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como objeto o momento do encontro, das trocas entre as superfcies, o momento
intermedirio entre a imagem gravada e a imagem impressa, o imprimir.
Feito de entrelaamentos, assim como as impresses e as superfcies dos corpos, opresente texto entrecruza filosofia e histria da arte, bem como a produo de
artistas contemporneos, na busca de construir ns de ligao que acompanhem,
questionem e alimentem os entrelaamentos prticos e matricos, e, que reflita os
procedimentos grficos em sua potncia dialtica e construtiva, pela produo de
texturas mnimas regidas pelo ttil, que surgem do contato, da matria, ou seja, do
corpo em contato com a matria. O corpo no domnio das pequenas percepes,
das misturas e do que resta delas, os vestgios. O corpo como territrio da arte,
como territrio de atravessamentos.
Primeiramente deixemos de lado pensamentos radicalmente tcnicos e nos aliemos
a idias construtivas, como as proferidas por Helio Oiticica, as quais compartilham
de que a arte verdadeira no separa a tcnica da expresso, a tcnica corresponde
ao que expressa a arte, e por isso no algo artificial que se aprende e adaptado
a uma expresso, mas est indissoluvelmente ligada a mesma2. Durante minha
prtica percebi trs momentos que considero significativos para se pensar a tcnicaaliada expresso. Tanto na gravura quanto na fotografia de base qumica a matriz,
ou o negativo, inscrito, gravado, sensibilizado. Corpos matrizes carregados de
marcas, traos; imagens superficiais desejantes de trocas, de duplicao. Esse
corpo contm, em sua superfcie, imagens em latncia, em construo. Eles
mesmos so corpos em transformao. Os corpos esto sempre se encontrando,
modificando. A materializao do encontro vestgio, a impresso, o que resta
da troca entre as superfcies. Assim a imagem impressa vista como uma imagemvestgio, um trao do acontecimento, corpo impresso.
A presente pesquisa articulada a partir desses tempos e desses
corpos/superfcies: corpo da matriz, corpo da impresso e o instante das misturas
entre a imagem inscrita contida no territrio da matriz e a imagem impressa contida
em outro territrio de superfcie acolhedora, a impresso. O corpo dessa pesquisa
articula trs corpos numa tentativa de poetizar, filosofar sobre o fazer artstico, o
processo criativo: corpo matriz, corpo acontecimento e corpo impresso.
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no corpo que algo acontece: na superfcie do territrio corporal que os movimentos
do corpo, os acontecimentos, se mostram pelas pequenas inscries. A superfcie
da matriz trabalhada como corpo, como espessura, e nesse territrio que
ocorrem as variaes do corpo, ele envolve os corpos. As superfcies esto
rigorosamente ao lado, ou melhor, em volta e so apreendidas por uma viso
prxima, ttil ou hptica.3, assim como a superfcie da matriz. Atravessadas pelos
gestos, as superfcies mostram, deixam ver as marcas. O que era gesto agora
vestgio, assim como esse vestgio de gesto deixa gestos outros em outras
superfcies. A superfcie da matriz o espao do acontecimento, um corpo matriz.
Ela que lugar de troca do corpo, o limite que borra, como coloca Deleuze o
contorno como uma membrana percorrida por uma dupla troca.4. Ao mesmotempo guarda e perde, deixa rastros e vestgios, escritura feita de encontros,
efmera e varivel.
No contato entre as superfcies tudo magia, acontecimento quando um corpo
matriz deseja vitalidade costurando laos, trocando marcas e impresses entre as
interioridades e exterioridades. Estado em contnua resoluo. O corpo matriz,
mutante, parece desejar nesse momento -- o do imprimir -- abrigar, mesmo que
temporariamente, esta indeterminao pulsante, essa modificao constante em um
corpo que vestgio, um corpo impresso. Mas aqui, nessa superfcie textual que
territrio inscrito por palavras, pretendo focar o contato entre as superfcies/corpos, o
imprimir, o corpo acontecimento, o momento da criao, da troca, ou seja, o
encontro que acontece no limite, num territrio que comum aos dois corpos, as
duas imagens. O imprimir, que esse territrio de ningum, est a meio caminho
entre inscrio e impresso.
