UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
Campus de Presidente Prudente
A INDÚSTRIA DE CALÇADOS DE BIRIGUI:
origem, reestruturação produtiva e formação de uma
economia de aglomeração
Elaine Cristina Cicero
Orientador: Prof. Dr. Eliseu Savério Spósito.
Dissertação de Mestrado elaborada junto
ao Programa de Pós-graduação em
Geografia - Área de Concentração:
Geografia Econômica, para obtenção do
Título de Mestre em Geografia.
Maio – 2011
II
C568
Cicero, Elaine Cristina
A Indústria Calçadista de Birigui: origem, reestruturação
produtiva e formação de uma economia de aglomeração/
Elaine Cristina Cicero. – Presidente Prudente – SP, 2011
170 f.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual
Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia, 2011
Orientador: Eliseu Savério Sposito
1. Indústrias de Calçado. 2. Reestruturação Produtiva.
3.Origem da Indústria Calçadista. 4. Economias Externas.
5. Birigui – Sp. I. Título. II. Universidade Estadual Paulista.
Faculdade de Ciências e Tecnologia.
CDD: 338.4
Ficha Catalográfica elaborada por Érica Conceição Cicero, CRB: 9/8206
III
IV
Dedicatória
o Zé...
V
De tudo ficaram três coisas...
A certeza de que estamos começando...
A certeza de que é preciso continuar...
A certeza de que podemos ser interrompidos
antes de terminar...
Façamos da interrupção um caminho novo...
Da queda, um passo de dança...
Do medo, uma escada...
Do sonho, uma ponte...
Da procura, um encontro!
(Fernando Sabino)
VI
Agradecimentos
É muito bom poder agradecer, logo nas primeiras páginas deste trabalho, a todas
as pessoas que de alguma forma estiveram presentes, ao longo do caminho longo,
que percorri para chegar até aqui.
Primeiramente, agradeço ao meu orientador, Professor Eliseu, pela orientação,
pelas conversas, pela paciência e por todo apoio e compreensão que sem dúvidas
foram imprescindíveis para que este trabalho pudesse ser terminado.
Aos professores do Departamento de Geografia da FCT, em especial à Carminha e
ao Arthur.
Aos professores Everaldo e Luciano Furini, pela leitura atenta e pelas
contribuições no exame de qualificação. Um agradecimento particular ao professor
Everaldo, pelas conversas e pelas dicas e contribuições durante a disciplina
Economia Urbana.
Às funcionárias do programa de Pós-Graduação em Geografia da FCT.
À Unesp, pela experiência acadêmica e humana e por tudo que uma instituição
republicana oferece.
À Fapesp, pela bolsa concedida durante o mestrado e à todos integrantes do
Projeto Temático: O mapa da indústria no início do século XXI, pelas reuniões e
discussões onde tive oportunidade de aprender muito.
Ao Professor Mário Tarumoto do Departamento de Estatística da FCT, pelo auxílio
inicial com a amostragem.
A todos empresários e funcionários das empresas que abriram suas portas e
responderam pacientemente nosso questionário. Um agradecimento particular ao
proprietário da empresa Marc’Elsse, pela disponibilidade e pela atenção oferecida.
A todos os colegas do Gasperr pelo convívio, pelas discussões e trocas de
experiências.
Aos amigos e colegas que conheci na FCT: Anderson, Alex, Carla, Vitor, Leda,
Izide, Clóvis, Igor, Antonio, Adilson Bordo, Agda, Aline, Elias, Leandro e Adriano
Amaro. Ao Gilmar e a Paula pelos toques com a cartografia (a responsabilidade é
toda minha).
VII
Aos amigos, que conheci durante a Graduação, e que deixaram saudades: Nizete,
Tiago Trindade, Domenico, Rodrigo Botucatu, Rosângela, Patrícia Lima, Thaís Eboli
e Márcio Bredariol.
À Denise e ao Edilson, pelas conversas, por todo apoio e pelas contribuições
durante o desenvolvimento desta pesquisa.
À Ana Paula, pelas inúmeras vezes que me ouviu e me incentivou.
