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A Teoria Psicogenética de Piaget Lúcia Helena Cavasin Zabotto Pulino
A teoria psicogenética de Jean
Piaget
Quem foi Piaget, este teórico
tão estudado nos meios
educacionais?
Jean Piaget nasceu em 1896, em
Neuchâtel, Suiça e morreu em 1980,
em Genebra. Aos 10 anos, já
mostrava sua vocação para a
pesquisa: dedicou-se à observação de
um pardal em um jardim público,
escreveu uma descrição do
comportamento do passarinho e esse
seu trabalho foi publicado. Aos 16
anos, realizou estudos sobre
Zoologia. Aos 21, licenciou-se e no
ano seguinte doutorou-se em
Ciências Naturais, com tese sobre o
desenvolvimento e a adaptação de
moluscos a novos ambientes. Aos 25
anos, já havia publicado 25 trabalhos
científicos, em que mostrava que o
desenvolvimento biológico não era
devido apenas à maturação e
hereditariedade, mas também a
variáveis do ambiente.
Piaget era muito dedicado ao estudo
da Filosofia e da Psicologia. No
período de transição entre os estudos
biológicos e os filosóficos, escreveu
“Biologia e Guerra”, em que
examinou e rejeitou as posições
Darwinianas e Lamarckianas de que,
por razões biológicas, as guerras são
inevitáveis. Contra isso, argumenta
que o desenvolvimento humano e o
esforço em direção ao conhecimento
movem o homem no sentido da
cooperação e do altruísmo e o afasta
da guerra. Este otimismo em relação
à espécie humana se revela em seu
trabalho filosófico e psicológico.
Acreditando que o homem é
movido pelo uso da razão, Piaget
interessou-se em compreender o
processo de construção do
conhecimento na história da
humanidade e em cada indivíduo,
e criou a disciplina Epistemologia
Genética, que estuda as raízes, a
gênese (daí o termo „genética‟)
das várias formas de
conhecimento, desde suas formas
mais elementares, até o
pensamento científico.
Piaget partiu da concepção de que
o conhecimento nem está pré-
determinado nas estruturas
internas do indivíduo (concepção
inatista), nem dado nos caracteres
pré-existentes no objeto a ser
conhecido (concepção empirista),
mas é construído na interação do
indivíduo com o meio. Sua teoria
é, portanto, interacionista.
Do ponto de vista do
desenvolvimento da espécie
humana – a filogênese - e de
cada indivíduo – a ontogênese – o
conhecimento é uma construção
solidária, uma relação entre as
condições cognitivas de quem
conhece e as condições
ambientais.
Aqui, vamos nos dedicar a
compreender as idéias de Piaget
referentes ao desenvolvimento do
indivíduo, do sujeito que conhece.
Você, educador, que se dedica
a alfabetizar jovens e adultos,
imagina a importância de estudar
a respeito de como as pessoas
conhecem, não é? Você já ouviu
falar ou leu sobre as idéias de
Piaget?
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Você se lembrou dos estágios de
desenvolvimento da Teoria de
Piaget?
Realmente, nos cursos de
Licenciatura, nas revistas sobre
educação e em palestras e
entrevistas nos meios de
comunicação, é muito comum as
pessoas tratarem do
desenvolvimento psicológico
segundo a concepção piagetiana,
abordando os vários estágios de
desenvolvimento.
E o que são esses chamados
estágios de desenvolvimento? Ou,
antes, o que é desenvolvimento
psicológico para Piaget?
Para Piaget, o desenvolvimento
psicológico é um processo de
equilibração progressiva, uma
passagem contínua de um estado
de menor equilíbrio para um
estado de equilíbrio superior. O
desenvolvimento psicológico,
especialmente as funções
superiores da inteligência e da
afetividade, diferentemente do
desenvolvimento biológico, que
decai com a idade, tendem a um
equilíbrio móvel, ou a terem mais
mobilidade, ou capacidade de
adaptação, conforme o indivíduo
avança na idade.A maneira como
o conhecimento é construído,
para Piaget, depende do momento
de desenvolvimento psicológico
do sujeito, que se inicia com o
nascimento e continua até a idade
adulta.
Sustentando que toda ação
supõe um interesse que a
desencadeia, isto é, que o
indivíduo age de acordo com
necessidades fisiológicas, afetivas
ou intelectuais, seja ele um
adulto, um jovem, uma criança ou
um idoso, Piaget considera que
esse interesse, entretanto, varia de
acordo com o nível de
desenvolvimento do indivíduo.
Assim, a construção do
conhecimento pressupõe que a
pessoa esteja motivada para
conhecer e, em cada um dos
diferentes níveis de
desenvolvimento, essa motivação
tem características específicas.
Esses diferentes níveis de
desenvolvimento são o que Piaget
chama de estágios do
desenvolvimento psicológico. Em todos os estágios de
desenvolvimento, é o surgimento
de necessidades – internas ou
externas – que provoca um
desequilíbrio no funcionamento
mental e desencadeia ações do
indivíduo, visando restabelecer o
equilíbrio. Só que em cada
estágio, o sujeito apresenta
necessidades e interesses típicos e
modos específicos de superar o
desequilíbrio.
Como se dá o processo de
equilibração ou adaptação? Por
meio de processos de assimilação
e acomodação, segundo Piaget.
O indivíduo, motivado por
necessidades ou interesses,
assimila ou incorpora o mundo
exterior às suas estruturas mentais
já construídas, ou, falando de
outro modo, a assimilação é o
processo mental pelo qual uma
pessoa integra um novo dado
perceptual, motor ou conceitual
aos esquemas ou padrões de
comportamento já existentes.
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É como se a pessoa
„encaixasse‟ os elementos novos
do que percebe, sente ou pensa
numa estrutura já previamente
existente e interpretasse o novo
pelo esquema já conhecido.
Como se ela tivesse uma fôrma
mental que desse forma ao
mundo.
Por exemplo, quando uma
criança vê um cavalo e o chama
de au au, ela está assimilando a
percepção do cavalo ao esquema
já adquirido de cachorro.
Na assimilação, o indivíduo
amplia suas estruturas cognitivas.
A transformação ou criação de
esquemas ou estruturas,
entretanto, dá-se pelo processo de
acomodação.
A acomodação consiste em
criar ou transformar esquemas ou
estruturas mentais, através do
reajuste das ações e pensamentos,
com vistas ao contato com os
dados de realidade assimilados. A
apreensão do mundo assimilada é
como o sujeito a pode captar,
mas, graças à acomodação, ela se
torna compatível com o mundo
objetivo.
Depois de acomodado, o
estímulo é novamente assimilado
às estruturas mentais, agora já
acomodadas.
Você vê que interessante?
Para Piaget, o sujeito conhece
promovendo o encontro de sua
estrutura mental com a estrutura
do mundo e desse encontro o
resultado é uma transformação
mútua: mudam as estruturas
internas e mudam as estruturas do
ambiente, já que para conhecer o
sujeito age no mundo. É isso que
Piaget entende por interação.
Nesse processo, o importante
a se compreender é que sempre a
mente do indivíduo está
estruturada, sempre há uma
estrutura prévia a ser ampliada ou
transformada ou totalmente
substituída por outra. Quando
nasce o bebê, essas estruturas são
de caráter hereditário e genético
e, na medida em que ele entra no
mundo das relações humanas,
suas estruturas vão sendo
modificadas, visando sua
adaptação.
Para Piaget, portanto,
adaptação é o processo resultante
do equilíbrio entre as
assimilações e as acomodações
processadas em seu psiquismo, o
que inclui o desenvolvimento de
estruturas nos níveis perceptivo,
motor, afetivo, intelectual e
social, sempre com vistas a ações.
O indivíduo, portanto, está
constantemente vivendo um
processo de modificação –
ampliação, transformação ou
criação de estruturas mentais, ou
formas de compreender e agir em
relação ao mundo, às pessoas e a
si mesmo.
Então, caro professor, o
psiquismo não está dado
internamente no indivíduo, nem
no mundo externo: ele se forma
nesse encontro dentro/fora, ele se
constrói e se reconstrói a todo
momento.
Adaptação, na psicogenética
piagetiana, não se relaciona a
conformismo, a ser como o
mundo exige que sejamos, mas a
um entrosamento com o mundo,
Piaget acredita
que o sujeito é
agente de seu
desenvolvimen
to. Criando o
mundo, o
sujeito se cria,
ao mesmo
tempo, em sua
relação com o
mundo.
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em que sujeito e elementos
externos a ele se combinam e
promovem mudanças mútuas,
podendo resultar, até mesmo,
numa transformação radical de
um ou de outro.
De fato, Piaget sustenta que
há momentos em que essa
transformação radical ocorre e
que podem ser previstos: são as
mudanças de estágios de
desenvolvimento.