No momento entre a gravao e a impresso, o acontecimento imprimir a
articulao entre a imagem gravada e a imagem impressa, a troca que transforma
as superfcies, e por um fantasiar cria no apenas um prximo passo, no sentido
cronolgico, uma regra, ou mais um dos tantos procedimentos relacionados s
tcnicas grficas, mas acontecimentos, encontros que atravessam as
superfcies/corpos. Nos encontros a matria revela; nos contatos uma matria se
forma. Frma que forma o tecido de ns e de dobras que apontaro para umamarca, uma presena/ausncia. das percepes e sensaes dos momentos de
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gravar e imprimir que se desenvolve a materialidade, as texturas to caras
pesquisa. O infinitamente pequeno, o detalhe contido na textura dessas superfcies.
Durante as prticas grficas, o gravador ou o fotgrafo, encontra no acontecimento,no momento do contato entre as superfcies, ou, na alquimia do encontro o desejo
de uma boa imagem. Pensando nesse entre, no contato contido no imprimir, do
quanto existe um desejo neste momento, certa expectativa, uma espcie de
esperana, ligeira espera: quantos entrelaamentos bem sucedidos? O que ir se
mostrar em imagem vestgio? Quanta fora devo imprimir? E, ao mesmo tempo,
quo delicado tenho de agir, pois as marcas do menor contato aparecem, deixam
vestgios... o aprendizado desse ato fascinante, um momento do segredo da
mistura. O imprimir o lugar da experincia e da criao. Para Suely Rolnik5, ao
referir-se a prtica artstica participativa de Lygia Clark, artista e obra se fazem
simultaneamente em criaes espontneas, nos encontros. Nesses encontros o
artista opera na materialidade de seu trabalho, pois nela, na materialidade, que se
inscrevem as marcas de seu encontro, marcas de experincia; vestgios da criao
que carregam a potncia de se refazerem, recriarem pela subjetividade do
participador (espectador), atravs desses vestgios, ou mesmo pelo momento da
criao, da feitura, do contato com a materialidade que foi tantas vezes proposto por
Lygia Clark. Os vestgios podem ser pensados como substituio de algo que
aconteceu: uma cicatriz, uma ferida ou apenas uma linha. Talvez por isso eles
remetam a uma ausncia, a um acontecimento anterior marcado, onde que se v
so seus restos ou rastros.
A criao surge no encontro, naquilo que atravessa o territrio de vizinhana
corporal, formando dentros efmeros, sensaes, que se desdobram para dilurem-se novamente no fora, em inscries, em impresses. O trabalho proposto para
reflexo nesse artigo tem seu incio numa ao coletiva que contou com a
participao dos colegas (artistas) e do professor de uma disciplina do curso de
mestrado. Esse trabalho, de carter propositivo, procurou explorar as possibilidades
e experimentar meios outros de abordar a transferncia das marcas, o encontro do
artista com o material, ou seja, o momento de imprimir. A partir do contato manual
dos artistas com uma folha de papel vegetal, proporcional a mdia da medida damo humana, construiu-se marcas de contato, marcas sonoras e fsicas contidas na
superfcie de cada papel.
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Cada artista tinha consigo um pedao de papel entre as mos, as mos tocam o
material que acolhe o toque. Com tamanho de aproximadamente 15X12cm esses
retngulos de papel vegetal foram amassados, rasgados, dobrados, etc. de
diferentes e imprevisveis maneiras de faz-lo. A mo que tocava o papel deixava
vestgios dessa ao em forma de trao e em forma sonora. Marcas produzias pelo
toque no papel, gravadas por uma cmera de imagem e som.
A ao intituladaAo coletiva CONTTIL teve como objetivo pensar no somente
o corpo marcado, a pele que se marca com o tempo pelo vivido, como pensado no
trabalho Pginas de Tempo, realizado em 2007, e que tem em seu fazer o ato de
imprimir a superfcie corporal. Pensado como um memorial de acontecimentos e
experincias vividas pelo corpo, esse objeto livro, feito de pginas/impresses em
alginato6 que contm as inscries do corpo de minha av, amplia o pequeno, o sutil
em um instante em forma de vestgio.
Fig. 1. Paginas de tempo, Impresses em alginato e linha de costura cirrgica, 13X19X1,5cm, 2007.
