UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
MÁRCIA REGINA DOS SANTOS
A PEDAGOGIA DE PROJETOS:
DE SUA FORMULAÇÃO INICIAL A SUA RE-SIGNIFICAÇÃO
NA EDUCAÇÃO INFANTIL ATUAL
Ijuí (RS)
2007
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MÁRCIA REGINA DOS SANTOS
A PEDAGOGIA DE PROJETOS:
DE SUA FORMULAÇÃO INICIAL A SUA RE-SIGNIFICAÇÃO
NA EDUCAÇÃO INFANTIL ATUAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação nas Ciências – Mestrado, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências.
Orientador: Professor Doutor José Pedro Boufleuer
Ijuí (RS)
2007
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A comissão abaixo assinada, aprova a presente dissertação
A PEDAGOGIA DE PROJETOS:
DE SUA FORMULAÇÃO INICIAL A SUA RE-SIGNIFICAÇÃO
NA EDUCAÇÃO INFANTIL ATUAL
elaborada pela mestranda
MÁRCIA REGINA DOS SANTOS
como requisito para obtenção do grau de
MESTRE EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS
COMISSÃO EXAMINADORA:
______________________________________ Doutor José Pedro Boufleuer (Orientador)
______________________________________ Doutor Celso José Martinazzo (Unijuí)
____________________________________ Doutor Livio Arenhart (URI Santo Angelo)
3
edico este trabalho a todas as
crianças que no decorrer destes
17 anos de minha carreira no Magistério foram
meus alunos nas turmas de Educação Infantil
e, em especial, às minhas sobrinhas, Ana
Cláudia e Giovana, com quem muito aprendi
sobre a grandiosidade de conviver com a
infância.
D
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AGRADECIMENTOS - A Deus, que em sua infinita misericórdia me acompanha em todos os momentos de minha
vida e me proporciona a realização de mais um sonho.
- Aos meus queridos pais, Clarinda e Altidor , que souberam sabiamente valorizar a
educação, incentivando a continuidade da minha formação, e pela sua presença atenciosa
junto a mim.
- À minha irmã Marta , pelo apoio emocional e financeiro que sempre dispensou no
decorrer de minha formação e pelo exemplo de determinação e otimismo que tem sido
desde a minha infância, sendo um importante referencial de vida para mim.
- À minha irmã Mara , que sempre me apoiou em minhas iniciativas, e com cujo auxílio
pude cursar o Magistério, dando, assim, início a minha trajetória como educadora.
- Às queridas sobrinhas Ana Cláudia e Giovana, pela presença constante e alegre no meu
dia-a-dia, amenizando os momentos de trabalho e estudo.
- Ao professor e orientador desta pesquisa, Doutor José Pedro Boufleuer, pelos momen-
tos valiosos que me dispensou e que se constituíram em escuta, diálogo e, sobretudo, de
muitas aprendizagens para que esta dissertação se concretizasse.
- À querida amiga Edite Sabbi Porciúncula, que em generosas palavras de incentivo
conduziu-me a participar da seleção do Mestrado em Educação nas Ciências.
- À direção e coordenação do Colégio Sagrado Coração de Jesus, pelo incentivo e
compreensão no decorrer do Curso ao longo de dois anos, proporcionando momentos em
que eu pudesse ausentar-me da escola para freqüentar aulas e cursos.
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- À amiga e colega Lidiani Cavinato, pelo apoio constante junto aos alunos nos momentos
em que estive ausente.
- Às queridas colegas e amigas Haide Elmers, Claudete Drews e Letícia Ferreira, pelo
companheirismo, incentivo e pelas experiências relatadas na presente pesquisa.
- À Unijuí , pela concessão da Bolsa de Filantropia, sem a qual seria inviável a realização
do Mestrado.
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RESUMO
O presente trabalho tematiza o que se convencionou chamar de Pedagogia de Projetos. O interesse por esta temática decorre das reflexões que a própria experiência de educadora infantil suscitou em função da adoção dos “projetos” em sala de aula. Por isso, na estruturação deste texto, essa perspectiva pedagógica aparece primeiramente em meio à trajetória de formação e de atuação profissional da pesquisadora. Em seguida, ela é objeto de observação e de análise em duas escolas que adotam a Pedagogia de Projetos em sua proposta de formação. Na continuidade, a pesquisa resgata tal pedagogia na forma como ela foi proposta inicialmente pelo filósofo americano John Dewey e seu discípulo William Kilpatrick, ainda no final do século XIX. Na parte seguinte busca ver de que forma a Pedagogia de Projetos vai tendo incorporações e re-significações pelas contribuições de teóricos contemporâneos. Por fim, são sugeridas as possibilidades de essa proposta pedagógica contribuir para a formação democrática e a aprendizagem mediada pela pesquisa. Palavras-chave: Educação Infantil. Pedagogia de Projetos. John Dewey. William Kilpatrick.
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ABSTRACT
The present work approaches what it was stipulated to call Project-based Pedagogy. The interest for this subject elapses of the reflections that the childish educator got when he adopted “projects” in classroom. Therefore, in the structure of this text, this pedagogical perspective appears related with the formation and professional performance of the researcher. After that, it is object of observation and analysis in two schools that adopt the Project-based Pedagogy in its proposal of formation. The research rescues the essence of the pedagogy as it was idealized by the American philosopher John Dewey and his disciple William Kilpatrick in the end of nineteenth century. In the following part, the search intends to present how Project-based Pedagogy goes having incorporations and new senses for the contributions of theoretical contemporaries. Finally, the possibilities of this pedagogical proposal are suggested to serve in the democratic formation and the learning mediated for the research. Key words: Children’s Education. Project-based Pedagogy. John Dewey. William Kilpatrick.
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SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................................10 1 A PEDAGOGIA DE PROJETOS NO COTIDIANO DA EDUCAÇÃO INFANTIL..........14 1.1 A Trajetória de Educadora: caminhos metodológicos percorridos até a Pedagogia de Projetos ................................................................................................................................14 1.2 Os Projetos de Trabalho na Proposta Pedagógica de duas Escolas Infantis de Ijuí: do Planejamento à Execução ....................................................................................................19 1.2.1 A Escola “A” e a Prática de Projetos...............................................................................20 1.2.2 A Escola “B” e a Prática de Projetos...............................................................................26 1.3 Conversas com as Professoras sobre o Trabalho com a Pedagogia de Projetos.................29 2 A PEDAGOGIA DE PROJETOS EM SUAS FORMULAÇÕES INICIAIS .......................33 2.1 Dewey: o filósofo e educador do ideal democrático ..........................................................34 2.2 O Sentido de Democracia para Dewey...............................................................................36 2.3 O Pragmatismo e o Conhecimento .....................................................................................39 2.4 A Centralidade da Experiência na Educação Progressivista ..............................................41 2.5 A Comunicação e Socialização em Dewey ........................................................................45 2.6 Kilpatrick: o implementador de uma idéia de Dewey ........................................................46 2.7 A Pedagogia de Projetos com Vistas a uma Nova Escola..................................................49 2.8 O Papel do Educador na Pedagogia de Projetos.................................................................53 2.9 Repercussões da Pedagogia de Dewey no Brasil ...............................................................54 2.10 A Concepção de Infância e sua Educação na Escola Nova..............................................56 3 A RE-SIGNIFICAÇÃO DA PEDAGOGIA DE PROJETOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL ATUAL .............................................................................................................. ...60 3.1 A Pedagogia de Projetos nas duas Escolas Investigadas à Luz das Concepções de Dewey e Kilpatrick...................................................................................................................61 3.1.1 O Objetivo do Trabalho com Projetos.............................................................................62 3.1.2 A Operacionalização da Pedagogia de Projetos Mediada pelo Educador .......................64 3.2 A Pedagogia de Projetos Re-Configurada e Re-Significada com a Contribuição de Novos Teóricos.........................................................................................................................68 3.2.1 Fernando Hernández e os Projetos de Trabalho ..............................................................68 3.2.2 A Pedagogia de Projetos Aliada ao Desenvolvimento de Competências........................72 3.2.3 Reggio Emilia e o Trabalho Inovador com a Pedagogia de Projetos ..............................74
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3.3 Contribuições da Pedagogia de Projetos à Qualificação e às Diretrizes Atuais da Educação Infantil ......................................................................................................................76 3.3.1 A Dimensão Democrática: é possível contemplá-la no contexto da educação infantil?.....................................................................................................................................77 3.3.2 A Pesquisa como Elemento Possibilitador de Situações de Aprendizagens ...................79 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................83 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................88
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INTRODUÇÃO
A Lei n. 9.394/96, que trata das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, considera a
Educação Infantil como a primeira etapa da Educação Básica (título V, capítulo II, seção II,
art. 29), tendo como finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de
idade. Mesmo tendo-se observado um esforço em tornar realidade esse preceito legal, pelo
avanço do mero assistencialismo para a constituição de um espaço educativo que promovesse
o desenvolvimento infantil em sua totalidade, venho observando, com base em minha
experiência de educadora infantil, que ainda há muito por se fazer. De um modo geral, pode-
se dizer que a prescrição legal ainda constitui um desafio, uma perspectiva a ser desvendada e
um espaço a ser conquistado. Isso me leva a abordar a questão da educação infantil, buscando,
para além das rotinas vivenciadas nas práticas das escolas infantis, um aprofundamento da
reflexão em torno do modo pedagógico de trabalhar com a infância.
A Constituição Federal de 1998 propõe uma visão de criança como um sujeito de
direitos. Direitos estes que foram regulamentados também no Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei Federal n. 8.969/90), explicitando uma concepção de criança cidadã.
Lamentavelmente, na prática, verificamos que não há garantias para esses direitos.
Atualmente nos confrontamos com diferentes concepções de infância. Existem adultos que
tratam as crianças como ingênuas e inocentes, ao passo que outros as tratam como seres
imperfeitos, que precisariam ser moldados, o que exigiria um tratamento moralizador. Surge o
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desafio de desvendarmos com qual infância trabalhamos e que concepção acerca dela
assumimos em nossa prática. Para tanto, compreender a infância na sua complexidade nos
remete a um olhar interdisciplinar. Nesse sentido, buscarei enfocar o que se tem denominado
de Pedagogia de Projetos, que constitui uma prática atualmente utilizada na maioria das
escolas infantis da cidade de Ijuí, RS.
Em um Simpósio de Educação Infantil realizado no ano de 2003 participei de uma
oficina intitulada “Projetos na Educação Infantil”, em que pude constatar o nome de John
Dewey como o teórico que concebeu a idéia de projetos. A partir daí passei a buscar novas
informações que se tornaram ponto de partida para a realização desta pesquisa. Busquei
aprofundar teoricamente a noção de projetos, confrontando-a com a realidade das escolas
infantis que já fazem uso dessa metodologia, a fim de verificar se tal metodologia pode
contribuir para a constituição de um currículo que considere a escola como um espaço aberto,
em aproximação com a vida real do aluno.
A Pedagogia de Projetos tem sua origem nas proposições de John Dewey e William
Kilpatrick, feitas há mais de 70 anos, nos Estados Unidos. Observa-se que a expressão
“Pedagogia de Projetos” vem sendo usada em muitas escolas, aparecendo como uma proposta
de condução curricular em projetos de escola e nos planos de trabalho de professores. A
intenção da presente pesquisa é, portanto, tematizar a educação infantil pela via da noção de
“Pedagogia de Projetos”, buscando ver até que ponto tal proposta permite incorporar
concepções antigas e novas na organização e condução do trabalho pedagógico.
Proponho, portanto, no primeiro capítulo, lançar o olhar de educadora/pesquisadora de
educação infantil sobre o cotidiano escolar, objetivando constatar empiricamente de que
forma vem se desenvolvendo, na prática, a Pedagogia de Projetos. Não me coloco apenas na
condição de pesquisadora, mas procuro também abordar a minha trajetória como educadora
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da infância, uma vez que esta condição em muito influenciou a realização desta pesquisa.
Partindo da premissa de que, como educadoras, é importante registrar nossas práticas e o que
refletimos acerca delas, iniciarei contando como me constituí professora de educação infantil,
destacando alguns aspectos que surgiram ao longo desses 17 anos de experiência em sala de
aula, principalmente no que diz respeito às diferentes concepções curriculares que
acompanhei nesse período. Na seqüência registrarei as vivências, as observações e os diálogos
realizados com educadores de duas escolas infantis da cidade de Ijuí, RS. Começo
apresentando a prática de projetos da escola onde atuo (rede particular de ensino) e,
posteriormente, apresento a prática de projetos de outra escola (rede pública). Ao escolher
duas escolas viabilizo uma análise em dois contextos sociais que diferem entre si, permitindo
também verificar a prática desta metodologia em diferentes realidades sociais. O registro do
diálogo com as professoras dessas duas escolas dá continuidade ao capítulo, quando
verificarei quais concepções norteiam a prática das mesmas no que se refere à Pedagogia de
Projetos.
Estaria hoje a Educação Infantil embasando a sua prática na metodologia de projetos
de acordo com os princípios deweyanos, que pioneiramente a propôs? Há repercussões das
idéias de Dewey nas práticas de educação infantil em sentido geral? E no que se refere às
escolas e docentes que adotam tal metodologia, o que permanece das proposições iniciais e o
que a elas se acrescentou? São essas algumas das questões para as quais buscaremos respostas
em nossas investigações.
Considerando as realidades abordadas no capítulo anterior, procuro no segundo
capítulo elucidar as concepções deweyanas, partindo inicialmente da biografia de John
Dewey, uma vez que ao conhecer sua trajetória de vida é possível compreender muitos
aspectos a respeito da sua teoria. Daremos especial atenção a sua noção de democracia, um
conceito central para ele, e que vai influenciar a sua perspectiva de educação, juntamente com
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a noção de experiência. Explorarei, também, a concepção pragmatista que o direcionava
enquanto filósofo e que permeou sua teoria. Embora haja a tentativa de abordar isoladamente
essas categorias, as mesmas complementam-se, sendo que várias vezes surgem inferências de
uma para outra, já que para Dewey elas estão interligadas no ato de educar e, sobretudo, de
“viver”.
O desafio surge em desvelar como se dá o conhecimento para Dewey e constatar como
surgiu a Pedagogia de Projetos, em seu cerne, sem as influências atuais. Para tanto, também
explorarei dados sobre seu discípulo William Kilpatrick, bem como utilizarei algumas obras
de Lourenço Filho e Anísio Teixeira, que em muito contribuíram para a vinda do
escolanovismo no Brasil, traduzindo e divulgando muitas obras e concepções deweyanas.
Após ter verificado como está sendo efetivada a Pedagogia de Projetos na prática
diária da educação infantil e de ter explicitado as concepções teóricas que a originaram,
especificamente com o filósofo e educador John Dewey, delinearei no terceiro capítulo a
análise de algumas categorias surgidas na pesquisa empírica, comparando-as com as idéias de
Dewey para, a partir daí, verificar em que pontos ocorrem aproximações ou diferenciações
relativamente à idéia original de Pedagogia de Projetos. Também abordarei as re-
configurações e re-significações que outros teóricos, em tempos mais recentes, incorporaram
à Pedagogia de Projetos, finalizando com as possíveis contribuições da Pedagogia de Projetos
à qualificação e às diretrizes atuais da educação infantil.
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1 A PEDAGOGIA DE PROJETOS NO COTIDIANO DA EDUCAÇÃO INFANTIL
A ação pedagógica a partir da Pedagogia de Projetos tem sido muito difundida no
contexto da educação infantil. Cada escola e seus educadores possuem suas propostas
documentadas e assim embasam a sua prática. O interesse pela temática desta pesquisa nasceu
da minha atuação como educadora e, por isso, inicio este capítulo demarcando minha
trajetória profissional, inserindo-me neste espaço de análise. Posteriormente narro o processo
da pesquisa empírica desenvolvida em duas escolas infantis na tentativa de resgatar no
cotidiano vivido entre educadoras e educandos como ocorre a operacionalização da Pedagogia
de Projetos.
1.1 A Trajetória de Educadora: caminhos metodológicos percorridos até a Pedagogia de
Projetos
Ao propor pesquisar no âmbito das escolas infantis como se efetiva na prática a
Pedagogia de Projetos eu não poderia deixar de situar-me nesse espaço enquanto educadora
que atualmente utiliza essa modalidade pedagógica em sala de aula. Proponho estabelecer
essa discussão paralelamente a minha constituição como educadora, o que permite re-visitar a
própria experiência em termos de propostas e modalidades de organização curricular
vivenciadas no contexto da educação infantil até os dias de hoje.
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No ano de 1990 formava-me professora através do Curso de Magistério com 17 anos
de idade. Na busca inquietante por uma vaga no mercado de trabalho ingressava, já no mesmo
ano, como professora em uma creche particular de nossa cidade, que era mantida por uma
empresa como benefício aos seus empregados. Na época, as creches tinham cunho
assistencialista e eram conveniadas com a Legião Brasileira de Assistência (LBA), órgão
governamental do qual provinham alguns recursos financeiros.
O que afirmo agora com veemência é uma marca, motivo de angústia ao longo de
muitos anos: ao assumir uma turma de maternal sequer tinha noção do que era uma creche,
ou, ainda, uma pré-escola, como era a nomenclatura utilizada na época. Assustadores foram
os primeiros contatos com as crianças enquanto tentava aproximar o que havia estudado no
segundo grau em relação àquela estranha realidade. As recomendações logo vieram das
monitoras (leigas na formação pedagógica): “Aqui a gente cuida das crianças enquanto as
mães trabalham. De manhã tem uma aulinha. De tarde, depois do almoço, elas dormem e
brincam”.
Todo o espaço de trabalho, bem como as formas como o trabalho do dia-a-dia era
conduzido, causavam-me grande estranhamento. Havia aí bebês de poucos meses de idade
que muito choravam ao serem deixados pelas mães (sendo que a maioria chegava às 6h45min
da manhã). Também aí havia crianças de diversas faixas etárias, que permaneciam juntas uma
grande parte do tempo e causavam grande agitação, pois eram totalmente livres em suas
escolhas, as quais se resumiam em brincar ou assistir televisão. Existia uma grande
preocupação com a alimentação e o sono das crianças, aspectos considerados centrais na
rotina diária. Porém, tudo era feito com muita rapidez, pois era preciso que tudo estivesse
pronto até o horário de intervalo das professoras.
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Toda esta forma estruturada de tempos e espaços era totalmente diferenciada das
escolas de ensino fundamental, onde até então eu tinha trabalhado com as práticas do Curso
de Magistério. Como sempre tive muita afinidade com crianças pequenas, sendo que já no
estágio solicitei trabalhar com uma turma de primeira série, fui me ajustando a esta realidade.