Como você pode depreender
de tudo isso, a psicogenética não
é apenas uma psicologia
evolutiva, pois não se resume a
uma seqüência cronológica. O
pesquisador da psicogênese
identifica a seqüência evolutiva,
mas além disso, tenta reconstruir
os laços de filiação entre os níveis
que identifica, perguntando-se
“Como se passa desse estado de
conhecimento para outro estado
de conhecimento? O que, no
estado anterior Y, tornou possível
que a seguir aparecesse aquilo
que observamos no estado
posterior Z? O que existia em um
nível anterior X que tornou
possível o nível Y?” (Ferreiro,
2001:93)
Durante cada estágio vigora
um modo de apreensão de mundo,
de comportamento, de
afetividade, de relacionamento
social. O sujeito atua de acordo
com um estágio, até o momento
em que os recursos típicos deste
estágio não são suficientes para
que ele se adapte ao ambiente, ou
para reconstituir seu estado de
equilíbrio mental. Aí se dá a
mudança de estrutura mental e de
estágio.
Piaget acredita que há uma
seqüência lógica na sucessão dos
estágios, que o mais básico é o
alicerce para todos os outros, que
o segundo mantém o que é
essencial do primeiro, o terceiro o
que é importante no segundo, e
assim por diante, cada novo
estágio promovendo uma re-
constituição do anterior e se re-
estruturando como
qualitativamente distinto dele.
Assim, um se desenvolvendo a
partir de outro, a estrutura mental
seria como uma cebola, cujas
camadas se sobrepõem, formando
um todo.
O estágio é, então, um tipo de
organização do psiquismo, que
caracteriza o desenvolvimento
motor, perceptivo, cognitivo e
afetivo-social dos indivíduos.
Para Piaget, ocorre uma
evolução mental na sucessão dos
vários estágios. O
desenvolvimento progride num
movimento que vai do
conhecimento concreto ao
abstrato, do egocentrismo à
descentração e socialização, do
próximo ao distante, do
incoerente ao sistemático, da
dependência à autonomia. O
padrão adulto de apreensão de
mundo, de relação sócio-afetiva e
de compreensão de si mesmo,
para Piaget, é mais desenvolvido
do que o do jovem ou o da
criança.
Embora Piaget sugira idades
para o início e o final de cada
estágio, ele reconhece que essa
faixa etária é variável,
dependendo das condições
internas do indivíduo e das do
ambiente em que ele vive,, já que,
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como vimos, o desenvolvimento
não depende apenas da maturação
biológica (embora esta seja
essencial) do indivíduo, mas da
relação entre as suas estruturas
psíquicas (com o potencial de que
são dotadas) e o mundo externo.
São quatro os estágios de
desenvolvimento propostos por
Piaget:
1º.) Estágio da Inteligência
Senso-Motora
Este estágio corresponde ao
desenvolvimento a partir do
nascimento da criança, até
aproximadamente os 2 anos de
vida. É decisivo para todo o curso
da evolução psíquica.
Compreende 3 subestágios:
a) Estágio dos reflexos, ou
mecanismos hereditários;
b) Estágio dos primeiros hábitos
motores, das primeiras
percepções organizadas e dos
primeiros sentimentos
diferenciados;
c) Estágio da inteligência senso-
motora, ou prática, e das
regulações afetivas elementares.
a) Subestágio dos reflexos, ou
mecanismos hereditários
No início da vida mental não
existe nenhuma distinção entre o
eu e o mundo exterior. Portanto,
as percepções e impressões
vividas não se relacionam nem à
consciência pessoal sentida como
um “eu”, nem a objetos
concebidos como exteriores.
Ambos fazem parte de um bloco
indissociado, que não é nem
interno nem externo. À medida
em que o bebê vive experiências,
os dois pólos vão se opondo um
ao outro.
O que existe nesse momento é
a ação, ou aquilo que se dá no
encontro interno/externo,
incipiente ainda. O eu, no início
inconsciente de si mesmo, vai se
constituindo como uma realidade
interna, na medida em que o
mundo externo vai se
objetivando. Do egocentrismo
inconsciente e integral, vai se
desenhando a distinção
eu/mundo, por atos de
inteligência.
Neste primeiro subestágio, os
reflexos ou mecanismos
hereditários caracterizam a
estrutura mental primordial e
potencialmente garantem que se
desenvolvam esquemas
relacionados a tendências
instintivas como a nutrição, de
que a sucção é a primeira
expressão comportamental.
Para a mãe que amamenta seu
bebê, é evidente que a sucção é
uma ação que demonstra a
participação ativa do pequeno, já
que a cada dia ele „mama
melhor‟. Na verdade, ocorrem as
primeiras ações de assimilação e
1º) Estágio da Inteligência Senso-
Motora ou Prática (ou Senso Motor)
4º) Estágio das Operações
Intelectuais Abstratas (ou
Operatório Formal)
3º) Estágio da Operações
Intelectuais Concretas (ou
Operatório Concreto)
2º) Estágio da Inteligência
Intuitiva (ou Pré-Operatório)
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acomodação, já que o bebê, ao
primeiro contato com o peito da
mãe, mama como seu esquema
hereditário lhe permite (assimila a
este esquema os elementos
externos), e vai acomodando sua
estrutura mental às informações
vindas do corpo da mãe,
aprimorando a forma como chupa
o bico do seio, buscando a melhor
forma de se aninhar no colo da
mãe, adaptando-se à situação.
Bebê e mãe, juntos, adaptam-se
um ao outro na ação do
amamentar. A mãe também está
se adaptando, naturalmente,
assimilando as percepções e
movimentos do primeiro contato
com o bebê e acomodando suas
estruturas mentais às ações do
bebê.
Está claro o processo de
adaptação? Pois isso ocorre
continuamente desde o início da
vida do bebê, em relação a seu
bem-estar, como sensações de
frio e calor, fome e dor, expressas
por gritos, choro ou movimentos.
Nesse subestágio, o bebê
apresenta, no nível afetivo,
impulsos instintivos, ligados à
alimentação, e reações reflexas e
emoções primárias, ligadas a
sensações repentinas, como a
perda de equilíbrio.
b) Subestágio dos primeiros
hábitos motores, das primeiras
percepções organizadas e dos
primeiros sentimentos
diferenciados
Em constante processo de
adaptação, com assimilações e
acomodações, o bebê generaliza o
ato de sucção do peito a outros
objetos, sugando primeiramente
no vazio, depois os próprios
dedos, ou qualquer outro objeto,
fortuitamente, ampliando o
esquema de sucção. Quando
consegue coordenar o movimento
dos braços com a sucção (já no
segundo mês), leva o polegar à
boca.
O desenvolvimento de novos
esquemas de sucção a partir de
assimilações e de leves
acomodações, imprime uma nova
maneira de o bebê experienciar o
mundo. Para ele, agora, o mundo
é uma realidade a sugar. Coloca
tudo na boca. Sua experiência em
relação ao mundo, então, se dá
pelo contato da boca com tudo o
que pode sugar.
Além de sugar, ele olha, ouve,
toca o mundo. Desenvolve
esquemas que lhe permitem virar
a cabeça na direção de um ruído,
ou seguir um objeto em
movimento.
Do ponto de vista sócio-
afetivo, começa a reconhecer
pessoas, a sorrir (no final do 1º.
mês ou no início do segundo),
embora as distinga à sua maneira,
como aparições sensíveis e
animadas.
Com o desenvolvimento da
capacidade de preensão, ou de
segurar objetos, o bebê (por volta
dos 4 meses e meio) passa a
manipulá-los e forma hábitos
novos, que vão se acomodar aos
esquemas já desenvolvidos,
perceptivos e motores. Esses
hábitos são ações que, se
eficientes para alcançar um
objetivo – relacionado à
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satisfação de uma necessidade
fisiológica, afetiva ou social – são
assimiláveis à estrutura psíquica,
processo que recebeu o nome de
„reação circular‟.
Assim, o bebê vai
desenvolvendo novas maneiras de
estar no mundo e de lidar com
ele, ou uma inteligência sensório-
motora, como diz Piaget.
Afetivamente, Piaget sustenta
que nesse subestágio surgem as
sensações básicas de prazer e
desprazer, agradável e
desagradável, ligadas a ações. As
pessoas ainda não são muito
distintas para o bebê, o que o
mantém indiferenciado em
relação aos outros. Interessa-se,
sim, neste momento, pelo próprio
corpo, num padrão narcisista,
embora sem ter consciência de si.
c) Subestágio da inteligência
senso-motora, ou prática, e das
regulações afetivas elementares.
Para Piaget, antes mesmo que
a criança tenha a linguagem como
forma principal de construção do
conhecimento do mundo e de
comunicação, ela constrói, desde
o nascimento, uma inteligência
prática nesse subestágio do
desenvolvimento.
A forma de inteligência
desenvolvida nesse estágio é
totalmente prática; refere-se à
manipulação de objetos e utiliza
percepções e movimentos,
organizados em “esquemas de
ação”, em lugar de palavras e
conceitos. A criança usa objetos
como ferramentas, como puxar o
lençol da cama para aproximar
um brinquedo de si, o que faz
perto do final do primeiro ano.
