UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL
RACHEL DOS SANTOS ZACARIAS
A LÓGICA DESTRUTIVA DO CAPITAL, CRISE AMBIENTAL, MUDANÇAS CLIMÁTICAS:
os movimentos sociais e a educação ambiental
RIO DE JANEIRO Fevereiro 2012
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL
RACHEL DOS SANTOS ZACARIAS
A LÓGICA DESTRUTIVA DO CAPITAL, CRISE AMBIENTAL, MUDANÇAS CLIMÁTICAS:
os movimentos sociais e a educação ambiental
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Escola de Serviço Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de doutor em Serviço Social.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Eduardo Montaño Barreto
RIO DE JANEIRO Fevereiro 2012
A LÓGICA DESTRUTIVA DO CAPITAL, CRISE AMBIENTAL, MUDANÇAS CLIMÁTICAS:
os movimentos sociais e a educação ambiental
Rachel dos Santos Zacarias
Orientador: Prof. Dr. Carlos Eduardo Montaño Barreto Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social,
da Escola de Serviço Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Serviço Social.
Aprovada pela Banca composta por:
___________________________________________ Prof. Dr. Carlos Eduardo Montaño Barreto
Presidente – Orientador
___________________________________________ Prof. Dr. Carlos Frederico Bernardo Loureiro
____________________________________________ Profa. Dra. Yolanda Aparecida Demétrio Guerra
____________________________________________ Prof. Dr. Mauro Guimarães
____________________________________________ Prof. Dr. Victor Novick
Trabalhar, estudar, militar, ser mãe e mulher, são desafios que acompanham muitas mulheres. É para todas essas mulheres que enfrentam tais desafios que dedico esta tese. Deixo para vocês um verso de Cora Coralina, que, como mantra, me acompanha desde a militância do movimento de mulheres:
Eu sou aquela mulher
a quem o tempo muito ensinou.
Ensinou a amar a vida
e não desistir da luta,
e ser otimista.
Cora Coralina
A G R A D E C I M E N T O S
Ao orientador, Carlos Montaño, pelo estímulo, apoio e orientação.
Ao co-orientador, Frederico Loureiro, pela orientação, amizade e acolhimento no seu
Grupo de pesquisa LIEAS.
Ao Vicente, companheiro de vida, meu amor.
Aos meus filhos Luan e Mariana, meus amores. Razão do meu viver.
Às minhas irmãs, Ruth, Ester e Lídia, pelo apoio, incentivo e cuidado que sempre
tiveram por mim, o meu carinho especial.
Aos meus pais, Aurelina e José que, mesmo ausentes, também são responsáveis
por esta conquista.
À família Santos Pinto: Regina Miriam e Sr. Maurício (que na ausência dos meus
pais suprem o amor maternal e paternal), meus cunhados, cunhadas primos, tios e
tias. Em especial, à Vó Di que, do alto dos seus 93 anos, é nossa grande mestre e
exemplo de vida.
Aos amigos, que são muitos, especialmente para: Mônica Grossi, Andréa e Ferdi,
Angélica Cosenza, Luciana Teixeira, Rita e Pinta, Sandra e Kiko (velhos tempos), Gil
e Márcia, Cris e Luis, Soninha Clareto, Miriam Langenbach, Selma Bara,
Ederwanda, Mônica Ferreira e os professores do curso de Gestão Ambiental do
Vianna Júnior. O meu afeto especial pelo carinho e força de todos vocês.
Ao Dr. Filippo Carneiro, médico antroposófico e acupunturista, responsável pelo meu
bem-estar.
À vida e a todos que, de maneira direta e indireta, contribuíram para eu chegar até
aqui.
R E S U M O
A LÓGICA DESTRUTIVA DO CAPITAL, CRISE AMBIENTAL, MUDANÇAS CLIMÁTICAS:
os movimentos sociais e a educação ambiental
Rachel dos Santos Zacarias
Orientador: Carlos Eduardo Montaño Barreto
O objetivo desse trabalho foi analisar a lógica destrutiva do processo de produção e acumulação do capital, focalizando uma de suas principais manifestações: a destruição ambiental, em especial as mudanças climáticas, demonstrando que esta pode se constituir tanto num limite quanto em novos campos de acumulação para o capital. Além disso, se propôs analisar o posicionamento dos movimentos sociais e ambientais no contexto das mudanças climáticas. O estudo foi realizado a partir de uma pesquisa bibliográfica e documental, tendo como referenciais teórico-metodológicos os pressupostos centrais do método dialético marxista. Inicialmente, analisa-se a lógica destrutiva do processo de produção e acumulação do capital constatando que este processo vem se constituindo a partir de uma dupla exploração: do trabalho e da natureza. Essa dupla exploração vem induzindo uma série de contradições, resultando numa crise estrutural do capital, tendo como uma das principais manifestações a destruição ambiental, ou a chamada “crise ambiental”. Como uma das principais constatações do estudo, foi evidenciado que a crise ambiental, especificamente as mudanças climáticas, pode constituir tanto um limite quanto uma alavanca para o capital. Para finalizar, se verifica que, ao contrário de outros problemas considerados ambientais, as mudanças climáticas vêm possibilitando a articulação de movimentos sociais clássicos, como sindicatos e os “novos” movimentos sociais. Nessa luta política, que expressa os diferentes interesses de classes, existe uma disputa, principalmente em relação às alternativas para a crise climática. De um lado, organizações importantes, como o Greenpeace, defendendo posições a partir da lógica do mercado, do capitalismo verde; de outro, movimentos e organizações como a FASE, a Via Campesina, entre outros, denunciando a mercantilização da natureza. Nesse turno, considera-se que enfrentar os atuais desafios impostos pela ordem do capital é necessário a articulação das lutas sociais e ambientais. Igualmente, considera-se que a educação ambiental crítica e emancipatória e a dialética marxista podem contribuir para os movimentos sociais comprometidos com a emancipação social no sentido de possibilitar uma compreensão articulada dos problemas sociais e ambientais. PALAVRAS-CHAVE: Capitalismo – Crise ambiental – Mudanças climáticas – Movimentos sociais – Educação ambiental.
R E S U M E
LA LOGIQUE DESTRUCTRICE DU CAPITAL, CRISE ENVIRONNEMENTALE, LES CHANGEMENTS CLIMATIQUES: les mouvements sociaux et l'éducation
environnementale
Rachel dos Santos Zacarias
Chef de file: Carlos Eduardo Montaño Barreto
Le but de cette étude était d'analyser la logique destructrice du processus de production et d'accumulation du capital en se concentrant sur l'une de ses principales caractéristiques: destruction de l'environnement, en particulier le changement climatique, ce qui démontre que cela peut être à la fois une limite et de nouveaux champs d'accumulation pour le le capital. En outre, il se propose d'analyser le positionnement des mouvements sociaux et environnementaux dans le contexte du changement climatique. L'étude a été menée d'une recherche bibliographique et documentaire ayant comme références théoriques et méthodologiques les principales hypothèses de la méthode dialectique. Initialement, il explore la logique destructrice du processus de production et d'accumulation du capital et a trouvé que ce processus relève d'une double exploitation du travail et de la nature. Par ailleurs, cette exploitation a été conduit à une série de contradictions, résultant en une crise structurelle du capital, ayant comme une manifestation majeure de la destruction de l'environnement, ou le soi-disant "crise environnementale". Comme l'une des principales conclusions de l'étude, il était évident que la crise environnementale, le changement climatique en particulier, peut être à la fois une limite et un coup de fouet au capital. Enfin, il apparaît que, contrairement à d'autres questions qui sont considérées comme l'environnement, les changements climatiques ont permis à l'articulation des mouvements sociaux traditionnels, comme les syndicats et les "nouveaux" mouvements sociaux. Dans cette lutte politique, qui exprime les intérêts des différentes classes, il ya un litige, en particulier par rapport aux alternatives à la crise climatique. D'une part, les organisations importantes, telles que Greenpeace, en défendant les positions de la logique du marché, le capitalisme vert; de l'autre, des mouvements et des organisations comme la FASE, Via Campesina, entre autres, dénonçant la marchandisation de la nature. À son tour, il est supposé que face aux défis actuels posés par l'ordre capitaliste sont nécessaire à l'articulation des luttes sociales et environnementales. Par ailleurs, il est supposé que la éducation à l'environnement critique et émancipatrice et de la dialectique marxiste peut contribuer à des mouvements sociaux engagés à l'émancipation sociale afin de permettre une compréhension articulée de problèmes sociaux et environnementaux. MOTS-CLÉS: Le capitalisme – Crise environnementale – Le changement climatique – Mouvements sociaux – Education environnementale.
A B S T R A C T
THE DESTRUCTIVE LOGIC OF CAPITAL, ENVIRONMENTAL CRISIS, CLIMATE CHANGES: social movements and environmental education
Rachel dos Santos Zacarias
Leader: Carlos Eduardo Montaño Barreto
The aim of this study was to analyze the destructive logic of the process of production and accumulation of capital focusing on one of its main characteristics: environmental destruction, especially climate change, demonstrating that this can be both a limit and new fields of accumulation for the capital. In addition, it intends to analyze the positioning of social and environmental movements in the context of climate change. The study was conducted from a bibliographical and documentary research having as theoretical and methodological references the main assumptions of the dialectical method. Initially, it explores the destructive logic of the process of production and accumulation of capital noting that this process derives from a double exploitation of labor and nature. Moreover, this exploitation has been leading to a series of contradictions, resulting in a structural crisis of capital, having as a major manifestation the environmental destruction, or the so-called "environmental crisis". As one of the main findings of the study, it was evident that the environmental crisis, more specifically the climate change, may be both a limit and a boost to capital. Finally, it appears that, unlike other issues that are considered to be environmental, climate changes have enabled the articulation of traditional social movements, such as unions and the "new" social movements. In this political struggle, which expresses the interests of different classes, there is a dispute, especially in relation to alternatives to the climate crisis. On the one hand, important organizations, such as Greenpeace, defending positions from the market logic, the green capitalism; on the other hand, movements and organizations such as FASE, Via Campesina, among others, denouncing the commodification of nature. In turn, it is assumed that facing the current challenges posed by the capitalist order is necessary to the articulation of social and environmental struggles. Moreover, it is assumed that critical and emancipatory environmental education and the Marxist dialectics can contribute to social movements committed to social emancipation in order to allow an articulated understanding of social and environmental problems. KEYWORDS: Capitalism – Environmental crisis – Climate change – Social movements – Environmental education.
S U M Á R I O
INTRODUÇÃO _______________________________________________________ 10
CAPÍTULO 1 - PROCESSO DE PRODUÇÃO E ACUMULAÇÃO DO CAPITAL: UMA LÓGICA
DESTRUTIVA ________________________________________________________ 16
1.1 Produção, distribuição, circulação e consumo: entrelaçamentos e
determinações ___________________________________________________ 16
1.2 A lógica da produção das mercadorias na sociedade atual e as artimanhas do
capitalismo contemporâneo _________________________________________ 22
1.3 O processo de acumulação do capital ______________________________ 26
1.3.1 As condições históricas do processo de acumulação do capital ____ 26
1.3.2 O processo de acumulação sob o imperialismo _________________ 30
1.4 O processo de acumulação e a crise estrutural do capital: para além dos ciclos
_______________________________________________________________ 42
1.5 Crise estrutural do capital e a destruição ambiental: a contribuição marxiana
para a compreensão da relação sociedade/natureza _____________________ 47
CAPÍTULO 2 - CRISE AMBIENTAL, MUDANÇAS CLIMÁTICAS: LIMITE E ALAVANCA PARA O
CAPITAL ___________________________________________________________ 53
2.1 “Crise ambiental” na perspectiva reformista/liberal ____________________ 53
2.2 A crise ambiental e a visão crítica: para uma perspectiva dialética e de
totalidade _______________________________________________________ 68
2.2.1 A crise ambiental e o debate entre os ecossocialistas no interior da
tradição marxista _____________________________________________ 68
2.3 Mudanças climáticas: limite e alavanca para o capital __________________ 76
2.3.1 O mercado de carbono: acumulação através da poluição _________ 80
2.3.2 Mercado de carbono: números e dilemas ______________________ 83
CAPÍTULO 3 - SOCIEDADE CIVIL, MOVIMENTOS SOCIAIS, AMBIENTAIS E JUSTIÇA AMBIENTAL
_________________________________________________________________ 87
3.1 Sociedade civil e o chamado “terceiro setor” _________________________ 87
3.2 Sociedade civil na tradição marxista _______________________________ 93
3.3 Movimentos sociais: perspectivas de análise ________________________ 101
3.4 O Movimento ambientalista no contexto das lutas sociais ______________ 106
3.4.1 O movimento de justiça ambiental: possibilidade de integração das
lutas sociais e de classe ______________________________________ 114
CAPÍTULO 4 - AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E OS MOVIMENTOS SOCIAIS: POSICIONAMENTOS,
CONTRADIÇÕES – A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A DIALÉTICA MARXISTA NESSE CONTEXTO
______________________________________________________________ __125
4.1 Mudanças climáticas e movimentos sociais: posicionamentos, contradições e
embates _______________________________________________________ 127
4.1.1 Vitae Civilis – Instituto de cidadania e sustentabilidade __________ 127
4.1.2 Greenpeace ___________________________________________ 131
4.1.3 FASE – Federação de órgãos para a assistência social e educacional
__________________________________________________________ 140
4.1.4 Via Campesina _________________________________________ 143
4.2 Posicionamentos articulados ____________________________________ 147
4.2.1 Princípio e critérios socioambientais de REDD+: para o
desenvolvimento e implementação de programas e projetos na Amazônia
Brasileira __________________________________________________ 147
4.2.2 “Mandato de Manaus: ação indígena pela vida” ________________ 148
4.2.3 Carta do Acre __________________________________________ 149
4.2.4 Carta de Belém _________________________________________ 151
4.3 A articulação das lutas sociais e ambientais: a contribuição da Educação
“ambiental” crítica e emancipatória e da dialética marxista ________________ 153
4.3.1 Educação ambiental crítica e emancipatória __________________ 153
4.3.2 A dialética marxista ______________________________________ 156
CONSIDERAÇÕES FINAIS ______________________________________________ 163
REFERÊNCIAS _____________________________________________________ 168
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I N T R O D U Ç Ã O
A opção por este estudo, que procura discutir questões concernentes à
destruição ambiental e suas relações com o modo de produção capitalista,
movimentos sociais e educação, é motivada pela minha atuação como educadora
ambiental e militante do movimento ambiental desde o início da década de 1990.
Desde então, tive a oportunidade não só de atuar, mas também de investigar
questões relacionadas à temática ambiental, inclusive publicando o livro “Consumo,
lixo e educação ambiental: uma abordagem crítica”1, fruto da dissertação de
mestrado defendida pelo Programa de Educação da PUC - Rio, entre outros
trabalhos.
Desde o ano 2000 – atuando como pesquisadora associada ao Grupo de
Educação Ambiental (GEA) e professora do Curso de “Especialização em Educação
Ambiental”, ambos da Universidade Federal de Juiz de Fora/MG, e como professora
de educação ambiental em cursos Gestão Ambiental, na rede privada – venho
dando continuidade aos estudos e pesquisas, focalizando principalmente as
questões relacionadas aos atuais padrões de produção e consumo e os impactos
socioambientais.
Ao optar pelo curso de doutorado do Programa de Pós-Graduação em
Serviço Social, a intenção era clara: compreender, a partir da tradição marxista, as
relações entre o modo de produção capitalista e a destruição ambiental e buscar as
contribuições do método materialismo histórico dialético para a práxis da educação
ambiental e, em especial, para o movimento ambientalista, pois percebia uma
carência de estudos com base na teoria crítica que pudessem dar respostas ao
pensamento hegemônico vigente, marcado pela lógica do capital.
Ao iniciar o curso, tive oportunidade de realizar estudos embasados na
tradição marxista, principalmente sobre o processo de produção e acumulação do
capital e as relações com a degradação ambiental. Esses estudos se materializaram
1 ZACARIAS, R. Consumo, lixo e educação ambiental: uma abordagem crítica: Juiz de Fora: FEME - Universidade Federal de Juiz de Fora, 2000.
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em artigos para qualificação2 e foram fundamentais para um melhor entendimento
sobre essas questões. Além disso, reforçaram a ideia de que existem relações
intrínsecas entre a lógica destrutiva do processo de acumulação do capital e a crise
ambiental. Nesse movimento de pesquisa, foram fundamentais, além das leituras de
Marx (1988, 1982), as reflexões de Mészáros (2009, 2007, 2006, 2004); Foster
(2005); Chesnais (2005,1998, 1996); O’Connor (2003); Foladori ( 2001, 2007); entre
outros.
Nesse processo, além de melhor compreender a lógica destrutiva do capital,
foi possível construir a seguinte indagação:
a destruição dos recursos naturais e os danos graves ao ambiente natural,
provocados pelo atual modo de produção capitalista, colocam em perigo e,
até mesmo, são capazes de destruir as condições de reprodução e
funcionamento do sistema do capital?
Esta indagação foi a base para a organização do projeto de pesquisa. Na
qualificação do projeto, defendi, apoiada nas ideias de Chesnais, que o atual estágio
da destruição dos recursos naturais colocava em perigo as condições de reprodução
e funcionamento do capital. No entanto, como repercussão da defesa da
qualificação do projeto, pude perceber que, numa perspectiva dialética, a destruição
ambiental, ou a chamada crise ambiental, pode se constituir tanto em limite para o
capital e a humanidade quanto em uma nova fonte de acumulação para o capital.
Ao retomar os estudos após a qualificação, dediquei-me intensamente à
compreensão do método materialismo histórico dialético. Sabia que ali estava a
chave para as minhas investigações. Essas pesquisas e estudos me levaram a
novas indagações e principalmente a uma inquietação, pois a proposta inicial
colocada como base para o projeto de pesquisa não focalizava aspectos
relacionados aos movimentos sociais e a educação ambiental.
Essa inquietação levou-me a repensar as questões de pesquisa colocadas
até então. Nesse sentido, considerando os estudos anteriores, a indagação inicial do
projeto de pesquisa passou por modificações e outras questões foram sendo
construídas, como:
2 ZACARIAS, R. “Sociedade de consumo”, ideologia do consumo e iniquidades socioambientais dos atuais padrões de produção e consumo. In: LOUREIRO, C. F. B.; LAYRARGUES, P.P.; CASTRO, R. S. de. (Org.). Repensar a educação ambiental: um olhar crítico. São Paulo: Cortez, 2009,p.119-140.
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Quais as principais determinações da atual crise ambiental na perspectiva
revisionista e na perspectiva crítica?
Considerando que o atual estágio de destruição ambiental pode ser limite e
alavanca para o capital, quais são as evidências desse processo?
Os estudos realizados possibilitaram identificar as mudanças climáticas como
uma das principais evidências de que a destruição ambiental pode ser um limite e
alavanca para o capital. Além disso, foi possível constatar que existe na sociedade
civil um intenso debate sobre as alternativas que vêm sendo propostas para
enfrentamento dessa problemática, com a participação de diversos setores da
sociedade civil. É nesse contexto que novas questões foram se constituindo:
Como os movimentos sociais se posicionam diante das propostas para as
mudanças climáticas? Eles denunciam as desigualdades, a injustiça climática
e a mercantilização da natureza ou estão alinhados à lógica do mercado, ao
capitalismo verde?
Quais as contribuições que a educação ambiental e o método materialismo
histórico-dialético podem oferecer para compreensão articulada dos
movimentos sociais e ambientais?
A partir desse cenário, o presente estudo tem os seguintes objetivos:
Analisar a lógica destrutiva do processo de produção e acumulação do
capital, focalizando a trajetória do movimento do capital e discutindo as
principais determinações e categorias marxianas e marxistas que explicam
esse movimento;
Analisar uma das principais manifestações da crise estrutural do capital, a
crise ambiental, apresentando as principais determinações e alternativas na
perspectiva liberal/reformista e na visão crítica. Além disso, visa discutir como
as mudanças climáticas vêm se constituindo tanto como limite quanto em
novos campos de acumulação para o capital;
Debater o posicionamento dos movimentos sociais e ambientais no
contexto das mudanças climáticas, procurando identificar se as alternativas e
posições apresentadas por esses movimentos denunciam as desigualdades,
a injustiça climática e a mercantilização da natureza ou se estão alinhadas à
lógica do mercado, ao capitalismo verde;
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Discutir as contribuições da educação ambiental crítica e emancipatória e
da dialética marxista para a compreensão dos problemas sociais e ambientais
de forma articulada.
Esta investigação foi realizada a partir dos referenciais teóricos do método
materialismo histórico dialético. Nessa perspectiva, a apreensão da realidade é
baseada no princípio da totalidade, isto é, os fenômenos são compreendidos a partir
de uma realidade complexa e articulada, formada por mediações, contradições e
processos. Uma totalidade que é vista “não como um todo no qual as partes não
sejam explicitadas e bem definidas, mas uma totalidade constituída a partir da
autonomia relativa de seus múltiplos momentos parciais” (COUTINHO, 2008, p. 92).
Nessa visão, o procedimento de investigação pressupõe identificar as
determinações e os traços constitutivos dos fenômenos analisados, ou seja, as
formas de ser desse(s) fato(s). Esses traços são capturados através das categorias,
que são representações de um traço da realidade, isto é, expressam modos de ser
da realidade.
A partir desses princípios teóricos metodológicos, foi realizada uma pesquisa
bibliográfica e documental. A pesquisa bibliográfica teve como referências as
publicações de Marx e de autores da tradição marxista.
Quanto à pesquisa documental, inicialmente foi realizada uma pesquisa
exploratória na WEB para identificar as organizações e movimentos que têm
trabalhado com a questão das mudanças climáticas. Além disso, utilizou-se como
base o documento “Panorama de atores e iniciativas no Brasil sobre mudanças do
clima”, produzido pela Vitae Civilis em 2008, que identifica os diversos setores que
vêm atuando na mudança do clima. Dentre as ONGs e os movimentos pesquisados,
foram escolhidos para a pesquisa aqueles que vêm se destacando na influência de
políticas públicas, tanto em nível nacional como internacional, na sensibilização dos
cidadãos com trabalhos educativos, na pesquisa e publicação de materiais e
documentos, e em projetos de captura de carbono. Além disso, optou-se por aqueles
que possuem documentos e relatórios postados nos sítios da internet, o que
possibilitou a realização da pesquisa. A partir dessas considerações, foram
escolhidas as seguintes ONGs: Vitae Civilis, Greenpeace e FASE. Em relação aos
movimentos sociais, foi escolhida a Via Campesina e quatro documentos que foram
organizados a partir de uma coalizão de movimentos sociais, sindicatos e ONGs.
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Este estudo está divido em quatro capítulos. O primeiro capítulo, “O
processo de produção e acumulação do capital: uma lógica destrutiva”, visa
compreender as relações entre o processo de produção e acumulação do capital e a
sua lógica destrutiva a partir das principais categorias marxianas e marxistas.
O segundo capítulo, “Crise ambiental, mudanças climáticas: limite e alavanca para o capital”, se propõe a discutir uma das principais manifestações da
crise estrutural do capital – a crise ambiental –, apresentando as principais
determinações e alternativas na perspectiva liberal/reformista e na visão crítica.
Além disso, objetiva apresentar como as mudanças climáticas vêm se constituindo
tanto como limite quanto em novos campos de acumulação para o capital.
O terceiro capítulo, “Sociedade civil, movimentos sociais, ambientais e justiça ambiental”, procura evidenciar como vêm se constituindo as lutas do
movimento ambientalista no contexto das lutas sociais, identificando as
determinações em relação ao processo de desarticulação das lutas ambientais e de
classe.
O quarto capítulo, “Mudanças climáticas: movimentos sociais, a educação ambiental e a dialética marxista nesse contexto”, visa analisar o
posicionamento dos movimentos sociais e ambientais no contexto das mudanças
climáticas, além de discutir a contribuição da educação ambiental e da dialética
marxista para a compreensão articulada dos problemas sociais e ambientais.
Para finalizar, são apresentadas, nas considerações finais, as principais
conclusões desse estudo. Entre elas, pode-se destacar o processo de produção e
acumulação do capital, que possui uma lógica destrutiva constituída a partir de uma
dupla exploração: do trabalho e da natureza. O capitalismo contemporâneo vem
induzindo uma série de contradições que destroem o trabalho, a natureza e a
possibilidade de reprodução da humanidade, resultado em uma crise estrutural do
capital. Nesse contexto, a destruição ambiental, ou a chamada “crise ambiental”,
pode ser considerada uma das mais sérias manifestações da crise estrutural do
capital e suas determinações estão ligadas a um conjunto de variáveis interconexas,
dadas em bases sociais, econômicas, culturais e políticas estruturalmente desiguais,
que conformam a sociedade capitalista. Como contradição desse processo,
constata-se que a crise ambiental, mais especificamente às mudanças climáticas,
pode constituir tanto um limite quanto uma alavanca para o capital. Para finalizar,
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verifica-se que, ao contrário de outros problemas considerados ambientais, como a
perda da biodiversidade, extinção de espécies, entre outros, em que atuam
movimentos estritamente ambientais, a problemática da mudança do clima vem
possibilitando a articulação de movimentos sociais clássicos como sindicatos e os
“novos” movimentos sociais. Nessa luta política, que expressa os diferentes
interesses de classes, existe uma disputa, principalmente em relação às alternativas
para a crise climática. De um lado, organizações importantes como o Greenpeace
defendem posições a partir da lógica do mercado, do capitalismo verde; de outro,
movimentos e organizações como a FASE, a Via Campesina, entre outros,
denunciam a mercantilização da natureza. Nesse turno, considera-se que, para
enfrentar os atuais desafios impostos pela ordem do capital, é necessária a
articulação das lutas sociais e ambientais. Assim, argumenta-se que a educação
ambiental crítica e emancipatória e a dialética marxista podem contribuir com os
movimentos sociais comprometidos com a emancipação social, no sentido de
possibilitar uma compreensão articulada dos problemas sociais e ambientais.
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C A P Í T U L O 1
P R O C E S S O D E P R O D U Ç Ã O E A C U M U L A Ç Ã O D O C A P IT A L : U M A
L Ó G I C A D E S T R U T IV A
Tendo como objetivo compreender as relações entre o processo de produção
e acumulação do capital e a sua lógica destrutiva, este capítulo apresenta a
trajetória do movimento do capital a partir da concepção marxiana e marxista,
discutindo as principais determinações e categorias que explicam esse movimento.
Além disso, discute-se como a lógica destrutiva do processo de produção e
acumulação do capital leva a uma ruptura entre sociedade e natureza e, atualmente,
a uma crise estrutural do capital. Para finalizar, é apresentada a contribuição
marxiana para pensar a sociedade e natureza.
1.1 Produção, dis tribu ição , circulação e consum o:
en trelaçam entos e determ inações
Para a tradição marxiana3, o processo de produção capitalista é uma forma
historicamente determinada do processo social de produção em geral. Esse regime
tanto é um processo de produção das condições materiais da vida humana, quanto
um procedimento que, a partir de relações histórico-econômicas de produção
específicas, produz e reproduz essas mesmas relações de produção. Desse modo,
existe uma indissociável relação entre a produção de bens materiais e a forma
econômica em que é realizada. Nessa perspectiva, a sociedade é entendida como
resultado da totalidade dessas relações sociais determinadas, nas quais os
indivíduos entram durante o processo de reprodução de sua vida.
Para discutir a lógica destrutiva do processo de produção e acumulação do
capital, é importante, inicialmente, clarificar como se dá o processo de produção, de
distribuição, de circulação e de consumo na sociedade capitalista. Segundo Marx
(1988), a produção, a distribuição, a circulação e o consumo são fases distintas de
3 A tradição marxiana se refere à produção teórica de Marx, aos textos produzidos por Marx em parceria com Friedrich Engels. A tradição marxista se remete as produções de inspiração marxiana e que, portanto, se fundamentam no materialismo histórico dialético para desenvolver a crítica da economia política de seu tempo.
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um processo único, pressupostas uma das outras, entrelaçadas e mutuamente
determinantes. Nesse processo, cabe à produção a determinação fundamental. Ela
é o ponto de partida sempre recorrente do processo, sua razão de ser mais
essencial. O entrelaçamento e as determinações existentes nessas fases podem ser
identificados no próprio movimento desse processo, como se pode ver a seguir.
Para Marx (1982), na produção, os membros da sociedade apropriam-se dos
recursos da natureza para transformá-los em produtos que atendam às
necessidades humanas; a distribuição determina a proporção dos produtos de que o
indivíduo participa; a troca fornece-lhe os produtos particulares em que queira
converter a quantia que lhe coube pela distribuição; e, finalmente, no consumo, os
produtos convertem-se em objetos de desfrute, de apropriação individual. A
produção cria os objetos que correspondem às necessidades; a distribuição os
reparte de acordo com as leis sociais; a troca reparte de novo o que já está
distribuído, segundo a necessidade individual; e, finalmente, no consumo, o produto
desaparece do movimento social, convertendo-se diretamente em objeto e servidor
da necessidade individual. Nesse movimento, a produção aparece como ponto inicial
e o consumo como ponto final; a distribuição e troca aparecem como meio-termo.
Procurando identificar os entrelaçamentos e as determinações existentes
nesse processo, o autor aponta inicialmente as relações mediadoras entre a
produção e o consumo. A esse respeito, afirma que “a produção é mediadora do
consumo, cujos materiais cria e sem os quais não teria objeto. Mas o consumo é
também mediador da produção ao criar para produtos o sujeito, para o qual são
produtos. O produto recebe seu acabamento final no consumo” (MARX, 1982, p. 7).
Para o autor, o consumo produz duplamente a produção: primeiro, porque o produto
não se torna produto eficaz senão no consumo; segundo, o consumo cria a
necessidade de uma nova produção, ou seja, o fundamento ideal, que mexe
internamente a produção. Além disso, o consumo cria, do mesmo modo, o objeto
que atua na produção como determinante da finalidade. Nesse processo é
importante destacar que, se a produção oferece o objeto do consumo em sua forma
exterior, não é menos claro que o consumo põe idealmente o objeto da produção,
como imagem interior, como necessidade, como impulso e como fim.
Ainda em relação às mediações existentes entre produção e consumo, Marx
(1982) ressalta que a produção fornece os materiais, o objeto, mas não é somente o
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objeto que a produção cria para o consumo, uma vez que determina também seu
caráter, dá o seu acabamento e o modo de consumo. Portanto, a produção cria o
consumidor.
Quanto às determinações existentes entre essas duas fases, o referido autor
entende que a produção engendra o consumo ao fornecer o material, ao determinar
o modo de consumo e, por último, ao gerar no consumidor a necessidade dos
produtos, que, de início, foram postos por ela como objetos. De igual modo, o
consumo engendra a disposição do produtor, solicitando-lhe a finalidade da
produção sob a forma de uma necessidade determinante.
Além dessas mediações e determinações, Marx aponta as identidades entre
as duas fases. Essas identidades aparecem de modo triplo: a primeira seria uma
identidade imediata, na qual a produção é consumo e o consumo é produção. A
segunda identidade está relacionada a uma dependência recíproca dessas fases, ou
seja, a produção cria o material para o consumo como objeto exterior, o consumo
cria a necessidade como objeto interno, como finalidade da produção. Essa
reciprocidade faz Marx (1982, p. 9) concluir que “sem produção não há consumo,
sem consumo não existe produção”. A última identidade desfaz completamente a
possível interpretação mecanicista de que produção é consumo e consumo é
produção, pois, sabiamente, numa perspectiva dialética, ele afirma: “a produção não
é imediatamente consumo, nem consumo é imediatamente produção, igualmente a
produção não é apenas um meio para o consumo, nem o consumo um fim da
produção” (MARX, 1982, p. 9).
Em relação à produção e à distribuição o autor diz que, numa percepção mais
corriqueira, a distribuição aparece como repartição dos produtos como se fosse
abduzida da produção, autônoma dela. No entanto, antes de ser distribuição dos
produtos, ela é, primeiro, distribuição dos instrumentos de produção, e, segundo,
distribuição dos membros da sociedade pelos diferentes tipos de produção, o que é
uma determinação ampliada da relação anterior. Nesse contexto, a distribuição dos
produtos é o resultado dessa distribuição que é incluída no próprio processo de
produção, cuja articulação determina. Nessa perspectiva, considerar a produção
sem ter em conta essa distribuição nela incluída é um devaneio, visto que a
distribuição dos produtos é implicada por essa distribuição que constitui, na origem,
| 19 |
um fator da produção. Enfim, as necessidades do consumo determinam a produção.
Uma reciprocidade de ação ocorre entre os diferentes momentos.
A partir dessas reflexões, fica claro que o consumo é parte de um processo
único que inclui ainda, a produção, a distribuição e a circulação. Um processo cujas
fases são pressupostas, entrelaçadas e determinantes, porém análogas. Neste
sentido Marx (1982, p. 13) conclui: “o resultado a que chegamos não é que a
produção, a distribuição, o intercâmbio, o consumo, são idênticos, mas que todos
eles são elementos de uma totalidade, diferenças dentro de uma unidade”.
Ao fazer essa afirmação, o autor reforça, mais uma vez, a ideia de que cada
um desses elementos (produção, distribuição, circulação e consumo) participa de
único processo, são elementos de uma totalidade, porém distintos. Essa distinção
significa que cada elemento possui suas características, seus movimentos, o que
possibilita uma diferenciação entre eles.
Em relação especificamente ao consumo, pode-se dizer que ele é a
concretização do trabalho e da produção. No entanto, sob o capitalismo, o consumo
torna-se consumo de produtos criados por outros, de quem o propósito primeiro não
foi a satisfação de uma necessidade, mas a obtenção de lucro. Sob tais condições, o
consumo pode se tornar alienado.
Além de o consumo ser o resultado do produto do trabalho humano e a
maneira pela qual os seres humanos se mantêm e se reproduzem como indivíduos e
como indivíduos sociais, na sociedade capitalista ele assume a forma de consumo
de mercadorias, fortemente integrado às atividades relacionadas à produção e ao
trabalho. Nesse contexto, as mercadorias passam a ter uma importância
fundamental. Marx, em O Capital, já vislumbra esse valor e relaciona a mercadoria
com a riqueza das sociedades, dizendo: “a riqueza das sociedades onde rege a
produção capitalista configura-se em imensa coleção de mercadorias, e a
mercadoria isoladamente considerada é a forma elementar dessa riqueza” (MARX,
1988, p. 41).
Sendo assim, entende-se que é fundamental conhecer criticamente o
processo de produção capitalista de mercadorias, suas contradições, assim como o
papel da estética da mercadoria na construção da ideologização do consumo na
sociedade contemporânea.
| 20 |
Na concepção de Marx (1988), a mercadoria é um objeto externo, uma coisa
que, por suas qualidades, atende às necessidades humanas, seja qual for a
natureza e a origem delas. Não importa de que maneira atende à necessidade
humana, como meio de sustento, como objeto de consumo, ou, indiretamente, meio
de produção.
Toda mercadoria apresenta uma contradição: o valor de uso e o valor de
troca. O valor de uso está relacionado à utilidade de um objeto e é esta utilidade que
faz dele um valor de uso. Essa utilidade não é determinada pelas propriedades
materialmente inerentes às mercadorias, mas só existe através delas. O valor de uso
parece ser pressuposição necessária para a mercadoria, mas não reciprocamente,
pois ser mercadoria parece ser determinação indiferente para o valor de uso. Para
ser valor de uso, a mercadoria precisa confrontar-se com a necessidade particular
para a qual é objeto de satisfação e só se realiza com a utilização ou o consumo.
O valor de troca de uma mercadoria não é visível em seu próprio valor de uso,
mas revela-se de todo independente de seu valor de uso. Um valor de uso ou um
bem só possui valor porque nele está corporificado, materializado, o trabalho
humano abstrato. Segundo Marx (1988, p. 44), se afere a grandeza desse valor “por
meio da quantidade da substância criadora de valor nele contida, o trabalho”. Nesse
sentido, o valor da mercadoria representa trabalho humano, dispêndio de trabalho
humano em geral isto é, trabalho social. O tempo de trabalho contido em uma
mercadoria é o tempo necessário para a sua produção, ou seja, o tempo de trabalho
requerido para produzir um novo exemplar da mesma mercadoria, sob condições de
produção gerais dada.
As mercadorias vêm ao mundo sob a forma de valores de uso, de objetos
materiais, como ferro, algodão, etc., no entanto, só são mercadorias por sua
duplicidade: por serem ao mesmo tempo objetos úteis e veículos de valor. Ao
assumirem a afeição de mercadorias, possuem duas formas: a forma natural e a de
valor. As mercadorias só encarnam valor à medida que são expressões de uma
mesma substância social: o trabalho humano. Seu valor é, portanto, uma realidade
social, só podendo manifestar-se na relação social da troca de uma mercadoria por
outra. Marx (1988) parte assim do valor de troca, ou da relação de troca das
mercadorias, para chegar ao valor aí escondido.
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Nesse sentido, o autor dá uma grande contribuição ao desvendar o que ele
denomina de segredo da mercadoria, ou fetichismo da mercadoria. Esse segredo é
revelado ao explicar que, num primeiro momento, a mercadoria sugere ser fato
banal, prontamente acessível, mas, a partir de uma análise mais profunda, pode-se
perceber que ela é algo muito estranho, “cheia de sutilezas metafísicas e espertezas
teológicas” (MARX, 1988, p. 79). Para ele esse mistério não está relacionado ao
valor de uso, nem tampouco aos fatores determinantes do valor, mas sim por:
[...] encobrir as características sociais do próprio trabalho dos homens, apresentando-as como características materiais e propriedades sociais inerentes aos produtos do trabalho; por ocultar, portanto a relação social entre os trabalhos individuais dos produtores e o trabalho total; ao refleti-la como relação social existente, à margem deles, entre os produtos do seu próprio trabalho (MARX, 1988, p. 81).
Através dessa dissimulação, ou seja, do fetiche das mercadorias, os produtos
do trabalho tornam-se mercadorias, coisas sociais, com propriedades perceptíveis e
imperceptíveis aos sentidos. Assim, uma relação social definida, estabelecida entre
os homens, assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas.
Para Netto e Braz (2007), isso acontece porque é próprio da produção
mercantil ocultar a característica social do trabalho. Para eles, quando a produção
mercantil está desenvolvida para produzir as mercadorias, é fundamental uma ampla
divisão do trabalho. Existem diversos ramos de produção e, na composição de uma
só mercadoria, entram muitas outras, originando uma grande vinculação recíproca
entre todos os produtores, o que significa ser o trabalho de cada um deles (trabalho
privado) parte do conjunto do trabalho da sociedade (trabalho social) e só ser
possível no seu interior. Contudo, ressaltam que, como se trata de um produtor
privado, ele administra isoladamente a sua produção, atuando independentemente
dos outros produtores e, por isso, o seu trabalho, parte do trabalho social, aparece-
lhe como trabalho privado. Sendo assim, o produtor só se confronta com o caráter
social do seu trabalho no mercado: sua interdependência em face dos outros
produtores evidencia-se no momento de compra-venda das mercadorias. Nesse
sentido, Netto e Braz (2007, p. 92) explicam que “as relações sociais dos produtores
aparecem como se fossem relações entre as mercadorias, como se fossem relações
entre coisas. A mercadoria passa a ser, então, a portadora e a expressão das
relações entre os homens”.
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Ainda quanto às relações sociais ocultas, os autores concluem que a troca
mercantil é regulada por uma lei não resultante do controle consciente dos homens
sobre a produção (a lei do valor). À medida que o movimento das mercadorias
apresenta-se independentemente da vontade de cada produtor, opera-se uma
inversão: a mercadoria criada pelos homens aparece como algo que lhes é alheio e os
domina. A criatura (mercadoria) revela um poder que passa a subordinar o criador
(homens). No mercado, a mercadoria realiza esta inversão: enquanto as relações
sociais, relações entre os homens, aparecem como relações entre as coisas, as
relações entre os produtores mostram-se como relações entre mercadorias.
Como se pode ver, a lógica destrutiva é inerente ao processo de produção no
sistema do capital. Essa lógica se manifesta ao separar o trabalhador dos meios de
produção, na divisão do trabalho, numa produção que visa à criação do valor e não
à satisfação das necessidades, além de se destinar à troca e não ao uso. Nessa
lógica, as mercadorias encobrem as características sociais do trabalho dos homens,
configurando o fetiche das mercadorias. Para finalizar, o consumo torna-se o
consumo de produtos criados por outros, ou seja, um consumo alienado.
A análise marxiana até aqui realizada é vital para a compreensão da lógica do
capital na sociedade capitalista. Ademais, a sociedade capitalista contemporânea
caracterizada pela financeirização da economia e por uma profunda crise,
apresenta, além das determinações citadas anteriormente, novas características que
precisam ser desveladas para enfrentamento do capital. Por essa razão nos
próximos itens serão discutidos estudos de vários autores, que, numa perspectiva
marxista vêm contribuindo para desvelar o processo metabólico do capital na
sociedade contemporânea e as artimanhas da lógica da produção de mercadorias
no capitalismo contemporâneo.
1.2 A lóg ica da produção das m ercadorias na soc iedade a tua l e
as artim anhas do cap ita lism o contem porâneo
Um dos traços marcantes do sistema do capital4 é a completa subordinação
das necessidades humanas à reprodução do valor de troca – no interesse da auto-
4 De acordo Mészáros (2006, p.1064), “Capital é uma categoria histórica dinâmica e a força social a ela correspondente aparece – na forma de capital “monetário”, mercantil, etc. – vários séculos antes de a formação social do Capitalismo enquanto tal emergir, se consolidar”.
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realização do capital. Para Mészáros, isso contrasta com as práticas produtivas do
mundo antigo. Nos Grundrisse, Marx (apud MÉSZÁROS, 2006, p. 606) diz que
[...] na antiguidade a riqueza não aparece como finalidade da produção [...]. A questão é sempre que modo de propriedade cria os melhores cidadãos. A riqueza aparece como um fim em si mesmo apenas entre os poucos povos comerciais – monopolistas do comércio de longa distância – que viviam nos interstícios do mundo antigo, como os judeus na sociedade medieval. Portanto a antiga visão na qual o ser humano aparece como a finalidade da produção, que não leva em consideração o seu limitado caráter nacional, religioso ou político, parece muito grandiosa quando comparada ao mundo moderno no qual a produção aparece como o objetivo da humanidade e a riqueza como objetivo da produção.
Mészáros (2006) explica que, para tornar a produção de riqueza a finalidade
da produção, foi necessário separar o valor de uso do valor de troca, sob a
supremacia do último. Para ele, essa característica é um dos segredos do sucesso
da dinâmica do capital e passa a se constituir entre outros, como elemento fundante
do capitalismo contemporâneo. Ressalta que isso acontece porque a finalidade
fundamental do capital é expandir constantemente o valor de troca, sendo todas as
demais necessidades dos indivíduos, desde as mais básicas e mais íntimas até as
mais variadas atividades de produção, materiais e culturais, subordinadas ao capital.
Haug (1997) reforça as reflexões anteriores, observando que a produção de
mercadorias na sociedade capitalista não tem como alvo a produção de
determinados valores de uso como tais, mas a produção para a venda. Nesse
sentido, afirma que “da perspectiva do valor de troca, o valor de uso é apenas uma
isca” (p. 25), ou seja, um meio de transformar em dinheiro o valor de troca da
mercadoria. Além disso, na manifestação do valor de uso – considerado o ato de
compra em si – desempenha tendencialmente o papel de mera aparência. Ainda
para o autor, a aparência nesse processo torna-se fundamental na consumação do
ato de compra, enquanto ser. Dessa forma afirma: “o que é algo, mas não aparece
ser, não é vendável. O que parece ser algo é vendável” (p. 26). Para ele, a estética
da mercadoria é um portador de uma função econômica à medida que a beleza se
desenvolve a serviço da realização do valor de troca. Essa beleza é agregada à
mercadoria com o objetivo de excitar no consumidor o desejo de posse, motivando-
o, assim, a comprá-la. Nesse sentido, pode-se dizer que a estética da mercadoria
contribui para o processo de subordinação do valor de uso ao valor de troca.
Ainda para Haug (1997), desde o início do capitalismo, na relação de
interesses de troca, a disposição para a tecnocracia da sensualidade situa-se
| 24 |
economicamente na subordinação do valor de uso ao valor de troca. Uma vez que,
com o incremento da produção privada de mercadorias, produzem-se
essencialmente valores de troca e não “meios de sobrevivência” essencialmente
sociais – meios para a satisfação das necessidades. Portanto, todo produto de uma
produção privada “é uma isca, com a qual se pretende atrair a essência o outro, o
seu dinheiro” (MARX, apud HAUG, 1997, p. 27).
Para que a subordinação do valor de uso ao valor de troca tenha vigência é
necessária uma “imposição” dessas condições, objetivadas e alienadas, sobre os
trabalhadores, com um poder separado de mando sobre eles. Essa “imposição”
acontece porque o capital constitui uma estrutura totalizante de organização e
controle do metabolismo societal, à qual todos devem se adaptar.
Nesse processo de “imposição”, o papel da ideologia5 é fundamental, pois é
necessário que o trabalhador vá internalizando “as necessidades e os imperativos
do capital como seus próprios, como inseparáveis da relação de troca”
(MÉSZÁROS, 2006, p. 628). Desse modo, os indivíduos vão aceitando a imposição
de valores de uso “capitalisticamente” viáveis como se emanassem de suas próprias
necessidades. Para Mészáros (2006), a ideologia dominante do sistema social se
afirma fortemente em todos os níveis, do mais baixo ao mais refinado, o que leva à
dominação e à determinação de todos os valores que, muitas vezes, os indivíduos
não suspeitam de que são levados a aceitar sem questionamento; um determinado
conjunto de valores ao qual se poderia apresentar alternativa bem fundamentada.
Tal condição acontece porque as necessidades humanas acima do nível
biológico têm um conteúdo e uma função sociais determinados por forças externas,
sobre as quais o indivíduo não tem controle algum. As necessidades são criadas
pelo sistema e incorporadas pelo indivíduo, exercendo um controle sobre ele,
resultando numa total mimese, “uma identificação imediata do indivíduo com sua
sociedade e através dela, com a sociedade em seu todo” (MARCUSE, 1967, p. 31).
É por isso que os indivíduos passam a se reconhecer em suas mercadorias, a
encontrar a alma em seu automóvel e nos objetos que o cercam.
5 Ideologia aqui entendida no sentido de ideias falsas que ajudam a legitimar um poder
político dominante, ou seja, manutenção da ordem social estabelecida. Nessa concepção a ideologia assume uma função de negatividade, ou seja, de realidade ilusória, provocadora de reconhecimentos falsos ou de falsa consciência em geral.
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Para Lefebvre (1991), a publicidade tem um papel fundamental na
determinação de valores capitalísticos, pois a publicidade é a ideologia da
mercadoria. Para ele a publicidade além de fornecer uma ideologia do consumo,
uma representação do “eu” consumidor, assume uma parte do antigo papel das
ideologias que é encobrir, dissimular, transpor o real, ou seja, as relações de
produção. Ao exercer essa função, a publicidade vincula o tema ideológico a uma
coisa à qual confere assim uma dupla existência, real e imaginária. Com isso, ela
“vincula os termos das ideologias e amarra, para além das mitologias, os
significantes aos significados, já recuperados e utilizados” (LEFEBVRE, 1991, p.
116), tornando, assim, o motivo e o pretexto dos espetáculos mais bem sucedidos,
capturando a arte, a literatura e a ideologia. Nesse contexto, a publicidade consegue
conferir a todo objeto e a todo ser humano um duplo valor – como objeto (valor de
uso) e como mercadoria (valor de troca) –, organizando cuidadosamente a confusão
entre esses valores em proveito do segundo deles.