A profissional encarregada da coordenação da creche era uma assistente social que, desde a
minha contratação, solicitou que as crianças realizassem mais “atividades”, já que em função
de sua ociosidade muitos acidentes aconteciam. Essa profissional, porém, não acompanhava
diariamente o trabalho desenvolvido, havendo um distanciamento, uma vez que tinha função
específica na empresa mantenedora da creche.
Passei a utilizar muitas práticas que eram chamadas de técnicas de artes plásticas e
também atividades de coordenação motora ampla que havia vivenciado nas aulas de Didática
de Artes e de Educação Física. No decorrer do tempo (ao longo de 2 a 3 anos) a estrutura
docente da creche foi se alterando e dando lugar a profissionais habilitados no Magistério,
porém desconhecedores dessa etapa educativa. Para mim era o início de uma formação que
continua até os dias de hoje. Uma formação aprimorada com cursos de qualificação
promovidos pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
(Unijuí), pela Organização Mundial para a Educação Pré-escolar (OMEP) ou, ainda, por
outras instituições. O contato com professores de pré-escola de escolas de Ensino
Fundamental em muito auxiliou na construção de uma proposta pedagógica para a
organização das creches. Em muitos cursos ocorriam momentos de socialização e de troca de
idéias. Também passamos a visitar outras escolas para observar como era desenvolvido o
trabalho com a educação infantil. A literatura especializada sobre essa etapa educacional era
quase inexistente. Muitas práticas entrecruzavam-se e as dúvidas eram do tipo: podem-se
oferecer desenhos prontos para as crianças colorirem ou não? Inicia-se a alfabetização na pré-
escola ?
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De uma rotina diária em que o cuidar prevalecia sobre o educar, passamos para um
planejamento incipiente, pautado primeiramente nos “centros de interesse”1, que constituía
uma perspectiva de organização pedagógica fortemente difundida em nossa cidade (Ijuí, RS)
no século XX entre o final dos anos 80 e início dos anos 90. Logo mais, em meio à ampla
divulgação da teoria construtivista, centrada nos estudos do biólogo Jean Piaget e na proposta
alfabetizadora de Emília Ferreiro, surgiram os chamados “temas geradores”2. Baseados na
obra de Paulo Freire e, entre nós, propostos pela pesquisadora Sandra Corazza, os “temas
geradores” articulavam teoricamente processos de aprendizagem e psicanálise. Em meio a
reuniões de planejamento, palestras e cursos, este emaranhado teórico-prático articulava-se no
dia-a-dia das escolas, em que os professores foram adaptando sua prática ao que liam, ouviam
e discutiam.
Em 1995 e 1996, já cursando Pedagogia e trabalhando como professora em uma escola
de Ensino Fundamental e Médio, pertencente à rede particular de ensino, começou a existir
um maior número de publicações que passaram a tornar-se referência para os professores que,
como eu, atuavam na educação infantil. Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (n. 9.394/96), que reconheceu a Educação Infantil como uma etapa educacional,
houve um grande interesse pela pesquisa nessa área, o que refletiu substancialmente na
formação dos educadores para a Educação Infantil.
Em 1999, as escolas infantis foram assoladas com o Referencial Curricular Nacional
para a Educação Infantil, divulgado pelo Ministério da Educação (MEC), e que propunha uma
unificação dos estudos na busca da qualificação dessa etapa educativa. Nesse Referencial,
1 Centros de Interesse – Método de ensino criado pelo escolanovista belga Ovide Decroly (1871-1932), que parte
das necessidades e interesses dos educandos. Estruturou um ensino globalizador que excluía as matérias tradicionais. No geral, as crianças expressavam-se através do desenho, modelagem, dramatização e linguagem oral (DROUET, 1990).
2 Temas Geradores – Metodologia em que se elegem temas oriundos da vida cotidiana dos educandos com base na concepção dialética que se supõe partir da prática, teorizar sobre ela e retornar para transformá-la (CORAZZA, 1992).
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composto de três volumes, a estruturação curricular para a Educação Infantil prevê objetivos
distribuídos por áreas de conhecimento em acordo com cada faixa etária, contemplando-se
desde as turmas de berçário à pré-escola. Nele também se encontram textos sobre a
organização do planejamento do professor, com a sugestão de que ele considere a realidade
dos educandos e a rotina estabelecida pela escola infantil. Observe-se que as propostas
constantes desse Referencial foram e ainda são seguidas à risca por muitos educadores.
Nesse processo de adequação das escolas ao Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil muitas delas passaram a nomear sua metodologia de trabalho como
“projetos”. Segundo o Referencial Curricular, “Os projetos são conjuntos de atividades que
trabalham com conhecimentos específicos construídos a partir de um dos eixos de trabalho
que se organizam ao redor de um problema para resolver ou um produto final que se quer
obter” (SMED, 1998, p. 57). De resto, pouco se explicitou acerca do trabalho por projetos,
tanto nesse documento oficial quanto no âmbito do planejamento das escolas infantis. Mesmo
assim, no decorrer do tempo foi se aceitando essa “sugestão” metodológica, apesar de não se
conhecerem os seus fundamentos teóricos.
Hoje, ao analisar o porquê de estar utilizando essa metodologia, dou-me conta de que
na escola passamos por processos que muitas vezes acontecem de forma lenta e gradual, como
foi o caso da passagem dos temas geradores para os projetos. Pode-se observar que tais
processos nem sempre são acompanhados de uma análise mais profunda de suas implicações,
sendo que em muitos casos se começa a fazer uso de materiais que outras colegas de profissão
já desenvolveram e que, então, passamos a utilizar “por terem dado certo”. Na verdade, são
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mudanças que se implementam sob a forma de “receitas”3 educativas que se passam e que se
incorporam nas propostas e práticas escolares.
O fato de atualmente ainda estar trabalhando com a metodologia de projetos constitui
uma das motivações da presente pesquisa. E é nesse sentido que procurarei abordar, a seguir,
como esta prática se desenvolve no cotidiano de duas escolas. Para além de analisar a escola
em que atuo, escolhi também uma outra para fazer essa observação e conseqüente análise.
Para diferenciar as duas escolas que serão objeto de verificação e análise identificarei uma
como Escola “A” e a outra como Escola “B”.
Para dar continuidade a esta tarefa utilizo uma reflexão feita por Sônia Kramer (2002,
p. 23):
O reconhecimento da diversidade cultural e social das crianças não pode levar a aceitar discriminações do tipo “escola ou pré-escola para crianças das classes populares” e “escola ou pré-escola para crianças da classe média”. E isso porque insistimos no critério único de qualidade como requisito para uma educação democrática, pois a diferença deve ser considerada para que se possam alcançar os mesmos objetivos independentes da origem sócio-econômica ou cultural das crianças.
Saliento que não pretendo estabelecer comparações entre os trabalhos desenvolvidos
pelas duas escolas, uma vez que são duas realidades distintas. O que interessa neste estudo é
detectar como está acontecendo na prática a Pedagogia de Projetos.
1.2 Os Projetos de Trabalho na Proposta Pedagógica de duas Escolas Infantis de Ijuí: do
planejamento à execução
Para acompanhar na prática a efetivação dos projetos de trabalho foram realizadas
observações em sala de aula ao longo de um ano letivo, bem como mantidas conversas com as
3 Cotidianamente o termo “receitas” é utilizado pelos professores para exemplificar atividades que podem ser
realizadas com os alunos. “Trocar receitas” entre professores tem o sentido de sugestão, de uns para outros, de atividades que podem ser realizadas.
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professoras das duas escolas escolhidas para a pesquisa. Inicialmente entrei em contato com a
equipe diretiva das escolas explicitando a intenção da pesquisa. Na escola em que atuo já
havia registros das práticas ocorridas, tornando-se a pesquisa bem aceita pelos professores. Na
segunda escola pesquisada foi necessário um tempo maior de contato, uma vez que não
conhecia a sua realidade. Só aos poucos fui criando as relações necessárias para que houvesse
a contribuição por parte dos profissionais lá envolvidos.
1.2.1 A Escola “A” e a Prática de Projetos
A escola “A”, a que me refiro neste momento, faz parte da rede privada de ensino,
fundada no ano de 1934. É freqüentada por uma média de 500 alunos, oriundos das classes
sociais média e alta, que cursam da Educação Infantil ao Ensino Médio. Essa escola possui
ótima estrutura física, sendo uma das poucas escolas da cidade a oferecer amplas salas de aula
aos alunos da Educação Infantil, além de uma grande diversidade de espaços físicos que são
utilizados pelas crianças: duas pracinhas, ginásio de esportes, laboratórios de informática, sala
de danças, auditório e quadras de esportes ao ar livre. Além da estrutura física, essa escola
conta com uma equipe de 44 professores e 10 funcionários para garantir a efetivação de sua
proposta de trabalho.
No que diz respeito à Educação Infantil, os professores que ali atuam trabalham 22
horas semanais, sendo duas horas de planejamento semanal e ainda quatro horas de estudo
que ocorrem fora do horário de trabalho. Atualmente são quatro as professoras que atuam nas
turmas de Maternal, Jardim e Pré-escola. Três professoras atuam na escola há 12 e 18 anos,
representando um longo período de experiência nesta área. Também atuam quatro professores
das chamadas aulas complementares (Inglês, Musicalização, Informática e Educação Física),
sendo que em cada turma trabalham uma hora semanal. Estes professores fazem planejamento
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conjunto com os demais professores e procuram desenvolver em suas aulas atividades
referentes aos projetos em andamento.
Em termos de prática pedagógica, a escola atua há aproximadamente 10 anos com a
Pedagogia de Projetos. No início de cada ano letivo, na denominada Semana Pedagógica, que
ocorre geralmente no mês de fevereiro, os professores reúnem-se na escola para uma série de
reuniões administrativas e pedagógicas. Dentre os assuntos tratados há sempre a escolha da
temática geral do projeto da escola. De uns quatro anos para cá se procura contemplar o tema
da Campanha da Fraternidade4 como temática inicial, uma vez que a escola é mantida por
uma congregação da Igreja Católica.
No ano de 2005 partiu-se do tema “Construindo a paz, o humano se faz”. Com este
tema geral a Educação Infantil organizou seus projetos de estudo, contemplando as
competências e habilidades de cada área do conhecimento. Inicialmente os projetos são
previstos pelas professoras, sendo que algumas atividades são realizadas em comum pelas
turmas. Em outros momentos são realizadas atividades específicas de cada turma, em acordo
com o desenvolvimento de cada faixa etária.
Geralmente no segundo semestre do ano letivo existe um período previsto para a
realização dos projetos que partem da organização dos alunos em torno de temáticas
escolhidas por eles.
Narro a seguir um momento de sala de aula em que ocorreu este trabalho com a turma
do Maternal na qual atuo.
A turma está reunida na rodinha e sabe que este momento é especial, pois a professora já combinou anteriormente o motivo desta conversa.
4 A Campanha da Fraternidade é promovida anualmente pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB), no período que antecede a Páscoa (Quaresma), e é baseada na tematização de alguma questão de relevância social para o país.
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— Hoje vamos escolher um assunto que vocês gostariam de estudar, pesquisar... Vamos pensar em um assunto que gostaríamos de saber um pouco mais, e depois cada um vai falar a sua opinião. Logo as crianças começam a manifestar-se: — Eu quero estudar as formigas. — Como que se escrevem as letras? Isso que eu quero saber. — Eu quero saber das galinhas e dos pintinhos. — É, o galo também é legal. — Ah! Eu gosto é das borboletas. O restante da turma não se manifesta com sugestão de temas, apenas concorda ou discorda dos temas propostos. Enquanto isso, a professora lista os assuntos no quadro. Sugere, então, que se realize uma votação para escolher os temas que irão estudar. Ela lê o que escreveu e quem concorda ergue o dedo. Alguns alunos erguem o dedo todas às vezes e dizem: — Eu gosto de tudo! Após muitas manifestações optam por dois assuntos: borboleta e galinha. A professora então lista o nome das crianças que querem fazer parte dos grupos. A opção por dois assuntos é restrita em função do número de professores que podem orientar cada grupo. Um grupo ficará com a professora da turma e o outro será orientado pela professora auxiliar. Todas estas decisões são explicadas para as crianças. No mesmo momento os grupos são separados com as professoras orientadoras. Percebe-se que todos estão muito alegres, pois é uma situação diferenciada, uma vez que a turma trabalha sempre reunida e agora está sendo separada, o que causa expectativa. Alguns exclamam alegres: — Eu sou do grupo das borboletas! Viva! (anotações do diário de campo).
Neste encontro as professoras conversam, explicando que terão novos encontros e que
será necessário que tragam materiais de casa sobre o assunto escolhido. No dia seguinte, para
surpresa das professoras, várias mães chegam à escola no momento da entrada e trazem
consigo alguns materiais. Uma delas enfatiza: “Profe, ele insistiu muito que tinha que trazer
um livro para pesquisar sobre a galinha. Eu não tinha certeza se era para trazer, mas como a
insistência foi grande, acabei procurando uns livros e trazendo. Ele só falava nisso!”
Realmente pude perceber que a turma estava muito motivada com o que havia
acontecido. Essas reações não tinham surgido em outros projetos até essa etapa do ano.
“Parece ter havido uma maior mobilização no momento em que elas propuseram o assunto”,
narra a professora da turma. A partir daí, as professoras organizaram um roteiro para o
registro do projeto, conforme o exemplo a seguir:
Turma: Maternal Grupo 1
23
Professor orientador: L. Assunto escolhido: AS GALINHAS Primeiro encontro Data: 5 de outubro Atividade realizada: conversa inicial para explicação do trabalho e escolha/votação dos assuntos para estudo.
Segundo encontro Data: 6 de outubro Atividade realizada: conversa dirigida: dúvidas temporárias e certezas provisórias. Dúvidas: - O ovo, como é? - Galinha voa? - Ela toma água? - Que tipo de galinha existe? Certezas: - Comem milho e farelo. - O pintinho nasce do ovo. - Ela tem pena. - Tem asa e bico. Terceiro encontro Data: 8 de outubro Visita à biblioteca para consultar materiais sobre os assuntos escolhidos/livre manipulação dos livros e revistas. Leitura pela professora orientadora sobre o que chamar a atenção dos alunos nos referidos materiais. No decorrer da exploração dos materiais ocorreram algumas falas como: - A galinha não tem mão, ela tem asa, mas o pé serve para pegar comida.
Tem bico. (N.) - A galinha tem duas pernas igual a gente. (L.) - Só a galinha põe ovo. O galo não. Do ovo sai pintinho.(O.) Grupo 2 Professor orientador: M. Assunto escolhido: AS BORBOLETAS Primeiro encontro Data: 5 de outubro Atividade realizada: conversa inicial para explicação do trabalho e escolha/votação dos assuntos para estudo. Segundo encontro Data: 6 de outubro Atividade realizada: conversa dirigida: dúvidas temporárias e certezas provisórias. Dúvidas: - Por que ela voa? - Será que ela come só flor? - Ela tem filhinho? Certezas: - Elas voam e dão comida para os nenês delas e também chupam flor. - Ela é colorida.
24
- Ela fica na flor. - Ela tem duas asas e às vezes é bem grande.
Terceiro encontro: Data: 8 de outubro Visita à biblioteca para consultar materiais sobre os assuntos escolhidos/livre manipulação dos livros e revistas; Leitura pela professora orientadora sobre o que chamar a atenção dos alunos nos referidos materiais. Demais atividades: - Conversa com bióloga; - Criação das “pupinhas” (casulos) - Observação do “nascimento” das borboletas; - Diferentes registros (desenhos)
As crianças que se envolveram nestes grupos de pesquisa tinham a faixa etária de três
a quatro anos. Pude constatar no andamento das atividades que na conversa inicial com a
professora elas demonstravam certa timidez com relação aos questionamentos feitos pela
professora, pois pareciam estar vivenciando uma situação totalmente diferente do que se
passava na escola em outros dias. Aos poucos as crianças foram compreendendo qual era a
proposta do trabalho e, mesmo com limitações em sua linguagem oral, passaram a expressar
seus desejos, empolgando-se muito com este estudo.
As professoras relataram que no ano anterior haviam escolhido dois dias da semana
para trabalharem com os grupos, sendo que nos demais dias seguiam-se outros estudos e
atividades. Porém, neste ano resolveram trabalhar todos os dias com o tema dos projetos, pois,
segundo avaliação de ano anterior, o interesse de crianças de pouca idade permanece durante
certo tempo, diminuindo significativamente em caso de encontros apenas esporádicos.
A seqüência dos encontros vai sendo definida conforme as conversas, dúvidas e
pedidos dos alunos. Um interessante fato a destacar é a utilização de diferentes recursos para a
realização das atividades, onde se conta, inclusive, com a presença de outros profissionais,
como biólogos, físicos, médicos, dentre outros, para a exploração dos assuntos solicitados
pelos alunos. Também foram realizados alguns registros, como os que seguem:
25
Figura 1 – N., 3 anos (out. 2005).
Figura 2 – M., 3 anos (out. 2005).
Na turma do Jardim também foram realizados os projetos. Apresento a seguir o
registro do grupo que pesquisou sobre “cachorros”, mostrando quais foram os pontos iniciais
26
da pesquisa, focalizando os conhecimentos prévios sobre o assunto e o que ainda gostariam de
pesquisar a respeito deste tema.
Figura 3 – Registro dos alunos do Jardim a respeito de “cachorros” (out. 2005).
1.2.2 A Escola “B” e a Prática de Projetos
A segunda escola pesquisada também é situada em Ijuí, RS, e faz parte da rede pública
municipal de ensino. Essa Escola Municipal de Educação Infantil, aqui identificada como
escola “B”, foi criada em maio de 2001, sendo que anteriormente era uma escola de Ensino
Fundamental, mas foi extinta em função do baixo número de alunos. Atualmente possui 78
27
alunos na faixa etária de um a cinco anos de idade. As crianças estão organizadas em turmas
de Berçário II, Maternal I e II, e Pré I e II.
A Escola está situada em um bairro distante três km do centro da cidade. Lá se
encontra uma situação em que parte dos moradores possui uma condição razoável, com
residências que caracterizam parte nobre da cidade. Uma outra parte dos demais moradores se
encontra em situação de pobreza, com muitas de suas casas localizadas à margem da via
férrea que passa pelo bairro. A Escola Municipal Infantil “B” atende às crianças dessas
famílias de baixa renda, sendo que a sua criação deu-se em função da demanda de crianças
desta faixa etária. Para o seu atendimento integral, a Prefeitura disponibilizou profissionais de
diversas áreas que atuam junto aos professores e alunos, como psicólogo, enfermeiro,
nutricionista e educadora especial. Ao todo são seis professoras e cinco auxiliares, incluindo a
direção e a coordenação pedagógica.
