A PRIMAVERA ÁRABE E O FUTURO DO ORIENTE MÉDIO
Hussein Mohamad Taha
Internacionalista formado pela Universidade Tuiuti do Paraná
Pós-graduando pela Universidade Tuiuti do Paraná
em Geopolítica e Relações Internacionais
Resumo
Primavera árabe é um conjunto de acontecimentos que, certamente, marcarão
uma época e proporcionarão uma mudança de rumos e de pensamentos na população
árabe que, submetida a regimes ditatoriais e opressores, finalmente conseguiu se libertar
e, agora, necessita dar continuidade a essas mudanças. Mudanças para um sistema
democrático, ainda desconhecido, considerado extremamente perigoso numa região
marcada por guerras e conflitos, onde qualquer faísca pode causar grandes danos não só
locais como para toda a humanidade, pode ocasionar sequelas irreparáveis. A abertura
que a democracia oferece pode fazer com que novos ditadores assumam o poder
incitando o medo e a violência, tendo que responder à acusação de abrigar e patrocinar
terroristas ou armas de destruição em massa, assim como é feito no Irã e na Síria.
Palavras-chaves: Revolta - Democracia – Liberdade, Primavera Árabe.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objetivo analisar as causas da Primavera Árabe, os
acontecimentos e suas consequências para a região do Oriente Médio e,
consequentemente, para o mundo. A Primavera Árabe, onda revolucionária de
manifestações e protestos que vêm ocorrendo no Oriente Médio e Norte da África desde
18 de dezembro de 2010.
Em Dezembro de 2010 a atitude desesperada de um jovem tunisiano de 26 anos
Mohamed Bouazizi, um vendedor ambulante de frutas, ateando fogo a seu corpo,
iniciou a mais violenta e barulhenta revolta, que se espalhou por todo o país e países
vizinhos, derrubando vários líderes que se perpetuavam no poder por várias décadas.
Houve revoluções na Tunísia e Egito, uma guerra civil na Líbia, grandes
protestos na Argélia, Bahrein, Iraque, Jordânia, Síria, Omã e Iêmen e protestos menores
no Kuwait, Líbano, Marrocos, Arábia Saudita e Sudão. Os protestos têm compartilhado
técnicas de resistência civil e o uso de mídias sociais, como Facebook, Twitter e
Youtube, para organizar, comunicar e sensibilizar a população e a comunidade
internacional em face de tentativas de repressão e censura na Internet por parte destes
Estados.
O primeiro ditador a cair foi o então presidente da Tunísia, Zine Al-Abidine Ben
Ali que estava há 23 anos no poder, hoje refugiado na Arábia Saudita. Logo em seguida,
inspirados pelo sucesso das revoltas na Tunísia, os Egípcios saem às ruas em Janeiro de
2011 e, em menos de 20 dias, derrubam Hosni Mubarak, um governante símbolo no
Oriente Médio, aliado dos Norte-Americanos e Israelenses, que sempre mediava
tentativas de acordo de paz entre Palestinos e Israelenses. Ele é acusado pelo seu
próprio povo de vender parte da soberania do Egito aos Israelenses. Renunciou após três
décadas no poder sendo preso e está em julgamento.
A Líbia, sob o comando do Coronel Muamar Kadafi, também é sacudida por
protestos em busca de liberdade e pelo fim de um regime autoritário. Kadafi assumiu o
poder, após um golpe há quase 40 anos e, desde então, transformou as Relações
Internacionais e a economia da Líbia, o que resultou em um país forte, com
desenvolvimento em muitos setores, mas com um povo pobre e em grande parte
desempregado. Acusado de ser extravagante, autoritário e repressor, o líder da Líbia foi
obrigado a se esconder dos rebeldes que têm apoio de inúmeros países e financiamento
internacional. Finalmente é encontrado em sua cidade natal e morto.
