SIMPÓSIO SOCIOLINGUÍSTICA E DIALECTOLOGIA
A VARIAÇÃO DO SINTAGMA NOMINAL CONFORME AS FUNÇÕES ANAFÓRICAS DIRETAS NO GÊNERO DIGITAL COMENTÁRIO
PROFª DRª NORMANDIA (UERJ/[email protected]), PROFª DRª TEDESCO (UERJ/[email protected]).
Resumo: É crescente o uso de gêneros digitais em redes sociais, como é o caso do gênero digital comentário, publicado no Facebook. Isto implica observar as variações no uso da língua nos stratus linguísticos dos textos verbais, que estruturam os comentários dos interactantes do Facebook. Dados coletados, em pesquisa sobre o uso da linguagem no gênero comentário, com base na observação-participante (FRAGOSO, RECUERO, AMARAL, 2016), apontaram para a variação sintático-semântica de referentes textuais, no nível sintagmático, conforme a influência de condicionadores externos, os quais são importantes basiladores para compreender a variação linguística em situações comunicativas distintas, segundo a perspectiva sociolinguística (COELHO ET AL, 2015). Esta variação no nível sintagmático é determinada por funções discursivas (TEDESCO, 2002) como a recategorização, a recategorização avaliativa e o encapsulamento, as quais apresentam a progressão do referente, na superfície textual. O presente artigo vai discutir a variação sintático-semântica de referentes textuais cosoante as três funções discursivas referidas, em comentários publicados nos perfis jornalísticos do Facebook. Observa-se que este é um estudo fundamentado na Línguística textual (KOCH, 2002), a qual estabelece diálogo com a abordagem Sociolinguística (COELHO ET AL, 2015), numa perspectiva etnográfica.
Palavras-chave: Variação linguística, sintagma nominal, funções discursivas anafóricas, gênero digital comentário.
Abstract: There is increasing use of digital genres in social networks, as is the case with the digital commentary genre, published on Facebook. This implies observing the variations in the use of the language in the linguistic stratus of the verbal texts, which structure the comments of the Facebook interactants. Data collected in a research on the use of language in the comment genre, based on participant observation (FRAGOSO, RECUERO, AMARAL, 2016), pointed to the syntactic-semantic variation of textual referents, at the syntagmatic level, according to the influence of conditioners which are important basilators for understanding linguistic variation in different communicative situations, according to the sociolinguistic perspective (COELHO ET AL, 2015). This variation in the syntagmatic level is determined by discursive functions (TEDESCO, 2002) such as recategorization, avaluation recategorization and encapsulation, which present the progression of the referent on the textual surface. This article will discuss the syntactic-semantic variation of textual referents cosoante the three mentioned discursive functions, in comments published in the journalistic profiles of Facebook. It is observed that this is a
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study based on textual Language (KOCH, 2002), which establishes a dialogue with the Sociolinguistic approach (COELHO ET AL, 2015), from an ethnographic perspective.
Keywords: linguistic variation, noun phrase, anaphoric discursive functions, digital genre comment.
O uso do gênero digital comentário e a variação anafórica direta
A possibilidade de comunicação na Internet permitiu o surgimento de
gêneros discursivos emergentes, os quais provocaram encantamento na
sociedade e curiosidade do contexto científico, como, por exemplo, abordagens
a respeito da linguagem, particularmente, os estudos da Linguística textual e da
sociolinguística. A Linguística textual compreende a língua(gem) tal como fator
de interação social, em que se prevê o sujeito social (KOCH, 2002), e a
sociolinguística objetiva analisar a variação nos estratos fonológicos,
morfológico, sintático e semântico, considerando variantes de ordem interna e
externa como condicionadores que influenciam no uso da língua (COELHO ET
AL, 2015).
Na perspectiva da Linguística textual, Marcuschi e Xavier (2010) foram
estudiosos que contribuíram de maneira considerável para a fundamentação de
artigos e de teses sobre a prática social da linguagem na Internet, os quais
discutem sobre os gêneros discursivos digitais e caráter emergente destes
gêneros discursivos. A partir das percepções dos autores (2010), um dos
aspectos essenciais dos gêneros discursivos digitais é o fato dos mesmos
serem hipertextos. Assim, não há como observar e analisar as particularidades
linguística-discursivas em gêneros digitais, se não considerarmos o seu atributo
hipertextual.