Além da completa subordinação das necessidades humanas à reprodução do
valor de troca e ao controle do sistema metabólico do capital sobre o indivíduo, o
capitalismo contemporâneo, através da sua lógica destrutiva, apresenta o que
Mészáros (2006) denomina de taxa de utilização decrescente do uso das
mercadorias. Essa tendência prevê a redução do valor de uso das mercadorias,
agilizando o ciclo reprodutivo do capital. É uma técnica empregada sobretudo na
área de consumo duráveis, como eletrodomésticos, eletrônicos, etc., que consiste em
piorar a qualidade dos produtos, levando-os a possuir a resistência e durabilidade
menores, “é o obsoletismo artificial, a deterioração dos produtos” (HAUG, 1997, p. 52).
Além de as mercadorias serem fabricadas com uma espécie de detonador,
que dá início a sua autodestruição interna depois de um tempo devidamente
calculado, o sistema do capital, com o aumento da produtividade, desenvolveu uma
técnica denominada por Haug (1997) de inovação estética. Essa técnica consiste em
uma mudança periódica da aparência de uma mercadoria, diminuindo a duração dos
exemplares de um determinado produto ainda atuante na esfera do consumo. Para
conseguir a adesão dos trabalhadores à inovação estética, a indústria capitalista
realiza um grande trabalho ideológico incitando-os, produzindo o que Haug (1997)
chama de fetichização da juventude e obrigatoriedade de ser jovem. Para ele, a
inovação estética, que parece refletida nas mudanças do invólucro e no corpo da
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mercadoria, é o seu caráter fetiche. Ela leva as pessoas a acreditarem que as coisas
como tais modificam-se por si mesmas, ocultando, assim, as verdadeiras intenções
de tentar estabelecer uma nova necessidade, com um objetivo determinante que é
“a caducidade do que existe, a sua dispensa, a sua eliminação, a sua repressão”
(HAUG, 1997, p. 55).
A partir desses apontamentos, pode-se dizer que o capitalismo procura
através de suas “artimanhas” (como a estética da mercadoria, a ideologia, a
obsolescência planejada, a inovação estética) sucumbir o valor de uso das
mercadorias ao valor de troca. O propósito global e a força motivadora do sistema
capitalista não podem conceber a produção de valores de uso orientada para a
necessidade, mas apenas a bem sucedida “valorização/realização e a constante
expansão da massa de riqueza material acumulada” (MÉSZÁROS, 2006, p. 625).
Sendo assim, todas as formas de mitificação são utilizadas tanto para exorcizar o
valor de uso na sociedade como para torná-la cada vez mais ideologizada pelo
consumo.
Por tudo isso, pode-se dizer que a lógica destrutiva perpassa todo o processo
de produção e reprodução do capital, assim como se manifesta no processo de
acumulação do capital, como se poderá ver a seguir.
1.3 O processo de acum ulação do capita l
1.3.1 As condições históricas do processo de acumulação do capital
Na perspectiva marxiana, a acumulação do capital constitui a força motriz, o
imperativo da sociedade burguesa. Marx (1988, p. 726) ao identificar a “Lei geral da
acumulação capitalista” revela essa tendência, afirmando: “com a acumulação do
capital desenvolve-se o modo de produção especificamente capitalista e com o
modo especificamente capitalista a acumulação do capital”. Essa tendência mostra
que a acumulação é vital para esse regime, por isso, pode-se afirmar que sem a
acumulação não é possível a sobrevivência do modo de produção capitalista.
A acumulação primitiva, considerada a pré-história do capital e do modo de
produção capitalista, se dá a partir de uma série de transformações ainda no interior
do regime feudal e teve como base a “expropriação do produtor rural, do camponês,
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que fica assim privado de suas terras” (MARX, 1988, p. 831). Para Harvey (2004, p.
121), a acumulação primitiva revela uma ampla gama de processos como:
[...] mercadificação e a privatização da terra e a expulsão violenta de populações camponesas, a conversão de várias formas de direitos de propriedade (comum, coletiva, Estado, etc.) em direitos exclusivos de propriedade privada; a supressão dos camponeses à terras comuns, mercadificação da força de trabalho e as supressão de formas alternativas de produção e consumo, processos coloniais, neocoloniais e imperiais de apropriação de ativos ( inclusive recursos naturais) [...].
Além desses processos, a acumulação primitiva teve a contribuição
fundamental do militarismo. Para Rosa de Luxemburgo (1970, p. 399), a partir
militarismo houve a conquista do Novo Mundo e dos países produtores de
especiarias, como a Índia e, mais tarde, a conquista das colônias modernas,
[...] para destruir as organizações sociais primitivas, para apropriar-se de seus meios de produção, para impor o comércio de mercadorias em países cuja estrutura social é obstáculo para a economia de mercado, para proletarizar violentamente os indígenas e impor o trabalho assalariado nas colônias.
Essas e outras atrocidades possibilitaram as condições básicas para a
produção capitalista, que se fundamenta, entre outros mecanismos, a partir da
dissociação entre trabalhadores e a propriedade dos meios pelos quais realizam o
trabalho. Com essa dissociação, passou a existir o confronto de duas espécies bem
diferentes de possuidores de mercadoria. De um lado, o proprietário de dinheiro, de
meios de produção e de meios de subsistência, empenhado em aumentar a soma
de valores que possui comprando a força de trabalho alheia; de outro, os
trabalhadores “livres”6, vendedores da própria força de trabalho e, portanto, de
trabalho.
Foi a partir do suporte da acumulação primitiva que o regime capitalista
desenvolveu sua história, passando por uma série de transformações. No entanto,
apesar de todas as mudanças ocorridas, os métodos que marcaram a acumulação
primitiva permanecem “fortemente presentes na geografia histórica do capitalismo
até os nossos dias [...]” (HARVEY, 2004, p. 121). Isso se explica porque é a partir da
exploração, espoliação e subsunção do trabalho ao capital que o regime capitalista
consegue se produzir e reproduzir. Nesse contexto, pode-se afirmar que não só a
6 Marx (1988) esclarece que os trabalhadores são livres no duplo sentido, porque não pertencem diretamente aos meios de produção, como os escravos, os servos, etc., nem os meios de produção lhes pertencem, pelo contrário, estão livres, soltos e desprovidos deles.
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pré-história do regime capitalista, mas também todo o seu desenvolvimento vem
sendo “inscrita a sangue e fogo nos anais da humanidade” (MARX, 1988, p. 830).
Um dos processos que dão sustentação à produção e reprodução do capital,
contribuindo assim para o processo de acumulação, é a extração da mais-valia do
trabalhador. Para Marx (1988), a produção da mais-valia implica num modo de
produção especificamente capitalista, que se desenvolve inicialmente a partir da
subordinação formal do trabalho ao capital e que, no curso de seu desenvolvimento
a partir de seus métodos, meios e condições, substitui essa subordinação formal
pela sujeição real do trabalho ao capital.
A partir dessa sujeição do trabalho ao capital é extraída a mais-valia absoluta
e a relativa. A primeira, através do aumento da jornada de trabalho; a segunda, a
partir do aumento da intensidade do trabalho que pode se dar pelo incremento de
tecnologia na produção, aumentando, assim, a produtividade.
Marx (1988) considera a mais-valia a substância do capital, pois para ele a
produção capitalista não é apenas uma produção de mercadorias, ela é,
essencialmente, produção de mais-valia. Isso acontece, pois no capitalismo o
trabalhador não produz para si, mas para o capital, visto não ser aceitável que ele
apenas produza, ele tem de produzir a mais-valia. É nesse contexto que Marx (1988,
p. 584) afirma: “só é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista,
servindo assim a auto-expansão do capital”.
As ocorrências que determinam o montante da mais-valia concorrem para
determinar a intensidade da acumulação. Um exemplo é o grau de exploração da
força de trabalho. Para Marx (1988), ao se partir do pressuposto que o salário deve
ter sempre um valor pelo menos igual ao da força de trabalho, qualquer redução
forçosa abaixo desse valor, transforma efetivamente o fundo de consumo necessário
à manutenção do trabalhador em fundo de acumulação do capital. Esse roubo ao
fundo de consumo necessário à manutenção do trabalhador, com o fim de formar
mais-valia, ocorre porque o “trabalhador no capitalismo existe para as necessidades
de expansão dos valores existentes, ao invés de a riqueza material existir para as
necessidades de desenvolvimento do trabalhador” (MARX, 1988, p. 722).
Um fator considerado alavanca para a acumulação é a produtividade do
trabalho social. O grau de produtividade do trabalho, numa determinada sociedade,
anuncia-se pelo volume relativo dos meios de produção que um trabalhador, num
tempo dado, transforma em produto com o mesmo dispêndio de força de trabalho.
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Marx (1988) explica que não se alterando a taxa da mais valia e mesmo diminuindo-
a, desde que sua queda seja menos veloz que a ascensão da produtividade do
trabalho, aumenta-se a quantidade do produto excedente. Não se alterando a
proporção em que este se divide (renda e capital adicional), pode então o consumo
do capitalista aumentar sem decréscimo do fundo de acumulação. A grandeza
proporcional do fundo de acumulação pode aumentar à custa do fundo de consumo,
enquanto o barateamento das mercadorias põe à disposição do capitalista a mesma
quantidade anterior, ou maior, dos meios de fruição.
Outra contribuição à expansão do capital é a exploração incrementada das
riquezas naturais por meio, apenas, de tensão da força de trabalho. Nesse processo,
quanto menor o número de necessidades naturais, quanto maior a fertilidade do solo
e a excelência do clima, tanto menor o tempo de trabalho necessário para manter e
reproduzir o produtor. No processo de ampliação do capital, Marx (1988) aponta
ainda dois elementos: a ciência e a técnica. Para ele, a introdução de melhores
métodos e técnicas científicas no processo de produção pode evitar um dispêndio de
capital. Ressalta, ainda, que tanto a exploração incrementada das riquezas naturais
como a ciência e a técnica constituem uma potência para expandir o capital,
independente da grandeza dada do capital em funcionamento.
No processo de acumulação do capital ocorrem dois processos distintos: o
processo crescente de concentração de capital e o de centralização. A concentração
do capital de capital está relacionada à concentração crescente dos meios de
produção nas mãos de capitalistas individuais, ou seja, ampliação da riqueza, a
elevação da composição orgânica do capital. Netto e Braz (2007, p. 130) explicam
que essa tendência de concentração do capital acontece porque os
empreendimentos que têm “uma elevada composição orgânica do capital tornam-se
cada vez mais excludentes para o conjunto dos capitalistas”. Explicam ainda que
como a tendência do capital é concentrar-se, cada vez é necessário produzir mais-
valia, fazendo com que os grandes capitalistas acumulem uma massa de capital
cada vez maior.
Paralelo à concentração de capital ocorre o processo de centralização. Para
Marx (1988), não se trata mais da concentração pura e simples dos meios de
produção, mas sim, a concentração dos capitais já formados a partir da fusão de
vários outros. Em suas palavras, a centralização é a “[...] expropriação do capitalista
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pelo capitalista, a transformação de muitos capitais pequenos em poucos capitais
grandes” (p. 726). Esse processo que se materializa pela união, mediante cartéis,
trustes e a formação de holdin completa a tarefa da acumulação, independente da
forma como ele se realize (se pela via compulsória da anexação, ou mediante a
fusão de capitais já formados ou em formação ou pela constituição de sociedades
anônimas).
É importante ressaltar que o processo de acumulação não é uma expansão
contínua e sem conflitos, existem obstáculos. No entanto, esses até hoje nunca
foram absolutos, pois dependem da ativação das contradições do capitalismo. O que
a história desse regime mostra é que o processo de produção e reprodução do
capital, em todas as suas fases, revelou-se instável com períodos de expansão e
crescimento e outros cortados por depressões, falências, quebradeiras e miséria,
marcados por uma sucessão de crises econômicas.
O desenvolvimento do capitalismo evidencia que a sua sobrevivência foi e é
marcada pela mobilidade e transformação, fruto do rápido desenvolvimento das
forças produtivas, das alterações econômicas, das inovações tecnológicas e de
processos sociopolíticos e culturais. Essas transformações afetaram e afetam todo o
espectro das relações sociais, dando origem a estágios distintos de capitalismo,
marcados por diversas mudanças relacionadas à divisão do trabalho e ao método
dominante de produção e acumulação.
Partindo do pressuposto que o capital tem caráter processual e é dinamizado
por suas contradições, os críticos da Economia Política passam a caracterizar o
capitalismo, vigente ao longo do século XX e ingressando no século XXI, como
imperialismo. Essa fase, caracterizada por novas determinações, tem como
característica marcante os padrões de acumulação rígida e flexível. O próximo item
irá tratar desses processos.
1.3.2 O processo de acumulação sob o imperialismo
O imperialismo refere-se ao processo de acumulação capitalista, em escala
mundial, a partir da forma empresarial monopolista. Apesar de vários autores
apresentarem limites à teorização clássica sobre o imperialismo realizada por Lênin,
os traços apontados por esse autor são importantes para compreender o capitalismo
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contemporâneo, são eles: (i) a exportação do capital adquire importância primordial,
lado a lado com a exportação de mercadorias; (ii) a produção e a distribuição
passam a ser centralizadas por grandes trustes e cartéis; (iii) os capitais bancário e
industrial se fundem; (iv) as potências capitalistas dividem o mundo em esferas de
influência; (v) a divisão territorial do mundo entre as potências capitalistas mais
importantes é concluída (NETTO; BRAZ, 2007).
Harvey (2004, p. 31), ao analisar o capitalismo contemporâneo, designa o
imperialismo que se dá a partir dos anos 70 de “novo imperialismo”, intitulando essa
fase como um processo político-econômico difuso no espaço e no tempo no qual “o
domínio e o uso do capital assumem primazia”. Destaca que, sob a égide e
comando dos EUA, nos anos 45-70 do século XX, os países capitalistas avançados
viveram um forte crescimento e acumulação do capital por meio da reprodução
expandida. Nessa ocasião os lucros foram reinvestidos tanto no crescimento como
em novas tecnologias, e a especulação financeira permaneceu relativamente
estática e territorialmente confinada.
A dinâmica de acumulação desse período tem como base o sistema
taylorista/fordista. Esse padrão produtivo se baseia na produção em massa de
mercadorias, a partir de uma produção mais homogeneizada e enormemente
verticalizada. Além disso, sua base é o trabalho parcelar e fragmentado e a ação
operária se reduz a um conjunto repetitivo de tarefas devido à decomposição das
atividades. Esse processo produtivo, considerado rígido, transformou a produção
industrial capitalista, expandindo-se a princípio para toda a indústria automobilística
dos EUA e depois para todo o processo industrial nos principais países capitalistas.
Para Antunes (2006), nesse período implantou-se uma sistemática baseada
na acumulação intensiva, na qual a produção em massa é realizada por
trabalhadores semiqualificados, submetidos a longas horas de trabalho rotinizado e
privados de qualquer forma de controle sobre a produção. Além disso, esse regime
se caracteriza por uma forte intervenção estatal com o objetivo de garantir, mediante
gastos públicos, o Estado de bem-estar social.
Apesar de serem considerados os anos dourados do capitalismo, ou seja, um
período em que houve um longo processo de acumulação de capitais, um olhar mais
atento demonstra que esse momento é marcado por um regime de acumulação
baseado na lógica destrutiva do capital. Uma lógica que se baseia na extração da
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mais-valia do trabalhador, no aprofundamento da separação entre a produção
voltada genuinamente para o atendimento das necessidades humanas e das
necessidades de auto-reprodução do capital, na retirada insustentável de recursos
naturais, entre outros. Tudo isso evidencia mais uma vez que, apesar das mudanças
e transformações ocorridas nessa nova etapa do capitalismo, os métodos utilizados
para o acúmulo do capital continuam a privilegiar os interesses da auto-realização
ampliada do capital, levando a uma auto-reprodução destrutiva.
O capital se produz e reproduz numa rede de contradições e crises, sendo
assim, a partir do final dos anos 1960 início dos anos 1970, o capital começa a dar
sinais de um quadro crítico. A ilusão de um processo efetivo, duradouro, regulado e
fundado num compromisso entre capital e trabalho, mediado pelo Estado, começou
a ruir. As principais características desse momento, de acordo com Antunes (2006,
p. 30), foram: (i) queda da taxa de lucro, entre outros, causada pelo aumento do
preço da força de trabalho; (ii) esgotamento do padrão de acumulação
taylorista/fordista de produção; (iii) hipertrofia da esfera financeira que ganhava
relativa autonomia frente aos capitais produtivos; (iv) maior concentração de
capitais, graças às fusões entre as empresas monopolistas e oligopolistas; (v) a crise
do Welfare State ou do Estado do bem estar social e dos mecanismos de
funcionamento; (vi) incremento acentuado das privatizações generalizada às
desregulamentações e à flexibilização do processo produtivo dos mercados e da
força de trabalho. Para o referido autor, todas essas características da crise do
fordismo e do keynesianismo eram a expressão de um quadro mais complexo, pois
exprimiam uma crise estrutural do capital, em que se destacava a tendência
decrescente da taxa de lucro, decorrente dos elementos acima mencionados
(ANTUNES, 2006).
A partir dessas considerações, pode-se compreender a reorganização do
capital ocorrida no final da década de 70 e início dos anos 80 do século XX. Para
Antunes (2006, p. 36) em decorrência da crise que se instalara, foi necessário
reestruturar o padrão produtivo, objetivando recompor os índices de acumulação
existentes no período anterior. Segundo Antunes, para o capital trata-se de
reorganizar o ciclo produtivo, preservando seus fundamentos essenciais, ou seja,
“utilizando os velhos mecanismos de acumulação”. É nesse contexto que se inicia
uma mutação no interior do padrão de acumulação, e não no modo de produção
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capitalista, visando alternativas que pudessem atribuir maior dinamismo ao processo
produtivo. Desse modo, o chamado toyotismo e a era da acumulação flexível
emergem nesse período. O regime de acumulação flexível é marcado por um
confronto direto com a rigidez do fordismo. Ele se ampara na flexibilidade dos
processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de
consumo. Distingue-se pelo “surgimento de setores de produção inteiramente novos,
novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e,
sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e
organizacional” (HARVEY, 2007, p. 140).
Harvey explica que esse tipo de regime acumulação abarcou rápidas
mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual, tanto entre setores como
regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento de emprego no
chamado “setor de serviços”. Destaca que o mercado de trabalho passou por uma
radical reestruturação, pois, diante de sua forte volatilidade, da ampliação da
competição e do aperto das margens de lucro, os capitalistas tiram aproveito do
amortecimento do poder sindical e da grande quantidade de mão de obra excedente
para infligir regimes e contratos de trabalho mais flexíveis.
Para Antunes (2006), o padrão de acumulação flexível articula um conjunto de
elementos de continuidade e descontinuidade que acabam por moldar alguma coisa
diferente do padrão taylorista/fordista de acumulação. Ele se fundamenta num
padrão produtivo organizacional e tecnologicamente avançado, “resultado da
introdução de técnicas de gestão da força de trabalho próprias da fase
informacional, bem como da introdução ampliada dos computadores no processo
produtivo e de serviços” (ANTUNES, 2006, p. 52). Além disso, desenvolve-se em um
arcabouço produtivo mais flexível, apelando para a desconcentração produtiva,
empresas terceirizadas, etc. Empregam, nesse processo, novas técnicas de gestão
de trabalho, de trabalho em equipe, das “células de produção” dos grupos
semiautonômos, além de “demandar” o “envolvimento participativo” dos
trabalhadores, na “verdade uma participação manipuladora e que preserva, na
essência, as condições do trabalho alienado e estranhado”. Para o autor, trata-se de
um processo de organização de trabalho em que o objetivo é a intensificação das
condições de exploração da força de trabalho.
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Para Harvey (2007, p. 174), o regime de acumulação flexível sugere uma
recombinação simples de duas táticas de busca de mais-valia: a absoluta e a
relativa. A extração da mais-valia absoluta baseia-se na expansão da jornada de
trabalho com relação ao salário necessário para garantir a reprodução da classe
trabalhadora num dado padrão de vida. Para o autor, a “passagem para mais horas
de trabalho associadas com uma redução do capital corporativo de regiões de altos
salários para regiões de baixos salários representa uma faceta da acumulação
flexível do capital”. A segunda, denominada mais valia relativa, está relacionada à
mudança organizacional e à tecnológica. Ressalta-se que nesse processo o que
conta é o modo particular de combinação e a alimentação recíproca das duas
estratégias de extração de mais-valia, tanto a absoluta como a relativa.
No processo de acumulação flexível são identificados dois movimentos
considerados fundamentais para a organização mais coesa do capital: o acesso à
informação precisa e atualizada e a reorganização do sistema financeiro. Para
Harvey (2007, p. 151), “as informações precisas e atualizadas são agora uma
mercadoria muito valorizada”. Nesse sentido, o acesso à informação, bem como o
seu controle, coligado a uma forte aptidão imediata de dados, tornaram-se
essenciais à coordenação centralizada de interesses corporativos. Ademais, a
capacidade de resposta instantânea a variações das taxas de câmbio, a mudanças
das modas e dos gostos e a iniciativas dos competidores tem hoje um caráter mais
crucial para a sobrevivência corporativa do que teve o fordismo.
No entanto, o movimento mais importante foi a completa reestruturação do
sistema financeiro global. Esse sistema passa a funcionar numa perspectiva dual, ou
seja, de um lado, a formação de conglomerados e corretores financeiros de
extraordinário poder global; de outro, uma rápida proliferação e descentralização de
atividades e fluxos financeiros por meio de criação de instrumentos e mercados
financeiros totalmente inéditos (HARVEY, 2007).
Para que se tenha a noção dessa reestruturação é importante dizer que antes
desse processo o sistema financeiro se fundamentava em uma fixação internacional
de moedas, tendo o dólar um papel central ao lado do ouro. O dólar era atrelado ao
ouro por uma taxa de conversão fixa, negociada internacionalmente como
referência. Essas taxas eram fixas e podiam ser alteradas somente em função de
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desvalorizações decididas pelos Estados. Para Chesnais (1996, p. 250), o
atrelamento do dólar ao ouro
[...] permitia, bem ou mau, que se alicerçasse um sistema financeiro e monetário internacional que comportava a existência de autoridades estatais, dotadas de instrumentos que possibilitavam controlar a criação de crédito e assegurar a relativa subordinação das instituições financeiras e do capital de empréstimo às necessidades do investimento industrial.
Esse sistema teve a dissolução por uma decisão unilateral dos EUA, em
agosto de 71, com a revogação do Sistema Bretton Woods7, abrindo caminho
imediatamente para o sistema de taxas de câmbios flexíveis. A partir daí foi dada a
largada para a “mundialização do capital”. De acordo com Chesnais (1996), a
reestruturação do sistema financeiro além de nutrir-se da flexibilização da moeda,
resultou de dois movimentos conjuntos e distintos. O primeiro pode ser caracterizado
como a mais longa fase de acumulação ininterrupta do capital que o capitalismo
conheceu desde 1914. O segundo diz respeito às políticas de liberalização, de
privatização, de desregulamentação de desmantelamento de conquistas sociais e
democráticas, que foram aplicadas desde o início da década de 80, sob o impulso
dos governos Thatcher e Reagan8.
As medidas decididas pelos governos dos EUA e do Reino Unido, que deram
origem ao sistema contemporâneo de finanças liberalizadas e mundializadas, são: (i)
fim do controle dos movimentos de capitais com o exterior (entradas e saídas), isto
é, foi realizada uma abertura dos sistemas financeiros nacionais; (ii)
desregulamentação monetária e financeira (que ainda não encerrou); (iii) formação
de mercados de bônus liberalizados (atendendo às necessidades ou interesses de
dois grupos de atores importantes: os governos e os grandes grupos que
centralizavam a poupança). Esse último procedimento atendeu primeiro às
necessidades de financiamento dos déficits orçamentários dos governos dos países
industrializados (CHESNAIS, 1998a).
7Bretton Woods foi o nome dado a um acordo de 1944 que teve como objetivo reger a política econômica mundial. Segundo o acordo as moedas dos países membros passariam a estar ligadas ao dólar, que passou a ser a moeda forte do sistema financeiro mundial. 8Margareth Thatcher foi a primeira ministra da Inglaterra no período de 1979-1980 e Ronald Regan foi presidente dos Estados Unidos entre 1981 - 1989. Foram responsáveis por iniciativas econômicas e políticas, conhecidas como neoliberais adotadas pelos governos neoconservadores e propagadas a partir de organizações multilaterais como o FMI.
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Chesnais, ao analisar o processo de mundialização do capital, diz que
inicialmente ele constituía uma etapa a mais no processo de internacionalização do
capital produtivo. Era, por conseguinte, centrado na organização e nas operações
contemporâneas das multinacionais. Lembra, ainda, que apesar de se tratar do
papel desempenhado pelas taxas de juros reais positivas, sobre o nível e a
orientação da acumulação, como financeirização dos grupos industriais e a
interpretação do movimento de conjunto do capitalismo mundial, partiam ainda das
operações do capital industrial.
Posteriormente, há um deslocamento qualitativo, ou seja, uma acumulação a
partir da reprodução expandida, através da exploração da mais-valia para uma
acumulação com predominância financeira. Esse tipo de acumulação é entendido
como
[...] a centralização em instituições especializadas de lucros industriais não reinvestidos e de rendas não consumidas, que têm por encargo valorizá-los sob a forma de aplicação em ativos financeiros - divisas, obrigações, ações, mantendo-os fora da produção de bens e serviços (CHESNAIS, 2005, p. 36).
A compreensão desse processo exige uma perspectiva dialética e de
totalidade, pois se de um lado o regime de acumulação atual assenta-se sobre um
adensamento violento de redução salarial, obtido pela liberalização dos
investimentos e do comércio exterior, de outro, suas tendências são conduzidas
cada vez mais pelas operações e opções de um capital financeiro mais concentrado
e centralizado em relação a nenhum período anterior do capitalismo.
Isso significa que existem conexões muito fortes e, sobretudo, de grande
alcance econômico e social entre o domínio da produção, o comércio internacional e
das finanças. Portanto, existe uma autonomia relativa da esfera financeira no que diz
respeito à produção e, consequentemente, o termo autonomia e automização devem
ser utilizados com prudência. Para Chesnais (1998a, p. 16),
[...] uma parte do crescimento da esfera financeira deve-se aos fluxos de riqueza inicialmente formadas como salários e benefícios sociais, ou como rendas de camponeses ou artesãos, antes de serem sugados pelos Estados através de impostos e, depois transferidos, pelo Estado, à esfera financeira, a título de pagamento de juros ou de reembolso do principal da dívida.
Ainda em relação à consolidação da esfera financeira, o autor aponta que,
inicialmente, esse crescimento teve como base o pagamento dos juros da dívida
externa dos países em desenvolvimento e, posteriormente, com a crise de 82, o
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processo de transferência de riqueza desloca-se para os países da Organização
para Cooperação Econômica e Desenvolvimento – OCDE. Esse deslocamento se dá
em função da formação do mercado de bônus, da “securitização” da dívida pública e
do crescimento cada vez mais rápido da parcela de orçamentos dos países da
OCDE, consagrada ao serviço da dívida. Isso significa que “o mecanismo de
captação e transferência mais importante é aquele que transita pelos impostos
diretos e indiretos desses países” (CHESNAIS, 1998a, p. 16).
O referido autor explica, ainda, que só depois dessa transferência puderam se
desenvolver, dentro do campo fechado da esfera financeira, vários processos, em
boa parte fictícios, de valorização que fizeram inchar ainda mais o montante dos
ativos financeiros. Esses processos de valorização do capital são realizados pelos
mercados financeiros e organizações financeiras não bancárias (fundos de pensão e
sociedades de investimento coletivo e organismos de aplicações coletivas em
valores imobiliários) e não pelos bancos. Essas instituições que são constitutivas de
um capital com traços particulares buscam “fazer dinheiro sem sair da esfera
financeira, sob a forma de juros de empréstimos, de dividendos e outros
pagamentos recebidos a título de posse de ações e, enfim de lucros nascidos de
especulação bem sucedida” (CHESNAIS, 2005, p. 35).
Todo esse processo de financeirização do capital vem trazendo graves
consequências sociais, econômicas, e, dentre outros, ainda se podem apontar:
instabilidade monetária permanente; transformação do mercado de câmbio em
mercado especulativo, dos quais os capitais financeiros procuram obter lucros
financeiros, mantendo o maior grau de liquidez possível; ausência de moeda
internacional, exceto o dólar. Para Harvey (2004, p. 123) as consequências da forte
onda de financialização têm um estilo predatório, levando-o a designar esse
processo de “acumulação por espoliação”. Esse tipo de acumulação, que tem como
principal instrumento a financeirização, é marcada por
[...] valorizações fraudulentas de ações, falsos esquemas de enriquecimento imediato, a destruição estruturada de ativos por meio de inflação, a dilapidação de ativos mediante fusões e aquisições e a promoção de níveis de encargos da dívida que reduzem populações inteiras, mesmo nos países capitalistas avançados.
Paralelo ao processo de financeirização do capital, o sistema sociometabólico
do capital passa a utilizar um novo mecanismo para garantir o processo de
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reprodução e acumulação do capital – a taxa de utilização decrescente das
mercadorias. Essa tendência com uma evidente lógica destrutiva, como foi vista no
item anterior nesse capítulo, é considerada por Mészáros (2006, p. 675) como “uma
das leis tendenciais mais importantes e abrangentes do desenvolvimento capitalista,
ligadas intimamente aos imperativos de expansão do capital”, possibilitando, assim,
que o sistema metabólico do capital atinja um crescimento incomensurável.
Segundo Mészáros, a taxa de utilização decrescente é uma técnica intrínseca
ao próprio capital, sendo necessária para a sua reprodução. Para ele, somente se a
sociedade puder consumir artificialmente e em grande velocidade (descartar
prematuramente) imensas quantidades de mercadorias, antes pertencentes à
categoria de bens duráveis, é que ela se mantém como sistema produtivo,
manipulando até mesmo a aquisição dos chamados bens de consumo, que são
lançados ao lixo, antes mesmo de ser esgotada a sua vida útil. Ademais, o que é
benéfico para a expansão do capital não é um incremento na taxa com que uma
mercadoria é utilizada, e sim o contrário, ou seja, o decréscimo de suas horas de
uso diário. Explica ainda que esta tendência agiliza o ciclo reprodutivo do capital,
afetando as três dimensões básicas da produção e do consumo capitalistas: bens e
serviços, instalações e maquinarias e a própria força de trabalho.
Em relação aos bens e serviços a tendência é perceptível por meio da
crescente velocidade da circulação e turnover do capital. Para Mészáros (2006) de
início parece não haver problemas, uma vez que as necessidades de expansão
podem ser satisfeitas ou atraindo para a estrutura de consumo algo mais que o mero
consumo básico, ou seja novos grupos de pessoas, anteriormente excluídas, ou
tornando disponíveis também para as classes trabalhadoras pelo menos nos países
capitalistas avançados mercadorias anteriormente reservadas aos privilegiados,
como por exemplo a larga difusão dos automóveis. No entanto, as mercadorias
destinadas ao “alto consumo de massa” deixam de ser suficientes para se enfrentar
a crise de expansão da produção. Desse modo, é necessário divisar meios que
possam reduzir a taxa pela qual qualquer tipo particular de mercadoria é usada,
encurtando deliberadamente a sua vida útil.
Em relação aos bens, um exemplo notório em relação à taxa decrescente é a
obsolescência planejada das mercadorias. Essa técnica é empregada, sobretudo, na
área de consumo duráveis. Durning (2002) corrobora com a ideia dizendo que se em
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1950 os eletrodomésticos eram sólidos, feitos em sua maior parte de metal, com
suas partes parafusadas ou soldadas, com o passar dos anos, essas máquinas
tornaram-se mais inconsistentes, frágeis, sendo a maioria delas feitas de partes de
plástico coladas, em vez de parafusadas. Atualmente, um exemplo significativo
dessa tendência decrescente do valor do uso dos objetos é a indústria de
computadores. Um equipamento recém-lançado torna-se obsoleto em pouco tempo,
pois a utilização de novos sistemas passa a ser incompatível com as máquinas, que
se tornam arcaicas.
Quanto aos serviços, pode-se afirmar que há uma clara tendência do capital
em estimular o abandono ou aniquilamento deliberado de bens que ofereçam um
potencial de utilização intrinsecamente maior, como por exemplo, o transporte
coletivo em favor daqueles cujas taxas de utilização tendem a ser muito menores
como, por exemplo, o automóvel particular.
A taxa de utilização decrescente também se revela na forma de subutilização
crônica das instalações e maquinários. No processo de produção das mercadorias
há uma tendência cada vez maior em sucatear maquinários novos após pouco uso
ou às vezes nenhum, substituindo por produtos mais avançados. Essa subutilização
dos maquinários e instalações é financiada generosamente pelo Estado através dos
fundos e reforçada pela ideologia da inovação tecnológica.
As implicações da taxa de utilização decrescente e ao uso ou não-uso da
força de trabalho socialmente disponível, Mészáros (2006) ressalta que é a
contradição mais explosiva do capital, pois, do ponto de vista do capital, o trabalho
não é apenas um “fator de produção”, em seu aspecto de força de trabalho, mas
também a “massa consumidora” tão vital para o ciclo normal da reprodução
capitalista e da realização da mais-valia.
Mészáros (2006) nos alerta que, apesar dos esforços para garantir a
reprodução e acumulação do capital através da taxa de utilização decrescente, não
é muito fácil de garantir na escala necessária à expansão do capital a motivação
para o descarte perdulário de bens perfeitamente utilizáveis, dadas as restrições
econômicas dos consumidores individuais, mesmo nos países ricos. Com isso, uma
das garantias utilizadas pelo capital é proporcionada pela emergência e
consolidação patrocinada pelo Estado do “complexo militar/industrial”, que passa ser
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o instrumento utilizado pelo capital para romper o “nó górdio de como combinar a
máxima expansão possível com a taxa de utilização mínima” (p. 685).
Rosa de Luxemburgo (1970, p. 399) foi quem primeiro notou, antes da
eclosão da primeira guerra, as grandes vantagens da produção militarista para a
acumulação e expansão capitalista. Para ela, o militarismo é “um meio privilegiado
de realizar a mais-valia; em outras palavras é um campo de acumulação”. Para
Mészáros (2004, p. 293), há uma tendência de subestimar a importância vital da
articulação industrial do capital em seu atual estágio de desenvolvimento histórico.
No entanto, ressalta que há um “relacionamento simbiótico, único, cujo objetivo é
assegurar continuamente e em escala sempre maior os recursos necessários para
projetos militar-industrial altamente lucrativos [...]”.
Segundo Mészáros (2006), o método de resolver os problemas acumulados
pela ativação dos mecanismos de destruição não é algo novo, que só aparece com
o desenvolvimento do capitalismo. Ao contrário esta é a maneira pela qual o capital
conseguiu se liberar ao longo da história, das situações de crise, isto é extinguindo
sem cerimônia unidades superproduzidas e não mais viáveis para o capital9.
Destaca que a inovação do capitalismo avançado na utilização do complexo
industrial militar é dada pela generalização dessa prática, que anteriormente atendia
às exigências excepcionais e emergências das crises e hoje, se tornou um modelo
de normalidade para a vida cotidiana de todo o sistema orientado no sentido da
produção para a destruição. Tudo isso em conformidade com a lei tendencial da taxa
de utilização decrescente, capaz de aproximar teoricamente do índice zero.
A grande inovação do complexo militar-industrial para o desenvolvimento
capitalista é obliterar a distinção entre consumo e destruição resolvendo com
sucesso duas restrições. A primeira dimensão, ao contemplar a antiga prática
romana do desperdício conspícuo; a segunda, ao remover com sucesso as
restrições tradicionais do círculo de consumo definido pelas limitações do apetite dos
consumidores. Nesse aspecto, “ele corta o nó górdio altamente intricado do
capitalismo ao reestruturar o conjunto da produção e do consumo da maneira a
remover, para todos os efeitos e propósitos a necessidade do consumo real”
(MÉSZÁROS, 2006, p. 688).
9Para os brasileiros, um exemplo que remete à destruição de unidades não mais viáveis para o capital foi a destruição dos pés de café.
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Outro aporte do complexo militar-industrial à expansão do capital apontada
pelo referido autor é que ele não só aperfeiçoa os meios pelos quais o capital pode
lidar com todas as flutuações e contradições estruturais, mas também dá um salto
quantitativo no sentido de que o alcance e o tamanho absoluto de suas operações
rentáveis se tornem incomparavelmente maiores do que poderia ser concebido nos
estágios anteriores dos desdobramentos capitalistas.
A utilização desse mecanismo, apesar das contradições e de não ser de
modo algum permanente, é uma alternativa eficaz do ponto de vista do capital no
que diz respeito a seus objetivos auto-expansivos de produção, já que o capital
[...] é totalmente desprovido de um quadro de referências e de medida humanamente significativo, a passagem da produção orientada-para-o-consumo e ao consumo pela destruição pode se dar sem qualquer dificuldade importante no campo da produção. (MÉSZÁROS, 2006, p. 692).
Além disso, o capital não está preocupado com a produção em si, suas
consequências, seus impactos e sim a auto-reprodução. É por isso que pode-se
dizer que o capitalismo contemporâneo atingiu um estágio em que a disjunção
radical entre produção genuína e auto-reprodução do capital não é a mais remota
possibilidade, mas uma realidade cruel com as mais devastadoras implicações para
o futuro. Nesse sentido Mészáros (2006, p. 699) enfatiza que
[...] as barreiras para a produção capitalista são hoje, suplantadas pelo próprio capital de formas que asseguram inevitavelmente sua própria reprodução – em extensão já grande e em constante crescimento – como auto-reprodução destrutiva, em oposição antagônica à produção genuína.
Com isso, os limites do capital não podem ser conceituados como meros
obstáculos materiais a um maior aumento da produtividade e da riqueza sociais,
enfim, como uma trava ao desenvolvimento, mas como um desafio direto à própria
sobrevivência da humanidade.
Por tudo isso, pode-se dizer que o processo de produção, reprodução e
acumulação do capital é permeado por uma lógica destrutiva e incontrolável. Esse
processo tem como substância a extração da mais-valia, a subsunção do trabalho
ao capital. Além desse mecanismo fundamental, o capital vem se utilizando de
outras estratégias para garantir o processo de produção/reprodução e acumulação,
tais como: financeirização do capital, flexibilização do trabalho, o complexo industrial
militar e a taxa de utilização decrescente de mercadorias, essa última gerando uma
demanda incontrolável por recursos naturais.
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Todos esses mecanismos vêm trazendo graves implicações sociais,
econômicas e ambientais. Dentre outras, podem ser apontadas: instabilidade
monetária permanente; transformação do mercado de câmbio em mercado
especulativo, dos quais os capitais financeiros procuram obter lucros financeiros,
mantendo o maior grau de liquidez possível: ausência de moeda internacional,
exceto o dólar. No mundo do trabalho, as consequências são danosas, como o
grande desemprego estrutural, trabalhadores em condições precarizadas. Isso
ocasiona, no entender de Mészáros (2007), uma crise estrutural do capital. Uma
crise sistêmica, orgânica, endêmica e permanente.
1.4 O processo de acum ulação e a crise estru tural do capita l: para além dos c iclos
O processo de acumulação capitalista é uma história de ciclos de crises
econômicas. De acordo com Netto e Braz (2007), de 1825 até as vésperas da
Segunda Guerra Mundial, as fases de prosperidade econômica foram catorze vezes
acompanhadas por crises. Em pouco mais de um século a dinâmica capitalista
manifestou-se inconstante, com períodos de expansão e crescimento da produção
bruscamente cortados por depressões, caracterizadas por falências, quebradeiras e,
para os trabalhadores, desemprego e miséria. Isto acontece porque as crises são
demonstrações de contradições próprias do desenvolvimento do modo de produção
capitalista. Elas se manifestam como cessações periódicas do “curso normal” da
reprodução capitalista.
Mandel (1990) explica que, oposto às crises pré-capitalistas ou pós-
capitalistas, que são quase todas de penúria física de subprodução de valores de
uso, as crises capitalistas são crises de superprodução de valores de troca. Nesse
sentido, diz:
[...] não é porque há muitos produtos que a vida econômica desregula. É porque há impossibilidade de venda de mercadorias a preço que garantam o lucro médio- isto é porque há, portanto muitas mercadorias que a vida econômica se desregula que as fábricas fecham as suas portas, que os patrões demitem e que a produção, as rendas, as vendas, os investimentos e o emprego caem (MANDEL, 1990, p. 210).
Para o referido autor, o acontecimento detonador que precipita as crises
capitalistas distingue as suas formas de aparição. Pode ser um escândalo financeiro,
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um pânico bancário, a bancarrota de uma grande empresa, a brusca falta de matéria
prima. No entanto, o acontecimento detonador não é a causa da crise, apenas a
precipita. Para que algum acontecimento detonador possa desencadear uma crise é
necessário que coincida toda uma série de pré-condições que não decorrem em
medida alguma da influência autônoma do detonador.
As causas das crises econômicas capitalistas estão sempre ligadas a uma
pluricausalidade e função. Entre as causas mais determinantes, Mandel (1990) cita:
subconsumo das massas, superacumulação de capitais, a queda da taxa de lucros,
a anarquia da produção. O subconsumo das massas trabalhadoras acontece porque
os capitalistas inundam o mercado com suas mercadorias, mas os trabalhadores
não dispõem de meios para comprá-las. Como já explicado por Marx (apud
MANDEL, 1990, p. 210-211),
[...] a causa última de todas as crises reais continua sendo sempre a pobreza e a limitação do consumo das massas, em face ao impulso da produção capitalista a desenvolver as forças produtivas como se apenas a capacidade absoluta da sociedade constituísse seu limite.
Outra causa apontada por Mandel é a queda da taxa de lucros. Esta queda
não é no sentido mecanicista do termo, que sugere um encadeamento causal linear
do tipo: “queda da taxa de lucro/redução dos investimentos/redução do
emprego/redução das rendas/crise de superprodução” (MANDEL, 1990, p. 211). Ele
explica que para se compreender o encadeamento real entre a queda da taxa de
lucro, a crise de superprodução e o desencadeamento da crise, deve-se distinguir os
fenômenos de aparecimento da crise, seus detonadores, sua causa mais profunda e
sua função no quadro da lógica imanente no modo de produção capitalista.
A anarquia da produção também contribui para a crise, pois o modo de
produção capitalista não obedece a nenhum planejamento ou controle global. Assim,
o mercado é inundado por mercadorias cuja destinação é incerta, “uma vez que a
produção é comandada exclusivamente por cada capitalista, tendo em vista apenas
a obtenção do lucro, com frequente desproporcionalidade entre os vários ramos e
setores da produção” (NETTO; BRAZ, 2007, p. 161).
Ainda em relação às causas da crise capitalista, Mandel (1990) diz que esta
sempre é uma crise de superprodução de mercadorias. Para ele, não é nem uma
simples aparência, nem o produto de uma “visão ideologicamente deformada”. A
superprodução significa que o capitalismo produz muitas mercadorias, mas que não
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há poder de compra disponível para adquiri-las ao preço da produção, isto é, a um
preço que forneça a seus proprietários o lucro médio esperado. Com isso,
bruscamente, a oferta ultrapassa a demanda solvável, a ponto de provocar
massivamente um recuo das encomendas e uma redução importante da produção
corrente. É essa venda insuficiente, essa não estocagem e essa redução da
produção corrente que geram o movimento cumulativo da crise, ou seja:
[...] redução do desemprego, das rendas, dos investimentos, da produção, das encomendas; nova espiral de redução do emprego, das rendas, dos investimentos, da produção etc e isso nos dois departamentos fundamentais da produção, o de bens de produção e o de bens de consumo (MANDEL, 1990, p. 212).
É importante ressaltar que essas não são as únicas causas das crises, mas
certamente elas sempre vão contribuir para a sua eclosão. Mesmo porque, as crises
apresentam-se como eventos inerentes ao modo de produção capitalista, são
expressões de contradições próprias do desenvolvimento deste sistema. Nesse
sentido, não há dúvidas que sua função “é a de constituir o mecanismo através do
qual a lei do valor se impõe, apesar da concorrência (ou da ação dos monopólios)
[sic] capitalistas” (MANDEL, 1990, p. 212).
Além das crises periódicas, a economia capitalista se desenvolve através dos
ciclos econômicos e as crises são parte desta totalidade. Os ciclos se caracterizam
por quatro fases: a crise, a depressão, a retomada e o auge.
Na crise, há uma inadequação nos diferentes momentos da produção
(investimento, produção, comércio e consumo). As operações comerciais se
reduzem de forma patética, as mercadorias não são vendidas, é diminuída a
produção ou até paralisada, preços e salários caem, empresas entram em quebra, o
desemprego se generaliza. Na depressão, o desemprego e os salários mantêm-se
no nível da fase anterior, a produção permanece estancada, as mercadorias
estocadas ou são destruídas ou parcialmente vendidas a baixo preço. Na retomada,
as empresas que sobrevivem buscam soluções para continuar com alguma escala
de produção. Procuram apropriar-se de mercados e fontes de matérias-primas e,
além disso, absorvem algumas empresas que quebraram, congregam seus
equipamentos e começam a produzir mais. O comércio se reanima, as mercadorias
passam a ser compradas, os preços aumentam, o desemprego diminui e a produção
se refaz. O auge da concorrência leva os capitalistas a investirem em suas
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empresas, abrirem novas linhas e frentes de produção. O crescimento da produção
é intenso e a euforia toma conta da vida econômica. Esse momento passa a ser
rompido quando se evidencia que o mercado está abarrotado de mercadorias que
não se vendem, os preços caem e sobrevém uma nova crise (NETTO; BRAZ, 2007).
No entanto, para Mészáros (2009), a partir de 1970 o sistema do capital
passa viver uma nova fase, denominada de crise estrutural do capital. Para o
referido autor, desde os fins de 1960 e início dos anos 1970, que foram marcados
por um depressed continuum, o sistema capitalista, depois de viver um longo
período dominado por períodos de expansão e crise, passa a exibir características
de uma nova forma de crise. Nessa nova fase não acontecem os espaços cíclicos
entre expansão e recessão, mas a eclosão de precipitações cada vez mais
frequentes e contínuas. De acordo com Mészáros, a crise afeta pela primeira vez na
história a totalidade da humanidade, mostrando-se longeva e duradoura, sistêmica e
estrutural.
Desde o final de 1960, Mészáros vem sistematicamente descortinando a
crise estrutural que começa assolar o sistema global do capital. Nesse período, já
alertava que as rebeliões de 1968, assim como a queda da taxa de lucro e o início
da monumental restruturação produtiva do capital datado de 1973, já eram
expressões da mudança substantiva que se desenhava, tanto no sistema
capitalista como no próprio sistema global. Segundo o autor, outra contribuição
para esse novo momento é a falência dos dois mais importantes sistemas estatais
de controle de regulação do capital: o keynesiano, firmado no estado do bem estar
social (welfare estate), e o segundo do tipo soviético, que embora fosse resultado
de uma revolução social que procurou destruir o capital, foi por ele fagocitado
(ANTUNES, 2009).
Para Mészáros (2007), enquanto as crises periódicas ou conjunturais do
capitalismo se desdobram e se resolvem com maior ou menor êxito no interior de
uma dada estrutura política, a crise estrutural afeta a própria estrutura política como
um todo. Além disso, “ela afeta a totalidade de um complexo social em todas as
suas relações com suas partes constituintes ou subcomplexos, aos quais é
articulada” (p. 357). Diferentemente de uma crise não estrutural, ela afeta apenas
algumas partes do complexo em questão.