O Iêmen foi outro país cujas revoltas culminaram com a queda de seu líder, Ali
Abdullah Saleh. O Iêmen realizou eleições nas quais o vice-presidente sagrou-se
vencedor. O vice-presidente, Abd Rabbuh Mansur al-Radi, anunciou um governo de
reconciliação nacional, que será liderado pelo líder opositor Mohammed Salem
Basandawa.
A Primavera Árabe traz à tona questões como a democracia a ser implantada em
nações que não conhecem este sistema tal qual o Ocidente pratica. Como será a
influência da religião nessas decisões, visto que a religião é profundamente importante
na vida e na cultura dos povos do Oriente Médio?
A pergunta mais importante a ser feita é:
- Caso, grupos extremistas e radicais que dizem representar o Islamismo vençam
as eleições, como irão comandar estes países e como exercerão as Relações
Internacionais com o resto do mundo, principalmente com países considerados hostis
por esta população, como os Estados Unidos, Israel, França, Inglaterra, dentre outros?
Estes países são considerados hostis principalmente devido às atitudes em
relação à população islâmica em seus territórios, como a proibição do hijab (o véu que
as mulheres muçulmanas usam para cobrir a cabeça); proibição de rezar nas ruas ou até
as construções de mesquitas. E ainda: o fato de soldados americanos no Afeganistão
rasgarem e queimarem o Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, ou em nome do
direito de liberdade de expressão, criarem e publicarem caricaturas e charges com a
imagem do profeta Mohamad (s.a.a.s)1, crime grave na religião islâmica
2, ou ainda,
associando esta imagem a homens-bombas ou até mesmo, insinuando que o profeta
concordaria com essa prática. Isso tudo só vem comprovar essa hostilidade.
1. UM CONTEXTO HISTÓRICO DOS POVOS ÁRABES
Nômades, semitas que habitavam a península pré-arábica já na metade do II
milênio a.C., os povos árabes tinham por base a língua comum, com variantes dialetais.
Hoje o termo abrange todos os povos que falam a língua árabe e que habitam a
vasta área que vai da Mauritânia, na costa Atlântica da África, ao sudoeste do Irã
abrangendo o Maghreb (norte da África), Egito, Sudão, península Arábica, Síria e
Iraque. Atualmente os Árabes ocupam uma zona asiática e africana numa extensão
territorial de 13.000.000km2, tendo a língua como um traço de unidade.
Com a origem do Islamismo, forma-se o império Árabe. Apesar de muitos
Árabes não serem muçulmanos, a religião Islâmica está presente no dia a dia das
pessoas, na política, cultura, educação, ou seja, em todos os campos. Uma observação
importante deve ser feita, que nem todos os árabes são muçulmanos, apenas 47% dos
Árabes seguem a religião Islâmica.
Com o fato de a política estar ligada em muitos países à religião, surgem
inúmeros partidos políticos ou organizações que podem influenciar na decisão tanto de
governos como de pessoas com novos ideais de mudança. No caso da Primavera Árabe,
este movimento surge do próprio povo, como foi dito antes, na Tunísia, com a atitude
1 Estas letras significam “Salla Allahu Alaihi wa Allih wa Salam”, ou seja, que a paz e a benção sejam
sobre ele (Muhammad) e seus familiares. 2 É proibida no Islamismo a vinculação de imagens ou fotos do profeta para que se evite a idolatria.
desesperada do jovem Mohamed Bouazizi. Esse episódio é apenas o estopim num
verdadeiro barril de pólvora. A atitude desse jovem de 26 anos impedido de trabalhar
para sustentar sua família, que influenciou não só a Tunísia, mas também outro país,
vem de longa data de repressão, perseguições, exploração, miséria e tantos outros
fatores. Essas manifestações se espalharam rapidamente por inúmeros países causando
grandes estragos na política, economia, turismo, na vida social das pessoas e ainda
causando inúmeras mortes.
