I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015
A influência das Organizações Internacionais na formulação
e implementação de políticas públicas de gênero:
o caso da Resolução 1325 do CSNU na África
Rhaíssa Pagot1
Resumo
Os estudos de gênero são recentes nas Relações Internacionais, ainda mais os relacionados ao tema mulheres,
paz e segurança, o qual é tratado pela Resolução 1325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU),
adotada em 31 de outubro de 2000. Ela é considerada um marco no esforço de inserir as mulheres nos níveis
mais altos níveis de tomada de decisões dos governos, no processo de negociação da paz e nas operações de paz.
No âmbito nacional, é incumbência de cada governo criar seu National Action Plan (NAP) para implementar a
Resolução e, para tanto, as políticas públicas de gênero sugeridas. Para que se saiba qual a evolução de tal
processo, as Organizações da Sociedade Civil redigem o Civil Society Monitoring Report (CSMR). A África
figura como continente exemplo na criação de NAPs. O objetivo deste estudo é compreender como a Resolução
1325 influenciou o processo de formulação e implementação de políticas públicas de gênero nos países africanos
que possuem NAPs e CSMRs na Região dos Grandes Lagos Africanos, ou seja, Burundi, República Democrática
do Congo, Ruanda e Uganda. Para tanto, inicialmente se apresentará a a abordagem das políticas públicas
feministas. Posteriormente, se contextualizará a Resolução 1325 nos avanços dos estudos sobre mulheres, paz e
segurança no âmbito internacional. Destarte, procurará estabelecer-se uma relação entre a Resolução e as
políticas públicas de gênero por meio da análise dos NAPs e CSMRs. A percepção da influência considerará a
quantidade e a qualidade de políticas públicas nacionais implementadas a partir das recomendações da
Resolução 1325.
Palavras-chave: Resolução 1325; Organizações Internacionais; mulheres, paz e segurança.
Introdução
Somente a partir de meados dos anos 1980 que houve a inserção do gênero nos
estudos em geral sobre guerras, conflitos, paz e segurança. Essa necessidade surgiu da
percepção de que, as mulheres são diferentes dos homens, e por isso podem contribuir para
essas questões de forma diferente.O gênero é uma unidade de análise no discurso capaz de
evidenciar as construções e práticas dos setores da segurança em vários níveis, desde o
patriarcado e o militarismo até a violência sexual baseada no gênero (HUDSON, 2005). A
ideia de atribuir à mulher funções iguais aos dos homens demorou para se efetivar na prática
porque isso obrigava a revisão de conceitos, termos e práticas impregnadas nos Estados e,
para tanto, nas Organizações Internacionais (OIs).
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa
Catarina e bacharela em Relações Internacionais pela Universidade de Santa Cruz do Sul. Bolsista da Fundação
de Amparo à Pesquisa de Santa Catarina (FAPESC). E-mail: [email protected].
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Há interferência significativa das OIs na formulação e implementação de políticas
públicas feministas. Todavia, estas, muitas vezes, não revelam as especificidades de cada
Estado e, menos ainda, da diversidade cultural que há nele. Assim, as políticas idealizadas
pelas OIs refletem os anseios destas de aumentar o número de mulheres em todos ambientes
possíveis na sua zona de influência. No entanto, a maior presença de mulheres em diversos
setores não garante que haja, necessariamente, alteração da estrutura de pensamento daqueles
setores, muito menos da sociedade como um todo (FARAH, 2004; PETERSON, 1992).
Entre 04 e 15 de setembro de 1995 em Pequim, na China, mais uma etapa em direção
à igualdade de gênero foi alcançada com a Declaração e Plataforma de Ação de Pequim
(originalmente Beijing Declaration and Platform of Action). Um dos itens principais da
declaração aborda o tema das mulheres e conflitos armados, nele são trazidas explicações e
dados sobre os tipos de violência sofridos por mulheres nessas situações (UNITED
NATIONS, 1996). Apenas em julho de 2000, com o lançamento do documento
Transversalização da Perspectiva de Gênero nas Operações de Paz Multidimensionais (no
original Mainstreaming a Gender Perspective in Multidimensional Peace Operations), a
questão das mulheres nas operações de paz foi tratada de forma específica. Este documento
surgiu a partir de um seminário homônimo sediado em Windhoek, na Namíbia, de 29 a 31 de
maio de 2000 (UNITED NATIONS, 2000).
Com base naquele documento lançado em julho de 2000, o Conselho de Segurança das
Nações Unidas (CSNU) adotou por unanimidade em 31 de outubro do mesmo ano a
Resolução 1325. Esta Resolução demonstra a importância e incentiva a participação da
mulher na promoção da paz e da segurança internacionais. Ademais, a mesma estabelece
pontos sobre os quais os Estados membros e a comunidade internacional devem se debruçar
para garantir a igualdade de gênero e a consolidação de dados acerca do impacto do conflito
armado sobre as mulheres. Os pilares da resolução 1325 são: 1) a participação das mulheres
nos assuntos relacionados à paz, segurança e conflito; 2) a inclusão das mulheres e de uma
perspectiva de gênero na prevenção do conflito e da violência sexual e baseada no gênero; 3)
a proteção das mulheres e das meninas e de seus direitos em tempos de paz e durante
conflitos; 4) a inclusão da mulher e da perspectiva de gênero em atividades de assistência e
recuperação (UN SECURITY COUNCIL, 2000b). Este estudo focará no tópico 2.