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Outra diferença entre a crise cíclica e a crise estrutural está relacionada ao
deslocamento das contradições. Mészáros (2007) ressalta que o deslocamento só é
possível enquanto a crise for parcial, relativa e interiormente manejável dentro do
sistema, demandando apenas mudanças – mesmo que importantes – no interior do
próprio sistema relativamente autônomo. Essa relação também é válida quando se
trata de limites. Numa crise estrutural os limites não estão relacionados aos limites
imediatos, mas aos limites últimos de uma estrutura global.
Em relação à natureza da crise estrutural, Mészáros (2007) apresenta as
seguintes características definidoras desse processo: i) o seu caráter é universal.
Isto significa que a crise não afeta apenas este ou aquele ramo particular de
produção ou este e não aquele tipo de trabalho; ii) tem um alcance global, portanto
atinge a todos os países e não um conjunto particular de países como foram as
crises cíclicas; iii) sua escala de tempo é contínua e permanente ao invés de
limitada e cíclica como as crises anteriores; iv) seu modo de evolução é rastejante,
em contraste com as erupções e os colapsos espetaculares e dramáticos no
passado.
Todas essas características da natureza da crise estrutural do capital levam
Mészáros (2006, p. 699) a argumentar que a crise não está relacionada aos limites
imediatos, mas aos limites últimos de uma estrutura global. Nesse sentido, o autor
diz que os limites do capital “não podem ser conceituados como meros obstáculos
materiais a um maior aumento da produtividade e da riqueza sociais, enfim como
uma trava ao desenvolvimento, mas como um desafio direto à sobrevivência da
humanidade”.
Por tudo o que foi visto pode-se dizer que o processo de produção e
acumulação na era de crise estrutural vem colocando em risco as duas fontes de
produção de valor e de toda a riqueza produzida: a capacidade de trabalho e a
natureza. No entanto, é importante ressaltar que todos os traços predatórios e
parasitários, assim como a tendência à transformação das forças potencialmente
produtoras em forças destrutivas, já estavam inscritas nos fundamentos do
capitalismo e foram identificadas por Marx ao analisar o movimento do capital.
Nesse sentido, o próximo item irá se dedicar a discutir a contribuição marxiana e
marxista para a compreensão da relação sociedade e natureza.
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1.5 C rise estrutural do cap ital e destruição am bienta l: a
contribuição m arx iana para a com preensão da re lação soc iedade/natureza
Embora seja frequente a alegação de que o marxismo não tem uma
preocupação com as questões ambientais, o livro “A ecologia de Marx”, de John
Foster, mostra como essa temática permeou os estudos de Marx principalmente em
relação à degradação do solo e à poluição das grandes cidades, relacionando-as ao
modo de produção capitalista.
Para analisar as questões relacionadas ao homem e à natureza, Marx (1988)
destaca o trabalho como elemento central de mediação. Para o autor, “[...] o trabalho
é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, através
de sua própria ação, media, regula e controla o seu metabolismo com a natureza”.
Sendo assim, é através do trabalho que o homem encara os materiais da natureza
como uma força desta. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes ao
seu próprio corpo, aos braços, pernas, cabeça e mãos, a fim de se apropriar dos
materiais da natureza de uma forma adaptada às suas próprias necessidades.
Através desse movimento, ele atua sobre a natureza externa e a modifica, e assim
simultaneamente altera sua própria natureza. O trabalho é a condição universal da
interação metabólica entre o homem e a natureza, a perpétua condição da
existência humana imposta pela natureza.
Ademais, para Marx, a humanidade e a natureza estão inter-relacionadas.
Para ele, ao entrar diretamente na história do homem através da produção é como
se a natureza fosse uma extensão do corpo humano (isto é, o corpo inorgânico):
[...] a natureza é o corpo inorgânico do homem, a saber, a natureza na medida em que ela mesma, não é o corpo humano. O homem vive da natureza, significa: a natureza é o seu corpo, com o qual tem que permanecer em constante processo para não morrer (MARX, apud LÖWY, 2005, p. 21).
Para descrever a relação do homem com a natureza, Marx utilizou o conceito
de metabolismo10. A palavra implica diretamente, nos seus elementos, uma noção
10 Para entender a importância do uso que Marx fez do conceito de metabolismo para o esclarecimento da relação homem-natureza através da produção social, é importante explicar que o conceito foi adotado pelos fisiologistas alemães nas décadas de 1830 e 1840 para se referir primeiramente às trocas materiais dentro do organismo, relacionadas com a respiração. O termo
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de troca orgânica da matéria. Este conceito foi empregado por Marx tanto para se
referir à real interação metabólica entre a natureza e a sociedade através do
trabalho humano (contexto em que o termo era normalmente usado nas suas obras),
quanto, num sentido mais amplo (Grundrisse), para descrever o conjunto complexo,
dinâmico, interdependente, das necessidades e relações geradas e constantemente
reproduzidas de forma alienada no capitalismo, e a questão da liberdade humana
suscitada por ele – tudo podendo ser visto como ligado ao modo como o
metabolismo humano com a natureza era expresso através da organização concreta
do trabalho humano. O conceito de metabolismo assumia, assim, tanto um
significado ecológico quanto um significado social mais amplo. Na maturidade, o
conceito posterior de metabolismo de Marx, porém, permitiu-lhe expressar esta
relação fundamental de forma mais científica e sólida, retratando a troca complexa,
dinâmica, entre os seres humanos e a natureza decorrente do trabalho humano
(FOSTER, 2005).
O conceito de metabolismo, com as suas noções subordinadas de trocas
materiais e ação regulatória, permitiu que Marx expressasse a relação com a
natureza como uma relação que abrangia tanto as condições impostas pela natureza
quanto a capacidade dos seres humanos de afetar este processo. Além disso, esse
conceito possibilitou a Marx um modo concreto de expressar a noção de alienação
da natureza e sua relação com a alienação do trabalho:
[...] não é a unidade da humanidade viva e ativa com as condições naturais inorgânicas, da sua troca metabólica com a natureza, e daí a sua apropriação da natureza, que requer explicação, ou é o resultado de um processo histórico, mas a separação entre estas condições inorgânicas da existência humana e essa existência ativa, uma separação que é integralmente postulada na relação trabalho assalariado com o capital (MARX, apud FOSTER, 2005, p. 223).
Para Marx, essa alienação que acontece sob o domínio do capital se dá tanto
em relação ao trabalho quanto à natureza, já que ambos são essenciais no processo
de reprodução do capital, pois são fontes de riqueza. Em suas palavras:
recebeu uma aplicação mais ampla ao ser usado por Liebig, em 1842, na obra Animal Chemistry, de 1840. Nessa obra, o autor introduziu a noção de processo metabólico no contexto da degradação de tecidos. Mais tarde ela foi ainda mais generalizada e surgiu como um dos conceitos-chave, aplicável tanto no nível celular quanto na análise de organismos inteiros, no desenvolvimento da bioquímica. A partir da década de 1840, e até os dias de hoje, o conceito de metabolismo tem sido usado como categoria-chave na abordagem da teoria dos sistemas à interação dos organismos com o meio ambiente. Além disso, o conceito de metabolismo é usado para se referir aos processos regulatórios específicos que governam esta complexa troca entre organismos e o seu ambiente. Atualmente o conceito é utilizado por Eugene Odum e outros ecologistas (FOSTER, 2005).
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O trabalho não é a fonte de toda a riqueza. A natureza é a fonte dos valores de uso (que são os que verdadeiramente integram a riqueza material) nem mais nem menos que o trabalho, que não é mais que a manifestação de uma força natural, da força de trabalho do homem. (Marx, apud LÖWY, 2005, p. 23).
Ao entender que o processo de alienação se dá tanto em relação ao trabalho
quanto à natureza, considerando, portanto, ambos como fonte de riqueza, Marx
coloca por terra a crítica de algumas correntes do movimento ambientalista que o
acusam de negligenciar o valor da natureza no processo de produção. Neste
sentido, Löwy (2005, p. 23) diz:
[...] a crítica resulta de um mal entendido, pois Marx utiliza a teoria do valor-trabalho para explicar a origem da troca, no âmbito do sistema capitalista. A natureza, por outro lado, participa da formação de verdadeiras riquezas, que não são valores de troca, mas valores de uso.
Para capturar a alienação material dos seres humanos dentro da sociedade
capitalista e das condições naturais que formaram a base da sua existência, Marx
empregou o conceito de “falha” ou “ruptura” na relação metabólica. Essa falha
metabólica acontece em decorrência das relações de produção capitalista, ou seja,
do rompimento do metabolismo complexo entre sociedade e natureza. Essa falha
para Marx é irreparável, porém, não irreversível. É irreparável na medida em que,
uma vez produzida, não se encontra força material para repará-la, a não ser que
ocorra uma mudança qualitativa na relação sociedade e natureza.
Foster (2005) explica que o conceito de falha metabólica ou ruptura
metabólica foi construído no contexto de alarme crescente feito pelos químicos
agrários (principalmente os estudos do químico Liebig11) demonstrando que a
produção agrícola capitalista de então ocasionava a perda de certos nutrientes –
como nitrogênio, fósforo e potássio – devido à exportação de comida e fibras às
cidades. Ao invés de serem devolvidos à terra como na produção agrícola
tradicional, estes nutrientes eram transportados a centenas e milhares de
quilômetros e terminavam como dejetos, contaminando as cidades. Nesse sentido, o
químico Liebig afirmava que até a forma mais avançada de produção agrícola
capitalista de então – a agricultura britânica, baseada em tecnologias mais
11Justus Von Liebig (1803-1873), químico alemão, foi um dos fundadores da química orgânica. Ao aplicar a química ao estudo da fisiologia vegetal, Liebig chegou à famosa fórmula NPK, iniciando a era dos fertilizantes químicos (FOSTER, 2005).
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complexas e sofisticadas – não era mais que um sistema de roubo, considerando os
seus efeitos sobre a terra.
Marx, a partir das ideias de Liebig, desenvolveu uma crítica da degradação
ambientalista em decorrência das relações de produção capitalista e da separação
antagonista entre campo e cidade. Segundo Marx, uma das dimensões mais
expressivas da “ruptura metabólica” é a separação entre a agricultura e a indústria.
Para ele, a agricultura e a indústria de grande escala se uniram para empobrecer o
solo e o trabalhador. No terceiro volume do Capital, Marx apresenta sua crítica,
dizendo:
A grande propriedade fundiária reduz a população agrícola a um mínimo sempre declinante e a confronta com uma sempre crescente população industrial amontoada nas grandes cidades; deste modo, ela produz condições que provocam uma falha irreparável no processo interdependente do metabolismo social, um metabolismo prescrito pelas leis naturais da própria vida. Isso resulta no esbulho da vitalidade do solo, que o comércio transporta muitíssimo além das fronteiras de um único país (Liebig). [...]. A indústria de larga escala e a agricultura de larga escala feita industrialmente têm o mesmo efeito. Se originalmente elas se distinguem pelo fato de que a primeira deixa resíduos e arruína o poder do trabalho e portanto poder natural do homem, ao passo que a última faz o mesmo com o poder natural do solo, elas se unem mais adiante no seu desenvolvimento, já que o sistema industrial aplicado à agricultura também debilita ali os trabalhadores, ao passo que, por seu lado, a indústria e o comércio oferecem à agricultura os meios para exaurir o solo (MARX, apud FOSTER, 2005, p. 219).
Ainda em relação à perturbação metabólica provocada pela produção
capitalista, Marx diz:
A produção capitalista congrega a população em grandes centros e faz com que a população urbana tenha uma preponderância sempre crescente. Isto tem duas consequências. Por um lado, ela concentra a força-motivo histórica da sociedade; por outro, ela perturba a interação metabólica entre o homem e a terra, isto é, impede a devolução ao solo dos seus elementos constituintes, consumidos pelo homem sob a forma do alimento e do vestuário; portanto, ela prejudica a operação da condição natural eterna para a fertilidade duradoura do solo. (MARX, apud FOSTER, 2005, p. 219).
O conceito de “falha metabólica” permite evidenciar como a agricultura e a
indústria de larga escala se conjugam para explorar tanto o trabalhador quanto a
natureza, perturbando, assim, o metabolismo social. No caso das indústrias, a
natureza é duplamente impactada, tanto pela exploração das matérias primas,
quanto pela poluição dos resíduos de sua produção que retornam à natureza em
forma de poluentes. Nesse sentido, pode-se dizer que o conceito de falha
metabólica permitiu a Marx demonstrar que a degradação ambiental tem causas
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econômicas e políticas, ligadas a um processo de dupla exploração: do trabalho e da
natureza. Além disso, permite demonstrar que as condições de sustentabilidade
impostas pela natureza têm sido violadas.
Para Foladori (2001b), o interesse de Marx em desvelar as formas de ruptura
do metabolismo com a natureza, e as peculiares modalidades que adquire essa
ruptura com o sistema capitalista tem um objetivo “semelhante” – com toda a
distância que se possa atribuir ao termo – ao dos ambientalistas contemporâneos:
uma nova sociedade que restabeleça os laços com a natureza. Nas palavras de
Marx,
[...] nesse terreno, a liberdade só pode consistir em que o homem social, os produtores associados, regulem racionalmente esse metabolismo com a Natureza, trazendo-a para seu controle comunitário, em vez de serem dominados por ele como se fora por uma força cega; que o façam com o mínimo emprego de forças e sob as condições mais dignas e adequadas à sua natureza humana (apud FOLADORI, 2001b, p. 107-108).
Para que se restabeleçam os laços do metabolismo com a natureza, o fim da
propriedade privada passa a ser condição sine qua non. Nesse sentido, Marx diz:
Do ponto de vista de uma formação econômica superior da sociedade, a propriedade privada de certos indivíduos sobre o globo terrestre parecerá tão absurda quanto a propriedade privada de um ser humano sobre outro ser humano. Mesmo uma sociedade inteira, uma nação, mesmo todas as sociedades coesas em conjunto não são proprietárias da Terra. São apenas possuidoras, usufrutuárias dela, como boni patres famílias devem legá-las melhoradas às gerações posteriores (apud FOLADORI, 2001b, p. 108).
Além do fim da propriedade privada, Marx defende a abolição da relação
antagônica entre campo e cidade como forma de transcender a alienação da
natureza. Nesse sentido, argumenta que é necessária a “restauração” da relação
metabólica entre os seres humanos e a terra. Para Engels, com Liebig, a
transcendência do antagonismo entre cidade e campo se expressava em termos
ecológicos:
[...] a abolição da antítese entre cidade e campo não é meramente possível. Ela se tornou uma necessidade direta da própria produção industrial, assim como se tornou uma necessidade da produção agrícola e, além disso, da saúde pública. O presente envenenamento do ar, da água, e da terra só pode cessar com a fusão da cidade com o campo; e só essa fusão vai alternar a situação das massas que agora definham nas cidades, e permitir que o seu excremento seja usado para produzir plantas em vez de doenças (apud FOSTER, 2005, p. 244).
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Pode-se dizer, a partir dessas reflexões, que a concepção marxiana traz uma
contribuição crítica e revolucionária para entender as relações entre sociedade e
natureza. Para além das explicações da finitude dos recursos naturais, Marx
demonstra que a degradação ambiental tem as suas causas relacionadas às
questões políticas e econômicas ligadas a um processo de dupla exploração: o
trabalho e a natureza. Marx captura esse processo de alienação apontando como a
agricultura e a indústria de larga escala se conjugam para explorar tanto o
trabalhador como a natureza, provocando assim uma falha metabólica na relação
sociedade e natureza. Ele defende que um novo metabolismo só será possível a
partir da associação entre os produtores associados, num processo no qual haverá
controle sobre as trocas materiais com a natureza na esfera da produção material e
a total abolição da propriedade privada.
Depois de mais de cento e cinquenta anos das contribuições de Marx para
pensar a sociedade e a natureza, a lógica destrutiva do processo de produção e
acumulação do capital se aprofundou, ocasionando uma destruição do trabalho e da
natureza em proporções inimagináveis.
Em relação à natureza, a partir da década de 1970, a situação de
precariedade encontrada nos sistemas naturais que sustentam a vida no planeta
passa a ser reconhecida oficialmente por diversos setores da sociedade global. A
partir desse reconhecimento surgem diversas reações sobre as determinações da
chamada “crise ambiental”, assim como a busca de alternativas para o
enfrentamento desses problemas. O próximo capítulo se propõe a analisar uma das
principais manifestações da crise estrutural do capital – a chamada “crise ambiental”
–, apresentando as principais determinações e alternativas na perspectiva
liberal/reformista e na visão critica, além de discutir como a problemática das
mudanças climáticas vem constituindo tanto num limite quanto numa alavanca para
o capital.
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C A P Í T U L O 2
C R IS E A M B IE N T A L , M U D A N Ç A S C L IM Á T I C A S : L IM I T E E A L A V A N C A
P A R A O C A P I T A L
Conforme foi visto no capítulo anterior, o capitalismo contemporâneo vem
induzindo a uma série de contradições que destroem o trabalho, a natureza e a
possibilidade de reprodução de humanidade, fruto da crise estrutural do capital. Uma
crise que vem sendo considerada orgânica, endêmica e permanente, na qual o
sistema encontra com seus próprios limites intrínsecos.
Nesse contexto uma das principais manifestações da crise do capital é a
destruição ambiental, ou a chamada crise ambiental. A destruição incontrolável dos
recursos naturais vem gerando sérios problemas ambientais e sociais em escala
globalizada: aquecimento da terra, desflorestamento, contaminação de rios e mares,
desertificação, extinção de fauna e flora, perda da biodiversidade, insegurança
alimentar, entre outros problemas, colocando em risco a vida no planeta.
É neste contexto que este capítulo se propõe a discutir as principais
determinações e alternativas da chamada crise ambiental tanto na perspectiva
liberal/reformista quanto na visão crítica, além disso, visa mostrar como as
mudanças climáticas vêm se constituindo tanto um limite quanto uma alavanca para
o capital.
2.1 “C rise am bienta l” na perspectiva re form ista /libera l
O pensamento hegemônico presente na sociedade civil sobre as
determinações da crise ambiental vem sendo defendido por representantes ligados
aos órgãos oficiais, às instituições financeiras multilaterais, às grandes corporações
e ONGs ambientalistas internacionais. Apesar de apresentar diferenças teóricas, de
um modo geral, esse campo, aqui considerado como conservador defende que o
cerne dos problemas ambientais está ligado às seguintes causas: ao desperdício de
matéria e energia, aos limites físicos e naturais dos recursos naturais e aos altos
padrões de produção e consumo. Quanto às alternativas, estas se restringem aos
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processos de produção, tecnologia e eficiência energética, levando a uma
despolitização da questão ambiental.
Um dos argumentos mais apontados pela perspectiva conservadora em
relação às causas da crise ambiental é o excesso da população e seu impacto no
meio ambiente. À pressão demográfica são atribuídos todos os males do mundo
contemporâneo – desertificação, fome, esgotamento de recursos, degradação do
ambiente, entre outros. É fundamental, portanto, para se compreender como este
pensamento se firmou como um dos principais argumentos neste campo, analisar
como esta questão surgiu historicamente.
O debate sobre os aspectos demográficos e a pressão sobre os recursos
naturais foi inaugurado por Thomas Robert Malthus (1766-1834). Malthus escreveu
o primeiro ensaio anônimo intitulado “Ensaio sobre o princípio da população e seus
efeitos sobre o futuro aperfeiçoamento da sociedade, com observações sobre as
especulações de Mr. Godwin, M. Condorcet e outros autores”. Este trabalho visava
contrapor as ideias de pensadores influentes – como William Goodwin, na Inglaterra,
e o marquês de Condorcet, na França – que haviam defendido, em resposta à
Revolução Francesa e ao espírito geral do Iluminismo, que o progresso humano
infinito era crível. No seu ensaio, Malthus sustentava a visão de que o princípio mais
importante que norteava a sociedade humana era o “princípio da população”. Para
Malthus, esses pensadores não haviam conseguido perceber duas questões
fundamentais. Primeiro, que havia uma constante desproporção entre a sobrecarga
populacional – que na ausência de limites, crescia naturalmente em taxa geométrica
(1, 2, 4, 8, 16, e assim por diante) – e o crescimento mais limitado dos meios de
subsistência, que tendia apenas a um crescimento aritmético (1, 2, 3, 4, 5, e assim
por diante). A segunda questão está relacionada à necessidade, diante dessas
circunstâncias, de se chegar a um equilíbrio entre o crescimento populacional e o
crescimento dos meios de subsistência. Para resolver essa questão, Malthus propôs
a adoção de abstinência sexual (classes menos favorecidas) e a redução dos
programas assistencialistas governamentais e privados (FOSTER, 2005).
Segundo os estudos de Foster (2005), o “Ensaio sobre a população” de
Malthus teve seis edições durante sua vida, com várias modificações substanciais.
Por isso, a edição de 1798 é conhecida como o “Primeiro ensaio” e a edição a partir
de 1803 como o “Segundo Ensaio”. Essas publicações, apesar das diferenças,
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tinham como objetivo intervir no debate sobre o aperfeiçoamento futuro da
sociedade.
Com o passar do tempo viu-se que as previsões de Malthus eram mais
apocalípticas que a própria realidade e, já naquela época, elas sofreram várias
críticas. Em relação à coerência dos argumentos de Malthus, no que diz respeito à
defesa do crescimento geométrico da população, esse ponto já havia recebido
comprovação empírica antes de Malthus escrever o seu ensaio, mas em relação ao
crescimento aritmético dos alimentos a sua alegação ficava inteiramente confinada.
Além de Malthus não ter mostrado nenhuma evidência, esse argumento ficou mais
frágil quando surgiu a moderna ciência dos solos com o trabalho de Justus von
Liebig.
Engels, no seu “Esboço de uma crítica da Economia Política”, diz que a teoria
populacional de Malthus nada mais era que a expressão econômica do dogma
religioso, uma tentativa de fundir a teologia protestante com a necessidade
econômica da sociedade burguesa. Para o autor, a teoria malthusiana tinha como
objetivo defender o sistema burguês de exploração dos seres humanos e da
natureza, negando ao mesmo tempo qualquer possibilidade de melhora. Outra
crítica feita por Engels é que o princípio populacional era visto como aplicável tanto a
assentamentos coloniais na Austrália e nas Américas quanto à densamente provada
Europa. Ademais, diz:
As implicações desta linha de pensamento são tais, que, como só os pobres são excedentes, nada se deve fazer por eles senão facilitar o mais possível a sua fome, convencê-los de que ela é inevitável e que a única salvação para toda a classe é manter a propagação no grau absoluto mínimo. (ENGELS, apud FOSTER, 2005, p. 155).
Outra questão levantada por Engels, citada por Foster (2005) é a natureza a-
histórica da doutrina malthusiana, pois o malthusianismo recusava qualquer noção
de progresso rápido e contínuo no cultivo das terras ou na criação de animais pelo
homem, bem como de todas as possibilidades de progresso social. Além disso, toda
a doutrina de Malthus ruía quando chegava à proposição aritmética-chave, que era
pouco fundamentada.
Apesar da fragilidade dos argumentos da teoria de Malthus e de suas
projeções não se confirmarem, suas ideias conseguiram subsistir quase dois
séculos, sendo comum a menção de suas propostas quando se debate as questões
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relativas ao desenvolvimento, subdesenvolvimento, demografia e questões
ambientais. Segundo Rodrigues (2011), na década de 1970 a teoria malthusiana foi
revisitada ao se iniciarem as discussões sobre crescimento populacional no terceiro
mundo. Os neomalthusianos, compreendiam o excedente populacional como um
entrave ao desenvolvimento, argumentando que boa parte dessa população seria
formada por pessoas improdutivas, como jovens e crianças, e que os recursos
destinados a sustentá-las poderiam ser investidos na produção, o que contribuiria
para o progresso econômico dos países. Nesse período, houve uma preocupação
com o controle de natalidade nas nações subdesenvolvidas; o Banco Mundial e o
Fundo Monetário Mundial começaram a exigir Políticas de Planejamento Familiar.
Essa preocupação se amparava na ideia de que a escassez de recursos e a
superpopulação impediam o desenvolvimento da humanidade.
Ainda na década de 1970, a menção a teoria malthusiana foi retomada pelo
documento “Limites do Crescimento”, elaborado pelo Clube de Roma12. Esse
documento, que serviu de base para a Primeira Conferência sobre Meio Ambiente
Humano em 1972, defende a tese do crescimento zero, advogando a necessidade
do congelamento do aumento da população e do crescimento do capital industrial.
A preocupação em conter o crescimento da população devido à finitude de
recursos naturais está também presente no relatório da “Comissão sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento”. Ao discutir “População e recursos humanos” essa
apreensão fica clara, como se pode ver abaixo:
[...] as atuais taxas de aumento populacional não podem continuar. Já estão comprometendo a capacidade de muitos governos de fornecer educação, serviços médicos e segurança alimentar às pessoas, e até a sua capacidade de elevar padrões de vida. Esta defasagem entre número de pessoas e recursos é ainda mais premente porque grande parte do aumento populacional se concentra em países de baixa renda, em regiões desfavorecidas do ponto de vista ecológico e em áreas de pobreza (CMMAD, 1991, p. 103).
As questões relacionadas ao crescimento da população foram novamente
discutidas na segunda Conferência das Nações Unidas sobre de Meio Ambiente e
Desenvolvimento, realizada em 1992, no Rio de Janeiro. A “Agenda XXI”, principal
documento resultante dessa conferência, discute, entre outros assuntos, questões
12 O Clube de Roma é um grupo de pessoas ilustres que se reúnem para debater um vasto de conjunto de assuntos relacionados à política, economia internacional e, sobretudo sobre o meio ambiente. Foi criado em 1968, mas ficou muito conhecido a partir de 1972, ano da publicação do relatório contratado pelo grupo denominado “Limites do crescimento”.
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ligadas à dinâmica demográfica e sustentabilidade. Apesar de não citar a teoria
malthusiana e incluir outros elementos na discussão como, por exemplo, os padrões
não sustentáveis de consumo, ela apresenta como proposta, um dos argumentos
malthusianos: o controle demográfico. No capítulo 5, no item 5.17, ao tratar dos
objetivos do capítulo, diz:
[...] deve ter prosseguimento a total incorporação das preocupações com o controle demográfico aos processos de planejamento, formulação de políticas e tomadas de decisão no plano nacional. Deve ser considerada a possibilidade de se adotarem políticas e programas de controle demográfico que reconheçam plenamente os direitos da mulher (AGENDA XXI, 1997, p. 51).
A teoria de Malthus é referencial não só nos documentos oficiais na área
ambiental, como também na ciência demográfica. Uma pesquisa bibliográfica
realizada por Daniel Hogan (2007), no âmbito da disciplina demográfica, demonstrou
que as questões relacionadas à população e ao meio ambiente são marcadas por
uma tradição que não vão além da visão malthusiana. Seus estudos apontam duas
abordagens presentes na discussão entre população e meio ambiente, a primeira,
vê esta relação como a pressão de números sobre recursos, ou seja, à pressão
demográfica são atribuídos todos os problemas contemporâneos (fome,
desertificação e degradação do meio ambiente). Uma segunda vertente reconhece
outros fatores na equação população/ambiente e desenvolvimento e não atribui à
pressão demográfica um papel determinante quanto aos problemas ambientais, mas
um papel agravante.
As investigações de Hogan demonstraram que apesar de vários estudiosos
opinarem sobre o tema, poucos assumem uma posição. Os que assumem,
embora não atribuam ao crescimento populacional a exclusiva responsabilidade
para problemas relacionados com a terra, a água, os minerais e a poluição,
defendem claramente que o crescimento populacional precisa parar, devido à
escassez dos recursos naturais. Assim, demonstram não irem além das
propostas malthusianas.
A partir desta contextualização, pode-se dizer que, apesar da fragilidade dos
argumentos da teoria de Malthus e de suas previsões não se confirmarem13, a
13 As mudanças econômicas, sociais, científicas, culturais demonstram que a produção agrícola alcançou índices de produtividade, adequada para alimentar a população do planeta, demonstrando que o problema não está na contradição da população e na finitude dos recursos naturais, e sim, na produção e distribuição, no acesso aos alimentos.
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ideologia malthusiana consegue persistir por quase dois séculos. Isso acontece
porque seus argumentos legitimam o modo de produção vigente, deixando de lado
as contradições socioeconômicas do capitalismo, encobrindo as formas concretas e
históricas, e suas mediações sociais particulares.
Os estudos de Ehrlich e Holdren, citados por Foladori (2001a), demonstram
essa opção. Com o objetivo de medir a relação entre impacto ambiental e
população, os autores construíram a seguinte fórmula: I=P.C’. T, em que I é o
impacto total, P a população, C’ o consumo per capita, e T o impacto por unidade de
consumo. A conclusão a que chegam os autores é que o incremento populacional é
a causa da deterioração ambiental.
Para Amalric (apud FOLADORI 2001a, p. 124), o estudo apresenta várias
fragilidades e implica vários pressupostos, como:
a) um critério arbitrário para medir a relação entre população e impacto; b) toda a população analisada tem igual consumo per capita e usa em iguais grau e quantidade a tecnologia; c) tanto a população como o impacto por unidade de consumo per capita são variáveis independentes.
Amalric conclui que, ao se levantar quaisquer desses pressupostos, chega-se
a resultados mais díspares e mostra-se que a fórmula não apresenta nenhuma
utilidade. Além disso, pode-se dizer que isso acontece porque os autores da
pesquisa encobrem as contradições da sociedade capitalista, não levam em conta
questões como classe social, ritmos de crescimento da população (como seu grau
de concentração geográfica) e as relações sociais que se estabelecem nesse
processo.
Conforme foi visto, a perspectiva liberal/revisionista, a partir da tradição
malthusiana, defende um controle do crescimento da população em virtude da
finitude dos recursos naturais. No entanto, estudos recentes têm demonstrado que
países em que houve um menor crescimento demográfico têm apresentado um
consumo energético por habitante maior do que os países com um crescimento
demográfico maior, o que demonstra mais uma vez a fragilidade dos argumentos da
visão liberal/revisionista, como se pode ver no Quadro I:
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Quadro I – Consumo energético e crescimento demográfico
Áreas
Consumo energético por habitante( 1985)
(em TEP. Toneladas equivalente de petróleo)
Crescimento demográfico anual 1985= 2020
( em percentual)
Canadá 9,0 0,8
Estados Unidos 7,5 0,7
Norte da Europa 5,4 0,2
Austrália e Nova
Zelândia 4,8 1,0
União Soviética 4,7 1,0
Comunidade Europeia 4,0 0,1
Japão 3,0 0,7
América Latina 1,0 2,2
Ásia 0,4 2,4
África 0,4 3,0
Fonte: FOLADORI (2001a).
Os números acima mais uma vez demonstram que o binômio crescimento da
população e finitude dos recursos naturais não consegue explicar os problemas
relacionados à crise ambiental. Esse binômio é considerado de forma independente
das relações sociais capitalistas, não permitindo, assim, esclarecer as contradições
presentes nesse processo. É importante destacar que o crescimento desenfreado da
população pode ser um problema para o meio ambiente, mas isso vai depender de
muitas variáveis como, por exemplo, a distribuição desse crescimento no planeta e
principalmente os padrões de consumo dessa população. Isso fica claro nos dados
apresentados acima: países (ricos) que tiveram um crescimento demográfico menor
apresentaram um consumo energético maior, portanto, a análise do binômio
crescimento da população e finitude dos recursos naturais são insuficientes para
explicar a crise ambiental.
Outro argumento utilizado pelo campo liberal/revisionista para explicar as
causas da crise ambiental – que também aponta para a finitude dos recursos
naturais – são os atuais padrões de produção e consumo. Diferentemente das
questões relacionadas à população e meio ambiente que já persistem há quase dois
séculos, essa é uma preocupação que surgiu na década de 1960-1970.
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A crítica ao estilo de vida opulento e consumista proporcionado pela
sociedade capitalista teve início com o movimento hippie. Pessoas envolvidas nesse
movimento questionavam o consumo de aparelhos de TV cada vez mais eficientes,
automóveis cada vez mais velozes, esse ou aquele conforto. Posteriormente, os
padrões de consumo passaram a ser reconhecidos como uma das principais causas
dos problemas ambientais do planeta, tanto pela perspectiva liberal/revisionista
quanto pelo campo crítico. No entanto, as análises desses campos irão se
diferenciar, como poderá ser visto no decorrer do capítulo.
No final da década de 1960, o documento “Limites para o Crescimento”
defendeu numa perspectiva catastrófica que, o crescente consumo geral levaria a
humanidade a um limite de crescimento e, possivelmente a um colapso. Na década
de 1990, essa preocupação foi retomada na Conferência das Nações Unidas sobre
o Meio Ambiente e Desenvolvimento. A Agenda XXI, ao abordar o tema “Mudança
dos Padrões de Consumo”, diz que “[...] as principais causas da deterioração
interrupta do meio ambiental mundial são os padrões insustentáveis de consumo e
produção, especialmente dos países industrializados” (CMMAD, 1997, p. 39).
Reconhece ainda que, em determinadas partes do mundo, os padrões de consumo
são muito altos e que existe um amplo seguimento da sociedade que não é atendido
em suas necessidades básicas. É importante ressaltar que, apesar de o documento
reconhecer a desigualdade no consumo entre países ricos e pobres, as alternativas
recomendadas para o enfrentamento da problemática sugerem apenas mudanças
comportamentais na forma de consumir e produzir. Quanto à forma de consumir,
propõem que os governos devem estimular grupos de consumidores através da “[...]
oferta de informações sobre as consequências das opções e comportamentos de
consumo, de modo a estimular a demanda e o uso de produtos ambientalmente
saudáveis” (CMMAD, 1997, p. 44). Quanto ao processo produtivo, a alternativa
apresentada está na eficiência no uso da energia e dos recursos e ao
desenvolvimento de tecnologias ambientalmente saudáveis. O item 4.18 diz que
a redução do volume de energia e dos materiais utilizados por unidade na produção de bens e serviços pode contribuir simultaneamente para a mitigação da pressão ambiental e aumento da produtividade e competividade econômica e industrial. (CMMAD, 1997, p. 43).
Desse modo, apesar de o documento reconhecer uma diferença nos padrões
de consumo entre os países ricos e pobres, não apresenta, como já era esperado,
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as contradições presentes nesse processo. Não reconhece que o que leva a toda
essa problemática são as relações sociais que se firmam entre os seres humanos a
partir da maneira como se distribuem os meios de produção. Essa distribuição dos
meios de produção é que determina um ingresso diferente ao meio ambiente, graus
de interferências e de decisão sobre o uso do meio ambiente e a forma e o tipo de
recursos a utilizar e consumir.
Estudos recentes produzidos pela ONG internacional Word Wildlife Fund
(WWF), apresentados no relatório “Planeta Vivo” de 2010, também seguem a
mesma metodologia de análise. Com o objetivo de analisar os padrões globais de
consumo e o impacto sobre o meio ambiente, o estudo utilizou dados sobre o uso da
terra produtiva, recursos marítimos e emissões de dióxido de carbono e quantificou a
pressão exercida por consumidores médios nos ecossistemas naturais. Ao comparar
a pressão per capita e nacional em vários países e regiões, verificou-se que a
pressão per capita das nações industrializadas é quatro vezes maior em relação à
dos países de menor renda. Acima da média global estão os EUA, nações da
Europa Ocidental e da Ásia Centro-Oriental. É importante ressaltar que os países
ricos (menos de 20% da população planetária) são responsáveis por cerca de 80%
do consumo privado mundial, enquanto os pobres (cerca de 35% da população da
terra) representam apenas 20% do total do consumo privado. Vale dizer que se a
América Latina, a Ásia e a África tivessem o mesmo padrão de consumo dos países
ricos, seriam necessários mais dois planetas Terra para atender essa demanda.
Entre as conclusões presentes no relatório, tem-se que “a grande maioria dos seres
humanos está vivendo acima e além dos meios disponíveis no planeta”. Uma
segunda conclusão diz: “caso o modelo atual de consumo e degradação não seja
superado, é possível que os recursos naturais entrem em colapso a partir de 2030,
quando a demanda pelos recursos ecológicos será o dobro do que a terra pode
oferecer”.
Os dados demonstram que os atuais padrões de produção e consumo são
injustos socialmente e insustentáveis ecologicamente. Os resultados do estudo
produzido pela WWF são importantes, pois demonstram as iniquidades presentes no
acesso ao consumo pelo conjunto da humanidade. Além disso, ajudam a suplantar
um dos conceitos ilusórios mais generalizados: de que o planeta está sendo
destruído pelo conjunto da humanidade. Os números evidenciam que a
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responsabilidade pela destruição ambiental cabe, de forma quase total, à minoria
rica da humanidade. Os mais pobres geram um impacto bastante pequeno sobre
esse processo de destruição, consumindo pouquíssima matéria/energia e gerando
pouquíssimos dejetos.
No entanto, o estudo deixa de lado o cerne da discussão em relação a um
novo modelo de produção e consumo, que são os fins pelos quais esses recursos
estão sendo usados. São eles usados para produzir o quê, para quem e na
satisfação de quais interesses? Para produzir tanques ou arados? Para servir à
especulação fundiária ou para produzir alimentos? Para assegurar uma vida digna
às maiorias? Além disso, mais uma vez a preocupação central está relacionada à
finitude dos recursos naturais.
Por entenderem que a questão crucial em relação aos padrões de produção e
consumo se relaciona à finitude dos recursos naturais, as alternativas apresentadas
tanto nos documentos oficiais, como a Agenda XXI, quanto por ONGs visam
estimular novas formas de consumo. Nesse sentido vêm sendo construídas
propostas que consagram o mercado sem alterar o modo de produção capitalista,
como é o caso do consumo verde ou sustentável/responsável/eficiente. A proposta é
de que as pessoas continuem consumindo, só que agora produtos “ecologicamente
corretos”, saudáveis ao meio ambiente. Essa alternativa, dentro dos marcos do
mercado, garante que o ciclo produção/consumo se reproduza sem alteração do
modo de produção vigente.
Numa análise superficial pode-se compreender que os argumentos apontados
pela visão liberal/revisionista relacionado à população e meio ambiente e os altos
padrões de consumo estão ligados aos limites dos recursos naturais, levando ao
entendimento de que existe uma contradição insuperável entre um mundo com
recursos finitos e um crescimento infinito da produção. No entanto, quando se passa
por uma análise mais profunda, emergem várias dificuldades teóricas.
Para Foladori (2001a) a primeira dificuldade está relacionada à defesa da
finitude dos recursos naturais. De acordo com o autor, o planeta Terra, como tal, é
finito como lugar de vida, haja vista que qualquer espécie tem seu ciclo de vida
determinado. Isso significa que o problema não está na finitude dos recursos
naturais ou das espécies – já que o limite ou a finitude é uma característica da
própria vida na Terra –, mas sim, da velocidade de sua utilização. Portanto, nessa
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perspectiva, o problema dos limites deve ser considerado como um problema de
velocidade de utilização.
A segunda dificuldade está ligada à utilidade de um determinado recurso. Um
recurso pode ser ou não utilizado, estando seu caráter de utilidade ligado à evolução
através do tempo. Um dos exemplos é o petróleo: esse recurso passou a ser
utilizado sistematicamente em meados do século XIX; antes disso, apesar de existir,
não era considerado útil. Nesse sentido, o que conta é o ritmo da sua utilização, de
seu emprego pela sociedade humana. Para Foladori (2001a, p. 120) “ritmo e
utilidade, mostram que os limites físicos ao desenvolvimento humano dizem respeito
primeiro a como se produzem e se consomem os recursos, isto é aos ‘limites’
humanos, acima dos físicos”.
Nesse contexto, a contradição entre os limites físicos e o desenvolvimento
social é equivocada, uma vez que a sociedade nunca se defronta em seu conjunto
com limites físicos, pois, como muito bem esclarece Foladori (2001a, p. 18), “a
sociedade humana antes de deparar com limites naturais ou físicos está frente a
frente com as contradições sociais”.
Para Foladori (2011) colocar que existem limites físicos para o
desenvolvimento é uma forma de considerar os problemas ambientais como
técnicos. Não resta dúvida de que existem problemas técnicos no relacionamento
entre a sociedade e a natureza, mas estes estão subordinados a formas de
produção e organização social. No entanto, para a visão liberal/reformista, a técnica
é pensada fora de um marco de sistema de relações sociais ou modo de produção.
Portanto, nessa visão, as tecnologias são neutras e não resultado das relações
sociais. É por isso que as alternativas apresentadas pela perspectiva
liberal/revisionista em relação aos problemas ambientais vão privilegiar a técnica
como solução, além disso, “o discernimento de escolha de uma técnica por parte do
capital é a sua potencialidade de produção de mais-valia, mesmo quando se
encontram à disposição melhores alternativas relativas ao uso social, ao consumo
de energia e ao meio ambiente (ANDRIOLI, 2008, p. 14).
Quando se recorre à tecnologia como única solução no enfrentamento dos
problemas ambientais finge-se não ser necessário alterar as relações sociais de
produção da sociedade capitalista, o que dá origem a um pensamento mágico.
Segundo Andrioli (2008), esse pensamento vem predominando nas discussões em
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relação às alternativas para as questões ambientais. Por exemplo, existe a “crença”
de que o aumento da eficiência tecnológica pode permitir que a economia cresça
exponencialmente, ao mesmo tempo em que reduz as emissões de carbono e
outras formas de degradação ambiental. Isto significa ignorar que o aumento da
eficiência é utilizado para ampliar a escala do sistema, reduzindo ou eliminando os
eventuais ganhos de aumento de eficiência energética.
A perspectiva liberal/revisionista considera, ou melhor, crê que a tecnologia é
a solução para os problemas ambientais. Em relação aos padrões de produção e
consumo, tanto as propostas oficiais, como Agenda XXI, quanto as propostas das
organizações da sociedade civil, que comungam com essa perspectiva, são
unânimes em apontar a tecnologia aliada a um trabalho educativo como o caminho
para que se atinja a qualidade ambiental e o chamado desenvolvimento sustentável.
Analisando o conteúdo, as estratégias, as bases de ação do capítulo 4,
“Mudanças de padrões de consumo” da Agenda XXI, entre outras recomendações,
destacam-se: a) estímulo à difusão de tecnologias ambientalmente saudáveis já
existentes; b) estímulo ao uso ambientalmente saudável de fontes de energia novas
e renováveis, c) estímulo à reciclagem no nível dos processos industriais e do
produto consumido; d) estímulo à redução do desperdício na embalagem dos
produtos; e) conscientização dos consumidores acerca do impacto dos produtos
sobre a saúde e meio ambiente por meio de uma legislação que proteja o
consumidor e de uma rotulagem com indicações ecológicas; f) estímulo a
determinados programas expressamente voltados para interesses do consumidor,
como a reciclagem, sistemas de depósitos e restituição.
Essas recomendações deixam claro que as mudanças propostas são
atreladas aos mecanismos de mercado e se adaptam perfeitamente ao modelo
econômico vigente. Tomando como exemplo a reciclagem, pode-se dizer que esta é
uma condição importante para a conservação dos sistemas materialmente limitados,
porém, realizada isoladamente, não é condição suficiente, pois visa apenas
“desobstruir o gargalo”, se adaptando ao modelo econômico atual através de uma
visão utilitarista de curto prazo, mantendo a associação entre consumo e qualidade
de vida. Além disso, a ênfase na reciclagem acontece porque não entra em conflito
com o capital.
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Além das questões já levantadas, pode-se dizer que as tecnologias modernas
e capitalistas têm sido de natureza antiecológica e não ecológica, pois são
oferecidas como soluções para a crise ecológica global uma série de “tecnologias
ilusórias e perigosas. Uma das alternativas oferecidas como solução para a
substituição dos combustíveis fósseis e que tem demonstrado a sua natureza
antiecológica é a energia nuclear. Os desastres nucleares, primeiro nos Estados
Unidos (Three Mile Island)14, depois na Ucrânia (Chernobyl)15 e recentemente no
Japão16 são a expressão mais clara do “horror produtivo capitalista, do acúmulo de
forças destrutivas e tecnologias de morte e da devastação ambiental e dos resíduos
tóxicos que crescem em escala meteórica e em poder de destruição quase sem
limites” (DANTAS, 2010, p. 22).
Para o referido autor, a tecnologia nuclear é fruto da indústria armamentista,
dos investimentos públicos aliados aos oligopólios do setor bélico que inicialmente
acumularam milhares de ogivas nucleares de todo o tipo e em todo lugar. Além
disso, “as conveniências da acumulação do capital – iniciando pela conveniência do
setor bélico – ditaram a escolha desse modelo, agudizada diante do horror de cada
novo acidente nuclear” (DANTAS, 2010, p. 23). Ele ressalta ainda que com a
operação das centrais nucleares e o recurso da bomba atômica chegou-se ao
paradoxismo, no qual os capitalistas já contam com o poder de contaminação e
devastação biológica de longa duração.
Como se pode ver, as alternativas antiecológicas são respostas parciais que
não cooperam para uma mudança substantiva da realidade, mas se configuram
como paliativos que têm como objetivo principal contribuir para o crescimento
econômico e dos lucros, não para a sustentabilidade. Além disso, “são formas de
negação, na tentativa de evitar o problema do próprio capitalismo“ (FOSTER, 2010,
p. 18). Como muito bem disse Daniel Bensaid, citado por Diaz e Zusman (2010, p.
11), “o que está em jogo e se decide na luta de classes nunca é redutível a uma
14Three Mile Island é a localização de uma energia nuclear que em 28 de março de 1979 sofreu uma fusão parcial, havendo vazamento de radiotividade para a atmosfera. A central nuclear fica na Pensilvânia. 15 Chernobyl foi uma central nuclear construída pela União Soviética em meados de 1970. Em abril de 1986, ocorreu o um acidente, no qual um reator da central da usina explodiu e liberou uma imensa nuvem radioativa, contaminando pessoas, animais e o meio ambiente de uma vasta extensão. 16 A central nuclear de Fukushima, localizada no Japão, sofreu uma explosão, em março de 2011, em virtude de um tsunami. O acidente foi considerado maior do que os de Therre Mile Island e Chernobyl.
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polêmica de especialistas, que intervêm para defender a inocência da técnica, ou
para estabelecer cientificamente uma política ecológica”.
Além da crença na tecnologia como solução para os problemas ambientais,
uma explosão a visão liberal/revisionista entende que os instrumentos econômicos
são condições fundamentais para a crise ambiental alcançar o “desenvolvimento
sustentável”. Entre eles, destaca-se: Protocolo de Quioto e Normas ISO de gestão
ambiental.
O Protocolo de Quioto institui um mecanismo de compra e venda de “licença
para poluir” tal como qualquer outra mercadoria. As nações ricas ganham o direito
de poluir, aumentando a produção industrial e compensando suas emissões de
carbono através de um mecanismo de mercado, ou seja, compram as cotas dos
países pobres, possuidores de baixa atividade industrial para manterem o
crescimento econômico. Trata-se do velho princípio: “eu pago, eu poluo”. Apesar de
ter como proposta a redução das emissões de carbono na atmosfera para o ano de
2012 numa média de 5,2% em relação aos níveis de 1990, o que poderia ser
considerado como uma razoável alternativa, na realidade o protocolo não propõe
mudanças substantivas. Como visto, essa “alternativa” não modifica em nada a
depredação que vem sendo realizada principalmente pelos países ricos, ao
contrário, ainda autoriza oficialmente esses países a continuarem poluindo.
