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A RELAÇÃO DIREITOS HUMANOS E DIREITOS SOCIAIS NA EFETIVAÇÃO DA
POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
Alícia Beatriz Mallmann Piccinin1
Esther Luiza de Souza Lemos2
Mirele Hashimoto Siqueira3
Solange da Cruz Krein4
RESUMO: O presente texto expressa uma primeira aproximação ao tema dos direitos humanos e sua
relação com a política de assistência social como política de direito social. Sua importância é
compreendida no processo de construção de identidade de classe, uma vez que é, eminentemente, a
classe trabalhadora que coloca em movimento a luta por direitos. Os direitos humanos, portanto,
representam ao mesmo tempo, uma importante conquista histórica dos trabalhadores e também se
configuram como a materialização concreta de contradições, que por sua vez, são inerentes ao sistema
capitalista. A partir da pesquisa bibliográfica e documental, entende-se que a defesa intransigente dos
direitos humanos significa, necessariamente, a defesa dos direitos sociais, uma vez que estes, em
conjunto com direitos civis, políticos, econômicos e culturais representam, em sua totalidade, os
Direitos Humanos.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos, Direitos Sociais, Assistência Social
INTRODUÇÃO: Este artigo é fruto do estudo em sala de aula promovido pelo Núcleo
Temático: Política de Assistência Social - a gestão do trabalho no Sistema Único de
Assistência Social - SUAS, disciplina constituinte do Projeto Político Pedagógico do curso de
Serviço Social da UNIOESTE.
Através de pesquisa bibliográfica e documental faz uma primeira aproximação ao
tema tendo em vista a oportunidade da realização do 6ª Seminário Nacional Estado e Políticas
Sociais. Apresenta uma discussão acerca da construção dos Direitos Humanos frente à
efetivação da política de assistência social no contexto do sistema capitalista mediante a
atuação profissional do assistente social, na realidade brasileira pós Constituição Federal de
1 Alícia Beatriz Mallmann Piccinin, estudante do 2º ano do curso de Serviço Social na Universidade Estadual
do Oeste do Paraná – UNIOESTE - campus de Toledo, [email protected], (45) 9987-8246. 2 Esther Luiza de Souza Lemos, assistente social, doutora em Serviço Social, docente do Curso de Serviço
Social na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE - Campus de Toledo,
[email protected], (45) 9821-5554. 3 Mirele Hashimoto Siqueira, estudante do 2º ano do curso de Serviço Social na Universidade Estadual do
Oeste do Paraná – UNIOESTE -Campus de Toledo, [email protected], (44) 9801-3458. 4 Solange da Cruz Krein, estudante do 4º ano do curso de Serviço Social na Universidade Estadual do Oeste do
Paraná – UNIOESTE - Campus de Toledo, [email protected], (45) 9982-2090.
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1988. Dentro deste contexto, trata da legitimação contraditória na qual se viabilizam os
Direitos Humanos e busca-se delinear traços que justificam a sua emergência e os aspectos
que impedem sua real universalização.
Assim, discute os desafios de sua concretização, historicamente constituído na ordem
material e concreta das relações sociais que se estabelecem entre tensões e conquistas da
classe trabalhadora.
Os Direitos Humanos estão ancorados no Estado Democrático de Direito, cuja
contradição afronta o significado da cidadania, que fundamenta esse modelo de Estado e de
sociedade. Assim, é importante ressaltar que a atuação profissional do Assistente Social se dá
no contexto contraditório entre a proclamação dos direitos universalmente expressos na
Declaração Universal dos Direitos Humanos e a efetivação do sistema capitalista, colocando
objetivamente a impossibilidade de sua real efetivação.
A emergência do Serviço Social se dá para intervir nas expressões da “questão social”
5, nas expressões que se evidenciam da contradição entre o capital e o trabalho, a qual a
riqueza socialmente produzida pelos trabalhadores e trabalhadoras é apropriada privadamente
pelos donos dos meios de produção. Estas contradições se expressam na realidade posta aos
indivíduos imersos na pobreza, no desemprego, no pauperismo, na fome, na exploração, pela
falta de condições básicas de vida, etc. São justamente essas consequências que trazem a
discussão dos Direitos Humanos para o âmbito do Serviço Social e, sobretudo, da política de
Assistência Social.
1. POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: UMA ALTERNATIVA POSSÍVEL
PARA O ALCANÇE DE DIREITOS
O Serviço Social como profissão historicamente constituída no campo das tensões
econômico-política, social e cultural que ocorrem no âmbito das relações sociais em uma
sociedade capitalista, que intensifica a exploração do capital sobre o trabalho, irá se
5 “A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e
de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do
empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado
e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e repressão”.
(IAMAMOTO, 1983, p.77)
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fundamentar, caracterizando o processo que leva a atuação dos assistentes sociais, a “[...]
decifrar algumas lógicas do capitalismo contemporâneo particularmente em relação às
mudanças no mundo do trabalho sobre os processos desestruturadores dos sistemas de
proteção social e da política social em geral” (YAZBEK, 2009 p.154).
Embora se tenha avançado no âmbito da garantia jurídica dos direitos no que confere o
título II, capítulo I, no Art. 5º da Constituição Federal de 1988, sobre direitos e garantias
fundamentais, dispõe de que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (BRASIL, 1988),
contudo, para sua concretude ainda se tem muito a avançar na efetivação dos direitos sociais,
bem como a garantia dos Direitos Humanos.
Os Direitos Humanos são resultados da construção humana e histórica da sociedade
moderna. Modifica-se ao longo do tempo conforme as necessidades advindas da relação do
homem com o mundo e principalmente por suas relações sociais. Inicialmente os direitos
eram compreendidos como naturais provenientes de Deus, tendo por suas bases o ideário
conservador da Igreja Católica, num segundo momento, devido à percepção do homem
enquanto um ser em si mesmo e como o sujeito da sua própria história, a concepção e a
construção de direitos modificam-se, tornando-se inerente ao sujeito enquanto participante da
organização da sociedade.
Neste âmbito os Direitos Humanos “[...] buscam assegurar conquistas decorrentes de
grandes mudanças sociais ou marcos revolucionários” (BARROCO, 2010, p. 55). Seu
surgimento ocorre eminentemente com a necessidade de colocar limites na ação humana e
garantir direitos mínimos, como por exemplo: direito a vida, à família, à alimentação, à
educação, à liberdade, ao meio ambiente sadio, ao trabalho, à orientação sexual etc., de modo
que se materializando com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 visa “[...]
preservar a humanidade da violência, após momentos de grandes traumatismos – como os
vividos na Segunda Guerra, com o fascismo e o nazismo” (BARROCO, 2010, p. 55).
O conjunto dos Direitos Humanos, a princípio, constitui-se como uma a bandeira
ideológica fundada pela burguesia revolucionária que defendia os ideários propostos no
contexto da Revolução Francesa (fraternidade, igualdade e liberdade). Contudo, com sua
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ascensão e seu esgotamento do ciclo revolucionário, em 1848, a burguesia converte-se em
classe dominante e abandona esses ideários, tornando-se conservadora, a fim de garantir, a
partir desse momento, sua permanência como classe hegemônica, bem como a estabilidade da
ordem capitalista estabelecida.
Há também um discurso humanitário que envolve os Direitos Humanos, que por sua
vez, são ocultados por discursos ideológicos direcionados para o crescimento econômico que
extrapolam a integridade física, ética e moral dos indivíduos, justificando barbáries por “[...]
um conjunto de estratégias do capitalismo contemporâneo para o enfrentamento de situações
como o das guerras ou dos desastres naturais, a partir de um modelo de administração baseada
em uma lógica privatista, voltada exclusivamente ao lucro” (BARROCO, 2010, p. 58).
Uma lógica que não consegue explicar as desigualdades sociais, antes as mistifivam. A
conquista jurídica dos direitos sociais no Brasil, inaugurada recentemente com a Constituição
Federal de 1988, é baseada na troca de favores entre o Estado e os setores monopolistas o que
explicaria a existência das relações desiguais por meio da dominação de quem detém o poder
econômico na sociedade, resultando em desigualdades, cuja, igualdade proposta pela
burguesia é uma igualdade fundada em uma concepção liberal-abstrata. Cidadãos livres e
iguais perante a lei porém economicamente desiguais.
Após a Segunda Guerra Mundial, pressionado pelas sequelas deixadas pelo genocídio
nazista, os direitos do homem e do cidadão foram reafirmados pela Organização das Nações
Unidas (ONU) com a Declaração Universal Dos Direitos Humanos que, para adequar-se à
política e economia estabelecidas na época pela Guerra Fria, sofreu uma cisão nos anos
posteriores, em direitos econômicos e culturais de um lado e direitos civis e políticos de outro.