A estrutura física da escola está sendo aos poucos adequada à Educação Infantil, já
que anteriormente estava preparada para o Ensino Fundamental. O pátio da escola é amplo,
bem organizado e atrativo para os educandos. A pracinha possui brinquedos variados e ade-
quados às faixas etárias atendidas. Existe um amplo gramado com jardim. O espaço físico, no
geral, é muito aconchegante e a primeira impressão que tive ao conhecer a escola foi de que
se tratava de um local simples, mas muito acolhedor. O horário de funcionamento da escola é
em tempo integral, sendo que as crianças chegam às 7h30min, permanecendo até às 17h30
min, com exceção das crianças da turma do Pré, que freqüentam a escola em turno único.
Segundo o Plano de Estudos da escola, elaborado no ano de 2001, “os projetos são
elaborados de acordo com o interesse e a necessidade das crianças, através de uma ação
dialógica entre professor e aluno, possibilitando atividades ricas, produtivas e prazerosas.” No
mesmo documento ressalta-se que “além de se tratar de temas atuais e do interesse do grupo,
28
valoriza o que a criança já sabe, respeita o modo de pensar de cada um, dá espaço para
confrontar idéias e tomar decisões e relaciona as aprendizagens da escola com a sua vida
diária”.
Os projetos são elaborados no decorrer do ano, numa ação coletiva da equipe de
professores, sendo que no início do ano letivo escolhe-se um tema geral. A partir deste tema
geral surgem os subtemas no decorrer do ano, escolhidos pelas professoras nos momentos de
planejamento, do que resultam atividades a serem desenvolvidas nas turmas. Outro fator
destacado neste documento é que “os projetos são desenvolvidos como forma de aprender a
estudar, argumentar, opinar e pensar”.
Cada professor possui quatro horas de planejamento semanal, período em que se afasta
da sua turma enquanto as crianças são atendidas por outro profissional. Nesse momento
planeja suas aulas em acordo com o projeto que está sendo desenvolvido.
Segundo a coordenadora pedagógica, foi realizada uma reunião inicial em que as
professoras e monitoras apresentaram sugestões de temas centrais para o ano. Dentre os temas
sugeridos foi aceito “Universo infantil, vivendo, crescendo e aprendendo”. Uma vez definido
o tema, foram elaborados, sob a orientação da coordenação, a justificativa, os objetivos e as
atividades, ao que se seguiu a aplicação de acordo com os conteúdos específicos de cada
turma de alunos.
Consta ainda no Plano de Estudos da escola (EMII, 2001, p. 28):
Os projetos são elaborados no decorrer do ano, numa ação coletiva da equipe de professores, envolvendo temas onde inicialmente a criança vai descobrindo e conhecendo seu próprio corpo na construção de sua identidade e progressivamente vai estabelecendo múltiplas relações, através da interação e socialização de seus saberes, assim como, ampliando suas idéias e buscando complementação de seus conhecimentos nos diferentes grupos que faz parte.
29
Num momento de minha observação as turmas estavam desenvolvendo o subtema
“Brinquedos e Brincadeiras”, em que as atividades eram centradas no resgate de brincadeiras
folclóricas, com um enfoque nas músicas. Pude perceber que todo o planejamento condiciona-
se a uma rígida rotina estabelecida no educandário, onde se alternam os momentos das refei-
ções, de repouso e de atividades no pátio. Existe uma preocupação em seguir os horários, uma
vez que é realizada uma escala de acordo com os horários dos profissionais que ali atuam.
Ao observar o andamento das atividades na turma do Maternal, nos meses de junho a
setembro, em horários esporádicos, percebi que as professoras possuem a rotina básica que
norteia o trabalho e, a partir daí, desenvolvem as atividades que são centradas em rodinha,
hora da história, músicas, atividade de registro (geralmente uma técnica de artes plásticas). As
atividades são todas previamente organizadas e há uma preocupação com o registro do aluno.
As crianças participam da execução, mas não da proposta do que será realizado.
Outro fator a destacar é o trabalho voltado às datas comemorativas, ou seja, a cada
data que as educadoras consideram interessante ocorre uma seqüência de atividades com
relação a ela, ocasião em que o projeto é interrompido, voltando-se ao assunto depois de
explorada a data.
1.3 Conversas com as Professoras sobre o Trabalho com a Pedagogia de Projetos
Ao propormos verificar no cotidiano das escolas infantis como ocorre, na prática, a
elaboração e a execução da Pedagogia de Projetos, torna-se indispensável conhecermos
também as concepções dos educadores que optaram por esta pedagogia, o que sabem sobre
ela e como a percebem no decorrer da realização dos trabalhos sob sua inspiração.
30
Utilizarei falas dos educadores das duas escolas pesquisadas, abordando aspectos sig-
nificativos recolhidos nos momentos das observações, diálogos e entrevista escrita realizados
nestes dois anos de pesquisa. No total das duas escolas foram sujeitos de pesquisa 10 profes-
sores regentes nas turmas de Educação Infantil, sendo que cinco destes possuem ensino supe-
rior com habilitação em Pedagogia e os demais possuem o Curso Normal (Ensino Médio).
As professoras são unânimes em afirmar que a Pedagogia de Projetos é uma maneira
interessante de desenvolver o trabalho na Educação Infantil, pois respeita as características da
faixa etária dos educandos. Denominam-na como metodologia e, sendo assim, a percebem
como a melhor forma de desencadear atividades que contemplem os interesses dos educandos.
Para a professora P, “é um método de ensino que possibilita desenvolver atividades e
aprendizagens englobando e trabalhando a interdisciplinaridade”. Já a professora R afirma
que “é o método que mais aproxima a prática docente à realidade dos educandos, pois
oportuniza a estes utilizar suas vivências nas atividades diárias dentro dos temas propostos”.
A maioria das professoras trabalha com projetos há aproximadamente oito anos,
algumas por ser esta a determinação da escola ou mesmo da mantenedora a qual pertencem. O
conhecimento que possuem enquanto referencial teórico desta pedagogia gira em torno de
textos breves discutidos em reuniões pedagógicas ou apostilas que foram utilizadas nos cursos
de formação. As professoras que atuam há mais tempo indicam que inicialmente trabalhavam
com centros de interesse e que, com o passar dos anos, foram aperfeiçoando esta prática e
realizando então os projetos.
Outro fator destacado ao justificar a opção por projetos é citado pela professora T.:
“Trabalho com projetos porque observo, nas crianças, um maior interesse e envolvimento
nas atividades pedagógicas realizadas, sendo que o planejamento também se torna mais
organizado, estando explícitas neste trabalho diversas áreas de aprendizagens”.
31
Nas afirmações das professoras também aparecem preocupações referentes à
manutenção, em paralelo às atividades, do caráter lúdico da aprendizagem. Outro fator
abordado é a realidade dos educandos que, para elas, deve ser observada no momento de se
elaborar os projetos. Segundo a professora D, “A metodologia de projetos é o estudo por
parte das educadoras de apresentar os conteúdos de maneira lúdica e consistente, ou seja,
com bases teóricas e envolvendo o grupo”.
Nas duas escolas pesquisadas as professoras salientam a necessidade do planejamento
coletivo dos projetos a serem realizados. Para a professora K, “O trabalho deve ser
desenvolvido de maneira coletiva onde todos opinam para chegar a um consenso. Este
consenso vem ao encontro da realidade da escola e, principalmente, da turma que
desenvolverá o projeto”.
Apresento a seguir algumas falas que destacam aspectos do desenvolvimento do
trabalho com projetos no que se refere à sua efetivação prática:
A escolha do tema é feita pelas partes que estarão envolvidas, desenvolve-se através da elaboração de tarefas e atividades práticas e com a busca e pesquisa. (Professora X). Eu elaboro as atividades e, após, são analisadas pela coordenação. O tema é escolhido pelo grupo de professores. (Professora D). Quando são as crianças que escolhem o tema parece que o trabalho flui de forma diferente, parece que saímos da rotina diária. (Professora M). Existe um projeto geral da escola e a partir dele desmembramos os temas para cada turma. (Professora L). Cada tema que propomos vem ao encontro do interesse dos alunos. A rotina de cada dia permanece e as atividades do projeto são incluídas nela. (Professora B). Procuro abranger todas as áreas do conhecimento para que nenhuma atividade seja deixada de lado. Os alunos precisam envolver-se em muitas atividades interessantes. (Professora J).
32
Com relação às possíveis dificuldades na operacionalização da Pedagogia de Projetos
as professoras citam a falta de recursos materiais nas escolas, o que muitas vezes causa
empecilhos para a execução dos projetos. “Gostaríamos muito de termos uma filmadora,
gravador de voz e uma máquina fotográfica sempre disponível para que pudéssemos registrar
freqüentemente o nosso trabalho”. (professora M).
Já a educadora S afirma:
É necessário que a mantenedora e as instituições invistam em livros teóricos e infantis, brinquedos e objetos de acordo com a clientela das escolas infantis, assim como proporcionar o conhecimento de mundo através de passeios, visitas, visualização de obras de arte, manipulação de diferentes materiais e etc....
Nas conversas também foram abordados alguns aspectos com relação à falta de tempo
para que o professor realize os registros do desenvolvimento do projeto, uma vez que os
profissionais trabalham muitas horas diárias em uma ou mais escolas e necessitariam de um
maior tempo para dedicarem-se à escrita dos processos vivenciados em aula.
As professoras destacaram que já puderam realizar, através da prática de projetos,
muitas atividades que foram marcantes e que puderam envolver inclusive as famílias, pois
motivaram o grupo através, por exemplo, de mostras de trabalho, festas temáticas e atividades
promovidas pelos pais com os temas do projeto.
No universo das professoras pesquisadas apenas uma já tinha “ouvido falar” em John
Dewey, porém não o relacionando à Pedagogia de Projetos e, sim, ao movimento
escolanovista. As demais participantes desconhecem a sua obra e, conseqüentemente, não
relacionam a ele a concepção da Pedagogia de Projetos.
Considerando estas situações, no decorrer do próximo capítulo aprofundaremos o
referencial teórico deweyniano, realizando um breve estudo sobre sua vida e obra.
33
2 A PEDAGOGIA DE PROJETOS EM SUAS FORMULAÇÕES INICI AIS
A investigação sobre a origem da Pedagogia de Projetos leva ao nome do filósofo e
educador americano John Dewey, propositor de ideais pedagógicos que se orientam para
ensino global e integrado ao meio social do educando. Embora a Pedagogia de Projetos seja
atualmente influenciada por outros e diversos teóricos, as suas origens remontam às
concepções de Dewey, no final do século XIX.
A Pedagogia de Projetos é uma das muitas contribuições que John Dewey forneceu à
educação. A forma de sua operacionalização, ou seja, o seu desdobramento metodológico nos
é dado a conhecer pelos registros de seu discípulo, e também filósofo, William Kilpatrick.
Estando seus nomes indissociados, pretendo explorar as principais idéias de Dewey e,
posteriormente, analisar as contribuições de Kilpatrick com relação a essa perspectiva
pedagógica. Inicialmente destacarei os aspectos centrais da vida de Dewey, os quais vão
delineando o seu pensamento frente às questões da filosofia e da educação. Na seqüência
exploro aspectos essenciais de seu pensamento, como o pragmatismo, o sentido de
democracia, a centralidade da experiência e sua concepção de socialização e comunicação.
Dando continuidade na busca das formulações iniciais da Pedagogia de Projetos abordo a
contribuição de William Kilpatrick, uma vez que o registro da concepção desta pedagogia foi
realizado por ele. Finalizando o capítulo ressalto a influência do movimento escolanovista no
Brasil, estabelecendo também uma relação com a visão de infância que podemos extrair das
obras de Dewey e que foram difundidas pela Escola Nova.
34
2.1 Dewey: o filósofo e educador do ideal democrático
Filosofia, educação e democracia são palavras com sentidos que se complementam e
que vão encontrar fusão ao longo da vida e obra de John Dewey. Este filósofo e, também,
educador desenvolveu intensa atividade intelectual, com significativa atuação na sociedade
norte-americana entre o final do século XIX e início do século XX, sendo um representante
americano do escolanovismo.
A “escola nova” foi um movimento do século XX que resgatou as idéias de pedagogos
e filósofos dos séculos XVIII e XIX, como Rousseau (1712-1778), Froebel (1782-1852),
entre outros. Na Europa teve suas idéias defendidas por Edouard Claparéde (1873-1940) e
Maria Montessori (1870-1952).
Dewey nasceu em Burlington, no Estado de Vermont, a 20 de outubro de 1859. Foi
educado em uma comunidade congregacionalista (que tinha origem do protestantismo
congregacionalista oriundo da Europa no século XVIII), onde prevalecia a experiência
democrática e igualitária, sendo que foi incentivado desde criança a realizar pequenas tarefas
para que desenvolvesse seu senso de responsabilidade.
O ambiente de sua meninice, embora não marcado por uma autêntica democracia industrial e financeira, criou nele uma fé inconsciente, mas vital na democracia, que emergiu à consciência, constituindo o fundamento da maior parte de seus escritos filosóficos. (AMARAL, 1990, p. 34).
Dewey concluiu seus estudos secundários aos 15 anos de idade e, logo após, passou a
freqüentar a Universidade de Vermont, onde, em 1879, bacharelou-se em Artes, mas sob a
influência de H. Torrey (seu ex-professor) interessou-se na continuidade dos estudos filosó-
ficos. Ainda nesta universidade entrou em contato com a teoria de Darwin, que “lhe ofereceu
uma noção bastante atraente da interconexão dos seres no mundo.” (AMARAL, 1990, p. 40).
35
Em 1882, Dewey ingressou na Universidade Jonhs Hopkins, onde doutourou-se em
1884. Neste mesmo ano conheceu sua esposa Alice Chipman, que o influenciou
intelectualmente, uma vez que tinha posturas críticas com relação à organização da sociedade,
fazendo com que passasse a envolver-se concretamente com a realidade que o cercava. A
partir daí passou a ministrar aulas na Universidade de Michigan, onde “o ambiente
democrático dessa instituição que incentivava as responsabilidades e a liberdade dos jovens
diante do sistema de ensino contribui para formar um dos pilares do pensamento deweyniano”
(CUNHA, 1999, p. 17).
Em Michigan, Dewey concretiza sua formação filosófica, também com forte
influência dos estudos psicológicos de William James que, segundo sua filha Jane Dewey
(apud AMARAL, 1990, p. 44), “foram em grande parte a maior influência singular para
mudar a direção do pensamento filosófico de Dewey”. No dizer do próprio Dewey, esta
influência “penetrou mais e mais em todas as minhas idéias e atuou como fermento na
transformação de velhas crenças” (apud AMARAL, 1990, p. 45).
Com a influência da psicologia ocorre a solidificação da filosofia de Dewey no que se
refere ao relacionamento do indivíduo com o meio, propondo que o processo de consciência
deve ser estudado como elemento que contribui para a adaptação do indivíduo ao meio.
Segundo Mills (1960 apud CUNHA, 1999, p. 20):
As concepções de Dewey a respeito da filosofia enquanto aplicação social, somadas às suas experiências pedagógicas em Michigan, levaram-no à Universidade de Chicago, onde ingressou em 1894. Em pouco tempo sob seus auspícios organizou-se naquela instituição de ensino uma escola elementar; ali ele pode verificar a aplicabilidade prática de suas idéias filosóficas e psicológicas no terreno da educação. Tratava-se de um laboratório de ensino, o que garantia liberdade de ação aos professores e aos alunos sendo possível a criação de novos métodos e técnicas pedagógicas. Os princípios ali adotados abalavam os pilares do ensino tradicional, todo ele fundamentado na ordem, na disciplina e na passividade dos estudantes.
36
Em 1904, Dewey retira-se da Universidade de Chicago. No ano seguinte ingressa na
Universidade de Columbia. Nessa época já havia publicado várias obras ligadas à atividade
pedagógica em que se posicionava claramente a favor de uma nova sociedade mais
democrática e de uma escola mais sintonizada com o movimento de mudanças no mundo.
Francisco Beltrán (2003, p. 59) menciona que “o cruzamento indissociável do filosófico, do
educativo e do político é precisamente o que constitui o traço mais característico da obra de
Dewey”. Complementa ainda que “A reação conservadora dos anos 50 atribuiu a Dewey
males que ele próprio antecipou que sobreviriam. Muitas de suas idéias foram viesadas [...].
Suas críticas ao sistema educacional e à formação docente nunca foram suficientemente
levadas em conta” (BELTRÁN, 2003, p. 59).
Em junho de 1952, na cidade de Nova York, John Dewey morre aos noventa e dois
anos. Seus livros foram traduzidos para o português e para inúmeras outras línguas, como
espanhol, árabe, sueco, hebreu, turco e japonês.
Segundo Paulo Ghiraldelli Jr. (2006, p. 46),
Suas realizações teóricas e práticas em pedagogia já haviam chegado às principais universidades e centros de estudos educacionais do mundo todo antes do final da década de 30. Sua defesa da democracia se tornou enfática e simbólica em muitos países.
Sendo ampla a obra de Dewey, discutiremos a seguir alguns elementos que auxiliam
no entendimento da concepção da Pedagogia de Projetos.
2.2 O Sentido de Democracia para Dewey
Ao visualizarmos a obra do filósofo e educador John Dewey constatamos a ligação
extrema com os ideais democráticos, o que fez com que sua filosofia adentrasse o campo
político e educacional. Para melhor compreendermos esta dimensão sugerimos os seguintes
37
questionamentos que auxiliarão nesta reflexão: a) Que significa para ele democracia? b) Qual
a relação que ela tem com a educação?
Para Dewey:
Democracia é método que permite discutir toda finalidade, é debate sem fim, é colaboração, é participação em finalidades conjuntas. A democracia é aquele modo de vida em que ‘todas as pessoas maduras participam da formação dos valores que regem a vida dos homens associados, modo de vida que é necessário tanto do ponto de vista do bem social como da ótica do pleno desenvolvimento dos seres humanos como indivíduos’. [...] O que ele almeja e defende é a sociedade que se planeja constantemente do seu interior, atenta, portanto, ao controle social mais amplo e articulado dos resultados. (apud REALE; ANTISERI, 1991, p. 513).
Em sua obra Democracia e Educação, publicada no Brasil em 1959, obtém-se um
referencial inesgotável da relação que Dewey estabelece entre a democracia, a educação e a
sociedade, avançando de um mero ponto de vista que define a democracia simplesmente
como forma de governo. Direcionando este caráter para o meio educacional, Beltrán(2003, p.