Outro instrumento utilizado como alternativa para enfrentar os problemas
ambientais é a série ISO 1400017. Esta série, Também dentro dos marcos do
mercado, tem como proposta promover o desenvolvimento econômico frente à
questão ambiental. Tem como eixo central estabelecer os requisitos necessários
para a implantação de um Sistema de Gestão Ambiental (SGA) numa determinada
empresa.
Os instrumentos econômicos são considerados como um conjunto de
mecanismos que afetam o custo-benefício dos agentes econômicos e que envolvem
tanto transferências fiscais entre os agentes e a sociedade (impostos, taxas,
subsídios, etc.) quanto a criação de mercados artificiais (licenças negociáveis de
poluição, mercados de reciclados, etc.). Estes instrumentos têm como proposta a
mudança de comportamento dos usuários desses recursos, de modo que incluam
17 A ISO 14001 é uma norma internacionalmente conhecida que define o que deve ser feito para estabelecer um Sistema de Gestão Ambiental (SGA) numa determinada empresa.
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em seus custos os aspectos ambientais das atividades poluidoras. A criação de
mercados artificiais, em que os agentes podem transacionar produtos, quotas de
licenças que não tinham valor econômico antes da criação deste mercado, entre os
tipos de mercados destacam-se o Mercado de reciclados e o Ecobusiness. Além
destes, é importante destacar o “Índice Dow Jones de sustentabilidade”, que tem
como objetivo medir o desempenho financeiro das empresas com melhor
desempenho socioambiental. Esse índice se tornou atualmente a principal
ferramenta de escolha de ações de empresas com responsabilidade social e
ambiental (SEIFERT, 2010).
A partir dessas reflexões, pode-se dizer que as alternativas defendidas pela
perspectiva liberal/reformista preconizam a capacidade de superar a crise ambiental
dentro da ordem do capital. Entende que é possível reformar o capitalismo, atingir
um capitalismo mais verde, mais respeitoso com o meio ambiente com propostas
que se restringem a processos de produção, tecnologia, reciclagem, eficiência
energética, consumo responsável, entre outras, despolitizando o debate.
Dentro dessa perspectiva, pode-se dizer que a visão reformista possui uma
crítica limitada, pois traz ações remediadoras, ajustes nos efeitos e consequências.
De acordo com Michel Löwy diz (2008, p. 80), “soluções que aceitam as regras do
jogo capitalista, que aceitam a lógica de expansão infinita do capital, não são
soluções, pois são incapazes de responder os desafios dessa crise”. Essas ações
reformistas, remediadoras, não são surpresa e nem poderia ser de outra maneira,
pois enfrentar a destruição ambiental em suas causas exige a adoção de estratégias
reprodutivas que mais cedo ou mais tarde enfraquecerão inteiramente a viabilidade
do sistema do capital.
Para finalizar, é importante ressaltar que o campo revisionista/liberal tem
como denominador comum a despolitização da questão ambiental. Nesse sentido,
Coggiola (2010, p. 8) argumenta:
[...] fala-se do meio ambiente e do planeta, como se fala do tratamento de um enfermo, que se tem que curar, mas em nenhum caso descrevem que “vírus” provocam a enfermidade. Escondem-se as forças que destroem o meio ambiente, e também os milhares de milhões de marginalizados, que sofrem as principais consequências.
Coggiola ressalta que trata-se de um discurso pomposo e vazio, com o qual
se constrói o mito reacionário de que, diante da degradação ecológica, toda a
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humanidade é igual em responsabilidade (sem distinção de classes ou países) e
estaria unida pelos laços indissolúveis de interesses comuns de sobrevivência. Fala-
se de recursos comuns da humanidade esquecendo-se de que muitos destes são
vedados para a maioria.
2.2 A crise am bienta l e a v isão crítica : para um a perspectiva
dialé tica e de to ta lidade
A perspectiva crítica, diferentemente da proposta liberal/reformista, entende
que a chamada “crise ambiental” deve-se a um conjunto de variáveis interconexas,
dadas em bases sociais, econômicas, culturais e políticas, estruturalmente
desiguais, que conformam a sociedade capitalista. Portanto, para essa visão, a
“crise ambiental” não tem como causa o desenvolvimento tecnológico, o excesso de
população, os altos padrões de produção e consumo, mas é de responsabilidade da
lógica destrutiva da acumulação do capital. Diz respeito a um processo que tem
duas fontes privilegiadas de riqueza: a exploração da força de trabalho, através da
retirada da mais-valia e a exploração dos recursos naturais. É nesse sentido que
compreende que na batalha para a preservação do meio ambiente encontra-se a
mesma luta que existe em qualquer outro movimento: o enfrentamento irreconciliável
entre as distintas classes sociais, “entre os que vivem do sistema e os que pretendem
superá-lo para erradicar uma vez por todas a exploração do homem pelo homem, e a
exploração demente e depredadora da natureza” (COGGIOLA, 2010, p. 8).
Essa perspectiva está longe de ser politicamente homogênea, mas a maioria
dos seus representantes compartilha de alguns princípios vitais. Entre eles pode-se
destacar: utilização do referencial teórico metodológico histórico dialético como
método de análise, a vinculação entre a crise ambiental e o modelo de produção
capitalista e, por fim, associação entre a transformação social com a transformação
da relação humana com a natureza.
2.2.1 A crise ambiental e o debate entre os ecossocialistas no interior da tradição marxista
Conforme foi visto, a perspectiva crítica defende que a crise ambiental é de
responsabilidade da lógica destrutiva da acumulação do capital, ou seja, tem sua
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origem nos fundamentos e nos princípios do funcionamento do capitalismo. No
entanto, apesar de seus representantes compartilharem dessa visão, não há um
consenso no campo crítico em relação principalmente a duas questões. A primeira é
quanto ao papel das forças produtivas no novo modelo econômico e a segunda se
relaciona às consequências da crise ambiental sobre o sistema do capital. Este item
se propõe a discutir as principais concepções desse campo, procurando construir
uma perspectiva de totalidade.
Para Michel Löwy (2005, p. 47), o ecossocialismo é uma corrente que tem
como objetivo articular as ideias fundamentais do socialismo marxista18 com as
aquisições da crítica ecológica. Em suas palavras, o ecossocialismo é:
[...] uma corrente de pensamento e ação que adota as aquisições fundamentais do marxismo – desembaraçando-o de todos os seus resíduos produtivistas. Para os ecossocialistas a lógica do lucro – da mesma forma que a lógica do autoritarismo burocrático do antigo “socialismo real” – são incompatíveis com as exigências de salvaguarda do meio ambiente natural.
Apesar de não ser uma corrente homogênea, a maior parte dos seus
representantes19 partilha de um tema em comum, que é a defesa do rompimento da
ideologia produtivista do progresso (seja na sua forma capitalista ou burocrática) e
se opõe à ideia de expansão até o infinito de um modo de produção e de consumo
destruidor da natureza.
Para Löwy (2005, p. 49-50), o entendimento ecossocialista baseia-se em dois
argumentos essenciais:
1. modo de produção e de consumo atual dos países capitalistas avançados, fundado numa lógica de acumulação ilimitada (do capital, dos lucros, das mercadorias), do esgotamento dos recursos, do consumo ostentatório, e da destruição acelerada do meio ambiente, não pode, de modo algum, ser expandido para o conjunto do planeta, sob pena de uma crise ecológica maior.
18 É importante ressaltar que, se por um lado, para o ecossocialismo, a crítica do capitalismo de Marx e Engels é o fundamento indispensável de uma perspectiva ecológica radical, por outro, entende que os escritos desses autores sobre a relação entre as sociedades humanas, além de não ocuparem lugar central no dispositivo teórico marxiano, estão longe de serem unívocos, e podem, portanto ser objeto de interpretações diferentes (LÖWY, 2005). 19 De acordo com o Michel Löwy (2005) o ecossocialismo se desenvolveu sobretudo durante os últimos trinta anos, graças às obras de pensadores do porte de Manuel Sacristan, Raymond Williams, Rudolf Bahro e André Gorz (nos seus primeiros escritos), bem como as contribuições de James O’ Connor, Barry Commoner, John Bellamy Foster, Joel Kovel, Juan Martinez Allier, Francisco Fernandes Buey, Jorge Riechman, Jean-Paul Déléage, Jean Marie Harribey, Elmar Altvater e Frieder Otto Wof, numa rede de revistas como Capitalim, Nature e Socialism, Ecologia Política, etc.
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2. [...] a continuação do “progresso” capitalista e a expansão da civilização fundada na economia de mercado – mesmo sob essa forma brutalmente desigualitária – ameaça diretamente, a médio prazo (qualquer previsão seria arriscada), a própria sobrevivência da espécie humana. A preservação do meio ambiente natural é, portanto um imperativo humanista.
Quanto às alternativas, Michel Löwy propõe um socialismo ecológico com a
implantação de uma política monetária fundada em critérios não-monetários e
extraeconômicos. Para tal, é necessária a substituição da microrracionalidade do
lucro por uma macrorracionalidade social e ecológica. Para atingir esse objetivo, é
necessária uma reorientação tecnológica que vise à substituição das atuais fontes
de energia por outras não-poluentes e renováveis, tais como a energia eólica ou
solar. Segundo Löwy (2005, p. 52), “a questão que se coloca é a do controle dos
meios de produção sobretudo, das decisões de investimentos e de mutação
tecnológica, que devem ser arrancadas dos bancos e das empresas capitalistas
para tornar um bem comum da sociedade”.
Para os ecossocialistas a mudança não se dará apenas na produção, mas
também no consumo. O problema da civilização não é apenas o consumo excessivo
da população, e muito menos a solução está ligada apenas à limitação geral do
consumo dos países ricos. Eles defendem que a construção de uma nova ordem
econômica exige, além das questões levantadas anteriormente, a crítica ao tipo de
consumo atual, fundado na ostentação, no desperdício, na alienação mercantil, na
obsessão acumuladora.
Os ecossocialistas também ressaltam que uma reorganização de conjunto do
modo de produção e consumo deve ser fundada em discernimentos exteriores ao
mercado capitalista. Ou seja, propõem fundar a produção não mais em critérios do
mercado e do capital, a rentabilidade, o lucro, a acumulação, mas “na satisfação das
necessidades sociais, o bem comum, na justiça social. Trata-se de valores
qualitativos, irredutíveis à quantificação mercantil e monetária” (LÖWY, 2005, p. 71).
Para isso, é necessária uma economia de transição para o socialismo fundado na
escolha democrática de prioridades e dos investimentos pela própria população e
não pelas leis do mercado ou por um “politburo onisciente”. Isso requer um
planejamento democrático (local, nacional) que defina:
1) Quais produtos deverão ser subvencionados ou até mesmo distribuídos gratuitamente; 2) quais opções energéticas deverão ser seguidas (ainda que não sejam as mais rentáveis; 3) como reorganizar o sistema de transportes, em função dos critérios sociais e ecológicos; 4) quais medidas tomar para
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reparar, o mais rápido possível, os gigantescos estragos do meio ambiente deixados “como herança” pelo capitalismo (LÖWY, 2005, p. 53).
De acordo com a proposta ecossocialista, essa transição levaria não apenas
a um novo modo de produção e a uma sociedade mais igualitária e democrática,
mas também a um modo de vida alternativo, a uma civilização nova, ecossocialista,
“para além do reino do dinheiro, dos hábitos de consumo artificializado induzidos
pela publicidade, e da produção ao infinito de mercadorias nocivas ao meio
ambiente” (LÖWY, 2005, p. 53).
Pode-se dizer que as questões levantadas até aqui não apresentam
divergências profundas entre as correntes do campo crítico. No entanto, dois
argumentos discutidos pelos ecossocialistas divergem do entendimento de alguns
pensadores vinculados à tradição marxista. O primeiro, como já foi dito, é o papel
das forças produtivas no novo modelo econômico, e o segundo está relacionado às
consequências da crise ambiental para o capital.
Quanto ao papel das forças produtivas, os ecossocialistas criticam a visão de
alguns pensadores da tradição marxista que utilizam algumas passagens de Marx
concebendo o aparelho produtivo “neutro” e o seu desenvolvimento ilimitado. Os
ecossocialistas argumentam que é fundamental negar essa perspectiva e propõem a
inspiração em algumas observações de Marx sobre a Comuna de Paris: “os
trabalhadores não podem apoderar-se do aparelho de Estado capitalista e pô-lo em
funcionamento em benefício próprio. Devem “quebrá-lo e substituí-lo por outro, de
natureza totalmente distinta, uma forma não estatal e democrática de poder político”
(LÖWY, 2005, p. 55). Eles assinalam que o mesmo vale para o aparelho produtivo,
pois entendem que por sua natureza e estrutura, ele não é neutro, mas está a
serviço da acumulação do capital e da expansão ilimitada do mercado.
É importante ressaltar que a crítica dos ecossocialistas está direcionada a
uma leitura mecanicista de Marx, pois entendem que a acusação principalmente dos
ecologistas em relação a uma visão produtivista de Marx e Engels não tem
procedência. De acordo com Löwy (2005, p. 23),
[...] ninguém denunciou tanto quanto Marx a lógica capitalista de produção pela produção, a acumulação do capital e de mercadorias como fim em si. A idéia mesma do socialismo – ao contrário de suas miseráveis contrafações burocráticas – é a de uma produção de valores de uso, de bens necessários à satisfação das necessidades humanas. O objetivo supremo do progresso técnico para Marx não é o crescimento infinito de bens (“o ter”) mas a redução da jornada de trabalho e o crescimento do tempo livre (“o ser”).
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É certo que a compreensão do aparelho produtivo como neutro e o seu
desenvolvimento ilimitado não coadunam com um novo modelo econômico que leve
em conta o metabolismo entre sociedade e natureza. Essa compreensão é fruto de
uma leitura mecanicista das ideias de Marx e Engels20, sem considerar o contexto
histórico atual.
Outra questão que vem trazendo um debate e um embate entre os partidários
da corrente crítica está relacionada às consequências da crise ambiental para o
capital. O debate teórico vem se dando principalmente entre dois economistas: o
americano James O’ Connor, da corrente ecomarxista ou ecossocialista, e o francês
François Chesnais, da tradição marxista, assumida como ortodoxa.
O economista marxista americano O’Connor (2003), no artigo “És possível el
capitalismo sostentável?” propõe compreender as consequências da crise ambiental
através de uma “reconstrução” da teoria das crises a partir das ideias de Marx. Ele
considera que além da primeira contradição21 entre as forças de produção e
relações de produção, o capitalismo hoje estaria confrontando uma segunda
contradição, que se situaria no nível das “condições gerais de produção”.
As condições de produção originalmente definidas por Marx são: a força do
trabalho humano, o que Marx chamou de “as condições pessoais de produção”; o
ambiente, que Marx chamou de condições naturais ou externas de produção; e por
último as condições gerais, comunitárias de produção.
No entendimento de O’Connor (2003), Marx proporcionou um ponto de partida
para compreender essas questões, mas considera ser necessária uma teoria mais
refinada. Partindo de Karl Polanyi (1980), em sua obra “A grande transformação”,
O’Connor defende que as condições de produção indispensáveis à acumulação não
são produzidas como mercadorias de acordo com as leis de mercado (lei do valor),
mas são tratadas como se fossem mercadorias. Em outras palavras, trata-se de
20 Um dos exemplos de uma leitura mecanicista e que não considera o contexto, que deu margem para uma visão produtivista do aparelho produtivo é o texto do “Prefacio à contribuição à crítica da economia política”. É certo que é um dos textos mais marcados pela filosofia do progresso, pelo cientificismo e por uma visão menos problematizadora das forças produtivas. No entanto, como diz muito bem Chesnais (2003) que se auto intitula marxista ortodoxo, “retomar a Marx não quer dizer tentar sustentar que ele bem como Engels não tenham escrito coisas contraditórias ou defendido posições cuja conciliação nem sempre é evidente”. Os textos de Marx “[...] devem ser colocados em seu contexto, aquele das grandes exposições universais que marcaram todos os que viram”. 21 A primeira contradição, de acordo com a teoria marxiana, se situa no nível de superprodução de mercadorias e de superacumulação do capital. O primeiro capítulo desse estudo refletiu sobre essa concepção.
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bens fictícios com preços fictícios. Elas incluem os meios de comunicação e as
infraestruturas, as condições pessoais de produção do trabalhador, as condições
físicas externas (meio ambiente). Essas condições de produção são o lugar da
“segunda contradição”: os custos do trabalho, da natureza, da infraestrutura e do
espaço aumentam de modo significativo, pondo em evidência uma segunda
contradição, uma crise econômica vinda do lado da oferta.
Essa crise de custos se origina de duas maneiras. A primeira ocorre quando o
capital realiza a reparação das infraestruturas necessárias à produção que não
tiveram manutenção ao longo do tempo, que foram descuidadas, ocasionando uma
degradação que acaba por elevar os custos. A segunda maneira se apresenta
quando o capital por reivindicação dos movimentos sociais é levado a investir na
melhoria das condições de vida dos trabalhadores e no meio ambiente, elevando,
mais uma vez, os custos da produção. Para O’Connor (2003), as duas maneiras de
aumento dos custos se combinam e interagem em formas contraditórias e
complexas, levando a possibilidade de uma segunda contradição do capital – uma
crise econômica que surge ao lado dos custos, isto é, a redução dos lucros gerado
pela contradição entre o capital e a natureza (e outras condições de produção).
Para O’Connor (2003) a presença dessas dificuldades importantes no
abastecimento da força de trabalho, recursos naturais e infraestrutura e espaço
urbano tornam-se uma ameaça na viabilidade das condições de unidades individuais
do capital. Estas dificuldades poderiam chegar a ameaçar a sustentabilidade do
capitalismo, elevar os custos e afetar a flexibilidade do capital. Ademais, essa
segunda contradição colocaria em perigo e até destruiria as condições de produção
e reprodução do capital, configurando-se como um limite deste. Nesse contexto,
O’Connor defende que a crise ambiental pode colocar em perigo ou até pode
destruir as condições de produção e reprodução do capital, portanto, pode ser um
limite para o próprio capital.
Para Chesnais e Serfati (2003) apesar de as condições de produção serem
importantes no processo de produção e acumulação do capital, a visão de O’Connor
parece ter limitações e, portanto, é criticável. Entre as críticas apresentadas pelos
autores, ressalta-se: 1) a definição de condições de produção utilizada, tendo como
referência Polany, que se refere explicitamente a “mercadorias fictícias” (o trabalho,
a terra, a moeda) e nega a teoria do valor-trabalho. Esse entendimento contrapõe
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uma das principais ideias da tradição marxista, a qual entende que a força de
trabalho é a mercadoria por excelência, pois é a única que produz mais valor do que
custa; 2) a degradação das condições de saúde dos assalariados apontada por
O’Connor não reflete uma contradição. Ela reflete a liberdade recuperada do capital
em explorar um exército industrial de reserva mundial que leva o capital a buscar
eliminar aquilo que, agora, considera um constrangimento insuportável; 3) Quanto
aos meios de comunicação, às infraestruturas que Marx designa sob o termo de
capital fixo imobilizado, eles apresentam, decerto, particularidades importantes do
ponto de vista da acumulação, pois nesses setores o retorno sobre o investimento é
mais fraco e mais lento. Em geral o capital não gerencia diretamente a exploração e
a confie no Estado. Mas isso não tem nada a ver com “mercadoria fictícia”; 4) No
total, a situação criada para a força de trabalho, bem como as condições exteriores
de produção (a natureza) não traduz num estatuto de mercadorias fictícias, mas ao
contrário, de mercadorias cujo custo deve ser reduzido sem levar em consideração a
sua reprodução; 5) a exploração do homem e a da natureza até o esgotamento não
reflete uma contradição do capitalismo, mas o antagonismo profundo entre este e as
necessidades da humanidade; 6) na visão marxiana e na tradição marxista, é no
âmago dos mecanismos de criação e apropriação da mais-valia que se assentam os
limites do capital, ou seja, “a barreira efetiva da produção capitalista é o próprio
capital” (MARX, 1988, p. 287). Sendo assim, os limites absolutos, os obstáculos que
impedem a expansão do capital, não estão ligados às condições de produção, e sim
ao próprio capital.
Sendo assim, Chesnais e Serfati não consideram que pelo viés da destruição
ou dos danos graves ao ambiente natural o capitalismo poria em perigo, e até
destruiria, suas próprias condições de reprodução e de funcionamento enquanto
capitalismo, portanto, não aderem à tese da segunda contradição. Para eles, o
capital representa uma barreira, ou uma ameaça para a humanidade, e no imediato,
para certas parcelas específicas desta, mas não para o capital em si. Compreendem
que a crise ambiental não é fator central de crise para o capitalismo, mas ao
contrário, defendem que o capital vem transformando as poluições industriais, bem
como a rarefação e/ou a degradação de recursos, como a água e até o ar, em
“mercados”, isto é novos campos de acumulação.
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As questões levantadas por Chesnais e Serfati são coerentes com a tradição
marxista. No entanto, procurando compreender essa questão numa perspectiva
dialética e de totalidade, é possível entender que a crise ambiental pode ser ao
mesmo tempo uma barreira (o limite, o fim da espécie humana) e também uma
alavanca para o capital. Isto significa que uma face não exclui a outra, as duas faces
se opõem e, no entanto, constituem uma unidade.
A possibilidade de entender a “crise ambiental”, tanto como um limite quanto
uma alavanca para o capital tem como base a perspectiva dialética marxista de
compreensão da realidade. Essa visão permite compreender os fenômenos a partir
de um todo, considerando as suas contradições e a sua permanente transformação.
Considerando as “Leis da dialética” de Engel (2000), compreender um fato a
partir do ponto de vista dialético é estudá-lo nos seus movimentos, na sua mudança.
É considerar que nada é eterno, salvo a mudança, e que esse fenômeno não foi
sempre o que é, que sofre transformações e que sofrerá no futuro outras mais. Além
disso, é perceber que todos os fenômenos são ao mesmo tempo ele e seu contrário,
pois em todos os fenômenos lutam duas forças contrárias, forças internas que se
movem, ora no sentido da afirmação, ora no sentido da negação. Essas forças
contrárias, ou unidade dos contrários, são a afirmação e a negação coexistindo no
mesmo ser e no mesmo tempo.
É essa perspectiva que faz, por exemplo, entender que o trabalho é, ao mesmo
tempo, emancipador como atividade essencial humana e alienante quando colocado a
serviço do capital. Além disso, o trabalho entendido como “atividade essencial/vital
humana” produtora de valores de uso pode ser uma barreira ao processo de
acumulação capitalista (luta por salários, qualidade de vida). Entretanto, o trabalho
subsumido ao capital, transformado em trabalho-alienado, produtor de valor-de-troca,
é a base do processo de acumulação capitalista. É com base nesses argumentos que
esse estudo parte da tese que a “crise ambiental” pode ser ao mesmo tempo um limite
para o capital e para a humanidade como também uma alavanca para o capital
através da criação de novos campos de acumulação. Para evidenciar essa tese, foi
escolhido como exemplo um dos maiores problemas ambientais da atualidade, as
mudanças climáticas, como se poderá ver no próximo item.
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2.3 M udanças c lim áticas: lim ite e alavanca para o cap ita l
A mudança do clima é considerada um dos maiores desafios da humanidade.
Estudos apresentados pelo 4º Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007, confirmaram que os atuais níveis de
concentração de Gases de Efeito Estufa (GEE) são preocupantes. Os
pesquisadores preveem que a temperatura média do planeta pode se elevar entre
1,8º C e 4º C, o que levará a uma alteração drástica no meio ambiente.
Esse cenário de elevação da temperatura poderá acarretar vários impactos
climáticos e afetará cada parte do planeta de forma diferenciada e incerta. No que se
diz respeito aos presumíveis efeitos diretos, estão os eventos climáticos extremos,
como furacões, tufões, tempestades, desertificação, cheias e estiagens mais
severas e elevação do nível dos oceanos. Além de colocarem em risco a vida de
grandes contingentes urbanos, tais mudanças no clima do planeta podem
desencadear epidemias e pragas, ameaçar a infraestrutura e o abastecimento de
água e luz, bem como comprometer os sistemas de transporte.
Para Hargrave, Motta e Luedemann (2011), a mudança do clima é uma das
externalidades negativas mais difíceis para lidar, pois sua dimensão global a torna
mais complexa e incerta do que a maioria das outras externalidades que ocupam a
teoria econômica. Para eles, suas causas e suas possíveis consequências estão
incluídas em quase todos os processos econômicos e atingem todas as pessoas e
seus países, com seus ecossistemas e biodiversidade. Ressaltam que modelar e
comparar os riscos e as incertezas relacionadas às mudanças climáticas tem sido
um dos maiores desafios vividos pelos economistas.
Tol (2009 apud HARGRAVE; MOTTA; LUEDEMANN, 2011) reuniu alguns
resultados mais recentemente publicados por autores da economia climática e
buscou padrões de consenso entre eles. O primeiro consenso identificado é de que
o impacto negativo no bem-estar relacionado à duplicação da concentração de
Gases efeito estufa - GEE na atmosfera é relativamente pequeno – poucos
percentuais de PIB. Considera esses custos como não negligenciáveis e que, como
perdas identificadas afetariam as economias para sempre, seria justificável que
esforços fossem feitos para evitar os custos. O segundo consenso entre os autores
é que haveria pequenos ganhos econômicos a curto prazo – até a metade do
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século, com aumentos de temperatura de 1º C a 2º C – seguidos por perdas
substanciais a longo prazo. Esses benefícios seriam centralizados na zona
temperada, onde se concentra a maior parte do PIB mundial, e estariam em grande
parte relacionados à redução de custos de aquecimento e à diminuição das doenças
relacionadas ao frio. O terceiro consenso seria o de que os impactos adversos das
mudanças climáticas devem se concentrar nas regiões mais pobres. Por último, Tol
destaca que é muito mais fácil imaginar um cenário desastroso do que um boom
econômico relacionado ao fenômeno.
Um estudo que vem sendo utilizado como referência para pensar as
consequências econômicas e sociais dos efeitos das mudanças climáticas é o
“Relatório Stern”, publicado em 2007. Esse estudo, encomendado pelo governo
britânico, faz uma extensa descrição dos danos que podem ocorrer por conta do
aumento de temperatura e, também, de como estes devem se concentrar nas
regiões mais pobres, como no caso da redução das culturas agrícolas da África. Ele
também ilustra os danos potenciais, trazendo dados sobre os problemas ambientais,
como a perda da biodiversidade prevista pelo aquecimento global. A pesquisa se
apega ao princípio da precaução, considerando que deve-se “pagar um seguro”
contra os possíveis desastres climáticos, diferente dos estudos anteriores que
recomendam ações gradualistas baseadas em custos e benefícios a curto prazo
(HARGRAVE; MOTTA; LUEDEMANN, 2011).
O Relatório Stern afirma que todas as análises do estudo levam à conclusão
de que os benefícios de uma ação contígua e ousada de combate às mudanças do
clima ultrapassam os custos. Para Hargrave, Motta e Luedemann (2011), essa
afirmação está em desacordo com a maioria das investigações que foram realizadas
anteriormente, que aconselham uma mitigação mais gradual das emissões. O
relatório afirma que, se o mundo prosseguir nesse cenário, podem acontecer
fraturas nas futuras atividades econômicas (na segunda metade deste século e no
próximo) similares às das grandes guerras e da crise econômica de 1929. Os
autores concluem que se a sociedade não atuar ligeiramente, os custos e os riscos
do clima serão possivelmente relativos à perda de 5% do PIB mundial a cada ano,
agora e para sempre. Outros fatores podem elevar esse percentual a até 20%, se
forem considerados juntos nas análises fatores como: impactos diretos no meio
ambiente, nos serviços ecossistêmicos e na saúde humana, efeitos de
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retroalimentação possíveis em diversos fenômenos e uma ponderação especial
entre as diferentes regiões que colocasse mais peso para as perdas das regiões
mais pobres, uma vez que o impacto sobre estas é desproporcionalmente maior
devido sua vulnerabilidade a eventos climáticos extremos e à mudança do clima.
As respostas visualizadas para enfrentar esse cenário, adotadas pela
Convenção Quadro de Mudanças Climáticas das Nações Unidas22 e utilizadas como
diretrizes tanto para as políticas públicas dos países signatários da Convenção
quanto para o mercado, têm sido a mitigação e a adaptação. Para Almeida (2009), a
mitigação significa reduzir ou eliminar as ações geradoras dos impactos, ou seja, é a
redução pela demanda por bens e serviços que provocam grandes emissões.
Portanto, mitigar o aquecimento global significa reduzir as emissões dos gases de
efeito estufa em escala global para reduzir riscos e magnitudes dos impactos. Já a
adaptação é um processo pelo qual as sociedades se tornam capazes de lidar com
um futuro incerto. Adaptar-se à mudança do clima significa tomar as medidas
ajustadas para reproduzir os efeitos negativos das mudanças climáticas (ou explorar
os efeitos positivos). A mitigação lida com as causas dos problemas, enquanto a
adaptação lida com os efeitos – o que já estão ocorrendo e os que são previsíveis.
Para Almeida (2009), o planejamento e a execução de uma estratégia de
adaptação podem gerar benefícios palpáveis para as empresas, como: vantagens
competitivas, economia de recurso, controle da pressão de investidores, gestão da
regulação estatal, estímulo à resiliência das comunidades e gestão da
responsabilização da empresa. Para o autor, pode ser apropriado para a empresa
implantar o processo de adaptação não apenas em suas operações, mas em sua
cadeia de fornecedores, e, além disso, envolver, através de parcerias, as
comunidades no entorno e a sociedade em geral. Ainda em relação às
oportunidades de adaptação, o WBCSD – Word, Business Council Sustainable
Development, a principal plataforma empresarial do mundo também aponta a
possibilidade de as empresas desenvolverem outros produtos e serviços e criarem
novos mercados em nível regional e global23.
22 A Convenção Quadro de Mudanças Climáticas da ONU (CQNUMC) foi adotada durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992 no Rio de Janeiro – CNUMAD ou Rio-92. A CQNUMC é um acordo internacional, assinado por 192 países, que estabelece objetivos e regras para o combate ao aquecimento global. 23 No Brasil, o representante do WBCSD é Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável.
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Para o WBCSD, riscos e oportunidades caminham lado a lado. Por um lado,
os riscos podem ocorrer na agricultura, na pesca e no reflorestamento, como por
exemplo: perda de competitividade diante de novas regiões de plantio, interrupção
de suprimento devido à inadequação de locais para a cultura, alteração no preço e
disponibilidade de commodities, dificuldades para a irrigação devido ao estresse
hídrico e, derivado dos anteriores, o risco de impossibilidade de cumprimento de
obrigações contratuais. Por outro, passam a existir oportunidades potenciais abertas
pelo aumento de colheitas, devido ao aumento de temperaturas em climas
temperados e ao desenvolvimento de novas variedades de espécies adaptadas às
novas condições climáticas.
Almeida (2009) enumera diversas áreas apontadas pelo WBCSD como
consideradas de riscos e oportunidades. Entre outras, pode-se destacar: energia,
saúde, seguros, negócios de turismo e logística.
Na área de energia, os riscos podem ocorrer pelo não atendimento das
obrigações contratuais devido a eventos extremos e falhas no suprimento de
combustível na cadeia produtiva; impossibilidade de atender a demandas de pico
energético geradas pelas ondas de calor, etc. As possíveis oportunidades estão no
acréscimo da demanda de energia, produtos e serviços verdes, incluindo a eficiência
energética, e na aceleração da substituição de combustíveis fósseis por outras
fontes energéticas, para a redução de GEE.
Na área de saúde, o WBCSD diz que os riscos potenciais são de segurança
sanitária, como o alargamento ou a volta de epidemias e o nascimento de novas
doenças, a redução da produtividade, o aumento de incidência de doenças por
superaquecimento nos ambientes de trabalho e a elevação dos custos de saúde. Já
as oportunidades poderão estar na diminuição dos gastos com saúde no inverno em
países temperados e no desenvolvimento de novos medicamentos.
Outra área apontada pelo WBCSD citada por Almeida (2009) é o setor de
seguros. Os riscos podem ocorrer: pelo aumento da volatilidade do mercado devido
às perdas crescentes; pelo aumento – estimado entre US$ 30 bilhões e US$ 40
bilhões – em relação aos padrões atuais, no pagamento de sinistros; e pela
inviabilidade dos ativos para pagar as apólices de seguros. Em relação às
oportunidades estão os novos produtos e mercados e também a possibilidade de
aumento por serviços na área de gestão de riscos.
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Nos negócios relacionados ao turismo, o WBCSD aponta a possibilidade de
risco de falência para estações de esqui na neve e obsolescência de destinos por
exagerado calor, falta de água, incêndios e incidência de doenças tropicais. As
oportunidades poderão surgir em um turismo dirigido para os polos.
Para a indústria de um modo geral, há riscos potenciais de falência, danos
aos ativos e quebras de contrato em consequência de eventos extremos, interrupção
do suprimento de combustível na cadeia, redução da disponibilidade de água de
impacto das mudanças do clima nos consumidores e fechamento de unidades em
zonas costeiras devido a enchentes e aumento do nível do mar.
Por fim, o WBCSD aponta os riscos e oportunidades na indústria alimentícia.
Quanto aos riscos, estes poderão ocorrer a partir do desabastecimento decorrente
de impactos na agricultura e suprimento de água. Mas as oportunidades poderão
surgir em produtos e serviços com baixa intensidade de uso de água e com
eficiência energética, no aumento da demanda por materiais resistentes a eventos
extremos, incluindo materiais de construção civil, no aumento da demanda por
infraestrutura e na reforma de unidades produtivas.
Como se pode ver, o próprio capital, ciente das dificuldades que as mudanças
climáticas podem trazer para sua reprodução, levanta os riscos e as possibilidades
de novas oportunidades de negócio, como o investimento do capital em novas fontes
de energia (como a eólica, a geotérmica e a hidrelétrica). No entanto, atualmente, o
principal instrumento que vem sendo utilizado pelo capital para transformar as
poluições em novas fontes de acumulação é o mercado de carbono, que será visto
no próximo item.
2.3.1 O mercado de carbono: acumulação através da poluição
Uma das estratégias utilizadas pelo capital para transformar as poluições e a
degradação ambiental em novos campos de acumulação é o mercado de crédito de
carbono. Os créditos de carbono são certificados emitidos para uma empresa, ou
governo que reduziu a sua emissão de GEE. Comprar créditos de carbono no
mercado corresponde a comprar uma permissão para emitir GEE, portanto, os
créditos de carbono são Certificados de Redução de Emissões (CERs) que
autorizam o direito de poluir. As agências de proteção ambiental reguladoras emitem
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certificados autorizando emissões de toneladas de dióxido de enxofre, monóxido de
carbono e outros gases poluentes.
Segundo Gutierrez (2011), com a entrada em vigor do Protocolo de Quioto,
em 2005, lançou-se as bases para um
[...] mercado global de carbono constituído por diferentes mercados regionais, nacionais. Os diferentes mercados divergem em vários aspectos, destacando-se tamanho, características da concepção, abrangências setoriais e geográficas e natureza, podendo ser voluntário ou regulatório.
De acordo com o Instituto Carbono Brasil (2011), antes do Protocolo de
Quioto, o mercado de créditos de carbono surgiu como meio de inibir a produção de
poluentes nos países desenvolvidos. Instituições internacionais – como o Banco
Mundial e a Chicago Exchange Climate (EUA)24 – e alguns países europeus já
negociavam créditos de carbono antes do Protocolo de Quioto entrar em vigor. O
Mercado Voluntário, como é chamado, abrange todas as negociações de créditos de
carbono e neutralizações de emissões de efeito estufa realizadas por empresas que
não possuem metas do Protocolo de Quioto e que, por isso, são consideradas
voluntárias. As negociações são guiadas pelas regras comuns de mercado, podendo
ser efetuadas em bolsas, através de intermediários ou diretamente entre as partes
interessadas. Para Campos (2009), a maioria dos compradores de carbono do
Mercado Voluntário são empresas privadas ou investidores que compram estes
créditos como forma de investimento, por antecipação de uma regulação ou por
questões de marketing das empresas.
O Mercado Regulatório é o mercado associado ao Protocolo de Quioto25.
Para comercializar os créditos de carbono, o Protocolo de Quioto propõe os
seguintes mecanismos de flexibilização: Implementação conjunta, Comércio de
Emissões e Mecanismos de Desenvolvimento Limpo.
A implementação conjunta, prevista no Artigo 6 do Protocolo, permite a
implantação de projetos de redução de emissões de GEE entre países que
24Atualmente, o mercado voluntário é negociado nas seguintes bolsas: Bolsa de Clima de Chicago (CCX); Chicago Climate Exchange Futures (CCFE), que é subsidiária da CCX e da ECX; Bolsa do Clima Europeia, de NordPoll – Noruega; Bolsa de Energia da Áustria (EXAA); Bolsa de Mercadorias e Fundos (BM&F), do Brasil; New Valeus/Climex, da Alemanha; VertisEnviromentalFinance, de Budapest; Bluenext, de Paris (INSTITUTO CARBONO BRASIL, 2011). 25 Como foi visto no capítulo dois deste trabalho, o Protocolo de Quioto constitui um tratado complementar à Convenção – o Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima. Criado em 1997, definiu metas de redução de emissões totais de gases de efeito estufa, a no mínimo 5% abaixo dos níveis de 1990, no período compreendido entre 2008-2012.
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apresentam metas a cumprir (Países do Anexo 1)26. Isso significa que os países
desenvolvidos podem implementar um projeto que leve à redução de emissões em
outro país, contabilizando-as em suas cotas, desde que arquem com os custos do
projeto. O Protocolo restringiu esse mecanismo aos países industrializados e à troca
entre os governos.
O Comércio de Emissões, previsto no Artigo 17 do Protocolo, possibilita que
os países listados no Anexo I transfiram o excesso de suas reduções para outro país
que não tenha alcançado tal condição. Esse mecanismo permite que as reduções
sejam obtidas pela utilização de diferenças no custo da diminuição de emissões em
diferentes países. Reduções de emissões obtidas na Inglaterra, por exemplo, podem
ser creditadas na Alemanha.
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), previsto no Artigo 12 do
Protocolo, permite que os países do Anexo 1 desenvolvam projetos de Mecanismos
de Desenvolvimento Limpo nos países em desenvolvimento (que tenham ratificado o
Protocolo) que levem a redução das emissões de gases de efeito estufa. Os projetos
de MDL são relacionados com projetos de eficiência energética e mudança de matriz
energética. Esse tipo de projeto resulta na criação de “créditos de carbono” que
podem ser comercializados entre os países. Estas certificações, ou créditos de
carbono, são comercializados no mercado financeiro (PROTOCOLO DE QUIOTO,
2006). De acordo com Campos (2009), em relação ao setor florestas, apenas os
projetos de florestamento e reflorestamento podem ser contemplados, já os que
visam à redução do desmatamento e queimadas ou à conservação das florestas,
como os chamados REDD (redução por emissão por desmatamento e degradação),
estão excluídos desse mecanismo.
A comercialização desses créditos pode ser unilateral, bilateral e multilateral.
A negociação unilateral é a opção por comercializar os créditos no futuro, em um
momento vantajoso. No processo bilateral, os países industrializados e em
desenvolvimento comercializam diretamente, como por exemplo, empresas
multinacionais dos países industrializados destinam recursos à geração e à
implementação de projetos de MDL em países em desenvolvimento. Nesse caso, é
26 De acordo com o site do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, são os seguintes países do Anexo 1: Alemanha, Austrália, Áustria, Belarus, Bélgica, Bulgária, Canadá, Comunidade Europeia, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Estônia, Federação Russa, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália, Japão, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Polônia, Portugal, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, República Tcheco-Eslovaca, Romênia, Suécia, Suíça, Turquia e Ucrânia.
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feito um contrato denominado ERPA (Emission, Reduction Purchase Agreement),
que contém características próprias, é regido pelas leis do país onde foi proposto e
segue determinados padrões. Por último, a opção Multilateral, que é o modo de
transação mais conhecido, conta com o envolvimento de várias instituições, sejam
públicas ou privadas, que adquirem CRs ou colaboram com o financiamento de
projetos de MDL (LIMIRO, 2008).
Além desses mecanismos, desde a aprovação do Protocolo de Quioto
discute-se a possibilidade de um mecanismo que possa incluir a conservação das
florestas tropicais como parte de um acordo internacional de clima. Na COP-16,
ocorrida em Cancum, 2010, foi aprovado o mecanismo REDD+27. Nessa
conferência, este instrumento teve o seu conceito, diretrizes, salvaguardas e
principais regras para sua implementação aprovados. O REDD+ é um mecanismo
de compensação financeira de mitigação voluntária para países em desenvolvimento
ou comunidades desses países, pela preservação de suas florestas. Nos últimos
anos o REDD se tornou ponto central das negociações, pois em função do término
do Protocolo de Quioto, em 2012, há um forte interesse de incluir, após esta data, o
carbono florestal em um mercado regulado.
2.3.2 Mercado de carbono: números e dilemas
Tanto o mercado voluntário quanto o Protocolo de Quioto criaram um
mercado mundial de emissões que permite a países e empresas trocarem créditos
de carbono. Quanto ao mercado regulado, os números expressam que este
mercado esteve em ascensão desde a sua criação em 2005 até 2009. De acordo
com o Relatório do Banco Mundial, citado pelo Instituto do Carbono Brasil (2011),
em 2008 foram US$ 136 bilhões e em 2009, mesmo com a crise mundial, houve um
crescimento de 6%, atingindo o valor de US$ 144 bilhões. Em 2010 houve um
decréscimo, caindo para 120 bilhões de dólares.
27 O conceito REDD surgiu no âmbito da UNFCCC em 2003, quando um grupo de instituições não-governamentais brasileiras apresentou uma submissão à Convenção propondo um mecanismo de redução compensada de emissões. Em 2005, um grupo de países, dentre eles Costa Rica e Papua Nova Guiné, propuseram a criação de um mecanismo de mitigação baseado na Redução de Emissões por Desmatamento (RED). No ano de 2007, durante a 13ª COP, ficou determinado o REDD como um dos potenciais instrumentos de mitigação de mudanças climáticas a fazer parte de um novo acordo internacional. Foi nesse período que o conceito foi ampliado para REDD+, pois além das reduções por desmatamento e degradação, passou a abranger também o papel da conservação florestal, do manejo florestal sustentável e do aumento dos estoques de carbono.
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Se por um lado o rendimento do mercado regulado vem caindo, por outro, o
mercado voluntário de carbono vem crescendo nos últimos anos. De acordo com o
relatório “Back to the future: state and Trend of the Voluntary Carbon Markets 2011”,
o mercado voluntário passou de US$ 99 milhões em 2006 para US$ 705 milhões em
2008 e US$ 387 milhões em 2009. Em 2010, o mercado atingiu o volume recorde de
131 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (MtCO2e), sendo
estimado em US$ 424 milhões. Com relação às mudanças climáticas, para o ano de
2011 existe uma boa perspectiva de desempenho (INSTITUTO CARBONO BRASIL,
2011b).
São vários os fatores que podem explicar essas diferenças de desempenho
entre o mercado voluntário e o mercado regulado. Quanto ao Protocolo de Quioto, a
situação é obscura, pois além da crise financeira em curso, em 2012 está previsto o
fim do Protocolo, o que leva a várias incertezas por parte dos investidores. Além
disso, no ano de 2010, no sistema europeu aconteceram várias fraudes e
ilegalidades. Já o crescimento do mercado voluntário, de acordo com o “Back to the
future: state and Trend of the Voluntary Carbon Markets 2011” citado anteriormente,
reflete o crescimento da responsabilidade social corporativa, principalmente das
empresas dos Estados Unidos. No entanto, esse mecanismo tem suas contradições,
por exemplo, a falta de definição de metodologias e parâmetros comuns, bem como
procedimentos confiáveis de auditoria e certificação. Apesar das dificuldades, os
números demonstram que o comércio de emissões tem sido instrumento de uma
nova fonte de acumulação do capital.
Para Vincentz (2009), com o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, apesar
das dificuldades, o sistema conseguiu conquistar apoio notável de governos e
empresas privadas e, com isso, tem levado adiante um número expressivo de
projetos em todo o mundo. Apesar de aparentemente estar reduzindo as emissões
de gases de efeito estufa, esse mecanismo é lento e voltado para as atividades
industriais em grandes economias emergentes, sendo menos adequado às partes
menos industrializadas do mundo em desenvolvimento. Outra crítica apresentada
pelo autor é a distribuição geográfica limitada dos projetos. Cento e treze países
foram cadastrados como potenciais sedes dessas iniciativas, com a criação de
autoridades nacionais para tratar especificamente do assunto, mas apenas em
aproximadamente 75 nações esses projetos estão de fato sendo colocados em
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prática. Além disso, cerca de 70% dos projetos encaminhados às Nações Unidas
estão localizados na China ou na Índia. Apenas 2% dos projetos são na África. Há
também o surgimento de um mercado de carbono que converteu o carbono em
commodity, fazendo com que muitos esforços fossem dedicados a uma grande
pergunta: “como posso ganhar dinheiro com a redução das emissões de CO2?”.
Para a economista Amyra El Khalili (2010), presidente da ONG CTA
(Consultant, Trader and Adviser), o que existe hoje é, na verdade, uma grande
confusão entre os conceitos de commodity ambiental e crédito de carbono. De
acordo com a economista, um conceito em nada se relaciona com o outro, e a
essência do conflito pode estar na ligação das palavras “commodity” e “ambiental”. A
tradução da palavra commodity é: mercadoria, aquilo que é vendido para a obtenção
de lucro, ou, ainda, aquilo que é comprado e vendido numa bolsa de mercadoria.
Ressalta que uma commodity visa ao lucro imediato, portanto, é algo contrário ao
meio ambiente, mais precisamente, à sua conservação. Além disso, o carbono não é
uma commodity porque as suas emissões têm de ser reduzidas. Se fosse uma
commodity, o carbono teria de visar ao lucro e, para tanto, sua emissão deveria ser
incentivada. Quanto mais toneladas de carbono fossem emitidas, maior seria o seu
preço de mercado. Por essas razões, o tal sequestro de carbono tem de ser
entendido como um processo e não como uma commodity.
A economista alerta que, quando se trata do meio ambiente, não se pode
tratar desse direito como se fosse um produto empresarial, uma mercadoria,
negociado com base em contratos e regras determinados a porta fechadas em
reunião entre pares. Pelo contrário, tais negociações devem acontecer com o
coletivo da sociedade. Se a sociedade não aderir, não há projeto socioambiental que
possa ser concretizado. Para finalizar, alerta que a compra e venda de créditos de
emissão é a coisa mais negativa que pode existir no “mercadismo” que o ser
humano conseguiu produzir. O movimento deveria ser o contrário: buscar
mecanismos financeiros para eliminar a especulação que resulta na degradação
ambiental. Hoje ocorre o oposto, que é financiar para matar.
A partir dessas reflexões, pode-se reafirmar que a crise ambiental – em
especial as mudanças climáticas – vem se constituindo em limite e alavanca para o
capital. Se por um lado existem riscos potenciais de falência, danos aos ativos e
quebras de contrato em consequência de eventos extremos, interrupção do
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suprimento de combustível na cadeia, redução da disponibilidade de água,
enchentes e aumento do nível do mar, por outro, as oportunidades podem surgir
com a ampliação de colheitas devida ao aumento de temperaturas em climas
temperados, o desenvolvimento de novas variedades de espécies adaptadas às
novas condições climáticas, o investimento em novas fontes de energia – como a
eólica, a geotérmica, a hidrelétrica – e o comércio de emissões através do Protocolo
de Quioto e do Mercado Voluntário.
