UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO
CARLA LEME BOECHAT
ABANDONO DE PRODUTOS NO CONTEXTO DE FAMÍLIAS
ENDIVIDADAS: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO A PARTIR
DA CATEGORIA DE BELEZA
Rio de Janeiro
(2016)
CARLA LEME BOECHAT
ABANDONO DE PRODUTOS NO CONTEXTO DE FAMÍLIAS
ENDIVIDADAS: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO A PARTIR
DA CATEGORIA DE BELEZA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto
COPPEAD de Administração, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em
Administração.
ORIENTADOR: Maribel Carvalho Suarez, D.Sc,
Rio de Janeiro
2016
CARLA LEME BOECHAT
ABANDONO DE PRODUTOS NO CONTEXTO DE FAMÍLIAS ENDIVIDADAS: UM
ESTUDO EXPLORATÓRIO A PARTIR DA CATEGORIA DE BELEZA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto
COPPEAD de Administração, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em
Administração.
Aprovada por:
__________________________________________
Prof. Maribel Carvalho Suarez, D. Sc. (Orientador)
COPPEAD/UFRJ
__________________________________________
Prof. Letícia Casotti, D. Sc.
COPPEAD/UFRJ
__________________________________________
Prof. Cecília Mattoso, D. Sc.
IAG/PUC-RIO
Rio de Janeiro
DEDICATÓRIA
Ao Instituto COPPEAD de Administração por todo o aprendizado, suporte e
experiência adquiridos.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, em primeiro lugar, à minha família, que esteve ao meu lado nos momentos bons e
difíceis do Mestrado, vibrando a cada conquista e sendo meu apoio, mesmo de longe, para
que eu concluísse mais essa etapa importante da minha vida.
Obrigada, mãe, por cada palavra de incentivo e carinho e por sempre acreditar nos meus
sonhos; pai, por ser meu maior exemplo de empreendedor, pelos ensinamentos diários e por
ter apoiado sem restrições a decisão de me afastar do mercado de trabalho para fazer este
curso; irmão, por estar tão presente em Itaperuna, por ser o homem que eu admiro e pela
amizade forte que transcende os laços de sangue; Madrinha Alda e Dimbô, por abrirem a casa
de vocês com tanto carinho e amor quando precisei, e me fazerem sentir como uma filha nesse
lar tão querido.
Agradeço aos professores do COPPEAD por todo o aprendizado nestes dois anos e meio de
curso. Em especial minha orientadora Maribel pela dedicação e paciência neste período difícil
de dissertação e por ser o exemplo e a essência de uma verdadeira pesquisadora de
comportamento do consumidor.
Agradeço às professoras Letícia Casotti e Cecília Mattoso por aceitarem avaliar este trabalho
e por me ajudarem a torna-lo cada vez melhor.
Agradeço aos grandes amigos que o COPPEAD me trouxe. Vocês marcaram a minha vida e
fizeram deste período, algumas vezes árduo, intenso e inesquecível.
Agradeço aos meus amigos da vida pela compreensão em todas as vezes que me ausentei de
momentos importantes, e em especial à Luana, que acompanhou todos os altos e baixos dessa
fase e hoje está vibrando tão de perto por mais essa vitória.
Agradeço, por fim, à secretaria acadêmica do Mestrado por todo o suporte, à Adriana e sua
equipe no restaurante pela simpatia de sempre e pelos inesquecíveis bolos de cenoura
perfeitos para recuperar nossas energias depois de horas de estudo, à equipe do “mangue”,
que foi nosso ponto de encontro tantas vezes para relaxar, fortalecer amizades, até mesmo
trabalhar, enfim, nos divertir em meio aos muitos momentos de caos que um Mestrado traz.
Quando entrei para o COPPEAD, não imaginava tudo o que eu viveria em menos de três anos
e nem as pessoas incríveis que eu (re)conheceria – e sei que vou carregar todas essas
lembranças e aprendizados comigo pelo resto da vida. As mais de 100 páginas deste trabalho
não seriam suficientes para demonstrar a minha gratidão a todos vocês que foram (e são) tão
importantes neste período memorável da minha vida. Obrigada.
RESUMO
LEME BOECHAT, Carla. Abandono de produtos de beleza no contexto de
famílias endividadas: um estudo exploratório a partir da categoria de Beleza.
2016. Dissertação (Mestrado em Administração) – Instituto COPPEAD de
Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
O presente estudo exploratório procurou entender a experiência de
abandono de produtos de Beleza por famílias em dificuldade financeira. De natureza
qualitativa, a pesquisa contou com dez entrevistas em profundidade, feitas com
mães, para relatar o consumo de suas famílias. No estudo destacou-se a relação
entre sentimentos atribuídos pelas entrevistadas e o consumo e abandono de
serviços e produtos de Beleza. Reforçou-se o abandono como um processo que, por
sua vez, passa por diferentes fases de assimilação dos significados negativos e
positivos de um consumo e como isso se reflete nas decisões de compra do
consumidor. A presente pesquisa traz também dinâmicas de resistência ao
abandono e a busca por estratégias de economia (e consequentemente a
substituição de marcas por outras mais baratas), além do abandono em si. Chamou
a atenção a prática da “terceirização” como estratégia para manter o consumo de
Beleza, sobre o qual discorremos ao longo do estudo. Entram aqui pessoas externas
ao seio familiar, como madrinhas e avós, por exemplo, que auxiliam na manutenção
desses hábitos. Por fim, faz-se importante ressaltar aqui a observação do abandono
não apenas como total, mas também como parcial dentro de uma família, quando
um dos membros mantém um consumo em detrimento dos demais. Percebeu-se
essa situação como sendo mais comum aos filhos, quando pais abrem mão de
algum gasto para repassá-lo aos pequenos, reforçando a influência desses nas
decisões de compra de uma família.
Palavras-chave: Endividamento. Comportamento do Consumidor. Família.
Beleza.
ABSTRACT
LEME BOECHAT, Carla. Abandono de produtos de beleza no contexto de
famílias endividadas: um estudo exploratório a partir da categoria de Beleza.
2016. Dissertação (Mestrado em Administração) – Instituto COPPEAD de
Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
This exploratory study sought to understand the experience of indebted families
dealing with the consumption of beauty products. Qualitative in nature, the research
included ten in-depth interviews, done with mothers, to report the consumption of
their families. The study highlights the relationship between feelings attributed by the
interviewees and their consumption and/or abandonment of beauty products. The
abandonment was strengthened as a process that passes through different stages of
assimilation of negative and positive meanings of consumption and how this is
reflected in consumer purchasing decisions. This research also brings abandonment
resistance dynamics and the pursuit of economic strategies (and consequently the
search for cheaper brands). Among the findings of the study, calls attention the
practice of "outsourcing" in order to keep the consumption of Beauty, which we
discus throughout the study. At this strategy, we see how people outside the family
environment, as godmothers and grandparents, for example, help to maintain those
consumption habits. Finally, it is important to highlight the observation of
abandonment not only as total in a family but also as part within them, for instance
when one member maintains a consumption and the others don´t. It was perceived
this as being more common to children, when parents give up some spending to
transferring it to them, reinforcing their influence at family decisions.
Palavras-chave: Indebtedness. Consumer Behavior. Family. Beauty.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Indicadores de Inadimplência ................................................................................... 46
Figura 2: Consumo de HPPC ................................................................................................... 48
Resumo Famílias Estudadas45Figura 4: Dinâmica de Negociação de Consumos de Beleza. . 57
Figura 5: Estratégias para Manutenção ou Abandono de Produtos de Beleza ......................... 59
SUMÁRIO
1 Introdução ........................................................................................................................................... 11
1.1 Objetivo do trabalho .................................................................................................................... 13
1.2 Questões de Pesquisa .................................................................................................................. 14
1.3 Relevância Acadêmica .................................................................................................................. 14
1.4 Relevância Gerencial .................................................................................................................... 16
1.5 Organização do Estudo ................................................................................................................. 17
2 Revisão de Literatura .......................................................................................................................... 18
2.1 Endividamento ............................................................................................................................. 18
2.1.1 DÉBITO E CRÉDITO ...................................................................................................................... 18
2.1.2 CRÉDITO COMO MEIO DE INCLUSÃO NA SOCIEDADE .......................................................................... 20
2.1.3 CRÉDITO COMO CRITÉRIO DE POSIÇÃO SOCIAL ................................................................................. 20
2.1.4 O FENÔMENO DO SUPERENDIVIDAMENTO ...................................................................................... 23
2.2 Família .......................................................................................................................................... 23
2.2.1 CONSUMO DA FAMÍLIA ................................................................................................................ 25
2.2.2 FAMÍLIA E CONFLITO ................................................................................................................... 28
2.2.3 FAMÍLIA E INFLUÊNCIA DOS FILHOS ................................................................................................ 29
2.2.3 FAMÍLIA E PODER DE DECISÃO DA MÃE ........................................................................................... 30
2.3 Abandono ..................................................................................................................................... 32
2.3.1 ANTI-ESCOLHA X NÃO-ESCOLHA ................................................................................................... 32
2.3.2 COMPARTILHAMENTO COMO FORMA DE ANTICONSUMO .................................................................. 33
2.3.3 SUBSTITUIÇÃO COMO FORMA DE ANTICONSUMO ............................................................................. 34
2.3.3 ABANDONO COMO PROCESSO ...................................................................................................... 35
2.3.4 RAZÕES PARA CONSUMO X RAZÕES PARA NÃO CONSUMO ................................................................ 36
2.3.5 SIGNIFICADOS E MOTIVAÇÕES PARA O ABANDONO ........................................................................... 37
2.4 Beleza ........................................................................................................................................... 38
3 Metodologia........................................................................................................................................ 41
3.1 Filiação Paradigmática .................................................................................................................. 41
3.2 Desenho da Pesquisa.................................................................................................................... 42
3.2.1 SELEÇÃO DAS FAMÍLIAS ............................................................................................................... 42
3.2.2 COLETA DE DADOS ...................................................................................................................... 50
3.2.3 MÉTODO DE ANÁLISE .................................................................................................................. 51
3.2.4 LIMITAÇÕES DO MÉTODO ............................................................................................................ 52
4 Análise ................................................................................................................................................. 53
4.1 Hierarquia dos Gastos .................................................................................................................. 53
4.1.1 GASTOS PRIORITÁRIOS X GASTOS SECUNDÁRIOS .............................................................................. 53
4.1.2 VISIBILIDADE X ANONIMATO ........................................................................................................ 54
4.1.3 PATRIMÔNIO X COTIDIANO .......................................................................................................... 55
4.1.4 NECESSIDADE X PRAZER .............................................................................................................. 62
4.2 Diálogo e relações cotidianos ....................................................................................................... 69
4.2.1 DIÁLOGOS INTERNOS .................................................................................................................. 69
4.2.2 DIÁLOGOS AMPLIADOS ............................................................................................................... 72
4.3 Estratégias para lidar com a dívida .............................................................................................. 75
4.4 Consumo de Beleza ...................................................................................................................... 78
4.4.1 SIGNIFICADOS E SENTIMENTOS RELACIONADOS AO CONSUMO DE BELEZA ............................................. 78
4.4.2 DINÂMICAS DE NEGOCIAÇÃO DOS CONSUMOS DE BELEZA .................................................................. 84
4.4.3 RELACIONAMENTO COM MARCAS DE PRODUTOS DE BELEZA .............................................................. 87
4.4.3.1 MARCAS QUE IDENTIFICAM E POSICIONAM: RESISTÊNCIA À MUDANÇA ............................................. 88
4.4.3.2 MARCAS SUBSTITUTAS: ESTRATÉGIAS PARA MANTER O CONSUMO ................................................... 91
4.4.3.3 ABANDONO DE PRODUTOS DE BELEZA: PARCIAL OU TOTAL ............................................................. 94
5 Considerações finais ........................................................................................................................... 96
5.1 IMPLICAÇÕES GERENCIAIS ............................................................................................................... 96
6 Pesquisas Futuras ............................................................................................................................... 99
7 Referências ....................................................................................................................................... 100
8 Anexos ............................................................................................................................................... 104
8.1 Roteiro das Entrevistas ............................................................................................................... 104
8.2 Imagem da família ideal ............................................................................................................. 107
8.3 Lista de consumo da família ....................................................................................................... 108
11
1 INTRODUÇÃO
No presente estudo buscou-se entender como a experiência de endividamento vivida por
famílias de classe média tem impacto sobre sua relação com os produtos de beleza. Ao longo
do trabalho pode-se entender melhor os principais significados e sentimentos associados a
beleza, como a família negocia esse gasto, como se dão os diálogos e relações cotidianos
nessa negociação e suas consequências, que variam entre a substituição, a redução ou o
abandono total do consumo de produtos de beleza. Para reforçar a relevância desse estudo,
nesta introdução serão apresentados, primeiro, um panorama geral do endividamento
brasileiro, e em seguida o da indústria de beleza no Brasil.
Com o incentivo do governo ao consumo somado à baixa instrução sobre planejamento
financeiro, muitas famílias acabam gastando mais do que seu rendimento mensal comporta. A
mais recente Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, conduzida pela
Confederação Nacional de Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), mostra que em
2015 houve redução de 1,3% no número de famílias com dívidas, com o percentual de
endividados alcançando a média anual de 61,1% do total das famílias brasileiras. Mas apesar
da tendência de redução do endividamento, a pesquisa ressalta que os indicadores de
inadimplência apresentaram alta no período, sobretudo no último trimestre do ano (como se
pode observar no quadro abaixo). Em 2015, entre as famílias endividadas houve aumento do
comprometimento da renda com dívidas e piora na percepção em relação ao nível de
endividamento.
Figura 1: Indicadores de Inadimplência
12
De acordo com o estudo da CNC, o percentual de famílias que declararam não ter
condições de pagar suas contas ou dívidas em atraso e que, portanto, permaneceriam
inadimplentes aumentou 23,2% na média de 2015 ante o ano anterior.
Assim como nos anos anteriores, o cartão de crédito foi o tipo de dívida mais citado
pelas famílias brasileiras em 2015: 76,1% daquelas que disseram ter dívidas, na média anual.
Em segundo lugar, ficou o carnê, apontado por 16,9% das famílias, e, em terceiro, o
financiamento de carro, por 13,7%. O perfil de endividamento das famílias apresentou pouca
alteração em relação ao ano anterior. Destaca-se a maior importância do crédito habitacional,
sendo o financiamento de casa citado por 8,3% das famílias, em média, em 2015, ante a
média de 7,8% em 2014.
Os grandes motivadores para o início da situação de endividamento excessivo,
segundo pesquisa qualitativa realizada pelo Banco Central entre agosto e outubro de 2014,
seriam a) ocorrência de fatos inesperados, como perda de emprego, doença própria ou de
familiares, morte do responsável pela renda familiar, gravidez não programada e separação
conjugal; b) falta de planejamento financeiro, que leva a compras por impulso, excesso de
parcelamento de compras e uso de linhas de crédito de forma impulsiva e descontrolada; e c)
empréstimo do nome, onde o indivíduo retira empréstimo ou financiamento em seu nome para
terceiros ou empresta seu cartão de crédito a terceiros.
Para o presente estudo fomos à casa de famílias endividadas para conhecer sua rotina
de cuidados pessoais, buscando nos aprofundar em como se dá a relação entre endividamento
e consumo de produtos de beleza.
O Anuário 2015 da ABIHPEC mostrou que o Brasil está em terceiro lugar mundial no
consumo de HPPC, atrás apenas de China e Estados Unidos, e que a indústria brasileira deste
setor representa mais de 1,8% do PIB nacional e 9,4% do consumo mundial – sendo que
ocupa uma fatia de mais de 53% do mercado latinoamericado. De acordo com a pesquisa, o
Brasil é, por exemplo, o segundo maior consumidor mundial de produtos masculinos, infantis
e para cabelos. Mas as categorias que mais se destacam no consumo brasileiro são
desodorantes e fragrâncias – com liderança mundial no consumo desses produtos. O estudo
traz que, de acordo com o Instituto Euromonitor, o segmento de perfumaria movimenta um
mercado de mais de R$17,1 bilhões, enquanto o de desodorantes tem um faturamento de
R$11,5 bilhões.
13
Figura 2: Consumo de HPPC
O Anuário 2015 da ABIHPEC traz ainda que, apesar do momento crítico da economia
brasileira, a indústria de HPPC fechou 2014 com um patamar positivo. A pesquisa traz que,
de acordo com o Euromonitor, o setor obteve um faturamento na ordem de R$101,7 bilhões, o
que representa um crescimento nominal de 11%, se comparado aos R$91,9 bilhões de 2013.
1.1.OBJETIVO DO TRABALHO
O objetivo deste trabalho é entender como a experiência de endividamento vivida por
famílias de classe média tem impacto sobre sua relação com os produtos de beleza. Com isso,
esta pesquisa se aprofunda no processo de consumo de produtos de beleza em famílias com
dificuldade financeira e as negociações necessárias para administrar esse consumo.
Foi realizada uma pesquisa qualitativa com entrevistas em profundidade e técnicas
projetivas como principais métodos de coleta de dados. Foram feitas dez entrevistas em
profundidade com mães de família responsáveis pelo orçamento familiar. Cada entrevista foi
realizada na casa das entrevistadas, permitindo aproximar-se de suas realidades.
1.2.QUESTÕES DE PESQUISA
14
Questão primária: Como a família administra o consumo de produtos de beleza no
contexto de uma família endividada, com ênfase no processo de abandono?
Para auxiliar na resposta a essa questão principal, foram desenvolvidas as seguintes
questões secundárias:
1. Como a família estrutura seus gastos cotidianos numa situação de endividamento e
quais são as estratégias financeiras utilizadas?
2. Como são desenvolvidos os diálogos e relações cotidianos entre os membros da
família para administrar seu orçamento financeiro?
3. Como são construídos os significados e sentimentos relacionados ao uso de produtos
de beleza no cotidiano feminino?
4. Como o endividamento afeta o consumo e mais especificamente o processo de
abandono de produtos de beleza?
1.3.RELEVÂNCIA ACADÊMICA
Cada vez mais o abandono, como tema de pesquisa, vem ganhando maior importância
dentro do estudo do comportamento do consumidor. Os artigos que formam a base teórica
deste trabalho têm como foco questões relativas à transição de identidade nas famílias, ao
processo de abandono e/ou substituição de marcas e categorias num momento de
endividamento e as relações que surgem entre esses temas. Esta é uma pesquisa que busca
compreender como uma situação de endividamento familiar leva a mudanças no consumo de
beleza. A categoria de cosmético pode ser vista como um consumo considerado não essencial,
portanto vemos aqui uma oportunidade de trabalhar os aspectos menos racionais das decisões
de consumo em contexto de escassez de recursos, buscando captar essa particularidade que é
mais emocional e quais os significados dos valores relacionados a ela.
Pelas palavras de Salomon (2016), “as necessidades e os desejos a serem saciados
variam de fome e sede a amor, status ou realização espiritual”. Portanto, tendo em vista que a
percepção do que é consumo essencial pode variar de indivíduo para indivíduo de acordo com
seus desejos, busquei compreender o que os entrevistados entendem como um consumo
indispensável quando se fala em cuidados com a beleza, e o que consideram menos
importante e que pode ser eliminado de sua rotina.
15
De acordo com Suarez, Chauvel e Casotti (2012), o abandono pode estar carregado de
interações e movimentos, tanto de significados positivos como negativos. A discussão em
torno deste aprendizado se deu a partir do discurso das entrevistadas e da observação das
práticas das famílias.
Um estudo de Suarez & Chauvel (2012) ajuda a reforçar que o abandono de
determinado bem ocorre de forma processual e não pontual, não sendo uma decisão ou uma
ação em um dado momento estático. As autoras classificaram três tipos de abandono:
contigencial, posicional ou ideológico.
O primeiro, e também o mais importante para este trabalho, é quando o indivíduo,
devido a limitações, se vê obrigado a abandonar o consumo de determinado bem, ainda que
contra sua vontade – que é justamente o que buscamos compreender na presente pesquisa.
Este trabalho permite olhar o abandono além dos aspectos motivacionais internos, entendendo
como fatores externos (neste caso, a dívida) afetam o abandono de consumos prévios.
Também buscamos entender o contexto familiar como uma oportunidade de olhar o
consumidor não apenas de maneira individual, mas no seu contexto de relações mais
próximas e importantes.
Já o segundo, o posicional, é direcionado, principalmente, pela rejeição a um aspecto
simbólico de determinado produto. Por fim, o abandono ideológico tem uma perspectiva
coletiva e ocorre quando o indivíduo acredita que a sociedade como um todo (e não apenas
ele próprio) deveria deixar de consumir determinado bem.
Segundo as autoras, ainda é possível descrever o abandono não apenas como um
movimento de distanciamento de significados negativos indesejados para proteger a
autoestima do indivíduo, como também uma aproximação de significados positivos desejados.
Este estudo, que teve como foco principal o abandono de automóveis, encontra-se em
sintonia com outros estudos sobre consumo, como o de Chatzidakis & Lee (2012), que reforça
que as razões pelas quais o consumo se realiza não são exatamente opostas às razões pelas
quais o abandono é desejado. Relacionando ao estudo do abandono de produtos de beleza no
contexto de famílias endividadas, é possível compreender que outras motivações, além das
financeiras, podem estar atreladas ao abandono ou consumo de determinado bem. Questões
como religião, cultura, país, grupo de amigos ou família podem levar a uma atitude contrária
ao consumo, por exemplo (CHATZIDAKIS & LEE, 2012).
Adicionalmente, ao investigar o contexto de famílias endividadas, esta pesquisa pode
contribuir para enriquecer, a partir de uma perspectiva cultural e não apenas cognitiva, que é a
16
que predomina no campo, a compreensão em torno desse tema de extrema relevância no
contexto brasileiro atual.
1.4. RELEVÂNCIA GERENCIAL
A relevância deste estudo, segundo aspectos gerenciais, se dá através da elucidação do
comportamento de consumidores, no caso as mães pesquisadas, a respeito do consumo de
produtos de beleza. Esta pesquisa pode ser utilizada para compreender como são as
negociações e as consequências que giram em torno desta decisão da família, além do nível
de fidelidade a marcas e para entender estratégias para reter consumidores. Com ela, é
possível compreender os significados e experiências, pela perspectiva do consumidor, ao
reduzir, substituir, abandonar ou delegar a terceiros o pagamento e consumo de produtos de
beleza diante de uma situação de dificuldade financeira.
Pela característica dos processos de abandono encontrados, acredita-se haver grande
espaço para o desenvolvimento de estratégias de P&D que possibilitem a criação de serviços
que consigam acompanhar a realidade do orçamento familiar destas famílias.
Além disso, a partir desse estudo os gestores poderão aproximar-se da realidade do
cotidiano feminino, entendendo melhor suas práticas, dificuldades e necessidades, e suas
escolhas por categorias e produtos em tomadas de decisão relacionadas a produtos de beleza.
Por fim, esse estudo traz a possibilidade do governo e das organizações sem fins
lucrativos desenvolverem políticas públicas e iniciativas que contemplem a complexidade das
dinâmicas de endividamento, ajudando a desenvolver políticas relacionadas a esse problema
social.
1.5 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO
Este trabalho se divide em oito capítulos: introdução, revisão de literatura,
metodologia, discussão dos resultados, considerações finais, pesquisas futuras, referências e
anexos. A introdução apresentou um panorama geral sobre o tema do endividamento no
contexto nacional e aspectos importantes da indústria de beleza no Brasil, assim como o
objetivo do trabalho, as questões de pesquisa e a relevância deste estudo.
17
O capítulo seguinte traz uma revisão da literatura acadêmica desenvolvida em torno de
três tópicos principais: identidade e interações familiares, significados e sentimentos
relacionados ao abandono e o endividamento do consumidor.
No terceiro capítulo são descritas e situadas as opções metodológicas da pesquisa
objeto dessa dissertação, incluindo as justificativas quanto ao paradigma adotado, ao método
de coleta de informações escolhido e procedimentos de análise e interpretação dos dados
adotados. Além disso, o capítulo ainda descreve resumidamente o histórico da situação de
dificuldade financeira vivida pelas famílias pesquisadas, como forma de contextualizar a
discussão que se segue acerca dos resultados das entrevistas realizadas.
No quarto capítulo é realizada uma análise das entrevistas em profundidade realizadas,
com interpretações sobre os discursos e práticas relacionados ao consumo de produtos de
beleza durante dificuldades financeiras vividas pelas famílias, buscando acomodar a
diversidade de lógicas de pensamento em relação à dívida que foram encontradas e seus
impactos no comportamento de consumo das famílias.
No quinto capítulo, são tecidas considerações finais, que contêm algumas reflexões
acerca das principais descobertas proporcionadas pelo estudo, além de sugestões para
pesquisas futuras em torno do assunto.
No sexto capítulo, indico pesquisas futuras que possam complementar o presente
estudo.
O sétimo capítulo traz a lista de referências. E o oitavo, por fim, traz em anexo os
documentos utilizados durante nossas entrevistas em profundidade.
18
2 REVISÃO DE LITERATURA
Tendo em vista que o presente estudo visa aprofundar-se no abandono de produtos
de beleza no contexto de famílias endividadas, é importante entender o consumidor no seu
contexto mais amplo, para assim situar suas motivações e esforços, bem como as negociações
feitas para manter ou abandonar determinados produtos e/ou serviços em seu cotidiano. O
presente trabalho pretende investigar o endividamento e seus efeitos no consumo não de uma
perspectiva individual, mas a partir do enquadramento do contexto das famílias.
Para isso, a presente revisão de literatura procura contextualizar quatro tópicos
pertinentes ao tema desta dissertação: endividamento, família, abandono e beleza, a fim de
responder às questões de pesquisa propostas nesse estudo.
2.1 ENDIVIDAMENTO
Como exposto anteriormente, cerca de dois terços da população brasileira encontram-
se atualmente endividados, sendo o cartão de crédito o principal causador desta situação
negativa. Neste contexto, faz-se importante delinear a relação direta entre crédito e dívida e os
significados culturais advindos de ambas situações. É o que vamos buscar entender com o
próximo artigo.
2.1.1 DÉBITO E CRÉDITO
Peñaloza & Barnhart (2011) realizaram uma pesquisa que buscou compreender como
a normalização do crédito/débito é afetada e moldada pelo consumo. As autoras focaram nos
significados culturais que informam os consumidores sobre o uso de débito/crédito num
domínio social através de uma investigação dos significados culturais usados no domínio de
mercado, bem como desenvolver uma história mais dinâmica do uso que os consumidores
fazem do débito/crédito através de um olhar sobre como significados culturais reproduzidos
em domínios social e de mercado constituem consumidores em uma posição alternativa
particular.
Através dos discursos obtidos nas entrevistas, as pesquisadoras sugerem que as
pessoas compreendem crédito e endividamento por termos próprios, o que as levou a estudar
os discursos relacionados em termos de posições de sujeito distintas, trazendo à tona as
faculdades produtivas de significados nessas falas e práticas observadas. Através das
entrevistas foi possível perceber como os informantes aprenderam a medir parte de seu valor
19
por meio da quantidade de crédito que determinada instituição financeira esteja disposta a lhe
conceder.
As autoras tiveram particular interesse em abordagens culturais que enfatizassem
valores e práticas coletivas como molde para viver determinada estrutura de débitos/créditos
em relação ao consumo. De acordo com os achados do artigo, poucos entrevistados relataram
ter recebido alguma orientação financeira, seja em casa, na escola, ou de amigos. A maioria
afirmou ter aprendido essas noções por experiência própria.
Com relação às práticas, um dos objetivos de estudo do artigo, as autoras identificaram
três categorias. A primeira engloba o uso de crédito para veículos, hipoteca da casa, cobrança
da escola, e despesas gerais, sendo que os integrantes desse grupo pagam essas contas
repetidamente em dia. Tais indivíduos se dizem orgulhosos por honrar com seus
compromissos. A segunda categoria consiste no uso de cartões de crédito e tomada de crédito
para a casa, o carro, a escola e despesas gerais, mas, neste caso, envolve outros débitos além
dos mencionados. Ao contrário da primeira categoria, estes indivíduos costumam ter receitas
menores, e, portanto, acabam endividados. Por fim, a terceira categoria envolve fazer compras
com dinheiro, cheque ou cartão de débito, como uma forma de limitar o uso de crédito ou
porque as empresas lhe negaram obter um.