54) salienta:
A escola deve cumprir duas missões na reconstrução social: ajudar o desenvolvimento dos alunos, criando neles um desejo de crescimento permanente de continuar aprendendo e possibilitar a todos o encontro de sua felicidade na melhoria das condições dos outros.
Para Cunha (2001, p. 112), “Em Dewey a afirmação da democracia é a proposição de
um programa de luta, é um projeto cujo propósito é desencadear atitudes de mudança,
transformação, movimento”.
Impressiona de fato a sua visão emancipadora vista muitas vezes como utópica. Mas
essa utopia tem um significado operativo, conforme nos aponta Cunha (2001, p. 15):
O pensamento utópico, por sua vez, é caracterizado por conter uma perspectiva de transformação das condições sociais dadas e por estar sempre em posição de desencadear condutas contrárias à realidade imediata, constituindo, desse modo, um instrumento em favor da superação da ordem social vigente.
38
Essa discussão nos aponta um olhar diferenciado para a concepção democrática de
Dewey à medida que ela não se torna ilusória, mas é sempre vista como possibilidade em um
contexto social que supere a desigualdade.
Dewey propôs:
O incentivo à multiplicação de pequenas associações livres, minúsculas células de cidadãos que brotavam, aqui e ali, na sociedade democrática, que, ao tempo em que preservavam a identidade e a subjetividade das pessoas, poderiam ser usadas como instrumentos de crítica e de civismo, enfrentando e embaraçando o coletivismo privado e o coletivismo do Estado. Sim, Dewey foi o patriarca das ONGS. (disponível em: <http://www. educaterra. terra.com.br/cultura/2002/05/15/000.htm>. Acesso em: 8 mar. 2006).
Beltrán (2003, p. 51) aponta para a relação estabelecida entre a democracia e a
educação, salientando que:
A democracia é o nome desse processo permanente de libertação da inteligência. A construção da democracia só pode ser conseguida a partir da educação e, portanto, é necessário que os sistemas educacionais sejam também democráticos. Para que a educação possa formar democratas e ser crítica perante a sociedade, a práxis educativa terá de se fundamentar na razão e nos métodos científicos.
Outro importante fator a destacar é a crença de Dewey de que o desenvolvimento
pleno do indivíduo é garantido pela democracia no momento em que cada sujeito tem seus
atributos valorizados e, conseqüentemente, volta-se para a coletividade.
Nesse sentido, destaca-se a citação de Cunha (2001, p. 67):
[...] Dewey não acredita em um itinerário seguro e pré-definido para chegar à sociedade democrática – se é que chegaremos a ela um dia, como diz ele. O que importa é lutar por mais liberdade, pela abertura de espaços de diálogo cada vez mais amplos, para que se instalem relações verdadeiramente cooperativas entre os homens.
É com a certeza de que os princípios democráticos fundamentam-se na cooperação e
no livre intercâmbio de idéias e na valorização das experiências sociais que Dewey busca
repensar a educação em todos os seus processos. Conforme Cunha (2001, p. 68):
39
Dewey pensa em um método que vá além das hipóteses, além das suposições não fundamentadas, um método que coloque o usuário em condições tais que nenhuma afirmação seja feita sem experimentação ou, pelo menos observação acurada da realidade. No plano social, isso remete a não tomar jamais a ordem social, como verdades definitivas, garantidas pelo sucesso do passado. [...] A democracia é uma profecia que fazemos e nos empenhamos em realizar, e não uma realidade presente ou passada.
Buscando compreender como ele desencadeou este processo pedagógico analisaremos,
a seguir, como ele se refere ao conhecimento, tendo como ponto de partida o pragmatismo.
2.3 O Pragmatismo e o Conhecimento
Dewey foi um notável representante do pragmatismo, tratando-o como instrumentalis-
mo. À medida que reconhece como indissociáveis filosofia e educação, suas noções de
conhecimento e educação assumem um traço filosófico e se vinculam também às questões
sociais de sua época. Segundo Cunha (1999, p. 19):
Os princípios básicos do pragmatismo podem ser assim resumidos: o pensamento e a ação devem formar um todo indivisível, o que implica tratar qualquer formulação teórica como hipótese ativa que carece de demonstração em situação prática de vida; as constantes transformações sociais fazem com que a realidade não constitua um sistema acabado e imutável; a inteligência garante ao homem capacidade de alterar as condições de sua própria experiência. Para os pragmatistas, o terreno em que se dá a transmissão do conhecimento, particularmente a escola, pode tornar-se um campo fértil de experimentação de teses filosóficas.
As características deste pensamento relacionam-se com os fatos ocorridos nos Estados
Unidos, principalmente no que diz respeito ao avanço dos colonizadores em direção ao Oeste,
bem como às transformações sociais e tecnológicas, destacando-se também o esforço em
construir um sistema político democrático. Esses fatos aliam-se “ao espírito do americano
pioneiro, contrário à passividade diante dos condicionantes do meio, valorizava o
conhecimento enquanto ferramenta para ampliar o controle do homem sobre as condições
adversas impostas pelo ambiente” (CHILDS apud CUNHA, 1999, p. 19).
40
O pragmatismo concebe o conhecimento como forma de envolvimento prático, pois
conhecer é algo que fazemos, e o melhor modo de encará-lo é como uma atividade prática.
Defende que as idéias reais, verdadeiras ou boas desenvolvem-se ao longo das interações
humanas com o ambiente.
Para Charles Pierce, um dos fundadores do pragmatismo, o conhecimento é pesquisa e
inicia com a dúvida. A dúvida é que vai estimular a agir até que seja sanada. Nesta dimensão
o conhecimento tem caráter de atividade, pois é adquirido à medida que fazemos algo,
acertamos, erramos e avaliamos as situações como agentes e não como meros espectadores.
Dewey (1959, p. 377-378) destaca:
A teoria do método de conhecer [...] pode ser denominada pragmática. Sua feição essencial é manter a continuidade do ato de conhecer com a atividade que deliberadamente modifica o ambiente. Ela afirma que o conhecimento em seu sentido estrito de alguma coisa possuída consiste em nossos recursos intelectuais em todos os hábitos que tornam a nossa ação inteligente. Só aquilo que foi organizado em nossas disposições mentais, de modo a capacitar-nos a adequar o meio às nossas necessidades e a adaptar os nossos objetivos e desejos à situação em que vivemos,é realmente conhecimento ou saber.
Em seguida, complementa com o que define por conhecimento, como sendo “as
disposições de espírito que conscientemente adotamos para compreender o que atualmente
sucede” (DEWEY, 1959, p. 378).
Dewey localiza o conhecimento no interior do “processo pelo qual a vida se sustenta e
se envolve” (CUNHA, 1999, p. 31-32). Assim sendo, os sentidos deixam de ser os portões do
conhecimento como supunha o empirismo dos modernos, indo ocupar o posto “que de direito
lhes compete, de estímulos à ação”.
Esclarecedora também é a contribuição de Teixeira (1955), quando afirma:
O conhecimento, pois, é o resultado de um processo de indagação. E a marcha deste processo de pesquisa é o que Dewey chama de lógica. Vale
41
dizer: lógica é o processo do pensamento reflexivo; “conhecimento” é o resultado deste processo; o “já conhecido” é o “material”, que usamos no operar a investigação ou a pesquisa. Mas este material só será devidamente, adequadamente utilizado, se, no processo pelo qual o tivermos adquirido ou aprendido, tivermos operado como se ele houvesse sido descoberto por nós próprios. (disponível em: <http:www.prossiga.br/anisioteixeira/artigos/bases. html>. Acesso em: 29 jan. 2006).
Ao explicar o que denomina por teoria do conhecimento pragmática, Dewey ressalta
que com ela poderá efetivar-se significativamente a democracia. Eis a ligação que estabelece
entre democracia e educação:
Aprender a aprender passou a ser um lema de movimentos inspirados em Dewey porque “aprender” passou a ser visto como a atividade de “re-significar experiências”. Todos nós já saberíamos, desde sempre, fazer tal coisa, nós a faríamos melhor e mais rapidamente. “Aprender a aprender” se tornou assim um modo de saber que experiências deveriam ser re-significadas, e em que sentido as novas significações poderiam ser usadas. Este caminho esteve no centro do que chamou de “movimento da escola nova” ou de pedagogia progresssivista de Dewey. (GHIRALDELLI JR., 2006, p. 55).
Torna-se, assim, imprescindível entender o papel da experiência neste contexto de
como se dá o conhecimento, assunto que a seguir abordarei.
2.4 A Centralidade da Experiência na Educação Progressivista
A filosofia deweyana se destina a refletir sobre o trabalho docente e pretende
contribuir para a renovação da forma rotineira e arcaica em que normalmente se efetua a
tarefa de ensinar. Enfatiza a função social da educação como,também, pretende recolocar a
aprendizagem em seu lugar natural que ocupa na vida.
Dewey tinha como proposta educacional a vida em comunidade e a resolução de
problemas emergentes nas mesmas. A escola deveria auxiliar as crianças a compreenderem o
mundo através da pesquisa, do debate e da solução de problemas. Esse caráter coletivo da
educação relaciona-se aos seus ideais democráticos onde “todo procedimento educativo tem a
42
finalidade de possibilitar a continuidade da vida do agrupamento social” (CUNHA, 1999,
p. 38).
Dewey defende, ainda, a idéia de que a educação das crianças deveria basear-se na
abordagem da solução de problemas, ou seja, deveria basear-se na idéia do “aprender
fazendo”, porque ela combinaria o ser prático com a tomada de consciência da importância da
teoria, encorajando as crianças em sua imaginação e, assim, desenvolvendo-lhes competências
em todas as áreas do conhecimento.
De forma mais detalhada, Dewey alerta contra a crença de que educação e experiência
se equivalem, já que nem todas as experiências são necessariamente educativas.
Experiência e educação não são termos que se equivalem. Algumas experiências são deseducativas. É deseducativa toda experiência que produza o efeito de parar ou destorcer o crescimento para novas experiências posteriores. Uma experiência pode ser tal que produza dureza, insensibilidade, incapacidade de responder aos apelos da vida, restringindo, portanto, a possibilidade de futuras experiências mais ricas. (DEWEY, 1971, p. 14).
Conforme o autor, a experiência ocorre também na escola tradicional, porém com um
caráter diferenciado e totalmente desconectado de futuras experiências. Diante disso propõe a
noção de “qualidade da experiência por que se passa” (DEWEY, 1971, p. 16). O autor
também desafia o educador a dispor de recursos para que as experiências sejam bem
sucedidas, a fim de que “não repugnem ao estudante e antes mobilizem seus esforços, não
sejam apenas imediatamente agradáveis, mas o enriqueçam e, sobretudo, o armem para novas
experiências futuras” (DEWEY, 1971, p. 17).
Na fundamentação de sua educação progressiva, Dewey (1971, p. 23) argumenta para
a necessidade de que a filosofia da educação volte-se à filosofia da experiência, sem deixar
prevalecer o “fazer por fazer”. E ao estabelecer critérios de experiência utiliza-se de análise
filosófica para apresentar os princípios que julga importantes para esta teoria. Como primeiro
43
princípio cita a “categoria da continuidade ou o continuum experimental”, que seria o
indicativo para discriminar entre experiências de valor educativo e deseducativo. Nesse
princípio consta como central a idéia de que “toda e qualquer experiência toma algo das
experiências passadas e modifica de algum modo as experiências subseqüentes” (DEWEY,
1971, p. 26). Nesse sentido, valoriza-se o contexto de globalização das experiências, o que
permite que cada experiência realizada não se torne isolada das demais, mas, sim, uma venha
a complementar a outra quanto ao seu caráter educativo.
O segundo princípio é condizente com a palavra “interação”, que para Dewey (1971,
p. 34) denota a experiência em sua “função e força educativa”. Confere, nesse sentido,
especial ênfase ao caráter da experiência no contexto educacional, argumentando que “vida,
experiência, aprendizagem – não se podem separar. Simultaneamente vivemos,
experimentamos e aprendemos” (DEWEY, 1978, p. 16). O autor ressalta ainda que:
Experiência é uma fase da natureza, é uma forma de interação pela qual os dois elementos que nela entram – situação e agente são modificados. [...] Grande se vai tornar a sua significação, quando se completa com o elemento de percepção, de análise, de pesquisa, levando-nos à aquisição de “conhecimentos”, que nos fazem mais aptos para dirigi-la, em novos casos, ou para dirigir novas experiências. (DEWEY, 1978, p. 14-16).
Para Dewey (1978) não era somente o intelecto que fornecia a base do aparato
psíquico humano, mas os “interesses”. Os interesses estariam aliados às experiências.
Segundo Ghiraldelli Jr. (2002, p. 17),
Esses “interesses” na teoria de Dewey eram de base psicológica, mas gera-dos por situações de experiência humana com o ambiente – a experiência da vida, ou seja, a experiência psíquica e social diversificada. Em Dewey, esse conceito ganhou um aspecto dinâmico, ontogenicamente falando: um processo que se desenvolve da criança para o adulto.[...] Considerava o homem como um ser histórico e em evolução, daí a noção da criança como alguém que pensa diferente do adulto e que deve ir se transformando.
Esta abordagem foi complementada futuramente com a influência que teve do filósofo
Nietzsche, que “[...] fez dele uma pessoa atenta à idéia de que a criança pensa, e pensa cada
44
vez mais certo, a partir de ‘interesses’ e ‘motivações’ que conduzem os conceitos”
(GHIRALDELLI JR., 2002, p. 17).
A partir daí, Dewey (1978, p. 17) define a educação como
[...] um processo de reconstrução e reorganização da experiência, pelo qual lhe percebemos mais agudamente o sentido, e com isso nos habilitamos a melhor dirigir o curso de nossas experiências futuras. Por essa definição a educação é fenômeno direto da vida, tão inelutável como a própria vida.
Outro aspecto importante a ressaltar é que Dewey sustenta que a escola deve ser um
local de convivência entre jovens e raças, religiões e costumes dessemelhantes. Ao cumprir
essa meta, “a escola assume a função adicional, para que o educando conheça aspectos do
ambiente mais amplo que o cerca” (DEWEY, 1978, p. 38).
À medida que caracteriza dessa forma a educação progressiva, Dewey a compara com
a educação tradicional, que pelo plano de organização que estabelece na escola torna-a uma
“espécie de instituição tradicionalmente diferente de qualquer outra forma de organização
social” (DEWEY, 1971, p. 4). Nesse sentido, destaca que:
O esquema tradicional é em essência esquema de imposição de cima para baixo e de fora para dentro. Impõe padrões, matérias de estudo e métodos de adultos sobre os que estão ainda crescendo lentamente para a maturidade. A distância é tão grande, que as matérias exigidas, os métodos de aprender e de comportamento são algo estranho para a capacidade do jovem em sua idade. (DEWEY, 1971, p. 5).
Justifica, assim, a necessidade de uma teoria da experiência que venha sustentar a
escola progressiva, entendendo que: “Há sempre o perigo em um novo movimento de que, ao
rejeitar os fins e métodos da situação que visa suplantar, desenvolva seus princípios
negativamente e não de maneira positiva e construtiva” (DEWEY, 1971, p. 7).
45
2.5 A Comunicação e Socialização em Dewey
Em seu livro Democracia e Educação, de 1959, Dewey enfatiza a importância da
comunicação no processo educativo, argumentando também a sua relação direta com o
processo da vida social. Comunicação e socialização, na ótica deweyana, portanto, voltam-se
à função social da escola, direcionando-se também à experiência, mencionada anteriormente
neste capítulo.
Para Dewey (1959, p. 2) “A vida é um processo que se renova a si mesmo por
intermédio da ação sobre o meio ambiente”, complementando que “a educação em seu sentido
mais lato, é o instrumento desta continuidade social da vida.” Dessa forma, a continuidade da
vida social depende da comunicação transmitida de geração em geração. Em assim sendo, a
vida é em si mesma educativa. Daí a razão para Dewey considerar a vida como central no
currículo escolar.
A constante crítica de Dewey (1959, p. 9) volta-se ao que ele chama de “mundo à
parte”, que acaba sendo ministrado na educação formal: “A preeminência é dada, nas escolas,
exatamente a conhecimentos que não são aplicados à estrutura da vida social e ficam grande
parte como matéria de informação técnica”.
No desenvolvimento das atividades educativas, a linguagem permite expressar as
experiências que foram realizadas. Para que isso possa ocorrer, no entanto, Dewey (1959, p.
394) entende que:
Em vez de uma escola localizada separadamente da vida, como lugar para se estudarem lições, teremos uma sociedade em miniatura na qual o estudo e o desenvolvimento sejam os incidentes de uma experiência comum. Campos de jogos, oficinas, salas de trabalho, laboratórios não só orientam as tendências ativas naturais da adolescência, como também significam intercâmbio, comunicação e cooperação.
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Para que a comunicação resulte em socialização de experiências e garanta a
aprendizagem significativa por parte dos educandos, ela deve apresentar-se como aquela “em
que existe um interesse compartido, comum, de modo a haver o duplo anseio de dar e
receber” (DEWEY, 1959, p. 240).
Partindo desse entendimento, Dewey (1959, p. 41) passa a apontar para a necessidade
de criar um método de ensino capaz de “permitir e assegurar o contacto direto e contínuo com
as coisas”. Essa intenção é concretizada por seu colaborador, William Kilpatrick, como
veremos a seguir, no delineamento inicial da Pedagogia de Projetos.
2.6 Kilpatrick: o implementador de uma idéia de Dewey
William Heard Kilpatrick é um nome indissociável de John Dewey. Além de um
renomado filósofo foi o principal discípulo de Dewey. Nasceu na Geórgia, em 1870. Em
1888, com 17 anos, ingressou na Universidade de Mercer. Inicialmente ministrou aulas de
Matemática e Ciências. No decorrer de sua vida pôde aprofundar seus estudos no campo da
Pedagogia. Em Blakely, onde começou a experimentar práticas com a educação progressiva,
ficou conhecido por ser aquele que “no verão de 1892 [...] chegou em Blakely como um
matemático da faculdade, [...], três anos mais tarde partiu como educador progressivo”
(disponível em: <http://www.info.gcsu.edu/intranet/sch>. Acesso em: 29 jan. 2006).
