A REPRESENTAÇÃO DA VELHICE PELOS IDOSOS FREQUENTADORES DE UM
CENTRO DE CONVIVÊNCIA NA CIDADE DE PARINTINS – AM
Alice Alves Menezes Ponce de Leão Nonato
1
Alessandra Maia Cerdeira Costa2
Beatriz Borges Viana3
Érica Nascimento Alves4
Mônica Maria Nunes de Souza5
Resumo Os Centros de Convivência para idosos tem ancorado as suas práticas no signo da “terceira idade”. Esse modelo como tentativa unificadora da velhice escamoteia aspectos da realidade social vivenciados por idosos pobres, frequentadores desses espaços sob a gestão pública. O objetivo deste artigo é apresentar a identificação dos idosos de Parintins às múltiplas faces da velhice apresentadas em diversas imagens para desvelar aspectos silenciados que podem fazer parte do seu cotidiano. A metodologia consistiu na realização de um grupo focal com uma técnica pedagógica chamada “imagem e identificação”. Conclui-se que é reorientar os serviços para um atendimento integralizado aos idosos.
Palavras-chave: Velhice; Terceira Idade; Questão Social; Centro de Convivência; Empoderamento.
Abstract The Living Together Centers for the elderly have anchored their practices in the sign of "third age". This model as a unifying attempt at old age eschews aspects of the social reality experienced by poor elderly people, who frequent these spaces under public management. The objective of this article is to present the identification of the elderly of Parintins to the multiple faces of the old age presented in several images to unveil silenced aspects that can be part of their daily life. The methodology consisted in the realization of a focal group with a pedagogical technique called "image and identification". It is concluded that it is to reorient the services to an integrated service for the elderly.
Keywords: Old age; Third Age; Social issues; Living Together Centers. Empowerment.
1 Professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), campus Parintins –
AM. Mestre em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia e Doutoranda em Sociedade e Cultura na
Amazônia (PPGSCA/UFAM). 2 Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), campus Parintins – AM.
3 Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), campus Parintins – AM.
4 Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), campus Parintins – AM.
5 Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), campus Parintins – AM.
I. INTRODUÇÃO
O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial, considerado um
privilégio dos países de primeiro mundo e novidade e desafio nos países em
desenvolvimento, como o Brasil. A partir da década de 1960, percebe-se uma mudança na
pirâmide etária em razão do crescimento progressivo do número de idosos, invertendo a
imagem de um país de jovens para um país de velhos e de envelhescentes.
Sendo uma conquista da humanidade, o envelhecimento deve ser celebrado.
Mas, também é motivo de preocupação porque não basta apenas ganhar anos de vida, é
preciso que esse prolongamento da longevidade seja vivido com qualidade de vida.
O processo acelerado de transição demográfica revela o despreparo do Estado
e da sociedade em responder às demandas dos idosos, seja no âmbito das políticas de
seguridade social ou no tratamento do idoso no seio da família e da sociedade, onde sofre
uma carga de preconceitos.
O processo de envelhecimento é vivenciado de forma diferente pelos indivíduos,
segundo fatores como a saúde física e mental, o gênero e a classe social (BEAUVOIR,
1990). Além desses aspectos, os valores socioculturais e a família também contribuem para
que cada idoso tenha uma experiência diferente da velhice.
Apesar de ser entendido de forma polissêmica, há uma tentativa por parte da
gerontologia em tentar unificar a velhice em um único modelo que propõe que os idosos
adotem determinados comportamentos, vivam de forma ativa, independente e frequentem
lugares para a ocupação do tempo livre, como os centros de convivência.
De acordo com Lobato (2007), ser idoso no Brasil ora é reverenciado pela mídia
como garoto propaganda ou frequentador de programas de terceira idade ora é apresentado
como segmento excluído da sociedade vivendo em precárias condições.