Peñaloza, & Barnhart (2011) identificaram na pesquisa diferentes padrões de
significados. O primeiro, Doing the right thing, consiste em independência, autodisciplina,
ameaça e liberdade. O acesso ao crédito permitiu a esses consumidores limitar seu uso apenas
a parcelas dentro do seu orçamento mensal. A associação do crédito como uma ameaça é o
que os incentiva a manter o seu pagamento mensal em dia. O segundo padrão, Managing the
debit, consiste de integração social, indulgência, segurança e constrangimento. Já o terceiro
padrão, Hybrid Meaning Combinations, mescla significados dos dois anteriores. Enquanto as
duas primeiras levam em direção à gestão do débito, a última seria o caminho de volta –
saindo da gestão do débito, podendo ou não passar por combinações híbridas até chegar a
fazer a coisa certa, que no caso seria não adquirir dívidas.
Com relação à trajetória de experiências de uso do cartão de crédito dos indivíduos, os
autores identificaram: Charging Away (quando há acesso ao crédito e ele é usado
rapidamente), Easing into Debit (movimento gradual de utilização do crédito, numa forma de
auto aprendizado), e Learning Your Lesson (quando o indivíduo é conscientizado sobre o
crédito como uma ameaça e que deve ser utilizado com disciplina, por isso o usa muito
pouco).
20
2.1.2 CRÉDITO COMO MEIO DE INCLUSÃO NA SOCIEDADE
Com objetivos similares, de entender códigos culturais, Barros & Rocha (2007, p. 1-
16) buscaram investigar como um grupo de famílias pertencentes às camadas populares (em
especial empregadas domésticas brasileiras e suas famílias) orientam suas escolhas de
consumo e como se dá sua hierarquia de valores. Este artigo se torna importante para a
presente pesquisa ao mostrar como as famílias utilizam o crédito como forma de se incluir na
sociedade consumista, e a relação direta desta ação com o seu endividamento.
No universo estudado por Barros & Rocha (2007) foi possível encontrar um grande
desejo de participar dos benefícios da sociedade de consumo, aproveitando-se do
parcelamento oferecido pelas lojas como meio de adquirir vários bens ao mesmo tempo ou,
ainda, para realizar desejos de consumo. Os autores identificaram estratégias para realizar
intensa compra de eletrônicos, ao que chamaram de “consumo de pertencimento”. O acesso a
determinados bens é o que possibilitaria a entrada destes consumidores na sociedade de
consumo abrangente. Nesse contexto, a “marca” do produto exerce papel classificatório na
decisão de compra. E, como veremos adiante durante a análise das entrevistas coletadas para a
presente pesquisa, esse processo decisório tem relação com o consumo de produtos de beleza
e seus significados de pertencimento.
2.1.3. CRÉDITO COMO CRITÉRIO DE POSIÇÃO SOCIAL
Em consonância com o trabalho de Barros & Rocha, Mattoso (2005) também estudou
os aspectos simbólicos criados pelos pobres para seus problemas financeiros, numa tentativa
de entender profundamente o comportamento de compra dos mesmos, e, com base nesse
estudo, descreveu o crédito como uma forma de imprimir identidade e status numa
comunidade, numa busca do consumidor por hierarquizar e distinguir-se constantemente. A
partir das entrevistas realizadas em profundidade com moradores da Rocinha, comunidade
localizada na cidade do Rio de Janeiro, buscou-se entender, sob uma perspectiva
interpretativa, o processo de resolução de problemas financeiros enfrentados pelos pobres, o
21
papel dos relacionamentos, bem como os significados atribuídos ao crédito e outros serviços
financeiros.
É interessante ainda observar que o estudo de Mattoso (2005) teve também como
objetivo compreender, a partir do discurso do consumidor, a natureza do seu problema
financeiro, a maneira como ele busca informações, quais critérios são utilizados no momento
de decisão de compra, quais são as alternativas de compra percebidas por ele e a que tipo de
ação ele recorre. De acordo com a autora, a relação dos pobres da Rocinha com serviços
financeiros pode ser influenciada por fatores demográficos, psicográficos e socioculturais.
Segundo a análise dos fatores demográficos, dados como moradia, ocupação, religião
e tamanho da família mostraram-se similares, enquanto divergiam a idade, escolaridade, renda
e naturalidade. Dividiu-se os entrevistados em três grupos com relação à renda: alta renda ou
empreendedores (cerca de cinco salários mínimos), renda média (cerca de três salários
mínimos) e grupo dos mais pobres (até dois salários mínimos). Essa divisão mostrou-se
importante pois a renda, como se comprovou através das entrevistas, seria o fator com maior
influência na maneira de se resolver problemas financeiros, visto que ela limita ou não o
acesso a bancos, permite maiores gastos e/ou poupanças e dá acesso a empréstimos
favoráveis.
Já os fatores psicográficos envolvem o risco percebido pelo consumidor, que está
associado, no caso dos serviços financeiros, a empréstimos ou investimentos. Um possível
exemplo a partir dos discursos dos entrevistados, é a alienação de automóveis com o objetivo
de empréstimos a juros mais baixos, prática pouco comum entre os pobres da comunidade
devido ao alto valor dado à compra do mesmo. A pesquisa separou em dois grupos os
entrevistados: os de renda mais alta, formado por empreendedores e que se expõem mais a
riscos financeiros, por pegar empréstimos e realizar investimentos, e os de renda mais baixa,
formado por empregados sem qualificação ou por autônomos, com menos experiência e mais
limitações em termos de conhecimento financeiro.
Por fim, os fatores socioculturais são demarcados por, por exemplo, ser ou não
correntista de um banco, o que confere privilégio dentro da comunidade e demarca posições
sociais; ter ou não ter um “nome”, o que é impeditivo, no caso, de abrir conta em banco; não
assumir empréstimo, como indicativo de que tem controle sobre o próprio orçamento ou de
que possui reservas; tempo de aprovação para empréstimo nas financeiras, que, quando curto,
significaria ter prestígio, apesar de ser uma prática relacionada a momentos de desespero e
urgências. A autora mencionou a ausência de menção a dois fatores: plano de saúde e
22
poupança. Ainda que doenças tenham sido relatadas por entrevistados como motivadoras de
tomadas de empréstimo, devido ao seu caráter inesperado, os planos de saúde foram relatados
como um sonho longínquo, embora não buscado. Já a ausência de depósitos em cadernetas de
poupança poderia ser motivada pela preferência por investir em mercadorias ou outros
negócios.
Como resultados da pesquisa, percebeu-se que problemas de natureza inesperada, tais
como desemprego, perda de renda, gravidez ou doenças, seriam os principais motivadores das
dificuldades financeiras enfrentadas pelos pobres. Destes, o desemprego, por ser frequente, foi
apontado como o fator que mais compromete a vida financeira. A falta de reservas de dinheiro
ou seguros é outro agravante deste cenário.
Mattoso (2005) destacou que a inadimplência é considerada fenômeno comum entre
pessoas dessa faixa de renda. A autora menciona o “empréstimo do nome” como recorrente,
que significa usar o crédito de outra pessoa. Foi possível perceber que o “nome” da pessoa
representa o papel de demarcador social, pois o diferencia de quem tem acesso ao crédito
negado. Ter “nome” permitiria ser conhecido e respeitado. Já ter o “nome sujo” implicaria em
consequências imediatas da inadimplência, como perder o crédito ou depender dos outros, até
consequências existenciais mais profundas, como perder a própria identidade. Foram
encontrados relatos de intenção de “limpar o nome”, no entanto, na prática, as negociações
propostas não atenderiam às condições dos indivíduos. Muitas vezes era comum a espera que
a inadimplência caducasse, após os cinco anos previstos em lei.
Para solucionar seus problemas financeiros, os pobres costumam recorrer a
empréstimos ou simplesmente não quitam suas dívidas, sendo que a inadimplência era o
resultado mais comum e de efeitos mais longos. Suas consequências seriam a perda de
crédito, situações de estresse e risco e perda de ativos (como casa e carro). O pagamento da
dívida seria a volta à situação inicial. Neste caso, os relacionamentos pessoais podem tanto ser
positivos, no sentido de emprestar dinheiro para ajudar a pagar a dívida, como negativos,
quando se empresta o dinheiro a um amigo ou parente, mas não há pagamento do mesmo.
Para explicar por que os pobres ficam tão vulneráveis ao descontrole financeiro, o
artigo levantou cinco hipóteses: inexistência de sobras (impossibilitando ter poupanças),
consumismo e consumo compensatório (gastando mais do que se pode ou comprando
produtos caros para compensar as dificuldades da vida), gratificação imediata (indivíduos
mais focados no presente ao invés de fazer planos para o futuro), visão fatalista da existência
(conformismo, crença de que não é impossível impedir que coisas ruins aconteçam) e
23
pensamento mágico (crença de que pensar em um evento negativo teria o poder de, de fato,
provocar sua existência). No entanto, o artigo reforça que nenhuma dessas alternativas parece
explicar plenamente o fato de os pobres da Rocinha não acumularem reservas.
Já como estratégias para solucionar problemas financeiros, o estudo destacou, além
das já citadas (não pagar e contrair empréstimos), aumentar a renda, construir reservas e
vender ativos.
2.1.4 O FENÔMENO DO SUPERENDIVIDAMENTO
Na sociedade moderna, como já foi citado, percebe-se como cada vez mais frequente o
imediatismo e a irresponsabilidade quando se refere ao consumo de bens e serviços. A criação
da necessidade exposta em meios de comunicação de massa, aliada à concessão de crédito
sem a devida verificação de reembolso por parte do consumidor, vêm levando o mesmo, cada
vez mais, a endividar-se continuamente. Além disso, a ausência de um sistema de proteção a
este indivíduo e sua família pode levar à insolvência civil – procedimento que visa liquidar o
patrimônio penhorável do devedor com o objetivo de satisfazer créditos pendentes (NETO &
PERIN, 2010, p. 167-184). Os autores se referem a esse fenômeno como superindividamento,
onde um consumidor adquire dívidas que estão aquém de seus bens e vem a ser reinserido no
mercado após recuperar-se financeiramente, estando apto a adquirir novas dívidas e repetir o
mau uso do crédito.
O estudo de Neto e Perin (2010) visou estudar o superendividado brasileiro que
necessita de apoio estatal para restabelecer sua saúde financeira. Os autores sustentam que a
criação de uma tutela estatal ao superendividado é necessária em face da crescente oferta de
crédito irresponsável, bem como é necessária a correta caracterização do indivíduo que deverá
ser classificado como superendividado, a fim de evitar um possível “paternalismo” que
beneficie devedores que não se encaixem no perfil mencionado. Para eles, o enfrentamento do
superendividamento permitiria que o consumidor não ficasse excluído da sociedade, não
gastasse mais do que pode pagar, e que fosse auxiliado pelos fornecedores, que verificarão
sua capacidade do reembolso.
2.2 FAMÍLIA
24
O conhecimento sobre a forma como uma família constrói sua identidade por meio
de práticas de consumo é de suma importância para que empresas entendam melhor como os
membros da mesma se identificam na sociedade. As famílias possuem uma variedade de
possíveis identidades – coletiva, relacional, individual –, o que afeta suas decisões (EPP &
PRICE, 2008). Por exemplo, os indivíduos, seus membros (pai e filhos, mãe e filhas, irmãos,
um casal, e etc) e a família como um coletivo constroem sua identidade através do consumo e
outras práticas.
As autoras definiram identidade familiar (ou seja, aquilo que somos como família)
como dependente de interações compartilhadas entre os membros que formam uma família,
não sendo esta construída na mente de um indivíduo isoladamente, porém co-construída
através de ações. Isto significa que essa identidade é mutuamente construída, tanto
internamente entre seus membros, como externamente em relação à percepção dos demais,
baseados numa observação que fazem do comportamento de determinada família. É
importante ainda ressaltar que a identidade de uma família pode divergir na percepção
individual de seus membros, porque o discurso e a prática do “Nós” pode vir a ser diferente.
Entre as formas de se comunicar e expressar uma identidade familiar estariam
rituais, narrativas, dramas sociais, transferências intergeracionais e as interações do dia-a-dia.
Os rituais delineiam as fronteiras da família e são centrais para a criação, revisão e reforço de
suas identidades, servindo como indicadores da participação e adesão de seus membros nesta
conduta. As narrativas se dão pela forma como membros da família expõem a interação entre
suas identidades relacionais, individuais e coletivas. Essa narrativa muitas vezes pode se
contradizer, e é por isso que as autoras destacam que histórias de família nunca são completas.
Já os dramas sociais ocorrem entre um indivíduo ou grupo e num sistema mais amplo de
relações sociais. Definido como uma resposta pública à violação de normas, os dramas sociais
oferecem um contexto para que surjam identidades e mudanças com base em como um
indivíduo responde a um rompimento. As Influências Intergeracionais e as transferências de
objetos, bens e práticas sinalizam a natureza de certas relações familiares e formam a
identidade familiar e individual. Essas influências funcionam como uma função da estrutura e
do ambiente de vida familiar. Por fim, as Interações do dia-a-dia são identificadas na gestão
do cotidiano através de várias rotinas e atos comunicativos exclusivos de cada família, como
conversar à mesa de jantar, jogar jogos juntos, fazer compras ou mesmo limpar a casa. A
natureza e frequência das interações familiares no cotidiano delineiam a identidade familiar.
O artigo destaca também três elementos da identidade da família: estrutura (quem está
dentro e quem está fora dessa família, tanto agora, como num tempo passado), orientação
25
geracional (link entre o passado e o futuro da geração da família; o entendimento da família
sobre sua condição como parte de uma continuidade ao longo do tempo, preservando a
identidade de geração para geração) e características (como é o dia-a-dia na vida da família).
O estudo de Epp & Price (2008) traz ainda sete fatores que influenciam a forma como
as famílias constituem e gerenciam suas identidades. São elas: o nível de adaptação das
formas de comunicar e de símbolos (uma família pode ser rígida, igualitária ou flexível ao
transmitir um ritual a cada geração, a fim de se adaptar); como a família compartilha um
senso coletivo de identidade (os membros de uma família podem divergir em sua descrição
sobre o que constitui sua identidade familiar); nível de comprometimento de um ou mais
membros para manter e compartilhar determinada prática (essa escolha pode ser muito ou
pouco consciente); a sinergia no compartilhamento da identidade familiar individual ou
relacional dos membros (a identidade familiar molda a identidade individual, e ao mesmo
tempo membros individuais de uma família absorvem ou rejeitam certos aspectos de sua
identidade familiar); rupturas nas práticas (casamentos, nascimentos, divórcios, doença, perda
do emprego, acidentes); barreiras nas práticas (falta de acesso a determinado recurso, como
dispersão geográfica dos membros da família, restrição de horários e falta de recursos
financeiros); e variação nas necessidades de identidade da família (dependendo do contexto,
famílias podem reconstruir ou alterar suas identidades, manter ou reforçar uma concepção
recorrente de identidade ou gerar uma diferente reação).
2.2.1 CONSUMO DA FAMÍLIA
Um dos motivos para o abandono de determinada prática ou produto no contexto
familiar pode ser a separação geográfica entre membros da mesma, pois isso gera
distanciamento e esquecimento/desapego de certos costumes. Epp, Schau & Price (2014)
desenvolveram um framework chamado Shifts from Colocated to Reassembled, Tech
Mediated Family Consumption Practices, que descreve essa trajetória de adaptação da família
e suas capacidades para manter ou eliminar determinadas práticas ao longo do tempo de
distanciamento entre os membros e por que determinadas práticas são mantidas e outras não.
Quatro quadrantes foram identificados: Home Sweet Home, Simple Joy, Forget Me Not e Tech
Frontier. Também foram descritas cinco trajetórias que traçam os caminhos prováveis para a
adaptação dessas práticas: No Trial, Heroic Quest, Failed Trial, Easy Translations e Sacred
Pieces.
26
Em Home Sweet Home encaixam-se práticas que as famílias consideram como
sagradas, como jantares em conjunto ou tradições de férias. As famílias estão conscientes
sobre estas práticas mais elaboradas quando confrontadas com a separação, portanto espera-se
que elas se esforcem para mantê-las. No estudo percebeu-se que, mesmo quando se trata de
práticas mais elaboradas e que demandam maior dedicação, as famílias não as abandonam
totalmente. Elas podem, por exemplo, adiá-las até que se encontrem pessoalmente para
realizá-las em conjunto (Sacred Pieces, quando partes de uma prática sagrada são mantidas
devido a seus significados). No entanto, é importante observar que isso ocasiona insegurança
mesmo para marcas consideradas fortes, porque as famílias podem priorizar determinadas
práticas em detrimento de outras, permitindo que práticas outrora sagradas sejam revogadas
(trajetória No Trial, quando as famílias não fazem a adaptação).
Em Simple Joys estão práticas consideradas comuns ao dia-a-dia e que são parte da
vida cotidiana, como sair para fazer compras ou jogar videogame juntos. Por serem
corriqueiras e simples, dificilmente estas rotinas têm sua real importância identificada antes
que aconteça a separação entre os membros da família. No entanto, elas são flexíveis em
relação a tempo e espaço, sendo menos vulneráveis ao deslocamento (aqui o estudo reconhece
a trajetória Easy Translations, quando há menos barreiras para as famílias manterem
determinada prática comum). Neste caso, portanto, há uma chance maior de as marcas usuais
não serem abandonadas após a separação.
Já Forget Me Not e Tech Frontier são práticas mantidas com auxílio da tecnologia. A
primeira refere-se a práticas simples que são facilmente mantidas devido ao uso de internet,
por exemplo. Essa adaptação acontece de forma orgânica, o que significa, para as empresas,
que simples inovações tecnológicas já seriam suficientes para estimular a manutenção de uma
rotina antes estabelecida. Um exemplo são irmãos que seguem compartilhando suas
impressões sobre determinado seriado de televisão a que assistem, cada um em sua casa,
porém através de mensagens de celular.
Já a segunda remete a práticas mais elaboradas e depende da criatividade e capacidade
dos membros em se adaptar a novas tecnologias para manter determinadas rotinas (Heroic
Quest, quando há criatividade para se adaptar, versus Failed Trial, quando a família tenta,
mas não consegue desenvolver as habilidades necessárias para tal adaptação). Uma
observação neste caso para as empresas é que as famílias costumam encontrar certas barreiras
para migrar suas tradições, então novas plataformas de interação podem ser ferramentas
fundamentais para tornar este espaço atraente. Neste caso encaixam-se, por exemplo, casais
27
que passam a jantar juntos via vídeo conferência a fim de manter uma tradição. Desenvolver
produtos em cocriação com as famílias pode ser uma boa oportunidade para as companhias.
Com as tecnologias se entranhado na vida familiar, as famílias começam a vê-las
como fontes de novas práticas, que trazem oportunidades e desafios. Do lado positivo, vê-se
que as tecnologias servem para três funções: de habilitação, mediadora e transformadora. Do
lado negativo, elas podem ser prejudiciais ou, por vezes, levar a consequências menos
desejáveis (ALLADI, 2011).
Outro estudo analisa o consumo das famílias de acordo com suas decisões por
terceirizar serviços ou não. Epp & Velagaleti (2014) desenvolveram um framework que
explica as estratégias dos pais para minimizar tensões originadas a partir da terceirização em
casa, revela processos de (re)assembling de diferentes tipos de recursos e cuidados e desafia o
que se sabe sobre a relação entre o mercado e a vida familiar. Fundamentado em um ambiente
de crescentes opções de atendimento comercial pago, esse estudo oferece uma estrutura que
investiga essas tensões originadas, que são predominantes nas decisões de cuidado e afetam
diretamente a forma como os pais fazem suas escolhas de terceirização.
Através de uma análise cuidadosa desses efeitos, o framework contribui para a
investigação sociológica do consumidor de três maneiras. Primeiro, foram identificadas três
tensões principais que se manifestam no care assemblage (substituibilidade, intimidade e
controle). Em segundo lugar, descobriu-se cinco estratégias de minimização de tensão que os
pais usam para aceitar essa terceirização de atividades (estabelecimento de presença,
personalização, reenquadramento, uso frequente e desconstruir o cuidado). Por último, os pais
mantêm diferentes laços sociais e regras de funcionamento, que os ajudam a preservar as
fronteiras nesse cruzamento entre reinos econômicos e íntimos. Para isso, foi definido um mix
de recursos (família, aldeia, público e mercado) onde as tensões se encaixam e no qual os pais
se baseiam para realizar seus cuidados domésticos.
A formação e evolução do mix de recursos de uma família pode ser tanto intencional
(planejada e deliberada entre os recursos utilizados) ou emergente (em resposta a mudanças
nos discursos marcantes, estratégias de minimização de tensão sem sucesso ou falhas de
recursos). Desta forma, tensões levam à reavaliação das necessidades e levam a possíveis
reconfigurações de um mix de recursos. Além disso, mudanças nas restrições de acesso (por
exemplo, emprego, finanças) podem influenciar na revisão de recursos. A perda do emprego
pode restringir o acesso a determinados recursos e aumentar a utilização de outros, por
exemplo.
28
Esse framework, por fim, pode ser usado também para explicar como care
assemblages são formados e suas mudanças com base nas tensões enfrentadas pelas famílias.
Da mesma forma, os consumidores terceirizam regularmente aspectos de higiene pessoal ou
de beleza, quando fazem combinações de recursos de mercado e de fora do mercado (por
exemplo, personal trainer, hairstylist, manicure, depilação). Neste caso, pode-se observar
discursos de gênero com efeitos sobre a decisão do que terceirizar e o que fazer por conta
própria.
2.2.2 FAMÍLIA E CONFLITO
Dentro do contexto do consumo das famílias, decisões de compra podem levar a
conflitos. Um conflito pode ser definido como “as divergências que surgem no processo de
tomada de decisão do consumidor quando os membros da família se esforçam para atender a
necessidades conflitantes, em conformidade com seus recursos financeiros disponíveis”
(HAMILTON, 2009). No estudo de Hamilton, que se aprofundou na tomada de decisão do
consumidor e no relacionamento entre pais e filhos no contexto de famílias de baixa renda,
compras raramente foram consideradas uma atividade agradável e o planejamento financeiro
foi considerado tedioso, embora necessário.
A pesquisa teve foco na prevenção de conflitos como estratégia-chave das famílias de
baixa renda, como forma de evitar situações de consumo que levem a problemas financeiros.
Esta questão foi discutida em relação a três temas: controle individual (uma das principais
formas que as famílias usam para evitar o conflito é nomear um indivíduo para assumir a
responsabilidade pelo orçamento financeiro), submissão (quando pais cedem aos pedidos dos
filhos) e comunicação aberta (onde os pais tentam ensinar estratégias de gestão financeira aos
filhos a fim de orientar seus hábitos de compra).
Enquanto o controle individual reduz a probabilidade de divergências de orçamento,
ele também incentiva os membros da família a evitar situações de consumo que agravem sua
dificuldade financeira. Já a submissão reduz o desentendimento entre pais e filhos e ainda
proporciona benefícios emocionais para os pais, que se esforçam para garantir que as crianças
não sejam prejudicadas pela situação financeira da família. Por fim, uma comunicação aberta
29
e as tentativas dos pais de ensinar boas habilidades de consumo às crianças ajudam a evitar
conflito, garantindo que ambas as partes tenham uma compreensão semelhante sobre escolhas
de consumo.
No entanto, a mera experiência de adversidades familiares no início da vida pode ser
condição necessária, mas não suficiente, para o desenvolvimento de valores materialistas no
comportamento dos filhos. A experiência de eventos familiares perturbadores durante a
adolescência gera estresse e esgota o apoio emocional dos adolescentes para com seus pais.
Como consequência, o desenvolvimento do comportamento de compra compulsivo-impulsivo
é o resultado desse estresse experimentado em momentos de rupturas familiares (MOSCHIS,
MATHUR, FATT & PIZZUTTI, 2013).
2.2.3 FAMÍLIA E A INFLUÊNCIA DOS FILHOS
A relação entre pais e o estado afetivo das crianças no momento da decisão de
compra da família na loja também foi objeto de estudo de Nadeau & Bradley (2012). Os
autores buscaram determinar se o estado afetivo está relacionado com a estratégia de interação
selecionada pela criança e seu real papel na decisão final. Eles elaboraram quatro hipóteses: 1)
o estado afetivo pré-compra da dupla mãe-filho está positivamente relacionado com o papel
de compra da criança; 2) o estado afetivo pré-compra da dupla mãe-filho está positivamente
relacionado com o tipo de estratégia de interação utilizada pela criança; 3) a estratégia de
interação utilizada pela criança está positivamente relacionada com o papel de compra da
criança; 4) a estratégia de interação selecionada pela criança modera a relação entre o estado
afetivo da dupla e o papel de compra da criança.
A principal conclusão deste estudo é a evidência de que existe uma relação indireta
entre o estado afetivo das crianças e o papel que elas desempenham na decisão de compra da
família. Esta relação é moderada por estratégias de interação, o que leva a crer que o papel
que as crianças têm no cenário de compra não é ditado apenas pelo seu estado afetivo. Para
Nadeau & Bradley, o estado afetivo agradável está associado a uma estratégia de interação
positiva e a um papel mais importante para a criança na decisão de compra.
A influência dos filhos na decisão de compra dos pais é tema amplamente explorado
por diversos pesquisadores. Cotte & Wood (2004) também se aprofundaram nas influências
intra e intergeracional da família, reforçando a relação entre pais e filhos e entre irmãos e
usando suas capacidades de inovação (tendência de testar novos comportamentos e produtos)
30
como peças fundamentais no momento de consumo. Foi desenvolvido um modelo conceitual
que argumenta que ambos pais e irmãos podem influenciar a inovação de uma pessoa e que
essa inovação vai levar ao julgamento de produtos e serviços mais inovadores.
Carlson, Laczniak & Wertley (2011) desenvolveram uma matriz 2x2 que descreve
quatro estilos dos pais de interagir com os filhos (Anexo 2). No que diz respeito à dimensão
restritividade versus permissividade, os pais que cumprem firmemente as regras em suas
famílias e esperam asseio, comportamento educado e obediência das crianças se caracterizam
como restritivos; pais permissivos seriam representados como cuidadores que incorporam o
comportamento oposto a esse ao interagir com as crianças. Já para afetuosidade versus
hostilidade, um pai afetuoso é aquele que é centrado na criança e usa explicação, raciocínio e
elogios para ensiná-las ao invés de adotar castigo físico. Os pais considerados hostis seriam
aqueles que exibem interações contrárias às anteriormente citadas.
De acordo com os achados deste estudo, um pai autoritário é aquele mais afetuoso
que hostil em interações com as crianças, ao mesmo tempo sendo mais restritivo do que
permissivo. De modo semelhante, um pai autoritário também seria mais restritivo do que
permissivo, mas mais hostil do que afetuoso. Pais indulgentes exibem níveis de afeto
similares aos de pais autoritários, mas tendem a ser mais permissivos do que restritivos. Por
fim, um pai negligente seria caracterizado por ter interações hostis e permissivas com as
crianças.
Percebe-se grande influência dos filhos no momento de consumo dos pais, o que
pode levá-los a abandonar determinadas marcas ou produtos e/ou substituí-los por outros. É
reforçada a importância, portanto, para o presente estudo, de se entender como o tema
Abandono vem sendo abordado na área acadêmica.
2.2.4 FAMÍLIA E O PODER DE DECISÃO DA MÃE
Depois de examinar a influência dos filhos no consumo da família, é importante
ainda se aprofundar na importância do papel da mãe como o cerne da tomada de decisão
familiar, bem como os valores que a mesma transmite aos filhos e que moldam seus
comportamentos – num sentido de mão dupla onde ambos, mãe e filhos, compartilham e
gerenciam seu poder de influência. Um estudo de Campos, Suarez & Casotti (2006) buscou
compreender como se dá a transmissão de padrões e gestos de beleza entre mães e filhas,
segmento onde as trocas no ambiente familiar são importantes e ocorrem de maneira intensa.