Kilpatrick teve o seu primeiro contato com Dewey em 1898, na Universidade de
Chicago. Em 1907 vieram a encontrar-se pela segunda vez na realização do seu estudo de
doutorado. A partir daí ficou conhecido por propagar as idéias de Dewey na formação de
outros professores enquanto docente universitário. Podemos ressaltar aqui o contexto
47
histórico americano no final do século XIX e início do século XX, época em que Dewey e
Kilpatrick propuseram suas formulações quanto à organização da escola e, conseqüentemente,
da sociedade. Neste período a história dos Estados Unidos é marcada pela ascensão do
capitalismo industrial, caracterizando-se pela crescente industrialização, aliada aos ideais do
liberalismo político. Frente ao avanço da sociedade industrial, Dewey e Kilpatrick
acreditavam na necessidade de uma educação que acompanhasse o ritmo econômico e que,
assim, preparasse os educandos para os desafios do mercado de trabalho.
A publicação mais conhecida de Kilpatrick, Educação para uma civilização em
mudança, teve na década de trinta a sua primeira edição em língua portuguesa. Em 1978 esse
livro alcançava a décima sexta edição e, nas palavras do escolanovista brasileiro Lourenço
Filho, “os fatos que neste livro se apontam, tanto quanto as conseqüências no setor educativo,
logo deveriam mostrar-se muito claros, em nossos lares e escolas, e aí estão hoje, graves e
desafiadores, aos olhos de todos” (KILPATRICK, 1978, p. 7).
Dada a importância e repercussão de sua obra, Kilpatrick será abordado nesta
pesquisa como educador, cujas concepções ajudam a constituir o pano de fundo da Pedagogia
de Projetos.
Kilpatrick (1978, p. 14) introduz seu estudo questionando sobre a educação que
acompanhará a complexidade da mudança da vida. Em suas palavras: “Nossos tempos estão
mudando e, sob certos aspectos, ao menos, como jamais mudaram. Essa mudança apresenta
exigências novas à educação. E a educação precisa mudar muito para atender à nova ordem
das coisas”.
Inicialmente propõe o título Natureza da civilização em mudança – Nossa época em
mudança, sugerindo a indagação: “A palavra moderno está freqüentemente em nossos lábios.
48
Que significa ela? Haverá alguma coisa que distinga o mundo moderno do mundo antigo ou
medieval?” (KILPATRICK, 1978, p. 15). Em seguida apresenta a resposta:
Examinando a realidade das coisas, vemos que um fator constante explica o mundo moderno. Distingue-o pelo menos na essência, de qualquer período precedente. Esse fator é o pensamento baseado na experimentação, ou, de modo geral, o desenvolvimento da ciência e de suas aplicações à atividade humana. Pela simples razão de basear o pensamento na experimentação, a ciência parece-nos apresentar a causa diferenciadora do mundo moderno: ela nos dá o como e o porquê de nossa civilização. (KILPATRICK, 1978, p. 16).
Ao apontar as tendências da vida moderna, Kilpatrick (1978, p. 20) postula que as
mesmas originaram-se da experimentação, sendo que seriam “uma nova atitude mental diante
da vida; a industrialização e a democracia”. A partir do momento em que se considera a
existência e a influência dessas tendências, a educação passa a ter o desafio de satisfazer
exigências mais definidas.
Assim como Dewey, Kilpatrick (1978, p. 27) destaca a tendência democrática como
um movimento amplo que vai além de uma designação de forma de governo. Pressupõe que
“cada indivíduo deva figurar como uma pessoa e assim ser tratado. [...] Sendo que a cada um
deve oferecer-se oportunidade de desenvolvimento e expressão individual simultânea, até o
ponto máximo em que isso seja possível”.
Com ênfase na proposição de uma nova educação para um novo tempo, segue
questionando o conservadorismo que se instalou no sistema educacional.
Três tendências gerais convergem assim para tornar a escola conservadora e convencional: primeiro, a inércia do próprio sistema, a tendência natural do formalismo a perpetuar-se de si mesmo, por toda parte; segundo, a influência de sinais exteriores de aprendizado, a importância dada a esses sinais, o que tornou, afinal, a matéria meramente convencional; e, o terceiro, a possibilidade que os “conservadores” geralmente obtêm, de usar da escola para fixar na mocidade, opiniões e atitudes que julgam de necessidade manter, de qualquer forma. Parece-nos bastante mencionar essas três tendências para fazer compreender como se sustentaram e se fortaleceram. (KILPATRICK, 1978, p. 43).
49
Em seu enfoque, Kilpatrick (1978, p. 45) pressupõe as exigências da democracia, uma
vez que “fazer da democracia uma condição de êxito não é tarefa muito fácil”. Situa a
importância da necessidade do espírito crítico avançar na ação educativa, deixando de lado a
supremacia onde “aquilo que os alunos deviam fazer e pensar lhes era meticulosamente
determinado. Seu papel, apenas o da aceitação passiva. Sua principal, se não única
responsabilidade era obedecer” (KILPATRICK, 1978, p. 55). Essa postura referencia um
intenso movimento de transformação escolar em todas as suas instâncias, uma vez que “se
quisermos aprender democracia, devemos praticá-la”.
Em meio às suas postulações insere a visão de infância a partir da escola tradicional,
citando que “A infância não era um cômodo real na casa da vida, mas simples vestíbulo, épo-
ca de mera preparação para viver mais tarde. Em suma, todo o processo de educação tradicio-
nal foi de um modo ou de outro largamente antidemocrático” (KILPATRICK, 1978, p. 56).
É com este caráter de referência a Dewey e, conseqüentemente, apostando na
democracia, que Kilpatrick contribui de forma decisiva para a educação, dando continuidade
aos ideais escolanovistas.
2.7 A Pedagogia de Projetos com Vistas a uma Nova Escola
Mesmo com poucas publicações que expressem claramente a proposta da Pedagogia
de Projetos em sua concepção original, percebe-se nos textos em que ela é referida a
necessidade de ser entendida numa perspectiva ampla, ou seja, a partir das concepções que
Dewey e Kilpatrick formularam para o campo social e educacional.
Ainda de acordo com o texto de Kilpatrick (1978, p. 47), observa-se uma preocupação
sua com o que seria a nova estrutura familiar, com a ausência dos pais do lar e, como
conseqüência, o seu afastamento da vida de seus filhos, o que incumbiria à escola de “viver
50
com a criança”. Diante disso, declara a “falência da educação tradicional”, que estava
organizada para desempenhar um papel complementar ao da família, onde efetivamente se
vivia. À escola, cabia, portanto, “adicionar certos conhecimentos e habilidades”. Em
contrapartida, propõe uma escola como “o lugar onde se deve viver o verdadeiro viver” e,
ainda, um lugar que “deve revitalizar-se, transformando os seus processos” (KILPATRICK,
1978, p. 67).
Na proposição de O novo Programa, Kilpatrick (1978, p. 84) entende que a essência
da escola “será levar a criança a uma situação ativa”. Situação esta em que “é a vida que vai
guiar a si própria, à luz do passado, mas não submetida a ele. [...] É a vida vivida no presente,
único momento em que o viver pode se realizar”.
Lourenço Filho (1978, p. 198), em seu clássico Introdução ao Estudo da Escola Nova,
traz uma importante explicitação do “Sistema de Projetos”. Para ele, o seu título primitivo
Home-Projectus pretendia pôr em relevo duas coisas: a importância educativa de tarefas de
execução livre em casa, pelos alunos, e a necessidade de que suas atividades, na própria
escola, atendessem a propósitos que ao trabalho dessem forma e direção.
Os primeiros ensaios teóricos e experimentais ocorreram na Escola Primária da
Universidade de Chicago, em 1896, onde Dewey “desejava traçar uma nova teoria da
experiência, através da qual melhor se definisse o papel dos impulsos da ação, ou na fórmula
genérica então adotada, da função dos interesses” (LOURENÇO FILHO, 1978, p. 198).
Pretendia-se explicitar na prática o papel do interesse em que as intenções fossem interligadas
por impulsões e desejos a propósitos definidos, ideais e valores. Este seria o pressuposto
inicial do sistema de projetos.
Kilpatrick destaca alguns princípios essenciais:
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As situações sociais que animem a estruturação e a realização de propósitos levam a respeitar a personalidade, porque permitem a cada pessoa escolher e realizar aquilo que aprecie, por lhe parecer mais digno, mais capaz de contribuir para a expansão de sua vida segundo os estímulos do seu coração. Ser respeitado nessa capacidade de projetar e realizar é a função da liberdade que caracteriza o estilo de vida democrática. (apud LOURENÇO FILHO, 1978, p. 201).
Para que ocorra a operacionalização da forma de trabalho por projetos há que existir
uma organização de espaços e de tempos na escola diferenciada em relação ao modelo de
organização tradicional. Além dessa condição, modifica-se também o papel do educador,
constituindo-se ele em orientador-mediador, como veremos mais adiante.
Utilizaremos o exemplo dado por Beltrán (2003, p. 56) que serve para ilustrar o que
ocorria em uma escola da época:
Os alunos se dividem em onze grupos segundo suas idades: contudo, a distribuição não é rígida, nem os grupos são fechados. Cada um desses grupos enfrenta uma situação problemática que as professoras têm de preparar previamente, de modo que os alunos possam abordá-las a partir de experiências de primeira mão. As crianças vão à escola para fazer o trabalho escolar, que é trabalho manual em cultivos, oficinas, cozinha, etc..., centra-se em cozinhar, costurar, trabalhar com madeira, etc..., isto é, em atividades que reproduzem as que são fundamentais na vida, com as quais as crianças estão mais em contato, e que devem reproduzir-se de modo conjunto e ordenado, até conhecerem gradualmente os modos de operar da comunidade. [...] Por-tanto, não há ensino direto da história, da geografia, ou das ciências, mas um processo de descoberta, indagação e experimentação (por tentativa e erro).
Dewey (apud LOURENÇO FILHO, 1978) estabeleceu alguns passos para a realização
dos projetos, enfatizando, porém, que não quer dizer que essa ordem seja formal ou
preestabelecida.
Para Lourenço Filho (1978, p. 208),
Dewey reconhece que há etapas necessárias em cada ato de pensamento integral: recolher problemas, ou os fatos de uma situação; observar e examinar em seguida esses fatos, para situar ou esclarecer a questão proposta; elaborar depois uma hipótese ou solução possível, ou várias, procedendo-se a escolha de uma delas; verificar enfim, a confirmação da idéia elaborada, por sua aplicação como chave a outras idéias novas.
52
Para que este processo se dê por completo, Dewey (1955, p. 205) alerta para a
importância da “intercomunicação”, o que denomina de “aprender com os outros”.
[...] Na proporção em que a pessoa se interessa mais ou menos por estas comunicações, a matéria destas torna-se parte da sua própria experiência. As associações ativas com outras pessoas constituem um elemento tão íntimo e vital de nossos próprios interesses, que impossível é traçar nítida delimitação, que nos habilitasse a dizer: “Aqui finda a minha experiência: ali começa a tua”.
Outro exemplo citado por Lourenço Filho (1978, p. 209) diz respeito ao projeto
realizado na Escola Rio Branco:
Numa classe com crianças de 8, 9 e 10 anos, empreendeu-se reproduzir, em massa plástica, uma fazenda de café. Todavia, à medida que o trabalho avançava, surgiram questões relativas à configuração do terreno, e fez-se então o estudo da geografia (morro, vertente, rio, margens, ilhas, nascente, confluência, etc.); questões de cálculo (proporção das áreas destinadas à plantação do café, dimensão do terreiro, das casas, dos campos, dos caminhos e estradas): propriamente técnicas, relativas à plantação e à criação de gado (adubos, alimentação dos animais, poda, colheita); relativas à história do Brasil (bandeirantes, escravatura, abolição da escravatura); relativas à geografia econômica (para onde vai o café, países consumidores, coisas que exportamos e que importamos). O desenho foi largamente associado: as crianças discutiram vários planos e levantaram plantas de possíveis fazendas: reproduziram em historietas mudas a vida do fazendeiro, do colono, bem como a vida do café. Planejaram por fim uma festa de inauguração da fazenda, em que se torrou, moeu, preparou-se e bebeu-se café paulista. [...] O projeto ocupou a classe por mais de três meses. Dele surgiu, sem intervenção do mestre, novo projeto: o de uma fazenda de gado, levado depois a efeito com segurança e entusiasmo.
Outro importante dado considerado a partir da efetivação da Pedagogia de Projetos de
acordo com sua proposta original é a afirmação de que “o projeto conduz ao trabalho em
comunidade”, o que vem exemplificar o trabalho que envolve todo o grupo de alunos, “onde a
classe caminha passo a passo” (LOURENÇO FILHO, 1978, p. 210).
Todos os exemplos citados neste capítulo ilustram diferentes formas de
operacionalização dos projetos. Kilpatrick classificou os projetos em quatro tipos. Segundo
Lourenço Filho (1978,p.207) são eles:
1) Projetos em que o fim seja o de incorporar alguma idéia ou técnica sob a forma de expressão (construir um barco,escrever uma carta, organizar
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um jogo);2)em que o fim seja o de experimentar alguma coisa de novo,como ouvir uma história, um trecho de música apreciar, uma pintura;3)em que o fim seja o de por em ordem uma dificuldade intelectual,como descobrir as razões por que certa cidade cresceu mais que outra, ou por que há mais orvalho em certas épocas do ano;4)em que o fim seja o de obter uma informação,atingir um novo grau de destreza ou de conhecimento.
2.8 O Papel do Educador na Pedagogia de Projetos
Em acordo com o ideal escolanovista, são muitas as considerações referentes ao
educador apontadas nas obras de Dewey e nas de seus seguidores e intérpretes. Aos
educadores é dado o desafio de reorganizar os conteúdos escolares, indo ao encontro dos
interesses dos educandos. Com isso enuncia-se o desafio de, no trabalho com a Pedagogia de
Projetos, educador e educando assumirem a postura de pesquisadores em constante interação.
A proposta da Pedagogia de Projetos, que obviamente postula a organização de uma
nova escola, exige um educador com um papel distinto relativamente àquele previsto na
organização da escola tradicional. Agora o professor assume a condição de educador-
orientador, de quem se exige “ter preparado muito do que irá usar: às vezes informações;
outras vezes, fontes de informação; e ainda em outras, processos científicos disponíveis se a
ocasião assim o exigir” (KILPATRICK, 1978, p. 87).
Para Dewey era preciso que o trabalho dos professores da escola fosse organizado segundo os mesmos princípios dos alunos: organização social cooperativa, associação e intercâmbio, em vez de supervisão e preparação técnica e reuniões semanais entre todos os professores para discutir seu trabalho. (BELTRÁN, 2003, p. 55).
Perpassa, sobretudo, neste perfil o ideal democrático, onde o educador torna-se agente
na busca de uma escola que vise o desenvolvimento do modo reflexivo de pensar. “Que
professores e alunos trabalhem juntos, em problemas não resolvidos é, evidentemente, a mais
educativa de todas as formas de trabalho escolar” (KILPATRICK, 1978, p. 86).
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Ao considerar que a atividade livre é essencial, uma vez “proposto o trabalho de
maneira clara, o mestre torna-se conselheiro discreto. Atende solicitações, encaminha,
estimula, sugere neste ou naquele ponto, sem nada impor. Deixa trabalhar” (LOURENÇO
FILHO, 1978, p. 210).
2.9 Repercussões da Pedagogia de Dewey no Brasil
Em 1931 divulga-se o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova com a proposta de
uma reconstrução educacional no Brasil. Entre os signatários deste documento, que gerou
polêmica nos setores conservadores da sociedade, constavam Anísio Teixeira, Fernando de
Azevedo, Lourenço Filho e Paschoal Leme. O documento inicia com a apresentação de um
panorama social e, por conseqüência, educacional do país:
Nunca chegamos a possuir uma cultura própria, nem mesmo uma cultura geral que nos convencesse da existência de um problema sobre objectivos e fins da educação [...] O educador como o sociólogo, tem necessidade de uma cultura múltipla e bem diversa; [...] elle deve ter o conhecimento dos homens e da sociedade em cada uma de suas phases, para perceber, além do apparente e do ephemero. (apud GHIRALDELLI Jr., 1990, p. 50).
Para que a reforma da educação se efetivasse com os princípios da gratuidade e da
obrigatoriedade, salientava-se o caráter da educação nova e pragmática. É por intermédio de
Anísio Teixeira (1900-1971) que as idéias de Dewey chegam ao Brasil.
O escolanovismo desenvolveu-se no Brasil no momento em que o país sofria importantes mudanças econômicas, políticas e sociais. O acelerado processo de urbanização e a expansão da cultura cafeeira trouxeram o progresso industrial e econômico para o país, porém, com eles surgiram graves conflitos de ordem política e social, acarretando assim uma transformação significativa da mentalidade intelectual brasileira. No cerne da expansão do pensamento liberal no Brasil, propagou-se o ideário escolanovista. (GALLO, 2001).
Anísio Teixeira teve contato com os ideais deweyanos nas viagens que realizou aos
Estados Unidos e que o influenciaram diretamente em suas concepções de sociedade e de
educação. Ele foi considerado um homem à frente da época em que viveu, tanto pelas suas
55
concepções que geraram polêmica com o poder político, quanto pelas ações específicas que
exerceu no cenário educacional do país.
De forte caráter político, os ideais de Anísio Teixeira buscaram, sobretudo, a
construção de um sistema educacional em que “[...] a escola pública de ensino comum é a
maior das criações humanas e também a máquina com que se conta para produzir uma
sociedade democrática” (RIBEIRO apud TEIXEIRA, 1996, p. 8, grifo do autor).
Além de questionar os currículos e a formação dos professores, Teixeira também se
preocupou, na condição de Secretário de Educação da Bahia, em construir estruturas
adequadas para o funcionamento das escolas, dotando-as de recursos materiais que
enriquecessem as metodologias adotadas. Destaca-se a construção da Escola Parque
(localizada na Bahia), que foi inovadora por funcionar em tempo integral.
Segundo afirma Schmidt (2002, p. 30),
Essa obra projetou Anísio Teixeira internacionalmente, pois o novo tipo de escola pôs em prática uma experiência pioneira de educação em tempo integral, onde os alunos – muitos deles internos – desenvolviam muitos aprendizados intelectuais e práticos desde a leitura, matemática, atividades artísticas, físicas até trabalhos manuais e industriais, servindo como modelo para projetos de educação posteriores, entre eles o que foi preparado para Brasília, a nova capital da República, no fim da década de 1950 e, posteriormente, os Cieps de Darcy Ribeiro, no governo de Brizola, no Rio de Janeiro.
Assim ele pensava:
Não se pode conseguir uma formação em uma escola por sessões com curtos períodos letivos que hoje tem a escola brasileira. Precisamos restituir-lhe o dia integral, enriquecer-lhe o programa da escola com atividades práticas. [...] O programa da escola será a própria vida da comunidade, com o seu trabalho, as suas tradições, as suas características, devidamente selecionadas e harmonizadas. (TEIXEIRA, 1996, p. 63-64).