Com base neste construto multi-enunciativo, a Sociedade da Informação
passou a experimentar práticas de linguagens relacionadas com o contexto
digital, como é o caso do gênero digital comentário, uma atividade de
entretenimento habitual, em redes sociais, como o Facebook, o Instagram e o
Twitter, que são os sites de entretenimento mais populares do Brasil e do
mundo.
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A estrutura textual do gênero comentário apresenta a qualidade de ser
híbrida, pois, o interactante conforme a situação comunicativa e seu propósito
comunicativo publica seus textos, os quais se diversificam em verbal, em não
verbal ou em sonoro. Tais possibilidades textuais podem ocorrer de modo
mesclado, a depender da intenção do interactante e de peculiaridades
contextuais, por exemplo, para quem se produz o comentário, sobre qual tema
o comentário se refere e qual o estilo linguístico que deve predominar na
interação, se é formal ou informal. Tais aspectos influenciam nas escolhas
linguística-discursivas e devem ser consideradas nas análises metodológicas,
com perpectiva etnográfica, em que a observação e a participação fazem parte
dos processos de discussão dos usos linguísticos.
Esse é o grande “barato” da comunicação digital. O interactante tem a
possibilidade de produzir seu comentário com a combinação dos textos
verbais, não verbais ou sonoro. Por isso, afirmo que este gênero digital, além
de ser hipertextual, apresenta uma estrutura textual híbrida, o que permite
constatar a existência da terceira modalidade da linguagem, que se desenvolve
textualmente, num processo de combinação do verbal, do não verbal e do
sonoro. Essa percepção coaduna com Tedesco (2013, p.480), que diz: A interação, portanto, é a essência da comunicação, “do se querer dizer”. Logo, as redes sociais, um dos tipos de esferas sociais existentes, exemplificam de forma plena esse processo. Cada esfera social terá seu tipo de enunciado; a esfera do trabalho tem seus enunciados específicos, assim como a escola, as artes, as ciências, as leis, as tecnologias, a internet e as redes sociais, de modo geral.
Assim, o gênero discursivo digital apresenta um enunciado que vai
diferenciá-lo de outros enunciados como o gênero conversação e o gênero
bilhete, a título de exemplo. A analogia desses gêneros discursivos com o
gênero digital se faz para pontuar as diferenças nas estruturas dos enunciados
que estes apresentam. O gênero discursivo conversação é um gênero,
especificamente, oral. O gênero bilhete é um gênero discursivo,
particularmente, da modalidade escrita. O gênero discursivo comentário é
singular ao uso híbrido da linguagem (texto verbal, não verbal, sonoro), que é
possível de existir pela capacidade de armazenamento de dados da Internet,
conforme observa Santaella (2004).
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Quando os textos verbais começaram a ser publicados nos comentários
das redes sociais ou ainda nos populares Chats, outro exemplo de gênero
digital, muitas percepções os definiam como um uso da modalidade escrita. O
que permitiu definições de ordem prescritivas como o denominado ‘Internetês’,
a referida escrita da Internet. Tão logo, o Internetês passou ser considerado um
uso da escrita com traços da modalidade oral, por causa do estilo informal dos
textos verbais. A informalidade no uso da língua levou a definição dos gêneros
comentário e Chat como semelhantes ao gênero conversação. Na verdade, tais
gêneros digitais não são a conversação oral, eles são práticas sociais da
linguagem que apresentam qualidades comuns com o gênero da modalidade
oral e também com gêneros da modalidade escrita, aspectos evidentes no nível
verbal da terceira modalidade da linguagem. Para não ter dúvidas, os
enunciados dos comentários e dos Chats não se desenvolvem face a face
(TEDESCO, 2013), que é um dos aspectos da modalidade oral. A relação face
a face é uma importante qualidade discursiva dos gêneros conversação, bate
papo e entrevistas, por exemplo.