A região do Oriente Médio é uma região estratégica para o mundo tanto nas
relações econômicas e políticas como militares. Essa região detém as maiores reservas
de petróleo do mundo cobiçada por europeus e americanos. Os americanos detêm o
maior número de bases militares instaladas nessa área e esta região foi disputada por
Americanos e Soviéticos na Guerra Fria e dominada pelos impérios Romano no final do
século I e Otomano ao final da Primeira Guerra Mundial. Segundo reportagem da folha
de São Paulo do dia 03 de Março de 2011 o Oriente Médio detém 51,4% e produz
aproximadamente 31,2%, do petróleo mundial e conta com 5,2% da população mundial
e produz 4% do PIB mundial.
2. O ORIENTE MÉDIO E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Nem a língua, a religião ou até mesmo a cultura são capazes de unir os árabes.
Muitos países têm rixas não somente com outros países como também rixas internas
entre governo e população, como no caso do Egito e da Síria. Outro grave problema é a
relação muito tensa entre Xiitas e Sunitas3 em vários países como no Iraque, no Bahrein
e Kuwait. Essa relação tensa entre Xiitas e Sunitas chega ao governo, onde há casos que
o governo é Sunita e a população é de maioria Xiita, isso inflama ainda mais as
3
As diferenças são principalmente políticas e se estabeleceram logo após o falecimento do Profeta
Mohammad (A.S.). Para os Xiitas, o califado é o comando político da comunidade (Umma) muçulmana.
Para estes, a Umma, deve ser chefiado pelos membros da família do Santo Profeta (A.S.).
Neste sentido, de acordo com a visão xiita, o primeiro califa deveria ter sido o Imam Ali ibn Abi Talib,
primo e genro de Mohammad (A.S.); casado com sua filha Fátima. Os seguidores deste Imam pertenciam
ao grupo conhecido como "xi 'at 'Ali", ou "Partidários de 'Ali". É desta palavra árabe xi 'at que vem o
termo xiita. A escola xiita defende que o Imam sucessor do Profeta deve ser escolhido por Deus e
denominado pelo Profeta, que é o transmissor legítimo da mensagem divina. Já os sunitas defendiam a
idéia que acabou sendo aceita: o califa deveria ser eleito entre os muçulmanos.
Tanto os Xiitas quanto os sunitas, contudo, acreditam e professam os mesmos dogmas e ambos os grupos
praticam os Cinco Pilares da Religião.
manifestações que, além de terem conotação política, acabam entrando na esfera
religiosa.
Neste complexo cenário existem novos atores que influenciaram e muito para
que esta revolução fosse tão divulgada e se espalhasse tão rapidamente, o que despertou
o temor em muitos países, como Israel, EUA, França, Inglaterra, Turquia, entre outros.
A Internet e as redes sociais foram mais fortes que muitas armas e ajudaram a mostrar
as revoltas. O Facebook e o Twitter foram fundamentais no sucesso destes movimentos
mostrando a repressão dos governos e fazendo com que ativistas de outros países e
mesmo outros governos ajudassem através de uma pressão internacional, para que a
violência cessasse e os líderes abrissem canais de diálogo a fim de se implantar a
democracia. Não podemos esquecer que franceses e ingleses partilharam o Oriente
Médio entre si, Israel é considerado por toda população Árabe e alguns governos da
região, como inimigo mortal que deve ser “varrido do mapa”. Os EUA são considerados
pela população árabe como responsável pelas atrocidades que acontecem na Palestina
por darem apoio incondicional a Israel, já que não apoiam nenhuma resolução contra o
Estado de Israel nas Nações Unidas.
Em vários países as revoltas obrigaram o governo a fazer inúmeras modificações
para atender os anseios da população. Com medo de que as revoltas ficassem mais
encorpadas obrigando à renúncia de seus líderes ou levando o país a uma crise ainda
mais grave, prejudicando a economia, a política e as Relações Internacionais, países
como o Bahrein, Arábia Saudita e Jordânia, fizeram mudanças em seus gabinetes. O
Bahrein governado por líderes Sunitas deram mais liberdade religiosa ao povo de
maioria Xiita.