Quanto ao mercado de carbono, é importante registrar que além de não ser a
melhor saída para combater a poluição, visto que desestimula a criação de políticas
para reduzir a emissão de poluentes, esse mecanismo se constitui como uma
operação financeira que visa única e exclusivamente dar lucros aos seus
investidores e que não gera nenhuma vantagem para o meio ambiente. É neste
sentido que esse instrumento vem se tornando um dos mecanismos mais perversos
utilizados pelo capital, no sentido de transformar as poluições industriais em novos
campos de acumulação e a natureza em mercadoria.
Todas essas questões relacionadas à crise ambiental, em especial às
mudanças climáticas, vêm suscitando um amplo debate em diversos setores da
sociedade civil. Esse debate se reveste de importância à medida que se considera a
sociedade civil como um espaço privilegiado de lutas sociais e de classes, portanto,
identificar esse processo é fundamental. É nesse contexto que o próximo capítulo
debaterá as concepções de sociedade civil na tradição marxista, os entendimentos
sobre o papel dos movimentos sociais e, por fim, o processo de constituição das
lutas do movimento ambientalista e de justiça ambiental.
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C A P Í T U L O 3
S O C IE D A D E C I V IL , M O V IM E N T O S S O C I A I S , A M B I E N T A IS E J U S T I Ç A
A M B IE N T A L
Partindo do pressuposto de que a sociedade civil é uma das esferas em que
as classes se organizam e defendem seus interesses, portanto, é espaço de lutas
sociais e de classe, este capítulo visa analisar como vêm se constituindo as lutas do
movimento ambientalista no contexto das lutas sociais, identificando as
determinações em relação ao processo de desarticulação das lutas ambientais e de
classe. Além disso, se propõe discutir como o movimento de justiça ambiental se
coloca como uma possibilidade de articulação das lutas sociais, ambientais e de
classe.
Para isso, apresenta-se aqui, inicialmente, a perspectiva da sociedade civil na
tradição marxista, diferenciando-a de terceiro setor. Posteriormente, discute-se os
principais argumentos da visão acionalista, pós-moderna e marxista sobre os
chamados “novos movimentos sociais” e, por fim, debate-se como vêm se dando as
lutas do movimento ambientalista e de justiça ambiental no contexto das lutas
sociais.
3.1 Sociedade c iv il e o cham ado “terce iro setor”
A categoria sociedade civil e as questões relacionadas a essa instância vêm
sendo pauta de estudos de diversos autores e possui vários entendimentos. Uma
das correntes que têm tido grande repercussão – e pode-se dizer que esta é
hegemônica nesse debate – define sociedade civil como “terceiro setor”. Essa visão
considera-a como uma esfera
[...] “popular”, homogênea e sem contradições de classes (que em conjunto buscaria o “bem comum” em oposição ao Estado (tido como o “primeiro setor”, supostamente burocrático, ineficiente) e ao mercado (“segundo setor”, orientado pela procura do lucro), contribui para facilitar a hegemonia do capital (MONTAÑO, 2007, p. 15).
De acordo com Montaño (2002), o conceito “terceiro setor” não é um termo
neutro. Sua nacionalidade é norte-americana, numa realidade na qual o
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associativismo e o voluntariado fazem parte de uma cultura política e cívica
fundamentada no individualismo liberal. Além disso, há nele uma funcionalidade com
os interesses de classe, já que o conceito foi cunhado por John D. Rockefeller III.
Para Montaño (2002, p. 53), o “conceito de ‘terceiro setor’ foi cunhado por
intelectuais orgânicos do capital, e isso sinaliza clara ligação com os interesses de
classe, nas transformações necessárias à alta burguesia”.
Conforme indica Montaño (2007), o discurso predominante sobre o conceito
de “terceiro setor” proporciona uma clara falta de rigor teórico e distância ideológica
da realidade social. Para evidenciar esse argumento, o autor apresenta algumas
fraquezas conceituais. A primeira diz respeito ao termo “terceiro”, ou “primeiro”. Os
estudos que utilizam o termo “terceiro setor” trazem como hipótese que este setor
teria vindo para decidir uma dificuldade de dicotomia entre o público e o privado, o
público sendo considerado como o Estado e o privado como o mercado.
Pressupõem que se o Estado está em crise e o mercado tem uma lógica de lucro,
estes não podem dar respostas às demandas sociais. Portanto, o “terceiro setor”
seria a juntura firmada entre ambos os setores: “o público, porém privado”, ou seja,
um conceito que ultrapassa a dicotomia entre público e privado.
A segunda fraqueza teórica está relacionada às entidades que compõem esse
setor, já que não há um acordo entre os pesquisadores e teóricos sobre quais
integrariam o “terceiro setor”. Essa divergência leva à inclusão de organizações
formais, atividades informais, individuais, fundações empresariais e até sindicatos,
movimentos políticos insurgentes e seitas. Para Montaño, a inexistência de um rigor
na distinção deste “setor” leva, por exemplo, à dúvida se os movimentos de luta
classistas estariam incorporados nessa categoria, como o MST, as Farc, os
movimentos indígenas de Chiapas, entre outros.
Uma terceira fraqueza diz respeito ao próprio conceito, pois é um “conceito
que antes confunde do que esclarece” (MONTAÑO, 2007, p. 56). Isto acontece
porque o conceito agrega desde ONGs tradicionais que lutam na defesa do meio
ambiente, como o Greenpeace, o MST, até organizações como Fundação Roberto
Marinho. Nesse sentido, Montaño explica que o conceito “terceiro setor”
[...] mais que uma “categoria”, representa um constructo ideal que, antes de esclarecer sobre um “setor” da sociedade, mescla diversos sujeitos com aparentes igualdades as atividades, porém com interesses, espaços e significados sociais diversos, contrários e até contraditórios (MONTAÑO, 2007, p. 57).
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A quarta fraqueza do termo se refere ao caráter não-governamental,
autogovernado e não-lucrativo das instituições ditas do “terceiro setor”. Para
Montaño, essas características encobrem tendencialmente uma determinada política
governamental, já que estas organizações não têm a autonomia que desejam dos
governos, pois sobrevivem à custa dos recursos governamentais. A defesa do
caráter não lucrativo dessas entidades também não é adequada, pois muitas
instituições, como a Fundação Bradesco e a Rockefeller, não podem esconder seu
claro interesse econômico por meio de isenção de impostos, ou da melhoria de
imagem de seus produtos. Para Montaño, torna-se claro o fim lucrativo, mesmo que
indireto.
Além dessas fraquezas, predomina no debate do “terceiro setor” alguns
pressupostos que merecem uma análise crítica. Conforme foi visto no início deste
item, os teóricos do “terceiro setor” processam uma separação entre Estado,
mercado e “sociedade civil” (considerada “terceiro setor”). Essa visão compreende
Estado e mercado com vidas próprias e autônomas, percebendo de forma linear a
existência e a permanência das
[...] questões econômicas (despolitizadas) no interior do mercado, enquanto na esfera estatal são identificados os processos de política formal (deseconomizados)” e eventualmente algumas atividades sociais (também deseconomizadas e despolitizadas). (MONTAÑO, 2007, p. 134).
Nessa perspectiva, segundo o autor, há uma conversão do Estado como
público e de tudo não-estatal (mercado econômico e sociedade civil) como privado,
e um isolamento desses espaços como esferas autônomas. É nesse contexto que
essa distinção seria resolvida com a criação de um novo setor, “público, porém
privado”, que exerceria funções públicas a partir de iniciativas e espaços privados,
preservando, no entanto, a compartimentação Estado/sociedade civil.
Um segundo pressuposto do debate do “terceiro setor” se refere à confusão
entre o público e privado. No entender de Montaño (2007), existe uma pretensa
crítica de superação da bipolarização entre Estado e mercado, entre público e
privado. No entanto, se preserva não a bipolarização, mas uma segmentação
tripartite da realidade social. Portanto, continua existindo a polarização entre o
público e o privado, pois se mantém o Estado autonomizado (política formal e certa
atividade social) como esfera exclusivamente pública e o mercado (atividades
econômicas) como uma esfera privada. Para o autor, o debate do “terceiro setor” é
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reducionista e mistificador, pois iguala todas as organizações deste setor como
tendo procedência privada e finalidade pública, o que não se verifica na realidade.
Ele exemplifica dizendo que uma fundação ou uma empresa tem origem privada,
diferentemente de uma associação de moradores ou de uma creche comunitária,
que têm origem pública.
Outro pressuposto apontado se refere à equiparação entre “Estado” e
“governo”. Para Montaño, o debate do “terceiro setor” não diferencia “Estado” e
“governo”. Nesse sentido, as políticas determinadas por um governo são vistas
como mudanças do Estado. Essa diferenciação é fundamental, pois permite
caracterizar o papel e a função na relação, por exemplo, entre organizações
populares, não-governamentais com o Estado.
A identificação de ONG como movimento social também é apontada por
Montaño como um pressuposto presente no debate do “terceiro setor”. Isso porque,
nas décadas de 1970 e 1980, as chamadas organizações não governamentais
passaram a existir ligadas aos movimentos sociais. No entanto, com a
redemocratização da sociedade brasileira nesse período, houve um acuamento das
agências financiadoras internacionais e os movimentos sociais começaram a entrar
em crise. Houve também, nesse período, uma mudança do militante do movimento
social (dos anos 1970-80) pelo novo militante em ONGs (anos 1990). Essas e outras
características, como uma conceituação vaga de movimento social, fazem com que
haja uma identificação entre ONG e movimento social.
A partir dos anos de 1990, algumas ONGs, agora identificadas com os
movimentos sociais, passam a realizar trabalhos que têm como pressuposto a
ideologia do possibilismo28. Esse pressuposto “mostra claramente o caráter de
naturalização e até de deificação da realidade que se delineia no contexto atual,
perpertuando-a a ser resignando a ela como um dado da realidade imodificável”
(MONTAÑO, 2007, p. 140). Isto significa que os trabalhos realizados por essas
organizações não têm como meta a superação do capitalismo e da construção de
uma sociedade socialista e sim procuram melhorar o capitalismo, torná-lo mais
humano. É nesse sentido que o socialismo é descartado como uma possibilidade
real, além disso, o Estado é considerado ineficiente, corrupto e em crise.
28É importante dizer que, nesse processo, muitas ONGs atuam como assessoras de movimentos sociais e que são críticas ao terceiro setor. Como exemplo, pode-se citar a Fase, que será analisada no próximo capítulo.
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Consequentemente, no projeto do “terceiro setor” “não se luta pelo poder estatal
e/ou do mercado, pois eles seriam inatingíveis; o que se quer é o poder que está ao
alcance do subalterno, do cidadão comum, o “micropoder” foucaltiano, criado nas
associações e organizações comunitárias” (MONTAÑO, 2007, p. 141).
É nesse contexto que mais dois pressupostos também passam a estar
presentes no debate do “terceiro setor”, que são: a construção de um “novo contrato
social” e “dos movimentos contra o Estado para parcerias com o Estado”. A partir de
uma perspectiva do “terceiro setor” para além do Estado e do mercado – “não
classista” e “não política”, mas de harmonia – e da negociação entre os setores
heterogêneos, o “novo contrato social” passa a ser a construção de um projeto social
não a partir das lutas, mas no engajamento e no envolvimento entre os interesses
dos trabalhadores e os empresários.
A mudança de pressupostos de “movimentos contra o Estado” para “parcerias
com o Estado” diz respeito à modificação do caráter das organizações sociais, que
passam de movimentos contra o Estado para as “parcerias” com o Estado. O dito
“terceiro setor” deixa de lado as reivindicações por direitos democráticos e políticos,
direitos civis, econômicos e sociais e passa a desenvolver parcerias com o Estado,
destinadas a intermediar a relação dos movimentos considerados do “terceiro setor”
com o Estado. Para Montaño (2007, p. 146), “a chamada parceria não é outra coisa
senão o repasse de verbas e fundos públicos no âmbito do Estado para instâncias
privadas, substituindo o movimento social pela ONG”.
Nesse turno, Montaño ainda aponta mais três pressupostos: “a “complexa e
heterogênea multipolarização supraclassista da nova questão social”, “a
despolitização do terceiro setor” e, por fim, a tese da “sociedade da escassez e da
crise fiscal do Estado”. Quanto à conceituação supraclassista, o autor ressalta que a
própria constituição dada pelos autores dessa área, que incluem nesse “setor” desde
atividades de solidariedade individual, movimentos sociais, instituições religiosas,
filantropia empresarial, a movimentos políticos, leva a um entendimento de que esse
“setor” está acima das classes sociais. Ressalta que essa visão vai contra uma
perspectiva crítica e de totalidade, já que o caráter de classe perpassa todas as lutas
desde lutas ecológicas, sexistas, étnicas e trabalhistas. Portanto, considera que este
pressuposto não condiz com a realidade.
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O caráter supraclassista, além dos pressupostos anteriores, leva à ideia de
que as atividades do “terceiro setor” são a-políticas. Essa despolitização do “terceiro
setor” acontece porque as entidades consideradas desse setor deixam de lado a
explicitação dos interesses de classe, a superação do capitalismo e a construção do
socialismo e passam a ter como objetivo principal a parceria, o bem comum, o
possibilismo.
A tese da sociedade da escassez e da crise fiscal do Estado se relaciona à
aceitação acrítica pelo “terceiro setor” dessa premissa. Para Montaño, o aceite
desse argumento, seja ele implícito ou explícito, produz uma lógica contrária aos
postulados de “abundância” das teses do capitalismo monopolista. Na sociedade da
escassez é necessário o corte dos “gastos e a absorção pelo “terceiro setor” daquilo
que foi deixado pelo Estado. Ademais, a escassez – lembra o autor – levaria a uma
crise fiscal do Estado, que tem como grande responsável o excessivo gasto do
Estado com o social.
Além dos pressupostos, Montaño (2007) ressalta as promessas oferecidas
pelos teóricos e partidários do dito “terceiro setor”. Entre as promessas destaca-se:
“terceiro setor” reforçaria a sociedade civil, “o terceiro setor diminuiria o poder
estatal”, “o terceiro setor propiciaria o desenvolvimento da democracia”, “o terceiro
setor compensaria as políticas sociais abandonadas pelo Estado”, “o terceiro setor
constituiria fonte de emprego alternativo”.
Por tudo isso, pode-se dizer que a compreensão da sociedade civil como
“terceiro setor” é funcional ao capital, pois objetiva apenas “instrumentalizar a
sociedade civil – torná-la dócil, desestruturada, desmobilizada, amigável”
(MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p. 307). Além disso, os autores ressaltam que o
que é denominado de “Terceiro setor”, não é terceiro, nem é setor. Este deve ser
compreendido como ações que expressam funções a partir de valores. Isto é:
[...] ações desenvolvidas por organizações da sociedade civil, que assumem as funções de resposta às demandas sociais (antes de responsabilidade fundamentalmente do Estado), a partir do social e valores de solidariedade local, voluntariado, autorresponsabilização e individualização (substituindo os valores de solidariedade e universalidade e direito dos serviços, típico dos Estados de “Bem estar”). (MONTANO; DURIGUETO, 2011, p. 306).
Montaño (2007) também ressalta que o debate sobre o “terceiro setor” não
leva em conta ou exclui o Estado, o mercado e a produção como arenas das
disputas sociais que acontecem na sociedade civil. Desconsideram o Estado
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democrático de Direito, as conquistas trabalhistas, políticas econômicas e sociais.
Há uma valorização do entendimento, consenso e parceria de bem comum,
retirando a visão de sociedade civil como espaço contraditório, de lutas, de
confronto. Ressalta que o entendimento de “terceiro setor” como sociedade civil
presta um grande serviço ao capital e, portanto, é fundamental a desmitificação
desse debate, pois ele induz a uma visão fragmentada da realidade e uma crença de
que a mudança social é possível através da participação dos empresários com
consciência social, com o voluntarismo, e até na ideia de “um processo
democratizador/transformador desenvolvido na sociedade civil, com a independência
da dinâmica econômica e política que ocorre no Estado, no mercado, na indústria”
(MONTAÑO, 2007, p. 259).
Feitas essas considerações críticas, é importante ressaltar que o
entendimento sobre sociedade civil defendido neste trabalho parte de um quadro
teórico bastante distinto, que identifica esta esfera ao “terceiro setor”. Calcado no
referencial marxista de análise, compreende-se que as lutas desenvolvidas na
sociedade civil, ou seja, as contradições entre as classes e interesses sociais são
fundamentais no processo de transformação social. Para aprofundar essas
questões, o próximo item irá discutir a compreensão da sociedade civil na tradição
marxista.
3.2 Sociedade c iv il na trad ição m arxis ta
Tendo como base inicial o conceito de sociedade civil de Hegel29, Marx, a
partir da crítica aos referenciais hegelianos, identifica a sociedade civil com a
infraestrutura econômica, define-a “enquanto sociedade burguesa, como a esfera da
produção e reprodução da vida material” (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p. 35).
Se para Hegel o Estado supera a sociedade como uma coletividade idealizada, para
Marx e Engels, ao contrário, o Estado emerge das relações de produção. É nesse
sentido que Carnoy (1988), seguindo Marx, diz: “não é o Estado que molda a
sociedade, mas a sociedade que molda o Estado. A sociedade, por sua vez, se
29 Hegel compreende a sociedade civil como a “esfera das relações econômicas e dos interesses particularistas e o Estado como a esfera da universalização” (MONTAÑO; DURIGUETO, 2011, p. 35). É uma instância independente, com racionalidade própria. Para Balttomore (2001), é contrastada com o Estado ou sociedade política. É uma arena de necessidades particulares, interesses egoístas e divisionismo, dotada de um potencial de autodestruição.
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molda pelo modo dominante de produção e das relações de produção inerentes a
esse modo” (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p. 35). Portanto, o Estado é um
produto da sociedade civil, expressa suas contradições e as perpetua, não sendo,
como pensa Hegel, uma esfera independente, com racionalidade própria.
Nesse entendimento, na sociedade capitalista, burguesa, o Estado, apesar de
ter uma aparência universalista, representa os interesses de uma classe e cumpre a
universalidade, reproduzindo o interesse da classe dominante. É nesse sentido que
o Estado legitima a dominação e a exploração capital-trabalho, demonstrando,
assim, a sua essência de representar não os interesses comuns, mas sim, da classe
burguesa. A essa visão de Estado, Marx acrescenta o entendimento de que a
sociedade civil é o “verdadeiro cenário de toda a história” (MONTAÑO;
DURIGUETTO, 2011), um espaço de contradições e lutas. Para os referidos autores,
Marx, ao elaborar o “Manifesto Comunista”, identifica novas determinações que
possibilitam a ele defender uma concepção de lutas de classes entre a burguesia e o
proletariado que levaria a uma ruptura e à tomada do poder político pelo
proletariado. A partir dessa concepção é possível compreender que as lutas
desenvolvidas na sociedade burguesa são fundamentais para o motor da história.
Essas questões apontadas por Marx foram vitais para que cerca de quatro
décadas mais tarde Gramsci identificasse, a partir de novas determinações em
relação ao papel do Estado, como o protagonismo político de amplas e crescentes
organizações tanto dos trabalhadores quanto do capital, uma nova dimensão da vida
social: a sociedade civil. Essa esfera, ao contrário de Marx, designa um momento da
superestrutura e não da infraestrutura. Essa diferença de entendimento em relação à
Marx não significa um rompimento às ideias de Marx e nem anula a aceitação
gramsciana com o princípio do materialismo histórico: o de que a produção e
reprodução da vida material é o fator ontologicamente primário na explicação da
história, mas, se refere à “manutenção da ‘ortodoxia’ (que não confunde com
dogmatismo) marxista [...] de captar a realidade e as (novas) determinações”
(MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p. 43).
Sendo assim, para Gramsci, a sociedade civil se relaciona
[...] ao conjunto das instituições responsáveis pela representação dos diferentes interesses de diferentes grupos sociais, bem como pela elaboração e/ou difusão de valores simbólicos e de ideologias, ela compreende assim o sistema escolar, as igrejas, os partidos políticos, as
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organizações profissionais, os meios de comunicação, as instituições de caráter científico e artístico, etc. (COUTINHO, 2008, p. 53).
Portanto, é o espaço onde se exprime a organização e a representação
institucional dos interesses de diferentes grupos sociais. O espaço da elaboração
e/ou transmissão dos valores, da cultura e da ideologia, que tornam ou não
conscientes os conflitos e as contradições sociais, ou seja, “é uma das esferas
sociais em que as classes organizam e defendem seus interesses, em que se
confrontam projetos societários, na qual as classes e suas frações lutam para
conservar ou conquistar a hegemonia” (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p. 43).
De acordo com Coutinho (2003), o conceito de sociedade civil é o meio
privilegiado através do qual Gramsci enriquece, com novas determinações, a teoria
marxista de Estado. Ressalta que a grande descoberta de Marx e Engels foi a
afirmação do caráter de classe de todo o fenômeno estatal, ou seja, a gênese do
Estado reside na divisão da sociedade em classes, sendo função do Estado
conservar e reproduzir tal divisão, possibilitando, assim, que os interesses comuns
de uma classe particular se imponham como o interesse geral da sociedade.
Conforme Coutinho Gramsci trabalha numa época em que passa a existir uma maior
complexidade do fenômeno estatal, caracterizado pela existência de uma
intensificação dos processos de socialização da participação política (formação de
grandes sindicatos e de partidos de massa, conquista do sufrágio universal). É
nesse contexto que Gramsci identifica o surgimento de uma nova esfera social, em
face tanto do mundo econômico quanto dos aparelhos repressivos do Estado que,
como foi visto, ele denomina sociedade civil.
A teoria ampliada de Estado em Gramsci (conservação/superação da teoria
marxista “clássica”) tem como base a descoberta dos aparelhos privados de
hegemonia, permitindo, ao pensador italiano, compreender o Estado a partir de duas
esferas principais: a sociedade política e a sociedade civil. A sociedade política é
formada pelo “conjunto dos mecanismos através dos quais a classe dominante detém
o monopólio legal da repressão e da violência e que se identifica com os aparelhos de
coerção sob controle das burocracias executiva e policial militar” (COUTINHO, 2003,
p. 127). E a sociedade civil é formada pelo “conjunto de organizações responsáveis
pela elaboração e/ou difusão das ideologias, compreendendo o sistema escolar, as
Igrejas, os partidos políticos, os sindicatos, as organizações profissionais, organização
material da cultura” (p. 127).
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A sociedade política e a sociedade civil, em conjunto, formam o Estado
ampliado e diferenciam-se pelo desempenho que exercem tanto na organização da
vida social quanto na articulação e reprodução das relações de poder. Servem,
assim, para conservar ou transformar uma determinada formação econômico-social,
de acordo com os interesses de uma determinada classe. Além disso, a maneira de
encaminhar essa conservação ou transformação varia nos dois casos. Pode-se dizer
que essa concepção ampliada de Estado não é uma posição dualista que contrapõe
de modo maniqueísta a sociedade civil (positiva) ao Estado (intrinsecamente mau),
pois “a sociedade civil nunca é homogênea, mas se apresenta como uma das
principais arenas de luta de classes e, portanto, como palco de intensas
contradições” (COUTINHO, 2008, p. 41). Além disso, a sociedade civil é um momento
da superestrutura político-ideológica, condicionada em última instância pela base
natural da sociedade, portanto, não é de modo algum, como muitos teóricos gostam
de dizer, um terceiro setor, situado para além do Estado e do mercado.
No âmbito da sociedade civil, as classes buscam exercer sua hegemonia, ou
seja, buscam ganhar aliados para os seus projetos através da direção e consenso.
Já por meio da sociedade política, ao contrário, as classes exercem sempre uma
ditadura, ou uma dominação mediante coerção.
Para Coutinho (2003, p. 128), a novidade não diz tanto respeito à questão da
hegemonia, já abordada por Lenin, mas “ao fato de que a hegemonia – enquanto
figura social – recebe agora uma base material própria, em espaço autônomo e
específico de manifestação”. Para o autor, é a partir dessa questão que se encontra
o ponto de diferenciação entre as duas esferas. A sociedade política tem seus
portadores materiais nos aparelhos repressivos de Estado (política militar), já a
sociedade civil, os portadores materiais são denominados por Gramsci de
“aparelhos privados de hegemonia”, ou seja, organismos sociais coletivos
voluntários e relativamente autônomos em face à sociedade política. Coutinho
ressalta que o momento unitário da sociedade política e sociedade civil se
materializa pela forma como o grupo social exerce sua supremacia, que se
manifesta como domínio e como direção intelectual e moral. Duriguetto (2007)
explica que a predominância de uma relação de supremacia mais consensual e
menos coercitiva, ou vice-versa, estará sujeita ao grau de autonomia relativa das
esferas, da predominância do Estado dos aparelhos pertencentes a uma ou à outra,
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da socialização da política e da correlação de forças entre as classes que disputam
a hegemonia.
O conceito de hegemonia, numa concepção gramsciana, é entendido
enquanto direção e domínio, como conquista através da persuasão e do consenso.
Gramsci constrói esse conceito a partir de uma perspectiva dialética, pois a
hegemonia pode ser tanto um meio através do qual as classes dominantes impõem
sua concepção de mundo, atendendo aos seus interesses, quanto uma forma de
oposição e luta contra os interesses oponentes. Para Duriguetto (2007), reconhecer
a sociedade civil como um espaço imperativo de luta política, pela formação de uma
contra-hegemonia, não significa o acordo da existência de dois polos que se
contrapõem. Mais precisamente, revela que a construção da nova hegemonia
implica em sua construção tanto na sociedade civil quanto no Estado. Além disso,
definir a sociedade civil como arena e alvo de luta política pela hegemonia significa
reconhecer sua natureza classista e contraditória.
A partir dessas determinações, Gramsci defende que a estratégia de choque
frontal ao poder do Estado, que denomina “guerra de movimento”, levada a cabo na
revolução russa em 1917, não pode ser aplicada às formações sociais ocidentais.
Para o pensador italiano, no ocidente, as batalhas devem ser tratadas no âmbito da
sociedade civil, visando à conquista de posições e espaços (guerra de posição) da
direção político-ideológica e o consenso dos setores majoritários da população como
condições para o acesso ao poder do Estado e para sua posterior conservação. É
nesse contexto que a noção de hegemonia “direção intelectual e moral assume
importância central na estratégia da “guerra de posição”. O conceito de hegemonia se
refere tanto ao processo em que uma classe se torna dirigente quanto à direção que
uma classe no poder exerce sobre o conjunto da sociedade (DURIGUETTO, 2007).
Para Gramsci, instituir-se como classe hegemônica significa constituir e
organizar interesses comuns. Nas palavras de Gruppi, citado por Duriguetto (2007,
p. 60), é quando “[...] torna-se protagonista das reivindicações de outros estratos
sociais [...] de modo a unir em torno de si esses estratos realizando uma aliança”.
Este processo, explica Duriguetto, Gramsci denomina “catarse”, isto é “[...] a
passagem do momento meramente econômico (ou egoístico-passional) ao momento
ético-político, isto é, a elaboração superior da estrutura em superestrutura na
consciência dos homens” (GRAMSCI, apud DURIGUETTO, 2007, p. 60). Para a
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autora, isto significa o processo da passagem da consciência corporativa e
particularista da “classe em si” para a consciência universal da “classe para si”.
Acrescenta que a superação do interesse particular e imediato de distintos grupos
sociais pela mediação de um movimento “catártico” de constituição de uma
consciência ético-política universalizadora é o que atribui concretude à noção de
hegemonia.
Duriguetto (2007) explica que a ampliação de uma consciência crítica em
relação à visão hegemônica e de uma ação política articulada para a formação de
um processo de catarse no desenvolvimento de uma nova hegemonia das classes
subalternas implica, essencialmente, na mudança da bagagem ideocultural. Isso
requer “uma intensa preparação ideológica das massas, um trabalho crítico de
penetração cultural, de permeação de ideias de construção de uma nova concepção
de mundo (reforma intelectual e moral)” (p. 62). Sendo assim, a hegemonia como
direção intelectual e moral congrega uma dimensão educativa “na medida em que
desencadeia um processo que aspira construir sujeitos historicamente ativos que
buscam formas para romper com a submissão e subalternidade” (p. 63). Nesse
contexto, se torna fundamental a formação de uma consciência crítica e a
participação ativa como alicerces de uma ação política, que tem como objetivo a
conquista da hegemonia.
A partir do que foi exposto, pode-se dizer que as reflexões gramscianas são
fundamentais para se compreender a contribuição que as lutas de classes, ocorridas
no âmbito da sociedade civil, oferecem para o processo de transformação social. No
entanto, é importante ressaltar, como muito bem diz Montaño (2007, p. 259-260), que
[...] os projetos de superação da ordem capitalista confrontam-se hoje num convulsionado processo heterogêneo de lutas sociais. A riqueza deste processo não pode ser sintetizada apenas na rubrica “lutas da sociedade civil”; também não pode ser recuperada excluindo as lutas, diversas e heterogêneas na sociedade civil.
Esta heterogeneidade das lutas sociais, não nega, ao contrário, pressupõe os
fundamentos estruturais do modo de produção capitalista (MPC), “a polarização das
classes fundamentais e a contradição ineliminável de seus interesses, a partir de
uma classe por outra” (MONTAÑO; DURIGUETT0, 2011, p. 117). Essa contradição
entre capital e trabalho se revela de diversas maneiras: questões étnicas, de gênero,
meio ambiente, entre outras, e estão diretamente relacionadas com as contradições
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estruturais (capital e trabalho) nas suas manifestações, configurando formas e
espaços das lutas de classes.
Nessa perspectiva, os referidos autores defendem que não é apropriado
conceber lutas de classes e lutas sociais como fenômenos diferentes, fundados em
fenômenos distintos, como concebem os autores liberais. Ressaltam que a estrutura
e a dinâmica são duas dimensões constituintes da realidade social e não podem ser
separadas nem na ação e nem na análise. Para eles, na tradição marxista, as lutas
sociais são manifestações, desdobramentos das lutas de classe e delas
constitutivas. É nesse contexto que se pode reafirmar, concordando com os autores,
que as lutas pela igualdade de direitos, de gênero, sexual, racial, pela defesa do
meio ambiente, pelos direitos humanos, são constitutivas das lutas de classes. Lutas
que, de acordo com Montaño e Duriguetto (2011, p. 119), “não podem esperar a
‘grande revolução’ para serem resolvidos”.
Se, por um lado, a centralidade que a questão de classe tem no modo de
produção capitalista - MPC não suprime a variedade de questões e as formas de
discriminação e desigualdade existentes na atual ordem do capital, por outro, essa
categoria não apreende todas as formas de relações contraditórias. Considerar a
centralidade da “contradição de classes” não significa abarcar todas as relações de
desigualdade e opressão e nem afirmar maior ou menor importância de uma ou
outra forma de desigualdade ou exclusão. Significa compreender, a partir dessa
categoria, os fundamentos da sociedade capitalista, aquilo que define esse modo de
produção e o distingue de outros. A exploração de classes é o fundamento da
sociedade capitalista. É por isso que é utilizada a palavra “centralidade” da questão
de classe e não as palavras importância, relevância ou primazia. Além disso, ser
central não atribui maior importância sobre outras questões sociais (racial, sexual,
gênero), mas sim, porque é fundante do MPC e caracteriza essa formação social.
Ademais, essas questões podem ser resolvidas dentro da ordem do capital, o que
não é verdade em relação à exploração do trabalho sobre o capital (MONTAÑO;
DURIGUETTO, 2011).
Em relação ao sujeito de transformação social, a perspectiva marxiana e
várias correntes marxistas consideram o proletariado, a vanguarda, o sujeito
privilegiado da revolução. Isso acontece porque o proletariado constitui a classe que
produz riqueza, que garante a acumulação ampliada do capital. Para o marxista
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Houtart (2007), o proletariado nasce como sujeito potencial da revolução a partir da
contradição entre capital e trabalho. Segundo ele, a submissão dos trabalhadores ao
capital dentro do próprio processo de produção faz com que a classe operária seja
totalmente absorvida e igualmente constituída pelo capital. Explica que a nova
classe se transformou em sujeito histórico no próprio seio das lutas, passando do
estatuto de “uma classe em si a uma classe para si” (HOUTART, 2007, p. 422). Para
o referido autor, não significa que se trata de um único sujeito, mas sim, do sujeito
histórico, isto é o instrumento privilegiado da luta pela emancipação da humanidade.
De acordo com Houtart (2007), a partir do século XX o capitalismo dá um
novo salto, surgem novas determinações. Assiste-se com o neoliberalismo uma
busca de novas fronteiras de acumulação, frente às crises tanto do capital produtivo
como do capital financeiro: a agricultura camponesa convertida em uma agricultura
produtivista, muitos dos serviços públicos passam para o setor privado, entre outros.
Com isso, na atualidade,
[...] todos os grupos humanos, sem exceção, estão submetidos à lei do valor, não somente a classe operária assalariada (subsunção real), mas também os povos nativos, as mulheres, os setores informais, os pequenos camponeses, sob outros mecanismos financeiros – preço das matérias-primas ou dos produtos agrícolas, serviço da dívida externa, paraísos fiscais, etc – ou jurídicos – as normas do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial (BM) e da Organização Mundial do Comércio (OMC) – tudo isso significando uma subsunção forma (HOUTART, 2007, p. 422-423).
Diante dessas novas determinações, ou seja, a subsunção de todos os
grupos sociais à lei do valor, Houtart (2007) entende que, apesar da classe operária
ter um papel fundamental no processo de emancipação social, esse processo será
compartilhado por outros sujeitos. Explica que o novo sujeito histórico se estende ao
conjunto dos grupos sociais submetidos, tanto aqueles que formam parte da
submissão real (representados pelos chamados (“antigos movimentos sociais”),
como os que integram o grupo dos subsumidos formalmente chamados (novos
movimentos sociais). Portanto, sem negar o papel da classe operária no processo
de emancipação social, Houtart defende que o novo sujeito histórico a ser construído
será popular e plural, isto é, “constituído por uma multiplicidade de atores e não pela
multidão da qual falam Michael Hardt e Antônio Negri” (p. 423). Este sujeito será
democrático, multipolar, nos diferentes continentes e nas diversas regiões do
mundo. Trata-se de um sujeito “capaz de atuar sobre a realidade que por sua vez, é
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múltipla e global, com o sentido de emergência exigido pelo genocídio e pelo
ecocídio contemporâneos” (p. 424).
Já Montaño e Duriguetto (2011), apesar de não desconsiderarem que há
outras classes, outros sujeitos que podem se unir no propósito de modificar a
realidade, como a classe média, pequena burguesia, trabalhadores autônomos,
servidores públicos, desempregados, argumentam que apenas o proletariado
constitui a vanguarda, o sujeito privilegiado da revolução.
Esse é um debate polêmico, controverso, ainda aberto, e que se reveste de
importância diante da atual crise do capital que, como foi visto, vem afetando a
totalidade do complexo social em todas as suas relações. Essas novas
determinações em relação ao movimento do capital têm levado vários movimentos
em redor do mundo ao questionamento das injustiças sociais produzidas pelo
capitalismo. Portanto, considerando a atual conjuntura, defende-se que o
proletariado tem uma centralidade no processo de emancipação social, mas diante
do imenso desafio que é a superação da ordem do capital, ou seja, a eliminação de
toda a forma de desigualdade, dominação e exploração, é necessária a adesão, a
integração de todos os sujeitos subsumidos ao capital, além de uma articulação
dessas lutas com a centralidade nas contradições das classes sociais.
É a partir dessas considerações e pressupostos que o próximo item irá
discutir os movimentos sociais e os chamados novos movimentos sociais.
3.3 M ovimentos soc ia is : perspectivas de aná lise
Considerando a sociedade civil como uma arena privilegiada para as lutas
sociais e de classe, é fundamental conhecer e analisar criticamente como os
projetos e posições dos sujeitos coletivos que atuam nesse espaço vêm contribuindo
para o processo de adaptação ao sistema do capital ou para a emancipação social.
Na sociedade civil atuam os movimentos sociais de classe denominados
clássicos, ligados às lutas de classe, e os chamados “novos movimentos sociais”. Os
primeiros surgiram no século XIX e são vinculados à luta dos trabalhadores
(sindicatos e movimentos de libertação nacional), visam à superação da ordem
vigente. Já os “novos movimentos sociais” surgiram nos meados do século XX e são
vistos a partir de duas perspectivas. Uma visão considera que esses movimentos
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são alternativos aos movimentos de classe tradicionais e aos partidos de esquerda,
portanto, têm a capacidade de substituir tais lutas, o que não condiz com a tradição
marxista. Outra concepção entende que esses movimentos são um complemento
das lutas dos movimentos clássicos, já que os considera a vanguarda do processo
de emancipação. Numa tentativa de apreensão dialética da questão e procurando
ser coerente com a perspectiva de sujeito histórico, defendida no item anterior, esse
estudo parte da compreensão de que os considerados “novos movimentos sociais”,
podem, a partir do compromisso com a emancipação social, ser um sujeito
integrante e não um complemento, um acessório, que poderá juntamente com a
centralidade dos movimentos clássicos participar de uma articulação do processo de
lutas sociais.
Outra consideração importante nessa reflexão inicial está relacionada ao
conceito de “Movimentos Sociais”. Este estudo parte da concepção de que o
movimento social caracteriza “uma organização, com relativo grau de formalidade e
de estabilidade, que não se reduz a uma data atividade de mobilização [...]” e que
tem como determinações: ser “conformado pelos próprios sujeitos portadores de
certa identidade/necessidade/reivindicação/pertencimento de classe que se
mobilizam por respostas ou para enfrentar tais questões” (MONTAÑO;
DURIGUETTO, 2011, p. 264). Estas características diferem os movimentos sociais
de uma ONG que, segundo os autores, é “constituída por agentes remunerados ou
voluntários, que se mobilizam na resposta a necessidades, interesses ou
reivindicações em geral alheios e não próprios” (p. 264). Outra distinção feita pelos
autores é entre movimentos sociais e mobilização. Explicam que a diferença não se
relaciona apenas a uma questão semântica, já que mobilização não significa uma
organização, mas sim, uma ferramenta do movimento.
Em relação ao debate teórico e político sobre os “novos movimentos sociais”,
de acordo com Montaño e Duriguetto (2011), podem ser caracterizados três grupos:
Visão “acionalista”; Esquerda pós-moderna e Visão marxista.
A visão acionalista foi fundada por pensadores europeus não marxistas, tendo
como principais expoentes Alain Touraine e Tilman Evers, que exercem uma grande
influência sobre a maneira de se pensar esses movimentos30. De acordo com Gohn
30Para se ter uma ideia da abrangência dessa visão, Alain Toraine, um de seus principais teóricos, tem cerca de 50 trabalhos dedicados ao ensino e à pesquisa sociológica. Publicou, até 2007, 42
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(2010), o paradigma teórico de Touraine alicerça-se no que se convencionou chamar
de “ciência da ação social”, também denominada acionalismo. De acordo com a
autora, um dos supostos do acionalismo é que toda ação é uma resposta a um
estímulo social. O axioma implícito enfatiza o comportamento social, ou seja, a
conduta dos indivíduos e grupos em termos de conflito ou de integração.
Gohn (2010) explica que o objeto da teoria da ação social de Touraine é o
sujeito histórico e o conceito central é o da ação coletiva. Ele acrescenta que o
pensador francês desenvolve uma análise geral da sociedade em termos geral e
histórico, a partir da recusa da dominação de macroestruturas, por leis naturais de
um sistema social ou por determinações de qualquer espécie. Ressalta que, para
Touraine, seria “um erro ver os movimentos sociais como agente de mudança
histórica ou forças da transformação do presente e construção do futuro” (GOHN,
2010, p. 100). Nesse turno, assinala que para Touraine os movimentos não são, em
si mesmos, agentes negativos ou positivos da história, do processo de
modernização ou da liberação da humanidade. Para ele, “um movimento social é ao
mesmo tempo um conflito social e um projeto cultural” (p. 100). Quanto à teoria dos
movimentos sociais, Gohn relata que, de acordo com Touraine, esta deve ser
construída ao redor das ações coletivas, das representações e lutas dos atores, e
devem ser analisados dentro de uma teoria mais geral dos conflitos31.
A perspectiva “esquerda pós-moderna” compreende os movimentos sociais a
partir da negação das bases teóricas do marxismo e de todo pensamento moderno.
Suas análises são inspiradas na teoria acionalista, essencialmente ligada ao
universo da cultura e da reprodução social. Esse pensamento é formado por uma
variedade de tendências e diferentes matrizes e perfis ideopolíticos. Um dos
pensadores desta corrente – e que também tem grande influência nas análises
contemporâneas sobre os “novos movimentos sociais” – é Boaventura de Souza
Santos, que é de uma perspectiva mais esquerdista dentro da vertente pós-
moderna.
livros em língua francesa (32 de autoria individual e 10 com outros autores) e centenas de artigos em revistas acadêmicas (GOHN, 2010). 31Para maiores informações sobre essa perspectiva os interessados podem consultar os diversos livros de Alain Touraine publicados no Brasil. Outra indicação é o livro “Novas teorias dos movimentos sociais”, de Maria da Glória Gohn, discípula de Alain Toraine, que dedica um capítulo para discutir a trajetória do pensamento de Alain Touraine.
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Enquanto um grupo com perfis ideológicos variados, são diferentes ideias que
sustentam esse pensamento. No entanto, de acordo com Montaño e Duriguetto
(2011, p. 317), duas premissas merecem destaque: a) “defesa da crise da razão
moderna e a rejeição do conhecimento totalizante; e b) o fim de qualquer projeto
societário que parta da emancipação do trabalho e que se contraponha ao
capitalismo”.
Em relação à suposta crise da razão, os autores ressaltam que o pensamento
pós-moderno crítica a possibilidade de se compreender a realidade a partir da razão,
nesse sentido, criticam a concepção de realidade como um todo complexo e
contraditório que possa ser apreendido, problematizado e transformado. Para eles, a
realidade é “como um todo fragmentado, marcado pela efemeridade e
indeterminação, o que impossibilita explicar a totalidade da vida real”. É nesse
sentido que “há forte propensão a semiologizar o real, isto é, reduzir a realidade e o
conhecimento sobre ela a uma construção discursiva” (MONTAÑO; DURIGUETTO,
2011, p. 318). Portanto, o conhecimento e os discernimentos de verdade dos fatos
são resultados de gostos, valores e convicções pessoais. Para os autores, essa
visão da realidade como um conjunto de fragmentos tem duas implicações no
campo da teoria social. A primeira é que a realidade deixa de ser compreendida
como uma totalidade embrenhada de conexões. A segunda se relaciona ao campo
da práxis política, pois incapacita qualquer possibilidade de engajamento em algum
projeto de emancipação.
Quanto à segunda premissa, “fim de qualquer projeto societário que parta da
emancipação do trabalho e que se contraponha ao capitalismo”, Montaño e
Duriguetto (2011) afirmam que o pensamento pós-moderno – a partir da
compreensão que as sociedades contemporâneas são constituídas pela
diferenciação e não a partir da identificação tradicional como a de classe – entende
que a motivação dos movimentos sociais passa ser a construção de uma nova
sociabilidade, fundada nas diferenças, na cultura e na identidade. Nesse sentido, as
lutas desenvolvidas no âmbito dos “NMS” são em torno de questões feministas,
étnicas, ecológicas, entre outras, e não em torno das questões de classe. Outro
ponto importante relacionado a essa premissa é a visão despolitizada da sociedade
civil, pois, ao invés de ser um espaço de lutas e embates, passa a ser considerado
um local em que é possível exercer a diferença, o pluralismo, as escolhas pessoais,
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principalmente as relacionadas ao padrão de consumo e estilo de vida. Essa
concepção de sociedade civil faz com que o objetivo dos “NMS” passe a ser as lutas
do cotidiano contra as opressões, tendo como alvo as identidades.
A compreensão marxista de movimentos sociais parte de uma visão de
totalidade da realidade, na qual Estado, sociedade civil e mercado são esferas da
mesma realidade social, histórica, permeada por conflitos, contradições e disputas.
Para Montaño e Duriguetto (2011), os movimentos sociais podem se fundar a partir
de demandas pontuais e podem se desenvolver em espaços localizados, sem que
isso signifique a retirada do vínculo com o sistema capitalista de produção e
distribuição da riqueza. Portanto, não podem ser desvinculados da produção e do
consumo, das esferas política e econômica, do Estado e do mercado.
Um dos autores que procuram analisar os movimentos sociais a partir dessa
perspectiva é Jean Lojkine. Para ele, conforme Montaño e Duriguetto (2011), nas
formações capitalistas avançadas, as lutas de classes não se restringem à
produção, mas permeiam toda a sociedade e o aparelho estatal. Compreende que
os movimentos sociais, que ele denomina “movimento social urbano”, podem ser
considerados como manifestação das lutas de classe à medida que a urbanização e
a repartição espacial da população, a acessibilidade aos equipamentos e serviços
de consumo coletivo não podem ser refletidos fora da relação com as estruturas de
produção e com a exploração da força de trabalho. É nesse sentido que considera o
espaço urbano como um “local onde confluem o econômico, o político e o social
onde se interconectam os momentos de reprodução das relações sociais e da
reprodução da força de trabalho” (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p. 327).
Essa compreensão leva Lojkine a propor uma articulação das ações e
análises da questão urbana e da questão da produção, pois isso possibilitaria ao
movimento social urbano uma perspectiva de luta que evoca a questão do poder
político, ou seja, a capacidade de transformar o sistema socioeconômico no qual
surgiu. Essa concepção tem como pano de fundo uma abordagem de Estado no
qual o político não aparece como instrumento de uma classe, mas sim, como lugar
de luta de classes, como uma das revelações da contradição entre a socialização do
trabalho e a apropriação privada dos meios de produção e do produto do trabalho. É
nesse contexto que Lojkine considera que o movimento social não objetiva apenas a
reivindicação de pleitos ante o Estado, mas também participar do poder político do
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Estado. Por tudo isso é que Lojkine entende os novos movimentos sociais urbanos
como articulados aos movimentos sociais ligados à produção, ou seja, estão ligados,
de uma forma ou de outra, a questões político-econômicas ou ao movimento
operário, ou um partido político. Essa articulação pode possibilitar a manifestação do
que ele considera o mais alto grau das lutas de classe, o lócus onde acontece a
trajetória de um novo modo de produção (MONTAÑO, DURIGUETO, 2011).
Considerando que tanto as lutas dos movimentos clássicos quanto os “novos”
movimentos têm a mesma raiz, ou seja, a exploração do capital sobre o trabalho e
suas manifestações, a contribuição de Lojkine em relação à articulação e integração
dessas lutas torna-se fundamental, principalmente diante dos atuais desafios que
são colocados para a humanidade (crise do capital e suas nefastas manifestações
sociais e ambientais). No entanto, ainda há um grande caminho a percorrer, pois,
historicamente, tanto os movimentos clássicos quanto os “novos” construíram suas
lutas de forma desarticulada, como se verá em relação especificamente ao
movimento ambientalista, exposto no item a seguir.
3.4 O M ovim ento am bienta lis ta no contexto das lu tas soc ia is
A história do movimento ambientalista mostra que esse movimento não teve
um começo claro, ou seja, não houve nenhum acontecimento que conflagrasse um
movimento de massa. Foi gerado pelos amantes da natureza, profissionais e
pessoas que questionavam os valores da sociedade capitalista e defendiam uma
relação mais harmônica com a natureza.