Esses esquemas de ação que
resultam em atos inteligentes
observáveis são construídos pela
criança por um processo de
experienciar o mundo: nas
„reações circulares‟ o bebê não se
contenta mais apenas em
reproduzir os movimentos e
gestos que conduziram a um
efeito interessante, mas os varia
intencionalmente, ficando atento
aos resultados dessas variações,
entregando-se a verdadeiras
explorações..
Você já deve ter visto um
bebê jogar um brinquedo no chão,
a mãe devolvê-lo a ele, pensando
que foi sem querer, e ele jogá-lo
novamente, não? Pode mesmo ter
sido uma queda casual da
primeira vez, mas as seguintes
são visivelmente propositais,
como se ele estivesse pesquisando
os sons, a velocidade e as
características do objeto.
Também, quando pega um objeto,
o bebê pode lambê-lo, chacoalhá-
lo, esfregá-lo, além de jogá-lo,
incorporando o novo objeto a
seus antigos esquemas de ação já
assimilados, como se ele
explorasse as possibilidades
daquele objeto, como se o
conhecesse na prática.
Os diversos esquemas de ação
são assimilados entre si,
coordenados mentalmente, como
se a criança estivesse construindo
uma noção prática dos objetos
explorados. Por esta coordenação
se inicia a formação da
inteligência senso-motora.
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Leia e reflita:
Imagine a seguinte situação: A mãe, atendendo ao choro do bebê,
aproxima-se dele, anunciando em voz alta que
está chegando, e lhe dá o peito.
Pensemos a situação,
considerando, com Piaget, que o bebê
constrói, ao longo dos dois primeiros
anos, as categorias práticas de objeto,
do espaço, da causalidade e do tempo.
Categoria de objeto: Num
primeiro momento, o bebê não tem
desenvolvido o esquema de
permanência substancial do objeto,
isto é, algo só „existe‟ para ele se
estiver a seu alcance perceptivo.
Categoria de espaço: No início
da vida, o bebê sente cada espaço
(boca por onde é alimentado, barriga
que dói, o espaço que vê e o que
manipula) separadamente, sem
articulá-los.
Categoria de causalidade: No
início, o bebê não relaciona ações
como causa e efeito. As ocorrências
são fortuitas.
Categoria de tempo: O bebê
não percebe as ações em uma
seqüência temporal. Cada uma é uma,
sem conexão com as demais.
Ele reconhece a presença da
mãe, mas esta só „existe‟, como
presença, para ele, enquanto estiver em
seu campo perceptivo. Em seguida,
experienciando novas situações,
assimila fatos novos e os acomoda, e
percebe que gritando, sua mãe aparece,
mas não imagina que ela tenha vida
própria, nem imagina um outro espaço
em que ela estivesse antes de chamá-
la. em um espaço novo, onde nunca a
tinha visto.
Depois, é capaz de procurar a
mãe no lugar em que ela apareceu
quando a chamou, mas não em um
novo lugar. Ao final do primeiro ano,
ele é capaz de procurar a mãe fora de
seu campo de visão, em um lugar
desconhecido. Todo este processo se
dá por assimilação e acomodação.
Observe que ele “constrói” a
noção de objeto substancial, que existe
por si só (aqui, a mãe),
gradativamente, em consonância com
a noção de espaço. No início, há
muitos espaços, não articulados e o
bebê os vai assimilando conforme os
relaciona à presença da mãe, neste
caso. Articulando-os uns aos outros,
constrói a categoria de espaço,
caracterizando as relações dos objetos
entre si e incluindo aí seu próprio
corpo.
Quanto às categorias práticas
de causalidade e de tempo, constróem-
se solidariamente. Inicialmente, o bebê
não relaciona o resultado empírico e
uma ação sua (causa e efeito) – a mãe
vir por ele chamá-la. Da mesma forma,
no início não sequencia no tempo o ato
de ele chamar e o ato de a mãe
aparecer depois disso. A categoria
antes/depois e de causa/efeito.
É importante considerarmos
que a criança começa a se movimentar
no espaço, a explorá-lo, arrastando-se,
engatinhando e andando, o que
possibilita que desenvolva esquemas
motores que se articulam com as
categorias de objeto, espaço
causalidade e tempo.
O desenvolvimento de
esquemas percepto-motores
relacionados à fala, e da
linguagem como representação do
mundo vão se articulando com os
esquemas senso-motores e
possibilitando a adaptação do
bebê, até o ponto em que esse tipo
de apreensão de mundo e de si
mesmo não dá mais conta de
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equilibrar as suas estruturas
mentais e adaptá-lo ao meio.
Piaget afirma que neste
primeiro estágio ocorre uma
“revolução copernicana” no
psiquismo: o universo psíquico da
criança, que se inicia como
indiferenciado, passa a se centrar
nela, em seu corpo, para, depois,
ir se descentrando e a criança
passar a se colocar como uma
dentre muitos seres.
Afetivamente, com o
desenvolvimento da categoria
prática de objeto, o bebê se
destaca do mundo exterior, e
começa a objetivar seus
sentimentos em atividades e
pessoas: prefere uma a outra
atividade, desinteressa-se de umas
coisas, dedica-se a outras, sente-
se fracassado ou bem sucedido no
que realiza e isso lhe causa
tristeza ou alegria.
A consciência do “eu”
começa a se afirmar como pólo
interior da realidade, em oposição
ao pólo externo objetivo.
Gradativamente, a criança
começa a ter seus sentimentos de
alegria e tristeza relacionados não
só às atividades, mas a objetos
concretos e às pessoas,
originando-se os sentimentos
interindividuais. A pessoa que é o
primeiro alvo do afeto da criança
é a mãe, depois o pai, e as pessoas
que cuidam dela e fazem parte da
família. Esta é a fonte dos
sentimentos de simpatia e
antipatia que vão se desenvolver
na etapa seguinte.
Convido você, então, a
continuar a trajetória que estou
lhe propondo, para que, juntos,
você e eu delineemos o conceito
de aprendizagem na psicogenética
piagetiana.
Você pode estar se
perguntando sobre a importância
de conhecer como o bebê constrói
a representação mental (ainda
prática) do mundo e de si mesmo.
Tem toda a importância,
quando se trata da teoria de
Piaget, em que conhecer a gênese
do pensamento, da ação e dos
afetos é fundamental para se
compreender como o indivíduo se
desenvolve e, o que interessa
muito a você, como ele aprende.
Mas, ainda não falamos de
aprendizagem, não é?
Realmente, Piaget não fala
diretamente de aprendizagem,
mas, com o estudo do
desenvolvimento ao longo do
ciclo vital, vamos compreendendo
o que é aprendizagem para ele.
Vamos ao 2º. estágio.
2º. estágio: Estágio da
Inteligência Intuitiva, ou Pré-
Operatório
Este estágio abrange o
período de desenvolvimento dos 2
aos 7 anos, aproximadamente.
Registre em seu caderno as
impressões que tem sobre uma sala de
Maternal, com crianças de 2 anos de idade. Se
já tiver conhecido uma turma de Maternal,
escreva sobre suas lembranças. Se não tiver
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tido nenhum contato com uma escola
maternal, lembre-se de como se comportam
crianças de 2 anos com quem você já tenha
tido contato, mais ou menos próximo.
Você se lembrou de como
essas crianças caminham? De
como se comunicam entre si e
com os adultos? De como
articulam as palavras e
manipulam os objetos do
ambiente?
O que chama nossa atenção é
a intensa exploração dos objetos,
a brincadeira solitária de cada
uma, em meio ao grupo de
crianças, que só se dá conta da
presença do colega quando tem
interesse em usar algum objeto
que este segura. Enquanto brinca,
faz sons típicos dos brinquedos,
como caminhõezinhos,
cachorrinhos, bumbos, bonecas.
Se o período ou estágio
anterior se organiza em torno da
percepção e da motricidade,
construindo a inteligência senso-
motora, por volta dos 2 anos se
consolida um outro elemento
organizador: a linguagem.
Isso não significa que os
gestos, gritos, sons, da criança
desde bem pequena não sejam já
a entrada no mundo da
linguagem, mas, sim, que a
linguagem, o uso de símbolos
para se referir ao mundo, além de
poder lidar diretamente com
objetos concretos, começam a se
tornar mais significativos. Ao
invés de só pegar um carrinho, a
criança anuncia que quer fazê-lo,
ou acompanha seu ato
pronunciando o nome do
brinquedo. Ela começa a
representar a realidade para si
mesmas através do uso de
símbolos incluindo imagens
mentais, palavras e gestos. Os
objetos e os eventos não precisam
mais estar presentes para serem
considerados.
Com a introdução efetiva no
mundo simbólico do jogo, do
desenho e sobretudo da
linguagem, as condutas da criança
se modificam profundamente,
tanto do ponto de vista cognitivo
como sócio-afetivo. Ela é capaz
de, além de agir, fazer narrativas,
reconstituindo suas ações
passadas e antecipando suas ações
futuras, pela representação verbal.