31
De acordo com o estudo, a importância do papel da mãe vai além da educação para
o consumo de produtos de beleza e sua influência se dá mesmo nos casos onde a mãe não é
vista como como a principal referência e ou como uma especialista no assunto. A mãe acaba
por agir como gestora dos estoques e da organização do espaço das filhas, especialmente
quando estas são mais jovens, cabendo à matriarca se desfazer de produtos sem uso, organizar
armários, colocar novos produtos para experimentação e incentivar determinadas práticas. A
pesquisa posiciona as mães como responsáveis pelo controle de recursos, feitos através das
“compras do mês”, Os produtos e as marcas que serão utilizados pela filha são escolhidos pela
mãe, restando às jovens a opção de usar o que está disponível em casa. A separação em lares
diferentes e a entrada na vida adulta diminuem a intensidade da influência dos recursos da
mãe para as filhas.
Um dos achados deste estudo é com relação à similaridade percebida entre mãe e
filhas. Há dois tipos de similaridade percebida. O primeiro diz respeito às raízes dessa
influência em uma idade tenra, quando a mãe inicia seus ensinamentos do que representa a
base da feminilidade para ela, introduzindo a filha, desde a infância, no seu estilo e ensinando
o uso de suas ferramentas de consumo.
O segundo aspecto dessa influência por similaridade percebida consiste em olhares e
comparações com a mãe, vislumbrando possíveis cenários de futuro. Visto que as mães
podem não ter o conhecimento de especialistas em beleza e acumula apenas suas experiências
de vida, elas acabam por contribuir involuntariamente à gestão do risco na compra de
cosmético ao oferecerem às filhas um exemplo dos resultados que determinados gestos terão
no futuro – por exemplo, se a filha concorda que a mãe está “bem” para sua idade, que
apresenta uma boa pele, ela pode concluir que os cuidados que a mãe teve ao longo da vida
deram um bom resultado. Essa manifestação da influência por similaridade percebida
raramente é consciente.
Assim como comentado anteriormente, um estudo de Phillips & Sego (2011) reforça
a ideia de que as mães são as principais responsáveis pela eliminação dos bens de seus filhos.
Ele define dois tipos de pessoas: packrats, que têm dificuldade em se desapegar de seus
objetos, pois carregam uma relação emocional muito forte com os mesmos; e purgers, que
têm exatamente o comportamento contrário e veem poucos objetos como sendo uma extensão
de sua identidade. Esses termos foram escolhidos por carregarem significados menos
negativos.
Se o descarte foi uma simples questão de eliminar identidades pessoais indesejadas,
essas decisões seriam bastante simples. No entanto, esta ação foi descrita com uma grande
32
quantidade de conflitos. O estudo ampliou a ideia de identidade familiar a fim de incluir
identidades compartilhadas que são criadas através da eliminação de bens. O que se descobriu
é que, quando uma mãe elimina um objeto de posse de uma criança, ela pode considerar que o
significado dessa posse coincide com o de muitas partes da identidade familiar. Por isso o
artigo separou as identidades em quatro: identidade da mãe, identidade da criança, identidade
do parceiro e identidade da família como um todo (PHILLIPS & SEGO, 2011).
De acordo com os autores, o significado de uma posse não deve encontrar várias
identidades distintas antes da eliminação ocorrer. No entanto, observou-se uma exceção a esta
regra, onde, mesmo quando a identidade de um ator combina com o significado de sua posse,
o descarte acaba por ocorrer por decisão da mãe, para quem o objeto possui um significado
indesejável. Ou seja, ela pode considerar não apenas os significados reais de bens para os
membros de sua família, como também seus significados desejados para eles (PHILLIPS &
SEGO, 2011).
Por esses motivos, a eliminação de posses das crianças com o objetivo de criar uma
identidade desejada pela mãe pode criar conflitos entre estas e outros familiares. Esse estudo
retratou que a eliminação é um lugar de tensão perpétua de identidade, como uma constelação
de identidades - tanto identidades reais, como desejadas – que têm de ser consideradas na
decisão de eliminar um objeto (PHILLIPS & SEGO, 2011).
2.3 ABANDONO
O consumo de determinado produto pode ser entendido como uma forma de
melhorar o autoconceito do indivíduo, trazendo associações positivas que favorecem sua
autoestima. De forma análoga, o indivíduo evita consumos de produtos que possam lhe trazer
significados indesejados, ou de objetos que são por ele considerados incongruentes com seu
autoconceito (BANISTER & HOGG, 2004).
De acordo com Salomon (2016), há diferentes tipos de relação que uma pessoa pode
ter com um produto, como ligação de autoconceito (quando o produto ajuda a estabelecer a
identidade do usuário), ligação nostálgica (quando este serve de elo com um “eu” do
passado), de interdependência (ele faz parte da rotina do consumidor) e de amor (traz
sentimentos de afeto, paixão ou alguma emoção intensa).
E assim como há o consumo, também pode-se pensar no anticonsumo. O
anticonsumo está relacionado com as razões, motivos e a simbologia negativa que levam o
indivíduo a não consumir determinado produto, marca ou empresa, rejeitando a sua aquisição
33
(HOGG, 1998). Em um estudo mais recente, Hogg, Banister & Stephenson (2008)
desenvolveram um framework onde assumem que o indivíduo seja composto de diferentes
possíveis personas que aceitam determinados produtos que entendem ter significados
positivos e repudiam outros que remetem a significados negativos. Estas personas são
influenciadas por três ambientes: o social, o individual e o mercado. O produto ou marca
circulam por estas dimensões e a forma como esta movimentação será interpretada pelo
consumidor definirá sua reação positiva ou negativa, concretizando o consumo ou o
anticonsumo. Este modelo é capaz de capturar as interações entre o macro e o microambiente,
demonstrando indivíduos com preocupações éticas, ambientais e globais do consumo, e
podendo levar a rejeições ideológicas e morais.
2.3.1 ANTI-ESCOLHA X NÃO-ESCOLHA
O comportamento de anticonsumo pode ainda ser classificado como “não-escolha” ou
“anti-escolha”. A “não-escolha” possui um caráter mais passivo, como em casos onde não há
consumo devido a causas de disponibilidade, acessibilidade ou mesmo questões financeiras –
que é um dos direcionamentos da presente pesquisa. Quando o comportamento é ativo,
chamamos de “anti-escolha”. São os casos onde os produtos são inconsistentes e
incompatíveis com a preferência do consumidor (HOGG, 1998).
Hogg (1998) traz também que existem três tipos de “anti-escolha”: o abandono, o
distanciamento e a aversão. A aversão tem uma ligação forte com os aspectos afetivos,
enquanto o distanciamento e o abandono têm ligações mais fortes com os elementos
comportamentais. O abandono está ligado ao ato voluntário de deixar de consumir algum
produto ou marca que era previamente consumido em um antigo grupo de referência (é uma
escolha deliberadamente feita). O distanciamento estaria ligado a aspectos comportamentais
da atitude e envolve o desejo de minimizar o consumo potencial de produtos ou marcas com
alguma associação simbólica ou sociocultural. Já a aversão é a maior forma de expressar
desgosto por um produto ou marca (lembra nojo, repulsa) e envolve aspectos afetivos e
emocionais na decisão do não consumo. De acordo com a autora, estas três dimensões se
sobrepõem em algum dado momento, mas elas representam distintos graus de “anti-escolha”.
2.3.2 COMPARTILHAMENTO COMO FORMA DE ANTICONSUMO
34
Pode-se também relacionar o conceito de anticonsumo a práticas de
compartilhamento, visto que, a partir do momento em que o consumidor deixa de comprar
determinado produto ou marca devido a novas formas de acesso ao mesmo (pegando
emprestado com um amigo ou grupo, por exemplo), percebe-se aí uma alternativa de
anticonsumo. De acordo com Belk (2007), o compartilhamento é uma forma alternativa de
distribuição de mercadorias que, em comparação com as práticas mais tradicionais, ajuda uma
comunidade a economizar recursos e remete a sentimentos de reciprocidade.
O compartilhamento pode ser adotado por quatro tipos de consumidores. Os Socialites
valorizam os benefícios sociais do compartilhamento e o veem como uma forma de se engajar
na comunidade em que vivem. Eles costumam ser integrantes das famílias de menor renda,
seguidos dos Poupadores, que também apreciam os benefícios sociais dessa alternativa,
embora em menor grau, e que são em geral pouco materialistas. Os Pacatos partilham fortes
valores de anticonsumo e frugalidade/parcimônia. Por fim, os membros Passivos não se
mostram socialmente envolvidos, nem têm valores anticonsumo marcantes. Eles constituem
tipicamente o grupo com maior poder aquisitivo (OZANNE & BALLANTINE, 2010).
2.3.3 SUBSTITUIÇÃO COMO FORMA DE ANTICONSUMO
A substituição é outro conceito que pode ser entendido como anticonsumo, visto que
há o abandono de determinado produto ou marca para adoção de um novo em seu lugar, ou,
em outras palavras, um tradeoff entre a alternativa à qual o consumidor é comprometido e
uma potencial reposição. Hamilton et al (2014) desenvolveu um framework para analisar as
chaves condutoras para uma decisão de substituição, o papel moderador do comprometimento
do consumidor, o processo de substituição e seus resultados.
Entre as chaves condutoras da substituição, os autores identificaram: oportunidades
(novas alternativas ou informações, por exemplo), restrições externas (falta de estoque ou
descontinuidade na oferta de determinado produto) e restrições internas (como conflito de
interesses, orçamento e autocontrole). O comprometimento do consumidor com determinado
bem é o que funciona como o moderador de substituição do mesmo (se há um forte
comprometimento, a probabilidade de substituição é menor, e vice-versa). No caso de um
forte comprometimento, a substituição pode se dar por restrições internas ou externas, por
exemplo, que forcem o consumidor a abandonar e repor determinado produto (HAMILTON
ET AL, 2014).
35
Já o processo de substituição, de acordo com o estudo, se dá por meio de duas
decisões: se ocorrerá de fato a substituição e qual produto ou marca será escolhido para repor
o anterior. Como resultado desse processo, os autores descreveram quatro dimensões: afetiva,
que inclui satisfação / orgulho (sentimentos positivos) ou arrependimento / decepção
(sentimentos negativos); motivacional, que inclui desejo e saciedade; cognitivo, que inclui
mudança nos pontos de referência e de comparação e aprendizado; e comportamental, que
inclui retornar à alternativa anterior, mudar para uma terceira alternativa ou seguir
consumindo a segunda, que foi a substituta da primeira (HAMILTON ET AL, 2014).
De acordo com os achados de Hamilton et al (2014), se a substituição for motivada por
restrições internas (versus externas), estas tendem a resultar em arrependimento (versus
decepção), caso a substituição seja insatisfatória. Esse estudo é importante para ajudar
gerentes a prevenirem a migração de seus consumidores para seus competidores.
2.3.4 ABANDONO COMO UM PROCESSO
É importante reforçar também que esse abandono não acontece do dia para a noite,
especialmente quando a marca vem desempenhando um papel importante na vida do
consumidor. De acordo com Fournier (2014), o rompimento entre consumidor e marca passa
por um longo processo e, mesmo quando os consumidores param de usar determinada marca,
eles ainda têm um relacionamento com ela, ainda que essa relação mude de forma. A marca,
assim como um indivíduo, pode passar, por exemplo, de um melhor amigo para um amor
platônico, um amigo distante, ou até mesmo um inimigo. Rompimentos nunca são o fim do
relacionamento, ao contrário, eles redefinem o tipo de relacionamento e fazem parte de um
ciclo interminável de mudança (FOURNIER, 2014).
Um estudo de Suarez & Chauvel (2012) ajuda a reforçar que o abandono de
determinado bem ocorre de forma processual e não pontual, não sendo uma decisão ou uma
ação em um dado momento estático. As autoras classificaram três tipos de abandono:
contigencial, posicional ou ideológico. O primeiro é quando o indivíduo, devido a limitações,
se vê obrigado a abandonar o consumo de determinado bem, ainda que seja contra sua
vontade – pode ser por motivações financeiras, de saúde, de acesso ou pressões familiares, por
36
exemplo. Nestes casos o consumidor ainda se identifica com o produto e há uma contradição
entre sentimentos positivos e negativos que se alternam.
Já a segunda é direcionada, principalmente, pela rejeição a um aspecto simbólico de
determinado produto – existe uma distância entre a identidade construída pelo consumidor e a
imagem da categoria. Por fim, o abandono ideológico tem uma perspectiva coletiva e ocorre
quando o indivíduo acredita que a sociedade como um todo (e não apenas ele próprio) deveria
deixar de consumir determinado bem. Este é praticado por consumidores que se engajam na
causa e buscam mobilizar a atenção de outros para que façam o mesmo.
Ainda é possível descrever o abandono não apenas como um movimento de
distanciamento de significados negativos indesejados para proteger a autoestima do indivíduo,
como também uma aproximação de significados positivos desejados.
“No abandono, o indivíduo abre mão da funcionalidade
relacionada ao produto. Já as associações simbólicas
continuam sendo usadas, criadas e manipuladas mesmo depois
que este acontece. Ao falar sobre os benefícios e vantagens do
abandono, consumidores se apropriam e ‘tiram vantagem’ dos
significados da categoria descartada. Ao descrever o abandono
de determinado produto, ex-consumidores expressam – a partir
do que não são – aquilo que pretendem ser” (Suarez, Chauvel
& Casotti, 2012).
2.3.5 RAZÕES PARA CONSUMO X RAZÕES PARA NÃO CONSUMO
É válido salientar também que as razões pelas quais o consumo se realiza não são
exatamente opostas às razões pelas quais o abandono é desejado. Relacionando ao estudo do
abandono de produtos de beleza no contexto de famílias endividadas, é possível compreender
que outras motivações, além das financeiras, podem estar atreladas ao abandono ou consumo
de determinado bem. Outros fatores podem ser determinantes para esta decisão, e é neste
contexto que ocorre a complexidade do processo (CHATZIDAKIS & LEE, 2012).
Este estudo foca nas razões “para” e nas razões “contrárias” do consumo, que seriam
fatores subjetivos que as pessoas usam para explicar um comportamento antecipado. A atitude
de uma sociedade ou de um indivíduo em relação a um comportamento particular pode ser
explicada com base em razões subliminares, como, por exemplo, ajudar produtores de terceiro
37
mundo, fazer a diferença, aproveitar produtos de maior qualidade e etc. De acordo com os
autores, perguntar por que uma pessoa consumiria determinada marca ou produto teria como
resposta uma lógica oposta de por que ela não o consome, perdendo-se, assim, as razões
subliminares e ainda considerações adicionais, visto que tais perguntas, se feitas juntas,
levariam a crer que as respostas deveriam ser contrárias uma à outra – argumento refutado
pelo artigo. Questões como religião, cultura, país, grupo de amigos ou família podem levar a
uma atitude contrária ao consumo, por exemplo (CHATZIDAKIS & LEE, 2012).
O estudo ressalta, ainda, que anticonsumo não é o mesmo que não consumo ou
consumo alternativo. Não consumo é quando, ao consumir uma marca, o indivíduo acaba
deixando de consumir outra – não havendo escolha intencional de não consumir a marca
específica. Já o consumo alternativo é quando o consumidor, por ver maior atratividade em
outra opção, decide por ela. O anticonsumo é uma escolha consciente de não consumir
determinado bem por motivos específicos a ele (CHATZIDAKIS & LEE, 2012).
O artigo traz quatro áreas diretamente relacionadas ao anticonsumo: questões éticas,
ambientais, de resistência e simbólicas. Analisar o anticonsumo por uma perspectiva ética
leva a três questões. Primeiro, encoraja que os pesquisadores considerem as razões contra
empresas antiéticas como um driver legítimo que leva a adquirir bens de uma empresa mais
ética. Segundo, entender porque alguns indivíduos não boicotam empresas antiéticas, mesmo
que acreditem que esta seja uma atitude ética a ser tomada. Por fim, as razões contrárias a
uma percepção positiva (ética) ou a uma percepção negativa (antiética) podem moderar a
extensão em que o comportamento atual está alinhado com as atitudes gerais do indivíduo
(CHATZIDAKIS & LEE, 2012).
Com relação às questões ambientais, incluem-se aí a redução na utilização de
transporte privado, conservação de energia e trabalhos voluntários, por exemplo. Há a questão
de motivos que levam a comprar produtos “verdes” ou que impedem a compra dos demais.
Essa atitude sustentável é vista como uma forma de compromisso, transformando uma
simples ideologia em atitude. Já a resistência ao consumo é uma área que vem constantemente
sendo confundida com o anticonsumo – mas nem sempre uma coisa leva à outra, como já foi
falado anteriormente. Por último, a questão simbólica representa a construção de um
significado através do anticonsumo (CHATZIDAKIS & LEE, 2012).
2.3.6 SIGNIFICADOS E MOTIVAÇÕES PARA O ABANDONO
38
Complementando essa visão sobre como os significados são criados e negociados, um
estudo de Suarez (2014) buscou investigar como se dá esta entrevistando ex consumidores de
cigarro, com o intuito de capturar aspectos inconscientes relacionados a atitudes e motivações.
Os resultados dessa pesquisa evidenciaram, no que diz respeito ao abandono, interações e
movimentos de significados positivos e negativos relacionados com o consumo e o não
consumo de uma categoria. Esses movimentos simbólicos permitem ao indivíduo fazer a
transição da condição de consumidor à de não consumidor - algo que nem sempre é imediato
ou fácil, pois é necessário recriar, subjetiva e socialmente, novos significados associados ao
produto.
A autora propôs um framework que serve como uma ferramenta para analisar o
abandono e que apresenta quatro tipos de associações de significados que podem ocorrer. A
primeira associação é o esmorecimento, que ocorre quando o indivíduo está atrelado ao
significado positivo do consumo mesmo após o abandono. Nestes casos a pessoa tende a
sentir tristeza, sentimento de perda, luto e saudosismo em relação ao antigo hábito.
A descontaminação ocorre quando o indivíduo consegue relacionar significados
negativos ao consumo após o abandono, encontrando um incentivo extra para seguir com o
abandono. O reforço ocorre quando o indivíduo consegue associar significados positivos ao
não consumo, e também é um facilitador do processo de abandono. Por fim, a postura
defensiva acontece quando o indivíduo atrela significados negativos ao não consumo,
dificultando o processo do abandono.
Os movimentos descritos nessas quatro categorizações ocorrem não somente durante o
processo de abandono. Ele pode de fato persistir por toda a vida de um ex consumidor, uma
vez que ele continua a articular argumentos que servem para justificar a sua escolha, tanto
para si mesmo como também socialmente.
2.4 BELEZA
Sendo este estudo centrado na categoria de produtos de beleza, faz-se essencial
aprofundar-se em como o tema Beleza vem sendo abordado na área acadêmica. Segundo
Solomon (2002), o ideal de beleza de um indivíduo e sua satisfação com a própria imagem
física são afetados pela imagem que é construída e valorizada em sua cultura. Essa
identificação, tanto para homens como para mulheres, pode incluir características físicas, bem
como estilo de se vestir, cosméticos, penteados, ou mesmo tom de pele. De acordo com o
39
autor, há uma percepção por parte do indivíduo de uma forte ligação entre autoestima e
aparência, no entanto alguns consumidores veem essa conexão de forma exagerada, se
sacrificando para atingir o que consideram uma imagem desejável.
No entanto, há papers que trazem que esse sacrifício em prol da vaidade é negado ou
disfarçado no discurso de muitos consumidores. Rosário (2006) fala justamente sobre o
conflito entre discurso e prática de mulheres que se dizem não vaidosas. A pesquisa foi feita
com mulheres que não pintam seus cabelos brancos, numa atitude que foi chamada de
“desviante”. Apesar da aparência destas mulheres levar a crer que elas não têm um cuidado
com sua estética, e as próprias em alguns momentos terem afirmado que não são vaidosas e
que não gostam de gastar tempo com salão ou cuidados de beleza, em suas falas percebeu-se o
contrário: há uma preocupação com aparência, marcas de produtos de beleza, cores de roupa
que combinam com o cabelo branco e, principalmente, a percepção de terceiros quanto a suas
aparências. Este estudo ajuda a profundar-se nesta questão da beleza, não como algo
individual, mas sim do coletivo, sob uma preocupação com o olhar do outro (ROSÁRIO,
2006).
Outro estudo de Lopes (2005) reforça o conflito entre discurso e prática quanto aos
cuidados de beleza das mulheres. A autora entrevistou mulheres que haviam acabado de ser
mães, com filhos de até um ano de idade, com o objetivo de entender as transições em seus
rituais de beleza antes, durante e depois da gestação. De acordo com os achados da pesquisa,
o fato de algumas mães terem afirmado que não têm cuidados especiais com sua aparência
sugere a possibilidade de haver dificuldade em assumir a vaidade e o consumo de produtos a
ela relacionados, como um receio por parecerem fúteis ou supérfluas, enquanto deveriam ter
preocupações maiores – neste caso, o cuidado com seus filhos. Alguns dos fatores limitantes
para o cuidado com a beleza encontrados por Lopes (2005) foram financeiros, falta de hábito
e preguiça.
Já um estudo de MacNevin (2003) buscou também retratar a preocupação da mulher
com seu corpo ao realizar exercícios físicos, fazendo uma comparação de seus atos e falas
com a justificativa utilizada pelas entrevistadas de que este seria um ato moral para promover
a saúde, e não puramente vaidade. O autor identifica essas atividades como um esforço
despendido através da moda, cosméticos, dieta e exercício para redefinir a aparência a fim de
conjugar saúde e padrão de beleza, num conceito que se aproxima de sensação de bem-estar
individual.
40
Dias-Campos e Casotti (2012) buscaram, por meio de histórias de vida das famílias,
identificar o processo de socialização e construção de diferentes momentos de consumo de
beleza sob um ponto de vista social. As entrevistas foram realizadas com famílias brasileiras
de classe média e as autoras apresentam quatro momentos distintos nessa construção do
consumo de beleza: o desenvolvimento de gostos, ensaio através da imitação, a estreia no
consumo e fase de ajustes.
Na primeira fase, o artigo traz que regras e julgamento são incorporados aos valores
do consumidor, onde, antes mesmo de meninas entenderem o significado de rituais e cuidados
diários, elas são incorporadas em um silencioso grupo de valores que ajuda a construir uma
admiração por si próprias. Manicure, pedicure e alisamento de cabelos, por exemplo, são
internalizados como práticas básicas de mulheres no Brasil. Já o ensaio através da imitação
marca o início de uma ação concreta, mesmo que ocorram ainda na infância, como quando
meninas brincam com a maquiagem ou esmalte das mães, sob a observação frequente de
parentes mais velhos. Mesmo que ainda não estejam consumindo, estas meninas já estão
agindo como consumidoras (DIAS-CAMPOS & CASOTTI, 2012).
A terceira fase, da estreia no consumo, é identificada não apenas pelo uso de produtos
de beleza, mas pela prática do consumo em si, por meio de compras, e novas ocasiões de uso
de produtos de beleza. O aniversário de 15 anos, o primeiro trabalho, a fase de começar a sair
com amigos, o primeiro relacionamento amoroso, por exemplo, são estimuladores dessa
estreia. Por fim, a mulher adquire experiência e passa a conhecer melhor suas necessidades de
consumo e marcas preferidas. Assim elas entram na última fase descrita no artigo, onde
começam a procurar por soluções que atendam melhor a seus desejos atuais. É aqui que se
inicia a fase de consumo adulta, e o processo de socialização tem seu fim (DIAS-CAMPOS &
CASOTTI, 2012).
41
3 METODOLOGIA
Este capítulo tem por objetivo descrever e situar as opções metodológicas da pesquisa
objeto desta dissertação. Inicialmente é exposta a filiação paradigmática. Em seguida são
apresentadas as perguntas de pesquisa e as justificativas para a escolha de produtos de beleza
como foco para o estudo do abandono de categoria. Ainda são oferecidas razões que
motivaram a escolha da entrevista em profundidade como método qualitativo de coleta de
dados e da aplicação de exercícios projetivos. Por fim, os critérios para seleção dos
entrevistados e a proposta de análise das informações encerram o presente capítulo, junto com
uma descrição resumida das famílias estudadas.
As questões de pesquisa apresentadas no início deste trabalho são aqui rememoradas. A
revisão de literatura norteou a elaboração da seguinte pergunta de pesquisa: Como a mulher
administra o consumo de produtos de beleza no contexto de uma família endividada?
Para responder a esta pergunta principal, questões secundárias foram desenvolvidas:
1. Como a família estrutura seus gastos cotidianos numa situação de endividamento e
quais são as estratégias financeiras utilizadas?
2. Como são desenvolvidos os diálogos e relações cotidianos entre os membros da
família para administrar seu orçamento financeiro?
3. Como são construídos os significados e sentimentos relacionados ao uso de produtos
de beleza no cotidiano feminino?
4. Como o endividamento afeta o consumo de produtos de beleza?
Com o objetivo de encontrar respostas para essas perguntas, através do trabalho de
coleta e análise de dados, foram feitas algumas escolhas de pesquisa que serão apresentadas a
seguir.
3.1. FILIAÇÃO PARADIGMÁTICA
O presente estudo se insere na linha de pesquisa do Consumer Culture Theory (CCT),
denominação dada por Arnould & Thompson (2005) a um programa teórico interpretativista,
42
numa tentativa de consolidar perspectivas teóricas relativas a projetos de construção de
identidades, sub-culturas, padrões sócio-históricos de consumo e ideologias de mercado. De
acordo com os autores, o CCT refere-se a uma família de perspectivas teóricas que abordam
as relações dinâmicas entre consumidores, mercados e significados culturais. Assim, a cultura
do consumo denota um arranjo social onde as relações entre a cultura vivida pelo indivíduo e
os recursos materiais e simbólicos dos quais eles dependem são mediados através dos
mercados (ARNOULD & THOMPSON, 2005).
A abordagem CCT tem contribuído para a pesquisa do consumidor, iluminando as
dimensões culturais do consumo e pelo desenvolvimento de novas teorizações relacionadas a
quatro domínios temáticos de interesse da pesquisa: consumer identity projects, marketplace
cultures, the sociohistoric patterning of consumption, e mass-mediated marketplace
ideologies e consumer´s interpretive strategies. A primeira lida com projetos de identidade e
põe atenção no modo como os consumidores utilizam os recursos simbólicos disponíveis no
mercado. A segunda estuda a cultura popular e explora como os consumidores, por meio de
recursos de mercado, produzem sentimento de solidariedade e criam ambientes culturais
distintos a partir do compartilhamento de interesses de consumo. Já a terceira lida com
padrões sócio-históricos de consumo e aborda a relação entre as estruturas sociais e
institucionais que influenciam o consumo – normas e regras já estabelecidas, experiências de
vida do indivíduo, suas crenças e suas práticas. Por fim, a última linha de pesquisa coloca o
consumidor como um agente interpretativo, cujas ações podem, desde aceitar identidades e
estilos de vida impostos na grande mídia, até ser uma crítica consciente a essas imposições
ideológicas.
3.2 DESENHO DA PESQUISA
3.2.1 SELEÇÃO DAS FAMÍLIAS
Este foi um esforço de pesquisa conduzido, em conjunto, por três pessoas, sendo dois
pesquisadores e sua orientadora. A equipe de pesquisa que foi a campo era responsável tanto
pela presente pesquisa de abandono de produtos de beleza como por uma pesquisa de
abandono de planos de saúde (conduzida pelo mestrando do COPPEAD Max Borges), sendo
que ambas compartilhavam do interesse por famílias em dificuldades financeiras.
Para ajudar a compreender as visões dos entrevistados a respeito da dívida e como o
problema financeiro leva a família a escolhas de abandono de consumo, bem como o que
43
precisam abrir mão de consumir, quais são os consumos dos quais não abrem mão, e como a
família negocia determinados consumos, o recrutamento para as entrevistas buscou
principalmente os seguintes parâmetros: famílias integrantes das classes B1 e B2 e idealmente
formadas por marido, mulher e filhos adolescentes. A pergunta filtro para qualificar o
informante era se ele possuía ao menos uma conta importante em atraso devido a problemas
financeiros. Por fim, buscou-se nas famílias diversidade de nível de educação dos pais e a
composição de um leque de entrevistados de diferentes religiões. O trabalho contou com o
apoio de um serviço de recrutamento profissional.