A minha irmã, Érica, pela amizade e cumplicidade. “Força na peruca!”
Aos meus avós, Nico, Ivone e Alzira, é muito bom receber o carinho de vocês.
Aos tios e trabalhadores das fábricas de calçados, Lú, Marli e Zé Zago, pelas
informações preciosas. As tias, Quel e Maria Inês e ao Zé Roberto, pela
disponibilidade e pelo apoio “logístico” em Birigui.
Ao Sr. Ovídio e Dona Lourdes, pelo carinho paternal.
Aos cunhados: Ligia e Lorgio, por presentear a família com a chegada do
Fernandinho, nosso fofo, fonte inesgotável de energia e alegria; e ao Eder e
Denise, pelo apoio.
Às tias adotivas, Conceição e Têre, pelo carinho e pelas palavras de apoio.
À Cláudia e ao Alexandre, pelas nossas discussões sempre muito boas e pelas
conversas sempre muito divertidas.
À Ana Cláudia, pelas longas conversas, pelos conselhos e pela disponibilidade em me
ouvir nos momentos mais difíceis.
À Patrícia de Jesus, pelo exemplo de força e determinação, pelas palavras amigas e
pelo incentivo.
Aos amigos de Maringá, Zé Henrique, Carla, Marivânia, Simone, Michèle, Cris,
Oigres, Ana Flávia, é muito bom ter vocês por perto!
Ao “cumpadre” Tadeu pelas prosas, sendo a última recheada com um bom requeijão
mineiro.
À Miriam, por me ajudar a entender o mundo com um olhar diferente.
Ao Márcio e a Letícia, amigos e irmãos, presentes nos momentos mais difíceis,
compartilhando alegrias e tristezas. É impossível encontrar palavras que exprimam
minha gratidão.
Ao Zé, por tudo! Por me ajudar a fazer...dos momentos difíceis, uma motivação
para seguir em frente.
VIII
SUMÁRIO
Índice......................................................................................................................... VIII
Lista de Mapas ......................................................................................................... IX
Lista de Figuras ........................................................................................................ IX
Lista de Gráficos ...................................................................................................... IX
Lista de Tabelas ....................................................................................................... X
Lista de Quadros ...................................................................................................... X
Lista de Caixas ......................................................................................................... X
Resumo .................................................................................................................... XI
Abstract .................................................................................................................... XII
Introdução ................................................................................................................ 1
Cap. 1- As tendências do processo de reestruturação produtiva e suas
particularidades na indústria calçadista de Birigui .................................................. 8
Cap. 2- Das primeiras fábricas à aglomeração produtiva do calçado 65
Cap. 3 – A aglomeração produtiva de Birigui ......................................................... 100
4- Considerações Finais ........................................................................................... 140
5- Bibliografia........................................................................................................... 145
6- Apêndices ............................................................................................................ 150
Anexo A ................................................................................................................... 169
IX
ÍNDICE
Introdução ........................................................................................................ 1
Cap. 1- As tendências do processo de reestruturação produtiva e
suas particularidades na indústria calçadista de Birigui ................................... 8
1.1 - A crise econômica nos anos 1970 ............................................................. 8
1.2 - Mudanças no papel do Estado e as normatizações do território ............. 12
1.3 - Reestruturação produtiva no Brasil e seus rebatimentos na
indústria calçadista............................................................................................ 17
1.4 - Queda no número de trabalhadores .......................................................... 20
1.5 - Novas formas de organização da produção? ............................................. 23
1.5.1- Modelagem: concepção do calçado ........................................................ 27
1.5.2- Almoxarifado .......................................................................................... 28
1.5.3- Sessão do Corte ....................................................................................... 30
1.5.4 - Couro ou sintético? ................................................................................ 33
1.5.5- Pesponto .................................................................................................. 35
1.5.6- Etapas finais: montagem, acabamento e expedição ................................ 41
1.5.7- Controle da produção e da qualidade ...................................................... 46
1.6 - O setor calçadista no Brasil e as estratégias espaciais da indústria
calçadista de Birigui .......................................................................................... 48
Cap. 2- Das primeiras fábricas à aglomeração produtiva do calçado .............. 65
2.1 - O setor industrial em Birigui .................................................................... 66
2.2 - Fatores que explicam o surgimento da indústria de