A África, por ser um continente marcado por conflitos, é considerada o foco da
implementação das políticas direcionadas a mulheres, paz e segurança. Mesmo assim, poucos
países estão imersos nesse processo. A partir da pressão internacional e da crescente
necessidade de legitimação como Estados que buscam a igualdade de gênero, houve a gradual
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formulação e implementação de políticas públicas nesse sentido. No âmbito nacional, coube a
cada governo criar seu National Action Plan (NAP) para implementar a Resolução . Os NAPs
são fundamentais, portanto, para a articulação e o estabelecimento de responsabilidade e de
metas entre os atores envolvidos na implementação das resoluções relacionadas ao tema. Para
que se saibam qual a evolução de tal processo, as OSCs redigem um Civil Society Monitoring
Report (CSMR). Neste relatório consta o andamento de cada ponto elencado no NAP, como
cada ator está agindo, o cumprimento dos prazos e quais são os desafios na implementação da
resolução 1325. Com esses relatórios a ONU tem informações suficientes para produzir seus
próprios documentos avaliando o desempenho dos países. Dessa forma é possível traçar novas
metas e compreender onde se precisa atuar de maneira mais intensiva.
Apesar da relevância do assunto e da contemporaneidade das questões de gênero, a
produção acadêmica sobre tal ainda é incipiente. A influência das organizações internacionais
nas políticas públicas feministas encontrou campo fértil no Brasil, todavia, pouco se encontra
sobre o assunto na África. Assim, não há indícios de estudos com o enfoque e recorte que este
se propõe. A abordagem de políticas públicas feministas se mostrou valiosa para alcançar o
objetivo principal deste estudo: compreender como a Resolução 1325 influenciou o processo
de formulação e implementação de políticas públicas de gênero nos países da Região dos
Grandes Lagos Africanos que possuem NAPs e CSMRs. São eles: Burundi, República
Democrática do Congo, Ruanda e Uganda.
1 Políticas públicas de gênero/feministas
As políticas públicas feministas não podem ser consideradas uma teoria, e sim uma
abordagem. Todavia, por ser uma abordagem fundamental para o desenvolvimento desta
pesquisa, optou-se por inseri-la no marco teórico. Enquanto os estudos sobre gênero se
consolidaram no Brasil no final dos anos 1970, os sobre políticas públicas se proliferaram a
partir do final da década de 1980. Inclusive, verificou-se que o país tem sido um dos campos
mais férteis para tal abordagem. As pesquisas no Brasil começaram a abordar as políticas de
igualdade de gênero já na década seguinte. Com essa incorporação também foi atribuído papel
relevante às organizações internacionais na formulação e implementação de políticas públicas
relacionadas ao gênero (FARAH, 2004).
Antes de explicar o que se quer dizer com políticas públicas feministas, é importante
atentar para o significado de políticas públicas de maneira mais ampla. Apesar de não haver
consenso nas ciências sociais, por políticas públicas Stromquist (1996, p. 27) entende que são
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“declarações oficiais de intenção de agir sobre determinados problemas”. A partir dessa
significação, Stromquist (1996) demonstra quais são as políticas públicas sensíveis ao gênero,
os efeitos desejados a partir delas e seus mecanismos de aplicação (quando há). A Tabela 1
esquematiza especificamente os modelos que serão identificados e analisados nesta pesquisa.
Tabela 1 – Políticas públicas sensíveis ao gênero
Modelos Efeitos desejados Mecanismos de aplicação
De coerção Eliminar discriminação de gênero Retirada de contratos ou multas
para encorajar obediência
De suporte
Instituições/unidades que promovam
assuntos de gênero e monitorem a legislação
de gênero coercitiva e construtiva
Fundos para criar novas
instituições
De construção
Novos comportamentos conhecimentos e
atitudes relativas a mulheres e homens na
sociedade
Recursos para provisão de
serviços
Fonte: Adaptado de Stromquist (1996, p. 31).
Conforme apresentado na Tabela 1, as políticas coercitivas seriam aquelas que, para
eliminar a discriminação de gênero se valeria de punições que encorajariam a obediência. Um
exemplo é o Ato de Proibição da Mutilação Genital Feminina em Uganda, aprovado em 2010,
que prevê privação de liberdade por no mínimo cinco anos (UPPC, 2010). Já as de suporte são
aquelas referentes à criação de comitês, institutos que auxiliem a monitorar a legislação já
estabelecida sobre gênero no Estado. Por sua vez, as políticas públicas de construção são
voltadas à conscientização e ao estabelecimento de novos comportamentos e conhecimentos.