Teixeira (1996, p. 114) enfatiza, assim, a prioridade de levar a educação às classes
populares, preocupando-se com os altos índices de analfabetos que naquela época já
56
causavam assombro. Propôs, para tanto, um sistema de administração educacional que
pudesse concretizar a idéia de que:
A mudança do sistema só se opera quando a escola primária e a escola média se fazem, de certo modo, mais importantes que a própria escola superior. Com efeito, o novo princípio diretor é o de que importa elevar o nível geral da educação de todos, de todo o povo, para se criarem novas condições de trabalho e de compreensão do esforço comum. Não se aumentam as escolas primárias e as médias para se fazer uma colheita mais fina de homens para o nível superior – embora esse resultado indireto também se venha a colher, mas para dar, como um fim em si mesmo, educação melhor, mais eficiente, a todo o povo.
Novamente ressalta-se o caráter político da educação, colocando-a como prioridade e,
o que é mais importante, vislumbrando a possibilidade de efetivar uma educação popular que
não ofereça subsídios apenas para que a partir dela os desfavorecidos venham a fazer parte
das elites. Assim, busca-se a concretização de um currículo que brote da cultura onde a escola
está inserida, valorizando, inclusive, a formação de professores locais.
Para Teixeira (2000, p. 50), não se aprende uma coisa só, mas várias coisas que
estejam associadas entre si. Assim, a finalidade da educação se confunde com a finalidade da
própria vida, onde se busca um “crescimento” e a formação constante do educando, razão esta
de utilizar o termo educação progressiva. Notoriamente propõe: “A única matéria para a
escola é a própria vida, guiada com inteligência e discriminação, de modo que a façamos
progressiva e ascensional”.
Importante ressaltar que desta forma Anísio Teixeira pensou em estruturar a educação
em todos os âmbitos, não deixando a intenção de mudança somente a cargo do profissional da
educação.
2.10 A Concepção de Infância e sua Educação na Escola Nova
57
Em seu livro Vida e Educação, Dewey (1978, p. 20) destaca a educação da infância.
Inicialmente cita a situação de grupos sociais onde não existia uma educação formal da
infância:
Excetuando-se cerimônias de iniciação, as mais das vezes apenas solenizadoras da aceitação ou do ingresso do jovem candidato no grupo dos adultos, a infância, na maior parte das tribos selvagens, educa-se pela participação gradual e imediata na vida social.
Em seguida comenta a impossibilidade de na sociedade atual a criança participar
diretamente da vida adulta, enfatizando que:
[...] cresce assim, à medida que avança a cultura social, a necessidade da educação direta da infância. Tornam-se necessárias escolas, estudos e professores: todo um mecanismo especializado e sistemático, para fornecer aquilo que a vida diretamente não pode ministrar. (DEWEY, 1978, p. 20).
No Brasil a Escola Nova tem a sua concepção de infância refletida principalmente
através da influência de Maria Montessori e Ovídio Decroly. Essa influência diz respeito,
sobretudo, à idéia de uma infância que precisa ser cuidada e protegida, disseminando-se livros
e manuais que enfatizavam a questão da puericultura infantil, aliando a educação à saúde.
Dewey (1978, p. 21), por sua vez, alerta para o que chama de “perigo imediato” da
organização escolar para a infância. Perigo esse que ocorreria se “a escola, deslembrada da
sua função, se torne um fim em si mesma, fornecendo aos alunos um material de instrução
que é da escola, mas não da vida”. Prossegue afirmando que:
As escolas passam a constituir um mundo dentro do mundo, uma sociedade dentro da sociedade. Isto, no melhor dos casos, que, no pior, elas se tornam simplesmente livrescas, atulhando a cabeça da criança de coisas inúteis e estúpidas, não relacionando com a vida nem com a própria realidade.
Assim, Dewey lança um desafio tentando estabelecer um equilíbrio entre a educação
formal (escola) e a informal (mundo da vida), integrando a aprendizagem escolar com a
aprendizagem do mundo da vida. Com isso, nota-se o caráter de centralidade que confere à
criança, solicitando que a escola ofereça um ensino que não esteja desvinculado da sua real
58
vivência. Esta centralidade da criança é um dos pontos principais da escola nova, enquanto
que o meio é o constituidor das condições que promovem ou impedem, estimulam ou inibem
as atividades características do organismo infantil. Essa pedagogia dá, portanto, especial
importância à organização do espaço em que a criança realiza sua experiência escolar.
Dewey (1978, p. 24) ressalta: “Não há, pois, nenhum meio direto de controlar ou gover-
nar a educação que a geração infantil recebe, salvo o de preparar o ambiente em que a criança
age, pensa e sente. Não se educa diretamente, mas indiretamente através de um meio social”.
Outro ponto importante a destacar é quando Dewey (1978, p. 25) afirma que: “O que é
aprendido, sendo aprendido fora do lugar real que tem na vida, perde com isso seu sentido e
seu valor”. Com isso se esboça um dos pressupostos da Escola Nova, que é o de criar métodos
que sejam atrativos aos educandos e que, a partir das experiências que eles realizam, a
aprendizagem aconteça.
Em sua obra Democracia e Educação, Dewey (1959, p. 214) destaca “o papel do
brinquedo ou o jogo e o trabalho no currículo”. Aqui temos importantes contribuições na
afirmação de que “quando se tem oportunidade de pôr em jogo, com atos materiais, os
impulsos naturais da criança, a ida à escola é para ela uma alegria”.
Dewey (1959, p. 214-215) critica o ato de recorrer aos jogos e brinquedos somente
com o objetivo de “repousar do tédio e fadiga do trabalho escolar regular”. E ainda que “não
há, contudo, motivo para usá-los meramente como distrações agradáveis”. Destaca, ainda, que
“o jogo e o trabalho correspondem ponto por ponto aos característicos da fase inicial do ato de
aprender, que consiste em aprender como fazer as coisas e no familiarizar-se com as coisas e
processos aprendidos ao fazê-las”.
59
Teremos, portanto, a criança como centralidade do processo educativo, onde o
ambiente, a metodologia e o professor devem ser facilitadores da sua aprendizagem.
De acordo com Cunha (1999, p. 46-47),
A concepção deweyana de desenvolvimento opõe-se nitidamente às grandes correntes do pensamento educacional; ela entra em conflito primeiramente com a tese que considera a “educação como preparação” para a idade adulta. Por imaginarem que o estado infantil é uma etapa em que os indivíduos são como candidatos numa lista de espera, os defensores desse ponto de vista deixam de ver o educando como membro atuante do meio social em que vive. Ocorre que a criança vive o presente e, para ela, o futuro não representa uma realidade tangível, argumenta Dewey: o que está por vir não excita as energias que afloram na infância e, por isto, a escola se torna desinteressante se comparada aos desafios atuais e imediatos apresentados pelo mundo exterior.
Esta concepção certamente contrasta com aquela que entende a infância como mera
preparação para a vida adulta. Aparece aí, portanto, o desafio de a escola infantil tomar a
infância como uma etapa em que a criança tem o direito de ser respeitada em suas
características próprias, o que implica em deixar de entendê-la como um “vir-a-ser”, ou como
uma fase de simples preparação para o ensino fundamental.
60
3 A RE-SIGNIFICAÇÃO DA PEDAGOGIA DE PROJETOS NA EDU CAÇÃO
INFANTIL ATUAL
Partindo da verificação de como vem ocorrendo na prática a Pedagogia de Projetos e
contemplando as concepções teóricas da obra de Dewey e Kilpatrick, passo agora ao
entrecruzamento das falas das professoras com as concepções originais dessa proposta
pedagógica, detectando possíveis aproximações ou distanciamentos que possam surgir entre
as mesmas.
A partir da pesquisa empírica realizada nas escolas, tendo por base as observações
realizadas, as conversas e entrevistas com as educadoras, a análise dos planos de estudos e das
propostas político-pedagógicas, pude detectar alguns pontos importantes que considero
imprescindíveis de serem abordados à luz das concepções deweyanas. Inicialmente refiro-me
à questão surgida na maioria dos depoimentos das professoras, que é a valorização da
Pedagogia de Projetos por sua vinculação à questão da ludicidade. Em seguida, dedico-me à
61
análise da operacionalização da Pedagogia de Projetos nas escolas, bem como ao papel do
professor de educação infantil no contexto da atual forma de implementação dessa proposta
pedagógica.
Com a intenção de re-significar a concepção deweyana, surge a necessidade de
analisar o que se tem incorporado às idéias originais, para o que abordo a contribuição de
alguns teóricos como Fernando Hernandez, Nilbo Nogueira, Gabriel Junqueira (pela sua forte
ligação enquanto pesquisador com a educação infantil) e também apresentando a experiência,
consagrada mundialmente, da proposta pedagógica da cidade italiana de Reggio Emilia.
Para complementar esta discussão retomo da obra de Dewey (1959) a reflexão sobre a
democracia, para verificar até que ponto esta dimensão pode ser contemplada na educação
infantil através do trabalho com projetos. Em seguida aposto na perspectiva de que a pesquisa
que surge a partir do trabalho com projetos possa ser desenvolvida desde a mais tenra idade e,
assim sendo, ser provocadora de situações de aprendizagens.
3.1 A Pedagogia de Projetos nas duas Escolas Investigadas à Luz das Concepções de
Dewey e Kilpatrick
A partir das constatações realizadas na pesquisa empírica, com o olhar voltado às
práticas nas escolas infantis, e considerando o referencial teórico de Dewey, surge a
necessidade de estabelecer uma análise comparativa entre o originariamente proposto como
Pedagogia de Projetos e as concepções e práticas atuais, pelo menos as observadas nas duas
escolas pesquisadas.
Quando em 1918 Kilpatrick publicou O Método de Projetos, resgatando as concepções
deweyanas, tinha como pressuposto a sociedade daquela época. Trata-se, portanto, de re-
62
significar essa abordagem de modo a adequá-la às circunstâncias em que hoje se realiza a
educação infantil. Nesse sentido, destacarei alguns aspectos-chave que podem interligar o
“ontem” da Pedagogia de Projetos com o “hoje”.
3.1.1 O Objetivo do Trabalho com Projetos
No discurso das educadoras ouvidas nesta pesquisa aparecem, de forma unânime, dois
eixos norteadores de suas perspectivas de trabalho: o respeito às características da faixa etária
das crianças da educação infantil e o reconhecimento de que o desenvolvimento deva ocorrer
na mediação do jogo e do brinquedo.
A Pedagogia de Projetos é vista como vantajosa por considerar a ludicidade como uma
atividade intrinsecamente educativa, observado na afirmação de que “A metodologia de
projetos é o estudo por parte dos educadores de apresentar os conteúdos de maneira lúdica e
consistente” (educadora D). No entanto, podemos verificar o que ocorre na efetivação de
muitas propostas de educação infantil. Se, por um lado, existe a consciência de que o
desenvolvimento infantil deva se embasar na ludicidade, seria necessário, por outro, ter a
garantia de que, ao brincar, se está educando. O termo “consistente”, utilizado pela educadora,
vem a endossar a dicotomia observada no cotidiano das escolas, ou seja, o brincar
desvinculado do que se entende como efetiva ação educativa.
Em nossa observação ficou bastante evidente que o professor, ao mesmo tempo em
que enfatiza a importância de o desenvolvimento infantil ocorrer em meio à ludicidade,
programa para a sua prática de sala de aula momentos isolados de brincadeira, numa flagrante
demonstração de que entende que há momentos de ludicidade e momentos de atividade
propriamente educativa. Assim também ocorre na programação vinculada ao
63
desenvolvimento dos projetos, em que, salvo raras exceções, são proporcionados momentos
distintos de estudo e de brincadeira.
Dewey (1959) considera em suas concepções o jogo como essencial para o
desenvolvimento de aprendizagens e não somente como mera forma de “passar o tempo”. Ao
repensar a escola, descartando a educação tradicional, o estudioso imagina o educando em
situações onde prevalecem o jogo e a experiência, sem separação entre atividade educativa e
atividade lúdica, como ainda pudemos verificar nas escolas infantis pesquisadas.
Quando Kilpatrick (1978), baseado nas concepções deweyanas, apresentou o método
de projetos, teve como objetivo central trazer a vida para dentro do universo escolar. Hoje
percebemos que a Pedagogia de Projetos é para a maioria dos educadores uma mera
metodologia que vem ao encontro das necessidades e interesses dos educandos. Isso faz com
que acabe sendo confundida com os centros de interesse, ou como uma extensão desses ou
dos temas geradores. Na verdade, existe um grande desconhecimento das concepções que
embasam cada uma dessas metodologias. A preocupação que se faz presente é manter as
crianças ocupadas e direcionadas pelas atividades, garantindo assim um caráter educativo à
sua permanência na escola.
Se Dewey (1959) buscou conferir um novo sentido à escola através da Pedagogia de
Projetos, podemos perceber que esta também é a intenção de muitos educadores diante do
grande compromisso de educar a etapa essencial do desenvolvimento humano, que é a
infância. Mesmo que tímidos, há sinais de sentidos novos conferidos à educação infantil no
âmbito das escolas pesquisadas. Na escola “A”, por exemplo, acontece uma atividade que de
certa forma é inovadora e que vem ao encontro de algumas concepções deweyanas. Trata-se
daquela atividade em que as crianças são incentivadas a escolherem assuntos que desejam
desenvolver como projeto. Mesmo que ainda pequenas e com algumas limitações,
64
principalmente quanto à linguagem oral que ainda está em construção, as crianças iniciam aí
um processo de investigação a partir de suas dúvidas, passando a ter a pesquisa como
elemento articulador de suas aprendizagens. Ainda que este momento de escolha do tema do
projeto ocorra somente uma vez ao ano, desencadeia-se, dessa forma, um processo
diferenciado de formação em que, para além do professor, as crianças também ajudam a
definir o que será estudado. De outra parte, na realização dos projetos na escola “B” chamou-
me a atenção o fato de, mesmo o projeto estar voltado aos brinquedos e brincadeiras, as
crianças permaneciam muito tempo em sala de aula com atividades maçantes, pouco
vivenciando situações como as referidas no âmbito do projeto.
Ainda que se perceba certa dicotomia entre os momentos lúdicos e os considerados de
efetiva atividade pedagógica em sala de aula, é importante salientar que a Pedagogia de
Projetos tem proporcionado importantes momentos em que algumas atividades diferenciadas
são realizadas, onde o professor valoriza a experiência de situações concretas por parte da
criança, principalmente quando os projetos relacionam-se às ciências naturais, permitindo,
assim, o “aprender fazer fazendo” de Dewey (1959).
A preocupação em estabelecer um currículo adequado à vida dos educandos está
presente no discurso dos educadores e a possibilidade de se trabalhar com a Pedagogia de
Projetos vem ao encontro deste anseio. Porém, mesmo assim, as disparidades entre as
concepções dos educadores e a sua prática efetiva em sala de aula estão presentes a todo o
momento.
3.1.2 A Operacionalização da Pedagogia de Projetos Mediada pelo Educador
Nas duas escolas pesquisadas verificou-se que no início do ano letivo os professores
definem um projeto geral para a escola. O que se percebe, contrariamente à concepção
65
deweyiana, em que os temas dos projetos sempre se originariam das proposições dos
educandos, é que as escolas ainda permanecem com a prática de direcionar seu trabalho
através de uma temática para o ano todo, sem ao menos conhecer previamente os educandos e
seu contexto de vida. Esse direcionamento é parcialmente superado, no caso da escola “A”,
quando os educandos são convidados a escolherem o tema do projeto a ser realizado. Nesse
momento, em que se parte do interesse do grupo, bem como de suas dúvidas, para a definição
do tipo de investigação a ser feita, realiza-se na prática o princípio deweyano de considerar a
criança como sujeito ativo do processo ensino-aprendizagem. Em regra, porém, o professor da
educação infantil insiste numa espécie de “escolarização do cotidiano”, desconsiderando a
realidade de vida dos educandos, o que para Dewey (1959) era essencial. Além disso,
observa-se pouco espaço de diálogo, o que faz com que as vozes infantis fiquem em segundo
plano. Conforme nos cita Maria Inês Mafra Goulart (2005, p. 20), “Ouvir as crianças,
portanto, não se limita a escutar banalidades, mas muitas vezes nos leva a encarar questões
profundas”. É com esta sensibilidade que o educador infantil pode estar mobilizado na sua
prática educativa.
Mesmo que com diferenciações relativamente à proposta original, existem algumas
práticas que merecem ser valorizadas, pois apontam para um processo de desestabilização de
um modelo educativo em que o professor determina tudo com antecedência, por temer não
cumprir sua função a contento. Para melhor demarcar como acontece a Pedagogia de Projetos
na prática de sala de aula, apresento a seguir o relato de uma professora da escola “A”, que
desenvolveu projeto na turma de pré-escola (crianças de 5 e 6 anos), no ano de 2006:
Iniciamos o semestre letivo com a motivação de explorar os animais com as crianças, pois, com certeza, trata-se de um assunto que elas adoram e que faz parte de suas vidas. Quem não gosta de ter um bichinho de estimação e falar sobre ele? E o medo de alguns bichos, ou, até mesmo, a curiosidade em descobrir e conversar sobre aqueles em extinção ou pouco conhecidos?
Resolvemos, então, partir da “criação do mundo” e apresentar toda a obra maravilhosa feita por Deus, onde contemplaríamos o universo, a natureza e
66
os seres vivos, com um enfoque maior aos animais pela história de “A arca de Noé”, que era o objetivo principal.
Ao contar a história “Terra Maravilhosa” já me surpreendi com a curiosidade e o interesse, quase que geral, pelos meteoros, galáxias, cometas, sol, lua, planetas. Foi uma enxurrada de perguntas que ficou no ar, mas foram perguntas muito aguçadas: — O que são meteoros? — Como se forma o dia e a noite? — É verdade que quando no Brasil é dia, no Japão é noite? — Por que não enxergamos as estrelas de dia? — O que tem dentro da Terra?
Iniciou aí um projeto fantástico que a princípio não estava previsto. A motivação foi tanta que logo combinamos de convidar a professora de Ciências para vir conversar conosco sobre todos esses questionamentos e que, se alguém tivesse algum material, também traria para a aula.
Com o auxílio de um globo terrestre, uma lanterna, de alguns livros e lâminas fizemos muitas experiências e descobertas com a professora de Ciências. Os dias seguintes refletiram toda essa motivação e curiosidade. Era um contando para o outro, e para quem chegasse na sala, as descobertas feitas. Trouxeram de casa informações, cartazes e os desenhos. Por um bom tempo mostraram o sistema solar, o planeta terra e todo o nosso universo.