calçados .............................................................................................................. 70
2.3 - Das primeiras fábricas à consolidação da especialização produtiva ........ 75
2.4 - Desconcentração industrial no Estado de São Paulo ................................ 86
Cap. 3 – Aglomeração produtiva e os fluxos de matérias primas .................... 100
3.1- Por que as atividades econômicas tendem a se aglomerar? ....................... 101
3.2 - Vantagens da localização das empresas em Birigui segundo o porte ....... 106
3.3 - A presença de micro e pequenas empresas fabricantes de calçados ......... 109
3.4 - A presença do trabalho informal: os trabalhadores a domicílio e as
bancas................................................................................................................. 114
3.5 - A Presença de mão-de-obra especializada ................................................ 117
3.6 - A localização das fábricas e o ambiente construído .................................. 121
3.7- Empresas correlatas e de apoio e os fluxos de matérias-primas
e insumos...................................................................................................... 129
4- Considerações finais .................................................................................... 140
5- Referências bibliográficas ........................................................................... 145
6- Apêndices ..................................................................................................... 150
A- Modelo de questionário aplicado nas empresas ........................................... 151
B- Entrevista com o Secretário de Gabinete do município de Birigui 158
C- Entrevista com Diretor do Departamento de
Desenvolvimento |Industrial............................................................................... 165
Anexo A ............................................................................................................ 169
A - Alíquotas do Simples Federal ....................................................................... 170
X
LISTA DE MAPAS
Mapa 1- Distribuição do emprego na produção de calçados de materiais
sintéticos – 2009.......................................................................................... 52
Mapa 2- Distribuição do emprego na produção de calçados de couro –
2009.............................................................................................................
52
Mapa 3- Distribuição do emprego na produção de tênis de qualquer
material – 2009............................................................................................
52
Mapa 4- Distribuição do emprego na produção de calçados de materiais
não especificados anteriormente – 2009........................................................
52
Mapa 5- Distribuição do emprego na fabricação de partes para calçados –
2009..............................................................................................................
52
Mapa 6- Distribuição do emprego no setor de calçados – 2009................... 52
Mapa 7 – Brasil: emprego e estabelecimentos na indústria de calçados ...... 54
Mapa 8 – São Paulo: emprego a indústria de calçados – 1985/2008 ............ 96
Mapa 9 – Número de estabelecimentos do ramo calçadista no Estado de
São Paulo – 1985/2008 .............................................................................. 97
Mapa 10 – Localização das fábricas de calçados – Birigui – SP – 2010 ... 123
Mapa 11 – Localização das fábricas de calçados pesquisadas e mudanças
de endereço - Birigui – SP – 2010 ............................................................... 125
Mapa 12 – Importações do município de Birigui-SP – 2007........................ 137
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Sequência da produção na organização por mini-fábricas .......... 43
Figura 2 – Localização dos municípios do Estado do Mato Grosso do Sul
com unidades produtivas de empresas de calçados sediadas em Birigui –
SP – 2010 .................................................................................................. 60
Figura 3 – Relações verticais de subcontratação .......................................... 113
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1- Número de empregados na indústria de calçados Birigui-
SP/1985 a 2009 ......................................................................................... 21
Gráfico 2 - Tipo de material usado na fabricação do calçado ....................... 35
Gráfico 3 – Número de empregados por setor de atividade econômica –
Birigui – SP/2008 ...................................................................................... 66
Gráfico 4 – Número de empregados por ramo de atividades no setor
industrial - Birigui-SP/ 2008 ..................................................................... 67
Gráfico 5 – ICMS Arrecadado na Indústria no município de Birigui-SP-
2009 .......................................................................................................... 68
Gráfico 6 – Número de indústrias de calçados em Birigui-SP ................... 84
Gráfico 7 – Vantagens da localização das empresas em Birigui segundo o
porte ............................................................................................................ 107
Gráfico 8 – Relações de cooperação segundo o porte das empresas .......... 109
Gráfico 9 – Número de estabelecimentos industriais do ramo calçadista em
Birigui - SP 110
Gráfico 10 – Motivos da mudança de endereço no município (%) ............. 124
XI
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Participação dos principais estados produtores de calçados, em
percentual, no valor da transformação industrial .......................................