A imagem da velhice ativa, que brinca, que corre e que está inserida em
programas de terceira idade, pode esconder, por trás, a vivência em situações de violência,
de pobreza e vulnerabilidade social, conflitos familiares, dentre outras expressões da
questão social, escamoteadas nos circuitos das práticas de socialização.
Este trabalho apresenta os resultados de uma ação desenvolvida por alunos e
professores do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas (UFAM),
campus Parintins, junto aos idosos frequentadores de um Centro de Convivência que
participaram de um projeto de extensão6 . O objetivo desta discussão é apresentar, no
6 O Projeto de Extensão a que se faz referência no texto intitula-se: “Sexualidade na velhice e Qualidade de vida:
desmistificando preconceitos para redescobrir novas possibilidades”, desenvolvido no período de 2015 a 2016 e
primeiro momento, uma análise teórica sobre os processos de envelhecimento e velhice, e
depois, discutir a experiência da ação desenvolvida com os idosos do Centro de
Convivência sobre a identificação de cada um deles com várias imagens que a equipe do
projeto de extensão levou para que eles pudessem escolher qual melhor retrata a sua
experiência com a velhice.
Para isso, foi utilizada uma metodologia com o aporte das abordagens
qualitativas, com pesquisa bibliográfica e de campo, em que se realizaram leituras de textos,
discussões, observações sistemáticas, grupos focais, anotações em cadernos de campo e
reuniões contínuas de avaliação de cada etapa desenvolvida do projeto de extensão. Essa
estratégia foi pensada na intenção de desocultar situações vivenciadas nas condições de
vida dos idosos para que essas questões fossem problematizadas nas ações do projeto de
extensão como forma de promover o empoderamento e o enfrentamento de possíveis
situações de risco.
Os materiais utilizados foram trinta imagens que retratavam diversas faces da
velhice, desde o quadro debilitado de saúde perpassando situações de violência, pobreza,
redes de sociabilidade com amigos e família, atividades de lazer, namoro, dentre outras. O
lócus em que foi realizado este trabalho foi o Centro de Convivência do Idoso Pastor Lessa,
na cidade de Parintins – AM, com um público de 48 idosos.
II. Processos de envelhecimento e velhice: particularidades em Parintins – AM
O envelhecimento é um processo que se apresenta como inerente à condição
humana, não sendo apenas um momento na vida do indivíduo, mas um continuum que
acompanha o indivíduo desde a concepção no ventre da mãe até a morte.
A velhice é condição humana marcada por mudanças biopsicossociais. Segundo
Neri (2001), é natural, pelos sinais que o corpo emite, como o aparecimento de rugas, a
perda de elasticidade e viço da pele, os cabelos brancos, o aparecimento de algumas
doenças e o agravamento de outras. E também é sociocultural, porque as ações dos
sujeitos representam os conteúdos socialmente construídos (MERCADANTE, 2003).
Os dados demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,
2010) apontam que, no Brasil, existem cerca de 190.755.799 pessoas. A população
brasileira de idosos já supera 17 milhões de pessoas, representando 12% da população. A
expectativa média de vida deve aumentar dos atuais 75 anos para 81 anos de idade.
coordenado pela professora que compõe a autoria deste artigo e desenvolvido junto a acadêmicos do curso de
Serviço Social, inclusive os egressos que também são autores deste trabalho.
Segundo Teixeira (2008), as projeções acusam que até 2025 o Brasil será o sexto país do
mundo em número de velhos.
A Região Norte é a que apresenta o menor número de idosos. Ainda assim, tem
apresentado um crescimento vertiginoso nas últimas décadas. No Amazonas, maior estado
do Brasil, existe uma população com cerca de 3.483.985 habitantes, sendo 210.255 idosos.
A capital Manaus lidera com 108.902 pessoas acima de 60 anos. Em seguida, está a cidade
de Parintins com a segunda mais populosa do Amazonas e em número de idosos. O
município possui uma população estimada em 102.066 pessoas, sendo 6.067 idosos.