Resta ainda dizer que os comentários publicados nas redes sociais e os
demais gêneros digitais não são práticas sociais, essencilamente, de língua
escrita, porque os enunciados destes gêneros digitais não são unicamente
verbais. O projeto de dizer dos interactantes pode ser construído pelo uso do
texto não verbal, pelo uso do texto sonoro e audiovisual. No entanto, o texto
verbal que determina os enunciados dos comentários e de outros gêneros
digitais mantém a relação de continuum tanto com a modalidade oral quanto
com a escrita. Porque o uso da língua não está dissociado do seu contexto de
produção, como pode verifica-se no exemplo:
Figura 1: Texto verbal e não verbal1
1 Retirado de https://www.facebook.com/photo.php?fbid=2469996173031840&set=a.248924438472369&type=3&theater, em maio de 19.
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O exemplo orienta que o texto verbal, associado ao não verbal, o qual é
conceituado por ‘Meme’, faz parte da situação comunicativa da rede social
Facebook. No nível verbal do texto, há traços como: a informalidade, a maior
aproximação entre os participantes, o uso da pontuação e a interação a
distância. Tais aspectos mantém o continuum com as modalidades fala e
escrita. Dessa forma, ao analisar a estrutura verbal de comentários, na rede
social Facebook, estarão sendo considerado, sempre, a influência do contexto
social nas manifestações linguística, como é o caso da variação por uso de
anáfora direta, assentada nos níveis sintático e semântico.
A variação por anáfora direta é determina pelas funções discursivas
(TEDESCO, 2002) de expressões anafóricas diretas na progressão de
referentes nos textos verbais. As funções discursivas são definidas por
Tedesco (2002) em quatro tipos específicos. A primeira função discursiva
ocorre com a introdução do referente na cadeia anafórica, sendo, por isso,
definida como introdução de referentes. Assim, ao introduzir o referente textual,
esse fica ativado na cadeia anafórica e pode ser reativado em qualquer
momento da progressão textual pelas funções discursivas de manutenção do
núcleo do referente, retomada do referente, recategorização do referente e
reacategorização avaliativa do referente discursivo. Há, ainda, um perfil de
recategorização de referente textual que ocorre a partir do encapsulamento de
informações, de acordo com Cavalcante e Mesquita (2011), em que os
encapsuladores são formados por sintagmas nominais, cujo núcleo do
sintagma apresenta uma sentido generalizador.
Nas análises dos estratos sintáticos e semânticos de comentários
publicados no Facebook, em perfis públicos jornalísticos, observei que as
funções discursivas recategorização, encapsulamento e recategorização
avaliativa refletem que a variação linguística é estabelecida por
enquadramentos ideológicos, os quais defino como condicionadores externos.
Neste sentido, observei os exemplos a seguir, publicados no perfil público do
jornal O Estado de São Paulo e do jornal O Globo, a respeito de uma
reportagem sobre o comentário do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella,
que propunha trocar o nome da ciclovia Tim Maia por Vasco da Gama, pelo
fato de suas constantes quedas, o prefeito compara a ciclovia com a equipe
Vasco da Gama. Os exemplos:
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Figura 2: comentário de Roberto2
Figura 3: comentário de Borges3
No primeiro comentário, pode ser verificado uma sequência de
recategorizadores avaliativos que revelam a afinidade do interactante com o
prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella. Todas as escolhas linguísticas
indicam valores relacionados com a percepção religiosa, isto é, as escolhas
sintático-semânticas apresentam relação de sentido com os preceitos
religiosos: ‘Homem de Deus’, ‘pai dos pobres’, ‘honesto’, ‘honrado’, bispo
evangélico’, ‘trabalhador’. Apenas o recategorizador avaliativo ‘Melhor prefeito
do mundo’ não apresenta no sintagma nominal uma variação, semanticamente,
relacionada com os ideiais religiosos. Logo, o condicionador externo que
influencia no uso dos recategorizadores avaliativos é o enquadramento
religioso.