53
Tabela 2 – Número de fábricas de calçados instaladas em Birigui – 1958 a
1979...........................................................................................................
80
Tabela 3 – Produção de calçados em Birigui (em pares) e percentual
exportado – 1985/ 1989 ............................................................................
85
Tabela 4 – Brasil, regiões e estados selecionados: distribuição espacial da
indústria de transformação /1970-1990
90
Tabela 5 – Participação das Regiões Administrativas, em percentual, no
total de estabelecimentos da indústria ........................................................
93
Tabela 6 – Participação das Regiões Administrativas, em percentual, no
Valor Adicionado Fiscal da Indústria ........................................................
94
Tabela 7 – Rendimento médio do emprego formal por setores de atividade
econômica- Birigui, Região Administrativa de Araçatuba e Estado de São
Paulo...........................................................................................................
116
Tabela 8 – População ................................................................................. 119
Tabela 9 – Importações em 2007: principais empresas e valor das
exportações ................................................................................................
136
Tabela 10 – Exportação 2007: principais empresas, valor das exportações
e participação nas exportações do município – Birigui- SP .......................
138
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Empresas Pesquisadas................................................................. 7
Quadro 2 - Fabricantes de insumos e matéria-prima localizados em
Birigui, citados pelas empresas pesquisadas – 2009 ..................................... 133
Quadro 3 - Empresas que comercializam componentes e máquinas para a
fabricação do calçado- Birigui-SP-2009 ....................................................... 134
Quadro 4- Município de localização dos fabricantes de matérias-prima e
insumos citados pelas empresas pesquisadas – Estado de São Paulo – 2009 135
LISTA DE CAIXAS
Caixa 1 – Trabalho de Campo: roteiro metodológico ................................ 5
Caixa 2 – Condições de trabalho nas fábricas de calçado .......................... 63
Caixa 3 – Elaboração cartográfica ............................................................. 127
XII
RESUMO
A INDÚSTRIA DE CALÇADOS DE BIRIGUI: ORIGEM, REESTRUTURAÇÃO
PRODUTIVA E FORMAÇÃO DE UMA ECONOMIA DE AGLOMERAÇÃO
As transformações nos processos de trabalho, no consumo, nas configurações
geográficas e no papel do Estado no final do século XX, abrem para uma nova fase do
modo de produção industrial, na medida em que altera os pressupostos fordistas de
produção. Para lidar com estas transformações, as empresas industriais passaram por
processos de reestruturação produtiva, que envolveu as formas de organização da
produção, as relações de trabalho, as estratégias espaciais, o papel do Estado etc. Esta
pesquisa analisa as particularidades do processo de reestruturação produtiva na indústria
de calçados do município de Birigüi-SP e constata que o mesmo esta permeado por
mudanças inspiradas no modelo toyotista e por permanências do modelo de produção
anterior. Da mesma forma, buscamos entender como surge a indústria calçadista em
Birigui bem como suas articulações com o processo de desconcentração industrial no
Estado de São Paulo. A história do desenvolvimento industrial na cidade mostrou que se
trata de um caso típico de industrialização endógena, porém articulado com o processo
de interiorização das atividades econômicas no estado. Por último, verificou-se o
desenvolvimento industrial da cidade foi acompanhado pela presença de economias
externas, de localização e urbanização.
Palavras-Chave: Indústria de calçados, Reestruturação produtiva, Origem da indústria
calçadista, Economias de Aglomeração, Birigui-SP.