A escolha de focar as entrevistas nas mães como principais informantes das famílias
selecionadas se baseou na expectativa de que estas fossem não apenas mais comunicativas,
mas tivessem maior capacidade de refletir sobre a dinâmica da família de maneira mais
holística/coletiva e, em certo sentido, menos individual. Além disso, para o contexto da
pesquisa com foco em abandono de produtos de beleza, houve um consenso de que estas mães
teriam, dentre os membros da família, maior poder de decisão sobre a aquisição desse tipo de
produto. Essa escolha mostrou-se correta, já que todas as entrevistadas eram as responsáveis
pelo controle dos gastos da casa ou tinham total conhecimento da situação financeira da
família, respondendo tanto pelo meu interesse em conhecer práticas e experiências de
consumo da família quanto pelas questões de orçamento familiar.
Foram realizadas 10 entrevistas durante o mês de abril de 2015. O local de realização
das entrevistas foi exclusivamente a casa das famílias das respondentes, possibilitando, além
das entrevistas em profundidade, a observação do espaço de convívio da família.
Para proporcionar uma melhor contextualização para a discussão proposta, reuni
abaixo as principais informações de apresentação de cada família, e na sequência apresentarei
uma descrição resumida dessas famílias estudadas e de alguns aspectos ligados ao
endividamento e a relação dessas entrevistadas com produtos de beleza.
44
Figura 3: Resumo Famílias Estudadas
Família Largo
A entrevistada está recém desempregada, tem 35 anos e está em seu segundo
casamento. O marido, técnico de eletromecânica da Light, também está em seu segundo
casamento, sendo que ambos possuem filhos do relacionamento anterior, uma adolescente de
cada parte. No apartamento da entrevistada moram o casal, a filha de 11 anos fruto desse
relacionamento e a filha de 18 anos de seu primeiro casamento, que atualmente é bolsista de
um programa do governo em uma faculdade particular no curso de engenharia civil. O
apartamento onde a família mora é alugado.
A família Largo não se identifica com os estereótipos de famílias apresentados na
televisão e nas músicas populares, se consideram jovens e uma família de mente aberta.
O marido da entrevistada está trabalhando na mesma empresa há 26 anos, o que vem
propiciando à família acesso a determinados bens de consumo. No entanto, a entrevistada não
se mostrou vaidosa e afirmou que não tem o hábito de utilizar produtos de beleza em seu dia-
a-dia.
A perda do emprego da entrevistada dias antes da entrevista, somada a algumas visões
da família sobre a sua estrutura de custos, que formam e legitimam os gastos da casa, são os
principais fatores por trás da mudança de curso na trajetória econômica, até então ascendente
desta família.
45
No momento da entrevista a família tinha as seguintes contas em atraso: cheque
especial, cartão de crédito e IPVA.
Família Lobo
A entrevistada desta família é casada e tem uma filha de 17 anos. Também vive no
apartamento um labrador de dois anos de idade, considerado o bebê da casa. A família mora
atualmente no bairro do Estácio, bem próximo à estação do metrô, o que segundo a
entrevistada, lhe garante uma mobilidade incrível na cidade. O imóvel em que vivem é
próprio.
São também integrantes da família, ainda que mesmo como visitas de final de semana,
a filha do primeiro casamento do marido e um filho ‘adotado’ de 21 anos.
O marido é fisioterapeuta durante o dia e trabalha também como chefe de segurança
em casas noturnas do Rio. A entrevistada é gerente supervisora de uma loja de roupas em um
shopping da zona sul da cidade, já acumulando uma experiência de 13 anos no mercado
varejista.
A trajetória econômica da família Lobo é de declínio, o trabalho do pai como
fisioterapeuta já vem precisando ser complementado com um segundo emprego, sendo que o
mercado de sua especialidade técnica vem perdendo atratividade. As dificuldades financeiras
da família ainda são potencializadas pelas práticas de consumo de mãe e filha, que se afirmam
vaidosas e têm uma relação muito próxima com produtos de beleza.
No momento da entrevista, a conta da família que se encontrava em aberto era o
cheque especial, que depois de negociação com o banco, não vem tendo seu parcelamento
pago.
Família Barros
A entrevistada tem 42 anos, é corretora de imóveis, moradora do bairro da Tijuca e se
considera uma autêntica “tijucana”. Tem duas filhas, a mais velha com 17 e a mais nova com
9. É casada há 18 anos, sendo seu marido taxista na cidade do Rio de Janeiro. Ele tem 55
anos. A casa em que a família mora é alugada.
A mãe se considera uma guerreira, tendo conseguido enfrentar e vencer diversas
dificuldades que a vida colocou em seu caminho, no início, principalmente pela família de
seus pais apresentar uma trajetória econômica descendente durante sua adolescência e vida
adulta.
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Na família o dinheiro é visto como algo transitório e não há uma preocupação em
organizar as contas da casa. A entrevistada mostra-se vaidosa e muito consumista, não
abrindo mão de continuar comprando produtos de beleza, apesar do aperto financeiro.
O endividamento é algo frequente na história da família Barros e a construção de sua
trajetória econômica ascendente se deu junto às dívidas. Dentro deste contexto o casal
considera fundamental o diálogo aberto que mantêm dentro de casa com as filhas, facilitando
que todos estejam a par da situação e que se comprometam a ajudar a controlar as despesas.
No momento da entrevista, as contas da família que se encontravam em aberto eram:
dois cartões, um do banco e outro de uma loja de departamentos, plano de saúde, luz e TV a
cabo.
Família Jardim
A entrevistada tem 38 anos e é estudante de serviço social na UFRJ. Casada desde os
18 anos, tem dois filhos desse relacionamento, uma menina de 18 anos, que cursa pedagogia
na UERJ e um menino de 14, aluno do ensino médio em escola da prefeitura. Sua família está
entre suas prioridades diariamente.
Mesmo sendo donos de um imóvel no mesmo bairro em que moram, a família decidiu
por morar de aluguel, para assim sair da comunidade onde viviam. Para a entrevistada, tanto a
violência, como a falta de autonomia de poder chegar e sair a qualquer hora pesaram na
decisão de trocar de endereço.
Como o trabalho do pai à frente do empreendimento da família é o responsável por
compor os ganhos da casa, as variações características do negócio constantemente afetam as
finanças da casa. Por já terem passado dificuldades maiores e ainda assim conseguido
construir uma trajetória econômica de ascensão, as dívidas que a família Jardim possui hoje
são vistas como situacionais, como parte de um objetivo maior, que é a contínua melhora de
sua situação econômica. A entrevistada não se mostra vaidosa e afirma que faz o papel de
controladora de gastos na casa, enquanto o marido é mais consumista e impulsivo.
No momento da entrevista, as contas da família Jardim que estavam inadimplentes
eram referentes aos três cartões de crédito que eles ainda mantinham.
Família De Fátima
A entrevistada, de 45 anos, trabalha há 24 anos em uma universidade pública, onde
desenvolveu toda a sua carreira profissional, estando agora a seis anos de sua aposentadoria.
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Este é seu segundo casamento, sendo que desde o falecimento de sua mãe, seis anos atrás,
trouxe o pai para morar em sua casa junto de sua família.
Na casa moram: seu marido, 51 anos, funcionário terceirizado da marinha; seu enteado
de 20 anos, estudante universitário bolsista; a filha do casal, de seis anos, estudante de colégio
particular; e o pai da entrevistada, que é aposentado e está com 82 anos.
A casa em questão é alugada. Para a entrevista, a dinâmica de funcionamento de sua
família no dia a dia, é como a de um trem, que em seu caminho, está sempre entre idas e
vindas. O endividamento da Família De Fatima é construído conscientemente, o que não
implica dizer que tenham total controle sobre ele. O endividamento é acumulado a cada novo
imóvel comprado pela família ao longo do tempo, muito devido à crença de que precisam
construir e acumular patrimônio.
A entrevistada é vaidosa e gosta de comprar maquiagem e produtos para o cabelo –
tanto para ela, como para a filha.
No momento da entrevista, as contas da família que se encontravam em aberto eram:
luz, telefone e IPVA, com um cartão de crédito tendo sua dívida rolada, através de
pagamentos mínimos.
Família Ferreira
A entrevistada é natural da Paraíba, mãe de dois filhos, o mais novo de 17 e o mais
velho com 22 anos, é casada, mas no momento não vive junto com o marido.
Por conta do sonho do filho mais novo em seguir carreira na TV, a família foi
dividida, o filho mais velho, estudante de administração de empresas, ficou morando com o
pai, em João Pessoa, onde a família mantém uma academia na cidade. A mãe, que fora
bancária por doze anos, se afastou do trabalho e veio com o filho mais novo para o Rio
quando este ainda tinha 12 anos. Hoje o caçula é aluno da faculdade Estácio no curso de
Cinema, financiado por um programa do governo, o Prouni, e já trabalhou por alguns anos em
tele novelas de canais da TV paga.
O tempo da entrevistada, no dia a dia, é integralmente dedicado aos trabalhos do filho
artista. Ela é a responsável pela divulgação de sua carreira, e de produtos e empresas parceiras
na internet.
Assim a família vive, entre o Rio de Janeiro e João Pessoa, sempre contando com a
ajuda de promoções das companhias aéreas para poderem estar juntos. A atual situação
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econômica da família teve uma forte queda recentemente, com a saída do filho da novela onde
atuava para que pudesse se dedicar a um novo projeto, agora musical. O novo projeto,
entretanto, ainda não apresentou resultado, o que ocasionou o declínio na trajetória econômica
da família.
A entrevistada conta que precisou deixar de ser vaidosa, a fim de economizar, e que
atualmente direciona ao filho algumas compras de produtos de beleza, visto que o caçula
depende de manter uma boa aparência para conseguir trabalhos na área artística.
No momento da entrevista, as contas da família que se encontravam em aberto eram:
luz, gás, financiamento do apartamento, IPTU e condomínio.
Família Cavalcante
A entrevistada, de 39 anos, é arquivologista por formação e tem uma pós-graduação
em Gestão de Projetos. Atualmente trabalha como funcionária terceirizada em uma empresa
do setor de energia.
Casada e com um filho de 11 anos, ela conta que sua paixão, e de toda a família, é a
música – seu marido é baterista e professor de música. Mesmo que essa paixão seja comum a
todos, os gostos musicais individuais variam, como entre rock e samba, por exemplo.
Os três moram em um apartamento alugado na região central do Rio de Janeiro. Pelos
preços dos alugueis na cidade, a entrevistada recentemente se mudou, morando próximo do
antigo endereço, mas em uma rua onde os imóveis têm um preço mais acessível.
A família Cavalcanti acredita que atualmente o endividamento é uma realidade da
sociedade como um todo, estando presente na vida de todos brasileiros. Desta maneira é
normal para os membros da família as necessidades de trocas e experiências com novas
marcas, para que possam manter seu consumo de determinadas categorias. Essas substituições
podem ser percebidas na categoria de produtos de beleza, uma vez que a entrevistada conta
que é vaidosa e não abre mão desses consumos, e por isso atualmente recorre a marcas mais
baratas, tendo precisado abandonar as que usava antes da dívida.
No momento da entrevista, as contas da família que se encontravam em aberto eram:
escola, luz, agua, empréstimo bancário e um cartão de crédito.
Família Villa
49
A entrevistada é casada, tem 44 anos e é mãe de dois filhos. Na casa moram os filhos,
o marido e sua mãe. Na família, a avó tem também o papel de sogra e tia, uma vez que a
entrevistada e seu marido são primos de primeiro grau.
O filho mais velho do casal, com 20 anos, já está trabalhando, enquanto o mais novo,
de 11 anos, ocupa seu tempo entre a escola particular e atividades extra curriculares ao longo
da semana.
A entrevistada cursou faculdade de letras, mas que depende ainda da entrega de seu
TCC para ser concluída. Neste momento é aluna do curso de biblioteconomia da UFF. Para
ajudar o marido que é autônomo, a entrevistada tem seu tempo dividido entre os estudos, o
cuidado da casa e a administração da agenda de trabalho do marido como professor de
culinária.
O endividamento na família Villa tem sempre uma perspectiva de solução futura. Para
a entrevistada, sempre se encontrará uma maneira de acomodar tudo dentro do orçamento
familiar. O atual momento de dificuldade que atravessam é considerado algo passageiro, foca-
se mais em situações específicas, como a perda de um dos pontos de prestação de serviço do
pai, do que nos gastos totais da casa.
A entrevistada é bastante vaidosa e não relatou grandes mudanças em seu consumo de
produtos de beleza, buscando manter suas marcas preferidas.
No momento da entrevista, as contas da família que se encontravam em aberto eram:
escola do filho mais novo, mensalidade de curso e o financiamento do carro.
Família Conde
A entrevistada, de 46 anos, é casada há 23 anos e tem dois filhos. O mais velho, com
23, está no último ano da faculdade de engenharia, motivo pelo qual atualmente mora fora da
casa dos pais, em Niterói. A filha mais nova tem 19 anos e é estudante de psicologia em uma
faculdade particular do Rio de Janeiro.
Todos na família são muito próximos, mesmo com o filho morando em uma cidade
vizinha. A entrevistada acredita que eles conseguem continuar unidos, pois isso é importante
para todos os membros da família.
A entrevistada e o marido são as duas pessoas à frente do negócio da família, que
consiste de uma orquestra de violinos que toca em festas e casamentos, empreendimento
iniciado pelo seu sogro e continuado pelo casal.
50
O negócio da família é a principal fonte de receita da casa. Mesmo que os dois filhos
tenham renda, estes não ajudam a compor os ganhos da família. O mais velho trabalha em um
estágio que vem fazendo pela faculdade e a mais nova em um trabalho já na área em que
pretende seguir carreira – ambos os rendimentos são direcionados a consumos individuais.
A trajetória econômica descendente da família Conde é explicada pela entrevistada
como sendo consequência da queda de atratividade na atividade que exercem em seu
empreendimento familiar.
A entrevistada não é vaidosa e não possui uma relação próxima com produtos de
beleza.
No momento da entrevista, as contas da família que se encontravam em aberto eram:
condomínio, gás e uma dívida de cartão de crédito que vem sendo rolada através de
pagamentos mínimos.
Família Bandeira
A entrevistada, de 51 anos, é a mãe em uma família de quatro integrantes, sendo que
podemos considerar como o quinto membro seu pai, que pelos cuidados especiais que sua
saúde exige, hoje recebe bastante atenção da entrevistada. Seu marido é corretor de imóveis
na cidade do Rio de Janeiro, dependendo assim de recebimentos mensais que podem variar
muito em valor e data de pagamento ao longo do ano, e a entrevistada é funcionária pública,
trabalhando como assistente administrativa, já há muitos anos, em uma universidade pública.
Nenhum dos dois filhos do casal trabalha. A filha mais velha, com 23 anos é aluna do curso
de veterinária de uma faculdade particular e o menino mais novo, de 16 anos, está atualmente
cursando o colegial técnico no Sesi.
Quanto ao consumo, a entrevistada acredita haver uma necessidade de constante
vigília, uma vez que a exposição a propagandas e os estímulos às compras são fortes e podem
ser muito persuasivos.
A família mora em um apartamento alugado, no bairro da Tijuca, e possui dois carros,
comprados em um financiamento. Para a família Bandeira a perspectiva de resolução de suas
dívidas é futura, por mais que haja diálogo dentro de casa sobre possíveis trocas e abandonos
no consumo da família que poderiam resolver hoje os problemas financeiros enfrentados,
todos preferem postergar.
51
Apesar de afirmar não ser vaidosa, percebe-se uma relação forte da entrevistada com
produtos de beleza, em especial maquiagens e produtos para o cabelo. Ela e a filha
compartilham alguns produtos e ela não demonstrou mudanças em suas aquisições da
categoria, mantendo as marcas que já utilizava antes do aperto financeiro da família.
No momento da entrevista, as contas da família que se encontravam em aberto eram: o
colégio atual e anterior do filho mais novo, IPVA, luz e um empréstimo consignado feito com
um banco.
3.2.2 COLETA DE DADOS
No estudo do comportamento do consumidor, é importante investigar práticas dos
consumidores ao longo de todo o processo de consumo – não apenas o ato da compra, mas a
interação entre o consumidor e o produto antes e depois de sua aquisição (CAMPOS,
SUAREZ & CASOTTI, 2006). Tendo em vista o objetivo de compreender o processo de
consumo e abandono de produtos de beleza no contexto de famílias endividadas e por
considerar que o abandono é um processo e que este, assim como o consumo, é capaz de
construir identidades e sinalizar mudanças importantes (SUAREZ, CHAUVEL E CASOTTI,
2012), optou-se pelo uso do método qualitativo.
O principal método de coleta de dados foi o das entrevistas em profundidade na casa
das famílias pesquisadas, onde os entrevistadores se valiam de técnicas projetivas para
melhorar o entendimento de como as entrevistadas se viam como membro de uma família na
sociedade.
De acordo com McCracken (1988), não há ferramenta mais reveladora que a entrevista
em profundidade quando se tem propósitos analíticos e descritivos, porque ela nos leva a
conhecer e experimentar o mundo do entrevistado pelos seus próprios olhos. Segundo o autor,
sem esse entendimento qualitativo, ficamos presos apenas ao que os números dos métodos
quantitativos mostram. Assim, para maior imersão no mundo das entrevistadas para a presente
pesquisa, as entrevistas foram realizadas nas casas das respondentes, viabilizando a
observação da sua realidade familiar
Para ajudar o respondente a superar limitações de estruturação do pensamento e ajudá-
lo a se expressar sobre temas considerados difíceis,
A técnica projetiva utilizada no trabalho de campo foi apresentar à entrevistada a
imagem do desenho de uma família. Tal escolha foi de forma a propositadamente representar
52
o ideal de uma família feliz (ver anexo 2). O objetivo com a técnica projetiva foi acessar
imaginários do consumo e da dívida da entrevistada. Com a imagem nas mãos da
respondente, para conseguir acessar tanto o imaginário de consumo de uma família abastada
como o de uma família endividada, quando isso não surgia espontaneamente o entrevistador
propositadamente encaminhava a conversa para o polo oposto ao que fora trazido pela mãe.
Por exemplo, se ela descrevia a família como de bom poder aquisitivo, era introduzido um
questionamento sobre quais seriam os impactos no consumo desta família no caso de um
endividamento. E, ao contrário, quando a entrevistada descrevia a família como mais uma
integrante do rol de endividados brasileiros, a conversa era encaminhada para uma situação de
favorecimento financeiro e suas possíveis consequências no consumo desta família.
Somente após a técnica eram introduzidas questões sobre o desenrolar da dívida, a
organização das contas da casa e o relacionamento com a categoria em questão, seja plano de
saúde ou produto de beleza.
Para guiar as entrevistas, elaborou-se um roteiro semiestruturado de perguntas (ver
anexo 1). As conversas tinham um tom informal e, em geral, eram iniciadas com lembranças
do último contato que tiveram com a empresa recrutadora, para depois ir transitando por
temas sobre o cotidiano da casa. Por fim, as perguntas iam se especificando para recordações
de dificuldades financeiras vividas em sua infância, para em seguida voltar o assunto para os
dias atuais, sendo a questão das despesas com produtos de beleza trazida junto a uma lista de
consumos idealizada para pensar sobre as mudanças que a família precisou fazer em seus
gastos mensais (ver anexo 2).
3.2.3 MÉTODO DE ANÁLISE
O trabalho de análise da presente pesquisa se baseou numa compreensão holística de
cada entrevista - da história e do contexto de cada entrevistada, bem como de aprofundamento
de partes mais específicas. Com esse objetivo, para cada entrevista, foi desenvolvido um
sumário analítico (MILES, HUBERMAN E SALDAÑA, 2014). O sumário analítico foi feito
a partir da transcrição das entrevistas e consistiu do desenvolvimento de resenhas específicas
para cada uma das entrevistadas por meio de uma compreensão em profundidade de cada
relato.
53
O passo seguinte foi realizar a codificação, onde, baseados em códigos sugeridos pela
literatura ou que surgiram a partir dos relatos, segmentamos em índices os principais pontos
em comum, de contraste ou de destaque em nossas entrevistas, dando uma direção de como a
pesquisa poderia ser desenvolvida. Essa parte foi muito importante para nos aprofundarmos
em cada um dos relatos e descobrirmos como eles poderiam “conversar”, não somente entre
eles, mas também com a teoria utilizada. Os questionamentos que surgiram a partir daí serão
discutidos no próximo tópico.
Após essa interpretação individual e particular de cada entrevistada, surgiram os
questionamentos que serão apresentados no próximo tópico e que me permitiram analisar
conjuntamente todos os achados e reflexões obtidos através do sumário analítico. Este
minucioso trabalho é o que você verá consolidado ao longo do presente estudo.
3.2.4 LIMITAÇÕES DO MÉTODO
A escolha pelo desenvolvimento de uma pesquisa qualitativa apresenta em seu cerne
uma limitação com relação à possibilidade de representatividade de seus resultados,
impossibilitando que os mesmos sejam generalizados do ponto de vista de sua distribuição
populacional. É importante assim, reforçar que o trabalho não buscou estudar cada família
como se representassem um padrão nacional.
Por fim, de acordo com a filiação paradigmática deste trabalho, entende-se que a
percepção e interpretação da pesquisadora são condições inerentes à pesquisa e relacionadas à
sua capacidade de análise. Embora tenha como pressuposto que toda atividade de pesquisa
surge justamente dessa interação entre pesquisador e objeto de pesquisa, essa característica
poderia ser considerada como uma limitação a ser destacada para eventuais leitores de uma
orientação positivista.
54
4 ANÁLISE
Ao longo deste capítulo faremos uma análise das entrevistas realizadas com estas mães
de família com o objetivo de melhor entender o consumo familiar e como as negociações de
compra acontecem dentro do lar, além de trazer também sentimentos percebidos como
relacionados ao abandono da categoria Beleza.
Primeiro falaremos sobre como se dá a hierarquia de gastos dentro do orçamento
familiar, entendendo melhor o que são gastos prioritários e quais são secundários, e também o
significado da dívida e do consumo no seio familiar. Na sequência traremos como se dão os
diálogos sobre a dívida entre os membros da família, e como esse tema se estende também a
parentes próximos ou amigos. Com isso, seguiremos para entender quais estratégias são
55
utilizadas por essas famílias para administrar seu orçamento num contexto de dificuldade
financeira.
Depois de discorrer sobre consumos em geral, análise se deterá no tema principal: quais
os reflexos da dívida no consumo de produtos de beleza da família e como, quando e por que
alguns produtos são abandonados em detrimento de outros. Para auxiliar nesse entendimento,
trarei também alguns sentimentos relatados, ainda que indiretamente, pelas entrevistadas com
relação ao consumo de Beleza. Por fim, para sintetizar e complementar o tema principal de
discussão neste estudo, me aprofundarei em como é o relacionamento dessas mães de família
com a categoria Beleza, seus sentimentos e negociações de consumo.
4.1. HIERARQUIA DOS GASTOS
4.1.1. GASTOS PRIORITÁRIOS E GASTOS SECUNDÁRIOS
Dentro do estudo de abandono de produtos de beleza no contexto de famílias
endividadas, pôde-se perceber através das entrevistas que há um equilíbrio entre gastos
considerados prioritários e aqueles que são deixados em segundo plano. Portanto, neste tópico
buscarei responder à primeira questão de pesquisa: Como a família estrutura seus gastos
cotidianos numa situação de endividamento? Com esse questionamento, tentarei compreender
como se dá a hierarquia de consumos das entrevistadas e quais são suas contas mais
importantes.
Num estudo detalhado das entrevistas, foi possível delinear que há duas categorias de
prioridades no orçamento dessas famílias: hierarquia do consumo (consumos que eu não
posso deixar de ter) e hierarquia da dívida (consumos que posso ficar sem pagar).
Com a pesquisa de campo, foi possível perceber como essas balanças são administradas
e negociadas dentro de casa. A seguir, desenvolveremos um raciocínio com base em
dualidades absorvidas das falas das entrevistadas, que levaram a crer que estas são a base,
ainda que inconsciente, da definição do que é um consumo prioritário, que não pode faltar
dentro de casa, e de uma conta prioritária, aquela que não pode atrasar de jeito nenhum.
4.1.2. VISIBILIDADE X INVISIBILIDADE
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Uma das balanças percebidas na entrevista é ligada à hierarquia da dívida e retrata a
separação entre visibilidade da dívida (quando outras pessoas, tais como vizinhos ou amigos,
podem tomar conhecimento do não pagamento de determinada conta) versus anonimato da
mesma (quando ninguém de fora da casa fica sabendo que existe aquela dívida). Aluguel e
condomínio, por exemplo, são contas que acabam sendo priorizadas numa tentativa de
“esconder” o aperto financeiro e mantê-lo apenas entre os familiares, sem que conhecidos ou
vizinhos saibam da dificuldade que a família está passando. A Sra. Largo comenta isso
claramente. Ela vive em apartamento próprio com o marido e as duas filhas, sendo uma do
primeiro casamento, e no momento da entrevista havia acabado de ser demitida do emprego, o
que agravava ainda mais sua situação financeira. Seu marido é técnico de eletromecânica.
Segundo a Sra. Largo, o pagamento do condomínio é prioridade, pois, se ela atrasar, seus
vizinhos logo saberão que ela está endividada.
“Condomínio eu estou pagando em dia. Tento pagar em
dia, não posso deixar de pagar. Tenho um problema muito sério
de nome sujo, das pessoas saberem que eu estou devendo. (...)
Não gosto de dever. Não é uma coisa normal. Se eu puder optar
por uma conta que só eu saiba que eu estou devendo, é essa que
vou ficar devendo, então condomínio eu pago”.
Esta afirmação da Sra. Largo confirma o que Mattoso (2005) destacou em seu artigo,
de que o “nome” da pessoa demarca sua posição social ao diferenciá-la como alguém que tem
crédito. Ainda que na prática o indivíduo tenha alguma dívida, o fato de ele publicamente
mostrar que seu “nome” está “limpo”, especialmente entre os círculos comerciais mais
próximos, onde existe algum tipo de relacionamento, lhe impõe respeito.
Por isso taxas municipais, como o IPTU, podem ser adiadas, pois, além de se tornarem
uma dívida menos visível, segundo afirmou a Sra. Largo, “a prefeitura já tem muito dinheiro”.
E esse pensamento se estende ainda a outras contas, como energia, água e gás, por exemplo.
“IPTU está atrasado. Ele atrasa, nunca atrasou, mas
este ano está atrasado. Acho que a prefeitura tem muito
dinheiro, eu posso empurrar ele. Taxas municipais, energia,
água, gás, telefone fixo”.
4.1.3. PATRIMÔNIO X CONSUMO COTIDIANO
57
Uma segunda balança que pôde-se perceber na administração de gastos da casa entra
na categoria de hierarquia de consumos e delineia o que é considerado construção de
patrimônio (como financiamento da casa ou do carro) e o que é consumo cotidiano (como
supermercado, conta de luz, IPTU, IPVA).
A Sra. Ferreira, que veio da Paraíba para o Rio com o filho, com o objetivo de investir
em sua carreira de ator, coloca como prioritário pagar o financiamento do apartamento em que
moram. Ela chega a dizer que passaria até fome, mas não atrasaria esse pagamento. Entende-
se como uma tentativa de se sentir mais segura e garantir ao menos um lar, um patrimônio, em
meio ao endividamento no qual a família se encontra.
“Por exemplo, esse apartamento aqui é financiado,
então a prioridade é a habitação. Ele tem que dar prioridade
para pagar financiamento e o condomínio porque aí você não
tem para onde correr (...) Eu não sei como não cortaram ainda.