Num contexto recente, trata-se da minimização do Estado para com os direitos sociais
num encolhimento das politicas sociais, relegando a responsabilidade da garantia dos direitos
sociais à sociedade civil, dando legitimidade a tal interferência, como se a garantia da justiça
social dependesse da solidariedade humana através de discursos ideológicos neoliberais que
tenta neutralizar as conquistas da classe trabalhadora que ocorrem por meio dos embates e das
lutas sociais.
Pode-se notar que apesar de avanços no que se refere a conquistas de direitos sociais,
ocorre por outro lado, uma noção tímida e restrita de cidadania, que não se efetiva no âmbito
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das relações sociais. Sendo assim a discussão sobre os Direitos Humanos que aparece na
sociedade moderna faz-nos analisar sua trajetória que se dá no veio do referencial liberal-
burguês no contexto internacional “[...] posto que se constitui como resultado de luta da
burguesia contra os ‘excessos’ da ordem feudal” (VINAGRE, 2010, p. 113).
No Brasil as discussões se aprofundam no período pós-ditadura militar com os
movimentos populares no processo de redemocratização do país, buscando reafirmar a
condição de cidadão restaurando a garantia de direitos civis e políticos que nesse momento se
haviam suprimido. Conforme Vinagre:
[...] sem duvidas, quando a classe média é atingida pela exacerbação da violência urbana, a
mídia espetaculariza a violência e assiste-se a intensificação da produção social do medo e
da insegurança que justifica a criminalização letal contra a pobreza (...) sabe-se que há uma
associação simplificadora do discurso dos direitos humanos ao debate sobre a de defesa de
direitos da pessoa infratoras e de internados no sistema prisional, o que causa na opinião
pública uma resistência a esse debate. (VINAGRE, 2010, p. 113).
Neste sentido, a compreensão de muitos segmentos de defesa de direitos existentes na
sociedade “moderna” se dá de forma equivocada, a qual defende que é merecedor de defesa
tanto física, ética e moral, aquele cidadão que é correto em suas ações. Por outro lado,
reforçando a lógica do castigo individual, àquele que cometeu erros deve pagar pelos crimes,
corroborando assim formas preconceituosas dificultando a defesa – assim acaba-se por
neutralizar e mistificar a noção de Direitos Humanos, traduzindo o conceito de
indivisibilidade dos direitos e acrescenta aos direitos civis e políticos a defesa dos direitos
econômicos, sociais e culturais.
Entretanto, cabe ressaltar que o fato desses direitos jurídico-formais presentes na
legislação brasileira, e, portanto “defendidos e ratificados pela Declaração resultante da
Conferência de Viena de 1993, da qual o Brasil é signatário” (VINAGRE, 2010, p. 115), não
garante a defesa dos Direitos Humanos que emana da ideologia liberal, que nos leva a pensar
na igualdade de direitos, mas, apenas na garantia da igualdade e proteção da propriedade
privada de forma individualista e conservadora.
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2. DIREITOS HUMANOS UNIVERSAIS NO CONTEXTO DE UMA SOCIEDADE
PRIVADA
Os Direitos Humanos, como já elencados na primeira parte desse artigo, visam prover
a vida humana de forma digna, possibilitando a condição de igualdade para com todos os
seres humanos, respeitando-se dentro deste contexto, suas especificidades para que se possa
prover a sua existência plena e justa.
Logo, pode-se notar que a efetivação dos Direitos Humanos, ocorre de forma
equivocada, ou ainda, não ocorre.
A sociedade burguesa é fundada na propriedade privada dos meios de produção, o que leva
as Declarações de direitos humanos a incorporarem esse fundamento de modo
contraditório, pois a propriedade é privada, mas as leis são universais (BARROCO, 2010,
p. 56).
Como é possível que existam leis universais que garantam a liberdade, a alimentação,
a educação e ao mesmo tempo na efetivação, esse movimento, essa garantia prevista na
Declaração Universal dos Diretos Humano, não ocorre? Se existe uma lei universal, que são
os Direitos Humanos, que visam garantir o mínimo necessário para a sobrevivência do ser
humano, por que isso não se concretiza?