Envelhecer na região amazônica comporta singularidades sociais, culturais e
biológicas, sobretudo, em cidades interioranas onde, segundo Silva (2011), o estilo de vida é
mais bucólico e cercado por redes de cooperação e solidariedade.
Na cidade de Parintins, conhecida como a Ilha Tupinambarana, a dimensão do
tempo e os aspectos socioculturais influenciam nas formas de envelhecer, diferente dos
idosos da capital Manaus, que contam com uma rede de serviços melhor estruturada e mais
diversificada (LEÃO, 2015).
Segundo Nonato et. al. (2016), envelhecer em Parintins é estar envolvido nos
circuitos socioculturais em que fazem parte as festas populares que misturam o sagrado e o
profano, como as festas religiosas do Círio, as festas dos santos católicos, o Festival
Folclórico dos Bois-Bumbás Garantido e Caprichoso, as Pastorinhas, Carnaval, Quadrilhas,
dentre outras, é permanecer trabalhando em atividades que demandam força e disposição,
é apoiar-se nos saberes tradicionais para cuidar da saúde e respeitar o meio ambiente e,
por fim, é manter o vínculo próximo com familiares e amigos. Além dessas práticas
tradicionais, há grupos de idosos “ativos” que se reúnem nas praças, debaixo de árvores e
nos centros de convivência em busca de atividades físicas e de socialização.
A atenção à velhice pelo governo municipal de Parintins reserva os centros de
convivência como o lugar social dos idosos. Os Centros de Convivência estão localizados
na Política Nacional de Assistência Social (PNAS, 2004) no âmbito da proteção básica, que
tem como função potencializar a família como unidade de referência, fortalecendo seus
vínculos internos e externos de solidariedade, através do protagonismo de seus membros e
da oferta de um conjunto de serviços locais que visam à convivência, a socialização e o
acolhimento em famílias cujos vínculos familiar e comunitário não foram rompidos.
Os centros de convivência para idosos foram criados dentro da proposta de
promoção de lazer e socialização como forma de preencher o tempo livre do não trabalho
decorrente da aposentadoria e, assim, evitar quadros de isolamento e solidão aos idosos
(CANÔAS, 1983). Com essa intenção, o termo “velho”, de conotação pejorativa, vai sendo
deixado de lado e ascende a categoria “terceira idade”, como os novos velhos, os
aposentados dinâmicos, os idosos ativos, que propõem fazer da velhice a melhor fase da
vida.
“Terceira Idade” se dá no momento de desconstrução da categoria “velhice”.
Está relacionada a práticas de lazer, dinamismo e vida ativa, onde se tem “[...] uma ideia
clara de futuro em que projetos novos e, também, projetos antigos abandonados podem ser
agora realizados” (MERCADANTE, 2003, p. 72). Ou seja, é sinônimo de envelhecimento
ativo e independente.
Em um primeiro momento, “terceira idade” parece ser algo positivo, mas, na
realidade, trata-se de um imperativo que impõe aos idosos um estilo de vida que não condiz
com as condições de vida da maioria daqueles que vivem em situações de pobreza e
vulnerabilidade social. “Adequar-se” a esse paradigma é desrespeitar a pluralidade de
velhices e tolher diferentes possibilidades de viver.
Nos centros de convivência administrados pelo poder público, seja de
responsabilidade da prefeitura ou do estado, o público majoritário é de idosos pobres. Se a
perspectiva de trabalho e as ações desenvolvidas contemplam as práticas que se
pressupõem para o público da “terceira idade”, logo, os idosos terão que se adequar a um
estilo de vida que corrija as deficiências da velhice, como aderir a uma alimentação
saudável, segundo um padrão que poder estar inacessível financeiramente, utilizar
cosméticos para retardar os sinais mais graves do envelhecimento, realizar passeios e
excursões que tenham um custo oneroso comparado à renda mensal, adotar estilos e
comportamentos típicos da juventude etc.