Eu estou para negociar as minhas contas de energia. Eu tenho
quatro. A minha prioridade é o que eu disse a você, é o
apartamento que é o financiamento, esse daí você pode passar
fome, mas você não pode deixar de pagar e o outro é o
condomínio, se você mora aqui você tem que pagar condomínio
não tem como fugir dele. A energia a gente pode renegociar, o
gás a gente pode renegociar, o telefone, mas o condomínio e
financiamento de imóvel não”.
Aqui é importante destacar os significados culturais que essa decisão carrega. De
acordo com suas práticas, a Sra. Ferreira se enquadraria na categoria definida por Peñaloza &
Barnhart (2011) como a de indivíduos que fazem o uso de crédito para o que consideram mais
importante, como veículos, hipoteca da casa, e pagam essas contas repetidamente em dia. Eles
se dizem orgulhosos por honrar seus compromissos com as contas que são tidas como
prioritárias e que são diretamente associadas como um patrimônio. Tanto que, além da
moradia, vale destacar a importância dada pelos entrevistados a bens e transporte, em especial
do carro, no contexto familiar.
O curioso foi perceber que algumas das famílias mal usavam seu carro, mas faziam
questão de tê-lo para usar em momentos pontuais ou mesmo pelo hábito de sempre ter tido
um carro na garagem. Conclui-se que ainda existe uma percepção de que ter um carro coloca
a família numa posição de conforto financeiro perante a sociedade, e que o mesmo tem um
58
significado de patrimônio, algo que tem significado de poder de compra para a família
endividada. É como se, ao vender esse bem, a família automaticamente migrasse para um
grupo de “endividados até o pescoço”, assumindo publicamente uma posição de fracassados
na administração do orçamento familiar. Por isso o carro pode ser percebido como aquilo que
dá identidade à família, um objeto que posiciona seus membros em um grupo que possui
algum poder aquisitivo, ainda que mantenha contas em atraso. É o que Barros & Rocha
chamaram de “consumo de pertencimento”, onde há um grande desejo de participar dos
benefícios da sociedade de consumo, aproveitando-se do parcelamento oferecido pelas lojas
como meio de adquirir bens que não estariam antes ao seu alcance e realizando sonhos de
consumo. O esforço para manter esse carro pode figurar como um dos motores de construção
da dívida dessas famílias, visto que, além do pagamento das parcelas do mesmo, há outros
custos altos envolvidos, como IPVA, aluguel de garagem, seguro, combustível, entre outros.
A Sra. Ferreira, por exemplo, conta que nem se lembra a última vez que ligou o carro, que
está esquecido na garagem de seu prédio e, por ser a gás, precisa de um gasto fixo anual de
revisão, que ela não está conseguindo pagar. Além disso, quem cuida disso é seu marido, que
segue vivendo na Paraíba, e não faz parte do cotidiano de uso do automóvel na família.
“Eu tenho um carrinho velho 99 está parado lá embaixo
no estacionamento porque para eu ter um carro tem que fazer...
Inclusive está atrasado porque ele é a gás. Então para você ter
um carro a gás você tem que fazer anualmente a revisão dele.
Você tem um cartãozinho assim dizendo que ele está revisado.
Eu estou sem dinheiro para fazer.”.
A Sra. Lobo foi outra entrevistada que endossou a posse de um carro que não é usado
pela família. Ela mora com o marido, a filha, o enteado e um cachorro, e não tem custos com
aluguel. Além do carro, ela e o marido têm ainda duas motos. Porém, a própria entrevistada
afirma que o carro é apenas um objeto de luxo, o qual ela não se lembra a última vez que
ligou.
“Despesa com carro e moto, IPVA tem, duas motos e o
carro. Seguro obrigatório só carro, não tem seguro das motos.
Combustível, quase a gente não usa o carro, de verdade, hoje
ele (marido) está lá resolvendo essa questão do carro e eu falei
‘daqui a pouco não sei mais ligar o carro’. Eu particularmente
acho que não ligo o carro há mais de 6 meses. O carro está na
garagem, parecendo que estava no depósito do Detran largado,
ontem ele botou o carro pra andar e tal, está lá mexendo, está
mais ou menos... Enfim, o carro está novo, está lá sem usar. (...)
59
O carro é novo novo, de ano, a gente comprou faz 2 anos. A
gente sempre teve carro (...)O carro ficou como objeto de luxo,
entrou em desuso, a gente usa o carro de 15 em 15, quando meu
filho vem para cá, porque daí sai a grande família. A gente usou
para ir ao parque, foi a grande família. Do contrário a gente
quase não usa. O carro está lá parado”.
Por esta fala da Sra. Lobo, percebe-se o carro como um objeto de manutenção e
construção da identidade da família. Mesmo que pouco utilizado, ele é guardado para
momentos em que todos saem juntos. Como um dos filhos mora fora, é quando ele visita a
família que todos utilizam o carro para passeios familiares, fazendo com que os membros se
sintam integrados e conectados desta maneira. Como descreveram Epp & Price (2008), aquilo
que somos como família depende de interações compartilhadas entre seus membros e é co-
construída através de ações do cotidiano.
A descrição de Epp & Price (2008) também se confirma no caso da Sra. Jardim, onde
o carro simboliza a possibilidade de uma viagem em conjunto. A compra do veículo foi
motivada pelo marido, que tem um bar junto a um sócio, e precisava de um meio de transporte
melhor para comprar e carregar mercadorias. E, além disso, há planos da família viajar para o
Nordeste no carro, realizando o sonho de todos irem juntos visitar os parentes que lá estão – e
ter o carro é visto por eles como uma grande economia devido aos altos preços de passagem
aérea – parece haver uma relativização do alto valor de um carro zero quilômetro, cujo preço
é comparado ao de passagens aéreas nacionais como sendo uma vantagem econômica. No
entanto, se fosse necessário, Jardim afirma que este seria o primeiro bem a ser cortado das
despesas da família, pois é pouco usado.
“O que eu tenho no momento não dá para tirar porque
são coisas essenciais, só se for o carro, tirar o carro. A gente já
falou que a gente precisa do carro, mas não usa tanto. Mas ele
(marido) queria tanto ter esse carro, queria tanto, e até manteve
isso de comprar por causa do bar, das compras do bar, daí eu
falo ‘mas é uma despesa a mais, é uma coisa que tem que ficar
pagando documento e tudo mais’. E ele pretende também, com
esse carro, economizar na passagem de avião para viajar
devagarzinho e com calma no carro. Acho que o que é mais
nesse carro é o fato da viagem, de querer economizar porque se
60
a gente viajar daqui de avião, quando chega na casa da mãe
dele e do meu pai, a gente fica ilhado, é muito longe, não tem
como depender do transporte de lá, não tem na hora que a gente
quer como aqui”.
A família da Sra. Largo abriu mão de muitos consumos, como sair à noite, ir a
restaurantes ou comprar roupas novas, devido ao endividamento, no entanto o carro continua
sendo um bem sem planos de ser eliminado do orçamento. Ela e o marido estavam para quitar
as parcelas do carro antigo, quando o trocaram por um modelo mais novo, prolongando por
mais tempo o pagamento desse meio de transporte. No entanto, a família entende que tenha
feito um bom negócio, visto que agora estão com um carro mais novo, pagando praticamente
a mesma parcela mensal anterior – porém pelo dobro de meses. Outro gasto prioritário,
consequente do carro, é o seguro, que a entrevistada comenta que também é pago sem atrasos
(percebe-se aqui uma prioridade a essa conta como objetivo de preservar um patrimônio). A
Sra. Largo não utiliza o carro, visto que só anda de ônibus. Já o marido utiliza o carro para ir
ao trabalho e buscar a filha na faculdade.
“Então por exemplo, eu tenho o carro, a gente paga a
prestação do carro e isso bate direto na minha conta, é débito
automático. Se o dinheiro não entra, automaticamente minha
conta fica negativa, então foi gerando uma bola de neve. Na
verdade a gente trocou o carro. Eu troquei o carro. Eu tinha um
Palio, estava pagando ele há uns 2 anos e pouco e daí ano
passado eu resolvi trocar o carro, a gente não estava tão
apertado e também não ia ter muita diferença. Eu reiniciei o
financiamento e peguei um carro mais novo, 2011, maior, mais
confortável e estou pagando praticamente a mesma prestação, a
diferença é que eu voltei ao início das prestações (...) Daí as
despesas do carro, IPVA no momento está atrasado. Seguro tem
que ter, não tem como fugir. E tem que ser pago em dia, é uma
despesa que não pode atrasar, porque se acontecer alguma
coisa a seguradora não te auxilia, então tem que estar em dia.
(...) carro sem seguro é dinheiro jogado fora. O carro para a
gente ainda é uma dívida, não é só um bem de consumo. (...) Em
termos de custo benefício sai mais barato andar de carro do que
pegar o ônibus, porque a despesa de ida e volta gera o custo da
ida e volta de carro”.
Por fim, a Sra. Conde, depois de ter vendido um de seus carros para arcar com as
despesas de tratamento de saúde de seu sogro, voltou a adquirir um novo recentemente. Para
61
isso, ela vendeu seu carro de passeio e adquiriu uma caminhonete. Ela vive com o marido e
um de seus filhos e eles têm uma empresa de orquestra para festas e casamentos. Por esse
motivo, eles acharam necessário voltar a ter um carro, em especial de grande porte, para
conseguir carregar todos os equipamentos dos eventos em que trabalham. Segundo ela, seria
uma economia, pois com o carro não seria mais necessário pagar frete a cada novo evento
realizado. No entanto, pelo carro ser grande, ele não atende a todas as necessidades da família.
Por exemplo, seu tamanho dificulta que ela visite muitos de seus clientes, como os que
moram na Zona Sul, pois é difícil encontrar vaga ou esta é até mesmo proibida em
determinados locais, como na orla. Nesse caso, ela e o marido precisam recorrer a transportes
públicos, deixando o carro na garagem.
“Na época que a gente parou de pagar o plano de saúde,
a gente tinha comprado um carro novo onde pagava a
prestação. Então meio que foi assim, a gente comprou o carro
em abril, conseguiu levar a prestação do carro e o plano até
outubro, aí a gente viu que não dava mais. Como a prestação
era mais ou menos a mesma coisa, meio que foi assim por causa
talvez de ter entrado a prestação do carro, que a gente
precisava de um carro de transporte, a gente vendeu o carro de
uso pessoal e compramos uma caminhonete que dá para a gente
e transporte. Talvez a prestação do carro tenha entrado no
lugar do plano de saúde”.
A fala da Sra. Conde reforça mais uma vez a visão da construção de patrimônio
(aquisição de um carro) versus consumo cotidiano (plano de saúde).
Já o que é de consumo cotidiano nas famílias aparece com uma menor lealdade. É
possível perceber uma substituição de marcas a fim de economizar mais e até mesmo
abandonos de alguns produtos, que passam a ser vistos como um peso no orçamento familiar.
Uma observação interessante que pôde ser feita foi a contabilidade detalhista realizada pelas
famílias para esses gastos cotidianos considerados menores – em oposição a uma tentativa de
relativizar os gastos maiores (que são destinados à construção de patrimônios, a fim de
proporcionar maior segurança às famílias). No caso da Sra. De Fátima, por exemplo, ela sabe
exatamente quantos quilos de carne, caixas de ovos e de sabão em pó são gastos mensalmente
pela família. Porém ela se perde quando precisa pagar as obras realizadas nos apartamentos
comprados como forma de investimentos, que são gastos altos que vêm contabilizados
diretamente em seu cartão de crédito – e cuja fatura nunca é paga por completo, rolando a
dívida mensalmente com o banco.
62
“Faço um controle (das despesas e gastos do mês).
Geralmente vou botando as notas todas aqui, depois no final do
mês vou e tiro. (...)Tenho a conta certinha de tudo o que eu
gasto. Gasto de 7 a 10 quilos de arroz por mês. Um quilo de
feijão por semana, 4 quilos de sabão em pó por mês. Carne é de
2 a 3 quilos por semana. 2 quilos de peixe por semana. 1 a 2
frangos por semana. São 4 frangos por mês que eu gasto.
Sabonete, gasto 25 por mês. São dois sacos de açúcar, 4 dúzias
de ovos, às vezes gasto mais porque esse bolo eu compro
pronto”.
Em outro momento, a Sra. De Fátima fala da dificuldade em arcar com o pagamento
de gastos relativos ao carro ou de seu cartão de crédito, que tem um valor alto e cujas compras
são majoritariamente destinadas às obras de seus apartamentos – e não a compras de comida,
por exemplo.
“O que eu não estou conseguindo pagar tudo mesmo é o
cartão. O cartão vem R$ 3 mil e pouco, eu pago R$ 2 mil e
pouco, sempre fico devendo R$ 500 ou R$ 600 no cartão. IPVA
do meu carro está atrasado, só vou pagar daqui a 3 meses
quando terminar de pagar o seguro. Ou seguro ou IPVA,
primeiro o seguro, depois pago o IPVA do carro”.
O que se vê pela fala dela é que, mesmo as despesas com carro e obras nos
apartamentos sendo uma despesa muito grande, elas não são abandonadas. Já outros gastos
cotidianos, como compra de produtos de beleza, roupas, saídas à noite, foram eliminados ou
diminuídos de sua rotina.
É como a Sra. Bandeira, que afirma que duas seriam as atitudes que trariam maior
impacto positivo no orçamento da família: mudar-se para o apartamento de seu pai, que é
próprio, o que diminuiria a despesa com aluguel; e vender um dos carros, que, além das
prestações mensais, ainda somam IPVA, seguro, gasolina. Porém, como forma de tentar
equilibrar seu saldo mensal sem abrir mão de seus patrimônios, a Sra. Bandeira recorre a
estratégias menores, como, por exemplo, economizar nas compras de supermercado,
substituindo marcas caras por outras mais baratas. Outras alternativas que a entrevistada
mencionou foram cortar a TV a cabo e pegar ônibus ao invés de sair de carro nos fins-de-
semana.
“Eu gosto de comprar no Mundial porque é o mercado
mais barato que tem. Prefiro ir lá, pesquisar preço. Se tem
63
oferta, quanto de oferta...já compro vários produtos e faço
estoque da oferta (...) O que a gente gasta mais é mercado
mesmo, não é nem as outras coisas (...) Eu amo isso daqui, é um
silêncio de domingo, é bem gostosinho de viver, super seguro,
muito tranquilo. Então em termos de aluguel não acho que
tenha mudado muito pelo que vi do mercado. Tem uma
administradora aqui do lado e estou sempre olhando lá”.
Mais uma vez se percebe por sua entrevista a valorização dos gastos com moradia e
automóvel, e uma suavização ao montante desses gastos quando comparados aos consumos
cotidianos (“o que a gente gasta mais é mercado mesmo, não é nem tanto as outras coisas”).
Já a Sra. Lobo se diz fiel a algumas marcas, mas em seu discurso se percebe também uma
economia detalhista, buscando opções mais baratas para seus consumos cotidianos. É
interessante observar que, como se viu em outras entrevistas, essa economia não inclui
qualquer marca que seja a mais barata da prateleira. Existe um plano de compras organizado
mentalmente, e até mesmo subconscientemente, com um leque de três ou quatro opções de
marcas que tenham uma qualidade mínima aprovada, cujos preços são comparados e, dentre
essas três ou quatro opções, se escolhe a mais barata no momento da compra. Observe como a
Sra. Lobo descreve essa ação.
“Tem algumas coisas que eu não abriria mão porque a
gente consegue perceber, a gente já experimentou e não foi
legal. (...) Estou usando esse que é muito bom, que é da
Predilecta, antes a gente usava os melhores, Elefante, Arisco.
Pude até comparar Arisco com Predilecta, Predilecta está muito
mais gostoso (...) A gente acaba fazendo comparações. Tem
(produto) novo no mercado, testamos (...) Volto, compro mais e
falo para os outros: gente, tem que experimentar! (...)Já fiz
várias experiências (...) Não adianta, não vou entrar num
inferior, num tipo B que tem pedra, isso e aquilo, só por causa
de 1 ou 2 reais. É o nosso conceito, por causa de 1 ou 2 reais
comprar porcaria, também não. É mais ou menos assim”.
Com a Sra. Barros acontece uma situação semelhante. Apesar de ela não ter uma
gestão sobre seus gastos mensais (em especial de forma detalhada), sua noção de economia é
inconscientemente relacionada aos gastos de supermercado, que seriam inferiores a outros,
como aluguel e carro. E ela conta que, no supermercado, compra as marcas mais baratas para
ir testando sua qualidade – reforçando uma falta de fidelidade a produtos específicos.
64
“Mercado a gente tenta pegar promoções, vai ao
Guanabara, vai ao Mundial, muda marcas, experimenta marcas
novas, mais em conta (...)Eu vou no preço, se eu for lá e a gente
experimentar e ver que é muito ruim também, a gente tenta
outro, mas eu vou pelo preço, hoje em dia eu vou pelo preço”.
Portanto, para compras cotidianas de mercado, não se percebe uma preocupação de
construção de valor em cima de determinada marca, como por exemplo discursos em que o
entrevistado é 100% fiel a um produto X. Eles buscam o melhor custo benefício, ou seja, o
menor preço para uma qualidade mínima que eles esperam do produto. Ou, se necessário,
eliminam aquele consumo de sua rotina.
4.1.4. NECESSIDADE X PRAZER
O consumo hedônico, ou de prazer, como restaurantes, viagens ou barzinhos, por
exemplo, apareceu como um gasto que conflita com os considerados de necessidade, como
alimentação, luz, taxas municipais – e aqui ele se enquadra na categoria de hierarquia de
consumos. O consumo hedônico seria aquele que não é necessário à sobrevivência da família
e poderia ser considerado supérfluo. Ele estaria ligado ao que Solomon (2016) definiu como
uma relação de amor de um usuário com um produto ou serviço, pois ele produz sentimentos
mais intensos de prazer e satisfação. E, durante as entrevistas, percebemos que ele era
declarado quase que como uma recompensa pelas dificuldades e economias que a família
precisa fazer. É um pensamento de “Eu mereço por todo o meu esforço”.
No caso da Sra. Bandeira, a entrevistada conta que tem dificuldade de ceder para
economizar em algumas situações e que gosta de se permitir determinados luxos, como
academia, personal trainer para o filho, cinema, viagem com o marido. Ela é funcionária
pública e vive de aluguel com o marido e dois filhos. Evangélica, é a Sra. Bandeira quem
cuida de todo o dinheiro da família, principalmente por ter emprego estável e garantir uma
estabilidade financeira, enquanto seu marido é corretor de imóveis e depende de um bom
desempenho nas vendas para construir seu salário.
“Então por exemplo, a gente não é de ficar toda hora
comendo fora. A não ser Mc Donalds, uma pizza no mês,
cinema... Eu uso muito Peixe Urbano, Groupon e aproveito a
oportunidades (...) E aproveito algumas coisas. Se quiser viajar
com meu marido, e tem 3 noites em Maceió com almoço,
65
translado, avião por mil reais. Eu pego porque é um lazer do
casal, uma alimentação da relação. São 26 anos com a mesma
pessoa e você tem que renovar porque não há casamento que
aguente. Ainda mais com tantas oportunidades aí fora, tanto da
parte feminina quanto da masculina. São coisas que eu me
esforço mais de gastar e não tenho coragem de abdicar por
causa do bem estar que tudo isso traz em relação a minha
família (...) Educação, saúde, isso pra mim...um lazer pra
família...Eu tenho muita dificuldade de ceder. Eu não ligo pra
roupa, ficar fazendo festa, cabelo, nada disso. Mas essas coisas
eu não abro mão de ser mais em conta, mais barato, de graça”.
Como se pode ver, o consumo hedônico, de prazer, da Sra. Bandeira é mantido no
orçamento da família, embora estejam passando dificuldades. Percebe-se um conflito entre
emoção e razão. Por exemplo, ao mesmo tempo em que quer viajar com o marido para sair da
rotina, não o faz com frequência e busca sempre promoções.
No exemplo da Sra. Cavalcanti há uma situação de consumo maior de lazer num
momento anterior de vida, possibilitado por um cargo melhor no trabalho, e a tentativa de
manter alguns desses costumes no momento atual de vida, já mais apertado financeiramente.
A entrevistada conta que, quando estava em seu cargo anterior, precisava viajar com muita
frequência pela empresa, e por isso, aos finais-de-semana, quando estava acompanhada do
marido e do filho, tinha o hábito de sair para jantares, almoços e barzinhos. Isso foi cortado
pela mudança de emprego e por necessidade de economizar, e atualmente ela só se dá ao luxo
de ir a um barzinho às sextas-feiras – que são seus consumos considerados hedônicos. A Sra.
Cavalcanti é casada, mora de aluguel com o marido e o filho e trabalha atualmente como
terceirizada numa empresa multinacional francesa da área de energia.
Para manter este consumo hedônico de lazer, a Sra. Cavalcanti conta sua estratégia:
leva marmita para o trabalho para economizar no ticket refeição e poder usá-lo para tomar
uma cervejinha depois do trabalho, uma vez por semana, às sextas-feiras. Seu bar preferido é
o Belmonte, porém, por ser mais caro, é seu destino apenas uma vez por mês. É o luxo que ela
se permite, já que, como ela mesma frisa, não pode mais viajar ou frequentar restaurantes.
Esta seria a recompensa por trabalhar tanto e se sacrificar para economizar. É o que Mattoso
(2005) descreveu como consumo compensatório, onde gasta-se mais do que se pode para
compensar as dificuldades da vida.
“Outro dia eu falei, quero ir no Belmonte, só que ir no
Belmonte na sexta-feira não dá né, então eu tiro uma sexta-
66
feira no mês e eu vou ao Belmonte. Então assim, isso é uma
coisa que, eu trabalho para caramba, já que eu não estou
viajando, não estou fazendo nada, pelo menos eu quero ir num
lugar legal, num restaurante bacana”.
Com a Sra. Lobo, a impressão que se tem é que seus maiores gastos são com
consumos hedônicos, como roupas, relógios, sapatos. Apesar de ela citar que não paga aluguel
e que seu condomínio é o gasto de maior peso no orçamento, em outras falas constata-se que a
conta mensal mais cara da família é proveniente de cartões de crédito, muitas vezes usados
para suas compras individuais.
“O saldo dos meus cartões de crédito, é obvio que falo
sempre que estou sem roupa, sem sapato, havaiana eu tinha que
comprar 1 por mês, eu tenho 23 Havaianas. Vai ficando velha
eu dou. Roupa, nesse quarto aqui eu tenho 7 sacolas, estou
juntando a 8ª só de roupa para dar. (...) eu comprei meu 30º
relógio. Sou apaixonada por relógio. Todos os relógios que eu
uso são lindos, ele (marido) reclama. Os relógios não são
relógios caros, mas são relógios bonitos, Seculos, Mondaine. O
relógio tem que combinar com a roupa”.
A Sra. Lobo conta que não abre mão de estar sempre com uma roupa nova, um relógio
que combine com a roupa, uma bolsa diferente, um celular moderno. Ela tem um armário só
com bolsas e mais de 200 pares de sapatos.
“Poxa, eu trabalho em shopping (…) todo dia troco de
bolsa, tem uma parte do meu guarda roupa que é só bolsas.
Quando a gente está tirando as coisas para limpar, tem uma
caixa lá deste tamanho que é só 215 pares de sapatos. Tem N
sapatos baratinhos”.
É o que Mattoso (2005) definiu como uma gratificação imediata, onde indivíduos são
mais focados no presente ao invés de fazer planos para o futuro. No caso das Sra. Lobo, por
exemplo, ela se mostra impulsiva quando se trata de consumos próprios, como quando afirma
“não posso ver uma promoção”, ou quando tenta justificar “poxa, eu trabalho em shopping”.
O pensamento imediatista, de satisfação urgente de um desejo, dificulta que ela junte uma
poupança e faz com que a entrevistada esteja sempre enrolada com o pagamento do cartão de
crédito, onde as compras são majoritariamente de roupas e acessórios da moda, como ela
mesma afirma.
67
4.1.5. GASTO FAMÍLIA X GASTO INDIVIDUAL
Neste estudo de campo foi possível constatar o impacto do consumo dos filhos na
decisão de compra da família. Essas escolhas acabam por interferir no consumo de toda uma
família. Na casa da Sra. Conde, o gasto individual que mais sobressai é o do intercâmbio do
filho mais velho. Esta foi uma negociação inicialmente polêmica, em que o pai se colocou
parcialmente contra. Para facilitar esta situação, o filho começou a trabalhar como forma de
arcar com os gastos altos da viagem, que consiste em um ano nos Estados Unidos. Aqui
percebe-se um esforço de toda a família numa tentativa de satisfazer o desejo de apenas um
membro da casa. A forma encontrada para evitar que este tipo de consumo impacte
diretamente no orçamento familiar normalmente é delegar o custo de tal consumo ao
indivíduo diretamente interessado nele, que foi o que aconteceu com o filho da Sra.Conde.
“Quando meu filho se inscreveu no Ciências sem
Fronteiras, ele ficava naquela assim, não torcendo contra, mas
se não fosse para ele seria melhor. O meu filho fez um plano de
saúde para ele, ele tem o estágio e tem a remuneração, mas essa
remuneração fica para ele, ele não ajuda em nada em casa,
também porque praticamente é a conta para ele sobreviver. Ele
fez um plano de saúde, como ele vai parar os EUA ele tem que
fazer exames e tudo isso, tem que estar com tudo certinho”.
Hamilton (2009) apresentou uma pesquisa com foco na prevenção de conflitos como
estratégia-chave das famílias de baixa renda, e uma dessas formas é a comunicação aberta,
como se vê na família da Sra. Conde, onde os pais buscam ensinar boas habilidades de
consumo aos filhos, garantindo que ambas as partes tenham uma compreensão semelhante
sobre escolhas de consumo. No caso do filho da Sra. Conde, a solução para viajar foi buscar
um trabalho para evitar conflitos devidos aos gastos individuais de cada um.
É como o caso da família da Sra. Barros, onde há o esforço de satisfazer o consumo de
sua filha mais velha com uma viagem à Disney. Para possibilitar a realização desse sonho, a
filha buscou um emprego como forma de ajudar a pagar pela viagem. Barros até ajudou, mas
a filha usou parte de seu salário na satisfação de seu desejo.
“Ah sim, porque a vida é de altos e baixos, minha filha
mais velha ela fez Jovem Aprendiz o ano passado, ela queria ir
pra Disney, eu falei, ‘olha, eu não tenho condições, eu posso
68
pagar a passagem, vou me sacrificar’, eu paguei em várias
vezes e ela foi trabalhar pra juntar o dinheirinho pra levar, aí
trabalhou, todo mundo adorou ela lá no trabalho”.
Com esta fala, vemos o consumo da viagem quase como uma ferramenta pedagógica,
o que nos remete a um estudo de Suarez & Casotti (2015) que investigou como os
significados relacionados à compra de um automóvel ajudam a moldar relações dentro da
família. O paper discorreu sobre as ferramentas educacionais utilizadas pela família para
transmitir valores e influenciar o comportamento dos filhos adultos. De acordo com as
autoras, “os filhos devem esforçar-se e conquistar outras posições a partir de seu próprio
mérito”. É isso o que vemos nas falas relatadas anteriormente, onde os pais estimulam o filho
a trabalhar como forma de viabilizar seus próprios sonhos de consumo, numa forma de, pelas
palavras de Suarez & Casotti, “ensinar a eles que a vida é árdua”.
Ainda mostrando a força do consumo dos filhos no orçamento de uma família, na casa
da Sra. Ferreira toda a atenção é voltada aos desejos de seu filho mais novo, que deseja ser
artista e também já trabalha. As compras em geral são comandadas pela entrevistada, no
entanto há alguns consumos da família que são negociados entre seus membros, como por
exemplo um Iphone 6 que o filho quer. Na ânsia de realizar o sonho de carreira do filho, a
Sra. Ferreira busca permutas para conseguir o que não tem dinheiro para pagar, como um
book fotográfico para o filho, sua festa de 17 anos em uma famosa boate do Rio, ou cursos,
como de dublagem. Ela consegue estes serviços em troca de divulgação utilizando a imagem
do garoto, que já faz algumas novelas. É a forma que ela encontra de satisfazer esse consumo
particular do garoto. Para isso, ela abre mão dos próprios desejos, que ficam em segundo
plano – entende-se que o sucesso do filho seria sua grande recompensa.