Em CONTTIL continuo proporcionando a viso do espectador, pelas marcas
impressas nos papis, um corpo/papel marcado, mas tambm um corpo que marca,
que tem essa possibilidade. Esse corpo marcado, utilizado como matriz para as
impresses produz marcas em outras superfcies, em outros corpos. Aqui o
encontro, o corpo acontecimento, ou seja, o territrio entre o desejo do
artista/participador e o realizado, a marca no papel, que est em jogo na
reproduo sonora do toque das mos dos artistas no papel e na possibilidade de
um novo tocar pelo espectador/participador, que se v ante um pedao de papel, um
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corpo acolhedor, uma materialidade. A magia do trabalho, o momento da criao
potncia no encontro do participador com o registro desses gestos primeiros, gestos
de contato e na possibilidade de faz-los. O que ficou tanto em forma de som e
imagem, quanto na materialidade fsica do papel amassado so, acredito, registros,
imagens vestgio.
Fig. 2. Registro Ao CONTTIL, papel vegetal, aproximadamente 15X12cm, 2009.
Fig. 3. Registro Ao CONTTIL, papel vegetal, aproximadamente 15X12cm, 2009.
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Fig. 4. Registro Ao CONTTIL, papel vegetal, aproximadamente 15X12cm, 2009.
Desse modo a participao do outro se torna efetiva; o espectador participa da
construo do trabalho. Fazer uma impresso deixar marcado um gesto7,
construir uma espcie de memria deformada. Do toque das mos no papel (o
amassar, o dobrar, o cortar, etc.) nasce uma espcie de luta, de jogo que se renova
quando se marca de novo. Todo toque seminal. Pensado como gesto criador, ele
desencadeia transformaes na superfcie do papel, o qual pode ser pensado, assim
como a pele, como espao vivencial que nasce do toque, do contato entre corpo e
superfcie, ou melhor, entre territrios.
Questionado enquanto ao criadora, o gesto de contatar as superfcies, de imprimir
marcas corporais, pode ser pensado como um gesto anacrnico que retoma o que
talvez seja um gesto inaugural da idia de criao, manifestada pelo homem pr-
histrico: as impresses corporais nas paredes das cavernas. Essas imagens,
imagens de contato, so vistas como manifestaes da vontade criadora do homem,de seu desejo de marcar, de fazer, utilizando como instrumento intermedirio seu
prprio corpo.
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Fig. 5. Contorno de mo na caverna de Peche Merle Frana.
Mnica Zielinsky, ao comentar as facetas que envolvem uma exposio, e como
curadora, nesse caso de uma exposio de Iber Camargo, aponta para a
importncia de se tentar buscar no tempo, mesmo que deslocado do tempo de
feitura da obra, sermos contemporneos a ela, e nos diz isso quer dizer: apreender
em profundidade, e atravs das marcas deixadas, o seu vivo processo de trabalho,
as verdades e interrogaes da sua elaborao.8. Essa atitude nos possibilita
vivenciar o momento de feitura do processo artstico; a maneira de cada um; tentarfazer com ele, o artista. Assim que se pode pensar nos entrelaamentos do
processo de execuo, como se indagasse a magia que parece existir entre o
desejo da criao e o criado.
Quando as mos encontram a superfcie do papel, elas o impressionam ao amassar,
dobrar, rasgar. O gesto cria marcas, um novo espao, um territrio de contato, um
territrio transformado. A possibilidade de se formar novos territrios, a partir do
contato corporal, pode resultar em uma nova percepo espao-temporal que
aberta s estimulaes imprevisveis realizadas pelo participante da ao, o qual
compe uma experincia sensorial. A relao entre as superfcies, do corpo e do
papel, entre o proposto e o possvel faz desse trabalho uma obra aberta, que
prope a participao, a ocupao de um territrio criativo por gestos construtivos.
O leitor se excita, portanto, ante a liberdade da obra, sua infinita proliferabilidade,
ante a riqueza de suas adjunes internas, das projees inconscientes que
acompanham, ante o convite que (a obra) lhe faz (...), empenhando-se numatransao rica em descobertas cada vez mais imprevisveis9.
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O artista como propositor, o que pensava Lygia Clark em suas proposies/aes.
A artista procura promover um encontro do espectador/participador com esse
territrio criativo inscrito por gestos que criam e transformam. Palavras da prpria
Lygia: o Caminhando permite... a transformao de uma virtualidade em um
empreendimento concreto10. Uma virtualidade produzida no fora que se
concretizar na criao de uma nova forma. Com o Caminhando a artista abre a
possibilidade da uma experincia construda por meio de gestos que atravessam a
superfcie e percorrem o sensorial. Interessada na manifestao de uma criatividade
que afirma a experincia inaugurada pela ao do participante, pela construo da
marca em sua impreviso e risco, para Lygia a obra o ato, e o nico sentido resideem faz-la, em constru-la, experenci-la.