A intenção com elas é ao informar a população e desconstruir padrões e estereótipos alcançar
a igualdade de gênero.
A formulação e implementação dessas políticas a nível nacional sobre uma influência
significativa das sugestões feitas a nível internacional, como conferências, declarações,
resoluções. No entanto, as últimas possuem um caráter mais abrangente e seu foco é na
mudança do sistema social, uma vez que são recomendações aos Estados e não possuem
obrigação legal. Apesar disso, o Estado que endossa essas recomendações internacionais
tende a ser visto como democrático, progressista, justo e protetor dos direitos humanos.
Mesmo assim, não há obrigatoriedade de implementação dessas políticas, e sim legitimação
delas. Inclusive, percebe-se, em vários momentos, que mesmo tendo assumido o
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compromisso, os Estados não o respeitam ou não o fazem com empenho igual ao do discurso
(STROMQUIST, 1996; FERREIRA, 2004).
De acordo com Ferreira (2004) ainda há falta de sensibilização e até mesmo de
compreensão quanto ao papel das mulheres em vários setores, o que se caracteriza como
entrave para a construção da igualdade de gênero. O objetivo é justamente demonstrar como
ainda hoje estas mulheres permanecem silenciadas, precisando que o Estado haja “em seu
favor”. Para tanto, cabe verificar a metodologia de formulação e implementação dessas
políticas, dois termos citados constantemente. Inicialmente se considera que:
A fase da formulação pode ser ainda desmembrada em três
subfases: primeira, quando uma massa de dados
transforma-se em informações relevantes; segunda,
quando valores, ideais, princípios e ideologias se
combinam com informações factuais para produzir
conhecimento sobre ação orientada; e última, quando o
conhecimento empírico e normativo é transformado em
ações públicas, aqui e agora (VIANA, 1996, p. 13).
A autora discorre que já na fase da implementação há duas características que
influenciam diretamente o processo de decisão: a quantidade de mudança envolvida e a
extensão do consenso sobre os objetivos da política. Elas são inversamente proporcionais:
quanto maior a primeira, menos a segunda; e vice-versa. Por isso é fundamental que os
implementadores estejam presentes na fase de formulação, deixando as políticas claras e
apresentando as possibilidades e recursos. Contudo, a implementação de tal política depende
não só de seus implementadores, mas também das condições políticas, econômicas e sociais.
É um processo de interação entre atores governamentais e atores não governamentais
(VIANA, 1996).
Como o presente estudo aborda a formulação e implementação de políticas públicas
sobre mulheres, paz e segurança, é essencial definir tal termo. Sendo assim, considerar-se-ão
os tópicos contemplados pela Resolução 1325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas,
aprovada em 31 de outubro de 2000, que trata especificamente de mulheres, paz e segurança.
Entre eles estão: a) participação das mulheres em negociações e acordos de paz; b)
participação das mulheres em processos políticos e estruturas de governança em países
afetados por conflitos; c) sensibilidade de gênero e participação das mulheres no
Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR); d) sensibilidade de gênero e
participação das mulheres na Reforma do Sistema de Segurança (em inglês Security Sector
Reform – SSR); e) reforma dos setores legal e jurídico; f) Violência sexual e baseada no
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gênero (em inglês Sexual and gender-based violence - SGBV); g) proteção das mulheres
refugiadas e deslocadas internas (Internal Displaced People – IDPs).
Para a pesquisa selecionou-se como escopo o assunto em negrito, uma vez que esse se
verificou tangível e viável de ser analisados nos países a serem estudados: Burundi, República
Democrática do Congo (RDC), Ruanda, e Uganda, que fazem parte da Região dos Grandes
Lagos Africanos. A opção de se considerar a Resolução 1325 enquanto marco conceitual de
políticas públicas no tema mulheres, paz e segurança se deu pelo fato de se tratar de um
documento mais conciso sobre a temática a nível internacional.
2 Histórico e objetivos da Resolução 1325 do CSNU
A Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women
(CEDAW), de 18 de setembro de 1979, que entrou em vigou em 03 de setembro de 1981, foi
um dos passos mais importantes até então dado pela Organização das Nações Unidas (ONU)
em matéria de gênero (UN GENERAL ASSEMBLY, 1979). Mesmo não sendo um
documento produzido especificamente sobre paz e segurança, ele aborda de maneira geral
como alcançar direitos e deveres iguais para homens e mulheres em diversos setores, através
da não discriminação.
A Beijing Declaration and Platform of Action, de 1995 trata no tópico 28 sobre as
mulheres enquanto fundamentais para o estabelecimento da paz. O tópico 29 fala sobre a
eliminação de todas as formas de violência contra mulheres e meninas. Ademais, um dos itens
principais da declaração aborda o tema das mulheres e conflitos armados, onde são trazidas
explicações e dados sobre os tipos de violência sofridos por mulheres nessas situações. O
diferencial do documento a esse respeito é o detalhamento das ações a serem empreendidas
pelos governos. Com seus 38 tópicos sobre as ações para promover a igualdade de gênero, até
hoje se busca a total implementação desta declaração. Mesmo assim, os relatórios indicam um
grande avanço e as metas até 2030 permanecem ambiciosas (UNITED NATIONS, 1996).