“Por exemplo, ele está fazendo um curso de dublagem
com permuta. Como é isso? Eu divulgo na internet e em troca
eu ganho o curso. Eu fiz isso com várias permutas para ele
poder fazer várias coisas.(...) Já que a gente vai sonhar né... Eu
sou consumista. Eu só não estou podendo, mas sou. Eu queria
poder. Essa banda era minha esperança sabia? Eu pensei que
fosse ficar rica. Só aparece uma oportunidade dessas uma vez
na vida de uma pessoa”.
De acordo com os estudos de Hamilton (2009), este pode ser visto como um caso de
submissão, quando os pais cedem aos pedidos dos filhos. Segundo o autor, a submissão reduz
o desentendimento entre pais e filhos e ainda proporciona benefícios emocionais para os pais,
69
que se esforçam para garantir que as crianças não sejam prejudicadas pela situação financeira
da família.
No caso da filha da Sra. Conde, a delimitação entre consumos da família e consumos
individuais se deu na escolha da universidade particular que ela escolheu cursar e, para tal,
começou a trabalhar como forma de ajudar a pagar a mensalidade.
Como na família da Sra. Conde o detalhamento da fatura de cartão de crédito é feito
para que cada um pague por seus consumos individuais, e não apenas uma pessoa pague o
valor cheio, na casa da Sra. De Fátima também há essa separação: é o interessado em
determinado consumo o responsável por pagar por ele – aqui reforçando mais uma situação de
comunicação aberta, onde segundo os estudos de Hamilton (2009), os pais tentam ensinar
estratégias de gestão financeira aos filhos a fim de orientar seus hábitos de compra. Falaremos
melhor desse artigo mais à frente.
Um exemplo desta situação é a TV por assinatura. Este é um gasto polêmico, onde a
Sra. De Fátima é contra e seu marido é a favor da manutenção. Para negociar esta situação,
decidiu-se que o marido pagaria, com seu salário, a mensalidade da TV por assinatura (já que
é ele quem quer manter esse custo), e que esse valor não seria retirado do orçamento conjunto
da família. Aqui constata-se o conflito do consumo individual versus o da família, e as
negociações envolvidas para administrar esses gastos. A forma encontrada para evitar que este
tipo de consumo impacte diretamente no orçamento familiar foi delegar o pagamento da
mensalidade ao marido da Dra. De Fátima, o indivíduo diretamente interessado no produto.
“TV por assinatura eu pago contra a minha vontade.
Comecei a pagar agora, estou pagando por causa do meu
marido, é ele quem está pagando (...) Está pagando R$ 200 e
pouco a internet, telefone, TV...”.
Por fim, na família da Sra. De Fátima há ainda o consumo específico de seu pai. Ela
explica que o dinheiro do pai vai para uma poupança e que ela e o marido ficam responsáveis
pelas contas de uso comum da casa, como aluguel, IPTU, luz, mercado. No entanto, foi
relatado pela entrevistada que seu pai usa parte de seu dinheiro no que chamamos aqui de
hedonismo individual. Segundo Sra. De Fátima, ele é o gastador da família e costuma
comprar muitos produtos de beleza da marca Natura. Em seguida ela explica que, muitas
vezes, tais produtos não são nem mesmo para uso próprio, mas para galantear as vendedoras.
A entrevistada afirma não se importar com esse tipo de gasto supérfluo de seu pai.
70
“O que combinei com meu pai? O dinheiro do meu pai
a gente bota na poupança, o meu dinheiro é para pagar o
aluguel, as coisas aqui dentro de casa e o aluguel de Paquetá, o
aluguel da da Veiga é para mexer nas obras. Fazemos assim.
Meu pai tem um guarda vestido, está meio bagunçado o quarto
dele porque minha filha dormiu lá, meu pai tem tudo da Natura,
até coisa que ele nem conhece ele compra. As meninas chegam,
ele vai e compra. Para galantear, agradar. Meu marido que
fica pra morrer. Ele está com 82 anos, deixa ele, o dinheiro é
dele, deixa ele gastar no que ele quer”.
Nestes casos, percebe-se a importância de se manter o diálogo dentro de casa para
delinear atitudes de consumo e evitar conflitos. É o assunto que trataremos no próximo tópico,
sobre Diálogos e Relações Familiares.
Neste primeiro tópico distinguimos os diferentes tipos de hierarquia de gastos dentro
do contexto de uma família endividada, a fim de entender quais são as contas e consumos
prioritários para esses indivíduos e como eles encaixam consumos hedônicos e de prazer em
seus orçamentos. Uma primeira percepção é que há dívidas que são mantidas porque podem
ser “invisíveis”, ou seja, ninguém além deles próprios sabe que a família não teve dinheiro
para pagar aquela conta. Também se pôde perceber que há contas que representam a
construção de um patrimônio, e outras que são cotidianas – e o pagamento das primeiras
costuma ser priorizado. Há ainda uma nuance do que é necessidade e do que é prazer – e esse
segundo não é deixado de lado mesmo diante da dificuldade financeira. Por fim, vimos uma
separação do que é consumo individual e do que é coletivo da família, onde há um esforço
para não deixar que o primeiro impacte negativamente o orçamento conjunto da família.
Agora no próximo tópico vamos buscar entender como se dão esses diálogos dentro de
casa.
4.2. DIÁLOGOS E RELAÇÕES COTIDIANOS
Com base nas entrevistas desta pesquisa, vimos que o diálogo com os filhos sobre
dificuldades e educação financeiras foram relatos bastante recorrentes. Um estudo de
Hamilton (2009) com foco na prevenção de conflitos como estratégia-chave das famílias de
baixa renda como forma de evitar situações de consumo que levem a problemas financeiros
discutiu esse tópico em relação a três temas: controle individual (uma das principais formas
que as famílias usam para evitar o conflito é nomear um indivíduo para assumir a
71
responsabilidade pelo orçamento financeiro), submissão (quando pais cedem aos pedidos dos
filhos) e comunicação aberta (onde os pais tentam ensinar estratégias de gestão financeira aos
filhos a fim de orientar seus hábitos de compra).
Neste tópico tentarei responder à seguinte pergunta de pesquisa: Como são
desenvolvidos os diálogos e relações cotidianos entre os membros da família para administrar
seu orçamento financeiro?
Nesse estudo foi identificado o que chamamos de Diálogos Internos, apenas entre
membros da família, e Diálogos Ampliados, quando transcendem os limites do lar.
4.2.1. DIÁLOGOS INTERNOS
No estudo sobre abandono de produtos de beleza no contexto de famílias endividadas
percebe-se a comunicação aberta como uma forma de prevenção à submissão, numa tentativa
de educar os filhos sobre dinheiro para evitar ter de ceder a pedidos que não estejam dentro de
seu orçamento. Chamamos de Diálogos Internos os que acontecem entre os membros da
família (pai e mãe, mãe e filhos, pai e filhos, irmãos).
Foi interessante perceber no estudo de campo que a construção deste diálogo pode não
ser um aprendizado que vem de berço e que as entrevistadas aprenderam em casa, visto que a
maioria afirmou não se recordar de ter conversas sobre dinheiro ao longo de sua infância e
juventude. Essa noção de educar os filhos financeiramente e manter um diálogo aberto dentro
de casa seria uma atitude mais recente nos lares. Com a Sra. Cavalcanti não foi diferente. Ela
afirmou que nunca presenciou nenhuma discussão sobre dinheiro ou dificuldades financeiras
com seus pais. No entanto, com seu filho ela conversa às vezes, para que ele seja menos
consumista.
“Converso as vezes. O Y. é muito afoito, ele ganha o
dinheiro e quer gastar, não importa com o que, ele quer gastar.
Eu falo ‘não é assim, você tem que guardar’. Então às vezes eu
converso com ele ‘você tem que economizar’, ‘você não precisa
pegar seu dinheiro e sair gastando desesperadamente’. ‘Por que
você vai gastar? Tem tudo para comer, tudo que você quer’, ‘eu
quero comprar pirulito para as minhas amigas na escola’,
porque ele é o bonitinho da escola, então já viu”.
Na família da Sra. Bandeira a situação é bem parecida. Seus pais não costumavam
comentar sobre dificuldades de dinheiro dentro de casa durante sua infância e adolescência,
72
tanto que a entrevistada reclama que não teve educação financeira e que isso teria sido um dos
motivos da mesma ter se endividado. No entanto, justamente por essa experiência anterior,
atualmente a Sra. Bandeira busca conversar com seus filhos sobre situações em que precisa
economizar ou explicar os motivos por que algumas vezes precisa negar seus pedidos de
consumo.
“Com meus filhos falo sim, dessa questão, da coragem
de mudar para um lugar mais simples, da gente juntar dinheiro.
Até minha filha fala que aluguel é burrice. Mas também não tem
tanto entendimento da situação. A gente conversa...”.
A Sra. Bandeira citou alguns consumos que viraram tema de debate entre a família
para decidir se seriam cortados do orçamento ou não, reforçando essa importância de se
conversar sobre dinheiro com os filhos, conscientizando-os da condição econômica da
família.
“Meus filhos são tranquilos porque sabem que carro vai
mas depois volta. São tranquilos. O meu marido diz que a gente
vai conseguir. E estamos conseguindo. Nós 2 pensamos da
mesma forma. Numa extrema necessidade, emergência, a
primeira coisa a ser desfeita é o carro. Tudo que se vai fazer é
colocado, mas geralmente quem toma a frente sou eu, passa
tudo por mim. Meu marido às vezes não se mete muito”.
Em oposição a esses exemplos e que não foi observado na maioria das mães de família
entrevistadas para esta pesquisa, a Sra. Lobo contou que desde nova havia conversas abertas
em sua casa sobre dinheiro. Ela conta que sua mãe fazia uma brincadeira com ela. Como a
mãe era manicure e chegava em casa sempre com as mãos com resto de esmalte, a Sra. Lobo
ajudava a limpar suas mãos e como recompensa podia pegar as moedinhas que sobrassem na
bolsa de sua mãe. É como um aprendizado inicial de pagamento por uma tarefa realizada.
“Minha mãe chegava, ela fazia unha, ela limpava na
mão, minha mãe chegava com aquele monte de resto de esmalte
na mão, eu ficava tirando e tirando e falava ‘mamãe, já
trabalhei, o que a senhora tem hoje?’, minha mãe ‘vê o que tem
no fundo da minha bolsa’, era um monte de moedas de R$ 0,10,
R$ 0,05, já era a bala do dia seguinte no colégio”.
73
E esse diálogo se estende até os dias de hoje. A Sra. Lobo conta que sua mãe ainda dá
opinião sobre ela ter casa própria, investir em imóvel.
“Hoje, uma das coisas que minha mãe não concorda e
eu já faço diferente, é que eu moro aqui, eu não tenho casa, na
minha casa eu só pago luz, água e meu consumo, tem que pagar
condomínio, entendeu? De tanto minha falar, isso já faz muito
diferente”.
Como reflexo disso, a Sra. Lobo conta que conversa bastante sobre dinheiro com seus
filhos, em especial a filha, que é muito consumista. Mas, ao mesmo tempo, percebe-se que o
diálogo não é transferido para a prática, pois os desejos consumistas da filha são incentivados
e atendidos.
“Se a filha for adolescente como a minha, ninguém me
ouve! Aqui é um gasto absurdo. O gasto dela é um gasto que
não tem preço, porque tudo o que você compra é sempre pouco,
sempre está precisando. O adolescente é pior do que criança,
pior do que bebê que você compra uma roupinha de 1 mês e na
semana que vem não dá mais. Para o adolescente tudo é
pouco... e falo para ela da importância, porque ela tem 3
cartões de crédito, eu falo da importância também do gasto
produtivo”.
Por fim, um exemplo que vale ser destacado é o da Sra. De Fátima. Ela é
mais uma que nunca presenciou conversas sobre dinheiro ou dificuldades financeiras por
parte de seus pais. No entanto, com sua filha ela faz o contrário, buscando orientá-la desde
cedo sobre noções econômicas numa estratégia que ela chama de “combinados”.
“Eu sempre trabalhei com M. os combinados. Desde
pequenininha: vamos fazer os combinados. Agora ela está com
6 anos, está no 1º ano, está aprendendo a contar. Está
conhecendo letras, números. ‘Mamãe, quero ovo’’, fui ao
mercado e mostrei para ela ‘Você está vendo aqui? O ovo tem
isso aqui, olha só o preço do ovo’, peguei a barra de chocolate
‘tem isso aqui, 250, olha o preço’. Tem que barganhar com
alguma coisa. ‘Esse ovo aqui dá para comprar 5 dessas’, e ela é
olho grande, ‘você quer um desses ou 5 desses?’, ‘quero 5
desses’, ‘aqui não tem brinquedo’, ‘não, depois você compra’.
Então... (...) Consciência de economia, até economia do lar.
Sempre falei com ela, vou ao mercado com ela às vezes, até
peixe, tudo que vou comprar, ela pega assim ‘isso está muito
74
caro? Qual é o mais barato?’, danoninho que ela gosta, leite
fermentado, tem de várias marcas ‘esse não, aquele está mais
barato’, sempre faço isso com ela”.
4.2.2. DIÁLOGOS AMPLIADOS
Optei por chamar de Diálogos Ampliados aqueles que vão além do domínio do lar,
envolvendo outras pessoas que influenciam no consumo da família, como madrinhas e avós,
por exemplo, servindo até mesmo para compartilhar alguns gastos com os
filhos. Normalmente é alguém com uma condição financeira melhor, que serve como uma
“muleta” para a família, dando presentes e ajudando a custear alguns consumos dos filhos. No
entanto, é importante observar que os presentes dados por essa pessoa de fora têm um
significado de identidade de sua classe social, como uma tentativa de atrair o presenteado para
seu patamar financeiro, conferindo-lhe uma identidade diferente da que recebe dos pais. Na
maioria das vezes esse agrado é visto com bons olhos e como um afrouxo no aperto da
família. Mas pode acontecer ainda da mãe administrar o que o filho está merecendo ganhar ou
não, agindo como uma fiscal dos agrados.
Uma identidade familiar (ou seja, aquilo que somos enquanto família) é dependente
de interações compartilhadas entre os membros que formam uma família, não sendo esta
construída na mente de um indivíduo isoladamente, porém co-construída através de ações.
Isto significa que essa identidade é mutuamente construída, tanto internamente entre seus
membros, como externamente em relação à percepção dos demais (EPP & PRICE, 2008). De
acordo com as autoras, as famílias possuem uma variedade de possíveis identidades –
coletiva, relacional, individual –, o que afeta suas decisões. Por exemplo, os indivíduos, seus
membros (pai e filhos, mãe e filhas, irmãos, um casal, e etc) e a família como um coletivo
constroem sua identidade através do consumo e outras práticas. A negociação e os diálogos
que ocorrem entre os membros da família e as pessoas de fora que influenciam seus consumos
ajudam a construir a identidade daquele indivíduo, tanto individualmente, como
coletivamente. Por isso a influência de alguém de fora pode interferir nessa construção de
identidade, visto que ela é tida como um membro da família, porém com acesso a consumos
diferentes.
Como o estudo de campo foi realizado em datas próximas à Páscoa, por exemplo, a
madrinha era bastante lembrada como a pessoa que deu o esperado ovo de páscoa aos filhos,
enquanto a família presentava com barras de chocolates (que custam bem menos que o
ovo). No caso de Da Sra. De Fátima, ainda que a entrevistada criticasse o
75
consumismo exacerbado da comadre, ela deixou claro que o papel da madrinha de sua
filha era importante muitas vezes para aliviar seu orçamento familiar. Além do exemplo do
ovo de Páscoa, Solange contou também que optou por comemorar o aniversário da filha na
festa da filha de sua comadre, como uma forma de economizar.
“Esse ano minha filha não vai ter aniversário, vou
combinar o que vou fazer com ela ainda. Já estou trabalhando
isso. (...) Um dos irmãos da minha comadre, da Conchita, faz
aniversário em julho e ele adora fazer festa, toda vez é na casa
da Conchita que é um casarão, já falei com a Con, ‘Con, vou
aproveitar o aniversário do Inácio (...) vou mandar fazer um
bolo para a Mariá e vou botar na festa do Inácio’. Como lá tem
bastante criança ela vai achar que é a festa dela. Tudo no
rolo”.
Um caso diferente que surgiu nas entrevistas foi com a Sra. Barros, que é afilhada,
junto com a filha, da mesma pessoa. Portanto, neste caso a madrinha, que é irmã da
Sra. Barros (há uma diferença de nove ano entre as duas) assume um papel duplo de muleta
da família. Por exemplo, quando a filha mais velha quis fazer Muay Thai na academia e
Barros não tinha dinheiro para pagar, ela incentivou que a filha recorresse à madrinha.
“A academia também eu saí, entrei, mas saí porque não
dava, a minha irmã está pagando pra minha filha, ela está
fazendo Muay Thai, a minha irmã está pagando porque é
madrinha dela. ’Mamãe paga pra mim’, ela já tinha feito
(Muay Thai), trancou a matrícula, porque eu não tive dinheiro
pra pagar, aí ‘eu não tenho, eu não tenho condições, pede pra
sua madrinha’. ‘Então eu vou pedir’, e minha irmã já chegou e
ela tem, aí pagou, aí está pagando (...) Ela é gente boa”.
Já a ajuda da madrinha à própria entrevistada ocorre na forma de prestação de serviços
de beleza. É que a madrinha é proprietária de um salão de beleza, então a Sra. Barros, quando
está sem dinheiro, recorre à irmã. Barros contou que “pendura” sua conta (deixa para pagar
depois, quando puder).
“É, a mesma, só tenho ela de irmã, os outros 2 são
homens, é minha madrinha e madrinha dela (da filha da Sra.
Barros), madrinha das duas (...) Higiene pessoal a minha irmã
tem um salão, eu tenho botado no pendura direto lá, a depilação
eu estou botando tudo no pendura. Não dá, aí já é demais, ainda
bem que minha irmã tem esse salão, aí eu vou lá, poxa eu fico
76
até constrangida, ‘não, pode vir, vem aí’, quando eu ganho
dinheiro eu pago, pago metade, depois eu pago outra”.
Há ainda o caso em que outros membros da família fazem o papel da “madrinha”,
como na casa da Sra. Cavalcanti, onde a avó do filho é quem participa aliviando o orçamento
da família, dando presentes e permitindo alguns pequenos luxos ao garoto. Aqui existe um
pequeno conflito entre o que a avó quer dar e o que a mãe acha que o filho merece. Um
conflito pode ser definido como “as divergências que surgem no processo de tomada de
decisão do consumidor quando os membros da família se esforçam para atender a
necessidades conflitantes, em conformidade com seus recursos financeiros disponíveis”
(HAMILTON, 2009). Portanto, a Sra. Cavalcanti faz questão de fiscalizar os presentes dados
pela avó, decidindo se o filho está “merecendo” aquele agrado.
“É que a vó dele, tudo que ele quer, ele liga para avó e
pede. Semana passada ele queria um tablet, ligou para avó e
pediu. A avó depositou o dinheiro na minha conta para
comprar, daí nesse meio tempo o professor de inglês parou o
pai dele na rua para reclamar do comportamento dele na
escola. Daí eu falei ‘seu dinheiro está guardado’, ‘mas o
dinheiro é meu, a avó que me deu’, ‘primeiro eu não pedi para
você pedir dinheiro para a sua avó, segundo, não tem condições
de ter tablet, eu não quero tablet nessa casa’”.
Durante este estudo de campo, houve apenas um caso onde a entrevistada era quem
fazia o papel de “madrinha” com seus familiares, que foi com a Sra. Bandeira, ainda que
informalmente. A Sra. Bandeira contou que muitas vezes é ela quem ajuda a bancar alguns
almoços em família, por exemplo, em momentos que sua irmã está mais apertada
financeiramente.
“Somos 3 irmãs e cada uma tem sua família. Mas
aniversários, as datas festivas é o momento. E geralmente são
as ceias, os almoços. Na páscoa vem todo mundo pra cá, pra
minha casa, já elaborei tudo que vai ser feito. E sobra pra mim.
Tem que ter um que se sacrifica (...) Como pra mim isso é
importante, coloco isso pra debaixo do tapete e vou curtir o que
gosto, de estar com elas, de conversar, rir, abraçarmos. Minha
família tem uma coisa bacana que é na alegria ou na merda
está todo mundo junto. Se eu cair aqui e precisar vai todo
mundo correndo. Enquanto puderem encostar em mim vão
encostar, mas na hora do vamos ver é todo mundo junto”.
77
Por fim, é importante comentar que a presença de pessoas atuando com o papel de
“madrinha” e auxiliando a família com seus consumos, apesar de trazer esse alívio financeiro,
também podem estar alimentando o desejo dos filhos por mais produtos de consumo, a partir
do momento em que há um intercâmbio de identidades familiares (dos pais, endividados x da
madrinha, de classe social superior). Esse desejo estimulado pode originar cobranças por parte
dos filhos a seus pais a fim de dar continuidade ao consumo ora proporcionado pela madrinha.
Estes agrados por parte da madrinha podem também suscitar uma obrigação de recompensa
por parte dos pais como forma de agradecimento pela ajuda, o que pode ter consequências
negativas para o endividamento da família, uma vez que poderão vir a ter um gasto que não
existiria se não fosse essa compensação.
Portanto, neste tópico delineamos os diálogos que acontecem apenas entre os membros
da família, que chamamos de Internos, e os que envolvem terceiros, que chamamos de
Ampliados. No caso desse último, avós e madrinhas têm um papel importante, não apenas
educacional, mas também como um a “muleta” onde a família se apoia nos momentos de
dificuldade financeira. Essas figuras externas ao lar dos entrevistados aparecem como um
alívio, um suporte onde as famílias podem se apoiar. E por isso elas têm papel importante na
forma como os entrevistados lidam com sua vida financeira.
A seguir buscaremos estudar quais são as estratégias utilizadas pelas famílias para
lidar com a dívida.
4.3. ESTRATÉGIAS PARA LIDAR COM A DÍVIDA
A fim de entender como as famílias administram na prática seus gastos e seu
orçamento financeiro, busquei aqui responder à terceira pergunta da pesquisa: Quais as
estratégias financeiras utilizadas pelas famílias para lidar com o endividamento?
Para lidar com as contas em atraso e gerenciar melhor o orçamento da família, a fim
de encaixar todos os consumos prioritários, secundários e hedônicos, as entrevistadas
recorriam a diferentes estratégias de economia. Percebemos duas estratégias principais
utilizadas pelas famílias para gerenciar a vida financeira: a substituição e a terceirização, que
explicaremos melhor a seguir.
Foi interessante perceber que alguns consumos, ainda que aparentemente
supérfluos, às vezes não são totalmente eliminados da vida dessas famílias (como
comentamos anteriormente, há os consumos que chamamos de hedônicos), mesmo que estas
estejam passando por dificuldades financeiras. Como alternativa, elas recorrem a substitutos
78
mais baratos (demonstrando uma baixa fidelidade a marcas) ou realizam o mesmo consumo,
porém em menor frequência ou recorrendo ao auxílio de terceiros para arcar com tal produto.
Na substituição há o abandono de determinado produto ou marca para adoção de um
novo em seu lugar, ou, em outras palavras, um tradeoff entre a alternativa à qual o
consumidor é comprometido e uma potencial reposição (HAMILTON ET AL, 2014). Entre as
chaves condutoras da substituição, os autores identificaram: oportunidades (novas alternativas
ou informações, por exemplo), restrições externas (falta de estoque ou descontinuidade na
oferta de determinado produto) e restrições internas (como conflito de interesses, orçamento e
autocontrole). O comprometimento do consumidor com determinado bem é o que funciona
como o moderador de substituição do mesmo (se há um forte comprometimento, a
probabilidade de substituição é menor, e vice-versa). No caso de um forte comprometimento,
a substituição pode se dar por restrições internas ou externas, por exemplo, que forcem o
consumidor a abandonar e repor determinado produto (HAMILTON ET AL, 2014). No caso
das entrevistadas, a motivação foi externa – causada pelo endividamento.
A Sra. De Fátima, por exemplo, contou suas estratégias para seguir comprando roupas,
sapatos ou mesmo móveis para a casa. Esses são consumos que a entrevistada contou não ter
abandonado. Enquanto os sapatos são comprados apenas em épocas de promoções, uma vez
ao ano, suas roupas e os móveis agora são comprados em brechós, onde os produtos são
encontrados a preços mais acessíveis.
“Agora vou fazer fofoca: acordar 5 ou 6 horas da
manhã no sábado, ir na Praça XV e futucar, você consegue
coisas ótimas, bolsas de couro, roupa, sapato não é bom, mas
bolsa, roupa, sempre você consegue. Vou pegar um negócio
para você ver, foi R$ 10, R$ 15 (...) Essa mesa aqui foi usada,
essa divisão usada, o sofá da minha sala é usado, mandei
reformar. Quase tudo comprei usado”.
Ainda sobre os consumos considerados supérfluos, A Sra. De Fátima contou que
diminuiu a ida a restaurantes e boates, mas que não deixa de ir a bares e ao pagode que ela
gosta. Aqui segue a mesma estratégia para conseguir manter esse lazer: ela leva sua própria
cerveja no isopor, ao invés de comprar na rua, que é mais caro. Ela chega a citar este hábito
como sendo “da moda”. Confirma-se aqui mais um hábito que não foi abandonado devido ao
endividamento, mas que foram negociadas alternativas para mantê-lo na rotina da família.
79
“A única coisa que fiz para mudar foi aquele consumo
que está na moda, levar cerveja para o pagode. Só isso.
Geralmente eu vou para os pagodes com minha cerveja. Tinha
um pagode na rua que não está tendo mais, que eu gosto de ir,
estou levando, comprei na Leroy Merlin, é um carrinho tipo
aqueles carrinhos da Brahma que o pessoal vende no carnaval,
com rodinha. Eu encho de cerveja e vou na maior cara de pau,
meu marido morre de vergonha, não tem jeito”.
No caso da terceirização, esta pode vir até mesmo de membros da família, como
quando filhos arcam com seu próprio consumo, aliviando o orçamento familiar. Nesse caso,
os filhos iniciam no mercado de trabalho ainda jovens e isso faz com que essa forma de lidar
com o dinheiro permita que a educação financeira se inicie cada vez mais cedo, visto que eles
passam a precisar negociar seus consumos por conta própria. É o caso da família Cavalcanti,
onde o filho inclusive é o arrimo da casa.
“Por exemplo, ele (filho) fez uma dublagem, ele é
dublador também, assim em dez minutos ele ganhou cento e
cinquenta reais. Mas ele é um adolescente e o que ele ganha
pouquinho é para ele, tudo que ele vai ganhando é para ele.
Então quando eu vim para cá eu vim com uma certa quantia
para investir. Quando ele começou entrar em televisão o nível
financeiro da gente melhorou porque ele tinha já um salário
certinho todo mês e tudo mais”.
Além disso, é importante destacar que essa é mais uma forma de aliviar o orçamento
familiar e permitir consumos hedônicos e/ou individuais. Com este tópico, confirmamos que
há hábitos de consumo que não são abandonados, e que a família encontra “jeitinhos” para
mantê-los em seu cotidiano. A seguir, entraremos no consumo que mais nos interessa nesse
estudo: o de produtos de beleza.
4.4. CONSUMO DE BELEZA
Após um panorama geral da situação financeira de nossas entrevistadas e suas
prioridades e estratégias de consumo, abordaremos neste tópico o coração da presente
pesquisa: o consumo de produtos de beleza. A seguir me aprofundarei nos sentimentos
relacionados a esse consumo, e na sequência falarei das estratégias de manutenção,
substituição ou abandono desta categoria.
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4.4.1. SIGNIFICADOS E SENTIMENTOS RELACIONADOS AO CONSUMO DE BELEZA
Dentre os consumos considerados prioritários e/ou secundários pelas entrevistadas
deste estudo, encaixa-se a categoria de produtos de beleza, intimamente ligados à sensação de
bem-estar, cuidado com a saúde e autoestima. Segundo dados do Instituto de Análise e
Pesquisa de Mercado Mintel de 2013, 73% dos consumidores passaram a comprar e gastar
mais com esses artigos, colocando-os como prioridade acima até de gastos com férias, casa e
eletrônicos.