Pela linguagem, a criança
se liberta, gradativamente, das
amarras do aqui-e-agora,
colocando sua experiência na
dimensão do tempo. “Nenê
caiu!” “Nenê qué papá” O
bebê começa a relatar o que
viveu, e o que deseja no
futuro, ainda se referindo a si
mesmo na 3ª. pessoa do
singular, ocupando o lugar dos
pais no discurso, já que o “eu”
é insipiente, ainda.
É como se a criança se
introduzisse num outro
mundo, como se começasse a
viver em outra dimensão: a da
linguagem, a do pensamento.
Dominando cada vez
melhor a linguagem, ainda no
primeiro ano, imitando os
adultos em seus gestos, sons e
na articulação das palavras,
associando-as a ações e
objetos, a criança começa, no
segundo ano de vida, a
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efetivamente se relacionar
com as outras pessoas,
consigo mesmo e com o
mundo, num padrão distinto
do anterior, o que denuncia
uma reestruturação de seu
psiquismo.
A ação se socializa por
meio do uso da linguagem, já
que a criança consegue
participar de trocas com as
outras pessoas: pede algo e
recebe, dá algo a alguém
quando isso lhe é pedido,
disputa, não só com ações,
mas com palavras, um
brinquedo com outra criança:
“É meu!”
“É meu!” Este é o grito da
criança que, na ânsia de se
distinguir do outro, demarca
seu espaço, seus direitos, os
objetos que estão em seu
poder. O “meu” é dito antes
do “eu”.
Os pais e professores que
cuidam da criança deixam de
ser apenas figuras percebidas,
vozes, provedores de afeto,
para serem pessoas que têm
um nome, que sentem algo,
que querem algo, que dão
ordens à criança, que preferem
que ela aja de uma maneira
em detrimento da outra.
As relações da criança vão
se configurando na dimensão
de uma ética. Ela respeita os
pais, de quem depende, e
assume a moral deles. Piaget
diz que do ponto de vista da
criança, esta é uma moral
heterônoma, em que a regra, a
lei (nomos) é dada pelo outro
(hetero).
Nesse sentido, a criança
desenvolve a noção de “eu
ideal”, ou seja, desenha-se em
sua mente a representação do
tipo de criança que seus pais
desejariam que ela fosse; o
que é certo ou errado é
representado mentalmente
pela criança, que leva em
consideração a atuação e as
opiniões externadas pelos pais
e professores para tentar
pautar suas ações por esse
modelo.
Você vê que a moralidade,
em Piaget, tem suas bases na
capacidade cognitiva da
criança de compreender e usar
a linguagem e dos vínculos
afetivos já construídos, que
garantem que ela tenha
confiança e respeito em
relação aos pais.
Isso não significa que a
criança obedeça aos ditames
da moral dos pais, mas que
começa a saber “como deveria
agir”.
Como a criança começa a
“conversar” com o adulto,
colocando em palavras seus
desejos, necessidades e
interesses, além de disputar,
pela linguagem, um espaço
existencial entre seus iguais,
ela se introduz em discussões,
opondo-se ao outro, a favor de
suas próprias idéias,
inicialmente ligadas a fortes
desejos.
Essa oposição de idéias,
muitas vezes acompanhada
das chamadas “birras”, são o
prenúncio das discussões
12
acaloradas típicos de outros
estágios de desenvolvimento.
O pensamento verbal da
criança se mostra egocêntrico:
ela não consegue se colocar
no lugar do outro e
compreender seu ponto de
vista.
No segundo e terceiro
anos, as crianças já têm uma
linguagem mais aprimorada,
ou diferente daquela ligada a
seus desejos, diretamente.
Geralmente a partir de um
ano, desenvolve-se um tipo de
ação – o jogo simbólico – que
é a conhecida brincadeira de
faz-de-conta: o jogo de
casinha, de boneca, de
carrinho, que é uma atividade
espontânea da criança, e não
ensinada a ela pelo adulto.
“João e Maria”, de Sivuca e Chico
Buarque, é uma música cuja letra
descreve esse jogo infantil.
13
Este jogo é importante para Piaget porque ele é o início do pensamento, sua
forma mais egocêntrica, que vai dar origem a outras formas mais descentradas e
mais socializáveis. O presente e o passado usados na mesma frase, mostram
como ela altera a lógica do pensamento adulto.
O pensamento da criança vai se desenvolvendo, por assimilações e
acomodações e ela começa a interiorizar a palavra e desenvolver um
pensamento verbal que busca compreender o real.
Este pensamento se inicia quando a criança começa a querer saber os
“porquês” de tudo o que percebe e experiencia, além das perguntas anteriores
sobre “onde” estão as coisas e pessoas e “o que” são elas.
Os “porquês” da criança são difíceis de se responder, já que o adulto não
consegue compreender o sentido desta pergunta para ela. O que ela realmente
quer saber, se depois de o adulto responder, fornecendo a causa e a finalidade
dos fatos, ela continua a perguntar sobre o “porquê” daquela causa ou daquele
fim, e assim indefinidamente, mesmo em relação a fatos que não comportam
“porquês”, porque ocorrem ao acaso?
Piaget formulou a uma criança a pergunta de outra: “ Por que o lago de
Genebra não vai até Berna?” a outra criança (de 6 anos) respondeu: “O lago de
Genebra não vai até Berna porque cada cidade deve ter o seu lago”.
Piaget compreendeu, com suas investigações, que para o pensamento da
criança não há acaso na natureza: tudo tem uma razão de ser.
Este pensamento apresenta as seguintes características: animismo, finalismo
e artificialismo.
O animismo é a tendência de a criança conceber as coisas como vivas e
dotadas de intenção. O finalismo, inclui a consciência e a intencionalidade: a
lâmpada acende (animismo) para iluminar o ambiente para o homem
(finalismo); ou as nuvens sabem que se deslocam para levar a chuva e a noite é
uma grande nuvem negra que sabe que cobre o céu na hora de dormir. Da
mesma forma, o pensamento para a criança “é uma voz, uma pequena voz que
está por trás, a voz do vento”. O animismo provém de uma assimilação das
coisas à própria atividade, por parte da criança.
Outra característica é o artificialismo, ou a crença de que tudo foi construído
pelo homem ou por divindades, do mesmo modo que se dá o processo de
fabricação na sociedade.”Os bebês são ao mesmo tempo fabricados e vivos”,
“as montanhas crescem porque se plantaram pedrinhas depois de tê-las
fabricado”, “os lagos foram escavados”.
Este pensamento animista, finalista e artificialista é regido por leis causais
que se confundem com leis morais: os barcos flutuam “porque devem flutuar” e
a lua ilumina somente à noite “porque não é ela que manda”.
Isso, para nós educadores, é importante, pois nos mostra que para a criança
errar uma tarefa cognitiva tem o mesmo caráter de errar moralmente, com toda a
carga afetiva que acompanha a falha moral.
Segundo Piaget, no
jogo simbólico, a
criança transforma o
real em função de
seus desejos, revive
seus prazeres e
conflitos, como se
completasse a
realidade através da
ficção que cria. Ela é
a autora do script e a
diretora da “peça”
que executa, com
objetos vários, que
muitas vezes nem
exibem semelhanças
com o “papel” que
representam.. O
verbo no pretérito
imperfeito, denuncia
a consciência que a
criança tem de que
se trata de um jogo,
que ela, envolvida
afetivamente, leva
tão a sério.
14
Assimilações e acomodações resultantes das trocas entre essas crianças e
adultos e de suas experiências com a natureza e o meio físico, vão tornando este
pensamento cada vez mais articulado, já que ele, espontaneamente, é pouco
capaz de prover a adaptação do indivíduo.
Desenvolve-se, então, o pensamento intuitivo que é a estrutura que a criança
constroi mais avançada de pensamento deste estágio de desenvolvimento.
No início, é um tipo de pensamento marcado pela certeza: a criança não tem
dúvidas em relação à maneira como vê o mundo e discursa sobre ele. Não tem a
necessidade de provar, demonstrar o que diz.
O mundo da criança, então, deixa de ser apenas aquele mundo da concretude
dos objetos que ela explora, e começa a se configurar como representação
mental, das possibilidades do pensamento e da imaginação, e o mundo do
dever-ser, construído a partir da compreensão ética das relações humanas.
Por meio de experimentos, Piaget (1964/1994:34, 35 e 36) pôde
compreender as características do pensamento intuitivo.
Mostrou a crianças dois corpos que se deslocam, seguindo o mesmo trajeto
na mesma direção, um ultrapassando o outro. A criança intuitiva avaliou que
aquele que ultrapassou o outro “vai mais depressa”. Mas, se o primeiro
percorresse, no mesmo período de tempo, um caminho mais longo sem alcançar
o segundo, ou se andassem em sentidos inversos, ou em pistas circularem
concêntricas, ela não compreendia esta desigualdade de rapidez, o que mostrou
que sua intuição de rapidez se reduz à de ultrapassagem, sem fazer relações
entre o tempo gasto e o espaço percorrido.