Já o Mainstreaming a Gender Perspective in Multidimensional Peace Operations, de
2000 trouxe a questão das mulheres nas operações de paz de forma precisa. O documento
incumbia os Estados de garantir a igualdade entre homens e mulheres, além de demonstrar os
benefícios da perspectiva de gênero para a paz e segurança. Este documento surgiu a partir de
um seminário homônimo sediado em Windhoek, na Namíbia, de 29 a 31 de maio de 2000
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(UNITED NATIONS, 2000). Com isso, as operações de paz foram redefinidas para agregar
componentes relacionados a gênero.
A relevância conferida ao tema cresceu simultaneamente com a percepção de que a
presença de mulheres em campo fazia a diferença, pois aumentava o acesso à população local.
Uma vez que em países em conflito a maior parte dos combatentes eram homens, as mulheres
permaneciam nas vilas e, repetidamente, eram vítimas de violência sexual por parte dos
combatentes rivais. Quando as tropas da operação de paz da ONU2 chegavam, as mulheres,
altamente suscetíveis, enxergavam mais homens armados que podiam abusar delas, e não
pessoas que vieram para auxiliá-las. Os diversos escândalos dentro da ONU envolvendo os
capacetes azuis agravaram a situação. Assim, a perspectiva de gênero agregou confiança e
legitimidade ao trabalho da ONU em campo (BASTICK; GRIMM; KUNZ, 2007). O próprio
treinamento conferido às mulheres que vão às operações de paz e também o treinamento que
recebem os homens de como agir em relação às mulheres locais e às integrantes da missão
auxiliou no melhor andamento das operações nesse sentido (UNITED NATIONS, 2008).
Com base nesse documento de julho de 2000, o Conselho de Segurança das Nações
Unidas (CSNU) adotou por unanimidade em 31 de outubro do mesmo ano a resolução 1325.
A produção de estatísticas sobre o assunto, a inclusão do gênero nos relatórios produzidos
pela ONU e a relevância dada à mulher nas missões de paz e nas tomadas de decisão são os
principais marcos da resolução (UN SECURITY COUNCIL, 2000c). Para alcançar seus
ousados objetivos, reconhece-se que é necessário um esforço conjunto entre os Estados-
membros, as agências da ONU, o próprio Secretariado da organização, as organizações
regionais, as ONGs, as organizações de mulheres, entre outros atores. Cabe a cada um deles
uma determinada função para implementar a resolução. Se algum desses atores não
desempenhar seu papel conforme planejado, há bastante possibilidade de interferir em todo o
processo (SULLY; BEHAM; SANDS, 2014).
As resoluções sobre civis em conflito armado produzidas antes da resolução 1325 (e
citadas nesta), ou seja, as resoluções 1208, 1261, 1265, 1296, 1314, dão mais atenção à
questão das crianças em situação de risco. Algumas (como as 1208 e 1296) mencionam
brevemente as mulheres enquanto grupo vulnerável nos conflitos armados (UN SECURITY
COUNCIL, 1998; 1999a; 1999b; 2000a; 2000b). Por isso, pode-se dizer que a resolução 1325
é a primeira no âmbito do CSNU que confere a mulher papel de destaque, inclusive enquanto
mediadora da pacificação do conflito. Embora já houvesse documentos anteriores sobre o
2 Chamadas de capacetes azuis.
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assunto, resoluções do Conselho de Segurança tendem a ter um efeito mais persuasivo sobre
os Estados-membros que declarações e convenções.
Intuindo a obtenção de dados, conforme solicitado na resolução 1325, o Secretário-
Geral da ONU, Kofi Annan, e os demais membros do Secretariado produziram o relatório
Women, Peace and Security, publicado em 2002. O documento é dividido em sete partes:
impacto no conflito armado; regime jurídico internacional; processos de paz; operações de
paz; operações humanitárias; reconstrução e reabilitação; desarmamento, desmobilização e
reintegração. Dessa forma, contempla todos os tópicos tratados pela resolução, além de
auxiliar com possíveis respostas para cada temática específica (UNITED NATIONS, 2002).
Dentre um dos pontos considerados por praticamente todos os documentos citados e
também pela resolução 1325 está o da igualdade de gênero nas instituições internacionais,
regionais e locais. A nível internacional, a promoção da igualdade na ONU ocorre por meio
de seus fundos e programas, como o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a
Mulher (UNIFEM), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o
Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Além disso, a organização tem procurado
incorporar a perspectiva do gênero em todas suas áreas de atuação, especialmente nas
operações de paz.