Observa-se que historicamente, “[...] os direitos humanos supõem a propriedade como
direto natural, e o Estado e as leis, como instâncias universais. Quando a propriedade privada
é posta em risco, o Estado deve protegê-la dos não proprietários.” (BARROCO, 2010, p. 56).
Ocorre desse modo uma evidente contradição entre a universalidade e os interesses da
propriedade privada. Percebe-se nitidamente que, quando ocorre a ascensão da burguesia,
após a Revolução Francesa, a lógica do alcance aos direitos modifica-se, a favor dos
interesses da classe dominante que naquele momento já havia alcançado o poder, instaurando-
se como classe hegemônica.
Nota-se que a preocupação da classe dominante sempre esteve voltada a si mesma,
com o intuito de garantir a sua permanência ao poder. A propriedade privada é a evidência
dessa contradição, visto que quando se pretende questionar essa condição, “mexendo” nos
interesses dos grandes proprietários, a garantia dos direitos humanos acaba não se
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concretizando, pelo permanente jogo de interesses, tensões econômicas, políticas, sociais e
culturais que ocorrem no âmbito das relações sociais.
Além disso, outra contradição que se encontra imbricada e acaba inviabilizando a
plena efetivação dos Direitos Humanos, deve-se ao fato de que tais direitos se realizam dentro
das possibilidades e limites burgueses, visto que o Estado não é mais, do que a organização da
classe burguesa, constituindo-se de acordo com sua necessidade, sempre com o intuito de
mediar conflitos e voltar-se apenas aos seus próprios interesses. Dessa forma, como os
direitos humanos atendem exclusivamente as necessidades da propriedade privada e do modo
de produção capitalista, acabam por configurarem-se também como mantedores do status quo
uma vez que, o Estado, pressionado pelas reivindicações das lutas populares, acaba
concedendo alguns direitos e benefícios para que não se toque na estrutura da ordem social
vigente. Isto é, o Estado, “[...] para garantir a sua legitimidade e hegemonia, incorpora
determinadas reivindicações das lutas populares por direitos.” (BARROCO, 2010, p. 56). Sua
lógica é atender o mínimo de demandas possíveis para não comprometer o projeto burguês.
Por outro lado, é importante ressaltar que a luta por Direitos Humanos não se constitui
e nem deve ser visualizada apenas como algo impossível de se realizar, mesmo que suas
possibilidades reais se esbarrem em barreiras concretas. Sua importância é, sem dúvida,
relevante no processo de construção de identidade de classe, uma vez que é, eminentemente, a
classe trabalhadora que coloca em movimento a luta por direitos.
Os direitos humanos, portanto, representam ao mesmo tempo, uma importante
conquista histórica dos trabalhadores e também se configuram como a materialização concreta
de contradições, que por sua vez, são inerentes ao sistema capitalista. Essas contradições,
embora coloque limites à efetivação dos direitos, constituem-se como um importante
elemento que coloca em evidência os direitos como produto da luta de classes,
“[...] da pressão popular, da organização e da desigualdade. Trata-se de uma história de
lutas específicas progressistas que se conectam com outros tipos de luta: anticapitalistas,
revolucionárias, de libertação nacional etc., tendo por unidade a defesa da liberdade e da
justiça social.” (BARROCO, 2010, p. 57).
Assim, a contradição objetiva-se na realidade onde a luta de classes se expressa:
direitos humanos reconhecidos legalmente como fruto de muita luta, o reconhecimento formal
pelo Estado e sua intervenção através de políticas sociais nas quais a ação do assistente social
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no âmbito das mesmas devem ser formuladas e efetivadas sempre tendo em vista a garantia
dos direitos humanos.
Apesar de estar teoricamente garantida esta condição aos sujeitos pertencentes ao
Estado isso não se concretiza efetivamente visto que:
Quando a propriedade privada é posta em risco, o Estado deve protege-la dos não
proprietários (CHAUÍ, 1989). Ocorre que ele não está ‘acima’ das classes, ou seja, não é de
fato um árbitro neutro; logo, ao usar da violência para proteger a propriedade e – ao mesmo
tempo – tratar todos os homens como ‘iguais’ – afirmando que todos têm direito natural à
propriedade em uma sociedade excludente, torna evidente a contradição entre o discurso
abstrato da universalidade e a defesa de interesses privados (BARROCO, 2010, p. 56).