Nesse sentido, pode-se dizer que o movimento ambientalista possui uma
diversidade na sua composição e formas diferenciadas de manifestação em cada
país e cultura. Para Loureiro (2003, p. 17), o movimento ambientalista
[...] se inscreve na política mundial, simultaneamente, como um posicionamento de apropriação simbólica e material que vai desde proposições civilizatórias, passando pelo questionamento da sociedade industrial capitalista e das características intrínsecas das leis do mercado, as iniciativas comportamentais ecologicamente corretas, tendo como eixo analítico o processo de atuação humana no ambiente e a discussão acerca da relação sociedade-natureza [...].
Para Castells (2003), se por um lado a pluralidade de ações coletivas,
políticas e discursos agrupados sob a égide do ambientalismo tornam praticamente
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impossível considerá-lo um único movimento social, por outro, permitem sustentar “a
tese de que é justamente essa dissonância entre teoria e prática que caracteriza o
ambientalismo como uma nova forma de movimento social descentralizado,
multiforme, orientado à formação de redes e de alto grau de penetração” (p. 143).
Numa tentativa de compreender essa formação plural, assim como as formas
de atuação, vários autores procuram fazer uma classificação dos vários
componentes que integram o ambientalismo. Uma distinção inicial está relacionada
aos termos ambientalismo e ecologia. Para Castells (2003, p. 143-144),
ambientalismo se refere a “todas as formas de comportamento coletivo que tanto em
seus discursos como em sua prática, visam corrigir formas destrutivas de
relacionamento entre o homem e seu ambiente natural [...]” e ecologia, do ponto de
vista sociológico, é “o conjunto de crenças, teorias e projetos que contempla o
gênero humano como parte de um ecossistema mais amplo, e visa manter o
equilíbrio desse sistema em uma perspectiva dinâmica e evolucionária”. Para o
autor, o ambientalismo é a ecologia na prática e o ambientalismo na teoria. É
importante lembrar que, apesar de o autor fazer essa diferenciação, esta parte de
uma perspectiva dialética de análise, na qual a práxis e a teoria estão imbricadas,
sendo fases de um mesmo movimento.
A partir dessa perspectiva, pode-se dizer que uma primeira compreensão da
teoria e práxis do movimento ambientalista se dá no contexto dos embates sobre o
papel das áreas protegidas nos EUA, no início do século XX. De acordo com Mc
Cormick (1992), o movimento americano se dividiu em dois campos: os
preservacionistas e os conservacionistas. No campo da ação, os preservacionistas
buscavam preservar as áreas virgens de qualquer uso que não fosse recreativo ou
educacional, tendo como pressuposto teórico “a reverência à natureza no sentido de
apreciação estética e espiritual da vida selvagem” (DIEGUES, 1996, p. 30), John
Muir, um dos principais teóricos e ativistas dessa linha, defendia que não somente
os animais, mas as plantas e até as rochas e a água eram fagulhas da Alma Divina
que permeava a natureza. De acordo com Diegues, essas ideias, segundo as quais
os homens não poderiam ter direitos superiores aos animais (depois chamadas
biocêntricas), ganharam um apoio científico da História Natural, em particular da
teoria da evolução de Charles Darwin.
| 108 |
Os conservacionistas apregoavam o uso racional dos recursos naturais, ou
seja, a exploração sustentada dos recursos naturais tais como solo, florestas e
águas. De acordo com Diegues (1996), a partir de uma lógica de transformação da
natureza em mercadoria, Gifford Pinchot, engenheiro florestal, criou o movimento de
conservação dos recursos, sendo um dos primeiros movimentos técnicos-práticos
contra o desenvolvimento a qualquer custo. Para o autor, essas ideias foram
pioneiras do que, a partir de meados da década de 1980, começou-se a chamar de
desenvolvimento sustentável. Ressalta ainda que foi grande a influência das ideias
de Pinchot, principalmente no debate entre desenvolvimentistas e conservacionistas,
e estas estiveram no centro dos debates da Conferência de Estocolmo, em 1972. No
entanto, é importante dizer que tanto os conservacionistas como os
preservacionistas conformam movimentos que não questionam a lógica do capital,
podendo ser considerados como românticos.
Nos anos de 1960, para além do campo preservacionista e conservacionista,
passou a existir um novo tipo de movimento ambiental que “provinha de um
movimento de ativistas que partiam de uma crítica da sociedade tecnológico-
industrial [...] cerceadora de liberdades individuais, homogeneizadora das culturas e,
sobretudo, destruidora da natureza” (DIEGUES, 1996, p. 39). Para o autor, esse
novo ambientalismo surgiu com as agitações dos estudantes de 1968 nos EUA e na
Europa, quando as questões ambientais passaram ser bandeiras de luta – ao lado
do antimilitarismo, pacifismo, direitos das minorias, etc. – e se preocupavam
fundamentalmente com a qualidade de vida e o comprometimento, como fruto dos
impactos do crescimento econômico.
Nesse período, vários eventos contribuíram para reforçar a bandeira de luta
do movimento ambientalista. Entre eles ressalta-se o lançamento do livro da
jornalista Rachel Carson em 1962, “Primavera silenciosa”, que denunciava os
impactos do uso abusivo do DDT nas lavouras americanas, o que vinha
ocasionando a perda da qualidade de vida. O livro vendeu mais de meio milhão de
cópias e atingiu o grande público dos países desenvolvidos. Outra contribuição foi a
criação das primeiras organizações ambientalistas de dimensão global, como a
WWF e o Greenpeace. O Greenpeace passou a ser a organização ambiental mais
conhecida do público e o estopim de sua criação foi a luta contra a poluição
atmosférica vinculada aos testes nucleares. Pode-se dizer que entre as questões
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ambientais levantadas por esses movimentos, a luta contra as centrais nucleares foi
um dos fatores que, de certa forma, unificou as bandeiras de luta do ambientalismo.
Esse novo ambientalismo surge, como visto, num momento de intensas
manifestações de estudantes, feministas, entre outros grupos, porém, de acordo
com Mc Cormick (1992, p. 75), não consegue estabelecer laços formais entre os
movimentos por direitos civis. Ambos tinham valores diferentes e clientelas muito
diferentes. Segundo o autor, muitos estudos realizados nos Estados Unidos no final
da década de 1960 apontavam que o ambientalismo era elitista e que retirava a
maior parte de seu apoio da classe média branca, enquanto os cidadãos negros dos
Estados Unidos, as questões mais imediatas e urgentes, eram responsabilidade da
justiça econômica e social e dos direitos civis. Já os pobres lutavam por trabalho,
educação e igualdade econômica e social. Infelizmente, essa desarticulação entre
as lutas sociais e ambientais passa a ser uma característica não só dos movimentos
ambientalistas, mas também dos considerados “novos movimentos sociais”.
Apesar dessas dificuldades, o movimento ambiental consegue atrair a
atenção de um grande público e a questão ambiental passa a encontrar o caminho
das políticas públicas com a realização, naquele período, da I Conferência do
Desenvolvimento humano em Estocolmo, em 1972, e posteriormente com a criação
do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
Procurando compreender esse novo ambientalismo, a partir dessas novas
determinações, Diegues (1996) propõe a divisão do pensamento ecológico em:
Ecologia profunda, Ecologia Social, e Eco-socialismo.
O termo “Ecologia profunda” foi criado em 1972 por Arne Naess, filósofo
norueguês, e teve como objetivo sair do sentido proposto da ecologia como ciência
para um nível mais profundo de consciência ecológica. A “Ecologia profunda” possui,
entre outros, os seguintes princípios básicos: i) a vida humana e não humana têm
valores intrínsecos independentes do utilitarismo; ii) os humanos não têm o direito
de reduzir a biodiversidade, exceto para satisfazer as suas necessidades vitais; iii) a
interferência humana na natureza é demasiada; iv) as políticas econômicas devem
ser mudadas, afetando as estruturas econômicas, tecnológicas e ideológicas. Um
dos exemplos de ação apontados por Castells (2003), a partir desses princípios, foi
a criação do Earth First, um movimento extremista partidário da insubordinação civil,
e até mesmo atos de “ecotagem” contra a construção de barragens, extração de
| 110 |
madeira e outras formas de agressão à natureza, o que fez com seus membros
fossem processados e presos.
Segundo Diegues (1996), a ecologia social criada por Murray Brookchin
considera que a degradação ambiental está ligada ao modo de produção capitalista.
Essa perspectiva vê os seres humanos não como uma espécie diferenciada (como
pretendem os ecologistas profundos), mas como seres sociais que formam grupos
diferentes como: pobres e ricos, brancos e negros, jovens e velhos. Propõe uma
sociedade democrática, descentralizada e baseada na propriedade comunal de
produção. Critica a noção de Estado e, por isso, é considerada de acordo com
Diegues, como anarquista e utópica.
O Eco-socialismo tem procedência no movimento de crítica intensa ao
marxismo clássico no que diz respeito à concepção do mundo natural. Para os
ecomarxistas, a perspectiva de natureza para Marx é tida como estática, pois a
considera apenas em virtude da ação transformadora do homem, por meio do
processo de trabalho, proporcionando-lhe as condições naturais desse trabalho e o
arsenal dos meios de subsistência. Esta concepção proporcionou e ainda
proporciona um intenso debate no interior da tradição marxista. De um lado,
Hobsbawn, em sua publicação de 1971, citada por Diegues, explica que Marx se
preocupou com a explicação do sistema capitalista na qual a natureza aparecia
como uma simples mercadoria e marginalmente como as sociedades primitivas, nas
quais o mundo natural foi pouco modificado devido ao parco desenvolvimento das
forças produtivas. As sociedades primitivas eram consideradas por Marx como
desenvolvimentos puramente locais da humanidade e como idolatria da natureza.
Na sociedade capitalista, a natureza não é mais reconhecida como um poder, mas
como objeto de consumo ou meio de produção.
Diegues aponta nesse debate a contribuição de mais três autores, Gutelman,
Skibberg e Moscovici. Gutelman também critica a noção clássica de natureza como
condição invariante da produção e propõe o conceito de forças produtivas da
natureza (fotossíntese, cadeias tróficas) em contraposição à noção de forças
produtivas históricas. Skibberg vai além ao afirmar que a infraestrutura não é
composta somente pelas forças produtivas do trabalho e pelas relações sociais de
produção, mas também pelas forças produtivas da natureza. Diante disso, aponta
que a contradição básica na sociedade capitalista deveria incorporar também a
| 111 |
contradição existente entre as forças produtivas e as forças produtivas da
natureza32. Já o neomarxista Moscovici, citado por Diegues, ao publicar no início da
década o livro “Hommes domestique, hommes sauvages”, ressalta a importância dos
trabalhos de juventude de Marx para o entendimento da relação homem-natureza.
Critica a oposição entre culturalismo e naturalismo. Argumenta que todos os
esforços do homem são feitos para aumentar os espaços entre a sociedade e a
natureza, e a própria evolução tenderia a distanciar o homem em relação ao mundo
natural. O naturalismo afirma a unidade entre sociedade e natureza, entre a ciência
do homem e a natureza. Segundo ele, o naturalismo propõe uma sociedade para a
qual a natureza é um lugar onde o homem pode desabrochar; uma realidade aberta
que ele pode ajudar desenvolver. Para Diegues, Moscovici evoca uma nova utopia,
na qual é necessário não um retorno à natureza, mas uma mudança do que é
atualmente uma relação humana destrutiva da natureza, uma nova relação homem-
natureza, uma nova aliança, na qual a separação seja substituída pela unidade.
Esse debate na tradição marxista não terminou, continua em aberto, como
pode ser visto no segundo capítulo deste estudo. Atualmente reunidos em torno da
revista “Capitalism, Nature, Socialism”, esse debate se renova com as contribuições
de O’Connor, Foster, Chesnais, entre outros.
É importante dizer que as Escolas de pensamento apresentadas por Diegues
foram e ainda são utilizadas para a compreensão das ações do movimento
ambientalista, mas não conseguem abarcar toda a diversidade de ações na
atualidade. Nesse sentido, é importante incorporar outras caracterizações como, por
exemplo, o “Ecocapitalismo”. Essa tendência, de acordo com Lima (1997),
representa uma posição politicamente dominante dentro do ambientalismo global.
Reconhece que a questão ambiental é um subproduto indesejável do progresso,
mas perfeitamente ajustável dentro da ordem capitalista. Defende que o
desenvolvimento sustentável é possível a partir de ajustes tecnológicos aliados a
instrumentos econômicos (transferências fiscais, impostos, taxas, subsídios, etc.).
Por fim, compreende o “enfoque de mercado, que julga o livre jogo entre produtores
capaz de avançar na direção de uma sociedade sustentável”. O evangelho dessa
perspectiva é a ecoeficiência, uma filosofia de gestão empresarial que incorpora a
32 Estas questões apontadas por Skibberg na publicação do início da década de 1970 são retomadas, como foi visto no Capítulo 3 deste estudo, pelo ecomarxista O’Connor.
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gestão ambiental, associando-a a objetivos econômicos, perfeitamente adequada à
ordem do capital.
Além dessas perspectivas de compreensão, alguns autores propõem
classificações que podem contribuir para caracterizar o movimento ambientalista.
Viola e Leis (1998) consideram o movimento ambientalista brasileiro como sendo
multissetorial, composto por oito eixos com diversos graus de interação e
institucionalização. São eles: i) ambientalismo stricto sensu: formado por
organizações e grupos comunitários ambientalistas, que se distinguem em três tipos
(profissionais, semiprofissionais e amadores); ii) ambientalismo governamental:
incluem as agências estatais do meio ambiente; iii) socioambientalismo: ONGs,
sindicatos, movimentos sociais que têm outros objetivos, mas que incorporam a
dimensão ambiental na sua atuação; iv) ambientalismo dos cientistas: pessoas,
grupos e instituições que realizam pesquisa científica sobre a área ambiental; v)
ambientalismo dos políticos profissionais: quadros partidários; vi) ambientalismo
empresarial: gerentes e empresários que pautam seus processos produtivos e
investimentos pelo critério da sustentabilidade; vii) ambientalismo religioso:
representantes das várias religiões que vinculam a problemática ambiental à
consciência do sagrado; viii) ambientalismo dos educadores, jornalistas e artistas
preocupados com a problemática ambiental.
Não resta dúvida de que a dimensão ambiental perpassa os diversos setores
da vida social, nesse sentido, a tentativa de apresentar de modo esquemático o
acontecimento desse processo revela como a dimensão ambiental vem sendo
inserida no âmbito de toda a sociedade. Mas, por outro lado, concordando com
Loureiro (2003, p. 19), “um esquema que manifesta os diferentes setores, nega os
interesses e as determinações de classe que os permeiam e que estão presentes no
ambientalismo”. O autor explica que se de um lado pode contribuir com a definição
de grupos analíticos, por outro, impede a construção de um movimento, ou seja, “o
entendimento da dinâmica e relações que constituem o ambientalismo no país e
suas tendências, principalmente no interior de cada setor destacado” (p. 19).
Além disso, pode-se dizer que essas análises esquemáticas são fruto da
própria ação isolada dos movimentos ambientalistas na sociedade, que, apesar de
tentativas de se unirem às lutas das minorias, à maioria de suas ações se pautaram
e pautam por bandeiras estritamente “ambientais” sem incorporar as questões
| 113 |
clássicas dos movimentos sociais. Por outro lado, os movimentos sociais clássicos
têm dificuldades de incluir a dimensão ambiental em suas bandeiras.
Pode-se levantar várias hipóteses em relação a essa desarticulação entre as
lutas sociais e ambientais. Uma delas é a próprio contexto histórico de surgimento
do movimento ambientalista. Como visto, este movimento surge num contexto em
que há uma mobilização por vários segmentos da sociedade (feministas, jovens,
entre outros) sem uma articulação com os movimentos sociais clássicos.
Outra hipótese é a própria compreensão fragmentada de meio ambiente, ou
seja, há uma consideração de meio ambiente apenas a partir da sua dimensão
natural. É a partir dessa concepção reducionista que, desde a sua formação original,
o ambientalismo vem se dedicando aos aspectos naturais do meio ambiente,
deixando as outras dimensões a cargo de outros sujeitos coletivos. Pode-se dizer
que essa compreensão reducionista, automizando a questão ambiental da questão
social, está presente não só na sociedade dos anos 1960 como também nos dias
atuais, o que contribui e reforça a desarticulação das lutas sociais e ambientais e
leva à compreensão de que se pode pensar na solução da questão ambiental sem
alterar os fundamentos da sociedade.
Estas reflexões não retiram a importância e o valor que as lutas ambientais
tiveram nos últimos 50 anos com o intuito de incluir a dimensão ambiental no
processo de emancipação social, e também não desconsideram as tentativas de
articulação do movimento social e ambiental realizadas. No entanto, os atuais
desafios que se apresentam à humanidade no sentido de eliminar toda forma de
desigualdade, dominação e exploração, tornam necessário que haja articulação e
integração entre as lutas sociais e ambientais.
Considerando o meio ambiente numa perspectiva de totalidade, a noção de
metabolismo proposto por Marx, assim como a concepção marxiana de que a
humanidade e natureza estão inter-relacionadas, como já foi discutido no final do
Capítulo 1 deste trabalho, pode-se dizer que não há sentido em tratar as questões
ambientais e sociais de forma independente e desarticulada. Tanto a questão
ambiental quanto a social são alimentadas por mecanismos idênticos, têm raízes
comuns, são frutos da exploração do capital sobre o trabalho. É nesse sentido que
se postula a necessidade de que sejam articuladas as lutas sociais e ambientais,
| 114 |
tanto no plano político como reivindicativo, combinando essas duas exigências num
mesmo programa de ação.
Nesse contexto, entende-se que diante da atual crise do capital e de uma de
suas principais manifestações, a crise ambiental, se torna fundamental discutir a
articulação das lutas sociais e ambientais. Não é possível pensar em “salvar o
planeta” e não salvar a humanidade, ou vice-versa.
Um dos movimentos sociais que vêm tentando articular as lutas sociais e
ambientais, tanto no âmbito nacional como internacional, é o movimento de justiça
ambiental. Além disso, vem se colocando uma alternativa crítica às correntes
hegemônicas no interior do movimento ambientalista. O próximo item irá discutir
como vem se dando o processo de organização desse movimento.
3.4.1 O movimento de justiça ambiental: possibilidade de integração das lutas sociais e de classe
Como foi visto, o movimento ambientalista construiu a sua história
desvinculando as questões ambientais das questões sociais. Esse movimento tratou
a questão ambiental em termos de preservação, escassez e exploração predatória
dos recursos naturais. Isso levou, conforme foi dito anteriormente, a uma forte crítica
dos movimentos sociais nos Estados Unidos. No entanto, nesse mesmo país – no
qual foram feitas críticas severas à desarticulação das questões sociais e ambientais
– começou a surgir, a partir da década de 1980, uma série de lutas que procuravam
articular a questão ambiental com a desigualdade social.
De acordo com Acserald (2004), o Movimento de Justiça Ambiental se
constitui nos Estados Unidos, nos anos 1980, como um grupo inovador que visava
defender o interesse das populações que viviam nas periferias das metrópoles que
sofriam com contaminação por resíduos industriais. Nesse período, análises de
estudos realizados sobre a distribuição de riscos ambientais apontavam que os
impactos dos acidentes ambientais estavam desigualmente distribuídos por raça e
renda, ou seja, as áreas de maior agrupamento de minorias raciais tinham uma
maior probabilidade de sofrer com riscos e acidentes ambientais. Nesse sentido, a
inovação desses estudos e, posteriormente, da ação dos movimentos foi a
“denúncia que os grupos sociais de menor renda são, em geral, os que recebem as
| 115 |
maiores cargas dos danos ambientais do desenvolvimento” (ACSERALD, 2004, p.
5). O autor ressalta que, apesar de já existir inúmeras lutas por justiça, além não ser
atual a prática de colocar disposições de esgoto e lixo em locais que residem
trabalhadores pobres, despossuídos e pertencentes a minorias étnicas, o Movimento
de Justiça ambiental contribuiu para evidenciar a ligação entre degradação
ambiental e injustiça social. Isso possibilitou a politização dessas questões ao
identificar “a desigual exposição ao risco como resultado de uma lógica que faz que
a acumulação de riqueza se realize tendo por base a penalização ambiental dos
mais despossuídos” (ACSERALD, 2010, p. 110).
Sendo assim, o movimento de justiça ambiental se constituiu nos EUA a partir
de uma articulação entre as lutas de caráter, social, territorial, ambiental e de direitos
civis. Nos termos de Robert Bullard, um dos principais intelectuais ativistas desse
movimento nos EUA, a Justiça ambiental é
[...] condição de existência configurada através da busca do tratamento justo e do envolvimento significativo de todas as pessoas, independente de sua raça, cor, origem ou renda no que diz respeito à elaboração, desenvolvimento, implementação e reforço de políticas, leis e regulações ambientais (ACSERALD; HERCULANO; PÁDUA, 2004, p. 9).
Essa proposta de articulação entre as diversas lutas possibilitou ao
movimento de justiça ambiental nos EUA uma aproximação entre os direitos civis
com as questões ambientais, além de contribuir para sensibilizar as entidades
ambientalistas tradicionais para as lutas contra as desigualdades.
Apesar desse avanço, Gould (2004) aponta que maior parte da literatura
sobre os temas de justiça ambiental nos EUA enfoca o papel do racismo
institucional, cultural e individual no direcionamento dos riscos ambientais para
grupos raciais e étnicos politicamente mais desabilitados, chegando ao conceito de
racismo ambiental33. No entanto, ressalta que “subjacente ao racismo cultural e suas
manifestações institucionais, está uma estrutura econômica que rotineiramente e
regularmente distribuem os riscos ambientais para baixo, em direção aos estratos
socioeconômicos inferiores” (p. 70). Nesse contexto, o autor argumenta que, apesar
das especificidades em relação ao preconceito racial da sociedade estadunidense, a
33 O termo racismo ambiental foi cunhado, em 1978, por Benjamin Chaves, durante os protestos contra os depósitos de PCBs (befenil policlorados) altamente tóxicos em Warren County, Carolina do Norte, o futuro diretor da Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de cor (NAACP) (ROBERTS; TOFFOLON-WEISS, 2004).
| 116 |
distribuição dos riscos ambientais é por classe. Exemplifica dizendo que, nas
economias capitalistas, a contaminação da água do solo e do ar por efluentes
industriais tóxicos, bem como suas consequências negativas sobre a saúde
humana, impactam trabalhadores e desempregados. Proprietários, dirigentes e
investidores podem usar a riqueza obtida na produção para adquirir residências em
áreas ambientalmente seguras, enquanto os que não têm poder aquisitivo para se
mudar são forçados a conviver com os riscos ambientais.
Para Gould (2004, p. 71), o que “faz distribuir os riscos ambientais para os
trabalhadores e os pobres é a segregação de classe das localizações residenciais”,
pois se os padrões habitacionais não fossem segregados por classes, os riscos
ambientais e seus impactos sobre a saúde pública estariam distribuídos de forma
mais uniforme entre os diversos segmentos populacionais. No entanto, como as
economias capitalistas normalmente geram “comunidades segregadas em classes,
os pobres e a classe trabalhadora estão concentrados em áreas tipificadas por altos
níveis de riscos ambientais e baixos níveis de riqueza” (p. 72). Explica que, sob essa
condição, as comunidades pobres e operárias ficam estruturalmente forçadas a
aceitar os empreendimentos econômicos que prometam um aumento no emprego
local. Com isso, as comunidades pobres têm menos liberdade para rejeitar
propostas específicas para alocação de unidades de produção ou de despejo dentro
delas do que as comunidades ricas. Conclui dizendo que “quanto menos rica uma
comunidade, mais provavelmente aceitará novos riscos ambientais se estes vierem
acompanhados da promessa econômica” (p. 73).
As questões colocadas por Gould são essenciais, pois há uma ideia
recorrente nos Estados Unidos, refletida na produção acadêmica, que identifica a
alocação de projetos potencialmente com riscos ambientais e alocação de rejeitos
com o racismo ambiental e na verdade existe uma questão anterior que é a questão
de classe, fruto da sociedade capitalista.
Entre as polêmicas em torno da justiça ambiental dos EUA encontram-se as
questões relacionadas ao racismo ambiental. Um dos entendimentos, conforme foi
visto acima, defende que anterior à questão de raça, na sociedade capitalista
prevalece a questão de classe. Uma segunda visão defende que a localização de
lixo industrial, de indústrias poluentes e de outras instalações de impacto ambiental
danoso pode provir da desigual capacidade de aplicação da lei Ambiental, portanto,
| 117 |
a questão racial é anterior à questão de classe. Uma terceira corrente defende que a
questão de classe e a raça estão entrelaçadas, essa é a posição de Robert Bullard,
um dos maiores ativistas da justiça ambiental dos EUA. Para essa corrente, devido
ao racismo presente na sociedade dos EUA que atinge todas as instituições –
emprego, moradia, educação, localização da fábrica, decisões sobre uso da terra
(ROBERTS; WEISS-TOFFOLON, 2004) – é que se considera que classe e raça
estão entrelaçadas.
Apesar de serem características específicas da sociedade estadunidense,
essas questões são importantes de serem relatadas, pois demonstram os conflitos e
contradições presentes nesse processo. Além disso, foi a partir dessa experiência
que esse movimento se internalizou e hoje existe em diversos países. Nesse
sentido, é importante ressaltar que, se por um lado, durante o processo de
internacionalização do movimento conservou-se a inovação no que se refere à
articulação das lutas sociais e ambientais, por outro lado, houve em cada país uma
releitura dessas ideias a partir da realidade política, cultural e social de cada país.
Para Acserald, Mello e Bezzera (2009), há uma tentativa de alguns de
deslegitimar o movimento, argumentando que seria uma causa “importada” ou
“copiada”. Segundo os autores, esse juízo desconsidera principalmente dois
aspectos importantes. Primeiro, que a injustiça ambiental é gerada pela grande
mobilidade que os empreendimentos ambientalmente perversos têm assumido. Um
dos exemplos é que as lutas por justiça ambiental em diferentes países têm como
alvo as mesmas empresas. Nesse sentido, a internacionalização do Movimento
pode trazer possibilidades de se enfrentar a exportação dos riscos ambientais. Em
segundo lugar, tal argumento desconhece as significativas especificidades que o
movimento vai adquirindo nos diferentes países34.
O Brasil, um país marcado por fortes desigualdades, grandes injustiças, o
tema da justiça ambiental vem sendo “reinterpretado de modo ampliar o seu escopo,
para além da temática específica da contaminação química e do aspecto da
discriminação racial” (ACSERALD; HERCULANO; PÁDUA, 2004, p. 10). O potencial
político no Brasil é enorme, o país é extremamente injusto em termos de distribuição
de renda e acesso aos recursos naturais. Para os autores, a realidade brasileira
34Uma das importantes mostras do processo gradativo de internacionalização do Movimento de Justiça ambiental foi a realização de um colóquio Internacional em Johanesburgo, com mais de 300 participantes, durante a Conferência Rio+10.
| 118 |
demonstra uma situação constante de injustiça socioambiental, como os
vazamentos e acidentes na indústria petrolífera e química, morte de rios, lagos e
baías, doenças e mortes causadas pelo uso do agrotóxico e outros poluentes,
expulsão das comunidades tradicionais pela destruição dos seus locais de vida e
trabalho, entre outras situações35.
Diante desses desafios, as lutas do movimento ambientalista no Brasil têm
sido direcionadas às práticas de proteção ambiental, na sua maioria, desarticulada
do movimento social e se configurando numa
[...] nebulosa associativa formada por um conjunto diversificado de organizações com diferentes graus de estruturação forma, desde ONG e representações de entidades ambientalistas internacionais e seções “ambientais” de organizações não especificamente “ambientais” e grupos de base com existência associada a conjunturas específicas (ACSERALD, 2010, p. 103).
Esta diversidade de instituições envolvidas na área ambiental sempre teve
como desafio, entre outros, “engajar-se em campanhas que evocam a ‘proteção ao
meio ambiente’ sem desconsiderar as evidentes prioridades de luta contra a pobreza
e a desigualdade social” (ACSERALD, 2010, p. 103). Além disso, “como conquistar
legitimidade para as questões ambientais, quando, com frequência, a preocupação
com o ambiente é apresentada como obstáculo de desemprego e à superação da
pobreza?” (p. 103).
Entende-se que esses desafios acontecem porque o pensamento
ambientalista hegemônico no Brasil não tem operado com a articulação entre as
questões ambientais e sociais36. A partir de meados de 1980 essa articulação
começa a se dar com a organização do Fórum Brasileiro de ONG e Movimentos
35 São várias as situações de injustiça ambiental presentes na sociedade brasileira. Além das situações apontadas, os trabalhadores brasileiros convivem com as incertezas do desemprego, da desproteção social, da precarização do trabalho. Encontram-se expostos a fortes riscos ambientais, seja nos locais de trabalho, de moradia ou no ambiente que circula. Além de serem expostos aos riscos decorrentes das substâncias perigosas, da falta de saneamento básico, de moradia em encostas perigosas e em beiras de cursos d’água sujeitos à enchentes, entre outras situações (ACSERALD; HERCULANO; PÁDUA, 2004). 36 Procurando mapear as ações das entidades envolvidas na questão ambiental, Acserald (2010) faz a seguinte análise: inicialmente os alvos mais comuns das associações ambientalistas eram os problemas que afetavam a vida de comunidades localizadas, seja na cidade, a partir de conflitos locacionais, efeitos da aglomeração, construção de infraestrutura, etc. Posteriormente com a chegada ao país de representações de entidades ambientalistas internacionais foi se configurando um campo com campanhas amplas, vinculadas ao debate internacional sobre biodiversidade e mudanças climáticas. Nesse período, um certo número de entidades constituiu-se na perspectiva de influenciar diretamente políticas governamentais e o debate legislativo.
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sociais para o meio ambiente e o desenvolvimento (em preparação para a RIO-92).
Desta forma,
[...] incorpora-se a temática ambiental ao debate mais amplo de crítica a busca de alternativas ao modelo de desenvolvimento [...] e abre-se um diálogo, inconcluso, mas persistente, voltado à construção de pautas comuns entre entidades ambientalistas e o ativismo sindical, o movimento dos trabalhadores rurais sem terra, os atingidos por barragens, os movimentos comunitários das periferias das cidades, os seringueiros, os extrativistas e o movimento indígena (ACSERALD, 2010, p.105).
Existe, no Brasil, um conjunto de ações e movimentos sociais que há muito
tempo estão envolvidos com lutas que articulam as questões sociais e ambientais.
Como exemplo, pode-se citar o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), o
Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), Extrativistas, os
Seringueiros no Acre e as Quebradeiras de babaçu no Maranhão. Esses
movimentos, pela própria natureza de suas lutas, procuram não dissociar as
questões sociais e ambientais, além disso, promovem uma articulação distinta ao
unir a estas questões a noção de justiça e classe. Essa articulação das lutas sociais
e ambientais, somada à ideia de justiça e classe, caracteriza o movimento de justiça
ambiental. Portanto, mesmo que esses movimentos não utilizem o termo justiça
ambiental, a sua práxis funda-se nessa concepção37.
A compreensão das lutas sociais a partir da perspectiva da justiça ambiental
possibilita não só a “ressignificação da questão ambiental” (ACSERALD, 2010, p.
108), mas também a ressignificação das lutas dos movimentos sociais como um
todo, sejam eles clássicos ou “novos”, no sentido de concentrar esforços de
denúncia e enfrentamento da desigualdade social e ambiental que caracteriza o
modelo de desenvolvimento no Brasil.
Nesse processo de articulação das lutas sociais e ambientais é fundamental a
adesão às lutas ambientais no interior do movimento sindical, ator decisivo, já que,
como foi argumentado anteriormente, tem a centralidade das lutas sociais
juntamente com outros sujeitos coletivos, mas pouco mobilizados para essas
questões. Para Acserald (2002), dois obstáculos impedem o maior engajamento do
movimento sindical em lutas ambientais. O primeiro é a prevalência, no debate
público de uma visão economicista da questão ambiental, apontando mais para a
37 O artigo “Águas para a vida e não para a morte”: notas para uma história do movimento de atingidos por barragens no Brasil relata a experiência desse movimento. Está publicado no livro “Justiça ambiental e cidadania”, de Acserald, Herculano e Pádua (2004).
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busca de eficiência do que para a justiça social. Nesse sentido, é necessária uma
visão crítica do economicismo ambiental e de uma articulação entre meio ambiente e
justiça. É fundamental, nesse processo, os trabalhadores entenderem que as lutas
ambientais não prejudicam a capacidade organizativa de suas bases e que as
pressões sobre as práticas empresariais poluentes não resultarão em desemprego.
Um segundo obstáculo está relacionado à capacidade das empresas
sujeitarem os trabalhadores à chantagem do desemprego. Frequentemente, quando
confrontados a uma pressão pela eliminação de práticas poluentes, os
representantes empresariais alegam que se assim o fizerem provocarão
desemprego. Nesse sentido, a alternativa das empresas é persuadir a sociedade e
os trabalhadores de que a contaminação é inevitável, dando a entender que a
sociedade deve escolher entre ter empregos em processos poluentes ou perdê-los,
uma tática recorrente no capitalismo.
Mesmo com esses desafios, um dos exemplos que envolveram as questões
sociais, ambientais e de justiça e que houve a atuação direta do movimento sindical,
dos trabalhadores e suas famílias são os episódios relacionados à contaminação
química ocorrida no estado de São Paulo. Dois casos merecem destaque: o Caso
Solvay e a contaminação por POPS, da Rhodia. O primeiro episódio aconteceu na
empresa “Solvay Indupa do Brasil”, uma indústria de produtos químicos de capital
Belga que atua no Brasil desde 1948. Em 1987, o sindicato dos Químicos do ABC
descobriu a existência de 89 trabalhadores contaminados por mercúrio metálico. O
caso, de acordo com Costa e Freitas (2004, p. 232), teve diversos desdobramentos
“no campo tecnológico, legal, sindical, acadêmico, institucional, ambiental e
internacional”, o que possibilitou evidenciar a potencialidade da ação sindical no
trabalho para a alteração de padrões tecnológicos e modelos acadêmicos sobre a
saúde ocupacional do trabalhador e processos institucionais. Entre os
desdobramentos, ressalta-se: a) negociação com a empresa e a Divisão Regional do
Trabalho do ABC definindo vários termos, como: interdição dos setores
contaminados, substituição de pisos e janelas, entre outros; b) mudanças na
correlação de forças dentro da empresa e a hegemonia das chefias, levando a
cultura de empresa-mãe cair por terra; c) transformação dos incipientes programas
de saúde do trabalhador da rede pública em Centro e Referência em Saúde do
Trabalhador; d) impacto e mudança na normatização nacional com a alteração da
| 121 |
Norma Regulamentadora, que obriga o empregador informar aos trabalhadores
sobre os resultados dos exames médicos e resultados das avaliações ambientais; e)
uma aproximação do sindicato com as entidades de moradores da região e de
ambientalistas (Greenpeace e Movimento de Defesa da Vida). Enfim, concordando
com os autores, esse caso demonstra uma forte relação entre a saúde do
trabalhador e o ambiente de trabalho, além do impacto externo das tecnologias de
produção sobre o meio ambiente, a possibilidade de atuação conjunta entre
sindicalistas, trabalhadores, ambientalistas, associações comunitárias e instituições
públicas e parlamentares.
O segundo caso, “Rhodia/POPs”, é considerado um dos 10 maiores crimes de
contaminação do solo e águas subterrâneas do planeta e o maior drama de
exposição humana no Brasil aos poluentes orgânicos persistentes (POPs)38. De
acordo com a Associação de Combate aos POPs (ACPO, 2011), em 1965, a
empresa Clorogil, subsidiária da multinacional francesa PROGIL (que em 1974
fundiu-se com a Rhône-Poulenc, representada no Brasil pela Rhodia S.A.) iniciou
em Cubatão as operações de uma fábrica que produzia POPs. Desta fabricação,
que operou de 1974 a 1993, gerou algo estimado em torno de 20 mil toneladas de
resíduos tóxicos compostos de C6Cl6, C4Cl6, C2Cl6, C2Cl4, etc., que foram
totalmente dispostos sob o solo ou enterrados. Esta disposição irregular de resíduos
direto no solo leva a se estimar que exista ainda algo superior a 300 mil toneladas
de solo contaminado. Nos anos de 1980, várias denúncias foram feitas e o Ministério
Público paulista abriu procedimentos investigatórios que confirmaram a
contaminação do solo, das águas superficiais e subterrâneas e da cadeia alimentar
da região.
De acordo com Gomes (2004), com a expansão imobiliária e consequente
ocupação dos locais de despejo clandestino, aconteceu o inevitável: a população de
baixa renda se deparou com clareiras mal cheirosas e repletas de blocos amarelos
(pedras formadas por agregação dos POPs) que provocavam alergia na pele, além
de tonturas e náuseas aos que se aproximavam. Com a denúncia dessas
38Os poluentes orgânicos persistentes (POPs) são substâncias tóxicas geradas em diversos processos industriais que empregam cloro e derivados do petróleo. São tóxicos aos seres vivos, não sendo eliminados pelos organismos com facilidade, demorando décadas. Para se ter a dimensão do problema, vários estudos já apontaram que é cada vez maior a incidência de câncer em populações comprovadamente expostas e ambientalmente a estes tóxicos, assim como de distúrbios reprodutivos.
| 122 |
comunidades à imprensa, em 1984, o caso veio à tona. Pelo contexto político e
social da época, a imprensa nacional deu pouca divulgação ao fato, mas depois de
ações como a instauração da Ação Civil Pública, pela Curadoria do Meio Ambiente
em São Vicente (que resultou depois de 10 anos na condenação da empresa), a
Rhodia isolou as áreas e iniciou a remoção do solo contaminado.
A Rhodia anunciou, em janeiro de 2002, a saída definitiva da Baixada
Santista. A empresa não ofereceu maiores garantias quanto ao cumprimento das
obrigações impostas judicialmente perante o imenso passivo socioambiental. Diante
disso, a ACPO “teme uma possível manobra corporativa da empresa para escapar
da responsabilidade, pois é visível a dança do capital da empresa” ( GOMES, 2004,
247).
Apesar de a Rhodia ter finalizado suas operações há praticamente 10 anos, a
história de contaminação na região não terminou, pois, como visto, a contaminação
por POPs atravessa gerações. O mesmo pode-se dizer em relação à organização e
o envolvimento dos antigos trabalhadores da Rhodia, movimentos ambientalistas,
associações de moradores, entre outros, por justiça social, juntamente com alguns
parlamentares da cidade. A associação de Consciência à Prevenção Ocupacional
(CPO) foi criada em 1978 por um grupo de trabalhadores que fizeram o
enfrentamento através da pressão popular, juntamente com alguns parlamentares
da cidade. A ACPO teve na época forte participação nas questões ambientais e de
saúde pública. Em 2000, houve a incorporação formal das questões ambientais aos
estatutos da entidade, sendo denominada, a partir daí, ACPO - Associação de
Combate aos POPs (ACPO, 2011).
Apesar das dificuldades políticas da época devido ao arbítrio que imperava no
país, o envolvimento dos trabalhadores, juntamente com os movimentos sociais,
ambientais, políticos e religiosos da região, foi fundamental no processo de
enfrentamento do que é considerado um dos maiores crimes corporativos no mundo.
Pode-se dizer que a história de luta desses movimentos contribuiu não só para a
organização e fortalecimento dos trabalhadores nesse processo, mas também na
ampliação da consciência em relação às contradições oriundas do capital e trabalho
e suas manifestações, seja na área social ou ambiental e que, no caso de Cubatão,
devido ao passivo social, ambiental e humano, ainda vão prevalecer por gerações.
| 123 |
Nesse contexto, pode-se dizer que todas essas lutas reforçam e possibilitam
uma progressiva sensibilização dos trabalhadores e do movimento sindical da
necessidade de articular as lutas sociais e ambientais. Para Martins (2004), esse
processo – que ele denomina “ecologização” – vem ocorrendo, mesmo que de forma
lenta. Prova disso, segundo o autor, são as resoluções de congressos de diversas
categorias que reconhecem como de responsabilidade do sindicato tratar a questão
ambiental no mesmo patamar das questões salariais e do desemprego. Aponta que
já em 1999, a 9a. Plenária Nacional da CUT aprovou uma emenda ao texto básico,
na parte relativa ao meio ambiente, que dizia:
A CUT é uma central comprometida com a construção de uma sociedade justa, democrática e igualitária, que necessariamente deve também ser sustentável, pois a atividade econômica deve se sujeitar em primeira instância às restrições de ordem ecológica [...]. (MARTINS, 2004, p. 219).
Mas, apesar desses avanços, ainda há muitos desafios para que os
trabalhadores e suas instituições representativas possam articular as lutas mais
imediatas por postos de trabalho, salários e as questões ambientais relacionadas
tanto com o processo produtivo em que estão imediatamente envolvidos quanto com
questões mais gerais da sociedade. Nesse sentido, Temístocles Marcelos Neto
(2004, p. 224), da executiva Nacional da CUT, diz que “a intensificação do modelo
neoliberal, a luta pela manutenção dos postos de trabalho, pela manutenção do
emprego, por melhores salários se tornou uma luta muito mais forte e mais
imediata”. Entende que um dos maiores desafios do movimento sindical atual é
combinar as lutas mais imediatas dos trabalhadores com as lutas pelas questões
ambientais. Para o sindicalista, uma oportunidade de articulação é, nesse momento,
os trabalhadores terem uma posição juntamente com os ambientalistas sobre a
matriz energética brasileira, para que possam juntos resistir à construção de
termoelétricas, com o avanço do programa nuclear brasileiro. Finaliza dizendo que o
desafio que se tem hoje relacionado às questões ambientais e trabalho é “fortalecer
as experiências que vêm ocorrendo e, com o apoio do movimento sindical,
potencializar essas lutas através da informação, da sensibilização e da educação
ambiental” (NETO, 2004, p. 226).
Pode-se dizer que as duas alternativas apresentadas por Neto são
fundamentais no processo de articulação das lutas sociais e ambientais. A educação
ambiental, que será discutida adiante, poderá sensibilizar trabalhadores e
| 124 |
sindicalistas a construírem uma visão crítica da problemática ambiental,
possibilitando uma reflexão/práxis para além dos aspectos relacionados à escassez
e a eficiência e bons comportamentos. A segunda alternativa, “fortalecimento das
experiências”, é também uma importante estratégia nesse processo. Fortalecer,
aqui, possui o sentido de discutir, publicizar, conhecer os avanços, as contradições,
as dificuldades, enfim, analisar o movimento em sua totalidade.
A partir dessa perspectiva – considerando que as mudanças climáticas vêm
possibilitando a articulação das lutas sociais e ambientais – o próximo capítulo irá
analisar como vem se organizando as lutas dos movimentos sociais e ambientais no
contexto das mudanças climáticas, procurando conhecer como os movimentos estão
participando dessa discussão, os embates, as contradições e posicionamentos,
assim como discutirá sobre a contribuição da dialética marxista e a educação
ambiental crítica e emancipatória no processo de articulação das lutas sociais e
ambientais.
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C A P Í T U L O 4
A S M U D A N Ç A S C L IM Á T I C A S E O S M O V IM E N T O S S O C I A IS :
P O S I C I O N A M E N T O S , C O N T R A D I Ç Õ E S – A E D U C A Ç Ã O A M B IE N T A L E
A D I A L É T I C A M A R X I S T A N E S S E C O N T E X T O
Enquanto um dos maiores desafios da humanidade no século XXI, as
mudanças climáticas a partir da década de 1990 vêm suscitando uma intensa
discussão e um crescente envolvimento de diversos setores da sociedade com o
objetivo de discutir e construir alternativas para enfrentar essa problemática. Apesar
da participação de ONGs e movimentos sociais nesse debate serem recentes, pode-
se dizer que é a primeira vez que um problema considerado “ambiental” reúne tanto
movimentos sociais quanto movimentos considerados estritamente ambientais.
Entende-se que isso acontece devido à própria natureza do problema, já que as
mudanças climáticas têm profundas implicações sociais políticas, econômicas e
ambientais, o que pode favorecer a articulação das lutas sociais ambientais a partir
dessa questão.
No Brasil, a participação das organizações não-governamentais e
movimentos sociais no debate sobre as mudanças climáticas foi iniciado durante a
realização da Rio-92, através do Fórum Brasileiro de ONGS de movimentos sociais
para o meio ambiente e desenvolvimento (FBOMS). Posteriormente, outras
instituições foram incorporando a temática em sua proposta de trabalho,
principalmente após a aprovação do Protocolo de Quioto em 2005 e a divulgação do
Quarto Relatório de avaliação do IPCC (2007), que deixa claro:
[...] as atividades econômicas, políticas e atitudes dos seres humanos estão provocando um fenômeno de consequências muito graves e que poderia até, em longo prazo, inviabilizar a sobrevivência de milhares de espécies de seres vivos em nosso planeta.
A partir desse contexto – e considerando a relevância desse debate no
processo de articulação de lutas sociais e ambientais – propõe-se aqui analisar o
posicionamento de determinados movimentos sociais e ambientais no contexto das
mudanças climáticas, procurando identificar se as alternativas e posições
apresentadas por esses movimentos denunciam as desigualdades, a injustiça
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climática e a mercantilização da natureza ou se estão alinhadas à lógica do
mercado, ao capitalismo verde ou à chamada economia verde. Além disso, busca-se
discutir o papel da educação ambiental no processo de articulação das lutas sociais
e ambientais.
Com o objetivo de escolher as organizações do estudo foi realizada uma
pesquisa exploratória na WEB visando identificar as organizações e movimentos que
têm trabalhado com a questão das mudanças climáticas. Além disso, utilizou-se
como base o documento “Panorama de atores e iniciativas no Brasil sobre
mudanças do clima”, produzido pela Vitae Civilis em 2008, que identifica os diversos
setores que vêm atuando na mudança do clima. Sendo assim, foram identificadas as
seguintes ONGs: Fórum Brasileiro de ONGS e movimentos sociais, Observatório do
Clima, IMAZON, Fundação SOS Mata Atlântica, INPE, Instituto Centro da Vida (ICV),
Instituto Socioambiental (ISA), Instituto de Pesquisas Amazônicas (IPAM), Vitae
Civilis, Greenpeace, WWF, FASE - Rede Brasileira de Justiça Ambiental, Instituto de
Pesquisa Ecológica (IPÊ), Instituto ECOAR, Aliança dos Povos da Floresta, Via
Campesina.
Em uma análise preliminar, pode-se verificar que algumas ONGs e
movimentos sociais listadas vêm se destacando, seja na influência de políticas
públicas, tanto em nível nacional como internacional, na sensibilização dos cidadãos
com trabalhos educativos, na pesquisa e publicação de materiais e documentos, e
em projetos de captura de carbono. Nesse processo, identificou-se que há
divergências profundas em relação aos posicionamentos, principalmente em relação
às alternativas à crise climática. Basicamente, foram identificados dois campos: de
um lado, há organizações com posições políticas e enfoques mais alinhados à
economia de mercado, à economia verde, defendendo soluções dentro da lógica do
capitalismo; de outro, há entidades contrárias à lógica do capital, denunciando as
desigualdades, a injustiça climática e mercantilização da natureza. É importante
ressaltar que esses campos não são homogêneos, existem diferenças e nuances
entre as ONGs mesmo que estejam no mesmo campo.