XIII
ABSTRACT
THE SHOE INDUSTRY IN BIRIGUI-SP: ORIGIN, PRODUCTIVE
RESTRUCTURING, AND THE FORMATION OF AN AGGLOMERATION
ECONOMY
The transformations in the working processes, in consumption, in geographical
configurations, and in the role of the State at the end of 20th century, open a new phase
of the industrial mode of production as they are changing the fordist premises about
production. In order to deal with these transformations, industrial enterprises passed by
processes of productive restructuring that embraced the organization of production,
labor relations, spatial strategies, the role of the State, and so on. This dissertation
analyses the particularities of the process of productive restructuring in the shoe
industry of Birigui-State of São Paulo, Brazil. We jumped to the conclusion that this
process is permeated by changes inspired by toyotist model and by features of the old
model. Another goal of this work was to understand how shoe industry begun at the
city, and the connections of this economic activity with the process of industrial
deconcentration in the state of São Paulo. Our historical research showed that the
industrial development of the city is a typical case of endogenous industrialization
articulated, however, with the process of interiorization of economic activities at the
State of São Paulo. Finally, we verified that the city‟s industrial development was
followed by the presence of external economies of location and urbanization.
Keywords: Shoe industry; Productive restructuring; Economies of agglomeration;
Origins of shoe industries; Birigui, São Paulo, Brazil.
2
Introdução
Apreender e pensar as transformações no atual período não se constitui numa
tarefa fácil, tanto pela complexidade em que se apresentam, como pelas multiplicidades
de enfoques, convergentes e divergentes, presentes na literatura sobre o assunto. Em
nossa pesquisa, entendemos que o atual período se explica por uma série de crises no
capitalismo que transformaram a forma de organização da produção e da sociedade. No
início dos anos de 1970 a economia e a sociedade passam por uma dessas crises,
comprometendo o modo de organização vigente – o fordismo na esfera produtiva e o
estado do bem-estar social na esfera política, nos países centrais. A resposta a esta crise
implicou em mudanças nos processos de trabalho, consumo, configurações geográficas,
nas práticas estatais, nos hábitos e costumes da sociedade de um modo geral.
Nas empresas, os reflexos desta crise implicaram: na intensificação do controle
do trabalho; na adoção de estratégias que aceleram o tempo de giro do capital; em uma
intensa mudança tecnológica e desenvolvimento da automação; na busca de novas
linhas de produto e nichos de mercado; na dispersão geográfica para zonas de fácil
controle do trabalho; em fusões de empresas etc. Houve uma intensificação da divisão
técnica e espacial do trabalho, com a anexação de novos espaços ao circuito espacial da
produção e do consumo, baseada numa lógica de expansão territorial capitalista para
obtenção de novas condições de acumulação e reprodução do capital. No Brasil, este
processo foi verificado com maior intensidade a partir da década de 1990, no contexto
de abertura comercial e financeira do país.
A partir deste período, nota-se uma valorização dos espaços caracterizados pela
aglomeração de empresas especializadas, que apresentariam vantagens competitivas
com relação às empresas localizadas em pontos isolados. Parte-se do pressuposto que a
concentração geográfica de uma mesma atividade no local cria vantagens que não se
restringem à redução dos custos de produção, visto que se verifica nestes locais a
produção de externalidades, ou seja, vantagens advindas da presença concentrada de
mão-de-obra especializada, presença de fornecedores e prestadores de serviço, no qual a
troca constante de conhecimentos cria uma ambiente propicio à inovação.
Em diversos países se ampliaram os estudos sobre este tipo de organização
espacial de empresas, principalmente a partir dos estudos de Becattini (1994) sobre as
aglomerações industriais do norte da Itália, identificadas pelo autor como distritos
3
industriais marshallianos. No Brasil também se desenvolveu o conceito de Arranjo
Produtivo Local (APL), presente na literatura desde a década de 1990, que
resumidamente, é caracterizado pela concentração de uma atividade econômica
específica, em que a proximidade física entre empresas, a presença de mão-de-obra
especializada, de sindicatos, de agentes econômicos e políticos, de faculdades e centros
de pesquisa, criariam economias de localização.