O uso da força para garantir o direito da propriedade privada à serviço da classe
dominante faz do Estado burguês o principal violador de direitos humanos!
Estando diretamente vinculado, desde o planejamento às execução e avaliação de
políticas sociais, o assistente social se torna na grande maioria das vezes conivente com essa
situação, já que a condição de dominação do Estado, pelos interesses dos grandes capitalistas,
torna seu trabalho uma reprodução, pois o Estado tem poder frente à organização da sociedade
ditando sua organização e as tendências de manipulação e permanência da ordem vigente.
Assim, é difícil aos assistentes sociais romperem com essa não concretude do que esta
garantido nos direitos humanos, já que o Estado movido por tendências liberais não efetiva
nada que não lhe trazer algum benefício.
Deste modo, é preciso que os direitos humanos sejam efetivados por meio de políticas
sociais com efetiva participação da sociedade civil tendo em vista o aspecto humano em
detrimento do econômico. Assim, cabe ao Assistente Social que atua na política de assistência
social intervir a partir da compreensão das contradições existentes, cabe nos limites e
possibilidades atuarem nesta correlação de forças, viabilizando os mínimos sociais aos
usuários que são resultado desta ordem pré-estabelecida, caracterizada pelo embate entre
capital e trabalho, uma vez que o assistente social também faz parte do conjunto da classe
trabalhadora. Ou seja, atuar com o objetivo de materializar a potencialidade do usuário
enquanto protagonista no processo da construção do direito.
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3. A PROTEÇÃO SOCIAL COMO DIREITO SOCIAL NO ÂMBITO DA
POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
Tendo em vista o contexto mencionado que apresenta limites e possibilidades na
efetivação dos direitos, conforme Netto (2003), não pode-se descartar a importância da
relação existentes entre política econômica e política social. “[...] a política social não pode
ser pensada como autônoma em face da orientação macroeconômica.” (NETTO, 2003, p.23).
No entanto é necessário compreender que uma orientação macroeconômica não corresponde
necessariamente uma política social. Embora se apresente como universal, havendo diversas
compreensões como: “[...] política social pública, política social privada, políticas públicas,
políticas de governo etc.” (NETTO, 2003, p. 15), entende-se que o conjunto das políticas
sociais ocorre de maneira setorializada, de forma fragmentada.
Partindo desta compreensão, faz-se necessário notar as conquistas no âmbito da
assistência social que foram regulamentadas e institucionalizadas pela Lei Orgânica da
Assistência Social – LOAS (1993). A política de assistência social com base na Constituição
Federal de 1988, regulamentada pelo Governo Federal, aprovada pelo Conselho Nacional de
Assistência Social (CNAS), por meio da Política Nacional de Assistência Social (2004) e do
Sistema Único de Assistência Social - SUAS (2005). A LOAS está organizada de forma a
contemplar a “[...] descentralização político – administrativa para os Estados, Distrito federal
e os Municípios, e comando único das ações em cada esfera de governo [...] (BRASIL, 1993,
p. 12) O objetivo com esse processo é consolidar a Assistência Social como política de
Estado; para estabelecer critérios objetivos de partilha de recursos entre os serviços
socioassistenciais e entre estados, Distrito Federal e municípios; para estabelecer uma relação
sistemática e interdependente entre programas, projetos, serviços e benefícios.
Para dar materialidade aos serviços socioassistenciais, estabelecidos na Resolução nº
109, de 11 de novembro de 2009 em seu Art. 1º no que consta na Tipificação Nacional, estão
organizados por níveis de complexidade do SUAS: proteção social básica e proteção social
especial.
Na Proteção Social Básica – PSB deve ocorrer o Serviço de Proteção e Atendimento
Integral a Família – PAIF, um trabalho social realizado com família, de caráter continuado e
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tem como finalidade o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários para,
consequentemente preservá-los, promover o acesso ao usufruto dos direitos e contribuir para
a melhoria de vida dos indivíduos.
Na maioria das vezes esses serviços são ofertados nos Centros de Referência de
Assistência Social CRAS, dos municípios, podendo ser realizados em outras unidades
públicas ou em entidades privadas sem fins lucrativos, desde que referenciadas ao CRAS,
devem ser supervisionados por uma equipe de profissionais capacitada para atender as
demandas específicas de cada faixa etária.