Em Parintins, o público que frequenta os centros e os espaços de convivência é
constituído por idosos pobres, que residem em famílias numerosas e que possuem uma
renda mensal no valor de um salário mínimo proveniente do Benefício de Prestação
Continuada (BPC) ou que continuam trabalhando em atividades que demandam dispêndio
de esforço físico. As atividades oferecidas, como danças e exercícios físicos, são
desenvolvidas isoladamente como se, para ter uma velhice bem-sucedida, bastasse os
cuidados com o corpo e evitar com que as doenças atinjam estágio avançado.
Segundo Leão (2015), os centros de convivência para idosos podem trabalhar
programas sociais que valorizem atividades de socialização para o resgate da autoestima, o
conhecimento sobre o próprio processo de envelhecimento e as particularidades da velhice
a partir dos aspectos socioculturais, o relacionamento dos idosos com amigos e familiares, a
participação política dos idosos nos conselhos e fóruns de políticas públicas sobre as
decisões que lhes dizem respeito e o fomento de uma atividade produtiva. Para isso, é
necessário articulação interdisciplinar e gestão intersetorializada, já que a garantia de um
envelhecimento com qualidade de vida é responsabilidade de todos e compartilhada entre
as esferas de governo, a família, a comunidade e a sociedade, segundo a Política Nacional
do Idoso (1994) e o Estatuto do Idoso (2003).
Em Parintins, os centros de convivência poderiam estar tecnicamente melhor
preparados para aproveitar esse espaço para desvelar as formas de vivências da velhice
pelos idosos frequentadores e, assim, reorientar as suas ações, segundo as demandas
percebidas, em uma perspectiva de empoderamento. A realidade do município revela
denúncias de violências, solidão, preconceito contra as manifestações da sexualidade,
alcoolismo, dentre outras expressões da questão social, que foram evidenciadas na ação do
projeto de extensão e que são tratadas com descaso pelo centro de convivência.
III. Imagem e identificação: o pertencimento dos idosos de um Centro de
Convivência em Parintins – AM aos modelos de velhice
Na cidade de Parintins, há dois centros de convivência que possuem sede
administrados pelo governo municipal, um localizado na área urbana e outro, na zona rural.
Na área urbana, existem também núcleos de convivência espalhados que não contam com
sede própria. O centro de convivência aludido neste artigo é o que possui sede própria e
está localizado na área urbana, o Centro de Convivência Pastor Lessa.
O Centro do Idoso Pastor Lessa é uma instituição que tem por objetivo levar aos
idosos da comunidade serviços e atividades onde eles possam desenvolver suas
capacidades, autonomia, independência e promoção de saúde. É um espaço onde se
realizam, segundo Giusti e Henning (2014, p. 214), “ações de estímulos para uma vida mais
qualificada mesmo ao avançar da idade”. O Centro de Convivência Pastor Lessa funciona
realizando atendimentos pela manhã e atividades no turno vespertino. São, em média, 180
idosos cadastrados.
Tal instituição possui um prédio de pequeno porte com 1 auditório, 3 salas
distribuídas em coordenação, massoterapia e fisioterapia, área de lazer com uma piscina.
Os serviços oferecidos são fisioterapia, massoterapia, hidroginástica, exames oftalmológicos
e de aferição de pressão quando se tem a parceria de um médico. O Centro conta com o
seguinte corpo de profissionais: 10 monitoras, uma coordenadora, um auxiliar administrativo,
dois massoterapeutas, uma orientadora social e uma assistente social. O público de idosos
atendidos tem idade entre 50 a 70 anos, na sua maioria, mulheres. São também viúvos e
viúvas, separados e casados, alguns aposentados e a maioria, beneficiários da assistência
social (BPC/LOAS). Esse público participa das atividades, como exercícios físicos, danças,
eventos, palestras e outras.