Regionalmente, na Carta Constitutiva da Organização da Unidade Africana (OUA), de
1963, não havia nenhuma menção ao gênero. Entretanto, devido ao lobbying realizado por
organizações de mulheres, aos poucos essa questão foi sendo incorporada às práticas do
organismo. O Ato Constitutivo da União Africana (UA), de 2002, já menciona a promoção da
igualdade de gênero, inclusive, ressalta a necessidade da participação feminina nas tomadas
de decisão em situações de conflito. Para a New Partnership for Africa's Development
(NEPAD), adotada em 2001, o desenvolvimento econômico e o estabelecimento da paz estão
relacionados intrinsecamente com o empoderamento feminino. Aumentar o número de
mulheres na estrutura da sociedade, e não apenas em determinadas situações, é fundamental
para alcançar uma cultura de paz e de tolerância (MURRAY, 2004).
Cabia a OUA e agora cabe a UA incentivar os governos a criarem leis proibitivas,
punirem os perpetuadores e auxiliarem as mulheres enquanto vítimas, seja da mutilação
genital feminina, de estupro, de casamento infantil ou de outras práticas que violem os
direitos humanos. Para dar o exemplo aos Estados, a própria OUA criou a Comissão das
Mulheres para a Paz e o Desenvolvimento, em 1997, e procura incluir as mulheres nas
decisões de alto nível da OUA/UA. De acordo com Murray (2004), todavia, a escassez de
recursos impede a efetividade da Comissão, tornando-a apenas publicitária. Para solucionar
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em parte o problema, patrocinaram-se missões de Organizações Não-Governamentais (ONGs)
como mecanismo complementar para garantir a igualdade de gênero e os direitos das
mulheres.
A própria implementação da resolução 1325 do CSNU (2000) pela organização
regional, a Declaração Solene da UA sobre Igualdade de Gênero na África (2004), o
Protocolo à Carta sobre os Direitos da Mulher (2004) demonstraram o empenho em
incorporar questões de gênero. As missões de paz multidimensionais da UA também incluem
o assunto: as mulheres têm papel de destaque na Política de Reconstrução Pós-Conflito da
organização (2005), uma vez que sofrem de maneira desproporcional com o conflito. A
Política de Gênero da União Africana, estabelecida em 2009, foi a tentativa mais recente da
UA de alcançar seus ousados objetivos em relação à temática naquele continente (SANTOS,
2011). Inclusive, nessa política está compreendido o Regional Action Plan (RAP) africano
para implementação da resolução 1325. Ainda a nível regional, a Região dos Grandes Lagos
na África3 e a Liga dos Estados Árabes
4 também possuem RAPs (UN WOMEN, 2013).
No âmbito nacional, coube a cada governo criar seu National Action Plan (NAP) para
implementar a resolução.
A National Action Plan is a strategy developed by a state
to implement UNSCR 1325 and other resolutions of the
Women Peace and Security agenda. Plans should contain
concrete recommendations on how women should be
included in all peace and conflict related decisions and
processes, and how a gender perspective should be
included in efforts to prevent conflict and sexual violence,
protect women and girls, and in relief and recovery
activities. They provide an opportunity to assess priorities
for the states’ work both nationally and internationally and
to co-ordinate relevant actors, including co-operation with
civil society. Plans should contain clear goals, actions and
responsibilities and mechanisms for monitoring and
evaluaiton (SULLY; BEHAM; SANDS, 2014, P. 25).
Os NAPs são fundamentais, portanto, para a articulação e o estabelecimento de
responsabilidade e de metas entre os atores envolvidos na implementação das resoluções
relacionadas ao tema. Para que se saibam qual a evolução de tal processo, as OSCs redigem
um Civil Society Monitoring Report (CSMR). Neste relatório consta o andamento de cada
ponto elencado no NAP, como cada ator está agindo, o cumprimento dos prazos e quais são
3 Inclui Tanzânia, Uganda, Burundi, Ruanda, República Democrática do Congo, Zâmbia, Quênia e Moçambique.
4 Entre os Estados-membros estão os seguintes países africanos: Argélia, Comores, Djibuti, Egito, Líbia,
Mauritânia, Marrocos, Somália, Sudão e Tunísia.
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os desafios na implementação da resolução 1325. Com esses relatórios a ONU tem
informações suficientes para produzir seus próprios documentos avaliando o desempenho dos
países. Dessa forma é possível traçar novas metas e compreender onde se precisa atuar de
maneira mais intensiva. A Tabela 2 mostra quais foram os países africanos que adotaram
NAPs e o ano em que isso ocorreu. Além dessa informação, a tabela também apresenta os
países e os anos em que a sociedade civil produziu CSMRs.
Tabela 2 – Países que possuem NAP e CSMR
País NAP CSMR 2010 CSMR 2011 CSMR 2012 CSMR 2013
Costa do Marfim 2007
Burundi 2011 x x x
Gana 2012
Guiné-Bissau 2011
Libéria 2009 x x x
Nigéria 2013
República Democrática do Congo 2010 x x x x
Ruanda 2010 x x
Senegal 2011
Serra Leoa 2010 x x x
Sudão do Sul 2013 x x
Uganda 2008 x x x x
Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados de Cabrera-Balleza (2012; 2013), Federal Republic of Nigeria
(2013), Ministère de la Solidarité Nationale, des Droits de la Personne Humaine et du Genre (2011), Ministère
du Genre et des Relations avec les Associations Féminines Africaines et Etrangères (2011), Ministère du Genre,
de la Famille et de l’Enfant (2010), Ministry of Gender, Labour & Social Development (2008), Ministry of the
Family, Women and Social Affairs (2007), Ministry of Women and Children’s Affairs (2010), Moser (2010),
Republic of Liberia (2009), Republic of Rwanda (2010), Prentice (2011) e Women's and Child Institute (2010).