Na Jordânia, o primeiro ministro que desagradava à população foi substituído e a
monarquia absolutista fez concessões reduzindo o preço de vários produtos como
gasolina e arroz. Na Arábia Saudita o governo com sua censura conseguiu sufocar as
manifestações da minoria Xiita sem muita liberdade. Na Argélia as revoltas fizeram
com que o governante Abdelaziz Bouteflika no poder desde 1999 suspendesse as leis de
emergência vigentes há quase duas décadas e autorizou a atividade de rádios e TVs
particulares que até então eram proibidas de funcionarem.
Países como o Marrocos, Líbano, Kuwait, Omã e Iraque não ficaram imunes às
revoltas populares. No Marrocos o rei é descendente do Profeta Mohamad (s.a.a.s) e
tem total poder sobre o país, O povo foi às ruas exigindo reformas constitucionais
conseguindo quase 98,5% de aprovação à nova constituição, a qual dá mais poderes ao
parlamento. Porém, o rei permanece como comandante supremo das forças armadas e
guardião supremo da Fé.
Já no Líbano a oposição Sunita, organizou manifestações contra o governo,
apoiada pelo grupo Xiita Hezbollah, o que ficou conhecido como “Dia de fúria”;
contudo os manifestos não atingiram seus objetivos e nem houve violência.
No Kuwait houve protestos sem violência e o parlamento acabou sendo
dissolvido pelo governo.
No Iraque os protestos foram por serviços públicos de melhor qualidade e
melhores salários e as manifestações foram pacíficas. O país já atravessa grandes
problemas de violência entre os grupos xiitas, sunitas e curdos que lutam pelo controle
do governo iraquiano.
Em Omã a população não lutou contra o governo e sim, contra a corrupção dos
altos funcionários públicos, o governo agiu rápido e mudou todo gabinete, aumentou
salários, criou benefícios e acabou com a revolução.
Já na Síria os conflitos não são da população Síria, mas financiados por países
estrangeiros, que dizem representar a população da Síria e que se intitulam “Amigos da
Síria”. Há países que têm interesse no enfraquecimento da Síria, como Israel e Estados
Unidos. Seria muito interessante para estes países uma Síria fragilizada, já que esta faz
um contraponto militar e defende até militarmente a Palestina e o Líbano e ainda trava
uma luta com Israel pelas colinas de Golã, anexadas irregularmente por Israel em 1967
e até hoje não devolvidas. Israel não cumpre a Resolução nº 497 do Conselho de
Segurança a ONU, que não o reconhece como dono e sem direito às terras sírias e alega
que por se tratar de uma região estratégica e com total visibilidade tanto do Líbano
como na Síria, nega-se a desocupar a área alegando que a mesma é de vital importância
para sua segurança, assim como foi o Sul durante vinte anos.
Segundo Petras,
“O assalto à Síria é apoiado por fundos, armas e treino estrangeiro. Devido à falta de
apoio interno, contudo, para ter êxito, será necessária uma direta intervenção militar
estrangeira. Por esta razão foi montada uma enorme campanha de propaganda e de
diplomacia para desmoralizar o legítimo governo sírio. O objetivo é impor um regime
fantoche e fortalecer o controle imperial do Ocidente no Médio Oriente. No curto prazo,
isto se destina a isolar o Irã como preparativo para um ataque militar de Israel e dos
EUA e, no longo prazo, eliminar outro regime laico independente amigo da China e da
Rússia. A fim de mobilizar apoio mundial a esta tomada de poder financiada pelo
Ocidente, Israel e Estados do Golfo, vários truques de propaganda têm sido utilizados
para justificar mais uma flagrante violação da soberania de um país após a destruição,
com êxito, dos governos laicos do Iraque e da Líbia”.
A Síria é uma aliada importante do Irã atual "inimigo mundial" por acusações
não comprovadas. Assim foi o Iraque acusado de possuir ou fabricar armas de
destruição em massa.