Os idosos semanalmente vão à busca de convívio social, diversão e orientações
sobre como lidar com as questões fisiológicas e sociais da velhice. Dialogam, tiram dúvidas,
trocam experiências, aprendem, ensinam, desenvolvem habilidades cognitivas, o controle do
corpo e o bem-estar emocional. Desenvolvem ações que melhoram sua autoestima, seu
preparo físico e o quadro clínico de saúde. O Centro de Convivência Pastor Lessa é um
local que tem influência positiva e significativa na vida desses sujeitos.
Os idosos de Parintins são pessoas cheias de hospitalidade, alegria, devoção e
simplicidade, gente muito simpática, que conversa das tardes ao anoitecer com a vizinhança
nas cadeiras de embalo nos batentes das portas e que também vestem a melhor roupa aos
domingos para ir até à Igreja rezar a missa. Trazem na bagagem a experiência, a autonomia
e a satisfação nas atividades que realizam. É muito comum ver esses idosos ligados
fortemente à religiosidade e às festas populares e tradicionais do município, onde estes
participam ativa e fielmente todos os anos.
O cotidiano dos idosos de Parintins é permeado pelo trabalho informal, em
atividades como vendedores de banana frita, de verduras, tricicleiros, músicos, artesãos,
bicheiros (que fazem “jogo do bicho”), poetas, benzedeiras e benzedeiros, puxadeiras,
rezadeiras, figuras populares na cidade que cuidam da saúde da população, muito ligadas à
religiosidade, à oração e à fé.
Nos grupos de convivência, nas festas tradicionais ou até mesmo nas frentes de
suas casas, os idosos estão em busca de encontrar novas pessoas, reencontrar amigos e
de se relacionar com um novo parceiro (a). As relações interpessoais que se travam
permitem o convívio em sociedade, a troca de afetividade, conhecimentos e tudo isso com
que os idosos não se sintam deslocados ou excluídos. Há a estimulação do pensar, do
fazer, do doar e do aprender, tendo influências diretas na saúde e na ressignificação de
suas vidas e no da sociedade parintinense como um todo.
Apesar disso, há denúncias de violências contra idosos que crescem
vertiginosamente nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e no Fórum de
Justiça de Parintins. As especificações mais notificadas são maus-tratos, agressão física,
negligência, abandono e violência patrimonial. Essa expressão da questão social é
envolvida em contextos de pobreza e drogadição, que demoram a ser denunciadas porque
são cometidas por familiares e parentes, e pela proximidade dos vínculos comunitários, os
vizinhos temem represálias se denunciarem, só realizando a denúncia em casos de extremo
risco que ameaçam a vida do idoso.
O Projeto de Extensão da UFAM buscou, inicialmente, uma ação que
despertasse nos idosos do Centro de Convivência Pastor Lessa o processo de identificação
com as múltiplas velhices que decidimos apresentar de forma figurativa em imagens. Essa
atividade teve como intenção descobrir as particularidades desse grupo de idosos que
homogeneamente foram reunidos sob o signo de “terceira idade”.
As acadêmicas do curso de Serviço Social, reunidas com os idosos em um
grupo focal, perguntaram o que eles achavam sobre o seu processo de envelhecimento e as
suas velhices. Houve uma grande dinamicidade e participação dos idosos, que colaboraram
contando as suas experiências. Alguns disseram que envelhecer é uma fase em que não é
possível fazer muitas coisas, mas que ficar em casa só atrai doenças. Sobre se sentir
“velho”, houve um coro de vozes que dizia “que não havia ninguém velho naquele local”.
Percebemos que, apesar de reconhecerem as limitações fisiológicas típicas da senescência,
os idosos ousam resistir e não permitir que as doenças limitem as suas vidas. Ser “velho” é
estar fora dos circuitos do estar-vivo, da socialização, da convivência.