Em outro experimento, Piaget apresentou aos sujeitos seis a oito fichas azuis
enfileiradas com pequenos intervalos, e lhes pediu para “pegarem outras fichas
vermelhas que poderiam tirar de um monte à disposição e fazer com elas uma
fileira igual à apresentada.”
Acompanhe a maneira como as crianças, em diferentes períodos deste
estágio, resolvem este problema, de acordo com o experimento:
“Por volta de 4 a 5 anos em média, as crianças constituirão uma fileira de fichas vermelha
do mesmo tamanho que a das azuis, mas sem se preocuparem com o número de
elementos, nem com a correspondência termo a termo de cada ficha vermelha com a
azul.”
Piaget avalia que aí se vê uma forma primitiva de intuição: a criança avalia a igualdade
apenas pelo espaço ocupado, ou pelas qualidades perceptivas globais da coleção, sem
fazer a análise das relações.
“Por volta de 5 a 6 anos, a criança coloca uma ficha vermelha em frente a cada ficha
azul, concluindo, desta correspondência termo a termo, uma igualdade das duas
coleções”.
Piaget complementou que embora já se observe um trabalho mais racional e
menos perceptivo, intuitivo, se se afastam um pouco as fichas extremas da
fileira das vermelhas, a criança, que viu que não se tirou nem se acrescentou
nada, avalia que as duas coleções não são iguais e afirma que a mais longa
contém “mais fichas”.
:
A criança
reconstrói o
mundo construído
por suas
explorações senso-
motoras, agora
num formato
representacional:
pode antecipar
ações, e as
configurações e
relações entre os
objetos.
15
Se uma das fileiras é desmanchada e se colocam as fichas dela numa caixa
antes vazia, a criança tem dificuldade em avaliar sua equivalência. Seu critério é
dado pelas informações visuais ou óticas.: há equivalência quando existe
correspondência visual. A igualdade não se conserva por correspondência
lógica, não havendo, portanto, uma operação racional.
Essas intuições, que são esquemas motores e perceptivos interiorizados
como representações, para se tornarem operações racionais, precisam ser
articuladas para se tornarem móveis e reversíveis.
Em que consiste a reversibilidade?
Reversibilidade é a possibilidade de reverter uma ação mentalmente,
desfazê-la. Se o pensamento é reversível, ele pode seguir a linha de raciocínio
de volta ao ponto de partida.
A reversibilidade é uma construção mental da criança, a partir de seu
contato com o mundo, por meio de assimilações e acomodações.
No exemplo acima, se as moedas são afastadas, a criança, rigidamente,
acredita que mudou a relação de igualdade de quantidade de moedas entre as
fileiras. Se conseguisse reverter mentalmente a ação, como mais tarde vai
conseguir, ela conseguiria refazer mentalmente a fileira alterada e avaliar,
racionalmente, que a quantidade de fichas não mudou.
Enquanto o pensamento é intuitivo, quer dizer, não operatório, ou não
racional, a criança não constrói o esquema de conservação, isto é, ela não avalia
que a quantidade de uma matéria permanece a mesma, independentemente de
quaisquer mudanças em uma dimensão irrelevante. O exemplo da conservação
da noção de número está dado no experimento citado das duas fileiras de fichas.
Veja bem que a Piaget interessava mais conhecer os considerados “erros”
das crianças, do que submetê-las a testes de medida de QI. Ele verificou que os
“erros” não passam das formas próprias a cada estágio de a criança apreender o
mundo, que são, na verdade, características, e não erros. Aliás, o conhecimento
desses “erros” é o que nos possibilita conhecer como a criança constrói o
conhecimento e se desenvolve psicologicamente.
A criança começa a ver suas teorias intuitivas serem desafiadas pelo
discurso das pessoas mais velhas e pela forma como os fatos transcorrem em
seu cotidiano. Os tais “erros”, em contato com o mundo exterior e as outras
pessoas provocam um desequilíbrio mental, são a alavanca para o
desenvolvimento de novas estruturas mentais que capacitam a criança a tornar
seu pensamento lógico.
Quanto ao desenvolvimento da sociabilidade e da moralidade, neste estágio,
a criança desenvolve sentimentos de afeição, simpatia e antipatia, ligados à
socialização das ações, interesses e valores e sentimentos morais intuitivos.
Os interesses das crianças podem ser notados através de seus desenhos, de
expressões verbais, das brincadeiras, da forma como se aplicam nas várias
atividades, do ritmo no desenvolvimento de atividades físicas e mentais.
A reversibilidade
não é ensinada à
criança, nem
observada por ela, já
que “a maior parte
das ações sensório-
motoras são
irreversíveis por
definição: a água
que sai da torneira
não pode voltar a
ela. Uma bola
atirada não pode
voltar à mão do
atirador em sentido
“reverso”. Algumas
ações são reversíveis
ou quase. Uma porta
ou um portão pode
ser aberto e fechado.
Um objeto (como um
bloco) pode ser
virado e revirado
novamente.”
(Wadasworth,
1993:95).
Embora o
pensamento
intuitivo possa
parecer um
obstáculo ao
pensamento lógico,
ele é, segundo
Piaget, necessário
para o
desenvolvimento do
pensamento
operatório, lógico,
racional.
16
De acordo com a forma como os adultos valorizam suas atitudes e ações e
com o sucesso ou fracasso, real ou imaginário, que tenha em seus
empreendimentos, a criança desenvolve um julgamento de si mesma.
De acordo com a valorização mútua entre a criança e as outras pessoas,
baseada em valores e preferências comuns, a criança vai criando laços afetivos
em seu ambiente: o adulto que compreende e apóia suas necessidades, o colega
que brinca do que ele gosta, o ambiente que lhe permite fazer explorações e
experimentações.
O sentimento de respeito para com os pais, um misto de afeto e temor, é o
alicerce dos primeiros sentimentos morais, que geram a noção de dever e
possibilitam à criança começar a julgar o que é certo e o que é errado. A moral é
heterônoma, como vimos, e vai sustentar o desenvolvimento de valores morais e
afetivos posteriores.
Nesse estágio do desenvolvimento, as crianças freqüentam as escolas de
educação infantil, em que são introduzidas em ambiente propício para a sua
socialização, o desenvolvimento de habilidades lingüísticas e de raciocínio, e
em situações de jogo, espontâneo e de regras.
As intuições da criança, nos campos cognitivo, afetivo e social, vão se
articulando e se tornando mais propriamente racionais, por meio de assimilações
e acomodações, e a criança muda qualitativamente sua forma de ver o mundo. É
o que Piaget analisa no 3º. Estágio do desenvolvimento.
3º. estágio: Estágio das Operações Intelectuais Concretas
Neste estágio há mudanças radicais na estrutura psíquica da criança e no seu
comportamento.
Aos sete anos, idade aproximada em que ele se inicia, a criança é capaz de
se concentrar em trabalhos individuais e de ter um comportamento cooperativo
em relação a seus colegas.
Seu pensamento não se centra mais em aspectos perceptuais do estímulo,
mas se descentra, permitindo a compreensão dos passos sucessivos de
transformações concretas ocorridas no ambiente e a construção de operações
lógicas.
Ela distingue seu pensamento do de outra pessoa e é levada a justificar suas
idéias socialmente. Assim, a linguagem deixa de ser egocêntrica. É capaz, então
de se envolver em discussões argumentativas, e de fazer reflexões, coordenando
os diversos pontos de vista a que tem acesso, até chegar a uma construção
lógica, por assimilações e acomodações.
Os jogos de regra iniciados no período anterior se tornam mais complexos, o
que promove assimilações e acomodações de estruturas cognitivas, sócio-
afetivas e morais. A criança pensa antes de agir, planeja suas atividades, e pode
seguir regras socialmente colocadas.
17
Afetivamente, desenvolve sentimentos calcados em valores racionais, e uma
moral, que, embora heterônoma ainda, não é intuitiva, mas leva em conta
valores como justiça, contrapondo a razão aos desejos.
Piaget mostra que antes de se tornar operacional, o pensamento intuitivo se
articula, por assimilações e acomodações, e a criança apresenta algumas formas
de explicação para fenômenos naturais, que o epistemólogo suiço constata
serem semelhantes às concepções que os gregos tinham do universo.
A criança explica a origem dos astros não mais por uma fabricação
(artificialismo) humana, como anteriormente, mas por geração natural: o sol e a
lua nasceram das nuvens, as nuvens, da fumaça do ar. As pedras são formadas
de terra e esta da água, por transmutação, de modo semelhante aos filósofos
cosmologistas gregos a que nos referimos anteriormente..
Sobre a origem e formação de elementos mais próximos da criança, ela
desenvolve uma teoria atomista, aproximadamente aos 7 anos, que, embora não
constituindo um sistema de explicação, se assemelha à escola atomística grega.
Ela acredita que tudo se compõe de pequeníssimas partículas.
Assim, os objetos, compreendidos como a união de elementos menores,
pode ser composto e recomposto mentalmente, o que denota um processo
racional, independentemente da aparência concreta.
