as necessidades de infra-estruturação de base
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 150
Capacitação dos actores
Prioridades estratégicas Objectivos estratégicos Meios de intervenção
Indivíduos
(cont.)
o Promover a aprendizagem ao longo da vida
o Incentivar os indivíduos a actualizar permanentemente as suas competências
o Garantir que as empresas facilitem e valorizem a aquisição de competências
o Garantir uma oferta adequada às necessidades (actuais e futuras) dos indivíduos e das empresas por parte dos sistemas de ensino e de formação
o Estimular a actividade de formação no interior das empresas
o Generalizar a validação e certificação de competências adquiridas pela experiência
o Apoiar a construção do balanço de competências e a identificação dos défices individuais de competências
o Protecção efectiva relativamente a riscos de percurso na carreira profissional dos trabalhadores
o Incentivar a adopção de modelos organizacionais que viabilizem relações de lealdade e confiança
o Reforçar a cooperação inter-empresas no âmbito da formação profissional, partilhando os seus riscos e custos
o Implementar a oferta formativa a partir de diagnósticos (profissionais, sectoriais, e territoriais) das necessidades de competências numa lógica preventiva e curativa
o Envolver os parceiros sociais no diagnóstico das necessidades de competências
o Criar programas de requalificação das chefias intermédias em PME’s, com certificação (por exemplo, criação de um diploma de gestão e organização de empresas de nível III)
o Incentivar programas de reconversão organizacional tendentes ao enriquecimento dos postos de trabalho
o Promover o ajustamento entre qualificações oferecidas e requeridas
o Reduzir o desemprego de recursos humanos qualificados e/ou a subutilização das competências adquiridas
o Valorizar as representações sociais da educação e da formação profissional
o Garantir a transferibilidade profissional, particularmente em sectores em reestruturação
o Promover programas de estágios profissionais aos diferentes níveis de educação e formação e outros programas de inserção de jovens na vida profissional (salvaguardando a desejável estabilidade do vínculo de inserção)
o Disseminar informação sobre formações, profissões, saídas profissionais e condições de trabalho
o Promover a oferta de orientação profissional nas escolas básicas e secundárias;
o Conceber oferta de formação em função diagnósticos de necessidades novas competências
o Alargar os programas de inserção de jovens licenciados
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Capacitação dos actores Prioridades estratégicas Objectivos estratégicos Meios de intervenção
Empresas o Incrementar a capacidade de inovar, ao nível dos produtos, dos processos e das formas de organização
o Estimular a I&D empresarial, bem como a colaboração inter-empresas no campo da I&D
o Estimular a capacidade empreendedora e apoiar a iniciativa profissional de quadros científicos e técnicos
o Fomentar o aprofundamento da articulação universidade-empresas, designadamente para a transferência de conhecimento científico e técnico;
o Fomentar a difusão de capital de risco e do apoio à gestão a novos projectos
o Promover o upgrading das qualificações a todos os níveis dentro das empresas
o Adoptar uma abordagem “problem solving” na implementação de parcerias, locais e não só, envolvendo um número razoável de empresas de pequena e média dimensão, tendo em vista a criação e a adopção de inovação em ligação com instituições tecnológicas e científicas (centros tecnológicos, agências de desenvolvimento regional ou local, parques de ciência e tecnologia, universidades, etc.);
o Apoio à formação de organizações de interface entre universidades, empresas e outras instituições públicas;
o Recrutamento de indivíduos com formações técnicas e tecnológicas avançadas;
o Diálogo entre empresas e instituições de educação e formação para afinação de currículos;
o Oferta de estágios profissionais e programas de inserção de jovens licenciados;
o Requalificação das chefias intermédias e reconfiguração das suas funções profissionais, tendo em vista o seu papel de catalisador da inovação
o Desenvolver a capacidade de arriscar
o Estimular a capacidade de empreendimento e apoiar a iniciativa empresarial de quadros científicos e técnicos
o Garantir meios de financiamento para projectos inovadores e mecanismos que permitam socializar o elevado risco destes projectos
o Fomentar a internacionalização das empresas, em particular no que diz respeito à exploração de novos mercados
o Desenvolver as competências-base do empreendedorismo nos currículos escolares, em particular no ensino secundário
o Difundir os conhecimentos de gestão de organizações nos cursos técnicos, tanto a nível secundário e profissionalizante, como superior
o Apoiar, através da disponibilização de informação e de consultoria técnica, as start ups de projectos de jovens empreendedores
o Difundir o capital de risco
o Desenvolver atitudes pró-activas dos empresários face aos processos de reconversão produtiva e aos seus efeitos
o Desenvolver programas de apoio (técnico e logístico) à internacionalização das empresas, dando prioridade às iniciativas que visem o estabelecimento de parcerias de médio e longo prazo para promoção e comercialização de produtos nacionais.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
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Capacitação dos
actores Prioridades estratégicas Objectivos estratégicos Meios de intervenção
Empresas
(cont.)
o Aperfeiçoar a capacidade de organização e de planeamento
o Desenvolver as capacidades organizacionais em funções internas à empresa, de empresários, gestores e quadros intermédios (planeamento estratégico, planeamento e controle dos processos produtivos e concepção da estrutura organizacional)
o Desenvolver as capacidades organizacionais respeitantes aos sistemas input-output em que a empresa se insere
o Melhorar as competências organizacionais dos empresários, através do contacto com experiências de sucesso e do aconselhamento especializado, proporcionado por agências públicas ou associações empresariais
o Aprofundar a articulação universidade-indústria orientada para o apoio à gestão e à reconversão organizacional
o Promover a capacidade de relacionamento
o Incentivar a implementação de parcerias locais e outras, orientadas para a adopção e criação de inovação, para a formação, para o acesso a mercados internos e externos, etc.