Os pais também se admiraram com as “aulas” dadas em casa sobre esse assunto. Outras dúvidas surgiram nessa caminhada de descobertas: — Porque a camada de atmosfera não protegeu os dinossauros quando
caíram os meteoros? — Por que só tem vida no planeta Terra? — Como se formam os vulcões?
Sem dúvida, foi um trabalho maravilhoso e gratificante. Agora estamos envolvidos com os animais e ainda existe o encantamento e as lembranças da pesquisa anterior.
Esse relato exemplifica de forma simples a possibilidade de um tema de projeto surgir
do próprio grupo de alunos, tornando-se, como afirmava Dewey (1959), objeto de interesse do
grupo. Interessante observar que a professora havia previsto uma trajetória diferente, mas foi
sensível em valorizar os anseios surgidos no grupo, redirecionando a sua prática e dando
início a um novo projeto.
De acordo com Dewey (1959, p. 176),
Se o pai ou o professor proporcionou as condições que estimulam o pensamento e assumiu atitude interessada para com a atividade de quem aprende, participando da experiência comum ou conjunta, fez com isso, tudo o que uma segunda pessoa pode fazer ao incentivar o aprendizado da outra.
67
Segundo Kilpatrick (1978, p. 86), a Pedagogia de Projetos “acentua a função
educativa. Que professores e alunos trabalhem juntos, em problemas não resolvidos é,
evidentemente, a mais educativa de todas as formas de trabalho escolar”.
Dewey e Kilpatrick puseram a criança no centro do processo de ensino-aprendizagem.
Sem descartar o papel do professor, ambos atribuíram-lhe a responsabilidade de sua contínua
formação e do acompanhamento constante de seu grupo. Sem ser o único detentor do saber, o
professor estende aos seus alunos a possibilidade de buscarem soluções para seus problemas.
Nas escolas pesquisadas percebemos que a criança é o centro do processo no que diz
respeito aos seus cuidados físicos e necessidades básicas a serem supridas. O professor ainda
em muitos momentos representa um papel autoritário ao prever as rotinas e impô-las aos
alunos. Fator a destacar é a conscientização que os profissionais de ambas as escolas
demonstram quanto a sua responsabilidade em organizar materiais e procurar dentro de suas
possibilidades e dos recursos oferecidos pelas escolas empenharem-se na realização das
atividades com os alunos.
Se trabalhar com a Pedagogia de Projetos implica em ensinar de forma diferente,
conforme nos apontou Dewey (1959), conseqüentemente ainda há muito que se discutir sobre
a função do educador infantil na atualidade. Muitas vezes, o educando é visto como incapaz e
o professor acaba por realizar muitas tarefas por ele, com a crença de que está amparando esta
criança e atendendo muitas vezes aos anseios da sua família. Por isso, diante da perspectiva de
que a pedagogia permite ao aluno a construção de sua autonomia e o desenvolvimento de seu
poder decisório frente a situações-problemas, vemos que ainda há um longo caminho a ser
percorrido pelos educadores.
68
A educação infantil coloca aos educadores que nela atuam este desafio de educar e
cuidar de modo indissociável, o que para muitos educadores ainda é algo a ser compreendido
e incorporado na sua prática pedagógica. A profundidade dessa discussão remete não somente
à relevância da Pedagogia de Projetos, mas sim a uma total reorganização dos tempos e
espaços na escola infantil.
3.2 A Pedagogia de Projetos Re-Configurada e Re-Significada com a Contribuição de
Novos Teóricos
Como educadores temos à disposição diversas bibliografias que podem contribuir com
a nossa formação permanente. No caso específico da Pedagogia de Projetos há
disponibilidade de muitos materiais, em sua maior parte voltada ao relato de experiências do
cotidiano escolar. Na busca da re-configuração e da re-significação da Pedagogia de Projetos
recorro ao espanhol Fernando Hernández, que por conta de publicações recentes, mais
especificamente a partir de 1996, acabou se tornando referência como teórico da Pedagogia de
Projetos e como um de seus divulgadores. Recorro também aos pesquisadores brasileiros
Nilbo Nogueira, que atualmente desenvolve ampla assessoria pedagógica sobre essa temática,
e Gabriel Junqueira, que busca relacionar a Pedagogia de Projetos ao desenvolvimento de
competências e à discussão sobre interdisciplinaridade. Abordo em seguida a experiência de
Reggio Emilia, uma cidade italiana que é uma referência mundial na educação infantil e que
propôs uma organização curricular baseada no trabalho com projetos.
3.2.1 Fernando Hernández e os Projetos de Trabalho
O livro A Organização do Currículo por Projetos de Trabalho, de co-autoria de
Fernando Hernández e de Montserrat Ventura (1998, p. 29), reflete as experiências de escolas
69
da Espanha que desenvolvem um trabalho de “organização dos conhecimentos escolares
mediante Projetos”. De acordo com os autores,
[...] a introdução dos Projetos de Trabalho foi planejada como uma forma de vincular a teoria com a prática e com a finalidade de alcançar os seguintes objetivos: 1 - Abordar um sentido da globalização em que as relações entre as fontes de informação e os procedimentos para compreendê-la e utilizá-la fossem levados adiante pelos alunos, e não pelo professorado [...]. 2 - Introduzir uma nova maneira de fazer do professor, na qual o processo de reflexão sobre a prática fosse a pauta que permitisse ir tornando significativa a relação entre o ensinar e o aprender. 3 - Gerar uma série de mudanças na organização dos conhecimentos escolares [...]. (HERNÁNDEZ; VENTURA, 1998, p. 15).
Hernández e Ventura (1998) chamam de “Projeto de Trabalho” o enfoque integrador
da construção de conhecimento que transgride o formato da educação tradicional de
transmissão de saberes compartimentados e selecionados pelo professor. Em seu entender,
esse projeto não é uma metodologia, mas uma forma de refletir sobre a escola e a sua função.
Nessas explicitações percebe-se o sentido globalizador atribuído aos projetos. Não se
trata de uma mera metodologia, uma vez que aí se ultrapassam as fronteiras do previsível. Ou
seja, o professor não prevê uma ação isolada em sala de aula, determinando situações e papéis
a serem desempenhados pelos educandos. Existe a preocupação com o global e, sobretudo,
com a problematização temática que permite um novo sentido à relação entre ensino e
aprendizagem. Ou seja, “um trabalho globalizado é aquele que possui um tema ou um
problema que clama por uma convergência de conhecimentos” (HERNÁNDEZ; VENTURA,
1998, p. 47).
Para Hernández e Ventura (1998, p. 61),
A função do projeto é favorecer a criação de estratégias de organização dos conhecimentos escolares em relação a: 1) o tratamento da informação; e 2) a relação entre os diferentes conteúdos em torno de problemas ou hipóteses que facilitem aos alunos a construção de seus conhecimentos, a transformação da informação procedente dos diferentes saberes disciplinares em conhecimento próprio.
70
Nesse sentido, o modelo curricular ultrapassa a disciplinarização e é composto por
temas, gerando um modelo de aprendizagem significativa.
Hernández e Ventura (1998, p. 67) explicitam a escolha do tema como ponto de
partida para a definição de um Projeto de Trabalho: “os alunos partem de suas experiências
anteriores, da informação que têm sobre os projetos já realizados [...]. O professorado e os
alunos devem perguntar-se sobre a necessidade, relevância, interesse ou oportunidade de
trabalhar um ou outro determinado tema”.
Em um segundo momento os autores narram alguns aspectos que se referem à
atividade docente após a escolha do projeto, uma vez que “essa seqüência deve servir como
pauta de reflexão e acompanhamento do Projeto e como preparação de outros futuros”
(HERNÁNDEZ; VENTURA, 1998, p. 70). O quadro a seguir destaca a seqüência sugerida
pelos autores.
Fonte: Hernández e Ventura (1998, p. 68).
71
É interessante que observemos esta organização, pois ela proporciona um processo em
que o fio condutor é o projeto, estabelecendo a importância de se criar o vínculo com o grupo
e o projeto em si, evidenciando o fator da motivação do educando para a realização do
trabalho. Outro interessante ponto a destacar é com respeito à avaliação proposta nessa
seqüência, que impulsiona o surgimento de futuros projetos, considerando o que foi realizado
até o momento.
No livro Transgressão e Mudança na Educação, Hernández (1998, p. 22) dá
continuidade às suas reflexões sobre os Projetos de Trabalho. Parte do princípio de ser
necessário diferenciar o que denomina por Projetos de Trabalho da versão inicial
escolanovista de projetos. Ressalta que, “em nenhum momento, os projetos de trabalho se
apresentaram como uma recuperação de uma maneira de organizar os conhecimentos
escolares que autores como Kilpatrick abordaram no início do século nos Estados Unidos”.
Para estabelecer esta diferenciação trabalha com a noção de “Projetos de Trabalho”,
caracterizando como projeto “um procedimento de trabalho que diz respeito ao processo de
dar forma a uma idéia que está no horizonte, mas admite modificações, está em diálogo
permanente com o contexto” (HERNÁNDEZ, 1998, p. 22).
Ao justificar o termo “trabalho”, tem a intenção de
[...] questionar a aprendizagem só por descobrimento e a partir do próximo (entenda-se do que o menino e a menina gostam) e estava a favor da idéia de aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a compreender com e do outro que hoje a UNESCO assinala como finalidades da Escola. (HERNÁNDEZ, 1998, p. 22).
Porém, apesar das diferenciações, Hernández (1998, p. 22) enfatiza que,
[...] alguns princípios educativos deste movimento [escolanovista], tais como interessar o aluno no trabalho escolar, ensinar-lhe questões substanciais e conectar-se com o mundo fora da escola, continuavam presentes como referências que orientavam a visão dos projetos que começávamos propor.
72
Outro ponto a destacar em Hernández (1998, p. 23) é a re-interpretação da Pedagogia
de Projetos:
Em nosso caso, a relação com o mundo e o consigo mesmo das crianças e adolescentes, os valores na sociedade da informação e da comunicação, os conhecimentos derivados da pesquisa e da reflexão sobre a escola e sua função, as problemáticas que abordam os campos do saber, são diferentes na atualidade das que se produziram há 20, 40 ou 60 anos. Tais diferenças nos exigiam releituras críticas e interpretações alternativas diferentes das experiências e dos autores assinalados [...].
Hernández (1998, p. 25) utiliza-se do princípio proposto por Dewey de que “se não se
compreende o que se aprende, não há uma ‘boa’ aprendizagem. Mas, durante muito tempo,
acreditava-se que, para aprender fosse indispensável fazê-lo por intermédio de uma estratégia
de repetição do aluno e do professor”. Retoma, portanto, a importância do papel do professor
nesse processo que denomina “educação para a compreensão”, definindo como eixos desta
educação “como se supõe que os alunos aprendem e a vinculação que esse processo de
aprendizagem e a experiência da Escola têm em sua vida” (HERNÁNDEZ, 1998, p. 26).
3.2.2 A Pedagogia de Projetos Aliada ao Desenvolvimento de Competências
O pesquisador Nilbo Nogueira concebe o trabalho com projetos a partir do objetivo
central de formação de um sujeito integral. Afirma ele que a escola atual está sendo desafiada
a valorizar as habilidades e competências dos educandos. Para isso propõe a utilização da
Pedagogia de Projetos, com o pressuposto de que aí se contemple um trabalho de forma
procedimental.
Segundo Nogueira (2005, p. 28),
O trabalho com o foco em procedimentos pode ser um primeiro passo para auxiliar no desenvolvimento das capacidades de resolver problemas, de se comunicar, de ser criativo, de expressar-se por diferentes linguagens, de aprender a trabalhar de forma cooperativa e em equipe, de aceitar desafios.
73
No âmbito da educação infantil estas são considerações importantes, uma vez que,
desde cedo, pode-se proporcionar aos alunos a construção de competências que serão
alicerces para a sua vida.
O mesmo autor aborda ainda que “os projetos temáticos ou de trabalho ressurgem
como proposta prática para a mediação do desenvolvimento de habilidades e competências”
(NOGUEIRA, 2005, p. 31). Ele critica o fato de muitos educadores estarem simplesmente
seguindo um modismo ao realizar a prática com projetos. Por isso ele ressalta a importância
de
[...] compreender onde e como o projeto pode auxiliar na práxis, quais as vantagens para o professor e para os alunos em trabalhar com esta dinâmica, qual a relação entre projetos e competências, até onde vai a autonomia dos alunos neste trabalho e, principalmente, quais são os papéis dos diferentes atores quando se trabalha com projetos. (NOGUEIRA, 2005, p. 33).
Um importante ponto abordado por Nogueira (2005, p. 43) é com relação à
“concepção do conhecimento como rede de significados”. Para ele, nesta concepção não
existe linearidade, mas, sim, “múltiplas interligações, formando uma malha entre os
significados e suas relações”. Acrescenta ainda que:
Podemos pensar nos projetos como estratégias facilitadoras do trabalho voltado à globalização, ou seja, aquele que leve o aluno a enxergar relações além das disciplinas de tal forma a interpretar o mundo, a realidade e a sociedade na qual estão inseridos. Um olhar mais voltado à complexidade da vida e do mundo, um olhar mais holístico e transdisciplinar com relação ao conhecimento, além dos conteúdos e das disciplinas acadêmicas. (NOGUEIRA, 2005, p. 54).
É justamente desse “olhar complexo” que a educação infantil pode valer-se no
decorrer do trabalho com projetos, abrangendo, assim, a totalidade do desenvolvimento
infantil.
Para a complementação da noção de trabalho com projetos me valerei das discussões
realizadas pelo pesquisador Gabriel Junqueira Filho (1996, p. 88), que propõe um “novo e
74
autêntico projeto pedagógico-educacional” para a educação infantil. Ao denominá-lo assim,
justifica que ele é autêntico:
[...] porque faz da interação das múltiplas, diferenciadas e diversas culturas trazidas para a sala de aula pelos alunos, professores, direção e orientação conjunta e interdisciplinar analisadas, a matéria básica que em breve nos dará indícios de uma nova e original complexidade de relações entre as pessoas, seus processos e o produto de suas significações.
Esse amplo objetivo da Pedagogia de Projetos volta-se para a formação de
competências, com um olhar atento à complexidade, trazendo ao universo da educação
infantil um importante questionamento acerca do que se tem denominado projetos e a forma
como têm sido desenvolvidos. Essa noção exige um maior comprometimento de todos
aqueles que estão envolvidos no processo de educação das crianças, e em que o olhar atento à
realidade é ponto de partida para o que se pretende desenvolver.
Para Perrenoud (1999, p. 15),
Aceitar uma abordagem por competências é, portanto, uma questão ao mesmo tempo de continuidade, pois a escola jamais pretendeu querer outra coisa — e de mudança, de ruptura até — pois as rotinas pedagógicas e didáticas, as compartimentações disciplinares, a segmentação do currículo, o peso da avaliação e da seleção, as imposições da organização escolar, a necessidade de tornar rotineiros o ofício de aluno têm levado a pedagogias e didáticas que, às vezes, não contribuem muito para construir competências.
Passamos assim a ter uma melhor contextualização, não deixando margem para o
reducionismo de afirmar que os projetos constituem mera metodologia. Ao buscarmos a
significação no mundo da vida, tecendo uma rede que vai contemplando as ações diárias do
cotidiano, compreendemos que, por ser Pedagogia de Projetos, ela corresponde a uma ampla
redimensionalização do ato de educar, que não se restringe a alguns momentos do cotidiano,
mas, sim, a todas as situações nas quais educadores e educandos estão envolvidos.
3.2.3 Reggio Emilia e o Trabalho Inovador com a Pedagogia de Projetos
75
O Programa para a Primeira Infância, realizado em Reggio Emilia (Itália), tornou-se
reconhecido e aclamado como um dos melhores sistemas de educação infantil mundial.
Segundo Edwards (1999, p. 21), “Reggio Emilia é uma cidade de 130.000 habitantes, no
Nordeste da Itália [...]. Atualmente a cidade financia e opera onze escolas pré-primárias para
crianças de 3 a 6 anos, bem como 13 centros de 0 a 3 anos”.
Loris Malaguzzi, professor italiano, foi o idealizador deste sistema quando no ano de
1946, após a Segunda Guerra mundial, sentiu-se desafiado, juntamente com a comunidade, a
reconstruir as escolas destruídas.
O sistema de Reggio pode ser descrito sucintamente da seguinte maneira: ele é uma coleção de escolas para crianças pequenas, nas quais o potencial intelectual, emocional, social e moral de cada criança é cuidadosamente cultivado e orientado. O principal veículo didático envolve a presença dos pequenos em projetos envolventes, de longa duração, realizados em um contexto belo, saudável e pleno de amor. (GARDNER in: EDWARDS, 1999, Prefácio).
O sistema Reggio Emilia é definido como uma abordagem e não um método de
ensino. “Chamamos de abordagem, pois temos como princípio respeitar a maneira de cada um
aprender e, para isso, precisamos estar atentos aos caminhos que eles mesmos propõem”
(BARRUCCI apud GENTILE, 2002). Nesta abordagem, o trabalho com projetos é
fundamental e ele surge a partir da curiosidade e dos questionamentos feitos pelos educandos.
Sob o nosso ponto de vista, o trabalho com projetos visa a ajudar crianças pequenas a extrair um sentido mais profundo e completo de eventos e fenômenos de seu próprio ambiente e de experiências que merecem sua atenção. Os projetos oferecem a parte do currículo na qual as crianças são encorajadas a tomarem suas próprias decisões e a fazerem suas próprias escolhas, geralmente em cooperação com seus colegas, sobre o trabalho a ser realizado. Presumimos que este trabalho aumenta a confiança das crianças em seus próprios poderes intelectuais e reforça sua disposição de continuar aprendendo. (KATZ apud EDWARDS, 1999, p. 38).
A partir de um processo de escuta das crianças (falas, anseios, dúvidas) parte-se para a
definição do tema de estudo, que conta com o desenvolvimento de diversas linguagens (oral,
escrita, corporal, musical...), que vão pautando o desenrolar das atividades do projeto. As
76
crianças trabalham em turmas de idades heterogêneas, reunidas pelo interesse no assunto do
projeto. Segundo Malaguzzi (apud EDWARDS, 1999, p. 100),
[...] a cada ano cada escola delineia uma série de projetos relacionados, alguns de curto outros de longo prazo. Esses temas servem como apoios estruturais principais, mas depois fica a cargo das crianças, do curso dos eventos e dos professores. [...] os professores de bebês e de crianças pré-escolares não começam o ano escolar do zero. Eles têm em sua retaguarda um patrimônio de talento, de conhecimentos, de experimentos, de pesquisas, de documentação e de exemplos mostrando sucessos e fracassos. Os professores seguem as crianças, não seguem planos. Os objetivos são importantes e não serão perdidos de vista, mas o porquê e como se chegar até eles são mais importantes.