Segundo a pesquisa “Mais feminino – A beleza da mulher brasileira”, do Data Popular,
publicada pela Revista Exame, as mulheres estão se preocupando mais com produtos de
beleza do que há cinco anos. Os dados trazem que a preocupação das brasileiras se reflete na
movimentação do mercado: foram R$ 53,5 bilhões gastos com beleza no primeiro semestre de
2012. Na hora da decisão, a prioridade seria pela qualidade: 63,7% das brasileiras se
preocupam mais com o produto do que com o preço, 18,5% buscam qualidade, 14,3%
priorizam o preço em relação à qualidade e 3,5% consideram apenas o preço. A fidelidade
também é característica fundamental de consumo para as brasileiras. De acordo com o Data
Popular, perfume e desodorante (60,6%), limpeza facial (52,3%), tintura para cabelo (51,7%)
e protetor solar (50,3%) são os produtos mais comprados levando em conta a marca.
Relembrar esses dados é importante para fazer uma comparação com os achados dessa
pesquisa. No geral, percebeu-se a importância que os produtos de beleza têm na autoestima
das mães de família. Porém, como esse estudo focou em famílias endividadas, foi interessante
se aprofundar melhor nos conflitos dessa relação da mulher com a beleza e nos significados
que esta categoria representa em seu dia-a-dia, além da questão da fidelidade às marcas.
Talvez por uma questão até mesmo moral, numa tentativa de minimizar os gastos com
um consumo supérfluo em meio à dificuldade financeira da família, algumas entrevistadas se
afirmavam pouco vaidosas. No entanto, ao aprofundar perguntas e se aproximar do cotidiano
mais íntimo dessas mulheres, podia-se perceber que elas tinham, sim, uma preocupação com
sua aparência. O ritual de beleza continuava presente na vida de algumas das mães de família,
embora se pudesse perceber uma troca de marcas e produtos. Já outras se diziam
assumidamente vaidosas, não abrindo mão de alguns cuidados consigo mesmas.
Todo esse cotidiano ligado aos cuidados com a beleza provoca diferentes sentimentos
no indivíduo, que são importantes destacar pela influência que os mesmos têm nas decisões de
consumo dos entrevistados.
81
Entre os significados e sentimentos das entrevistadas relacionados à categoria produtos
de beleza, pudemos perceber: saudosismo, vaidade, orgulho, conformação,
constrangimento, privação, persistência, receio e desapego. A seguir falarei sobre cada um
deles e trarei algumas falas que melhor exemplificarão os exemplos.
Tristeza
O endividamento também leva a um sentimento de tristeza, em especial por não poder
mais pagar pelos produtos que se utilizava antes. Cavalcanti foi uma entrevistada que expôs
essa situação, afirmando até mesmo um pesar pelo abandono do produto.
“Então assim, o Redken também foi uma coisa que saiu
da minha vida. É com muito pesar que eu falo isso. Você não
sabe o bem que faz, não sei se você já usou...”.
Nessa análise mais abstrata da pesquisa, onde buscamos compreender os sentimentos
demonstrados pelas entrevistadas, foi importante relacionar suas falas com seus hábitos, já
que muitos sentimentos não eram citados de forma explícita, mas demonstrado através de
exemplos. Essa é uma parte muito importante do estudo, pois permite relacionar esses
sentimentos com os hábitos de consumo dessas mães.
Privação
Com relação ao sentimento de privação, mais de uma entrevistada mostrou-se contida
em seus consumos antes cotidianos, às vezes se proibindo de comprar ou se aproximar de
pontos de venda tentadores. É o caso de Barros, que cita as revistas de produtos como Avon e
Natura como um contato que precisa ser evitado, pois poderia gerar compras por impulso.
“Isso aí temos que diminuir, não fazemos mais aquelas
comprinhas das revistas que a gente gosta de comprar, mulher
adora comprar coisa. Ah eu não posso, ‘pega isso, pode isso’,
não, não, não, pelo amor de Deus, não quero, não dá, não estou
podendo, eu não posso também ir fora do meu alcance, eu não
vou me comprometer e depois ficar...”.
Já Bandeira conta que, pelo receio de gostar de uma marca mais cara, prefere se privar
de experimentá-la, para não correr o risco de querer comprar sempre.
82
“Avon é uma das mais em conta e tradicional, por isso
que sou fiel a ela. A Natura é maravilhosa, mas não dou nem
oportunidade de conhecer. Quando vejo o preço nem me
interesso”.
Constrangimento
Sentir-se constrangido por estar numa situação financeira apertada e não poder realizar
determinados consumos é uma recorrente. Por exemplo, Lobo relatou que tem o hábito de
solicitar, mesmo com vergonha, serviços gratuitos no salão de beleza da irmã quando está sem
dinheiro, o que ela chamou de “pendurar a conta”.
“Higiene pessoal a minha irmã tem um salão, eu tenho
botado no pendura direto lá, a depilação eu estou botando tudo
no pendura. Não dá, aí já é demais, ainda bem que minha irmã
tem esse salão, aí eu vou lá, poxa eu fico até constrangida irmã,
‘não, pode vir, vem aí’, quando eu ganho dinheiro eu pago,
pago metade, depois eu pago outra”.
Saudosimo
Entre as saudosistas, destaca-se Ferreira, que por mais de uma vez durante a entrevista
relembrou o nome de um perfume que não fazia parte mais de seu repertório de produtos de
beleza.
“Eu trabalhei no Bradesco por doze anos aí eu tinha um
nível financeiro muito bom, bancário naquela época ganhava
muito bem, existia um perfume chamado Drakar Noir que eu
sonho com ele até hoje. Era um negocinho assim desse tamanho
pretinho. Vocês lembram da Mesbla ou não? Tinha Mesbla
aqui não tinha? Só vendia na Mesbla. Era um pretinho assim e
esse que eu gostaria de usar todos os dias até o fim da minha
vida porque ele é maravilhoso”.
Percebe-se aqui claramente o rompimento de uma prática devido ao endividamento.
Conformismo
Passar por uma situação financeira complicada, que leva a substituir produtos antes
preferidos por outros de menor qualidade ou apego leva, também, a uma situação de
conformação. É um caso parecido com o relatado por Ferreira. Observou-se esse sentimento
quando as entrevistadas se mostravam dispostas a enxergar pontos positivos nos novos
produtos que se viam obrigadas a consumir, estando conformadas em ter de abandonar um
consumo ora praticado. Cavalcanti, por exemplo, disse ter consciência de que outra marca de
83
maquiagem era superior, no entanto a que ela tinha passado a comprar ainda era uma boa
opção, com qualidade reconhecida.
“Maquiagem, eu gosto muito de maquiagem. Tipo assim,
a Payot está muito mais cara e aí você vai substituir por uma
coisa mais barata, até Avon. Avon tem produtos bons, mas a
Payot tem produtos muito melhores. Então ultimamente estou
comprando Avon, pó da Avon, sombra do Boticário, mas a
Payot é bem melhor”.
Desapego
Um outro sentimento que surgiu ao longo das entrevistas foi o de desapego, tanto
constante (a entrevistada nunca se interessou por cuidados de beleza) ou como consequência
da dívida. Percebeu-se esta segunda situação claramente na fala de Ferreira, que tinha um
cabelo comprido e o cortou para economizar – segundo ela, um xampu, por exemplo, durava
apenas três lavagens e já era necessário comprar outro.
“Por exemplo, eu cortei meu cabelo. Eu cortei
cinquenta e cinco centímetros do meu cabelo. Imagina aí. Você
vê o monte de cabelo que eu tenho e eu doei lá em João Pessoa
porque eu não tenho condições de sustentar um cabelo
daqueles. Para você ter cabelo grande você tem que ter
dinheiro. Então não deu mais para sustentar o cabelo. Até o
cabelo... Sabe de uma coisa? Eu vou fazer uma boa ação, aí eu
cortei e deu quatro perucas para quatro criancinhas. Está bom
demais. Nesse calor do Rio de Janeiro ninguém suporta ficar
com um cabelão”.
Já Largo contou ser absolutamente desapegada de rituais de beleza, independente de
situação financeira. Portanto a dívida não teria surtido efeitos em seu consumo na categoria.
“Eu não sou desse consumo, nunca tive esse costume,
não é de agora, não foi uma coisa que eu cortei. Nunca fui de
creme, não consigo ter esse ritual de creme, disso, daquilo...
Acho chato, não tenho paciência, acho chato esse ritual de
beleza”.
Resistência
Quando o indivíduo demonstra dificuldade em substituir ou abandonar produtos,
percebe-se aí uma resistência em mudar hábitos. Bandeira foi um exemplo que seguiu usando
um xampu de marca mais cara, apesar do aperto financeiro, por não abrir mão de sua
qualidade superior.
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“Aqui é o xampu Kerastase que fortalece o
cabelo. É caro, mas se você dividir pelos xampus comuns
ele rende meses, então acaba saindo mais econômico e
com qualidade (...) O xampu invisto com maior prazer,
gosto dessas marcas, são marcas que me atraem, o
cuidado com o cabelo”.
Receio
Quando se falou em experimentar marcas mais baratas, Bandeira afirmou ter
preconceito, preferindo recorrer a outras que, ainda que mais em conta também, sejam
reconhecidas.
“Eu tenho meio preconceito com isso, não gosto (de
conhecer marcas mais em conta). Se a Avon tem a mesma
qualidade ou melhor e é mais em conta, não tem porque ficar
comprando outra marca”.
Bem-estar
Similar ao sentimento de orgulho, está o de bem-estar pessoal. Villa foi uma
entrevistada que contou ter um ritual diário de beleza cuidadoso, desde protetor solar no rosto,
até maquiagem e cremes anti-idade.
“Sempre fui muito vaidosa com essa questão de tratar de
rosto, mas especificamente usando esses produtos assim tem 2
anos, foi quando conheci essa dermatologista de pele negra. Eu
não tinha rotina de filtro solar, agora hoje eu acordei, coloco,
não passo de 3 em 3 horas porque não dá tempo, mas de manhã
eu passo. Eu tomo banho no meio da tarde e passo de novo o
filtro, tem essa questão. Tratamento, outra coisa que gosto de
fazer é sobrancelha, fiz sobrancelha temporária, aquela que
você faz uma tatuagem, eu faço, mas faz tempo, está na época de
fazer (...) Até porque por ser síndica, às vezes a gente está aqui,
vem alguém, toca, bate na porta, tem que resolver alguma coisa,
não posso descer lá de qualquer jeito, tenho que estar
arrumadinha, me maquio, mas gosto muito de maquiagem.
Gosto demais. Sou quase uma drag Queen”.
Orgulho
Lobo, que manteve alguns de seus consumos de beleza preferidos, ainda que mais
caros, mostrou-se orgulhosa por conhecer tão bem os benefícios dos produtos escolhidos por
ela.
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“Fui gerente da Boticário, consigo diferenciar um
perfume do outro perfeitamente, não vou usar qualquer um (...)
Então esse perfume, por exemplo, tenho há 1 ano e meio, eu usei
em início de fevereiro num casamento. Então quer dizer, vou
abraçar todo mundo, vou estar de vestido longo, sair com uma
boa maquiagem e vou estar com um perfume marcante e caro,
que as pessoas vão olhar ‘está rica’”.
Também se percebeu um sentimento de orgulho quando elas mostravam como
estavam se saindo bem em suas estratégias para economizar.
“É o jeito. Bolsa, agora vou fazer fofoca! Acordar 5 ou 6
horas da manhã no sábado, ir na Praça XV e futucar, você
consegue coisas ótimas, bolsas de couro, roupa, sapato não é
bom, mas bolsa, roupa, sempre você consegue. Vou pegar um
negócio para você ver, foi R$ 10, R$ 15. Meu marido perdeu um
óculos que custou R$ 600. O óculos era esse daqui, igualzinho,
a armação e tudo, só que nós tiramos a lente. O que é caro no
óculos? A armação. Foi R$ 10. Tiramos a lente e vai mandar
botar só a lente, a lente vai sair por R$ 100, vamos economizar
(…) O enxoval dela eu comprei tudo na Barra, num brechó que
eu tenho uma amiga que é a Cristiane Brasil daqueles Palhaços
da Alegria dos hospitais e aquele grupo Roda Gigante que faz
teatro, ela falou ‘Solange, lá no Pontal tem
um brechó maravilhoso’. Fui na minha gravidez toda, minha
filha só teve coisas chiquérrimas, super baratas, tudo
importado. Todas as minhas amigas eu levo lá quando estão
grávidas: vamos lá garimpar”.
Portanto, entender e explorar estes sentimentos trazidos pelos produtos de beleza ajuda
a contextualizar o significado de beleza para as entrevistadas durante esse período de
endividamento e a explorar como essas mães de família negociam esse consumo em família.
Numa análise ainda mais profunda sobre este sentimento, pôde-se perceber que eles têm
conotações positivas ou negativas, e que estas podem relacionar-se como um processo de
abandono do produto de beleza. Explicaremos melhor no tópico a seguir.
4.4.2. DINÂMICA DE NEGOCIAÇÃO DOS CONSUMOS DE BELEZA
Os sentimentos relatados anteriormente nos remetem a um estudo de Suarez (2014)
que traz que, no que diz respeito ao abandono, há interações e movimentos de significados
86
positivos e negativos relacionados com o consumo e o não consumo de uma categoria. Esses
movimentos simbólicos permitem ao indivíduo fazer a transição da condição de consumidor à
de não consumidor - algo que nem sempre é imediato ou fácil, pois é necessário recriar,
subjetiva e socialmente, novos significados associados ao produto (SUAREZ,
2014). Suarez propôs um framework que serve como uma ferramenta para analisar o processo
do abandono e que apresenta quatro tipos de associações de significados que podem ocorrer.
Esse framework nos ajuda a entender melhor como os sentimentos advindos das falas
das nossas entrevistadas podem representar o abandono de produtos de beleza como um
processo.
A primeira associação feita por Suarez é o esmorecimento, que ocorre quando o
indivíduo está atrelado ao significado positivo do consumo mesmo após o abandono. Nestes
casos a pessoa tende a sentir tristeza, sentimento de perda, luto e saudosismo em relação ao
antigo hábito.
Já a descontaminação ocorre quando o indivíduo consegue relacionar significados
negativos ao consumo após o abandono, encontrando um incentivo extra para seguir com o
abandono. O reforço ocorre quando o indivíduo consegue associar significados positivos ao
não consumo e se empenha para se desvincular de estigmas associados ao não consumo. Por
fim, a postura defensiva acontece quando o indivíduo atrela significados negativos ao não
consumo, dificultando o processo do abandono (SUAREZ, 2014).
É importante observar que os movimentos descritos nessas quatro categorizações
ocorrem não somente durante o processo de abandono. Ele pode de fato persistir por toda a
vida de um ex consumidor, uma vez que ele continua a articular argumentos que servem para
justificar a sua escolha, tanto para si mesmo como também socialmente. Esses movimentos
puderam ser percebidos nas entrevistas para o presente estudo quando se falava em abandono
de produtos de beleza. Na Figura 1. Dinâmica de Negociação de Consumos de Beleza,
reproduzida abaixo, é possível associar melhor o estudo de Suarez aos sentimentos percebidos
nos relatos das entrevistadas para a presente pesquisa.
Figura 4: Dinâmica de Negociação de Consumos de Beleza
87
O que se chamou de esmorecimento, por exemplo, esteve presente em muitas falas
sobre as substituições necessárias no ritual de beleza das mães de família, uma vez que as
mesmas demonstravam tristeza e saudosismo por não terem condições financeiras mais para
consumir tais produtos. Ferreira, por exemplo, fala com saudades de um perfume que ela não
pode mais comprar. Percebe-se um conflito entre a imagem que ela gostaria de criar para si
própria e os produtos que ela pode comprar – que não refletem suas preferências. Ela chega a
dizer que sonha com o tal perfume, como num desejo distante, impossível de se realizar no
momento.
“Eu tinha um nível financeiro muito bom, bancário
naquela época ganhava muito bem, existia um perfume
chamado Drakar Noir que eu sonho com ele até hoje”.
Semelhante a esse sentimento de tristeza, mas mais forte, devido aos aspectos
negativos relacionados ao abandono, há o exemplo de Cavalcanti, onde se percebe uma
postura defensiva. Como já comentado anteriormente, ela cita a marca Redken como sua
maior perda no repertório de produtos de beleza, se diz triste pelo abandono realizado contra
sua vontade e conta que agora seu cabelo parece indomável devido à falta do produto, o que
dificulta seu desligamento da marca e envolvimento com uma nova que a substitua.
“Assim, eu mudei, não compro mais Redken. E aí eu
resolvi assumir minha negritude, não passo mais química
nenhuma no cabelo, então tem que ser uns cremes, uns
shampoos minimamente mais ou menos para poder controlar a
juba. Então, como não tem Redken, está bem
assim, alvoroçado (...) Então assim, o Redken também foi uma
coisa que saiu da minha vida. É com muito pesar que eu falo
isso. Você não sabe o bem que faz, não sei se você já usou...”.
Nestes dois casos, percebe-se que as entrevistadas ainda nutrem um desejo pelas
marcas abandonadas, alimentando uma vontade de voltar a consumir esses produtos. No
entanto, foi possível perceber, ainda, que há marcas abandonadas que são indiferentes, ou que
não fazem tanta falta. Nesses casos, numa comparação com o estudo de Suarez, pode haver
uma construção de significados negativos relacionados ao consumo do
produto (descontaminação) ou de significados positivos ligados ao seu abandono (reforço).
No caso de Barros, por exemplo, ela cita a academia como parte integrante de seus cuidados
88
de beleza – e este foi um consumo que precisou ser abandonado devido às dificuldades
financeiras. No entanto, ela diz não sentir tanta falta dos exercícios, pois era uma atividade
cansativa – atrelou significados negativos ao consumo como forma, ainda que inconsciente,
de aceitação do abandono.
“A academia também eu saí, entrei, mas saí, porque não
dava (...) Saí ano passado. Eu também estava meio cansada,
essa foi fácil de largar, muita coisa pra mim, eu estava muito
cansada, vou ter que voltar, mas não estou podendo agora
não”.
Já Villa, que precisou parar um consumo do qual gostava para repassá-lo ao filho
(tratamentos de pele com dermatologista), vê significados positivos nesse abandono, uma vez
que está ajudando seu filho. Pelo benefício proporcionado ao filho, Villa minimiza a falta que
sente do tratamento – atrelou significados positivos ao abandono como forma de
compensação e suavização do sentimento de perda.
“No plano de saúde tem dermatologista e eu tenho o
hábito de ir, sempre tive, mas através de uma amiga em comum
com minha mãe fui parar lá em Madureira, conheci uma
dermatologista que era do Leblon, mas trabalhava
especificamente em Madureira que é especialista em pele negra.
Comecei a me tratar lá com ela, mas ela é do consultório da
Paula Beloz, o que está acontecendo? Tem aquela lá do Leblon
que eu pagava R$ 400 pela consulta, estou pagando R$ 50 na
Madureira, Madureira estava bombando lá e o Leblon ficando
vazio. A mulher voltou para o Leblon, deixou de atender em
Madureira. Ela não é do plano de saúde não. Eu ia lá, fazia
esses pacotes de pé, várias coisas com ela”.
Todo esse misto de sentimentos e atitudes com relação ao consumo de Beleza reforça
a complexidade deste estudo, mostrando que essa decisão de consumo é muitas vezes
inconsciente e sensível a emoções. Além disso, percebe-se que não existe uma escolha
consciente de “consumir apenas o que é necessidade”, mas sim uma negociação para manter
consumos hedônicos e de lazer. Para finalizar minha análise, me aprofundarei a seguir nestas
negociações e decisões de consumo de produtos de beleza.
4.4.3. RELACIONAMENTO COM MARCAS DE PRODUTOS DE BELEZA
89
Neste último tópico antes das Considerações Finais, vou buscar me aprofundar mais
na relação de consumo das entrevistadas desta pesquisa com os produtos de beleza. Aqui
percebi três movimentos: 1- entrevistadas mantêm o consumo de produtos de beleza,
resistindo à mudança de marcas; 2- mantêm o consumo, mas buscam estratégias de economia;
3- entrevistadas abandonam o produto. Veja na figura 5. Estratégias para Manutenção ou
Abandono de Produtos de Beleza, reproduzida abaixo.
Figura 5: Estratégias para Manutenção ou Abandono de Produtos de Beleza
Para manter o consumo sem abrir mão de comprar suas marcas favoritas, as
entrevistadas recorrem a algumas estratégias. Uma delas é a terceirização, que é quando
alguém de fora banca o consumo, como uma madrinha ou avó, por exemplo, ou quando as
entrevistadas dão um jeito de que seus amigos mais próximos saibam qual é o seu produto “de
desejo” ou “dos sonhos”, assim aumentam as chances de que o ganhem de presente de
aniversário, Natal e etc. Outra é a tática de esconder/proteger um produto mais caro, como
quando compram um xampu de marca importada e o escondem num cantinho do armário para
que as filhas não o utilizem.
Já quando as entrevistadas mantêm o consumo, mas buscam estratégias para
economizar, algumas táticas percebidas foram abandonar o salão de beleza e começar a fazer
suas próprias unhas, depilação e cabelo em casa, ou simplesmente substituir marcas dos
produtos que não abrem mão por uma mais em conta.
Por fim, quando elas abandonam o produto de beleza, há um ponto importante a ser
observado: esse abandono pode ser parcial (quando algum membro da família ainda usa
90
aquele produto, por exemplo, enquanto outros abrem mão do seu consumo) ou total (ninguém
na casa utiliza mais determinado produto).
A seguir discorrerei melhor sobre essas observações, falando sobre a resistência à
mudança quando as consumidoras têm uma percepção de que determinada marca as posiciona
numa identidade com a qual elas se identificam. Na sequência, sobre marcas substitutas como
meio de manter um determinado consumo de produtos de beleza. E por fim, sobre o abandono
em si.
4.4.3.1.MARCAS QUE IDENTIFICAM E POSICIONAM: RESISTÊNCIA À MUDANÇA
O presente estudo tem entre seus objetivos entender o relacionamento das
entrevistadas em situação de endividamento com as marcas de produtos de beleza. E ao longo
das conversas foi possível perceber que há algumas marcas predominantes no discurso dessas
mães de família. Avon, O Boticário e Natura, por exemplo, foram as mais citadas, sendo que
às duas primeiras era atribuída uma maior fidelidade.
Dentre as entrevistas realizadas, diversas mencionaram O Boticário como sendo suas
primeiras escolhas. Avon foi citada como a preferida por uma delas – porém muitas vezes
acabava sendo a escolhida devido a seu preço mais baixo. Essas duas marcas, somadas à
Natura, mostraram-se fortes no repertório de beleza dessas famílias, sendo colocadas como
marcas que posicionam.
Quando utilizamos a expressão “marcas que posicionam”, nos referimos a um
conjunto de valores subjetivos associados à imagem da marca, que, no entendimento do
consumidor, se refletiriam em sua própria imagem. Por exemplo, se a Avon é conhecida por
ter boa qualidade, o consumidor dessa marca pode se ver como um indivíduo usuário de
marcas de qualidade. Ou se o consumidor enxerga a Natura como uma marca sustentável e
preocupada com o meio ambiente, ao utilizá-la, o ele pode se ver como um indivíduo
preocupado com sustentabilidade. Neste caso, essas marcas estariam ajudando a posicionar,
ou categorizar, a maneira como o indivíduo se vê e quer ser visto pela sociedade.
Trazendo para o universo das entrevistas, essas marcas que identificam e posicionam
se mostraram mais dificilmente abandonadas, há uma certa resistência em abandoná-las.
Como justificativas para elencar O Boticário como sendo sua primeira escolha, Largo, Lobo,
Cavalcanti e Conde comentam de sua qualidade superior. Lobo, por exemplo, já trabalhou
numa loja O Boticário, e por isso reforça que tem propriedade para falar dos atributos da
91
marca. Ela é quase uma embaixadora da marca, tamanha sua admiração e empenho em elogiar
a qualidade.
“É muito mais barato, mas se for pensar em qualidade
vou comprar Boticário, não vou comprar Contem 1g, vou
comprar Boticário. Eu conheço o produto, além de ter
trabalhado lá, eu conheço o produto (...) Não adianta, tem um
evento importante, vai ter um casamento em julho, você pode ter
certeza que se eu não tiver uma base da Boticário vou comprar,
pelo menos a base, passar, por quê? Porque vai cobrir as
imperfeições (...) É o perfume da Boticário. É o perfume que eu
vou botar e vou ficar com ele, porque tem perfumes que não
ficam na minha pele. Então esse perfume, por exemplo, tenho há
1 ano e meio, eu usei em início de fevereiro num casamento.
Então quer dizer, vou abraçar todo mundo, vou estar de vestido
longo, sair com uma boa maquiagem e vou estar com um
perfume marcante e caro, que as pessoas vão olhar ‘está
rica’”.
Como comentamos anteriormente, para manter esse consumo de marcas com as quais
as entrevistadas se identificam, elas recorrem à terceirização. Jardim conta que “tem sorte”
porque sempre ganha seus cremes hidratantes e perfumes favoritos, então assim não precisa
gastar dinheiro comprando-os.
“Eu ganho muito creme, quando é meu aniversário eu
ganho mesmo não fazendo nada, da Natura. Então a Barbara
que adora, a gente tem sempre 3 sobrando, agora mesmo a
gente tem 2 porque a gente acabou com um, ganhamos 2 iguais
e 1 diferente, então acabou que a gente ainda tem, mas não é
aquela coisa de acabou e ir lá comprar, eu acabo sempre
ganhando. Perfume eu ganho muito também, até tenho um tanto
que eu vou usando e quando acaba eu vou usando outro, tenho
sorte”.
A outra estratégia é a da proteção dos produtos que são seus preferidos, que chamo
aqui de “Cantinho da Beleza”. Ao longo das conversas para esse estudo, percebeu-se tanto a
cumplicidade entre mãe e filha no compartilhamento de produtos, como um jogo de esconde-
esconde, onde tal uso buscava ser individual. Uma das mães chegava a se referir à filha
como “sócia” no consumo de produtos de beleza. Foi o caso de Lobo, que deixa bem claro
com sua filha quais são os produtos que ela pode usar e quais são proibidos (como já relatado
aqui, Lobo é muito apegada a perfumes).
92
“Esse perfume está escondidinho porque tenho sócia. É
problema. Esse aqui é relaxante, da minha filha, uso
esporadicamente, esse também é da minha filha. Aquele lá, ela
sabe, se usar é a morte (...) O meu kit de maquiagem está com
minha filha. Eu tenho sócia, maquiagem hoje, esse é da minha
filha e o meu kit de maquiagem é o que ficava aqui dentro que é
tudo da Boticário”.
Já Largo conta que gosta muito de uma linha específica de produtos para o cabelo.
Porém, como está numa situação financeira difícil, não é sempre que pode comprar e, quando
consegue, fiscaliza o uso das filhas, para que não acabe rápido.
“Eu gosto de um determinado shampoo que hidrata
melhor. Eu gosto muito de uma linha do Boticário, de ameixa.
Adoro, mas é uma coisa que eu não estou comprando. Se tem
dinheiro a gente vai lá, corre e compra, mas usa com muita
moderação. As meninas quando usam vou tomar conta, porque
não pode ser do jeito que elas usam, como usam outros
produtos”.
Jardim foi mais uma entrevistada que tem o hábito de compartilhar produtos de beleza
com a filha.
“Creme hidratante quem usa mais é a Barbara porque
eu não costumo usar muito não. Eu ganho muito creme, quando
é meu aniversário eu ganho mesmo não fazendo nada, da
Natura. Então a Barbara que adora, a gente tem sempre 3
sobrando, agora mesmo a gente tem 2 porque a gente acabou
com um, ganhamos 2 iguais e 1 diferente, então acabou que a
gente ainda tem”.