Diante do exposto, o objetivo principal desta pesquisa foi entender como se
forma uma aglomeração industrial especializada na produção de calçados infantis num
centro urbano distante fisicamente dos tradicionais centros industriais do Estado de São
Paulo e como tais empresas responderam às mudanças ocorridas no padrão de
desenvolvimento do capitalismo. Não nos propomos, nesta pesquisa, a aprofundar o
conceito de APL, mas sim, entender como os fatores produtivos localizados nestes
espaços proporcionam vantagens comparativas às empresas presentes na aglomeração.
Assim, na primeira parte do trabalho nos dedicaremos e entender quais as
características do processo de reestruturação produtiva no setor calçadista de Birigui,
em cada uma das etapas do processo produtivo do calçado no chão da fábrica, desde o
almoxarifado à expedição do calçado para o mercado consumidor. Seguindo este
roteiro, consideramos possível apresentar o atual estágio de uma indústria de bens de
consumo não durável, voltada principalmente à produção de calçados infantis,
contemplando as atuais formas de organização da produção, assim como, as estratégias
espaciais das empresas.
Na segunda parte nos dedicaremos a entender como surge e se consolida a
aglomeração produtiva do calçado em Birigui, buscando elementos que nos ajude a
explicar o surgimento da indústria calçadista na cidade. Cabe lembrar que, para entender
este processo, é necessário abordar alguns aspectos da industrialização no município e
sua articulação com a industrialização no Brasil e no Estado de São Paulo. Nossa
indagação central se refere ao desenvolvimento de uma aglomeração produtiva do setor
calçadista, num município distante das tradicionais zonas industriais no Estado de São
Paulo.
Na terceira parte nos propomos a entender quais os fatores ou princípios da
economia espacial, que nos ajudam a explicar as economias externas presentes num
agrupamento geográfico de indústrias de um mesmo ramo produtivo, e como as
empresas aí localizadas se apropriam destas vantagens. A presença destes recursos e
fatores produtivos criados ao longo do tempo na aglomeração industrial de Birigui
4
permitem às empresas aí localizadas, usufruírem de vantagens específicas presentes no
local. Além destas relações de produção que se estabelecem no espaço de forma
horizontal, buscamos entender também, as relações verticais que este espaço estabelece
com outros pontos fisicamente distantes. A partir dos fluxos de matérias-primas e
insumos das empresas de calçados, estabelecemos uma comparação dos dados atuais
com os dados coletados por Zampieri (1976) no início da década de 1970, numa
tentativa de identificar as mudanças e as permanências, com relação a estes fluxos,
verificadas a partir da nova divisão territorial do trabalho que se delineou a partir da
referida década.
Para obtenção dos dados utilizados na pesquisa foram realizadas visitas e assim
como a aplicação de um questionário nas empresas. Os procedimentos metodológicos
para obtenção destes dados estão descritos na caixa de texto 1.
Por último, cabe destacar que esta pesquisa é parte integrante de um projeto
temático intitulado “O novo mapa da indústria no início do século XXI”, financiado
pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e coordenado
pelo Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito. Sendo assim, os objetivos e as hipóteses aqui
levantadas estão diretamente relacionadas ao referido projeto.
5
Caixa 1- Trabalho de Campo: roteiro metodológico
Inicialmente, buscamos saber a quantidade de empresas1 sediadas no município
e mais precisamente, a quantidade de empresas por porte, que têm como atividade
principal a fabricação de calçados. Apesar de o enquadramento jurídico quanto ao
tamanho das empresas, estar pautado muito mais em função de sua receita bruta anual,
já que este é o critério em diversos programas de crédito do governo federal em apoio às
pequenas e microempresas, utilizamos em nosso trabalho a classificação para a indústria
definida pelo IBGE, que leva em conta o número de pessoas empregadas declaradas
pela empresa em 31 de dezembro do ano de referência. Esta escolha se deve ao fato de
não dispormos do número de indústrias de diferentes portes presentes no município2,
classificadas a partir da receita bruta anual, e também, porque a única fonte de dados
sobre o tamanho das empresas por município, disponibilizada pelo Ministério do
Trabalho e Emprego na base de dados da RAIS (Relação Anual de Informações
Sociais), apresenta o número de empresas em cada atividade segundo a quantidade de
pessoas ocupadas e não de acordo com o faturamento de cada empresa. Sendo assim,
consideramos: Microempresa- até 19 empregados; Pequena empresa- de 20 a 99
empregados; Empresa de médio porte- de 100 a 499 empregados; Empresa de grande
porte- mais de 500 empregados.