Dessa forma, destruindo a Síria, o Irã seria enfraquecido ficando mais
vulnerável para um futuro ataque.
Já a Turquia, apesar de ser considerada uma democracia, tem medo que os
protestos se espalhem e que o poder caia em mãos de radicais, visto que a Turquia tem
graves problemas internos com grupos rebeldes que querem a independência ou
autonomia de regiões que fazem fronteira com a Síria.
Em relação à Líbia o futuro é preocupante, Kadafi se considerava um líder nato
tanto árabe como do islamismo. Segundo a revista veja de 02 de Março de 2011, Kadafi
se autointitulava, Irmão líder, Guia da Revolução, Pai da África, Imam4 de todos os
Imãs, Profeta dos Profetas, Rei da Cultura, e reitor dos governantes árabes”.
Muamar Kadafi escreveu um livro chamado O Livro Verde, dividido em três
partes: a primeira, a Solução do Problema da Democracia - O poder do Povo, a segunda,
a Solução do problema econômico, e a terceira, A Base Social. Kadafi descrevia em seu
livro a forma com que se deveria governar um país, porém não a colocou em prática no
seu próprio país. Por não concordar com o regime do Coronel muitos eram perseguidos,
presos e passavam fome, enquanto Kadafi tinha em seus palácios mais de cinco mil
pares de sapatos. Seu jeito extravagante de se vestir e de viver em nada condizia com o
que escreveu. Em sua obra Kadafi afirma que a única forma de democracia verdadeira
são as assembleias populares onde o povo pode participar e exprimir sua vontade
justificando o porquê de sua decisão. Em sua obra Kadafi diz:
“A luta política que conduz à vistoria um candidato, como por exemplo, 51% do
conjunto dos votos, conduz a sistema ditatorial, mas sob um disfarce democrático. De
4 Título dado ao sucessor do Profeta (S.A.A.S.) e líder da nação. Título dado também aos principais
líderes islâmicos, também ao Sheikh e a pessoa que lidera a oração.
fato 49% dos eleitores passam a ser governados por um sistema que não escolheram
que, pelo contrário, lhes foi imposto”.
Kadafi era de uma tribo influente e importante e, tinha outras tribos igualmente
importantes e influentes como aliadas, conseguindo assim aprovar qualquer decisão
mesmo contra a vontade da maioria.
A Revista Veja de 2 de Março de 2011, mostra que Kadafi cometeu inúmeras
atrocidades, como o financiamento de atentados terroristas, o atentado ao avião da
Panair em 1988, o assassinato de atletas israelenses nas olimpíadas de Munique ou
ainda, encobrir terroristas.
3. O ORIENTE MÉDIO E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Apesar de grandes avanços ainda há um longo caminho a se percorrer, por
exemplo: no Egito, como revogar o estado de emergência, a libertação de todos os
presos políticos, a nova e definitiva constituição, a conclusão e a formação de partidos
políticos, a liberdade sindical e organização social, a liberdade de imprensa e de
expressão, e a revogação dos efeitos de todos os julgamentos dos tribunais militares?
Segundo Vladimir Safatle em seu artigo intitulado A Volta do Parafuso em que
retrata o panorama na Tunísia, um ano após a queda de Bem Ali, publicado no jornal
Folha de São Paulo de 06 de Janeiro de 2012, o autor afirma:
“após um ano da revolução que derrubou o ditador Tunisiano devemos compreender o
perigo de revoltas populares. Os acontecimentos que produziram a Revolução Tunisiana
não foram dirigidos por um partido ou por lideranças claras”.
Neste artigo o autor utiliza a declaração do professor Hamadi Redissi, professor
de direito da Universidade de Tunise autor do livro A Tragédia do Islã Moderno onde
afirma que quem fez a revolução foram jovens diplomados e desempregados,
ciberativistas e sindicatos.