Os educadores são vistos nesse processo como mediadores, cabendo-lhes um perfil de
pesquisadores em constante formação, para o que se exige discussão conjunta sobre os
processos de aprendizagem que seus alunos vêm percorrendo. Segundo Carla Rinaldi (apud
GENTILE, 2002), “Além de estar atento à fala, é preciso estar disponível e ter sensibilidade
para ouvir as cem, as mil linguagens, símbolos e códigos que as crianças usam para se
expressar”.
Fica evidente o caráter social que permeia esta proposta de trabalho em que a escola
nasce e mantém-se pelos anseios da comunidade. Toda a estrutura necessária (considerando
recursos materiais e humanos) é disponibilizada para que as propostas sejam efetivamente
desenvolvidas. A prática da democracia também é evidenciada, uma vez que a comunidade
toma as decisões quanto aos investimentos necessários para a manutenção de cada escola e as
votações e debates constituem-se em práticas efetivas nesse processo.
3.3 Contribuições da Pedagogia de Projetos à Qualificação e às Diretrizes Atuais da
Educação Infantil
77
Quando focalizamos o contexto atual da educação infantil, relacionando-o à sociedade
em geral, cercamo-nos de desafios, uma vez que a complexidade da infância torna abrangente
o ato de educar. A partir do entendimento da importância desta etapa educativa em garantir o
desenvolvimento integral dos educandos, amplia-se a necessidade de aprimorar
constantemente a prática educativa.
No decorrer desta pesquisa acentuou-se o distanciamento entre a prática atual da
Pedagogia de Projetos com a sua concepção de origem, tanto pelo desconhecimento teórico
dos educadores quanto pelas influências atuais de outros teóricos.
Neste momento torna-se importante enfatizar em que eixos teóricos a Pedagogia de
Projetos pode contribuir para além do que está sendo efetivamente realizado no âmbito das
escolas. Aborda-se inicialmente a temática da democracia e na seqüência o fator da pesquisa
como elemento articulador de aprendizagens.
3.3.1 A Dimensão Democrática: é possível contemplá-la no contexto da educação
infantil?
No contexto de uma reflexão acerca das concepções deweyanas não se pode ignorar a
noção central de democracia. Segundo Beltrán (2003, p. 51), ela “[...] é esse processo
permanente de libertação da inteligência. [...] Para que a educação possa formar democratas e
ser crítica perante a sociedade, a práxis educativa terá quer se fundamentar na razão e nos
métodos científicos”.
A re-significação do sentido de democracia precisa considerar as diferenças sociais
entre a época em que Dewey fez suas proposições e a época atual. A educação infantil já
conta com uma ampla vantagem em relação ao Ensino Fundamental, principalmente no que
78
diz respeito a sua organização curricular, bem como ao uso do espaço escolar, que permite
uma realização de propósitos e de estruturação alicerçada nos princípios da democracia.
Ao utilizar-se a Pedagogia de Projetos, em que os educandos participam diretamente
da escolha do tema central do projeto e do planejamento das atividades decorrentes, exerce-se
o ato da escuta e do diálogo em sala de aula. Além disso, algumas rotinas diárias, como a da
“hora da rodinha” (conforme já referido na pesquisa empírica), que são marcadas pela
informalidade e em que o grupo de alunos, juntamente com o professor, realiza troca de
experiências, podem ser consideradas como pequenos exercícios de democracia, à medida que
pressupõem a participação de todos os envolvidos, o respeito pela palavra do outro e a
valorização das experiências individuais.
Para todos os efeitos, a Pedagogia de Projetos implica a realização de uma atividade
que nasce das discussões, anseios, dúvidas ou interesses dos educandos. Este caráter
participativo é uma das marcas da educação infantil, que infelizmente não permanece ao
longo da escolarização. Os atos de ouvir, trocar palavras, idéias, comentários, vão tecendo a
rede de contextualizações entre educador e educandos. A vivência desses atos e sentidos
configura-se como um exercício da dimensão da democracia, ainda que em um nível inicial.
Assim, cada educando, desde pequeno, vai se dando conta da sua importância no grupo a que
pertence e, sobretudo, que a sua participação é essencial para a ação coletiva.
Certamente são muitos os educadores que não consideram esse sentido organizativo
do cotidiano escolar como um exercício da dimensão democrática, por entenderem que esta só
se realizaria à medida que o educador considerasse o contexto social dos educandos na
organização de sua prática pedagógica. Observa-se que são inúmeras as propostas de projetos
voltados à aceitação das diferenças sociais e de respeito à pluralidade cultural. Em muitos
casos, porém, tornam-se práticas não reflexivas que caem no vazio do “fazer pelo fazer”.
79
Frente a isso argumentamos com Dewey (1959, p. 93) que:
A extensão no espaço, do número de indivíduos que participam de um mesmo interesse de tal modo que cada um tenha de pautar suas próprias ações pelas ações dos outros e de considerar as ações alheias para orientar e dirigir as suas próprias equivale à supressão daquelas barreiras de classe, raça e território nacional que impedem que o homem perceba toda a significação e importância da sua atividade.
Ao redimensionar os projetos em um aporte democrático estaremos valorizando as
iniciativas de inclusão e de reconhecimento das diferenças, dando-lhes um sentido mais
amplo, aliando-as ao contexto de vida dos educandos. A Pedagogia de Projetos pode-se valer
da democracia como um princípio capaz de ampliar as muitas práticas já existentes no âmbito
da educação infantil.
Segundo Amaral (1990, p. 132),
A democracia para Dewey age como idéia diretriz, como guia e orientação de nossa atuação, isto é, como uma idéia instrumental. Nada mais coerente, então, do que considerar a democracia um modelo para a educação, campo este totalmente aberto e tão poderoso instrumento.
Sinalizamos, portanto, para a possibilidade de que as ações diárias e específicas da
sala de aula ultrapassem o mero sentido de rotina para se transformarem em verdadeiros
momentos de interação, de participação e de exercício da autonomia. Trata-se de situações em
que as crianças planejam, organizam juntamente com o educador seus projetos e,
conseqüentemente, aprendem a trabalhar em grupo, exercitando, aos poucos, o sentido da
coletividade. Assim, estaremos implementando a perspectiva de Dewey, para quem “[...] a
afirmação da democracia é a proposição de um programa de luta, é um projeto cujo propósito
é desencadear atitudes de mudança, transformação, movimento” (CUNHA, 2001, p. 112).
3.3.2 A Pesquisa como Elemento Possibilitador de Situações de Aprendizagens
80
O trabalho com a Pedagogia de Projetos surge como uma alternativa para traçarmos o
caminho da pesquisa no universo da educação infantil. Para Dewey, a escola deveria auxiliar
as crianças a compreenderem o mundo através da pesquisa, do debate e da solução de
problemas.
A dimensão do ato de pesquisar é viabilizada através do trabalho com a Pedagogia de
Projetos, uma vez que o ato de investigar é dado como princípio da mesma, conforme
abordado anteriormente, desde a concepção deweyana. Conforme Martins (2005, p. 58),
Pesquisar é investigar, é buscar, é informar-se, é perguntar, é indagar sobre alguma coisa da qual se quer saber mais e com certa profundidade, seguindo determinados procedimentos. [...] A cada momento usamos pesquisas simples ou elementares em nossa vida, como as que fazemos no dia-a-dia, nos jornais, nos catálogos, no supermercado, olhando o céu, escolhendo alguma coisa, perguntando algo a alguém.
O ato de pesquisar tem sido objeto constante de estudos e discussões na atualidade,
indicando a possibilidade de a escola constituir um aluno diferenciado relativamente àquele
formado pela educação tradicional. No momento em que o aluno depara-se com uma
situação-problema e é instigado a investigar sobre a mesma, passa a ter uma postura
diferenciada frente ao objeto de conhecimento. Esses fatores nos levam a refletir sobre a
possibilidade de desenvolvermos um trabalho voltado ao incentivo da pesquisa também pelas
crianças da educação infantil.
Podemos buscar a re-significação do currículo da educação infantil partindo do que é
natural nos educandos, percorrendo junto com eles o caminho da investigação e da
descoberta. De acordo com Peix (apud ARRIBAS, 2004, p. 15), “O pensamento da criança
tem natureza científica: a estrutura epistemológica da ciência, ciente de que o próprio
pensamento da criança irá se consolidando a partir das experiências que lhe proporcionem
contatos com o meio natural e social”. Assim, ao invés de fixarmos nossas atenções apenas na
organização da rotina diária e nos cuidados das crianças, mesmo que isso faça parte da
81
educação dessa faixa etária, podemos, através da utilização dos princípios da pesquisa, buscar
a real exploração do meio vivido, significando-o para os educandos.
Com o aproveitamento do potencial de pesquisa das crianças podemos fazer com que a
escola infantil seja inovadora diante das práticas que historicamente a tem marcado, além de
muito mais atrativa e envolvente. Na perspectiva da pesquisa pode-se fazer, por exemplo, um
importante trabalho de aprendizagem em relação aos valores e conceitos que são constituídos
nessa faixa etária e que são indispensáveis na formação do ser humano. Mas mais importante
do que projetar esta criança para o futuro, como, por exemplo, prepará-la para freqüentar o
Ensino Fundamental, é significá-la no presente, traduzindo as suas vozes e construindo as
suas identidades.
Dentro dessa perspectiva, a prática da pesquisa vem ao encontro de uma proposta em
que a Escola Infantil proporciona ao aluno a contextualização do mundo em que ele está
inserido. No dizer de Deheinzelin (1994, p. 180),
Uma vez que possivelmente existe um paralelo entre a sociogênese e a psicogênese dos conhecimentos, isto é, entre o modo como cada objeto de conhecimento foi construído pela sociedade humana e o modo como cada indivíduo reconstrói este mesmo objeto ao tentar compreendê-lo, a intersecção entre as idéias espontâneas e as consagradas pela ciência pode incrementar de forma extraordinária o rendimento da aprendizagem.
Ao considerar as próprias características da criança, a dimensão da pesquisa permite à
educação infantil a construção de um ambiente enriquecedor para situações de aprendizagens
significativas. Segundo Demo (2000, p. 11),
Pesquisa não é qualquer coisa, papo furado, conversa solta, atividade largada. Seu distintivo, mais próprio, é o questionamento reconstrutivo. Este é o espírito que perpassa a pesquisa, realizando-se de maneiras diversas [...] Na criança que brincando, tudo quer saber, pergunta sem parar, mexe nas coisas, desmonta brinquedos, aparece o mesmo espírito, embora não seja o caso de esperar algo formalmente elaborado. De fato a criança é, por vocação, um pesquisador pertinaz, compulsivo.
82
Em se propondo a pesquisa como elemento básico e impulsionador na prática de
projetos na Escola Infantil tem-se a certeza de estar indo ao encontro das características de
nossos educandos e, sobretudo, proporcionando-lhes um espaço qualificado de aprendizagem.
Em acordo com o que cita Martins (2005, p. 11), a aquisição do conhecimento não se
limita somente à sala de aula. Ela resulta também de experiências vividas pelos alunos, de
suas concepções, interações sociais, das práticas educativas nas suas mais diversas formas de
linguagens. Martins (2005, p. 11) ainda complementa, dizendo que “Os projetos escolares de
pesquisa no ensino básico são experiências de iniciação científica valiosíssimas, uma vez que
têm como objetivo aproximar o conhecimento do aluno por meio de estímulos e pelo
despertar de interesses”. Há que se considerar ainda que o ato de pesquisar, uma vez
encaminhado em acordo com as características da faixa etária dos alunos, vem a se tornar uma
atividade agradável e envolvente, tal como ocorre num jogo.
83
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do ano de 1990, ao iniciar minha trajetória como educadora, a educação
infantil passou a ser o foco principal da minha atuação, formação e, conseqüentemente, o alvo
do meu olhar enquanto pesquisadora. À medida que os anos foram passando fui
acompanhando ativamente todos os processos em nível de legislação que reconheceram a
educação infantil como etapa educativa. Muitas foram as vivências em escolas infantis, com o
que também se tornaram evidentes os muitos desafios vinculados à educação infantil tal como
hoje constituída.
A necessidade de uma prática consistente e de um cuidado adequado na educação das
crianças exigiu ações concretas como a contratação de profissionais com formação
pedagógica, modificando o caráter assistencialista predominante até o ano de 1997. Temos,
84
portanto, propostas recentes no âmbito da educação infantil, colocando a necessidade de uma
ampla e contínua discussão sobre essa etapa de formação.
A constituição de um currículo que contemple as muitas dimensões da educação
infantil, bem como a particularidade que a diferencia do Ensino Fundamental, tem ocupado
boa parte das discussões sobre essa questão. Para os professores que diariamente realizam seu
trabalho junto às crianças de zero a seis anos ainda existem muitas dúvidas e questionamentos
sobre o que e de que maneira deve ser realizada uma ação que efetivamente promova o
desenvolvimento infantil.
A educação infantil cerca-se de desafios como a implantação do Ensino Fundamental
de nove anos, a multiplicidade das infâncias e suas peculiaridades, a falta de recursos econô-
micos e de uma política pública específica para a infância. Além disso, há o grande desafio de
se construir uma proposta curricular que contemple o que é próprio dessa etapa de ensino.
Atualmente o trabalho com projetos predomina enquanto metodologia nas escolas de
educação infantil no município deIjuí.. E é por isso que fui me questionando, enquanto
pesquisadora, acerca da origem de uma ação que eu mesma desenvolvia junto aos meus
alunos. Foi então que passei a buscar as concepções originárias da Pedagogia de Projetos por
meio do desenvolvimento da presente pesquisa.
Na realização da pesquisa empírica constatei um distanciamento entre a teoria e a
prática pedagógica, tanto no que se refere às concepções que deram origem à Pedagogia de
Projetos, quanto às discussões e abordagens atuais acerca dessa proposta. Isso provavelmente
se deve ao processo de formação dos educadores da educação infantil, que em sua maioria
não conhecem as concepções originais provindas de Dewey e nem o que hoje vem sendo
proposto no âmbito do debate em torno da Pedagogia de Projetos.
85
Pude verificar também, que a rotina pedagógica permanece centrada na ação do
professor, sendo que o projeto aparece como mero complemento de uma ação que não se
redimensionou em função da adoção dessa perspectiva pedagógica. Tal observação sugere a
necessidade de um aprofundamento na compreensão do caráter da Pedagogia de Projetos,
especialmente no que diz respeito à sua operacionalização, que deveria orientar-se para a
superação do mecanicismo pedagógico e do mero fazer pelo fazer.
A recuperação das concepções deweyanas que estão na base da Pedagogia de Projetos
constituiu-se num grande desafio para esta pesquisa, assim como o esforço em buscar as
formas de sua re-significação no contexto atual da educação infantil. Os estudos dos textos
filosóficos de Dewey e Kilpatrick constituíram dificuldade em especial para mim em função
da linguagem específica e própria de uma outra época. Tal recuperação, no entanto, resultou
num importante fio condutor desta pesquisa, reforçando o entendimento de que a filosofia
vem a contribuir diretamente no aprimoramento do fazer pedagógico.
Re-significar Dewey no contexto atual da educação infantil é vislumbrar a
possibilidade de superar o ensino fragmentado e assistencialista que ainda se faz presente na
escola infantil. Não se trata de seguir à risca o que este filósofo propôs, mas, sim, ter o
entendimento de que sua obra era visionária de uma escola que viesse realmente ao encontro
da vida dos educandos, pois para ele isto é sinônimo de experiência e só assim a
aprendizagem pode ocorrer, sem tornar-se algo repetitivo e sem sentido. Hoje, mais do que
nunca, precisamos recorrer a estas idéias, ancorando nossa prática, constituindo um currículo
que possua a identidade da educação infantil, abrangendo todas as suas especificidades. Ao
retomarmos os princípios básicos da proposta de Dewey, como o da democracia e o da
experiência, podemos, sim, buscar essas alterações.
86
Entendida não somente enquanto metodologia, a Pedagogia de Projetos amplia o
sentido do que é efetivamente trabalho educativo, indo além do fazer pelo fazer, considerando
que os alunos são sujeitos inseridos em um contexto social. Ela permite uma aprendizagem
contextualizada do educando, considerado como um agente investigativo, o que vem a
valorizar uma característica que lhe é inerente. Sabendo que as crianças necessitam construir
sua autonomia e estabelecer laços afetivos e sociais, essa pedagogia permite o confronto de
pontos de vista sobre os mais diversos assuntos que forem objeto de tematização no âmbito do
currículo. Observe-se que essas tematizações dizem respeito à vida, já que emergem do
cotidiano infantil, englobando ações diárias como as brincadeiras, a alimentação, a comunica-
ção, os jogos, os relacionamentos entre os colegas. O olhar atento do professor permitirá
estabelecer as vinculações entre essas temáticas e suas possíveis ações complementares.
Diante das potencialidades visualizadas com a Pedagogia de Projetos torna-se
fundamental a retomada do processo de formação dos educadores que atuam na educação
infantil, garantindo-lhes os conhecimentos necessários e específicos dessa etapa de ensino. O
acesso a bibliografias, cursos e estudos especializados certamente será de grande importância.
A pesquisa constante também compõe o cenário da vida do educador. Saberes e competências
articulados contribuirão, sem dúvida, para uma prática pedagógica mais qualificada.
Como anunciamos desde o começo, a intenção desta pesquisa não seria a de produzir
um manual sobre a Pedagogia de Projetos, mas, sim, de trazer algumas discussões a partir do
olhar atento sobre o cotidiano das escolas infantis e da recorrência à literatura especializada
sobre o assunto, na perspectiva de contribuir com todos os educadores que se sentem
desafiados diariamente em educar a infância. A Pedagogia de Projetos brota do contexto
socialmente vivido e sugere um novo olhar sobre a infância, onde a criança é considerada
como pesquisadora e produtora de cultura.
87
Certamente são inúmeros os desafios que cercam o universo da educação infantil,
tornando relevante o nosso questionamento frente ao quê ensinar, quais os valores, atitudes e
conhecimentos encontram-se implicados em nossa prática. É importante, ainda, e talvez
imprescindível, buscarmos, a partir de pequenas ações, a conscientização da importância da
educação infantil, desencadeando um movimento amplo de luta pelos direitos da criança de
zero a seis anos, que neste momento se traduz como direito de ter educação e cuidados
especializados e de qualidade.
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