O movimento corporal do participante como gesto da criao. O ato de cortar a fita
de Moebius, na proposio intitulada Caminhando, exigiria uma atividade crescente
do espectador, como nos diz Lygia: Daqui em diante atribuo uma importncia
absoluta ao ato imanente realizado pelo participante11. O sentido do objeto passa a
depender inteiramente de experimentao. O objeto perde sua autonomia, ele
apenas uma potencialidade12, atualizada ou no pelo receptor. Lygia quer chegar ao
ponto mnimo da materialidade do objeto (...)13. O objeto artstico o ato, a ao do
outro, encarnada num pedao de papel, ou numa tira de moebius; superfcies que
carregam a potncia do contgio do espectador/participador.
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Fig. 6. Lygia Clark, Caminhando, 1964
Fig. 7. Lygia Clark, Caminhando, 1964
O participante, ao construir as marcas do contato, tatua a superfcie plana do papel
vegetal e vai registrando, a cada investida, esse encontro, vestgio de um territrio
de misturas, entre mo e papel. No h lugar nem forma (maneira) de marcar
determinados que indiquem o caminho para a construo da ao, apenas marcas a
serem construdas ao acaso dos encontros. Esse espao entre o desejo da imagem,
pelo participante, e a imagem inscrita, materializada no papel provoca uma espcie
de memria ttil que, por vezes, invisvel aos que apenas miram as marcas
radicalmente; esse territrio entre desejo e realizao abre uma qualidade invisvel,
uma durao sensvel.
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Acredito que a ao CONTTIL pode resgatar, ou mesmo incitar a percepo do
mnimo resgatado, dos pequenos movimentos, dos gestos produzidos pelo corpo,
que, no cotidiano, muitas vezes se encontram adormecidos pelas aes
mecanizadas, pela rotina. A proposio inibe o esquecimento das pequenas atitudes
no intencionais, indicando que todo toque, contato, pode ser uma fonte produtora
de descobertas, e recupera coisas absolutamente comuns. O ato de tocar, amassar,
cortar, produzir uma marca, que dura um instante, , na verdade, um estado, um
estado entre estados, em transformao, em construo no prprio movimento
investido, no vivido.
1 Essa pesquisa se encontra a meio caminho do perodo para sua realizao.
2 OITICICA, Helio. A transio da cor do quadrado para o espao e o sentido de construtividade. In:FERREIRA, Gloria e COTRIM, Cecilia (orgs). Escritos de artista: anos 60 e 70. Rio de Janeiro:Jorge Zahar Ed. 2006, p. 83
3 DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: Lgica da sensao. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2007,p.15.
4 Idem, ibidem p.20.
5 ROLNIK Suely. Lygia Clark e o hbrido arte/clnica, Disponvel em:acesso em 12/04/2008.
6 Material utilizado para fazer impresses dentrias
7 Imprimir a repetio de um gesto pr-histrico. Assim se pode pens-la como um gestoanacrnico.
8 ZIELINSKY, Mnica. Iber Camargo: caminhos de uma potica. Disponvel em: acesso 19/01/2010.>
9 ECO, Umberto. Obra Aberta. So Paulo: Perspectiva, 1976. p.160.
10
CLARK, Lygia. "1964: Caminhando", In: Lygia Clark. Col. Arte Brasileira Contempornea. Funarte,Rio de Janeiro,1980. p.25.
11 CLARK, Lygia. In: FABBRINI, Ricardo N. O espao de Lygia Clark. So Paulo: Atlas, 1994. p.56.
12 CLARK, Lygia. "1964: Caminhando", apud Lygia Clark. Col. Arte Brasileira Contempornea.Funarte, Rio de Janeiro,1980; p.26.
13 ROLNIK Suely. Lygia Clark e o hbrido arte/clnica, Disponvel em:acesso em 12/04/2008. p. 4.
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Carolina Corra Rochefort
Mestranda em Poticas Visuais (IA/UFRGS); Especialista em Poticas Visuais: Gravura,
Fotografia e Imagem Digital (FEEVALE, 2008); Bacharelado em Artes Visuais (UFPel,2004), Integrante do Grupo de Pesquisa: Percursos Poticos: procedimentos e grafias nacontemporaneidade (UFPel).
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