A partir dessas considerações foram escolhidas as seguintes ONGs: Vitae
Civilis, Greenpeace e FASE. Estas organizações atuam com a temática das
mudanças do clima de forma mais permanente, possuem um programa, um núcleo
ou um setor específico, responsável pelo desenvolvimento das ações; têm uma
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articulação em nível nacional e internacional, participando e influenciando os fóruns
que discutem a temática do clima. Além disso, possuem documentos, relatórios
postados nos sítios, o que possibilitou a realização da pesquisa. Em relação aos
movimentos sociais foi escolhido a Via Campesina e quatro documentos que foram
organizados a partir de uma coalizão de movimentos sociais, sindicatos e ONGs.
As questões que nortearam a pesquisa foram: a) qual o posicionamento da
organização frente às mudanças climáticas, no que diz respeito às causas,
consequências e alternativas; b) o posicionamento explicita uma crítica em relação à
mercantilização da natureza?; c) as alternativas apresentadas pelos movimentos em
relação às mudanças climáticas estão dentro da lógica do mercado ou não?
Tendo como fio condutor as questões acima, serão apresentadas a seguir as
análises efetivadas.
4.1 M udanças c lim áticas e m ovim entos sociais : pos ic ionam entos,
contrad ições e em bates
4.1.1 Vitae Civilis – Instituto de cidadania e sustentabilidade
O Instituto Vitae Civilis é uma organização não governamental que desde
1990 se envolve com a temática das mudanças do clima. Ele acompanha e participa
tanto das negociações internacionais quanto das nacionais. É coordenador do GT
Clima do FBOMS e já participou do GT sobre adaptações climáticas do Conselho
Nacional de Meio Ambiente - CONAMA. A ONG está envolvida e realiza diversos
projetos ambientais e de educação ambiental, como o uso de critérios de
sustentabilidade socioambiental na produção de combustíveis, em parceria com a
Organização Amigos da Terra - Amazônia Brasileira (RUSSAR, 2008).
Em 2008, a Vitae Civilis publicou o documento “Panorama de atores e
iniciativas no Brasil sobre as Mudanças do clima”. A partir de uma abordagem
descritiva, sem pontuar as dificuldades, os posicionamentos, as contradições, o livro
apresenta um mapeamento dos setores que vêm atuando na área, como o Poder
público (executivo, federal e estaduais), as instituições de pesquisa e as
universidades, o setor privado, as organizações não governamentais e os
movimentos sociais.
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O Vitae Civilis possui uma articulação em nível nacional e internacional. No
Brasil, participa e coordena o GT Clima da FBOMS e possui parcerias com diversas
ONGs ambientalistas no desenvolvimento de projetos. Em nível internacional, faz
parte da coalizão internacional sobre economia verde e inclusiva (GEC - Green
Economy Coalition) do PNUMA. Além disso, através do seu coordenador Rubens
Harry Born, participou de doze COPS e de diversas reuniões da Comissão da ONU
de Desenvolvimento Sustentável. A instituição já ganhou vários prêmios, entre eles:
Inclusão do Vitae Civilis, em 2000, na lista das 400 maiores entidades beneficentes
do Brasil; Prêmio Henry Ford, da Conservação Internacional do Brasil pela iniciativa
promissora do “Projeto Da Mata à casa”; Prêmio Cidadania, em 2006, na categoria
ambientalista do ano, concedido pelo Pensamento Nacional das Bases
Empresariais, entre outros. Tudo isso mostra como a Vitae Civilis é uma ONG com
articulação nacional e internacional, influenciando os fóruns e as políticas públicas
que vêm sendo construídas.
Na sua proposta de trabalho, possui o Programa “Clima, Energia e Consumo”,
que tem como objetivo “colaborar na elaboração e implementação de políticas
públicas, atividades econômicas, sistemas produtivos e hábitos de consumo que
minimizem os impactos sociais e os efeitos perigosos de mudanças do sistema
climático e valorizem energias renováveis” (VITAE CIVILIS, 2011). As atividades
desenvolvidas por esse programa têm como foco a energia solar e, desde 2004,
foram desenvolvidos os seguintes projetos: a) “Um banho de sol para o Brasil”, que
visou investigar as barreiras ao desenvolvimento do mercado de aquecedores
solares no Brasil e implementar alternativas de superação dessas barreiras”; b)
“Inovações nos mecanismos de financiamento para a aceleração do uso de
aquecimento solar de água”, que teve como objetivo “contribuir para o
estabelecimento de modelos e para facilitação de mecanismos inovadores de
financiamento para o aquecimento solar de água no Brasil e na América Latina”; c)
Projetos MDL para a promoção do uso de aquecedores solares no Brasil”, que
“busca o desenho e a implementação de atividades de promoção do uso de energias
renováveis, especialmente a energia solar captada em aquecedores, por meio do
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto”; d) atualmente o
Vitae Civilis, contando com o financiamento da GIZ (Agência de cooperação técnica
alemã), está desenvolvendo uma proposta intitulada “Boas práticas para a
construção de políticas públicas municipais em energia solar”, cuja finalidade é
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[...] coletar informações, analisá-las e elaborar relatório sobre lições aprendidas, boas práticas, potencialidades e desafios em políticas públicas municipais, estaduais e federais representativas de promoção do uso de energia solar, particularmente aquecedores solares de água (VITAE CIVILIS, 2011).
Não restam dúvidas quanto à importância da discussão sobre a inclusão da
energia solar como uma alternativa essencial no contexto das mudanças climáticas.
Com certeza, a matriz energética precisa ser repensada. No entanto, os projetos
desenvolvidos pelo Vitae Civilis procuram sempre apoiar e valorizar iniciativas
ligadas ao capital. Isso fica claro no projeto “Inovações nos mecanismos de
financiamento para acelaração do uso do aquecimento solar”, no qual umas das
constatações do Vitae Civilis – sequenciada pela realização – foi um plano de
negócios para uma das empresas parceiras do projeto, conforme demonstram as
citações abaixo:
O Vitae Civilis constatou a necessidade do desenvolvimento de um plano de negócios para uma Energy Service Company para promover o emprego destes novos mecanismos de financiamento e negócios no Brasil, trazendo para o país a experiência de Stakeholders de outras regiões do mundo (VITAE CIVILIS, 2011).
Contratação da consultoria Lumina Energia para elaboração de um plano de negócios para uma empresa de serviços de energia (ESCO) baseada na venda de serviços de água quente gerada por aquecedores solares (VITAE CIVILIS, 2011).
Essa postura demonstra uma coerência com a proposta da entidade, já que
participa de uma coalizão de organizações, como a rede Green Economy Coalition,
junto ao PNUMA, que vêm discutindo e construindo um entendimento sobre
economia verde, como se pode ver abaixo:
O Instituto Vitae Civilis é uma organização brasileira que faz parte da coalizão internacional sobre economia verde e inclusiva (GEC – Green Economy Coalition). Trata-se de uma iniciativa criada a partir de estudos do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (PNUMA) sobre a transição para sistemas econômicos social e ambientalmente sustentáveis.
[...] Seu objetivo é construir um entendimento comum sobre o que é economia verde e inclusiva e também promover propostas concretas para sua implementação (VITAE CIVILIS, 2011).
Em relação às propostas do Protocolo de Quioto, a Vitae Civilis faz duas
críticas. A primeira se relaciona às baixas metas de redução de Gases de Efeito
Estufa (GEE), pois entende que estas não são suficientes diante dos objetivos que
foram traçados pela Convenção Quadro de Mudança do Clima, que preconiza uma
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estabilização das concentrações de gases efeitos estufa em relação aos níveis de
1990. A segunda crítica está ligada à não inclusão de florestas e ao necessário
controle do desmatamento no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Portanto, as
críticas do Vitae Civilis estão relacionadas a metas e à não inclusão de instrumentos
para reduzir as emissões, não a mecanismos de mercados em si propostos pelo
Protocolo.
Essa concepção é também coerente com o posicionamento da entidade em
relação ao pagamento de serviços ambientais. Partindo do princípio de que muitos
dos “serviços ambientais”39 vêm sendo degradados ou utilizados de maneira
insustentável, dificultando a sua recuperação natural, o Vitae Civilis entende que são
necessárias as propostas de compensação ambiental e prêmios por serviços
ambientais. De acordo com o documento “Serviços ambientais”, postado no sítio do
instituto, a compensação ou Prêmio por Serviços Ambientais (CSA) tem como
objetivo:
[...] transferir recursos, monetários ou não monetários, para aqueles que ajudam a conservar ou potencializar a capacidade de ecossistemas naturais de oferecer serviços ambientais mediante a adoção de práticas, técnicas e sistemas na agricultura, na industria e no meio urbano, e que até o momento, a adoção destas práticas sejam não obrigatórias (VITAE CIVILIS, 2011).
O Instituto ressalta que esse trabalho gera benefícios para todos e, por isso,
entende ser justo que os produtores rurais, comunidades tradicionais e empresas
recebam incentivos, ou seja, pagamentos ou compensações para as atividades
compatíveis com a conservação ambiental (práticas de manejo, uso de tecnologias
menos poluidoras, entre outros).
O pagamento de serviços ambientais (PSAs) é uma das propostas mais
polêmicas no âmbito das alternativas para as mudanças climáticas, discutidas
atualmente. De acordo com Packer (2011), a valoração da biodiversidade através do
Pagamento de Serviços Ambientais (PSA) é um mecanismo criado para fomentar a
criação de um novo mercado, que tem como mercadoria os processos e produtos
fornecidos pela natureza, como a purificação da água, do ar, a geração de nutrientes
do solo para a agricultura, a polinização e o fornecimento de insumos para a
39 Serviços ambientais são “serviços” oriundos do funcionamento saudável dos ecossistemas naturais. Como exemplo de serviços ambientais, pode-se citar: a produção de oxigênio pelas plantas, a capacidade de produção de água e equilíbrio do ciclo hidrológico, fertilidade do solo, vitalidade dos ecossistemas, a paisagem, o equilíbrio climático e o conforto térmico (VITAE CIVILIS, 2011).
| 131 |
biotecnologia. Esse mecanismo propõe ser um instrumento de incentivo ao agente
econômico para a conservação ambiental, pelo zelo e manejo sustentável do solo,
da floresta e da água. É uma proposta para tentar solucionar os problemas
ambientais dentro da lógica do mercado, sem questionar as estruturas do
capitalismo.
Apesar de a Vitae Civilis definir como exemplo de práticas sustentáveis a
agricultura orgânica e as técnicas de Sistemas Agroflorestais (SAF), coloca no
mesmo patamar tanto uma comunidade tradicional quanto uma grande empresa
que, por utilizar técnicas agroflorestais, seria recompensada. Além disso, ao aceitar
que os bens ambientais que a natureza oferece sejam considerados serviços,
associa a natureza ao mercado.
Como muito bem diz Leroy (2011, p. 7), os serviços ambientais são “uma
nova maneira das forças econômicas dominantes encontraram de ganhar dinheiro” e
para isto, necessitavam do respaldo da coalizão dos cientistas e dos ambientalistas
envolvidos na questão, respaldo que a introdução dos serviços ambientais garantiu.
Diante do que foi exposto, pode-se dizer que o posicionamento e as
propostas da Vitae Civilis se alinham à economia verde, aos instrumentos de
mercado, como condições para o enfrentamento da crise climática. Apesar de
realizar um trabalho no sentido de incentivar a utilização da energia solar e a criação
de políticas públicas para o setor, o foco de sua proposta vem privilegiando o apoio
às empresas, seja investigando as barreiras ao desenvolvimento do mercado de
aquecedores ou contratando consultoria para a organização de planos de negócio.
Além disso, advoga instrumentos de mercado, como a implementação de projetos
de Mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL) a partir da energia solar e a
inclusão do mecanismo REDD no Protocolo de Quioto.
4.1.2 Greenpeace
O Greenpeace é uma organização ambientalista global que atua em mais de
40 países e está no Brasil há quase 20 anos. Tem como proposta “defender o
ambiente e promover a paz, inspirando as pessoas a mudarem atitudes e
comportamentos”. Se propõe a investigar, expor e confrontar crimes ambientais,
tendo como valores a independência, não violência, confronto pacífico e
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engajamento. Tem uma articulação nacional e internacional, é uma das ONGs mais
conhecidas do planeta. No Brasil, integra as seguintes redes: o Observatório do
Clima, o Fórum Brasileiro de ONGs e movimentos sociais (FBOMS). Em nível global,
participa da CAN - Climate Action Network (GREENPEACE, 2011).
Nos últimos dez anos, uma das áreas de atuação do Greenpeace é a
“Energia e Clima”. Esta área tem como proposta pressionar empresas e governos a
abandonarem fontes fósseis de geração de energia, como o petróleo e o carvão, e
substituí-las pelas renováveis, como a solar e a eólica. Para o Greenpeace, essa é
uma estratégia não só para reduzir as emissões de gases estufa, “mas consolidar
um crescimento econômico baseado em tecnologias que não prejudicam o planeta”
(GREENPEACE, 2011).
O Greenpeace vem atuando de forma contundente na discussão sobre crise
climática, participando ativamente das COPs nas discussões plenárias, na
organização das manifestações públicas e na apresentação de propostas.
Atualmente, é uma das ONGs que possui um dos posicionamentos mais críticos em
relação às metas de redução de gases de efeito estufa GEE aprovadas no âmbito
das COPs. No entanto, apesar dessa divergência em relação às metas, o
Greenpeace não questiona os instrumentos de mercado adotado pelas Conferências
do clima, tanto que em 2007, na COP 13, em Bali, apresentou como proposta para
enfrentar o desmatamento o Mecanismo de Redução de Emissões por
Desmatamento (REDD), que é uma das propostas mais polêmicas e que vem
trazendo grandes discussões entre os movimentos ambientais e sociais no Brasil.
Quanto ao posicionamento do Greenpeace em relação à crise climática,
foram identificados vários documentos que apresentam as propostas da
organização. Estes são organizados tanto individualmente quanto com grandes
empresas multinacionais e nacionais, e também com ONGs ambientalistas. Apesar
de existir essa diversidade, constatou-se uma coerência no posicionamento e
alternativas apresentadas: suas propostas estão alinhadas à lógica do mercado, à
economia e o capitalismo verde. Para fins de análise, foram selecionados os
documentos mais representativos desses posicionamentos.
O documento “Pacto pela valorização da floresta e pelo fim do desmatamento
na Amazônia” (2007) é assinado em conjunto pelas ONGs Instituto Socioambiental
(ISA), Instituto Centro da Vida (ICV) Conservação Internacional, Brasil, The Nature
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Conservancy; Amigos da Terra, Instituto do Homem e meio ambiente da Amazônia
(IMAZON), WWF, e objetiva
[...] subsidiar o debate por parte dos atores sociais e econômicos estratégicos da região amazônica, visando o seu detalhamento e a formulação e desenvolvimento dos instrumentos para sua implementação no âmbito de uma iniciativa de alcance nacional (GREENPEACE, 2007).
O documento considera que os altos índices de perda de cobertura florestal
estão levando a um acelerado empobrecimento da biodiversidade, com impactos
diretos no modo de vida de milhões de pessoas que dependem da floresta para
sobreviver. Entendem que a floresta Amazônica desempenha papel fundamental na
manutenção do equilíbrio climático regional e global, é responsável pela formação
de chuvas no Sul e Sudeste do Brasil e na bacia do Prata – tem, portanto, valor
socioeconômico estratégico. O documento explica que destruir a Amazônia poderá
trazer seca prolongada para diversas regiões brasileiras e reduzir a produtividade
agrícola do País, causando profundos impactos econômicos e sociais. Diante disso,
o documento propõe, a partir de instrumentos econômicos, eliminar dentro de sete
anos o desmatamento através de metas de redução, o que “poderá representar uma
contribuição fundamental do País no combate às mudanças climáticas, para
conservar a biodiversidade e preservar o modo de vida de povos indígenas e
populações tradicionais da região” (GREENPEACE, 2007).
O Pacto possui como pressupostos: i) instrumentos normativos e econômicos
que valorizem a floresta em pé, a serem destinados aos Estados, aos atores sociais
responsáveis pela conservação da floresta e aos produtores rurais (pagamento por
serviços ambientais); ii) instrumentos normativos e econômicos que otimizem o uso
de áreas já desmatadas (compensação florestal); iii) Fortalecimento de ações de
monitoramento, controle e fiscalização (ambiental e fundiário); iv) estabelecimento e
fortalecimento da governança florestal nas terras públicas da região.
A sustentação do Pacto está baseada no desenvolvimento de instrumentos de
remuneração financeira por serviços ambientais prestados pela conservação
florestal, que deverão ser destinados ao: i) fortalecimento da governança florestal
mediante incentivos aos Estados; ii) estabelecimento de incentivos econômicos aos
atores sociais; iii) responsáveis pela conservação da floresta (povos indígenas,
comunidades locais, populações tradicionais, agricultores familiares); iv)
estabelecimento de incentivos econômicos aos produtores (rurais, florestais,
| 134 |
empresariais e agrícolas) que assumirem estratégias de redução de desmatamento
e de conservação da floresta.
Um dos mecanismos apresentados pelo pacto é o “Mecanismo financeiro de
redução compensada do desmatamento”. Este mecanismo prevê que “aqueles que
comprovadamente empreenderem esforços para reduzir o desmatamento devem ser
reconhecidos e recompensados”. A redução compensada está baseada no princípio:
o custo da conservação da floresta amazônica e da eliminação do desmatamento na
região deve ser compartilhado pela comunidade brasileira e pela comunidade
internacional. O mecanismo financeiro proposto pelo Greenpeace é o Pagamento de
serviços ambientais denominado: Mecanismo de Redução de emissões por
desmatamento das florestas tropicais (REDD). Este vem tendo um lugar privilegiado
na discussão internacional sobre as mudanças climáticas. Como os mecanismos de
governança não estão estabelecidos, vários setores organizados da sociedade civil
vêm levantando diversos dilemas relacionados a esse mecanismo.
May (2011), explica que um dos maiores pensadores sobre o assunto,
Wunder, classifica os Pagamentos de Serviços Ambientais (PSAs) como o REDD,
como qualquer transação que envolve pelo menos um comprador, um vendedor e
um serviço ambiental no pagamento entre as partes. Sendo assim, existirão
condições para uma negociação caso o custo de prover o serviço somado aos
custos de transação em realizar o negócio for menor do que os benefícios
socioambientais obtidos conjuntamente pelos compradores (sejam locais ou
globais). Para May (2011), a dificuldade nessa transação é que as benfeitorias dos
PSA atendem a muitos – alguns pegando carona no empenho dos outros –
incitando, assim, pouco incentivo em contribuir. Por isso, quando as informações são
assimétricas, os custos de transação tendem a ser novamente altos. Além disso,
existem problemas de insegurança nos contratos, como por exemplo, o agente
comprador é o único responsável pelo cumprimento do que é estabelecido com o
vendedor dos créditos de carbono com reduções de emissões. Com isso, se
acontecer algum problema nesse processo, é responsabilidade apenas do
comprador buscar uma fonte alternativa de carbono ou securitizar para cumprir suas
obrigações de redução.
Sob o ponto de vista de sua eficiência para a conservação ambiental, os
pagamentos de serviços ambientais são objeto de várias críticas:
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a) a inserção dos “serviços ambientais” no mercado gera um mecanismo perverso, em que quanto maior degradação, maior o ‘valor’ dos serviços ambientais. Ex: quanto mais emissões e quanto mais degradação do meio, mais pagamento por créditos de carbono e por serviços ambientais para autorizar o dano;
b) os critérios utilizados para a precificação dos recursos têm como fundamento os valores que ser formam no mercado e não a sustentabilidade ambiental. Os mecanismos de precificação da natureza e dos processos ecossistêmicos estão necessariamente vinculados à uma lógica produtivista, relacionada à lucratividade (PACKER, 2011, p. 4).
De acordo com Packer (2011) a compra de títulos “verdes”, como a cota de
Reserva Ambiental ou a compra de serviços ambientais, autorizariam a continuidade
e até o aumento das emissões e degradação das grandes corporações dos países
desenvolvidos, transferindo a dívida ambiental e climática para os países de povos e
comunidades do Sul. O dinheiro levantado no mercado financeiro “verde”, não
apenas paga a conta da indústria e do agronegócio como também alavanca o
sistema financeiro com um gigantesco mercado de produtos, tecnologias, serviços,
assessorias e ativos sob o rótulo de verdes.
Como visto a implementação do REDD é uma das propostas mais complexas
em relação às alternativas à crise climática. É um assunto novo e merece, portanto,
uma discussão pelo conjunto da sociedade sobre os limites e possibilidades dessa
proposta. Nesse debate é importante refletir, entre outras questões40: i) como
considerar a Amazônia? Como um bem comum fora do mercado ou como uma fonte
de serviços ambientais?; ii) Como considerar os povos indígenas e suas populações
agro-extrativistas e camponesas: devemos vê-los como funcionários do mercado,
prestadores de serviços ambientais ou como portadores de um projeto de vida e de
futuro? O uso da categoria “serviços ambientais” deve ser rejeitado em bloco ou
não? Será que as populações amazônicas podem ser vistas de maneira simplificada
como guardiães da floresta?
Essas e outras questões precisam ser debatidas e aprofundadas para que, de
fato, se implante uma política pública capaz de contribuir para a conservação da
Amazônia e do seu povo, a partir do princípio de igualdade, justiça social e
ambiental. Nesse sentido, entende-se que a proposta apresentada pelo Greenpeace
e ONGs signatárias do documento precisa de uma discussão mais profunda, pois,
caso contrário, os projetos de REDD, como muito bem diz Leroy (2011), correm o
40 Estas questões foram apontadas por Leroy no artigo Bens comuns serviços ambientais, publicado na Revista Proposta, n. 122 da FASE em 2011.
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risco de transformar as populações amazônicas em servidoras de um mercado do
clima e reduzir a floresta em gráficos com a evolução do preço da tonelada de
carbono.
O documento “Mudanças do clima, mudanças no campo: impactos da
agricultura e potencial para mitigação” (2008) visa detalhar “a contribuição que as
práticas destrutivas da agricultura industrial dão ao aquecimento global e apresenta
soluções possíveis para ajudar a reduzir essa contribuição” (GREENPEACE, 2008).
Inicialmente, esse documento aponta que a agricultura industrial e a pecuária
extensiva são um dos maiores emissores de gases do efeito estufa (GEE). No caso
da agricultura, incluindo o desmatamento para plantações, é em “torno de 8,5
milhões e 16, 5 bilhões de toneladas de dióxido de carbono, ou entre 17% e 32% de
todas as emissões de gases do efeito estufa provocadas pelo ser humano. Um dos
maiores problemas é o uso de fertilizantes. Explica que mais de 50% de todos os
fertilizantes aplicados no solo são perdidos para a atmosfera e acabam nos corpos
d’água no entorno41. Ainda em relação à agricultura, o documento aponta como uma
grande ameaça a cultura da soja. Denuncia que, com a instalação do porto
graneleiro em Santarém, o índice de desmatamento anual aumentou em 86%, já no
Mato Grosso, 50 mil hectares em áreas de proteção permanente estão ocupadas
pelo plantio de soja. Considera que o mercado agrícola estimula investimentos
governamentais de alto impacto ambiental, como ferrovias, rodovias e infraestrutura
para geração de energia, que podem, em alguns casos, promover a destruição de
florestas mais do que as próprias plantações.
A seguir, o documento apresenta os impactos que a pecuária extensiva vem
trazendo para as mudanças climáticas. Além dos animais produzirem e emitirem
grandes quantidades de metano, um potente gás do efeito estufa42, a pecuária
extensiva atualmente é responsável pelo desmatamento de cerca de 70% dos
41 Um dos gases do efeito estufa mais potentes é o óxido nitroso (N20), cujo potencial de aquecimento é cerca de 296 vezes maior que o do dióxido de carbono (CO2). O uso excessivo de fertilizantes na agricultura e as suas consequentes emissões de N20 são responsáveis pela maior parte das emissões de GEE da agricultura: o equivalente a 2,1 bilhões de toneladas de CO2 todos os anos. A isso se somam 410 milhões de toneladas de CO2 equivalente, provenientes da produção desses fertilizantes, que depende de grandes quantidades de energia. De todos os produtos químicos, os fertilizantes estão entre os maiores contribuidores para as emissões de gases do efeito estufa (GREENPEACE, 2008). 42Os rebanhos bovinos e ovinos têm um grande impacto sobre o clima: cada quilo (kg) de carne bovina produzido resulta em 13kg de emissão de carbono, e cada quilo de carne de carneiro produz 17kg de carbono. Aves e suínos também emitem GEE, mas com cerca de metade desses valores (GREENPEACE, 2008).
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700.000 km2 na Amazônia. Contribuem para isso o baixo custo para aquisição,
ilegal ou não de terras, e o padrão da criação extensiva, que consiste em desmatar e
incendiar grandes áreas, convertendo-as em pasto.
A partir desse contexto, o documento apresenta as seguintes soluções: i)
reduzir o uso excessivo dos fertilizantes, aplicando-se apenas a quantidade de
fertilizantes que a variedade e o solo em questão necessitarem; ii) proteger o solo, já
que a agricultura industrial degrada o solo e ‘lava’ todos os seus nutrientes, criando
uma área que possui a menor quantidade de carbono de todos os tipos de terra, com
exceção dos desertos e das regiões semiáridas; iii) melhorar a produção de arroz,
mantendo os arrozais secos fora da época de plantio. Utilizar racionalmente a água –
ao invés do encharcamento das lavouras – e adotar métodos que aumentem a
produtividade sem aumentar a dependência nos fertilizantes; iv) reduzir a demanda
por carne, especialmente nos países desenvolvidos (GREENPEACE, 2008).
O documento finaliza dizendo que as práticas agrícolas e dependentes de
insumos químicos geram grandes impactos de degradação do solo e água,
produtividade reduzida, destruição ambiental, pobreza e fome. Ressalta que “a
segurança alimentar não será alcançada com truques caros e desatualizados, como
aplicações cada vez maiores de fertilizantes e herbicidas, ou utilização de
transgênicos”. Explica que o futuro da agricultura depende de técnicas modernas
que trabalhem em parceria com a natureza e com as pessoas, não contra elas.
Destaca que milhões de propriedades em todos os continentes já provaram que a
agricultura orgânica e ecológica pode suprir as necessidades por alimentos e
aumentar a segurança alimentar, recompor os recursos naturais e dar melhores
condições de vidas aos produtores rurais e comunidades locais.
Diante das questões apresentadas, pode-se dizer que se por um lado o
Greenpeace acerta ao tratar de uma das principais causas do aquecimento global, já
que o atual sistema alimentar é responsável por quase 50% das emissões mundiais
de gases de efeito estufa, por outro lado, tanto as causas quanto as alternativas
propostas pela ONG possuem várias lacunas que necessitam de ser explicitadas.
Quanto à utilização do agrotóxico, chamado de “fertilizante”, o documento aponta
que estes devem ser usados de acordo com a necessidade, porém, qual é essa
necessidade? Essa posição pode levar ao entendimento que não que existe outra
alternativa a não ser a utilização do chamado fertilizante.
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Outra questão importante que merece destaque é a ausência da discussão
sobre a defesa da reforma agrária e o processo de privatização das sementes que
estão sob controle das vinte maiores empresas multinacionais de alimentos. A
discussão sobre essas questões são fundamentais, já que o controle das sementes
e a concentração de terra nas mãos de poucos vêm sendo considerados um dos
principais problemas que impedem a segurança alimentar no mundo. Outra ausência
que se pode apontar é em relação aos impactos ambientais do agronegócio, da
monocultura.
Apesar do documento apontar, no final, que milhões de propriedades em todo
o mundo já provaram que a agricultura orgânica e ecológica pode ser uma
contribuição à segurança alimentar, não apresenta esta proposta como alternativa,
muito menos a agroecologia. Movimentos como a Via Campesina e o MST vêm
sendo enfáticos na defesa de uma mudança profunda no sistema alimentar do
mundo, mostrando que a reforma agrária, agricultura de pequena escala, a adoção
de técnicas agroecológicas, a preservação e a diversidade genética das sementes
locais dos camponeses são condições para a segurança alimentar no mundo e uma
agricultura de baixo impacto. É nesse sentido que argumentam que a “agricultura
sustentável refresca o planeta e é a melhor solução para lutar contra as mudanças
climáticas”.
O documento “Enfrentar a crise climática vai ajudar a resolver a crise
financeira” (2009) defende um pacote emergencial alinhado à proposta “Gree New
Dda eal” New Economics Foundadition, do PNUMA, e objetiva “proteger o mundo
das alterações climáticas e ao mesmo tempo estimular a economia global”.
Apresenta inicialmente um panorama do atual índice de destruição ambiental e o
seu custo financeiro. Nesse sentido, diz: “a destruição das florestas custa para a
economia mundial, pelo menos US$2 trilhões anualmente, os recursos pesqueiros
do oceano estão entrando em colapso, colocando em risco a fonte básica de
alimentos para 3 bilhões de pessoas”. Diante desse quadro, apresenta quatro
propostas: i) redes inteligentes que assegurem uma utilização mais eficiente da
energia e investimentos em transportes públicos para a construção de um modelo
econômico independente de petróleo; ii) pesquisa e desenvolvimento de energia
renovável e eficiência energética. Os investimentos do governo em produtos
eficientes devem ser apoiados por padrões de eficiência energética que garantam a
| 139 |
adoção dos mecanismos pelo mercado. Como exemplo, cita: “os empréstimos
subsidiados recentemente concedidos ao setor automotivo americano e europeu,
por exemplo, deveriam ter sido condicionados à contrapartida das indústrias de
melhorar a eficiência energética na utilização de combustíveis”; iii) Criação do fundo
“Florestas pelo Clima”, que prevê um financiamento segundo o qual as nações
desenvolvidas podem alcançar suas obrigações de redução de gases de efeito
estufa com o financiamento de florestas; iv) fim dos subsídios aos combustíveis
fósseis, pois atualmente os combustíveis convencionais não-renováveis recebem
US$250-300 bilhões por ano em subsídios. Esse valor deveria ser aplicado pelos
governos em energia limpa e empregos verdes (GREENPEACE, 2009).
Para que estas propostas possam ser viabilizadas, o documento entende que
“O mercado tem que funcionar”. Nesse sentido, defende o funcionamento para
quatro setores: “O meio ambiente”, “Empresas energéticas”, “O consumidor” e “O
investidor”. Segundo “O meio ambiente”, o mercado deve funcionar refletindo o
verdadeiro custo da utilização de recursos, incluindo os custos das externalidades –
como, por exemplo, a queima de carvão, aumento do risco de inundação por causa
do desmatamento, contaminação das águas por escoamento agrícola, entre outras –
que devem estar baseadas no princípio do poluidor-pagador. Para as empresas
energéticas, propõe: metas obrigatórias para utilização de energias renováveis e co-
geração, prioridade no acesso à rede para energias renováveis. Para o consumidor,
a sugestão é que consumam produtos mais eficientes, já que dois terços da
eletricidade consumida no planeta são desperdiçados devido aos produtos maus
projetados. Para os investidores, propõe que o mercado deve funcionar com regras
contábeis que garantam com que as empresas, cujas atividades ameaçam o meio
ambiente, tenham esses riscos incluídos em seus balanços. Além disso, as
empresas devem ser obrigadas a informar as emissões geradas durante o seu
processo produtivo (GREENPEACE, 2009).
As propostas acima deixam clara a opção do Greenpeace pelos instrumentos
do mercado como condições suficientes para a solução da crise financeira e
climática. Pelo teor das propostas, pode-se dizer que as alternativas elencadas
podem contribuir menos com a solução da crise climática e mais com a solução da
crise financeira, já que as alternativas propostas não colocam em questão os
fundamentos do capitalismo, antes, buscam favorecer à acumulação do capital,
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enfatizando a possibilidade de novos negócios, como os investimentos em fontes de
energia eólica, geotérmica, solar e hidrelétrica.
Pode-se dizer que os três documentos apresentados demonstram que o
posicionamento do Greenpeace em relação à crise do clima está alinhado com a
perspectiva de uma economia de mercado, de um capitalismo verde. Apesar de o
Greenpeace ter uma participação crítica nas Conferências das Partes (COPs) –
apontando, por exemplo, que as baixas metas do Protocolo de Quioto não são
suficientes diante das propostas aprovadas pela Convenção Quadro do Clima –, ele
propõe, na COP de Bali em 2007, um dos mais polêmicos mecanismos de
pagamento de serviço ambiental, o REDD. Isso demonstra a crença do Greenpeace
na possibilidade de o mercado ser capaz de resolver os problemas ambientais. Esse
posicionamento se reafirma nas alternativas apresentadas tanto em relação às
contribuições da agricultura para mitigação do aquecimento global, quanto na
contribuição da crise do clima para a crise financeira, como já foi apontado
anteriormente.
É importante dizer que essas argumentações não desconsideram o trabalho
que o Greenpeace vem realizando no sentido de chamar atenção do público para as
questões ambientais, tanto que em diversas situações de mobilização e
enfrentamento – como, por exemplo, a mobilização contra a aprovação do atual
código florestal – vários movimentos e organizações que têm uma perspectiva crítica
à mercantilização da natureza se alinharam ao Greenpeace. O que se pretende é
desvelar e mostrar que os seus posicionamentos, em relação às mudanças
climáticas, são limitados à ordem do capital, estão comprometidos com a lógica do
mercado, preconizam no máximo um ecocapitalismo. Portanto, no sentido marxiano,
o Greenpeace produz uma ideologia, uma falsa consciência em relação às
mudanças climáticas.
4.1.3 FASE – Federação de órgãos para a assistência social e educacional
A FASE é uma organização não governamental, criada em 1961,
comprometida com o trabalho de organização e desenvolvimento local, comunitário
e associativo. Possui articulação nacional e internacional. Em nível internacional, a
FASE é membro do “Grupo de Durban para Justiça Climática”, que reúne
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organizações de diversos países que articulam críticas ao mercado de carbono e
apoiam grupos de resistência. Também é membro da “Rede de Justiça Climática
Já”, criada em 2007, durante a COP 13, em Bali, e reúne 180 organizações de todo
o mundo que lutam pela justiça climática. No Brasil, é membro do Fórum Brasileiro
de ONGs e movimentos sociais (FBOMS) e está em interação com diversas
organizações e movimentos sociais, realizando capacitação, formação e articulação,
com vistas a ampliar o debate sobre justiça climática (FASE, 2011b).
A FASE atua na resistência e construção de uma sociedade sustentável e
democrática, cuja realização ocorre através do desenvolvimento dos territórios, de
dinâmicas locais, de ações de resistência, da construção de alternativas enraizadas,
de lutas por direitos e por Justiça Ambiental e Climática. Está presente nos
seguintes estados: Amazônia, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso, Pernambuco e
Rio de Janeiro, “onde junto com parceiros locais organiza ações de resistência, bem
como realiza experiências produtivas que se contrapõem ao modelo dominante”.
Através de seus programas, a FASE implementa, por exemplo, sistemas
agroecológicos, agroextrativistas, de produção familiar, direito à segurança alimentar
e economia solidária (FASE, 2011b).
Como estratégia de atuação, a FASE se organiza em dois programas
nacionais (“Programa à segurança alimentar, agroecologia e economia solidária” e
“Programa Direito à cidade: justas, democráticas e solidárias”) e dois núcleos: “Brasil
sustentável” e “Direitos Humanos”. O “Núcleo Brasil sustentável” tem como proposta
a crítica à insustentabilidade do atual modo de produção, distribuição e consumo e à
globalização dos mercados. Tem como campo de ação a construção de uma
sociedade sustentável e democrática, realizando trabalhos através de ações de
resistência, de lutas por direitos e por justiça ambiental e climática (FASE 2011b).
O “Núcleo Brasil sustentável” atua a partir da perspectiva da justiça ambiental
e climática e vem participando ativamente da discussão sobre as mudanças
climáticas. A justiça climática é um princípio que defende que o peso dos ajustes à
crise climática deve ser “[...] suportado por aqueles que historicamente foram
responsáveis pela sua origem e não pelos que menos contribuíram e que são as
principais potenciais vítimas das mudanças climáticas” (FASE, 2009). É a partir
dessa visão que compreende que a crise do clima não é uniforme, pois afeta mais
os países do Sul do que os do Norte, responsáveis por 80% das emissões de gases
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de efeito estufa (GEE). Nos países do Sul, afeta “mais intensa e diretamente os
grupos sociais que menos emitem os GEE porque menos consomem, e mais
protegem as florestas e os sistemas hídrico e climático” (FASE, 2009).
Essa perspectiva crítica, diferentemente das ONGs anteriores, leva a FASE a
ter uma posição contrária à adoção dos mecanismos de mercado como alternativa
às mudanças do clima, assim como em relação à economia verde. No documento
“Compromisso contra a mercantilização do clima” a Fase apresenta claramente a
sua posição crítica em relação às propostas de mercado aprovadas no âmbito das
COPs que visam à mercantilização do clima. Nesse sentido, diz que:
[...] discorda das supostas “soluções” ao problema climático estabelecidas a partir dos compromissos – muito aquém do necessário firmados no Protocolo de Quioto, bem como das políticas e programas dos Bancos e instituições financeiras multilaterais que seguem o lobby das grandes corporações transnacionais (FASE, 2009).
O documento ressalta que as baixas metas de redução de emissões de CO2,
os instrumentos financeiros, jurídicos e políticos das propostas compensatórias, o
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) “merecem questionamento na
sociedade brasileira, junto aos povos, populações” (FASE, 2009). Aponta que o
mercado de carbono, como publicidade para a solução da crise climática, desvia o
foco das principais e urgentes ações de mudança de paradigma e retarda as
mudanças estruturais nos padrões de produção, distribuição e consumo global. Diz
ainda: “os problemas do meio ambiente não vão ser resolvidos apenas pela adoção
de medidas técnicas e tecnológicas, nem por soluções propostas pelos principais
causadores do aquecimento global”. Para finalizar, questiona a remuneração pelo
mercado de grupos sociais que prestariam “serviços ambientais”, pois, para a FASE,
“significa associar esses grupos a estratégias de mercado estranhas a sua vivência,
em condições de desigualdade e subordinação às estratégias empresariais”.
Em relação às alternativas, o documento aponta
[...] que o enfrentamento da crise climática requer políticas públicas nacionais, regionais e internacionais que fortaleçam, no caso das áreas rurais, os sistemas agro-florestais, o manejo comunitário das florestas nativas, a agroecologia, a titulação de terras indígenas, quilombolas e de populações agroextrativistas, o reconhecimento social e econômico do papel, do trabalho e das atividades produtivas sustentáveis realizadas em comunidades rurais e tradicionais para a humanidade (FASE, 2009).
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De acordo com o documento, estes parâmetros devem ancorar e viabilizar
através de políticas e fundos públicos as propostas em debate sobre REDD.
Manifesta ainda sua preocupação quanto à possibilidade desse mecanismo “premiar
a quem mais desmatou, das florestas se tornarem apenas reservatórios de carbono
e inviabilizarem o uso sustentável pelos povos da floresta e pela estrutura que está
sendo estabelecida não diferenciar florestas naturais ou recompensas perenes, de
plantações homogêneas que serão abatidas em poucos anos” (FASE, 2009).
O documento ainda propõe que: i) a justiça e a dívida climáticas devem entrar
como princípios na negociação internacional sobre mudanças climáticas; ii) a
mudança do modelo de produção e consumo deve ser o plano de fundo para
qualquer negociação sobre mecanismos de enfrentamento das mudanças
climáticas; iii) as definições de mitigação e adaptação devem ter um tratamento
conceitual mais coerente com a mudança do modelo econômico; iv) as
comunidades, populações tradicionais e grupos vitimizados devem ser sempre os
principais beneficiários pelos fundos públicos e voluntários. Além disso, as políticas
públicas e acordos internacionais ambientais e climáticos devem ser orientados para
essa população (FASE, 2009).
Pode-se dizer que as propostas e alternativas apresentadas nos documentos
da FASE em relação às mudanças climáticas reafirma e confirma o posicionamento
crítico de sua plataforma de atuação, que é a justiça climática. As alternativas
apresentadas valorizam a noção de bem comum, o manejo sustentável de
propriedades e territórios, a agroecologia, assim como a necessidade de políticas
públicas que possam reconhecer a importância e o trabalho dos grupos sociais na
preservação do meio ambiente. Por isso, seu posicionamento é contrário à
mercantilização da natureza e à economia verde como alternativas para
enfrentamento da crise climática. Para a FASE, essas propostas visam maquiar o
capitalismo, seus modos de acumulação e expropriação, dão novo fôlego a um
modelo que se mostra inviável e oferecem “como utopia somente a tecnologia e a
privatização” (FASE, 2011a).
4.1.4 Via Campesina
A Via Campesina é um movimento internacional que coordena organizações
camponesas de pequenos e médios agricultores, trabalhadores agrícolas, mulheres
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rurais e comunidades indígenas e negras da Ásia, África, América e Europa. Foi
fundada em 1992, no contexto do Congresso da União Nacional de Agricultores e
Pecuaristas em Nicarágua. No Brasil, a Via Campesina é formada, entre outros,
pelos seguintes movimentos: MST, MAB e CPT.
Umas das principais políticas do movimento é a defesa da soberania
alimentar. O movimento entende que a soberania alimentar é o direito dos povos de
decidir sobre a sua própria política agrícola e alimentar, o que inclui “prioridade para
uma produção de alimentos sadios, de boa qualidade e culturalmente apropriados,
para o mercado interno”. Para isso, entendem que é necessário manter um sistema
de produção camponês diversificado (biodiversidade, respeito à capacidade
produtiva das terras, valor cultural e preservação dos recursos naturais).
No documento “Posição da Via Campesina Internacional sobre o aquecimento
global e os agrocombustíveis” (2009) o movimento apresenta o seu entendimento
em relação ao aquecimento global, focalizando as principais causas, consequências
e alternativas, tendo como foco a agricultura. Apresenta, nessa campanha, o
seguinte lema: “Pequenos produtores esfriam o planeta”.
Em relação às causas, o documento ressalta que o aquecimento global e a
destruição massiva do meio ambiente são frutos das atuais formas globais de
produção, consumo e mercado. Denunciam que a produção e o consumo industrial
de alimento estão contribuindo de forma significativa para o aquecimento e a
destruição de comunidades rurais. Aponta que os principais pontos que levam a
agricultura globalizada e industrializada a gerar o aquecimento global são: o
transporte intercontinental de alimento; a imposição de meios industriais de
produção (intensificando o uso de agroquímico); a monocultura industrial e intensiva
que leva a destruição de terras e florestas; a conversão de terras e florestas em
áreas não agrícolas; o uso de insumos químicos.
Quanto às alternativas, o documento defende que as soluções devem surgir
dos atores sociais organizados, que estão desenvolvendo modelos de produção,
comércio e consumo baseados na justiça, na solidariedade e em comunidades
saudáveis. Ressalta que nenhuma solução tecnológica vai resolver o desastre do
meio ambiente ambiental ou social e apresenta as seguintes sugestões: agricultura
sustentável em pequena escala, produção extensiva de vacas e ovelhas,
substituição de fertilizantes nitrogenados pela agricultura ecológica; produção de
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biogás de resíduos dos animais e vegetais, com condição de manter suficiente
matéria orgânica no solo. Esse mesmo documento ressalta ainda o compromisso do
movimento com a agricultura familiar, sustentável, em pequena escala e com a
soberania alimentar.
Para que essas propostas possam ser concretizadas, a Via Campesina
entende serem necessários: i) o desmantelamento completo das companhias de
agrocombustíveis, pois estas estão despojando os pequenos agricultores de suas
terras; ii) a substituição da agricultura industrializada pela agricultura sustentável em
pequena escala, apoiada por verdadeiros programas de reforma agrária; iii) a
promoção de políticas energéticas sensatas e sustentáveis; iv) a implementação de
políticas de agricultura e comércio em nível local, nacional e internacional, dando
suporte à agricultura sustentável e ao consumo de alimentos locais.
Quanto ao Protocolo de Quioto, o documento da Via Campesina diz que o
comércio de carbono tem se apresentado como uma solução para o aquecimento
global e, com isso, vem permitindo que os governos assinem licenças com grandes
contaminadores industriais, de modo que possam comprar o “direito de contaminar”
entre eles mesmos. É uma privatização do carbono posterior à “privatização da terra,
ar, sementes, água e outros recursos”. O documento finaliza dizendo que nenhuma
solução tecnológica vai resolver o desastre do meio ambiente ou social. “Somente
uma mudança radical na forma que produzimos, comercializamos e consumimos
pode dar terras para comunidades rurais e urbanas sustentáveis”. A agricultura
sustentável em pequena escala, um trabalho intensivo e de pouco consumo de
energia pode contribuir para o resfriamento da terra.
O documento “Soberania dos povos contra o esverdeamento do capital”
(2011) faz inicialmente uma análise política da movimentação do capital e ressalta
que a presente crise estrutural do capital está produzindo impactos profundos nas
economias centrais (EUA, Europa e Japão). Considera, porém, que essa crise não
inviabilizará automaticamente o sistema capitalista, que vem reconfigurando seus
mecanismos de acumulação. Um dos eixos dessa reconfiguração é o “espraiamento
do capital para as economias periféricas emergentes, com foco principalmente nos
países conhecidos como BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China)”, nos quais encontram-
se em curso grandes projetos de estruturação do capital. Entende que, além dos
antigos mecanismos de industrialização, exploração da mais-valia e o avanço do
| 146 |
agronegócio, “há um elemento comum a esses países que não será descartado
nesse novo período: as áreas naturais e territórios dos povos do campo”.
Nesse sentido, a Via Campesina entende que o capital “está se organizando
para se apropriar desses territórios e transformar a natureza em uma série de
mercadorias” (VIA CAMPESINA, 2011). Dá como exemplo o Brasil, que tem cerca
de 22 milhões de hectares em Unidades de conservação e terras Indígenas.
Somando-se aí as áreas das comunidades tradicionais, chega-se a mais de ¼ de
todo o território nacional, “onde o capital ainda não possui mecanismo de
acumulação”. Essa realidade se repete na imensa maioria dos países do Sul e da
Ásia. Considerando que muitas são as possibilidades de exploração dessas áreas
naturais conservadas, o capital vem planejando “adentrar sobre esses territórios
para poder realizar uma acumulação primitiva sobre várias formas: roubo do
conhecimento tradicional associado à biodiversidade dessas áreas, roubo de
minérios e madeiras, etc.”.
O documento defende que a utilização de pagamentos de serviços ambientais
é um dos instrumentos do capital para transformar as mudanças climáticas em um
flanco de maior acumulação do capital, além de ser um meio pelo qual o capital
pode se apropriar dos territórios dos povos das florestas e do campo, uma vez que
as empresas que pagam pelo REDD passam a ter direitos contratuais sobre o
carbono sequestrado. Considera que o principal instrumento que vem sendo
trabalhado é a Redução de Emissões por Desmatamento (REDD). E acrescenta:
[...] esse mecanismo pretende transformar as florestas em áreas de compensação das poluições de outros países, pagando valores por toneladas de carbono que supostamente seriam sequestradas pelas florestas. Apenas essa intenção já deve ser rechaçada, uma vez que é absurdo permitir que as florestas limpem a sujeira feita pelo Norte, além de sabermos que essas toneladas apenas legitimarão um aumento velado das emissões (VIA CAMPESINA, 2011).
Para finalizar, o documento da Via Campesina defende a articulação de
grupos anticapitalistas e contrários à mercantilização da natureza. Além disso,
entende ser necessária “a organização de uma frente ampla que articule
organizações do campo e da cidade e demonstre que as verdadeiras soluções para
o colapso ambiental estão juntos à agricultura camponesa, à reforma agrária e
urbana e à justiça social” (VIA CAMPESINA, 2011). Esses movimentos e
organizações populares também devem buscar uma estratégia comum de: i)
| 147 |
denunciar a maquiagem verde do capitalismo e seus instrumentos como o REDD,
Biologia Sintética e outros; ii) debater com a sociedade as reais causas da crise
ambiental, atrelando às outras facetas da crise estrutural do capital (financeira,
alimentar, energética etc); iii) reafirmar as verdadeiras soluções à crise: agricultura
camponesa, agroecologia, economia solidária, soberania energética.