A Proteção Social Especial - PSE destina-se a famílias e indivíduos em situação de
risco pessoal ou social, diante da violação de direitos ou ameaças. Para ter acesso as ações da
Proteção Especial se fazem necessário identificar situações de violações de direitos, seja ela
violência física ou psicológica, abuso ou exploração sexual; abandono, rompimento ou
fragilização de vínculos ou afastamento do convívio familiar devido à aplicação de medidas.
Proteção Social Especial - PSE se difere da política de Proteção Social Básica – PSB,
que tem um caráter preventivo, porque sua atuação tem um caráter protetivo, portando são
ações que requerem o acompanhamento familiar e individual com intensidade e rigor na
intervenção.
Neste sentido, a concepção de Assistência Social e sua materialização em forma de
proteção social básica e especial, conforme previsto na PNAS/SUAS requer situar e articular
estas modalidades de proteção social ao conjunto das proteções previstas pela Seguridade
Social. Parte-se da compreensão de que, “[...] a Assistência Social não pode ser entendida
como uma política exclusiva de proteção social, mas se devem articular seus serviços e
benefícios aos direitos assegurados [...]” (CFESS, 2009, p. 5) e fazer interlocução com as
diferentes políticas setoriais.
Nessa perspectiva, a intervenção profissional na política de Assistência Social não
pode ter como horizonte somente a execução das atividades arroladas nos documentos
institucionais, mas deve, portanto ter uma compreensão crítica da realidade na forma
interventiva no que tange a mediação para o acesso aos direitos sociais nno contexto dos
Direitos Humanos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS: A política de Assistência Social historicamente foi vista como
um espaço propício ao exercício da filantropia e da caridade, bem como do clientelismo
político que ainda deixou seus resquícios na atual política do Estado Brasileiro. Embora a
Assistência Social tenha passado por um longo processo que representou avanços e
retrocessos no âmbito de sua legitimação enquanto política social pública pode-se dizer que a
Normal Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social - NOB-SUAS, veio
operacionalizar e organizar toda a política de Assistência no território nacional em
conformidade com a Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS, retirando, ao menos no
nível teórico, todo o conteúdo relacionado à benesse que normalmente estava associado a essa
política.
A Assistência tem como finalidade garantir os mínimos sociais à manutenção da vida,
sendo um princípio ético dessa política de acordo com a NOB SUAS a “defesa incondicional
da liberdade, da dignidade da pessoa humana, da privacidade, da cidadania, da integridade
física, moral e psicológica e dos direitos socioassistenciais” (BRASIL, 2012, p. 17). Nesse
sentido, a assistência sendo um dever do Estado, é também um direito social do cidadão,
sendo que o entendimento do direito social não se separa do contexto dos direitos humanos,
que se situa em constante construção.
Diante disso, pode-se dizer também que a defesa intransigente dos direitos humanos
significa, necessariamente, a defesa dos direitos sociais, uma vez que estes, em conjunto com
direitos os políticos, econômicos, civis e culturais representam, em sua totalidade, os Direitos
Humanos, cujas características de universalidade e indivisibilidade o norteiam. A Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948, ao afirmar que a violação dos DH constitui um ato
de barbárie, quis afirmar que a violação de quaisquer direitos que o compõem, inclusive os
sociais, também representam uma face da barbarização. Pode-se concluir, portanto, que os
princípios éticos que regem a proteção socioassistencial e toda a política de assistência, ao se
caracterizarem como direitos sociais inscrevem-se também, inevitavelmente, no campo dos
Direitos Humanos.
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REFERÊNCIAS
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(Orgs). Ética e Direitos: Ensaios Críticos. Coletânea Nova de Serviço Social, 2ª edição revisada. Rio
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de 13 de Dezembro de 2006. Brasília, Dez. de 2011, Reimpresso em 2013.
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CEFSS/ABEPSS, Serviço Social e competências profissionais. Brasília. CFESS/ABPSS, 2009. (p.
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NETTO, José Paulo. O Materialismo Histórico como instrumento de análise das políticas sociais.
In: NOGUEIRA, F. M. G. e RIZZOTTO, Maria Lucia Frizon (orgs.). Estado e Políticas Sociais: Brasil
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IAMAMOTO, Marilda V. Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional.
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VINAGRE, Marlise. Ética, Direitos Humanos e Projeto Profissional Emancipatório. In: Forti,
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