O autor também discorre sobre as eleições que ocorreram no dia 23 de outubro
de 2011 em que o grande vencedor foi o partido islâmico Nahda (“renascimento”), o
autor atribui a vitória do partido islâmico à fragmentação de partidos de esquerda,
quando mais de 130 partidos disputaram as eleições, a apresentação do Nahda como
partido islâmico de “segunda geração” e a antiga divisão da Tunísia.
Vladimir destaca um aspecto importante nas eleições tunisianas, afirmando que
o Partido Nahda foi financiado pelo Qatar, e explica que Qatar e Arábia Saudita são
grandes aliados do ocidente, atuando agressivamente na região do Oriente Médio para
fortalecer a islamização da região, da sociedade e de seus costumes.
Segundo Marcel Van Hattem em seu artigo Entenda Melhor a Primavera Árabe
diz: “O que virá após a primavera árabe? Dez entre dez analistas de conjuntura
internacional tentam dar resposta a esta pergunta, conjeturam sobre o futuro dos
sistemas políticos no Magreb”.
Essa afirmação mostra como a situação atual no Oriente Médio é muito incerta,
podendo assumir o poder, políticos de partidos moderados radicais ou laicos, o que na
região e nos países onde ocorrem essas manifestações é muito comum. Isso poderá se
comprovar uma vez que a influência da religião é um fator de fundamental importância
na vida das pessoas e isso torna o cenário mais complexo. O mais provável é que
radicais que interpretam o alcorão ao pé da letra e de forma errônea possam assumir o
poder trazendo ainda mais instabilidade e insegurança à região.
O autor ainda em seu artigo argumenta:
“...que a pergunta não pode ter uma resposta coerente se não levarmos em conta o que
gerou a onda de revoltas populares no mundo árabe. Mohammed Bouazizi, precisa ser
lembrado, como o autor do grito final de desespero de todos os povos que enfrentam
governos opressores que lhes negam seus direitos mais básicos: Bouazizi ateou fogo ao
seu próprio corpo, em protesto contra os fiscais do governo que o achacavam para que
pudesse continuar vendendo suas frutas e verduras na feira, em Túnis, para sustentar sua
família”.
Esses argumentos mais uma vez mostram que a instabilidade na região pode vir
de qualquer manifestação mesmo que solitária o que facilmente se espalhará pela região
e poderá mudar toda a história novamente.
Marcel ressalta em seu texto que “infelizmente o fim de ditaduras não significa a
emergência de democracias, mas ao contrário, pode acarretar no surgimento de novas
ditaduras”, como dito anteriormente.
A influência de partidos controlados por radicais pode trazer ditaduras ainda
piores do que as que estavam instaladas nestes países o que pode gerar manifestações e
conflitos ainda maiores.
Já na Síria a situação é bem diferente. É um país muito importante na região que
surge junto com a ascensão islâmica no período do califado Omiada (661 – 750). Em
1516 a Síria faz parte do Império Otomano o que perdura ate o século XX. Na primeira
guerra mundial a Síria é dividida em duas partes: uma que fica sob domínio Francês e
outra sob domínio Inglês. A partir da sua independência em 1946 a Síria começa a
enfrentar problemas com Israel que invade e toma conta de seus territórios. Isso se
estende até os dias atuais e os EUA vetam qualquer resolução no Conselho de
Segurança em favor da Síria.
CONCLUSÃO
Com certeza, os resultados da primavera árabe serão observados por um longo
tempo. Essas manifestações mostram que uma juventude vigilante, politizada,
consciente está alerta e pretende repetir manifestações ainda mais agudas do que as que
ocorreram nos últimos meses. Essas manifestações eclodiram em vários outros países,
deixando que algumas perguntas importantes ainda fiquem sem resposta: quem irá
substituir esses governantes? Como ficarão as relações entre Xiitas e Sunitas após estas
revoluções? E como será a relação entre esses países com o ocidente?