Conforme mostrado, entre os 12 países africanos que possuem NAPs, sete contam com
CSMRs. Não ter um CSMR não significa necessariamente que não há envolvimento da
sociedade civil na implementação da resolução 1325. No entanto, denota, no mínimo, que as
OSCs não se empenharam para realizar uma das partes mais importantes de sua participação:
os relatórios de monitoramento. Sem eles, é difícil compreender se a resolução está de fato
gerando efeitos a nível nacional e local. Ademais, na ausência desses relatórios, a liberação do
financiamento e o apoio de organizações internacionais ficam comprometidos. A total
implementação da resolução 1325 e das resoluções subsequentes sobre o tema dependem de
uma série de atores (SULLY; BEHAM; SANDS, 2014).
As resoluções subsequentes são complementares à 1325 e procuram preencher lacunas
que esta deixou. Entre elas estão a resolução 1820, de 19 de junho de 2008, que aborda, entre
outros, o assunto das organizações lideradas por mulheres, da sociedade civil das mulheres e
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também reconhece a importância de analisar o ponto de vista das mulheres das comunidades
locais afetadas pelo conflito (UN SECURITY COUNCIL, 2008). Já a resolução 1888,
adotada pelo CSNU em 30 de setembro de 2009, completa a resolução anterior solicitando o
estabelecimento de indicadores globais para que se possa mensurar o progresso da
implementação. Outro foco deste documento é a necessidade de que os cometedores de
violência sexual sejam investigados e punidos pela justiça, considerando a lei humanitária
internacional e as leis nacionais (UN SECURITY COUNCIL, 2009a).
A resolução 1889, de 5 de outubro de 2009, traz a ideia de que as mulheres não são
vítimas e sim atores em seus países. Além disso, remete a importância do envolvimento da
sociedade civil em questões de gênero em diversos momentos (UN SECURITY COUNCIL,
2009b). Em 16 de dezembro de 2010 foi aprovada pelo CSNU a resolução 1960 que visa
principalmente a coleta e a análise de mais dados e informações sobre a situação das mulheres
em conflitos armados e nas tomadas de decisão (UN SECURITY COUNCIL, 2010). Com
isso, evidencia-se a relevância da produção de CSMR pela sociedade civil, que é
constantemente convidada a participar da implementação dessas resoluções.
As duas resoluções mais recentes do CSNU a tratarem do tema mulheres, paz e
segurança são a 2106, de 24 de junho de 2013 e a 2122, de 18 de outubro de 2013. Ambas
enfatizam que a implementação da resolução 1325 deve ser percebida pelos Estados-membros
como essencial para a promoção da igualdade de gênero. E para tanto, é preciso maior
monitoramento e contribuição da sociedade civil local. Todavia, também cabe à própria ONU
oferecer suporte e auxiliar os Estados e demais organizações no desenvolvimento dos NAPs,
dos CSMRs e no que mais se fizer necessário (UN SECURITY COUNCIL, 2013a; 2013b).
Quando um NAP é criado após 2008 é natural que este remeta à implementação não
apenas da resolução 1325, que data do ano de 2000, mas também da resolução 1820 (2008), e
assim por diante. Quanto mais recente o NAP, mais resoluções acerca do tema ele tende a
incorporar. Portanto, neste trabalho, quando for citada a resolução 1325, presume-se que as
demais resoluções posteriores apresentadas também sejam contempladas, já que estas são
complementares a primeira.
3 Análise das políticas públicas relacionadas à SGBV decorrentes da Resolução 1325
A própria criação de um NAP por parte de um Estado configura a formulação de um
política pública, de acordo com as definições apresentadas na primeira seção. No entanto, a
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partir desse momento até a formulação e a implementação de fato da política pública
direcionada à questão da SGBV há um espaço de tempo significativo. Há um indicador em
espcífico nos NAPs que esse estudo se debruçou: número e qualidade das leis e políticas
sensíveis ao gênero. Esse indicador foi utilizado como base para a análise de todas as tabelas a
seguir, que apresentam as políticas públicas em VSBG nos quatro países da Região dos
Grandes Lagos Africanos: Burundi, Ruanda, Uganda e República Democrática do Congo,
nessa ordem.