Posteriormente, os participantes foram divididos em 4 grupos, contendo 12
idosos em cada grupo, em um total de 48 idosos. A equipe do projeto distribuiu a cada grupo
um envelope contendo diversas imagens relacionadas a uma variedade de faces da velhice
para que os integrantes escolhessem aquelas que melhor retratavam as suas vidas. Após
as escolhas e separação das imagens, formou-se um círculo em volta de uma árvore
confeccionada em papel madeira e afixada na parede para que todos tivessem a
oportunidade de colar dentro dessa árvore a imagem escolhida e explicar porque ela
retratava a sua vida, como a pessoa se identificava com ela.
Antes de ser colada, cada imagem era mostrada ao grupão. No geral, as
imagens escolhidas estavam relacionadas a uma velhice alegre, risonha e feliz, à violência
contra o idoso na família, solidão, doenças, dependência de cuidados de saúde, atividades
físicas na terceira idade, companheirismo, amizade, namoro, comunhão entre a família,
diversão, tranquilidade e serenidade.
As imagens que remetiam às doenças e tristezas foram discernidas como
atributos de “velhos”, por isso, os sujeitos que frequentam o Centro de Convivência Pastor
Lessa preferem ser chamados de “idosos”. Essa identificação foi argumentada por eles no
sentido de que “velho” é aquela pessoa que é doente, que fica em casa incomodando, que
não tem serventia ou importância, que se deixa influenciar pelas dores, o cansaço, a
ociosidade e a perda da memória.
Eles se autoidentificam, em sua maioria, como idosos felizes, autônomos, com
boa relação com a família e/ou companheiro (a), os amigos e os vizinhos. Gostam de sair,
de se divertir, de se sentirem úteis na realização das atividades diárias, não gostam de
depender dos outros e de serem superprotegidos, tampouco viver na rotina, sempre estão
em busca de algo novo que pode proporcionar satisfação, bem-estar e qualidade de vida.
Os relatos demonstram que os idosos, sejam homens ou mulheres, buscam
liberdade, autonomia e independência. Esses projetos de vida na velhice estão menos
relacionados com uma boa situação socioeconômica e mais com a necessidade dos idosos
continuarem sentindo-se parte da sociedade em que vivem porque é o que proporciona o
bem-estar consigo mesmo. Segundo Netto e Ponte (2005), a autonomia é a capacidade de
decisão e de comando e a independência pode ser entendida como a capacidade de
realizar algo com os seus próprios meios. Observa-se nos relatos que os idosos não querem
ser tutelados, como se não tivessem mais condições de opinar nas decisões que lhes dizem
respeito. Eles querem continuar vivendo, na velhice, da forma mais aproximada como
viveram ao longo de suas vidas. A liberdade aludida em suas falas é a de estar livre das
obrigações dos cuidados com os familiares. Há relatos de idosas que decidem quando vão
cozinhar, para quem e às vezes, somente para elas mesmas, sem se importar com quem
mora com elas, em um “ato de rebeldia” que demonstra que o seu maior compromisso é
consigo própria.
Essa particularidade dos idosos em Parintins demonstra que a velhice bem-
sucedida que eles procuram viver está longe dos padrões entendidos como aqueles da
“terceira idade”. Os idosos não se preocupam em se comparar aos jovens e nem adotar
estilos de vida que estejam aquém de suas condições financeiras. Pode-se dizer que eles
chegaram ao gozo de sua plenitude, não como algo perfeito e nem comparado à juventude,
mas como realização do ser que chega na altura de sua existência e sente-se feliz consigo
mesmo, com a sua essência.
Ainda sobre os processos de identificação com as imagens, um outro grupo de
idosos referiu-se aos aspectos que retratavam a violência intrafamiliar, a solidão e a
dependência. Apesar de pouco comentado sobre a forma como determinada imagem fazia
parte de sua vida, as falas convergiam para expressões de tristeza e pesar. O Centro de
Convivência do Idoso deveria estar preparado para discutir essa questão, já que é um
espaço que, pela própria acolhida, deveria propiciar segurança para romper com o silêncio.