Antes de qualquer resposta é importante salientar que o Oriente Médio vive uma
transformação inédita de regimes autoritários para a democracia. O sistema democrático
não é dominado pela população de diversos países, muitas pessoas destes países nunca
votaram, nem sabem o que vai acontecer depois, o sistema eleitoral é muito complexo
para muitos e isto traz incertezas e medos. O que a maioria destas pessoas procura não é
a democracia como conhecemos aqui no ocidente e sim, a democracia onde possam ter
emprego, comida, dignidade. A democracia que os árabes do Egito, Iêmen, Líbano,
Tunísia, Líbia buscam é a democracia baseado no Alcorão, ou seja, na shari‘a5, como
ocorre no Irã. Esse fato é mostrado na vitória esmagadora dos partidos muçulmanos nas
eleições, a Irmandade Muçulmana no Egito, e o partido Nahda na Tunísia.
A democracia como concebemos e como está sendo implantada no Oriente
Médio tem muitos perigos, ainda mais em uma região onde o fanatismo é muito grande,
e um desses fanáticos pode acabar sendo eleito e as consequências podem ser muito
piores do que foram no governo Tunisiano, Iemenita ou Egípcio. Mesmo os problemas
entre Xiitas e Sunitas na luta pelo poder não são tão perigosos quanto um governante
5 CONJUNTO DE LEIS ISLÂMICAS QUE TRATAM DOS COSTUMES E DA VIDA EM SOCIEDADE. É O CÓDIGO
MORAL E RELIGIOSO DO ISLÃ.
chegar ao poder com uma mentalidade igual ou pior à do Talibã6 que foi um retrocesso
e uma interpretação do Alcorão muito rígida e distorcida, fazendo parecer que o
governo islâmico seria um sistema político errôneo e intransigente.
A questão entre Xiitas e Sunitas está muito longe de ter um fim, apesar de serem
todos muçulmanos, seguirem o Alcorão e ter Allah (swt)7
como único Deus e
Muhammad (s.a.a.s) como seu mensageiro. Existe mais intolerância entre essas duas
correntes do Islã do que afinidade propriamente dita. Esta é uma questão que
infelizmente será difícil de se chegar a um consenso, principalmente em locais como
Iraque e Arábia Saudita.
A relação entre os países do Oriente Médio mesmo com novos governantes
tende a ficar ainda mais hostil, principalmente enquanto o ocidente não exigir e forçar a
volta de Israel às fronteiras de 1967 e o reconhecimento do Estado Palestino de direito.
Com certeza os Estados Unidos perderam muito de sua influência e seu trânsito em
vários países como Egito, Tunísia e Argélia. Em contrapartida irão ganhar na Líbia. As
últimas eleições parlamentares deixaram isso muito claro, principalmente no Egito onde
a Irmandade muçulmana sagrou-se vencedora. Neste partido os EUA não tem muitos
simpatizantes, o que tornou ainda mais difícil uma possível negociação com Israel,
como Mubarak conseguiu em seu governo. Uma das primeiras atitudes da junta militar
que assumiu o poder foi abrir a fronteira com a palestina que estava fechada há muito
6 O TALIBÃ É UM GRUPO POLÍTICO QUE ATUA NO AFEGANISTÃO E NO PAQUISTÃO. A MILÍCIA TEVE ORIGEM
NAS TRIBOS QUE VIVEM NA FRONTEIRA ENTRE ESSES DOIS PAÍSES E SE FORMOU EM 1994, APÓS A OCUPAÇÃO
SOVIÉTICA DO AFEGANISTÃO (QUE DUROU DE 1979 A 1989) E DURANTE O GOVERNO DOS TAMBÉM
REBELDES MUJAHEDINS. ASSIM, A MILÍCIA INVADIU A CAPITAL CABUL E TOMOU O PODER, GOVERNANDO O
PAÍS DE 1996 ATÉ A INVASÃO AMERICANA EM 2001. APESAR DE SER DESTITUÍDO DO GOVERNO FORMAL, O
GRUPO CONTINUOU SENDO INFLUENTE.