A Via Campesina é um dos movimentos com posições mais críticas em
relação ao uso de mecanismos de mercado como enfrentamento da crise climática.
Seu posicionamento, assim como o da FASE, é contrário ao uso de instrumentos –
como o REDD e a economia verde – como alternativa para enfrentamento dessa
crise. Por ser um movimento de agricultores, focaliza as suas alternativas na
agricultura de pequena escala e familiar, na agroecologia, no consumo local.
Entende que essas práticas, além de sustentarem milhões de famílias, podem
contribuir para o esfriamento da terra.
4.2 Posic ionam entos articulados
No debate sobre as alternativas de enfrentamento às mudanças climáticas,
alguns movimentos têm se articulado no sentido de debater e se posicionar
conjuntamente em relação à crise do clima, principalmente em relação ao tema mais
controverso, que é o pagamento de serviços ambientais através do REDD e REDD+.
Dessa discussão, realizada através de seminários, consultas públicas e encontros,
foram produzidos documentos que expressam o posicionamento dessas
organizações, Destacam-se nesse debate quatro documentos: “Princípio e critérios
socioambientais de REDD+”, “Carta do Acre”, “Mandato de Manaus” e “Carta de
Belém”, que serão apresentados a seguir.
4.2.1 Princípio e critérios socioambientais de REDD+: para o
desenvolvimento e implementação de programas e projetos na Amazônia Brasileira
O documento “Princípio e critérios socioambientais de REDD+: para o
desenvolvimento e implementação de programas e projetos na Amazônia Brasileira”
(2010) é o resultado de um amplo processo de consulta pública que elaborou as
salvaguardas socioambientais para o desenvolvimento de execução de programas e
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de projetos de REDD+ na Amazônia brasileira. A proposta é que esses princípios e
critérios socioambientais sejam utilizados como referência para o desenvolvimento e
aplicação de projetos de carbono florestais e programas governamentais de REDD+.
Entre os princípios e critérios, ele destaca: i) cumprimento legal: respeito à
legislação trabalhista brasileira, a legislação ambiental; ii) reconhecimento e garantia
de direitos: respeito aos direitos de posse e uso da terra, territórios e recursos
naturais; iii) distribuição de benefícios: distribuição justa, transparente e equitativa
dos benefícios, que detêm o direito de uso da terra e/ou dos recursos naturais; iv)
sustentabilidade econômica: melhoria de qualidade de vida e redução da pobreza
(as ações de REDD+ devem promover alternativas econômicas com base na
valorização da floresta em pé e no uso sustentável dos recursos naturais).
Este documento tem uma característica que o diferencia dos demais, pois foi
submetido à consulta pública e teve a contribuição de diversas entidades,
estudantes, professores, movimentos sociais e ambientais. Se por um lado esse
processo valoriza o documento, pois houve a democratização da discussão, por
outro, há a necessidade de acolher as diferenças de ideias e opiniões. Diante disso,
não se pode esperar outro posicionamento que não seja a utilização do mecanismo
REDD, desde que sejam observados critérios socioambientais, ou as chamadas
salvaguardas. Estas salvaguardas, listadas no documento, vêm sendo utilizadas por
muitas ONGs, como por exemplo, a ISA, a WWF, entre outras.
4.2.2 “Mandato de Manaus: ação indígena pela vida”
O Mandato de Manaus foi organizado pelos participantes do 1ª Cumbre
Regional Amazônica Saberes Ancestrais, organizado pela Coordenação das
organizações indígenas da Bacia Amazônica nos dias 15 a 18 de agosto de 2011,
com a participação de povos indígenas amazônicos e as organizações nacionais de
nove países: Bolívia (CIDOB), Brasil (COIAB), Equador (CONFENIAE), Colômbia
(OPIAC), Guyana (APA), Guyana Francesa (FOAG), Peru (AIDESEP), Venezuela
(ORPIA) e Suriname (OIS). Apesar de se posicionarem criticamente em relação ao
pagamento de serviços ambientais, os países supracitados aceitam esse
instrumento a partir de algumas condições e garantias. O documento inicia
ressaltando que:
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[...] a crise climática e ambiental é gravíssima, em pouco tempo irreversível, enquanto os poderes globais e nacionais, não podem nem querem detê-la, e pior, pretendem aproveitá-la com mais “negócios verdes” mesmo que ponham em perigo todas as formas de Vida. De poderes, baseados no racismo, patriarcado, individualismo e de consumismo desenfreados, de mercantilização e privatização de tudo e a irresponsabilidade soberba de “domínio” da natureza esquecendo que apenas somos uma pequena parte dela (MANDATO DE MANAUS, 2011).
O documento apresenta objetivos e ações em vários itens. No item específico
sobre a REDD, chamado “Fortalecer “REDD+ indígena e que devedores ecológicos
reduzam a contaminação”, considera ser necessário ter garantias e condições
voltadas aos povos indígenas, para que a discussão em torno da questão do REDD
possa avançar de maneira eficaz no âmbito nacional e internacional. Entre as
diretrizes apontadas, ressalta-se: i) respeitar e apoiar a conservação holística dos
bosques, não apenas de áreas desmatadas; ii) respeitar as regulamentações
nacionais e resoluções da Coordenação das Organizações indígenas da Bacia
Amazônica (COICA) sobre REDD+; iii) estabelecer mecanismos de solução de
conflitos com garantias de neutralidade e eficácia; iv) não apoiar o mercado de
créditos de carbono para encobrir os contaminantes globais; v) Estados e Bancos
devem assumir a sua responsabilidade para frear a expansão de ladrões de REDD+,
mediante o registro e certificação pública internacional dos operadores de REDD; vi)
rejeição de ONGS fraudadoras denunciadas pelos povos indígenas; vii) as
comunidades não devem se comprometer com contratos para REDD ou em
negócios de carbono até que os regulamentos internacionais e nacionais estejam
claros e implementados.
Este documento tem como principal característica ser um posicionamento
assinado especificamente pelos povos indígenas da Amazônia, a COICA e a COIAB.
O documento, assim como o anterior, aceita a implementação de projetos com
REDD desde que sejam assegurados os critérios listados, apresentados na carta,
chamados de salvaguardas indígenas.
4.2.3 Carta do Acre
A “Carta do Acre” foi organizada na oficina “Serviços Ambientais, REDD e
Fundos Verdes do BNDES: salvação da Amazônia ou Armadilha do Capitalismo
Verde?” realizada entre os dias 3 a 7 de outubro de 2011, no qual estavam
presentes ONGS, trabalhadores da agricultura familiar, assentamentos extrativistas,
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organizações indígenas, entre outros setores. A Carta ressalta que a proposta de
pagamentos de serviços ambientais, prevista em lei no Estado do Acre, que
proporciona a geração de “ativos ambientais” para negociar os bens naturais no
mercado de “serviços ambientais”, como o mercado de carbono, “reproduz
servilmente os argumentos dos países centrais, os gestores estatais locais a
apresentam como uma forma eficaz de contribuir com o equilíbrio do clima, proteger
a floresta e melhorar a qualidade de vida daqueles que nela habitam”. Alerta que o
pagamento de serviços ambientais “trata-se de um desdobramento da atual fase do
capitalismo cujos defensores, no intuito de assegurar sua reprodução ampliada,
lançam mão do discurso ambiental para mercantilizar a vida, privatizar a natureza e
espoliar as populações do campo e da cidade”.
Nesse contexto, argumenta que a proposta de pagamento de serviços
ambientais através do REDD permite aos países centrais do capitalismo manter
seus padrões de produção, consumo e poluição. Além disso, a Carta denuncia que
algumas entidades financeiras e ONGS têm se aliado ao capital internacional, com o
objetivo de mercantilizar o patrimônio natural da Amazônia.
A “Carta do Acre” foi organizada a partir de uma conjuntura muito específica:
a disputa política em relação à implantação de REDD no Estado do Acre. O Acre já
possui uma legislação sobre pagamentos ambientais e alguns projetos em
andamento. Percebe-se que a Carta se posiciona não somente em relação à
proposta de REDD em si, mas também contra a política estadual que vem
implementando projetos nessa área.
Essa disputa fica clara quando, logo a seguir, em resposta à “Carta do Acre”,
foi organizado um manifesto denominado “Em defesa do Acre: para não voltar ao
passado”, assinado massivamente por sindicatos da região, CUT e poucos
movimentos sociais (ao contrário da “Carta do Acre”, que é assinada mais por
movimentos sociais ligados aos povos da floresta e ONGs, como CPT do Acre e
Centro de Direitos Humanos, e menos pelos sindicatos da região). Para se ter uma
ideia do embate que se estabeleceu no Estado, um dos parágrafos do manifesto em
”Em defesa do Acre” (2011) diz:
temos que reconhecer que o governo estadual estava certo quando mudou a base da economia acriana e passou a defender o desenvolvimento sustentável [...] hoje nosso estado é respeitado por todas as nações do mundo por suas políticas avançadas.
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Esse debate é de grande importância, visto que o Acre, além de ter uma
política pública voltada para essa área, é um Estado que apresenta uma vasta
cobertura de florestas, o que torna necessário, portanto, o debate sobre os rumos
dessas políticas e projetos. Tanto que a “Carta do Acre” teve uma grande
repercussão nas redes sociais e foi pauta de discussão em vários fóruns.
4.2.4 Carta de Belém
A “Carta de Belém” foi elaborada por movimentos socioambientais de todo o
Brasil (trabalhadores da agricultura familiar e camponesa, agroextrativistas,
quilombolas, organizações de mulheres, pescadores, povos tradicionais da floresta,
sindicalistas entre outros) reunidos no Seminário “Clima e Floresta – REDD e
mecanismos de mercado como solução para a Amazônia?”, realizado em 2009, em
Belém.
A Carta inicia dizendo que os signatários que rechaçam “os mecanismos de
mercado como instrumentos para reduzir as emissões de carbono”, entendem que o
mercado não é capaz de assumir a responsabilidade pelo planeta. Aponta dois
principais problemas em relação às propostas de REDD em debate: a primeira é a
não diferenciação entre florestas nativas de monoculturas extensivas de árvores, o
que pode possibilitar os agentes econômicos – que historicamente destruíram os
ecossistemas – encontrarem, nos mecanismos de valorização da floresta em pé,
maneiras de continuar a fortalecer seu poder econômico e político em detrimento
dessas populações. A segunda é que, com a implantação do REDD, se corre o risco
de os países industrializados não reduzirem suas emissões e manterem o mesmo
modelo de produção e consumo insustentáveis.
Diante desse entendimento, a “Carta de Belém” considera que, para o Brasil,
as negociações sobre o clima não devem estar focadas no debate sobre REDD e
outros mecanismos de mercado, e sim, na “transição de um novo modelo de
produção, distribuição e consumo, baseado na agroecologia, na economia solidária
e numa matriz energética diversificada e descentralizada que garantam a segurança
e soberania alimentar”. Para isso, é necessário que o governo enfrente o
desmatamento na Amazônia e em outros biomas do país, com a implementação da
Reforma Agrária e um reordenamento territorial em bases sustentáveis, e do
reconhecimento jurídico dos territórios dos povos e comunidades tradicionais e
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povos originários. Além disso, a Carta defende a implementação de políticas
públicas que permitam o reconhecimento e valorização dessas práticas tradicionais.
Por fim, afirma que “todo e qualquer mecanismo de redução de desmatamento
esteja inserido em uma visão abrangente de políticas públicas e fundos públicos e
voluntários que viabilizem nossos direitos à vida na Amazônia e no planeta”.
A “Carta de Belém” é um dos documentos mais importantes e representativos
em relação ao posicionamento dos movimentos sociais sobre as mudanças
climáticas e, especificamente, a implementação do mecanismo REDD. É uma carta
que reuniu organizações dos povos da floresta, sindicatos, ONGs (como a FASE) e
movimentos sociais como Via Campesina, MST e MAB. Pelo próprio teor da carta, já
que “rechaçam os mecanismos de mercado como instrumentos para reduzir as
emissões de carbono”, e, portanto, negam a capacidade de o mercado assumir a
responsabilidade pelo planeta, se colocam contrários à mercantilização da natureza.
Pode-se dizer que isso explica a ausência, como signatários da carta, de ONGs
como Vitae Civilis e Greenpeace, o que é coerente com seus respectivos
posicionamentos, vistos anteriormente. A carta também evidencia o argumento,
defendido no capítulo anterior, de que as mudanças climáticas, pela própria natureza
do problema, têm implicações sociais, ambientais, econômicas e políticas. Com isso,
possibilita a articulação dos movimentos sociais considerados clássicos, como os
sindicatos e os “novos movimentos sociais”, possibilitando, assim, a articulação das
lutas sociais e ambientais.
É certo que existe um grande desafio a se percorrer nesse processo.
Entretanto, diante da atual magnitude da crise do capital e suas manifestações,
considerando, como foi visto anteriormente, que todos os grupos humanos estão
submetidos à lei do valor, se faz necessária uma articulação das lutas sociais e de
classe no processo de construção de um novo modelo social, além da integração de
todos os sujeitos subsumidos ao capital. Argumenta-se, nesse sentido, que os
movimentos sociais comprometidos com a emancipação social podem contribuir com
esse processo à medida que tratem as questões sociais e ambientais de forma
articulada. Para enfrentar esse desafio, entende-se que seja fundamental que a
práxis43 dos movimentos sociais esteja ancorada tanto em pressupostos críticos de
43 Práxis, entendida no sentido freireano, como ação e reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo.
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educação quanto de compreensão da realidade. Estas questões serão tratadas a
seguir.
4.3 A articulação das lu tas sociais e am bienta is : a contribu ição da Educação “am bienta l” crítica e em ancipatória e da dialé tica m arx is ta
Como visto anteriormente, para enfrentar os desafios impostos pela crise do
capital e suas manifestações destrutivas, tanto sociais quanto ambientais, é
necessário, entre outras ações, que os movimentos sociais comprometidos com a
emancipação social tratem das lutas sociais e ambientais de forma articulada. Para
isso, compreende-se ser necessário que a práxis dos movimentos sociais esteja
embasada tanto em pressupostos críticos de compreensão da realidade quanto
comprometida com uma visão de educação crítica, já que se pode considerar que
existe um caráter educativo dos movimentos sociais. Nesse sentido, este item irá
discutir como a perspectiva de educação ambiental crítica e emancipatória e a
dialética marxista são fundamentais para a compreensão dos problemas sociais e
ambientais de forma articulada.
4.3.1 Educação ambiental crítica e emancipatória
Para discutir as contribuições da educação na construção de uma consciência
crítica e o seu aporte para os movimentos sociais – na compreensão dos problemas
sociais e ambientais de forma articulada –, parte-se do princípio de que existe um
caráter educativo no interior de processos que se desenvolve fora dos canais
institucionais escolares. Isso implica, de acordo com Gohn (2005, p. 17), “ter como
pressuposto uma concepção de educação que não se restringe ao aprendizado de
conteúdos específicos transmitidos através de técnicas e instrumentos do processo
pedagógico”. Para a autora, nos movimentos sociais, a educação é autoconstruída
no processo de lutas e o educativo surge de diferentes fontes: i) da aprendizagem
gerada com a experiência de contato com fontes de exercícios do poder; ii) da
aprendizagem das diferenças existentes na realidade social a partir da percepção
das distinções nos tratamentos que os grupos sociais recebem de suas demandas;
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iii) da aprendizagem gerada pelo contato com as assessorias contratadas ou que
apoiam o movimento.
Além de ter como pressuposto o caráter educativo dos movimentos sociais, a
educação aqui é qualificada de “ambiental, crítica e emancipatória”44 e, nesse
sentido, merece considerações. Inicialmente, marca e diferencia um campo da
educação que discute a questão ambiental em seus processos educativos, sem
desarticulá-los das questões econômicas e sociais; segundo, tem como referenciais
teórico-metodológicos os pressupostos centrais da dialética marxista e da pedagogia
crítica; por fim, sua ação educativa objetiva a emancipação social, ou seja, a
construção de uma nova ordem sociometabólica, para além da exploração do capital
sobre o trabalho.
Essa perspectiva de educação45 se difere de outras concepções educativas
que, apesar de utilizarem o adjetivo ambiental, se pautam em visões reformistas da
questão ambiental. No que diz respeito à relação com um trabalho educativo, essas
visões consideram que a educação ambiental tem um papel decisivo no sentido de
incentivar comportamentos que possam favorecer a adaptação dos indivíduos e da
sociedade como um todo frente aos problemas ambientais contemporâneos,
incentivando comportamentos que são considerados “ecologicamente corretos”.
Para Gustavo Lima (2002), as ações de educação ambiental baseadas nessa
perspectiva têm, entre outras, as seguintes características: uma tendência a
sobrevalorizar as respostas tecnológicas diante dos desafios ambientais; uma leitura
individualista e comportamentalista da educação ambiental e dos problemas
ambientais; uma abordagem despolitizada da temática ambiental; uma separação
entre as dimensões sociais e ambientais da problemática ambiental; uma
responsabilização dos impactos ambientais a um homem genérico.
44 A reflexão sobre a contribuição da educação, em especial a educação ambiental, no sentido de ser um dos instrumentos para transformar os atuais impasses da nossa sociedade, vem sendo reconhecida desde a primeira Conferência sobre Meio Ambiente Humano, convocada pela ONU, em l972. Esta Conferência recomenda aos países a adoção de um Programa de Educação Ambiental, visando educar o cidadão para a compreensão e o combate a crise mundial. Depois desse evento, olhares de diversos países se voltaram para a necessidade de efetivar um processo educativo em torno da questão ambiental. Vários autores têm se dedicado a refletir sobre a história da educação ambiental, seus objetivos, princípios, finalidades. Entre eles destaca-se: Genebaldo Dias, Carlos Frederico Loureiro, Gustavo Lima entre outros. 45 São vários os autores que compartilham dessa perspectiva de educação ambiental, entre eles destaca-se: Carlos Frederico Loureiro, Philippe P. Layragues, Mauro Guimarães, Victor Novick, Eunice Trein entre outros.
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Essa abordagem é facilmente visível em programas e projetos de educação
ambiental desenvolvidos pelas grandes ONGs46, pelas TVs47, empresas e por muitos
educadores ambientais. Em geral, incentivam a criação hábitos como, por exemplo,
a economia de energia e de água, a separação do lixo visando à reciclagem das
embalagens, etc. É importante ressaltar que todas essas ações são fundamentais
em um novo modelo sociometabólico, com valores para além do capital. O que se
questiona são os pressupostos dessa concepção e a forma como são abordados os
problemas e o papel da educação ambiental. Genericamente, esses programas
educativos partem da ideia que se “cada um fizer sua parte” é possível superar os
problemas da degradação ambiental. Além disso, essa proposta pedagógica não
discute as causas e os sintomas dos problemas e, muito menos, visa à
transformação da ordem social vigente48.
Ao contrário da visão reformista, a concepção de educação ambiental crítica e
emancipatória se define no compromisso de transformação da ordem social vigente.
Está relacionada aos movimentos sociais e libertários da sociedade civil e entende a
educação como processo permanente, no qual indivíduos e comunidades tomam
consciência das questões relativas às questões sociais e ambientais e adquirem
conhecimentos, valores e atitudes que possam torná-los aptos a agir, individual e
coletivamente, no sentido de buscar transformar as causas estruturais desses
problemas.
É importante dizer que a educação ambiental crítica e emancipatória é antes
de tudo educação e está ancorada nas pedagogias progressistas e libertárias, como
as de Paulo Freire e Saviani. Dessas perspectivas, herda a compreensão de
educação como ato político, comprometida com a transformação da sociedade; a
definição do processo educativo como dialógico, “que problematiza as relações
46 Um dos exemplos é a campanha desenvolvida pelo Greenpeace sobre as “Mudanças climáticas. O filme “Mudança de vida e mudança de clima” apresenta uma discussão interessante sobre o aquecimento global, apresenta as causas como: o desmatamento da Amazônia, o tipo de transporte utilizado nas grandes cidades, mas não toca no modelo econômico. Além disso, apresenta como alternativa a adaptação do indivíduo nesse novo contexto, incentivando, por exemplo, a adoção de energia solar. 47 Um dos programas de TV que se insere nessa concepção é o Globo Ecologia. 48 Vários autores têm se dedicado à discussão das diferenças entre as perspectivas de EA, o que foge ao objetivo do texto. Para maior aprofundamento, pode-se consultar, entre outros textos: LIMA, G.F. da C. de. Crise ambiental, educação e cidadania. In: LOUREIRO, C. F. B.; LAYRARGUES, P. P.; CASTRO, R. S. de (Orgs.). Educação ambiental: repensando o espaço da cidadania. São Paulo: Cortez, 2002. p. 109-142.
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sociais de exploração e dominação” e “que tem como fundamento de sua práxis a
crítica da sociedade capitalista e da educação como reprodutora das relações
sociais injustas e desiguais” (LOUREIRO et al., 2009, p. 87) 49.
Aliada a uma perspectiva de pedagogias críticas, é essencial que a educação
ambiental crítica e emancipatória também esteja ancorada em referenciais críticos
de compreensão da realidade, como a dialética marxista. Essa conjugação entre as
duas teorias pode possibilitar, aos movimentos sociais, uma compreensão crítica e
articulada dos problemas sociais e ambientais.
De acordo com Netto (2002), assumir o método dialético como referência para
análise da realidade leva a dois caminhos, sendo o primeiro uma interpretação
fundamentalista de Marx, no sentido de “agarrar e se trancar” naquilo que Marx
disse e tentar explicar o tempo presente. O autor considera isso como um suicídio,
pois veda, cancela qualquer produção do conhecimento. O segundo, que é a
proposta deste estudo, é a sua incorporação crítica, ou seja, “enquanto caminho que
permite a aprendizagem pela transformação permanente do saber, a organização e
articulação de pensamentos e ações em um processo ativo [...] não como um
caminho monolítico e dogmático, mas um “trilho que se reconstrói no próprio
caminhar individual e coletivo sobre qual andamos” (LOUREIRO, 2004, p. 98).
4.3.2 A dialética marxista
O método materialista histórico dialético caracteriza-se pelo movimento do
pensamento através da materialidade histórica da vida dos homens em sociedade,
isto é, trata de descobrir as leis que definem a forma organizativa dos homens
através da história. De acordo com Pires (1997) essa abordagem tem como objetivo
descobrir as leis dos fenômenos investigados, captar as articulações, analisar as
evoluções e rastrear as conexões sobre os fenômenos estudados.
Para Netto (2002), a realidade na perspectiva dialética é sócio-histórica e sua
essencialidade se define no caráter dinâmico e processual. Ressalta que o que
move, ou seja, o que determina o centro desse dinamismo não é conflito, não é
49 Não é objetivo deste item se debruçar às contribuições de Paulo Freire e Demerval Saviani para a práxis da educação ambiental crítica e emancipatória. Para maior aprofundamento nessas questões, o leitor poderá consultar entre outros o livro “Trajetórias e fundamentos da educação ambiental”, de Loureiro (2004).
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tensão, não é oposição, mas sim, as contradições e os antagonismos gestados nas
instâncias constitutivas dessa realidade.
De acordo com Kosik (1969), o conhecimento da realidade, nessa
perspectiva, tem o fenômeno como ponto de partida. Para ele, a essência se
manifesta no fenômeno, mas de modo inadequado, parcial, apenas sob certos
ângulos e aspectos. Ressalta que “o fenômeno indica a essência e, ao mesmo
tempo, a esconde” (p. 11). Explica que o mundo fenomênico tem a sua estrutura,
uma ordem e uma legalidade própria que pode ser revelada e descrita, para isso, é
necessário ir além da aparência. Nesse sentido, captar o fenômeno de determinado
fenômeno significa “indagar e descrever como a coisa em si se manifesta naquele
fenômeno, e como ao mesmo tempo nele se esconde” (p. 12). Compreender, pois, o
fenômeno é atingir a sua essência.
Segundo Netto (2002), é indispensável para a elaboração teórica um
conhecimento minucioso, rigoroso e circunstanciado dos elementos empíricos, a
partir dos quais se constrói o conhecimento. Entretanto, essa operação não constitui
a particularidade da elaboração teórica. Para o autor, os fatos são expressões
empíricas coaguladas de processos e cabe à razão identificar esses processos, num
movimento de abstração. Ressalta que sem a capacidade de abstrair é impossível a
construção teórica, pois é pelo processo da abstração de descolar-se do imediato,
do dado, do experiencial, que se torna possível identificar, detectar os processos
que são sinalizados pela forma factual, empírica. Através do movimento da
abstração inicia-se aquilo que constitui o essencial do método marxiano, que é
elevação do abstrato ao concreto.
Para Netto (2002), esse processo permite ao pensamento identificar os
processos, vinculá-los a outros processos e retornar a forma empírica de onde
partiu. No entanto, a forma empírica continua a mesma, pois o pensamento não
possui a capacidade de transformá-la. A teoria, na perspectiva marxiana, reproduz
idealmente o movimento do objeto real, possibilita ao investigador, a partir desse
circuito analítico, “ver no fato, aquilo que não é evidente ao olhar”. É nesse sentido
que conhecer, na perspectiva dialética, é conhecer as determinações do fenômeno e
a síntese de múltiplas determinações que Marx chamava de concreto.
Os fenômenos são pontos de partida para a práxis social dos movimentos
sociais e da educação ambiental, sejam estes emancipatórios ou não. Como visto, o
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que vai marcar e diferenciar essa práxis a partir de uma perspectiva dialética é que
estes fatos são compreendidos a partir de seu caráter processual e dinâmico, são
considerados apenas pontos de partida sem os quais a práxis seria impossível. Além
disso, é essencial que essa práxis negue a aparência e desvende a essência, a
estrutura íntima desses fenômenos, pois a expressão fática sinaliza, mostra, revela,
mas também esconde, mistifica e oculta. Tomando como exemplo a problemática
das mudanças climáticas, é possível compreender que esse fenômeno sinaliza,
aparenta questões importantes, como a desertificação, o aquecimento global, entre
outros. No entanto, a essência da crise climática é ocultada na sua aparência.
Somente a partir do processo dialético de negar a empiria se torna possível entender
que a essência da crise climática está ligada ao modo de produção capitalista, é
fruto de ruptura metabólica entre a sociedade e a natureza.
Nesse sentido, Netto (2002) considera que conhecer a realidade implica, além
desses princípios discutidos, compreender a produção material da vida social, ou
seja, compreender a forma social como os homens produzem os objetos. Ele
argumenta que esse é o dado primário, ou seja, aquilo que existe, o que é, a partir
do qual tudo deve ser pensado, mas não significa que é único e muito menos
explosivo. É nesse contexto que a materialidade histórica pode ser compreendida a
partir das análises empreendidas sobre a categoria trabalho. Na abordagem
dialética, o trabalho é considerado a atividade vital e central nas relações do homem
com a natureza e com os outros homens. É a atividade pela qual o homem exerce
para produzir ou reproduzir a vida, garantir sua sobrevivência, e também é o meio
pelo qual a humanidade conseguiu reproduzir a vida humana. No entanto, o trabalho
é explorado na sociedade capitalista, definindo, assim, um processo de alienação
(expropriação da atividade essencial em sua plenitude). Sobre esse aspecto, Pires
(1997, p. 87) afirma:
[...] se o trabalho, como atividade essencial e vital traz a possibilidade de realização plena do homem enquanto tal, a exploração do trabalho determina o inverso, de alienação. Sob a exploração do trabalho os homens tornam-se menos homens, há uma quebra na possibilidade de, pelo trabalho, promover a humanização dos homens.
Para Netto (2002) o mundo é incompreensível se não se compreende a base
material, mas a base material não esclarece acerca do conteúdo da consciência
social. Considerando que a consciência social só pode ser compreendida a partir da
elucidação da base material é que, segundo Netto, Marx e Engels chegam à sua
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principal determinação: “não é a consciência que determina o ser social, é a
existência que determina o ser”.
Netto (2002) ressalta que o conceito de ideologia é fundamental para se
entender a relação dessa produção material no cômputo da vida social. É através da
ideologia que, no âmbito da consciência social, se gesta uma falsa representação
dos processos sociais. Falsa porque, ao desconhecer sua relação com a base
material, o pensamento se pensa autonomizadamente, desconhecendo as
determinações que lhe são impostas historicamente. Mais do que isso: supõe que
esse processo resulta do seu pensar.
A compreensão da produção material da vida social da sociedade burguesa a
partir da dialética marxista é fundamental para a reflexão/práxis da educação
ambiental crítica e emancipatória e para os movimentos sociais comprometidos com
a emancipação social. Possibilita, por exemplo, compreender que as determinações
dos problemas ambientais e sociais estão relacionadas aos mecanismos de
exploração da sociedade capitalista. A partir dessa visão, como visto anteriormente,
é possível entender que o processo de acumulação do capital se deu através da
exploração de duas riquezas: a força de trabalho e a natureza. Essa compreensão
sobre a gênese dos problemas sociais e ambientais rompe com a falsa
representação dos problemas ambientais e sociais, atualmente hegemônica na
sociedade, que relaciona a destruição ambiental ao desperdício de matéria e
energia, aos limites físicos e naturais dos recursos naturais, ao excesso da
população, sem vinculá-los ao modo de produção capitalista. Além disso, permite
compreender que tanto os problemas ambientais quanto os sociais têm a mesma
origem, ou seja, são frutos da exploração do capital sobre o trabalho, o que favorece
a compreensão articulada dos problemas sociais e ambientais.
A partir da compreensão da base material da sociedade, a perspectiva
dialética propõe conhecer a realidade a partir de três categorias fundamentais:
Totalidade, Contradição e Mediação.
A realidade sócio-histórica pode ser conhecida na sua concreticidade
(totalidade) quando se descobre a natureza da realidade social. Para Kosik (1969),
esta realidade constitui sempre uma totalidade, isto é “realidade como um todo
estruturado, dialético, no qual ou do qual um fato qualquer (classe de fatos,
conjuntos de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido” (p. 35).
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Para o autor, a dialética da totalidade não é um método que pretende
ingenuamente conhecer todos os aspectos da realidade sem exceções e oferecer
um quadro total da realidade. Trata-se de uma teoria da realidade como totalidade
concreta, na qual cada fenômeno pode ser compreendido como um momento do
todo50.
De acordo com Kosik (1969), essa perspectiva possibilita compreender a
realidade como concreticidade, como um todo que não é caótico, que se
desenvolve, que não é imutável, nem dado de uma vez por todas; um todo que vai
se criando e que não é perfeito e acabado no seu conjunto. Além disso, o
conhecimento concreto da realidade não consiste em um acréscimo sistemático de
fatos a outros fatos, de noções a outras noções, e sim
[...] um processo de concretização que procede do todo para as partes e das partes para o todo, dos fenômenos para a essência e da essência para os fenômenos, da totalidade para as contradições e das contradições para a totalidade; e justamente neste processo de correlações em espiral no qual todos os conceitos entram em movimento recíproco e se elucidam mutuamente, atinge a concreticidade (KOSIK, 1969, p. 41).
Para Netto (2002), a concepção de realidade se assenta na estrutura de
totalidade que a realidade tem. Esta categoria é nuclear, mas ela perde qualquer
sentido se não tiver imediatamente vinculada à categoria contradição. Sem
contradição as totalidades são mortas. O que dinamiza as totalidades é o sistema de
contradição que elas necessariamente portam. O autor explica que, na tradição
marxista, as contradições dialéticas têm como características: i) as oposições ou
conflitos exclusivos ou reais, pois seus termos ou polos pressupõem-se mutuamente
de modo a constituir uma oposição inclusiva; e com ii) as oposições lógicas formais,
pois as relações são dependentes de significado (ou conteúdo) e não puramente
formais, de modo que a negação não leve ao seu cancelamento abstrato, mas à
criação de um conteúdo mais abrangente, novo e superior. Associado ao primeiro
contraste está o tema da “unidade dos contrários”, a marca registrada de toda a
dialética ontológica marxista. Mas totalidade e contradição só têm sentido com a
50 Essa compreensão de totalidade se diferencia, de acordo com Loureiro (2004), das correntes organicistas, que se enquadram no holismo e certas tendências mecanicistas da própria tradição marxista, que de maneira geral buscam o todo pela hipostasia deste, mistificando-o ou dando à totalidade um teor teleológico e absoluto. Para o autor, isso faz com que o sentido contraditório da vida seja mera formalidade, vazia de atividade humana consciente. Além disso, na visão de Kosik (1969), essa compreensão de totalidade se transforma numa abstração metafísica, que não considera a dialética base/superestrutura, micro/macro, singular/coletivo, concreto/abstrato, objetivo/subjetivo.
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categoria de mediação. Sem as mediações, as totalidades, movidas por suas
contradições, se apresentariam como totalidades indiferenciadas.
Pode-se dizer que as categorias totalidade, contradição e mediação estão
interligadas e dão contribuições essenciais para a práxis dos movimentos sociais e
para a compreensão dos fenômenos sociais e ambientais de forma articulada. A
categoria totalidade permite compreender os problemas ambientais e sociais como
momento de um todo estruturado, constituído de outras totalidades. Possibilita
entender que esse conjunto de fenômenos tem totalidades com natureza
específicas, próprias.
Tomando como exemplo as mudanças climáticas, é possível apreender esse
fenômeno como um momento do sistema do capital, com características próprias,
interligadas umas às outras e também às outras totalidades do sistema do capital.
Nesse processo de totalização, identificam-se as contradições e mediações desse
fenômeno. No caso da crise climática, podem ser apontadas várias contradições.
Como visto anteriormente, essa problemática vem se constituindo tanto como um
limite quanto nova fonte de acumulação para o capital; pode ocasionar a diminuição
do turismo em determinado lugar e ampliar em outro; ser uma ameaça à
biodiversidade e possibilitar novos negócios na área de energia solar. Torna-se
importante ressaltar, nesse sentido, que contradição não é conflito, mas a partir das
contradições podem surgir os conflitos. Portanto, é fundamental que a
reflexão/práxis dos movimentos sociais e da educação ambiental crítica e
emancipatória identifique as contradições dos problemas ambientais e sociais e não
apenas os conflitos. Na perspectiva dialética, os conflitos podem ser considerados
como a aparência do problema e não a essência do mesmo. Isto não quer dizer que
não se deva trabalhar com os conflitos ambientais, mas entendê-los como
expressão fenomênica do real.
Como exemplo de que o conflito apresenta apenas a aparência e não a
essência do fenômeno é o embate entre as ONGs, como o Greenpeace e as COPS,
em relação às metas de redução dos gases de efeito estufa. Conforme foi visto, o
Greenpeace questiona as metas aprovadas no âmbito das COPs, pois entende que
estas não são suficientes para o enfrentamento da crise climática. Essa questão,
apesar de ser importante, oculta uma das principais contradições dessa
problemática, que é a utilização de um instrumento de mercado como alternativa à
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crise climática. Nesse sentido, entende-se que a reflexão/práxis deve compreender o
conflito como um sinal, um marco indicador de processos, um ponto de partida que
sinaliza importantes questões, mas que também deve negá-lo, não no sentido de
cancelá-lo, mas com objetivo de ultrapassá-lo, de ir além da aparência, encontrando
as contradições e mediações do problema.
Para finalizar, entende-se que a tradição dialética é um instrumento teórico
metodológico que possibilita àqueles que atuam nos movimentos sociais
compreender os problemas sociais e ambientais numa perspectiva crítica, de forma
articulada, vinculando-os ao modo de produção capitalista. Entende-se que essa
perspectiva metodológica possibilita essa compreensão, pois “é um exercício
complexo e totalizador que nos permite apreender as sínteses das determinações
múltiplas” (LOUREIRO, 2004, p. 127). Segundo o autor, princípio metodológico não
quer dizer estudo da totalidade da realidade, já que a realidade é inesgotável e esta
seria uma premissa totalitária, mas sim, “como a compreensão racional da realidade
como um todo estruturado no qual não se pode entender um aspecto sem relacioná-
lo no seu conjunto” (p. 127).
Nesse turno, concordando com Netto (2002), é importante dizer que a adoção
de uma perspectiva metodológica como a dialética marxista é apenas um roteiro,
não uma receita, é um filme e não uma fotografia para a compreensão da realidade.
Além disso, Netto ressalta: “o que Marx ofereceu foi apenas a porta de entrada para
a compreensão dessa mais complexa forma de todas as formações societais”.
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C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S
Ao chegar ao final desse trabalho, é possível tecer algumas considerações
relativas tanto ao processo de construção teórica do trabalho quanto ao resultado
desse processo. Este estudo possibilitou vivenciar e reafirmar a pertinência da
proposta do método dialético marxista, não só como método de compreensão da
realidade, mas também como instrumento de pesquisa. A partir dessa experiência –
inspirada nos referenciais desse método – são apresentadas estas considerações
finais.
Este estudo teve como proposta analisar a lógica destrutiva do processo de
produção e acumulação do capital, focalizando uma de suas principais
manifestações – a destruição ambiental, em especial as mudanças climáticas – e
demonstrando que esta pode se constituir tanto como um limite quanto em novos
campos de acumulação para o capital. Além disso, discutiu sobre o posicionamento
dos movimentos sociais e ambientais no contexto das mudanças climáticas,
chegando ao seu final com a clareza de que, apesar de não esgotar o real, pois este
é extremamente complexo e dinâmico, esta investigação possibilitou contribuir para
o conhecimento dos processos e das contradições de um dos fenômenos mais
desafiadores da humanidade.
A partir da perspectiva crítica marxista, o primeiro passo deste estudo foi
compreender a produção material da vida social. Isto não significa entendê-lo como
único, e muito menos que haja qualquer determinismo, mas sim, considerar o que
efetivamente existe, o que é. Nesse sentido, a pesquisa apreende as análises
marxianas e marxistas sobre o processo de produção e acumulação do capital. Os
estudos demonstraram que esse processo se constituiu a partir da acumulação
primitiva, baseado numa ampla gama de processos violentos e predatórios que
deram as condições básicas para o desenvolvimento da produção capitalista. A
partir desse suporte, o processo de produção e acumulação do capital se consolida
a partir de uma dupla exploração: a força de trabalho e a natureza. Em relação ao
trabalho, essa exploração se materializa através da mais-valia e fundado no lucro.
Os estudos realizados a partir de Foster (2005) demonstram que Marx já
identifica o processo de exploração da natureza, a partir do conceito de falha
| 164 |
metabólica. Para Marx, essa falha ou ruptura metabólica acontece em decorrência
das relações capitalistas, ou seja, do rompimento do metabolismo complexo entre
sociedade e natureza. No entanto, é na fase mercantil que o capital transforma em
mercadorias os minerais, vegetais, animais e espaços do mundo que haviam
permanecido até então usufruto das sociedades pré-capitalistas. Esse processo de
saqueamento dos recursos naturais tornou-se uma guerra de extermínios: animais
mortos em numerosas zonas do planeta; ouro e prata pilhados da América,
convertidos em moeda; destruição das florestas, entre outras atrocidades.
Posteriormente, já na fase imperialista, e, principalmente, com a reorganização do
capital a partir de 1970, o processo de acumulação se financeirizou e a exploração
da natureza ganhou novas roupagens, como: o patenteamento e licenciamento de
material genérico, do plasmo de semente e de todo o tipo de outros produtos, a
biopirataria de recursos genéticos que atua em benefício de poucas companhias
farmacêuticas, a escalada da destruição dos recursos ambientais globais (terra,
água, ar) e as degradações cada vez maiores de habitats, a privatização da água e
de utilidades públicas de todo o gênero.
Na busca por compreender o fenômeno estudado, foi possível identificar
novos processos em relação à lógica destrutiva do capital: a crise estrutural do
capital e uma de suas principais manifestações, a crise ambiental. A crise estrutural
do capital, diferentemente de uma crise periódica ou cíclica, tem o caráter universal
e um alcance global, atingindo todos os países, sua escala de tempo é contínua e
permanente. Em relação à crise ambiental, os estudos demonstraram que o
pensamento hegemônico sobre as determinações dessa crise vem sendo defendido
por representantes ligados aos órgãos oficiais, às instituições financeiras
multilaterais, às grandes corporações e ONGs ambientalistas internacionais. Apesar
de apresentar diferenças teóricas, de um modo geral, esse campo defende que o
cerne dos problemas ambientais está ligado às seguintes causas: ao desperdício de
matéria e energia, aos limites físicos e naturais dos recursos naturais e aos altos
padrões de produção e consumo. Ao contrário dessa visão, este estudo afirma que
as causas da crise ambiental não estão relacionadas à indústria e ao
desenvolvimento tecnológico, mas são de responsabilidade das relações sociais
capitalistas, relações estas fundadas na exploração do trabalho pelo capital, na
mais-valia, no lucro, na propriedade privada e na acumulação do capital. Esse
processo, como visto, tem duas fontes privilegiadas de riqueza: a exploração da
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força de trabalho, através retirada da mais-valia, e a exploração dos recursos
naturais.
Durante o processo de pesquisa foi identificado aquilo que pode ser
considerado uma das mais relevantes constatações desse estudo: as contradições
relacionadas à crise ambiental, mais especificamente, em relação às mudanças
climáticas. Diferentemente de O’ Connor e Chesnais, este estudo defende que a
crise ambiental pode ser tanto um limite quanto uma alavanca para a acumulação do
capital. Conforme já foi tratado, os referidos autores, apesar de pertencerem à
tradição marxista, demonstram em suas análises certo reducionismo, pois
consideram que a crise é apenas um limite para o capital, no caso de O’ Connor, ou
somente uma alavanca, no caso de Chesnais. O que era inicialmente uma hipótese
pode ser evidenciado a partir da problemática das mudanças climáticas. Os estudos
evidenciaram que a crise do clima, se de um lado pode se tornar um limite para o
capital, ocasionando desertificação, perda de biodiversidade na agricultura entre
outros problemas, por outro lado vem sendo considerado como oportunidade de
novos negócios, como energia solar, eólica, novos destinos turísticos, mercado de
carbono, entre outros.
Além dessa constatação, a investigação possibilitou identificar que as
mudanças climáticas vêm suscitando um grande debate envolvendo diversos
setores da sociedade. Considerando a sociedade civil como uma das esferas em
que as classes se organizam e defendem seus interesses, e, portanto, um espaço
de lutas sociais e de classe, foi fundamental identificar o posicionamento dos
principais movimentos e organizações em relação às mudanças climáticas. Tendo
como ponto de partida os documentos e relatórios das organizações pesquisadas, e
entendendo que a aparência ao mesmo tempo revela e oculta a essência do real,
procurou-se superar a aparência a partir do conceito de ideologia de Marx. Na
perspectiva marxiana, é através da ideologia que se gesta uma falsa representação
dos processos sociais, uma construção teórica distorcida. De acordo com Konder
(2002) a distorção ideológica não se reduz a uma racionalização cínica de interesses
de um determinado grupo, mas muitas vezes falseia as proporções de conjunto ou
deforma o sentido global do movimento de uma totalidade. Para Marx, esses
indivíduos ou grupos agem sem intenção criminosa, sem dolo ao adotar um modo de
pensar ideologicamente distorcido, por não “conseguirem ultrapassar no
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pensamento os limites que a pequena burguesia não consegue ultrapassar na vida”
(MARX, apud KONDER, 2002, p. 44).
Essa visão de ideologia possibilitou constatar como movimentos
considerados, no senso comum, como críticos, como o caso do Greenpeace, na
verdade demonstram, através de seus posicionamentos em relação às mudanças
climáticas, um compromisso com a lógica do mercado com o capitalismo verde, e
expressam interesses de uma determinada classe social. Por outro lado, pode-se
também constatar que existem ONGs e movimentos sociais como a FASE e a Via
Campesina que são comprometidos em algum grau com a emancipação social,
denunciando a mercantilização da natureza, defendendo posições comprometidas
com a emancipação social e com um novo modelo econômico, para além da
exploração capital-trabalho.
Ainda em relação aos movimentos pesquisados, pode-se perceber que,
apesar de historicamente os movimentos sociais e de classe pautarem suas lutas de
forma desarticulada, a problemática das mudanças climáticas tem possibilitado a
articulação tanto dos movimentos clássicos, como sindicatos, quanto de outros
movimentos sociais. É nesse sentido que o estudo reafirma, mais uma vez, a
necessidade dessa articulação para enfrentar os desafios impostos pela crise do
capital e suas sinistras manifestações sociais e ambientais. Entende-se, também,
que a educação ambiental crítica e emancipatória e a dialética marxista podem
contribuir para com os movimentos sociais comprometidos com a emancipação
social, no sentido de possibilitar uma compreensão articulada dos problemas sociais
e ambientais.
Para finalizar, é importante dizer que esse estudo chega ao fim com a clareza
que, se de um lado não esgotou o real, como já foi dito, pois este é extremamente
complexo e dinâmico, por outro possibilitou que o processo de busca das
contradições, mediações e determinações do fenômeno estudado pudessem
contribuir, mesmo que de forma provisória, para uma visão de totalidade sobre um
dos principais problemas da atualidade, que é a destruição ambiental, em especial
as mudanças climáticas, num contexto de crise estrutural do capital. Essas
aproximações possibilitaram compreender que as totalidades que constituem a
totalidade social têm naturezas específicas, próprias, como as questões
relacionadas à destruição ambiental, caso contrário não se teria uma totalidade
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diferenciada. É importante ressaltar que, apesar de naturezas específicas, as
contradições e antagonismos que cortam a questão ambiental estão ligados, como
já foi visto, à mesma gênese, ou seja, a contradição capital-trabalho. Nesse
contexto, pode-se verificar que a luta de classes perpassa a questão ambiental
como perpassa a questão social. Uma luta de classe que tem como pano de fundo o
controle dos recursos naturais e que reveste de importância o atual debate sobre as
mudanças climáticas. Nele estão expressos não apenas divergências superficiais,
mas também interesses de classes, portanto, representam um compromisso com a
emancipação ou conservação da ordem econômico-social vigente.
Este estudo termina entendendo, como cita Netto (2002), que o objetivo de
uma investigação na perspectiva dialética marxista não é apenas pelo prazer de
conhecer a verdade, mas para contribuir com a emancipação política e social. Essa
foi a proposta desse estudo. Além disso, como educadora e militante de movimentos
sociais, acredito que o caráter educativo desses movimentos pode possibilitar o que
Gramsci chamava de “educação das massas”, que se configura num processo
fundamental na construção de uma nova sociedade. Nesse sentido, é essencial que
a práxis dos movimentos comprometidos com a construção desse novo modelo
socioeconômico esteja ancorada em pressupostos críticos de educação e
compreensão da realidade. Isso pode possibilitar não só uma compreensão
articulada dos problemas sociais e de classe, como também uma atuação em
conjunto. Nesse contexto, pode-se dizer que os desafios são muitos, pois cada vez
mais a ideologia do capital está presente de forma hegemônica, produzindo uma
falsa representação da realidade, “uma verdade de classe que estabelece a
possibilidade de interação desta com o mundo de determinada forma, vista como a
correta (para aquela classe), mas que não é verdade para o conjunto da
humanidade” (LOUREIRO, 2012). Mas o “pessimismo da razão” tem como
contraponto o “otimismo da vontade”, que se expressa na luta incansável de
milhares de homens e mulheres que atuam nos movimentos sociais e de classe, na
luta pela construção de uma nova sociedade.
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