o Articular os sistemas produtivos com o meio em que se inserem, aproveitando os recursos existentes nesse espaço e promovendo a sua valorização exógena, aproveitando formas de governância específicas, apropriadas à realidade sócio-cultural local e ao saber fazer codificado e tácito aí acumulado historicamente
o Reforçar a exigência quanto ao respeito pelas normas legais e contratuais e generalizando e difundindo a cultura da responsabilidade social
o Valorizar nos critérios de selecção de projectos a apoiar financeiramente a colaboração entre empresas ou entre estas e outras instituições públicas, associativas ou privadas
o Incentivar projectos que envolvam um número razoável de empresas de pequena e média dimensão, ligadas a instituições tecnológicas e científicas (centros tecnológicos, agências de desenvolvimento regional e local, parques de ciência e tecnologia, universidades, etc.)
o Apoiar a criação de soluções institucionais específicas adaptadas a cada realidade, que suportem a governação das parcerias
o Criar mecanismos de fomento à formalidade, em particular no campo da “certificação social das empresas”, exigindo estudos de viabilidade ou de impacto social para o financiamento de projectos e criando comissões de acompanhamento independentes para analisar a sua implementação
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Capacitação dos actores Prioridades estratégicas Objectivos estratégicos Meios de intervenção
o Favorecer a cultura de negociação e de compromissos entre os parceiros sociais
o Desenvolver os requisitos legais de consulta, diálogo e concertação, com a abertura do domínio do negociável
o Articular os quadros negociais nacionais e sectoriais com quadros mais descentralizados que favoreçam a descoberta e adopção de soluções adequadas a realidades sectoriais, empresariais e territoriais específicas
o Reforçar a representatividade das estruturas associativas
o Reforçar algumas das atribuições das associações, nomeadamente nos planos da deontologia profissional e da responsabilidade social
o Desenvolver as competências negociais dos dirigentes e quadros associativos, melhorando em quantidade e qualidade a acessória técnica das organizações associativas
o Reforçar o nível de implicação dos membros nos processos negociais conduzidos pelas direcções das organizações associativas, nomeadamente através da dinamização de acções comunicacionais dirigidas aos associados
o Fomentar a participação activa nas decisões estratégicas aos níveis profissional, sectorial, territorial e nacional
o Reforçar a representação na negociação dos interesses e direitos das mulheres, dos emigrantes, dos desempregados, nomeadamente jovens, dos trabalhadores em situação precária, e das pessoas com deficiência
Organizações associativas
o Incentivar o papel das associações enquanto promotoras de dinâmicas de desenvolvimento e de reconversão produtiva
o Sensibilizar as associações empresariais para a necessidade de assumirem um papel mais activo junto dos seus associados apoiando o estabelecimento de redes e plataformas de cooperação e de partilha de informação
o Promover a articulação entre actores a nível local/regional em particular em zonas com o tecido produtivo mais débil ou rarefeito, com a assunção de um papel mobilizador por parte das agências de desenvolvimento local, associações de municípios ou estruturas municipais
o Promover lógicas de financiamento que façam depender a elegibilidade dos projectos do estabelecimento de parcerias específicas, mediadas por organizações associativas, tendo em vista a dinamização de redes flexíveis e adaptáveis
o Estabelecer plataformas de partilha de informação baseadas nas associações (a nível interno, e com o exterior)
o Partilhar infra-estruturas e de serviços de apoio, de base local (em particular em zonas com o tecido produtivo mais débil ou rarefeito)
o Implementar mercados transicionais de emprego, a nível sectorial ou regional, envolvendo os parceiros sociais respectivos (bolsas de emprego, reconversão de competências, protecção social, etc.)
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Capacitação dos
actores Prioridades estratégicas Objectivos estratégicos Meios de intervenção
o Aumentar a eficiência e a eficácia da administração pública e estado
o Melhorar a qualidade da produção legislativa e regulamentar;
o Agilizar os procedimentos da administração pública, nomeadamente os processos de licenciamento (sem prejuízo da realização dos objectivos de interesse geral que os justificam)
o Reforçar a fiscalização do cumprimento das normas legais, particularmente no domínio das relações laborais
o Aumentar a eficiência do sistema judicial
o Combater as práticas de pequena e grande corrupção e nepotismo
o Desenvolver a capacidade de pensar e actuar estrategicamente
o Reforçar os recursos da administração com vista à sua capacidade de processamento de informação e de acumular conhecimento, com vista ao apoio à tomada de decisão política
o Reforçar a ligação da administração à realidade, através do acompanhamento e avaliação ongoing dos processos de inovação e reconversão produtiva
Estado e poderes reguladores
o Desenvolver a capacidade de actuar
o Explorar novas formas de governação em articulação com outros actores
o Desenvolver a capacidade de identificação de problemas e de mobilização dos actores para intervenções conjugadas
(ver Nota)
Nota: Não tendo o estado e a administração pública sido objectos de análise aprofundada no âmbito deste trabalho, não arriscamos a sugestão de quaisquer
meios de intervenção, limitando-nos aqui a enunciar prioridades e objectivos estratégicos.
ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS
DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 155
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