Há também os casos em que os filhos incentivam que os pais comprem determinados
produtos, que são de seu interesse, visando a um uso compartilhado futuro. Bandeira contou
que aceitou experimentar uma marca nova de maquiagem por incentivo da filha, que
certamente se tornará, como nominou Lobo, sua “sócia” no produto.
“A Mary Kay está agora começando a aparecer no
Brasil, são importadas. Minha filha até falou que era uma
excelente marca. Então agora como estou precisando de blush,
já encomendei. E todo mundo elogiando, então vou
experimentar. E é cara”.
93
É interessante observar estas colocações sobre quais produtos têm um lugar mais
importante no nécessaire e no armário do banheiro, pois mostra muito do relacionamento
dentro de casa, em especial entre mães e filhos, e a forma como determinados produtos são
utilizados no dia-a-dia – por exemplo, se são de uso exclusivo ou se são compartilhados em
momentos especiais. Esta observação nos permite aproximar do universo dessas famílias e
entender melhor como é sua rotina de beleza.
Até aqui vemos a importância dada por alguns dos entrevistados à marca que utilizam,
se é reconhecida, se é confiável, se tem bom preço. Reforçando mais uma vez a ideia de que
as marcas posicionam os consumidores em categorias construídas subjetivamente em suas
mentes. Ter esse conhecimento é muito importante, em especial no competitivo mercado
atual, pois ajuda que as empresas entendam as necessidades do consumidor e venham a
oferecer produtos e serviços que atendam aos seus desejos. As marcas capazes de transferir
valores ao que é oferecido ao público acabam ganhando sua preferência, devido aos
benefícios emocionais que levam ao consumo e fidelidade em seus produtos e serviços.
4.4.3.2.MARCAS SUBSTITUTAS: ESTRATÉGIAS PARA MANTER O CONSUMO
Com o aperto financeiro e a necessidade de substituir e abandonar determinadas
categorias e/ou marcas, foi forte a percepção de falta de fidelidade. Como já mencionado com
relação aos produtos de mercado, onde as mães de família criam mentalmente um grupo de
produtos com qualidade mínima, para então optarem pelo de preço mais baixo, o mesmo não
foi percebido tão claramente quando se fala em produtos de beleza. Foi possível perceber uma
distinção entre a escolha por produtos de higiene (xampu, condicionador, sabonete,
hidratante) e por maquiagens em geral. Muitas entrevistadas contaram comprar a marca de
produto de higiene mais barata da prateleira. Porém, como já foi visto com relação
aos produtos de maquiagem, há uma “peneira” a fim de atestar sua qualidade.
Portanto, para produtos de higiene, foram comuns discursos como “hoje em dia busco
o mais barato”, “infelizmente não dá para escolher mais”, “nem sei qual marca está no meu
banheiro, foi a mais barata que achei”. O caso de Jardim foi ainda mais claro, visto que ela
contou que seu marido tem um bar e recebe de um de seus clientes, como pagamento,
produtos de farmácia. Por esse motivo, ela tampouco tem opção de escolha, usa o que recebe,
sem se importar com a marca.
94
“A gente tinha aqui em casa porque tem um rapaz que
paga meu marido... Coisa de comércio é assim, tem um rapaz
que paga meu marido com coisas de farmácia, xampu, pasta,
escova, essas coisas. Eu não sei como ele consegue, eu sei que
ele negocia, está devendo tanto, aqui estão as coisas
equivalentes. Então ele acaba trazendo para casa essas coisas
que a gente não precisa colocar na lista do mercado. Ele trazia
xampu de várias marcas, então a gente foi fazendo assim, não
tem marca que a gente usa, que a gente prefere. A gente foi
usando todas que ele trouxe então agora acabou”.
Cavalcanti, que antes só usava produtos Redken para o cabelo, contou que precisou
buscar por marcas mais baratas, que estão em promoção nas farmácias, para poder
economizar. Segundo ela, nem mesmo pedir para trazerem de fora do país vale mais a pena,
devido ao dólar alto, então ela precisa mesmo recorrer aos substitutos.
“Eu substituí por Querafix, Bio-Querafix, substituí
pela Bionatus, Bioderma, fui substituindo assim, o que eu vejo
às vezes na farmácia que está na promoção, tem uma loja de
salão, de produtos para salões e aí eu vejo lá uma coisa mais ou
menos, um preço mais em conta porque como o pessoal lá da
empresa vai para França sempre, direto, eu até andei pedindo
para trazer, mas o preço lá está quase o preço daqui, nem está
valendo a pena trazer de fora. O dólar alto né (...) Então assim,
o Redken também foi uma coisa que saiu da minha vida. É com
muito pesar que eu falo isso”.
Barros também contou que houve uma mudança com relação aos xampus que utiliza.
Antes dava preferência aos da marca O Boticário, mas atualmente precisa comprar outros
mais baratos.
“Agora xampu a gente quer comprar o melhor, não
compra, compra um inferior. Eu gostava de comprar um do
Boticário, um da Natura, agora a gente compra o Elseve da
promoção, isso aí temos que diminuir, não fazemos mais
aquelas comprinhas das revistas que a gente gosta de comprar,
mulher adora comprar coisa”.
Lobo também substituiu O Boticário por uma mais barata, no caso a
marca Maybelline. Já Cavalcanti, que se assume vaidosa e gosta bastante de maquiagem,
varia seu uso entre Avon, Natura e O Boticário atualmente – apesar de sua marca preferida ser
Payot, porém, por ser mais cara, esta não cabe em seu orçamento mais. Perguntada se tem
alguma preferência entre essas três marcas, Cavalcanti destaca que prefere O Boticário e
95
Natura, porém, por questão de preço, acaba comprando mais Avon, destacando sua qualidade
reconhecida mundialmente – como que numa tentativa de posicionar-se numa classe de
indivíduos que ainda não compra qualquer marca, aquela que é mais barata. A Avon permite
que Cavalcanti mantenha uma identidade e se equipare a outros consumidores que privilegiam
a qualidade ao preço.
“Eu tenho preferência pela Natura e pelo Boticário
também. O Boticário agora lançou um quarteto de sombras
violeta, roxo, não sei se você já viu, a coleção outono inverno,
lindo. Está sessenta e quatro reais um quarteto de sombras. Mas
eu prefiro Boticário e Natura, mas como as coisas são um
pouquinho mais caras e a grana está curta, eu compro Avon.
Apesar de que a Avon tem uns produtos bons assim, de
qualidade. A sombra da Avon, essa sombra aqui é muito boa, e
dura bastante também. E por ser uma marca reconhecida no
mercado né, você compra uma sombra qualquer ali do camelô e
vai passar no olho, vai dar coceira, é um produto que você sabe
que ele foi dermatologicamente testado, tudo bonitinho, então
assim, ele tem uma boa qualidade. Tanto é que é vendido no
mundo todo, acho que é a segunda maior empresa que vende no
mundo é a Avon”.
É nesse espaço de preço mais baixo, e ainda com qualidade, que a Avon parece ganhar
mercado. Outras entrevistadas relataram a marca como a alternativa para economizar sem
precisar recorrer a produtos desconhecidos. A comodidade em adquirir produtos Avon foi
outro fator bastante citado, visto que os mesmos podem ser encontrados nas conhecidas
revistas e são vendidos muitas vezes por amigas. A maioria das entrevistadas comentou
também sobre uma loja no Centro do Rio que vende produtos Natura e Avon com desconto, o
que funciona como mais um atrativo para a marca.
Salão de beleza também é um “luxo” que foi abandonado por muitas das entrevistadas,
que agora tentam fazer suas próprias unhas ou depilação, recorrendo ao profissional em
situações especiais, como um evento. É a estratégia de adaptar-se para fazer em casar o
serviço que era feito no salão, como no caso de Cavalcante.
“Unha, não faço mais unha toda semana. Eu até hoje de
manhã pintei minha unha porque estava horrível, está muito
feia, vou até tirar isso hoje. Mas unha não faço mais toda
semana, antes eu fazia toda semana, não estou fazendo.
Depilação, eu tento segurar o máximo possível. Como eu tomo
96
hormônio nasce muito pêlo no meu rosto, então tem que fazer
depilação no rosto toda semana, só que eu estou tentando
passar maquiagem para disfarçar. Cosméticos é aquilo que eu
já falei né, cabeleireiro eu não vou mais”.
4.4.3.3. ABANDONO DOS PRODUTOS DE BELEZA: PARCIAL OU TOTAL
Como já viemos explorando, as entrevistadas relataram que podem ser resistentes a
trocar algumas marcas, podem ceder a substituí-las ou, por fim, podem abandonar
determinados consumos, como já debatemos anteriormente. O que vale destacar aqui é que
esse consumo pode ser parcial, quando algum membro da família ainda o utiliza, ou total,
quando todos os membros abrem mão de seu uso.
No parcial, mesmo com a situação financeira da família apertada, houve mães que
abriram mão do próprio consumo para possibilitar o consumo do filho. Esse exemplo
apareceu mais de uma vez durante as entrevistas. Um deles foi com De Fátima, que preza
muito cuidar dos cabelos, mas opta sempre por um xampu barato como forma de manutenção
de seu tratamento capilar.
“Já tive muito isso, de comprar uma marca
específica (...) Lavo duas vezes por semana, fico com ele solto o
dia inteiro pra secar, porque demora pra caramba para secar.
Passo um pouquinho de secador. Lavo com xampu de jaborandi,
só xampu, não pode passar condicionador. Xampu de jaborandi,
qualquer marca, só para a limpeza mesmo do couro
cabeludo”.
Em contrapartida, para a filha ela busca dar preferência aos produtos indicados pelo
salão, que são mais caros. Sua filha, hoje com apenas 6 anos, faz alisamento em um salão que
funciona como um “genérico” da rede Beleza Natural, onde também compra todos os
produtos para fazer a manutenção do cabelo da filha em casa. Enquanto economiza nos
produtos para seu próprio cabelo (não exigindo uma marca específica de xampu, por
exemplo), Solange busca sempre comprar o Kit de tratamento do salão para manutenção
caseira do cabelo da filha.
“Minha filha já faz o permanente todo mês, eu vou com
ela fazer, vou no salão. Tem os produtos que eu compro.
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Tem um salão Cachos Naturais, tipo Beleza Natural, mas o da
minha filha é clandestino. Ela faz desde 1 ano e meio. É esse
cabelo que ela usa. Para ficar bonitinho, senão fica aquele
negócio duro, em pé. Ela vai todo mês. A gente compra o kit
também. Quando não quero comprar o kit, na farmácia tem esse
produto aqui... Esse kit aqui é o mesmo kit do Beleza Natural.
Todo mês a gente vai lá fazer”.
Como já mencionado anteriormente, o caso de Ferreira é uma exceção entre as
entrevistadas, onde seu filho é o arrimo da casa. Esse seria um dos motivadores para que
Ferreira abrisse mão de muitos de seus consumos em nome do filho, e os produtos de beleza
não fogem à regra. Como o filho é adolescente e está passando por uma fase de aparecimento
de espinhas, a maioria dos produtos que ela mostrou em sua prateleira de banheiro tinham
essa finalidade.
“Quase não uso maquiagem. Teve um pó que eu
comprei, esse daqui foi vinte reais... E esse pó aqui quando você
tem acne você joga o corretivo e você bota esse pó aqui ele
absorve, ele parece que diminui o volume da acne entendeu?
(...) Aí eu tive que comprar esse daqui, mas quando ele (filho)
estava trabalhando por causa da pele”.
Villa contou que abriu mão de frequentar a dermatologista, onde fazia vários pacotes
de beleza, para possibilitar um tratamento de pele para o filho, também adolescente, e
sofrendo dos mesmos problemas com espinha.
“Eu ia lá, fazia esses pacotes de pé, várias coisas com
ela. Aí ela voltou a atender lá no Leblon, durante uns 3 meses
eu ainda consegui que ela fizesse um preço de Madureira. Só
que meu filho mais velho tinha muito mais necessidade do que
eu, era adolescente, negro, aquela pele empipocada de espinha,
tudo manchado, horrível, eu dei prioridade para ele. Então ele
começou, ficou fazendo tratamento lá com ela. Enfim, eu
comecei a fazer esse tratamento lá, depois ele continuou se
tratando com ela”.
Neste tópico identifica-se mais uma vez a influência dos filhos nas decisões de consumo
da família. Nesse caso, quando há dificuldade financeira, prevalece a necessidade do filho em
utilizar determinados produtos de cuidados pessoais.
98
99
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A busca pela compreensão do processo de abandono de produtos de Beleza por famílias
endividadas, através de entrevistas com dez mães, ajudou a iluminar um pouco a
complexidade de significados que permeiam a experiência da dívida e do processo do
abandono. O presente estudo exploratório buscou entender como se dá essa relação de
consumo de produtos de beleza no contexto de famílias endividadas. Embora a atenção à
aparência física possa ser ressaltada por alguns como superficial ou de menor importância, ela
se mostra aqui como um consumo mais complexo, e até mesmo subconsciente, que vai além
de apenas optar por consumir “o que é necessário” e abandonar o que é “supérfluo”,
“hedônico”, “de lazer” durante momentos de crise financeira.
Essa percepção foi explanada com a ajuda da Figura 4: Dinâmicas de Negociação do
Consumo de Beleza, que explanou os sentimentos das entrevistadas relacionados ao seu
consumo/abandono de produtos de beleza num contexto de endividamento. Esses sentimentos
e significados podem ser relacionados ao artigo de Suarez (2014), que ressalta o abandono
como um processo que passa por momentos de esmorecimento, descontaminação, reforço e
de aspecto defensivo.
Sendo algo dinâmico, e não estático, o processo de abandono das entrevistadas
mostrou fases em que algumas delas, em luto pelo abandono forçado devido a fatores externos
(no caso, a dívida), se mostram tristes ou saudosistas. É o que Suarez chamou de
Esmorecimento.
Em outro momento, na Descontaminação, percebia-se uma tentativa de ver aspectos
negativos no consumo – após o seu abandono, claro – como um jogo para dizer a si mesmo
que deixar de consumir é a melhor opção. Aqui elas demonstraram desapego ou um
sentimento de privação, algo como “é melhor me privar daquele consumo, pois ele era
descontrolado, não me fazia bem, é melhor nem ficar perto do que for tentação, estou melhor
assim”.
No que a autora chamou de Reforço, as entrevistadas tentam enxergar os benefícios
do não consumo. Aqui identificou-se, por exemplo, o sentimento de conformismo (“a marca
atual que estou consumindo é mais barata, mas a qualidade é excelente, é reconhecida
internacionalmente”).
Por fim, o Defensivo, onde existe uma grande resistência em abandonar determinadas
marcas pois as entrevistadas enxergam fortemente os pontos positivos do consumo desses
100
produtos de beleza. Aqui entram a vaidade e o orgulho. Uma fala das entrevistadas que me
marcou e que se encaixa aqui é quando Villa diz “Gosto muito de maquiagem, sou quase uma
drag queen”, pois demonstra sua satisfação em utilizar seus produtos preferidos.
Paralela à conclusão de que o abandono do consumo de beleza não é a única
alternativa ao endividamento familiar, está o processo demonstrado na Figura 5: Estratégias
para Manutenção ou Abandono de Produtos de Beleza, que traz as dinâmicas de resistência à
mudança, a busca por estratégias de economia (e consequentemente a substituição de marcas
por outras mais baratas) e o abandono.
Na tentativa de manter um consumo hedônico, chamou a atenção nesta pesquisa a
prática da “terceirização” como estratégia para manter o consumo de Beleza, sobre o qual
discorremos no capítulo 4. Entram aqui pessoas externas ao seio familiar, como madrinhas e
avós, por exemplo, que auxiliam na manutenção desses hábitos. O papel dessas pessoas
externas ao lar, e com poder aquisitivo às vezes superior, é muito importante neste estudo,
pois mostrou que os diálogos e negociações de consumo não se travam apenas entre os
membros da família, extrapolando para ambientes alheios.
Faz-se importante também ressaltar aqui a observação do abandono não apenas como
total, mas também como parcial dentro de uma família, quando um dos membros mantém um
consumo em detrimento dos demais. Essa é uma situação comum aos filhos, quando pais
abrem mão de algum gasto para repassá-lo aos filhos, reforçando a influência desses nas
decisões de compra de uma família.
Por fim, esse estudo traz a possibilidade do governo e das organizações sem fins
lucrativos desenvolverem políticas públicas e iniciativas que contemplem a complexidade das
dinâmicas de endividamento, ajudando a desenvolver políticas relacionadas a esse problema
social.
No próximo tópico vou explorar como este panorama pode ser útil às empresas.
5.1. IMPLICAÇÕES GERENCIAIS
Muitas poderiam ser as implicações gerenciais específicas tiradas do presente estudo,
dada a importância para os gestores saberem por que as famílias endividadas abandonam os
produtos uma vez que poderiam tomar atitudes para evitar este comportamento. Os
sentimentos e significados relacionados ao consumo de Beleza aqui apresentados ajudam as
empresas a entender mais das decisões inconscientes que estão por trás do ato de compra do
consumidor e a tomarem iniciativas que retenham ou reconquistem esse público.
101
Estudar cada uma das fases do processo de abandono pode trazer um rico
entendimento sobre tomadas de decisão de compra. Por exemplo, na fase do Esmorecimento,
o cliente ainda está sensível à necessidade do abandono, e por isso mais suscetível a retomar o
consumo caso a empresa saiba reconquistá-lo.
Já na Descontaminação e no Reforço, o consumidor está mais convicto de sua
decisão e buscando uma autoafirmação que o convença de que abandonar uma marca ou
produto é a melhor escolha no momento. Neste caso, vemos a oportunidade da indústria de
Beleza se aprofundar nas desvantagens de seu concorrente, destacando suas qualidades em
cima dessa percepção do consumidor.
Por fim, o Defensivo é a “galinha dos ovos de ouro” da indústria de Beleza. Esse
consumidor é muito apegado à marca e não a abandona nem mesmo numa situação de
endividamento familiar. Manter este cliente, e envolve-lo em campanhas ou promoções, é
crucial para a empresa. Hoje em dia, reter clientes sai mais barato e dá mais lucro que captar
clientes novos. Por isso as empresas precisam ter muita atenção a esses consumidores que
estão nessa situação Defensiva, evitando que eles abram mão de um consumo e migrem para
as fases de Descontaminação ou Reforço.
Portanto, o desenvolvimento de estratégias de P&D que possibilitem a criação de
serviços que consigam acompanhar a realidade do orçamento familiar destas famílias é uma
excelente alternativa para a indústria desse setor se aproximar da realidade do seu consumidor
e adequar seus planos de ação.
A seguir, indico como o tema desta pesquisa pode ser abordado em pesquisas futuras.
102
6 PESQUISAS FUTURAS
Sendo o abandono um tema tão recente, e ao mesmo tempo tão importante, vale
recomendar aprofundar-se nesta questão relacionada ao consumo de Beleza. Como sugestão
para pesquisas futuras, valeria se aprofundar na relação entre Beleza/Estética e Saúde.
Na presente pesquisa, percebeu-se o uso da ideia de saúde e de prazer para justificar
socialmente consumos que, numa norma moralista, as entrevistadas não deveriam estar
realizando. Essas decisões, muitas vezes inconscientes, podem revelar informações
importantes para as empresas do setor de cosméticos e produtos de beleza em geral.
Recomendo também aplicar a mesma pesquisa com outras famílias de classes sociais
distintas da apresentada neste estudo para uma maior percepção de como se dá o consumo de
produtos de beleza por mães de família num diferente contexto de endividamento.
103
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107
8 ANEXOS
8.1. ROTEIRO DAS ENTREVISTAS
1. APRESENTAÇÃO E INÍCIO DA PESQUISA
Bom dia / tarde / noite, o meu nome é Carla e sou mestranda do COPPEAD (Instituto de
Pesquisa em Administração de Empresas), que é a pós-graduação em administração da UFRJ.
Nesse momento eu desenvolvo uma pesquisa para minha dissertação e por isso gostaria de
conversar com você.
Trata-se de uma conversa informal, onde não há respostas certas ou erradas. Aqui me
interessa saber a sua opinião, o que você pensa.
Os dados desta pesquisa serão apresentados de maneira anônima, ou seja, você não será
identificado pelo nome.
Eu gostaria de gravar nossa conversa e assim evitar ficar tomando notas enquanto você fala.
Você autoriza essa gravação? Fique à vontade para parar a gravação em qualquer momento
que desejar.
2. CONTEXTO DE VIDA E AQUECIMENTO
- Nome, idade, estado civil. Com que pessoas vive em casa (nome e idade), Atividade
profissional (profissão), vive de aluguel ou casa própria.
- Antes de começarmos a falar do tema da nossa pesquisa, gostaria de lhe pedir que falasse
um pouco de você. Você poderia se apresentar?
- Uma brincadeira: se a sua família fosse uma música (ou um programa de TV), que música
seria?
- Ao longo da semana, quais momentos são mais importantes para a sua família?
- Ao longo do ano, que datas, momentos, são os mais importantes para a sua família? Como
isso é negociado quando os filhos têm outros compromissos?
- Uma curiosidade: existe algum produto ou serviço, aqui dentro da casa, que você diria que é
o mais importante para a sua família? Aquele que caso não estivesse aqui todos ficariam
aborrecidos?
3. EXERCICÍO PROJETIVO: IMAGINÁRIOS DE CONSUMO E DÍVIDA
108
Eu queria começar com uma brincadeira. A gente tem aqui uma família brasileira, a família
Silva. Me fala um pouco sobre como é a vida dessa família e como é o consumo dela?
[SE NÃO SURGIR ESPONTANEAMENTE, PERGUNTAR:]
- ELA PAGA AS CONTAS EM DIA OU TEM ALGUMA CONTA QUE ESTÁ
ATRASADA?
[LEVAR PARA O POLO OPOSTO AO QUE FOI TRASIDO PELO ENTREVISTADO, SE
A FAMILIA FOR ENDIVIDADA, PERGUNTAR:]
- Agora vamos imaginar que a família Silva conseguiu resolver seus problemas financeiros. O
que vai mudar no consumo deles?
[SE A FAMÍLIA NÃO FOR ENDIVIDADA:]
- Agora a família Silva teve um problema e está com dificuldade de pagar as suas contas, o
que vai mudar no consumo deles?
- Como você se sente em relação a seu próprio consumo de crédito?
- O que você acha que outras pessoas pensam sobre sua estratégia de uso do crédito?
[CASO O ASSUNTO FUJA DO TEMA CONSUMO:]
- Existem consumos que são mais fáceis de controlar ou deixar de consumir?
3.1 RELACIONAMENTO COM A DÍVIDA
- Comparando a época que você vivia com seus pais, a sua infância e adolescência, você diria
que a sua família atual tem uma condição financeira mais ou menos confortável?
- Quem era o responsável por cuidar do dinheiro na sua família, quando você era criança?
- E HOJE, QUEM CUIDA DO DINHEIRO AQUI NA SUA FAMÍLIA?
- NA SUA INFANCIA, VC LEMBRA DE SEUS PAIS FALAREM SOBRE DINHEIRO?
- E na sua família atual, vocês falam abertamente sobre dinheiro? Se sim, poderia me
descrever uma situação comum, dar um exemplo?
- QUANDO VOCE ERA JOVEM, SE LEMBRA DE ALGUMA SITUAÇAO EM QUE
SEUS PAIS TIVERAM PROBLEMAS PARA PAGAR UMA CONTA?
- E NA SUA FAMILIA HOJE, VOCES JÁ TIVERAM ALGUM PROBLEMA DE
PAGAMENTO DE ALGUMA CONTA IMPORTANTE?
- Como foi a sua primeira experiência com uma conta em atraso? (quantos anos tinha, o que
aconteceu, precisou renegociar). O QUE FOI MARCANTE NESSA PRIMEIRA
EXPERIENCIA?
- E DESDE ENTAO, quantas vezes você diria que já deixou uma CONTA em ATRASO?
4. ORGANIZAÇÃO DAS CONTAS E ABANDONOS
- Alguma coisa mudou no consumo da família a partir dessa conta em atraso? O que mudou?
109
- Conhecem ou já usaram algum aplicativo de gerenciamento de despesas da casa?
VAMOS UTILIZAR ESSA LISTA PARA NOS AJUDAR A PENSAR SOBRE AS
MUDANÇAS.
- Quais foram os primeiros itens a serem cortados? Como foi a decisão de quais itens
deveriam ser cortados?
- Quais foram aqueles que toda a família concordou que deveriam ser cortados? Quais foram
os itens mais POLEMICOS, aqueles que cada um tinha uma opinião diferente sobre cortar ou
não?
- Começaram por aquilo que acreditavam ser mais fácil deixar de consumir?
- A DECISAO É NEGOCIADA (advogo pela minha causa)?
- Quais são os itens que a família toda não aceitaria cortar? (Maribel questionou sobre o lazer
da família)
DESSES ITENS QUE AGENTE FALOU AGORA, se a sua família precisar cortar e mudar
mais algum consumo? QUAL SERIA O PRÓXIMO (segundo)?
- Dos itens que o consumo foi mantido, MUDOU A ESTRATÉGIA DE PAGAMENTO?
E CASO VOCES RECEBESSEM UM PREMIO, OU UMA QUANTIA EM DINHEIRO
NÃO ESPERADA, QUAIS SERIAM DOIS DESEJOS QUE REALIZARIAM?
[CASO NÃO APARECEÇA ATÉ AGORA NA ENTREVISTA]
- E teve alguma vez em que você percebeu que precisaria cortar algum consumo mais
relacionado à vaidade, como produtos de beleza ou salão de beleza, pois ele estava pesando
no seu orçamento?
- Como você escolheu o que sairia da rotina da familia e o que continuaria? Houve uma
negociação entre vocês, da sua família, para decidir como ou quando seria cortado ou se seria
mantido?
5. RELACIONAMENTO COM A CATEGORIA
- Quem faz as compras de produtos de beleza aqui?
- Qual a frequência de consume de produtos e serviços relacionados aos cuidados com a
beleza?
COMO VOCE LIDOU quando teve que cortar esses gastos do seu orçamento? PODE ME
CONTAR O QUE VC SENTIU?
- Considerou abrir mão de outras despesas para manter seus cuidados com vaidade?
VOCE BUSCOU ALGUMA AJUDA PARA FAZER ESSA TROCA (como dicas de amigos,
sites/blogs...)
110
- Existem SUGESTÕES que você daria para alguém que precisasse cortar ou diminuir esse
consumo?
- Você tem uma ideia do quanto gasta por mês com produtos de beleza?
- Mudou alguma coisa na FORMA DE PAGAR POR serviços e produtos de beleza (por
exemplo, antes pagava de forma parcelada ou no cartão de crédito e passou a usar apenas
dinheiro)?
- Tem ALGUM SERVIÇO OU PRODUTO DE BELEZA que é SAGRADO para você, que
não pode deixar de ser consumido?
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tem algo que a gente não falou sobre esse tema, que você acha importante falar? Algum tema
importante que gostaria de falar? Agradecemos a sua participação nesta pesquisa.
8.2.IMAGEM DA FAMÍLIA IDEAL
8.3. LISTA DE CONSUMOS DA FAMÍLIA
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CASA: Aluguel / Prestação Condomínio IPTU + Taxas Municipais, Contas (de
energia, agua, gas e telefone fixo), celulares Internet, TV por assinatura,
Supermercado, Feira e Padaria, Empregados.
SAÚDE: Plano de Saúde, Médicos e terapeutas, Dentista e Medicamentos.
TRANSPORTE: Prestação carro ou moto, Despesas carro ou moto (IPVA + Seguro
Obrigatório, SEGURO, COMBUSTIVEL, MECANICO, MULTA, ETC), Ônibus, metro,
trem e taxi.
BELEZA: Higiene Pessoal (unha, depilação etc.), Cosméticos Cabeleireiro,
Vestuário, Academia.
EDUCAÇÃO: Escola / Faculdade, Cursos de idiomas e outros tipos de cursos,
Material escolar e Uniformes.
LAZER: Restaurantes e Cafés, bares e boates, Livraria, jornais e revistas, Viagens e
passeios, Presentes de aniversário e de natal, Datas festivas (dia das mães, páscoa,
feriados, etc).
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