Já no exemplo do comentário do interactante Borges, o referente
discursivo ‘prefeito Marcelo Crivella’ é recategorizado avaliativamente com a
expressão anafórica direta “esse tal anêmico prefeito”. A avaliação está no uso
do adjetivo ‘anêmico’ acompanhado dos pronomes ‘esse’ e ‘tal’, os quais
reforçam a opinião de teor crítico. A avalição não apresenta relação semântica
com o enquadramento religioso, mas está relacionado com o enquadramento
político, pois, o sentido de ‘anêmico’ demonstra a enfraquecida adminitração do
prefeito Crivella. O próximo exemplo de comentário, apresenta um
recategoriador do referente ‘Prefeito Marcelo Crivella’, sem avaliação:
Figura 3: comentário de Paiva4
2 Retirado de https://www.facebook.com/estadao/, em 30 de maio de 19. 3 Retirado de https://www.facebook.com/jornaloglobo/, em 30 de maio de 19.
4 Retirado de https://www.facebook.com/jornaloglobo/, acessado em maio de 19.
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O comentário do interactante Paiva foi publicado no perfil do jornal O
Globo. No texto verbal, o referente textual é recategorizado pelo substantivo
‘Pastor’, o qual observa-se a mudança ou a variação do núcleo do sintagma
nominal. Esta variação do núcleo do sintagma é determinada pelo
enquadramento religioso, pois, o nome ‘pastor’, semanticamente, é um ‘guia
espiritual’. No último exemplo, há o uso de encapsulador a partir do uso do
substantivo ‘declaração’:
Figura 4: comentário de Mariangela5
O uso do substantivo ‘declaração’ apresenta um valor resumitivo, isto é,
encapsula a brincadeira realizada pelo prefeito Marcelo Crivella sobre a
mudança do nome da ciclovia Tim Maia para Vasco da Gama. Há neste uso ou
nesta variação a intenção de sumarizar a informação apresentada pelo texto-
fonte. Tira-se o foco do prefeito Marcelo Crivella e se tematiza a declaração do
prefeito do Rio de Janeiro. Esta variação sintagmática está condicionada ao
enquadramento político e não pelo enquadramento religioso, o foco está no
que foi dito pelo prefeito e não pelo pastor.
Considerações finais
Esta breve reflexão visou apresentar o uso da língua numa terceira
modalidade de linguagem, em que o texto verbal é usado com outras
possibilidades textuais – texto não verbal, texto sonoro e texto audiovisual -. O
gênero digital comentário é uma superestrutura discursiva, o qual é usado
pelos interactantes no Facebook para entreterem a informação. O estudo
descritivo dos níveis linguísticos, no gênero, possibilita compreendermos as
particularidades deste uso da linguagem e o que a mesma apresenta de
continuum com gêneros discursivos usados nas modalidades oral e escrita.
A variação sintática-semântica pelo uso de expressões anafóricas
diretas é apenas uma singularidade desta superestrutura discursiva, que
merece ser aprofundada pelas abordagens linguísticas.
5 Retirado de https://www.facebook.com/jornaloglobo/, acessado em maio de 19.
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Referências
CAVALCANTE, Mônica Magalhães; MESQUITA, Lívia de Lima. Argumentação e
polifonia em anáforas encapsuladoras. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 46, n. 1, p. 55-
63, jan. 2011.
COELHO ET ALL. Para conhecer a Sociolinguística. São Paulo: Contexto, 2015.
FRAGOSO, ET ALL. Métodos de pesquisa para Internet. Coleção Cibercultura. Porto Alegre. 2016.
KOCH, I.G.V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002.
MARCUSCHI, L.A. & XAVIER, A.C. Hipertextos e gêneros digitais: novas formas de construção de sentido. -3.ed.- São Paulo: Cortez, 2010. SANTAELLA, Lúcia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo. Paulus, 2004.
TEDESCO, Maria Teresa. O processo de referenciação e a construção do texto argumentativo. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de janeiro, 2002.
____________________. Educação a distância: o processo de interação e autoria em EAD na perspectiva da linguagem. In.: SIMÕES, Darcília (org.) Semiótica, linguística e tecnologias de linguagem. Homenagem a Umberto Eco. Dialogarts, 2013.
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