Tabela 3 – Políticas públicas do Burundi relacionadas à SGBV
País Ano do
NAP
Objetivo do
NAP
Ano
CSMR
Política contida no
CSMR
Ano da
política Descrição
Tipo de
política
Burundi 2011
Estabelecer
mecanismos
na luta contra
a SGBV e
uma justição
pós-
transição que
integre o
gênero
2010 Artigo 559 do novo
Código Criminal 2009
Tratar o estupro e a
SGBV como crimes que
devem ser punidos de
acordo com sua
severidade: são
irredutíveis, inalienáveis
e imperdoáveis
De coerção
2011
Artigo 563, seção 4
do novo Código
Criminal
2009
Punição severa para
quem comete assédio
sexual
De coerção
Artigos 554 e 558
do novo Cógido
Criminal
2009
Definição de estupro e
estipulação para a devida
punição
De coerção
Campanhas
regurales de
sensibilização da
população sobre o
risco de não ir a um
hospital depois de
ser vítima de
violência sexual
Desde
2010
A vítima tem de ir a um
hospital até 72 horas
depois do incidente para
prevenir doenças
sexualmente
transmissíveis. Propor
tratamento diferenciado
pelas equipes de saúde
De
construção
Fonte: Elaborado a partir de Ministère de la Solidarité Nationale, des Droits de la Personne Humaine et du Genre
(2011), Bitsure, Nyanzobe e Nisabwe (2010), WAP/RAP e Fontaine-ISOKO (2011).
O CSMR do Burundi não trouxe novidades no ano de 2012 quanto a formulação e
implementação de novas políticas públicas diferentes das dos anos anteriores. Percebe-se que
das quatro políticas referentes à SGBV, apenas uma é de construção. As políticas de coerção
artigos do mesmo Código Penal, datado de 2009. Apesar dos esforços da Resolução 1325
desde o ano de 2000, no Burundi os mecanismos demoraram um pouco mais para surgir.
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Grande parte dessa demora se deve ao fato de as eleições democráticas naquele país terem
ocorrido somente em 2005. Contudo, a preocupação em integrar o gênero esteve presente em
todo o processo de justiça de transição e depois dele, como demonstra o objetivo do NAP, na
Tabela 3. O de mais de uma década de guerra civil trouxe consigo novas expectativas para os
burundianos, e mais especificamente para as burundianas (UVIN, 2009).
Tabela 4 - Políticas públicas de Ruanda relacionadas à SGBV
País Ano do
NAP
Objetivo do
NAP
Ano
CSMR
Política contida no
CSMR
Data da
política Descrição
Tipo de
política
Ruanda 2010
Estabelecer
um
mecanismo
para integrar
o gênero e
combater a
SGBV em
todas as
instituições
responsáveis
2010
Lei n° 27/2001
28 de
abril de
2001
Relativa aos diretos
e proteção das
crianças contra
violência
De
coerção
Lei N° 47/2001
18 de
dezembro
de 2001
Institui punição por
ofensas de
discriminação
contra as mulheres
e sectarismo
De
coerção
Lei n° 59/2008
10 de
setembro
de 2008
Provê sanções
contra a SGBV
De
coerção
2012
Escritórios de
Acesso à Justiça em
30 distritos
2009 -
2011
Pessoal
especializado em
prevenir e lidar
com a SGBV
De
suporte
Hospital da Polícia
de Kacyiru, com um
espaço especial
sensível ao gênero e
outros três hospital
distritais em
Gihundwe,
Nyagatare e Rusizi
Desde
2010
Esses espaços
povém serviços de
assitência médica,
legal e psicossocial
para a reabilitação
da mulher
De
suporte
Fonte: Republic of Rwanda (2010), Balikungeri e Ingabire (2010; 2012),
Em Ruanda as políticas de coerção no formato de leis começaram a ser estabelecidas
já em 2001, meses após a aprovação da Resolução 1325, demonstrando que havia um debate
no país sobre o assunto mesmo antes do lançamento do documento internacional. No entanto,
a lei mais relevante do país direcionada para SGBV foi criada apenas em 2008 e foi
acompanhada de medidas de suporte divulgadas nos anos seguintes. O intuito ao unir ambo os
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tipos de políticas públicas é de não só punir o perpetuador, mas também prevenir e prover
assistência especializada às vítimas, por ora esquecidas pelas políticas de coerção. Cabe o
entendimento de que em uma estrutura social patriarcal como a ruandesa, os avanços das
políticas públicas sensíveis ao gênero são surpreendentes e exemplos para todo o mundo na
questão da igualdade de gênero no setor público. Porém os avanços são menos significativos
quanto à SGBV (EAST AFRICAN COMMUNITY, 2009).