HOJE O OBJETIVO DO TALIBÃ NO AFEGANISTÃO É RECUPERAR SEU TERRITÓRIO E EXPULSAR OS INVASORES
DOS EUA E DA OTAN. PARA TENTAR DESESTABILIZAR SEU INIMIGO O GRUPO UTILIZA TÁTICAS DE
GUERRILHA E ATAQUES DE HOMENS-BOMBAS. UMA HIPÓTESE É QUE O DINHEIRO PARA FINANCIAR AS
AÇÕES VENHA DE TRIBUTOS COBRADOS DOS PLANTADORES DE ÓPIO. MAS A CARACTERÍSTICA PRINCIPAL
DO GRUPO É TER UMA INTERPRETAÇÃO MUITO RÍGIDA DOS TEXTOS ISLÂMICOS, INCLUINDO PROIBIÇÕES À
CULTURA OCIDENTAL E À OBRIGATORIEDADE DO USO DA BURCA PELAS MULHERES. UM DOS MAIORES
ERROS QUE O OCIDENTE COMETE EM RELAÇÃO AO TALIBÃ É CONFUNDI-LO COM OS TERRORISTAS DA AL
QAEDA. O TALIBÃ É PROVINCIAL, AGE APENAS EM SUA REGIÃO E NÃO TEM NADA A VER COM ATAQUES A
PAÍSES DO OCIDENTE. OUTRA DIFERENÇA ENTRE AS MILÍCIAS É QUE A AL QAEDA É COMPOSTA POR
ÁRABES, ENQUANTO QUE O TALIBÃ CONGREGA INDIVÍDUOS DE TRIBOS AFEGÃS, NA MAIORIA DA ETNIA
PASHTUN. PORÉM, APESAR DE IDEOLOGIAS DISTINTAS OS DOIS GRUPOS SÃO ALIADOS E SE AJUDAM EM
QUESTÕES DE LOGÍSTICA, ARMAS E DINHEIRO. 7
ABREVIAÇÃO DA EXPRESSÃO: "SUBHANAHU WA TA'ALA,"QUE SIGNIFICA EXALTADO E GLORIFICADO,
USADO SEMPRE QUE SE CITA O NOME DE ALLAH.
tempo, o que desagradou a Israel que considerava essa fronteira como um corredor de
terroristas que atacavam seu território e tráfico de armas para o Estado Palestino.
Dolhnikoff diz:
“A construção de uma democracia não é o objetivo de nenhuma organização política
importante ou verdadeiramente influente em qualquer dos países árabes, incluindo o
Egito, que sofre agora o “efeito dominó” da revolta tunisiana, com a população saindo
às ruas para pedir o fim da ditadura de Hosni Mubarak. Costuma-se dizer que a
inexistência de forças democráticas árabes minimamente organizadas é culpa das
próprias ditaduras árabes, pois as teriam sufocado”.
Com todos esses elementos o cenário no Oriente Médio pós-primavera árabe
mostra uma população muito mais atenta aos novos fatos, com certeza muitos estados
islâmicos serão criados, as relações com o ocidente poderão ser muito mais delicadas e
o fator petróleo irá determinar muitas mudanças neste cenário, e em cenários futuros.
Arrisco dizer que um Estado Palestino está muito próximo de ser criado, com o apoio
internacional crescente principalmente com o uso intenso da nova mídia e a divulgação
de fatos até então não tão divulgados, e até mesmo pela aliança do Fatah com o Hamas,
o que para Israel é terrível, porque agora não terá apenas moderados na mesa de
negociação e sim uma coalizão, que terá o apoio da maioria dos países Árabes.
O que resultará em uma pressão que, com certeza, poderá dar origem
definitivamente ao Estado Palestino, um ponto muito importante se não for o principal
hoje, na agenda internacional que, se resolvido, poderá diminuir o tamanho do barril de
pólvora ou até mesmo evitar a explosão deste barril.
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