Piaget confirma, por experiências, que a criança de aproximadamente 7 anos
é capaz de raciocinar segundo o princípio de conservação ou permanência.
Leia o experimento piagetiano abaixo:
Apresenta-se à criança dois copos de água de formas semelhantes e dimensões iguais, cheios até
uns três quartos. Em um deles jogamos dois pedaços de açúcar, perguntando, antes, se a água
vai subir. Uma vez imerso o açúcar, constata-se o novo nível e pesam-se os dois copos, de
modo a realçar que a água contendo o açúcar pesa mais que a outra. Pergunta-se, então,
enquanto o açúcar se dissolve: 1º., se uma vez dissolvido, ainda ficará alguma coisa na água; 2º.
Se o peso ficará maior ou igual ao da água clara e pura; 3º. Se o nível da água açucarada
abaixará até se igualar com o do outro copo, ou se permanecerá como está. Pergunta-se o
porquê de todas as afirmações da criança e, depois de terminada a dissolução, retoma-se a
conversa, após constatar a permanência do peso e volume (do nível) da água açucarada. As
reações foram claras e a ordem de sucessão foi tão regular, que se pode extrair destas perguntas
considerações diagnósticas para o estudo dos atrasos mentais.
Crianças menores de 7 anos: negam, em geral, qualquer conservação do açúcar dissolvido
e, portanto, do peso e do volume. Para elas, o açúcar derreter implica sua total exterminação
ou desaparição da realidade. Quando perguntadas sobre porque o gosto do açúcar
permanece, as crianças dizem que ele vai aos poucos desaparecer, como um odor;
Crianças de aproximadamente 7 anos: para estas, o açúcar permanece, transformado em
água, ou num xarope que se mistura à água; as mais adiantadas, nessa fase, sustentam que o
pedaço de açúcar se desfaz em pedacinhos, que se tornam cada vez menores, até ficarem
bolinhas invisíveis, que dão o gosto açucarado à água. Quando desaparecer o gosto, vai
abaixar o nível da água, porque desapareceu o açúcar;
Crianças de 9 anos, aproximadamente: a criança acrescenta a esse raciocínio a noção de que
cada bolinha terá seu peso e, somando todos esses pesos parciais vai-se encontrar o peso
dos dois pedaços imersos inicialmente. Entretanto, nesta idade elas ainda não
desenvolveram a noção de conservação de volume;
18
Crianças de 11, 12 anos, generalizam seu esquema explicativo para o próprio volume,
declarando que as bolinhas ocupam cada uma um lugar, sendo a soma dos espaços igual à
dos pedaços imersos, de maneira que o nível da água permanece o mesmo.
Essa experiência mostra que a criança aos 7 anos é capaz de compreender
racionalmente que a substância permanece, apesar de mudanças observáveis. O
processo é equivalente àquele que ocorre quando o bebê consegue compreender
que um objeto existe, mesmo que não esteja em seu campo perceptivo.
A noção de permanência ou conservação obedece a uma seqüência:
primeiro a criança reconhece a permanência da substância (o açúcar continua
existindo na água), depois a de peso (o peso da água permanece, mesmo depois
que o açúcar se dissolve) e de volume (o nível da água não se altera depois que
o açúcar se dissolve).
Essa noção de conservação é condição para o desenvolvimento do
pensamento operacional-concreto, a primeira lógica que o indivíduo
desenvolve.
E a noção de conservação ocorre quando o pensamento se torna reversível,
pelo processo de articulação entre as estruturas intuitivas internas e a
organização do mundo objetivo.
Há dois tipos de reversibilidade: a inversão e a reciprocidade.
Inversão é a capacidade de a criança reverter mentalmente uma ação.
Reciprocidade ou compensação, é a capacidade de a criança raciocinar e
deduzir que a mudança na relação entre as várias dimensões de um corpo, não
altera sua área, peso ou volume, se não forem alteradas uma dessas dimensões.
Este tipo de reciprocidade é requerida para resolver problemas de conservação.
Apresentamos alguns exemplos de experimentos que exigem a capacidade
de reciprocidade, nos exemplos abaixo:
Inversão: Apresenta-se a uma criança 3 bolas A, B, e C, do mesmo tamanho, mas de cores
diferentes. As bolas são colocadas num cilindro na ordem CBA. As crianças, ao final do
estágio anterior, prevêm, corretamente, que elas aparecerão nessa mesma ordem. Mas, se se
gira em 180 graus o tubo, elas continuam predizendo a mesma ordem, e se espantam de ver
que saem na ordem ABC. A criança operacional concreta pode inverter mentalmente a
ação, ou realizar uma inversão mentalmente e deduzir, racionalmente, a ordem correta,
ABC, das bolas, depois da rotação do tubo em 180 graus.
Reciprocidade ou compensação: Apresentam-se à criança dois copos iguais com o mesmo
nível de água e 1) se pergunta a ela qual dos dois têm mais água ou se os dois têm a mesma
quantidade, ela reconhece a igualdade e, 2) na sua frente, coloca-se a água de um deles num
copo mais alto, refazendo-se a pergunta: então, a criança intuitiva, com menos de 7 anos,
não vê a equivalência entre eles e afirma que um ou outro (geralmente o mais fino e alto)
tem mais água. Aproximadamente aos 8 anos, a criança é capaz de desenvolver a noção de
conservação de volume referente a líquidos. A conservação para volumes sólidos costuma
se desenvolver aos 11, 12 anos.
É importante que compreendamos o sentido dessas conclusões de Piaget:
19
esses esquemas de conservação não se desenvolvem da noite para o dia, mas
após muita experiência do sujeito em que ocorrem assimilações e
acomodações, com reorganizações dos esquemas construídos mentalmente;
ocorrem numa seqüência invariável: conservação de número (5-6 anos), de
substância (7-8 anos), de área (7-8 anos) de volume líquido (7-8 anos), de
peso (9-10 anos) de volume sólido (11-12 anos);
os esquemas de conservação não são ensinados à criança, nem brotam
independentemente das experiências do sujeito – resultam da relação entre
as estruturas mentais prévias e os elementos presentes em situações
concretas que o sujeito vivencia.
Você deve estar imaginando as mudanças que ocorrem nos esquemas
afetivos da criança neste período.
Assim como no nível cognitivo a criança desenvolve a reversibilidade, no
nível afetivo Os sentimentos por determinadas pessoas passam a ganhar
permanência ou conservação (no período anterior, a criança gostava de um
objeto ou uma pessoa hoje e amanhã já não gostava mais, dependendo da
situação experienciada). A criança consegue resgatar os sentimentos passados
no momento presente e reconhecer o que sentiu antes, levando isso em conta no
desenvolvimento dos sentimentos atuais.
Além disso, os sentimentos ganham reciprocidade: a criança resgata os
sentimentos que os adultos expressaram em relação a ela no passado, e passam a
interagir afetivamente, levando em conta o que o outro sente por ela no
momento. Os sentimentos dela em relação aos outros e dos outros em relação a
ela são construídos em interação.
No nível do desenvolvimento moral, o sentimento de respeito, que antes era
unidirecional – da criança para com o adulto – passa a ser recíproco.
O adulto começa a ouvir mais e a compreender o que a criança tem a dizer e
o que ela sente e deseja e o respeito mútuo embasa um novo tipo de moralidade,
menos heterônoma, caminhando progressivamente para um nível maior de
autonomia.
Nesse estágio de desenvolvimento as crianças freqüentam as séries iniciais
do ensino fundamental e consolidam suas aquisições do código lingüístico
escrito e das representações matemáticas, sendo introduzidas formalmente no
estudo de disciplinas que os atualizam em relação às conquistas do pensamento
científico.
Vimos como se inicia o desenvolvimento do pensamento racional, ou das
operações lógicas, no estágio das operações lógicas concretas: pela construção
da reversibilidade do pensamento.
As operações concretas deste estágio são as primeiras que se tornam
verdadeiramente lógicas. As intuitivas são pré-lógicas.
O que são operações lógicas? Por que as chamamos de operações lógicas
concretas?
20
São ações que se dão no nível da representação mental, controladas pela
atividade cognitiva e não pelas percepções; são construídas a partir de estruturas
anteriores, como uma função de assimilação e acomodação, como todas as
estruturas cognitivas; são meios de organizar a experiências em esquemas
mentais que são superiores a organizações prévias.
As operações são o resultado do processo de constituição de sistemas de
conjuntos de ações passíveis, ao mesmo tempo, de composição e revisão;
supõem algum nível de conservação; relacionam-se a sistemas de operações;
são reversíveis; apresentam duas estruturas centrais: a seriação e a
classificação.
A seriação consiste na capacidade de organizar mentalmente um conjunto
de elementos, em ordem crescente ou decrescente de tamanho, peso ou volume.
Por meio dela, se ordenam objetos de acordo com diferenças.