Mas, os casos, quando são comunicados aos profissionais do Centro, são imediatamente
encaminhados para os CRAS, o que contribui para dissipar a denúncia, que só é
desocultada em seu estágio avançado na ocasião de nova denúncia nos serviços
especializados e quando já tem ocorrido o rompimento dos vínculos familiares. Se o Centro
de Convivência fizesse o papel inicial de proteção básica, talvez essas expressões da
questão social poderiam ser resolvidas sem a intervenção de mecanismos mais complexos.
No mundo das imagens, a velhice aparece uniforme e plana, estereotipada e
banalizada, porém a maioria dos idosos, quando falam de suas velhices, consideram-na
com um momento bom de suas vidas em que eles podem ser eles mesmos. Deixam de lado
possíveis preconceitos que tenham sofrido ou que permeiam suas vidas. Sentem que
precisam aproveitar a vida, os amigos e a família. A aproximação com a finitude da vida traz
o sentimento de intensidade e valorização do que se vive.
A participação em atividades de socialização faz com que os idosos sintam-se
motivados para continuar exercendo suas atividades diárias, como se fosse um investimento
em si próprios que em momentos anteriores da vida não tiveram tempo para cuidar de si, da
alma e do corpo.
Para que haja esse “investimento pessoal” em busca da qualidade de vida, do
“sentir-se bem”, é necessário que os espaços de convivência que os idosos frequentam
possuam o aparato técnico e humano para atender às suas demandas de socialização e
pessoais. Quando tratamos da autodefinição de ser idoso com os usuários do Centro do
Idoso Pastor Lessa, buscamos alcançar a proposta de Ferrari (2005, p. 98), que diz que é
necessário:
Suscitar atitudes ativas durante a utilização do tempo com a participação consciente e voluntária na vida social, opondo-se ao isolamento social pela busca de um equilíbrio, na medida do possível, pessoal e o desenvolvimento contínuo e harmonioso da personalidade.
A atividade que foi realizada trouxe não só a proposta de conhecer os idosos
frequentadores do Centro de Convivência do Idoso em Parintins para contrapor o perfil de
“terceira idade”, típico das propostas dos circuitos de convivência, mas para desocultar
silêncios que revelam expressões da questão social e propor a reorientação dos serviços
oferecidos no âmbito da proteção básica na perspectiva do empoderamento político e social.
IV. CONCLUSÃO
Os Centros de Convivência para Idosos são locais de grandes possiblidades.
Esses espaços podem ir além de oferecer serviços e atividades de convivência e
socialização, pois oferecem a oportunidade dos idosos se redescobrirem enquanto sujeitos
sociais e ressignificarem as suas velhices. Nesse processo, deve estimular-se a busca pela
autonomia, a consciência crítica para o exercício político e o estreitamento de laços
comunitários.
A atividade do projeto de extensão que propiciou a dinâmica “imagem e
identificação” para conhecer os processos de envelhecimento e a velhice dos idosos revelou
que não há uma homogeneização da velhice e que existem aspectos silenciados referentes
às expressões da questão social vivenciados pelos idosos e que precisam ganhar atenção
nas ações do Centro de Convivência do Idoso Pastor Lessa de forma a evitar que essas
demandas se apresentem nos níveis de alta complexidade sob a denúncia de ameaça da
própria vida do idoso.
Para que a gestão dos serviços contemple de forma integralizada a busca pelo
envelhecimento ativo e bem-sucedido em Parintins, é necessário ampliar e qualificar melhor
os recursos humanos para que a tendência das ações não recaia na perspectiva de “terceira
idade”, que apresenta mais propostas de “deficiências a corrigir” do que promove o debate
respeitoso sobre a pluralidade de velhices e instrumentaliza os idosos no exercício da busca
pela efetivação dos seus direitos sociais.
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