Tabela 5 - Políticas públicas de Uganda relacionadas à SGBV
País Ano do
NAP
Objetivo do
NAP
Ano
CSMR
Política contida no
CSMR
Data da
política Descrição
Tipo de
política
Uganda 2008
Molhorar o
ambiente
legal e
político em
relação à
promulgação
de leis e
políticas
sobre SGBV
2010
A Lei de Violência
Doméstica
17 de
março de
2010
Provém proteção e
assitência as vítimas de
violência doméstica; pune
os perpetuadores e
estabelece procedimentos
e regras a serem seguidos
De
coerção
A Lei de Alteração
do Código Penal
20 de
julho de
2007
Várias disposições para
tratar de questões de
natureza civil e crimal em
caso de ofensa sexual
De
coerção
Lei de Proibição da
Mutilação Genital
Feminina
17 de
março de
2010
Além de proibir a prática
da mutilação genial
feminina, prevê a punição
dos perpetuadores
De
coerção
Plano Nacional de
Desenvolvimento
2010 -
2014
O plano, entre outras
coisas, cita as questões de
gênero como
constrangimento ao
desenvolvimeto; assim
inclui medidas para
direcionadas à igualdade
de gênero e à violência
sexual
De
construção
Fonte: Ministry of Gender, Labour & Social Development (2008) e Rubimbwa (2010).
A Lei de Proibição da Mutilação Genital Feminina de Uganda, de 2010, é relevante,
pois o país é seguidamente acusado pela comunidade internacional de perpetuá-la, uma vez
que faz parte de rituais de algumas tribos locais. A problemática acerca do assunto fez com se
recorresse a duas frentes para combater a mutilação feminina: uma política de coerção e uma
de construção. No Plano Nacional de Desenvolvimento nota-se que o governo considera que o
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fim dessa prática é essecial para alcançar o desenvolvimento do país. A Lei de Violência
Doméstica se assemelha à brasileira Lei Maria da Penha em vários aspectos, inclusive no
rigos das punições (UNFPA; UNICEF, 2010).
Tabela 6 - Políticas públicas da República Democrática do Congo relacionadas à SGBV
País Ano do
NAP
Objetivo do
NAP
Ano
CSMR
Política contida
no CSMR
Data da
política Descrição
Tipo de
política
República
Democrática
do Congo
2010
Garantir a
segurança das
meninas e
mulheres,
além de
assegurar a
imposição
das sanções
estabelecidas
pelo direito
internacional
na luta contra
a SGBV
2010 Lei Nº 018 e
019/2006
18 de
julho de
2006
Lei acerca das
violências sexuais e
impunidade
De
coerção
2012
Lei Nº 08/011
14 de
julho de
2008
Proteção dos direitos
das pessoas, com
tópicos especiais
sobre os direitos das
mulheres
De
coerção
Constituição da
República
Fevereiro
de 2006
Promover a igualdade
de gênero em todos as
instituições e lutar
contra a SGBV
De
coerção /
construção
Fonte: Ministère du Genre, de la Famille et de l’Enfant (2010), CAFCO (2010), CAFCO, CJR 1325 e RECIC
(2011).
As três políticas públicas relacionadas à SGBV são principalmente de coerção, essa
situação é explicada pelo país ainda estar em guerra civil e possuir uma missão de paz lá, a
MONUSCO (United Nations Organization Stabilization Mission in the Democratic Republic
of the Congo). A Constituição da República, de 2006, pode ser considerada uma política de
construção ao atentarmos para o fato de que também procura promover a igualdade de gênero.
O que chama a atenção na Tabela 6 é o objetivo do NAP, que se remete às “sanções
estabelecidas pelo direito internacional na luta contr a SGBV” (MINISTÈRE DU GENRE,
DE LA FAMILLE ET DE L’ENFANT, 2010, p. 2), sendo a própria Resolução 1325 um
desses mecanismos do direito internacional.
A análise conjunta das políticas públicas dos diferentes Estados apresentadas leva a
crer que a coerção ainda é majoritária. A implementação em si dessas políticas fica a cargo de
diversos órgãos. O judiciário e a polícia costumam implementar as políticas coercitivas.
Todavia, no NAP de Ruanda, por exemplo, a fase da implementação fica a cargo dos
Hospiais, num caso e dos Escritórios de Acesso à Justição, em outro.
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Considerações finais
Impressiona a quatidade de políticas criadas, quatro na média entre os países. Ruanda
é o país com mais políticas direcionadas à SGBV: cinco; e a República Democrática do
Congo possui menos que os demais: três. Por serem países que passaram por conflitos
armados recentemente – a RDC ainda passa – é, no mínimo, importante que houvesse mais
políticas de construção e de suporte. As políticas de construção auxiliariam a população a
compreender os problemas advindos da prática da SGBV e as de suporte assistiriam as
mulheres que passaram por tal situação.
Embora a Resolução 1325 não seja o primeiro documento sobre gênero, conforme
apresentado, todas as políticas públicas relacionadas à SGBV nos países analisado da Região
dos Grandes Lagos Africanos foram criadas após sua aprovação, em outubro de 2000. Se
estes Estados já tinham interesse, seja por pressão interna ou por escolha do governo, em
formular e implementar políticas públicas sensíveis ao gênero, a Resolução 1325 os
impulsionou para tal. Não há sanções diretas caso o país não implemente um NAP, todavia há
incentivos para que isso seja feito. Espera-se, portanto, que este estudo tenha conseguido
demonstrar a influência da Resolução 1325 no processo de formulação e posterior
implementação de políticas públicas de gênero nos países da Região dos Grandes Lagos
Africanos.
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