Leia a descrição de um experimento de seriação realizado com crianças:
Apresenta-se à criança um conjunto de aproximadamente 10 varetas com variações
pequenas mas perceptíveis. Solicita-se que ela ordene as varetas da menor para a maior. O
examinador pode mostrar uma ordenação já pronta à criança antes de pedir que ela construa
a sua. As pesquisas de Piaget distinguiram cinco níveis no desenvolvimento da seriação do
comprimento:
Aos 4 anos: as crianças colocam as varetas em uma disposição sem ordem aparente;
Entre 4 e 5 anos: as crianças constroem pares, contendo cada um uma vareta maior e outra
menor, sem relações entre os pares; começam a formar grupos de 3 varetas, sem nenhuma
ordem regular entre eles.
De 5 a 7 anos: as crianças ordenam as varetas de modo a se observarem coordenações
parciais: podem alinhá-las pela extremidade superior, sem levar em conta o alinhamento da
base , ou conseguem ordenar corretamente 4 ou 5 varetas, mas não todas.
Aos 7/8 anos, as crianças: a) primeiramente seriam todas as varetas, empiricamente,
corrigindo os erros no processo; b) as crianças empregam uma estratégia para resolver o
problema, como escolher a maior vareta primeiramente e depois buscar a segunda maior, a
terceira maior, e assim por diante. Elas podem, até resolver o problema com anteparo
visual, sem verem o que fazem.
O processo de seriação se dá, como todos os outros, numa seqüência
previsível, embora não em idades fixas, por meio de assimilações e
acomodações.
A criança de 8 anos consegue fazer a seriação racionalmente, porque já
desenvolveu a compreensão da relação (propriedade) de transitividade: se A é
menor que B e B menor que C, então A é necessariamente menor que C. Assim,
toma decisões não por testes empíricos, mas por compreensão das relações entre
as varetas.
A classificação, que é outra operação lógica desenvolvida neste estágio, é a
capacidade de agrupar mentalmente objetos, de acordo com as semelhanças.
Leia este outro experimento:
21
Apresentam-se às crianças conjuntos de objetos (como formas geométricas, variando em
tamanho e cor) e se solicita a elas que coloquem juntos os objetos que são semelhantes.
Piaget reconheceu três níveis de desenvolvimento da capacidade de classificação:
Crianças de 4 ou 5 anos: tendem a selecionar objetos por semelhanças em um aspecto
ocasional (ex.: círculo preto com círculo branco; ou triângulo branco e círculo branco);
Crianças de 7 anos: formam coleções de objetos semelhantes em torno de uma dimensão:
classificam pela forma, ou pela cor, sem, entretanto fazer relações entre as coleções, sem
compreender a relação entre uma classe e uma subclasse.
Se nesse nível se lhes apresentam 20 contas de madeira marrom e 2 contas de madeira
branca.
Depois de concordarem que todas as contas são de madeira, se lhes perguntamos “Há mais
contas de madeira, ou mais contas marrons?” , elas respondem que há mais marrons,
incapazes de comparar a subclasse de contas marrons à classe maior de contas de madeira.
Não compreendem o conceito de inclusão de classe.
Crianças em torno de 8 anos: Já construíram o princípio da inclusão de classe e respondem
que há mais contas de madeira. Então, podem classificar objetos considerando não as
propriedades empiricamente percebidas, mas aquelas racionalmente concebidas.
As crianças capazes de operar classificações racionalmente, são capazes de
desenvolver o conceito de número, pois este resulta da síntese das operações
lógicas de seriação e inclusão. Envolve a noção de ordem (seriação) e de
pertencimento a uma classe (inclusão). O número 5 representa uma posição
numa série (depois do 4 e antes do 6) e é parte de um conjunto que inclui 1, 2, 3
e 4.
Neste estágio do desenvolvimento, o conceito de causalidade se desenvolve
também numa seqüência fixa, como os outros. Um exemplo é a explicação da
criança de 7 a 12 anos sobre o que ocorre com o açúcar dissolvido no copo de
água, como vimos anteriormente.
Os conceitos racionais de tempo e velocidade também seguem uma
seqüência, sendo que começam a se desenvolver por volta dos 8 anos de idade.
Em termos de sociabilidade, as crianças deste estágio, que, como vimos,
desenvolvem a conservação de sentimentos e valores e uma moral de
reciprocidade, são capazes de se relacionar com outras crianças e com o adulto
em regime de cooperação.
O desenvolvimento de sua autonomia progride, ela é capaz de argumentar
sobre suas idéias e preferências afetivas e de começar a controlar seus impulsos
por decisão racional, graças ao sentimento racional da vontade, que corresponde
a decidir racionalmente e não agir guiado pelas paixões. Começa a se
estabelecer, então, um equilíbrio paixão/razão.
O importante é que você se lembre de que todo este processo que vai do
pensamento intuitivo às operações racionais ocorre na relação da criança em
contato com objetos e pessoas em sua concretude. Daí se denominar este estágio
Operatório Concreto.
4º. estágio: Estágio das Operações Formais
22
A partir dos 12 anos, aproximadamente, o pensamento começa a se libertar
da experiência direta e as estruturas cognitivas se organizam de modo que o
raciocínio se torna lógico e formal, isto é, não depende de processos empíricos,
mas de relações racionais, operadas mentalmente.
De concreto, o pensamento passa a ser abstrato, e esta mudança é
desencadeada por desequilíbrios causados por desafios a que o sujeito se
submete em suas relações com o mundo físico e social.
A criança, ou jovem adolescente, torna-se capaz de raciocinar de forma
efetiva sobre o presente, o passado e o futuro, assim como sobre questões
hipotéticas e problemas proposicionais verbais.
O sujeito se torna capaz de introspecção, consegue pensar sobre seu próprio
pensamento e sentimentos, como se fossem objetos.
A criança operacional concreta só pode raciocinar sobre e resolver cada
problema isoladamente, sem articulá-lo a outros. O adolescente que desenvolve
as operações formais desenvolve a capacidade de empregar teorias e hipóteses
na solução de problemas, usando várias operações intelectuais simultaneamente.
Embora, então, as estruturas formais lógicas do pensamento emerjam das
estruturas concretas, por assimilações e acomodações, são qualitativamente
diferentes dessas, podendo ser de tipo hipotético-dedutivo, científico-indutivo e
reflexivo-abstrato.
Para você ter uma idéia do que caracteriza o pensamento abstrato, passamos
a relacionar abaixo as estruturas desenvolvidas no estágio operacional formal.
As estruturas de raciocínio desenvolvidas no estágio das operações formais
são:
Como podemos definir esses tipos de raciocínio?
Raciocínio hipotético-dedutivo
Hipotético: raciocínio que transcende a percepção e a memória e lida com
objetos dos quais não temos conhecimento direto, ou objetos hipotéticos;
Dedutivo: raciocínio que vai das premissas à conclusão, ou do geral para o
específico.
Exs.: se A é menor que B, e B é menor que C; então A é menor que C ou se
(A<B e B<C) então (A<C)
Se Artur é mais novo que Paulo; e Paulo é mais novo que José; então Artur é
mais novo que José.
Pensamento
abstrato é aquele
coordenado por
princípios gerais,
possibilitados pelo
desenvolvimento
das operações
formais.
As operações
formais diferem
das concretas, na
medida em que
estas abrangem a
solução de
problemas
palpáveis, vividos
no presente e
aquelas podem se
aplicar a problemas
hipotéticos, quer
eles possam vir a
ocorrer ou não. As
operações formais
caracterizam-se
pelo raciocínio
científico,
funcionando pela
elaboração de
hipóteses e teses.
raciocínio
hipotético-dedutivo
raciocínio
científico-indutivo
raciocínio
reflexivo-abstrato
23
O indivíduo no estágio operacional formal consegue raciocinar sobre
hipóteses, como diante da instrução “Suponha que a neve é preta”, enquanto
que a operacional concreta se recusará a raciocinar, porque isso é falso.
O raciocínio hipotético-dedutivo não tem compromisso com o mundo empírico
e é possível se ter um raciocínio lógico correto, independentemente da verdade
ou falsidade de seu conteúdo.
Raciocínio científico-indutivo
É o raciocínio que vai de fatos específicos às conclusões
Em ciência se usa este raciocínio para se construírem generalizações ou leis
científicas.
Os indivíduos neste estágio são capazes de raciocinar sobre problemas de
maneira muito semelhante à dos cientistas: formulam hipóteses, experimentam,
controlam variáveis, registram efeitos e extraem conclusões sistemáticas dos
resultados.
Neste estágio, o sujeito realiza o raciocínio combinatório, coordenando seu
pensamento relativo a diversas variáveis ao mesmo tempo. Ele não baseia seu
raciocínio na observação, mas vai além dela e constrói variáveis mentalmente e
as verifica por experimentação sistemática. Quanto mais o sujeito se desenvolve
nesse estágio, mais ele é capaz de testar as variáveis sistematicamente na análise
combinatória: ele isola uma variável e a testa, para depois passar a testar cada
uma das outras.
Raciocínio reflexivo-abstrato ou abstração reflexiva:
É o mecanismo mental utilizado na construção do conhecimento lógico-
matemático. É um pensamento interno ou reflexão baseada no conhecimento
disponível, que pode resultar em conhecimento novo. As analogias são
abstrações reflexivas.
Ex.: “Cachorro está para pêlo assim como pato está para penas” é um raciocínio
por analogia.
O raciocínio analógico é construído quase que exclusivamente independente
do conteúdo. Comparam-se relações entre pares. E relações não são
observáveis.
Embora o raciocínio abstrato formal não seja atrelado a dados empíricos há,
segundo Piaget, alguns conteúdos que só podem ser manipulados racionalmente
por indivíduos que estejam no estágio operacional formal.
O adolescente, graças ao pensamento formal, desenvolve mecanismos
metacognitivos, ou seja, pode refletir a respeito dos próprios processos de
pensamento, recuperando os passos seguidos para a solução de problemas. O
24
conhecimento do processo de resolução de problemas o capacita a desenvolver
estratégias mais eficientes diante de novos problemas.
Acompanhando o desenvolvimento do longo processo de construção da
cognição, desde os primeiros movimentos e as primeiras percepções do bebê até
o pensamento lógico abstrato do jovem adulto, compreendemos, por meio do
trabalho de Piaget, como se desenvolvem as estruturas cognitivas, habilitando o
indivíduo a pensar o mundo em consonância com o estado mais avançado do
pensamento científico e formal alcançado pela humanidade.
Da mesma forma, desenvolve-se o psiquismo do ponto de vista afetivo,
social e moral.
Tendo construído as estruturas psíquicas que o habilitam a compreender o
mundo tal como é, e a construir mentalmente um mundo ideal, habitam este
“seu mundo” com sua utopia que orientam, também, as construções no nível da
afetividade. Os adolescentes se identificam com seu grupo etário, contrapõem-
se aos adultos e aos parâmetros que organizam o funcionamento social e
político.
Um novo mundo, que inclua novos elementos propostos pelos jovens, mais
humanitários, mais justos, mais voltados para o amor e a busca da igualdade, é
buscado por eles como a forma “mais logicamente correta” para se viver. Eles
fazem poucas concessões ao mundo dos pais e autoridades e defendem
propostas revolucionárias.
O adolescente se sente em pé de igualdade com o adulto, mas diferente dele,
menos conformista, não submisso às determinações dos poderes sociais e
políticos. Defende a felicidade individual e a social como uma extensão desta.
A personalidade se consolida na adolescência, orientando-se para o mundo
social, nas relações do jovem com as outras pessoas, na escola, no trabalho, em
seu relacionamento afetivo com o/a parceiro/a, visando a futura construção de
uma família.
A moralidade do adolescente conquista um alto nível de autonomia,
contrapondo-se, inicialmente, à do adulto.
Nas relações afetivas e morais, o jovem leva em conta as intenções das
pessoas e não só suas ações, compreende que é importante ser fiel nas amizades
e não mentir para as pessoas, ser justo, desenvolvendo uma moral de
cooperação, buscando a igualdade.
25
Você considera que o adulto é mais sociável, mais ajustado socialmente, que
vive respeitando as leis sociais, mesmo que eventualmente as critique e
proponha mudanças na ordem estabelecida?
O adulto critica a sociedade de dentro dela, quer transformá-la para que ela
melhore, e o adolescente, no início, ainda egocêntrico, fica “com um pé fora”,
tentando reformar a sociedade para ela caber em seu projeto pessoal.
Na medida em que o jovem se exercita no padrão do pensamento formal e
abstrato, em contato com a sociedade já estabelecida, ele vai sofrendo a
resistência do sistema social diante de suas propostas e vai negociando com as
pessoas as possibilidades de se adaptar socialmente.
Por meio de assimilações e acomodações, o adolescente começa um
processo de ajuste entre suas utopias e as possibilidades de se inserir no mundo
adulto de uma maneira não submissa, mas propondo modificações.
Ele, agora, sendo capaz de visualizar várias possibilidades de estar no
mundo, pode até ser um adulto revolucionário,, afiliar-se a partidos, assumindo
doutrinas políticas e traçando estratégias revolucionárias.
Pode-se considerar que esta é a marca do desenvolvimento adulto para
Piaget: inserir-se no mundo da cultura e da sociedade, fazer trocas cognitivas e
afetivas, construindo coletivamente o conhecimento e relações afetivo-sociais
sólidas, tudo isso se consolidando por meio do trabalho.
Piaget fala do sujeito ideal, constrói um modelo teórico de indivíduo, a
partir de suas experiências com amostras de sujeitos. Sua teoria, portanto, é um
modelo científico, baseado numa concepção de ciência construtivista, que não é
o retrato do mundo empírico, nem uma construção descolada do mundo
concreto.
Sua teoria guarda relações com o mundo concreto, mas não é o mundo.
Fala de um sujeito construído a partir de pessoas concretas, mas seu sujeito não
é o ser humano concreto. O modelo ideal de desenvolvimento psíquico do
sujeito do conhecimento é, para Piaget, o do cientista, já que este não só é capaz
de construir um sistema de teorias explicativas e compreensivas da realidade,
mas torna possível a aplicação de suas descobertas para o aprimoramento e o
progresso da vida humana.
Assim Piaget concebe o desenvolvimento dos processos psíquicos ligados à
cognição, à construção do conhecimento. O desenvolvimento cognitivo é
acompanhado pelo sócio-afetivo e pelo moral: o indivíduo, na medida em que
constrói o mundo mentalmente e age nele objetivamente, constrói a si mesmo,
inserido neste mundo, e desenvolve maneiras de se ligar afetivamente aos
outros, de agir segundo sua compreensão do que é certo ou errado, justo ou
injusto, que são (formas) compatíveis com os modos de compreensão intelectual
por ele construídos.
O ideal de indivíduo para Piaget não se resume à forma mais avançada de
desenvolvimento, mas a cada estágio corresponde um ideal de desenvolvimento:
o bebê ideal, a criança ideal, o adolescente e jovem ideais, o adulto ideal.
Podemos acompanhar uma trajetória ideal do desenvolvimento na psicogenética
:
O desenvolvimento
do adulto não
consiste em
mudarem as
estruturas típicas de
apreensão cognitiva
ou de relação
afetiva – o estágio
das operações
intelectuais formais
e do pensamento
abstrato alcançado
na adolescência é o
mais alto nível de
desenvolvimento do
indivíduo, segundo
Piaget.
O que muda na
idade adulta são as
formas de lidar com
o mundo,
articulando seu
pensamento e sua
afetividade, de
modo a
compartilhar com os
outros maneiras de
agir no mundo –
especialmente no
trabalho – e de
relacionar-se
afetivamente –
especialmente na
família e nas
relações de
amizade.
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de Piaget, que privilegia a construção cognitiva como o motor, como o carro-
chefe do desenvolvimento global, dela dependendo o desenvolvimento sócio-
afetivo e moral.
Piaget fala, então, de um sujeito ideal, do sujeito construtor do
conhecimento, e não de pessoas concretas, que lidam com situações
contraditórias, com conflitos. Ele apresenta um modelo, uma proposta de
estruturação do psiquismo. Em cada estágio, entretanto, as formas de
pensamento que correspondem aos estágios anteriores não desaparecem, mas
são reintegradas em sistemas estruturados e lógicos de pensamento. Em
determinadas situações, o sujeito pode recorrer àquelas formas arcaicas de
resolver problemas, mas as estratégias mais evoluídas tendem a predominar por
serem mais adaptativas, ou seja, promoverem maiores condições de ajuste
sujeito/realidade que as anteriores.
O sujeito piagetiano é, em seu nível mais avançado de desenvolvimento,
autônomo. Autônomo cognitivamente, na medida em que é capaz de pensar o
mundo criticamente, atingindo um nível de conhecimento compatível com as
teorias científicas contemporâneas; autônomo afetivamente, pois consegue
escolher as pessoas com quem se relacionar socialmente e amorosamente;
autônomo social e politicamente, pois consegue participar da organização
social, trabalhar e agir como cidadão; autônomo moralmente, pois pauta suas
ações pela consideração do dever e do bem comum e da felicidade pessoal.
O que realmente é importante na teoria de Piaget é a concepção de que o
estar-no-mundo e conhecê-lo apresenta variações que são típicas de momentos
específicos da vida. O desenvolvimento, entretanto, dá-se numa seqüência pré-
determinada, com uma valorização da dimensão cognitiva, graças à qual as
estruturas psíquicas relacionadas às relações sócio-afetivas e morais se
desenvolvem.
Para Piaget, não se ensina uma pessoa, tenha ela qualquer idade, a ser
inteligente, a amar e respeitar os outros, e a viver em sociedade. Cada indivíduo
se desenvolve neste sentido, a partir de potencialidades típicas do humano,
enraizadas nas suas estruturas biológicas básicas, que se atualizam ou realizam
nas suas relações com seus semelhantes.
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