Segundo dados da RAIS/2008, existem em Birigui 286 empresas do ramo
calçadista, sendo que 144 são microempresas, 117 são empresas de pequeno porte, 21
empresas de médio porte e quatro empresas de grande porte. A partir desses dados,
definimos uma amostragem baseada numa metodologia estatística de amostragem
estratificada, sendo que o porte da empresa foi considerado como estrato, e chegamos a
um tamanho amostral de 95 empresas. Posteriormente, relacionamos as 95 empresas
que seriam visitadas de forma aleatória.
As dificuldades que nos deparamos com a ida a campo nos levaram a construir
outra estratégia metodológica. Uma das dificuldades se refere ao formato do
questionário, que além de extenso é composto por inúmeras questões abertas, o que
tornou o preenchimento demorado. A elaboração do questionário foi norteada tendo em
1 Em nossa pesquisa entendemos por empresa a unidade jurídica caracterizada por uma firma ou razão
social que engloba o conjunto de atividades econômicas exercidas em uma ou mais unidades locais. A
unidade local é definida como o espaço físico, geralmente uma área contínua, onde uma ou mais
atividades econômicas são desenvolvidas, correspondendo a um endereço de atuação da empresa. As
empresas podem atuar em um único local/endereço ou em mais de um. (Série de Relatórios
Metodológicos nº 26 da Pesquisa Industrial Anual (PIA) do IBGE- pág. 12. In:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/industria/pia/empresas/2007/srmpiaempresa.pdf
(acessado em 26/06/2010).
2 Na lista de indústrias fornecida pela prefeitura não consta a especificação do porte da empresa em todos
os estabelecimentos.
6
vista as perguntas centrais de nossa pesquisa, ou seja: compreender as especificidades
da aglomeração industrial do setor calçadista em Birigui no contexto da reestruturação
produtiva, levando-se em conta a participação de diferentes agentes nas relações que se
estabelecem ao longo do processo produtivo; compreender a conformação do circuito
espacial produtivo do calçado, assim como, as estratégias espaciais das empresas
industriais; entender como o espaço produtivo em questão, apresenta fatores
aglutinadores que auxiliam na explicação deste arranjo produtivo a importância da
indústria calçadista na formação dos empregos e sua influência no movimento de
população entre os municípios da região; identificar e localizar os principais “parceiros”
da indústria de calçado, no contexto da rede de relações que se estabelecem ao longo do
processo produtivo; aprofundar nossa compreensão sobre as mudanças organizacionais
adotadas pelas indústrias de calçado, na busca pela adaptação às novas tecnologias.
Nesse sentido, elencamos oito temas de interesse e elaboramos as questões a partir
destes temas, num total de 104 questões abertas e fechadas. Porém, diante dos nossos
objetivos, o questionário se constituiu muito mais por questões abertas que visaram o
entendimento de processos do que por questões fechadas.
Outra dificuldade, bastante presente, se refere ao acesso a essas empresas, já que
não houve muita disponibilidade por parte da maioria das empresas em nos receber e
responder ao questionário. Devido à demora no atendimento e às vezes que esperamos
em vão, o andamento do Trabalho de Campo se tornou extremamente lento, tornando
inviável a visita às noventa e cinco empresas. Por outro lado, algumas empresas
abriram, literalmente, suas portas e nos proporcionou uma riqueza imensa de detalhes,
inclusive com visitas guiadas contemplando todo o processo produtivo do calçado, ou
seja, da concepção ao produto pronto.
Diante deste cenário, ao invés de buscar atingir a meta de 95 questionários
aplicados, privilegiamos a qualidade das informações, sem nos preocupar com o tempo
de visita em cada empresa. Por isso norteamos nosso trabalho, buscando atender 4
critérios que consideramos principais:
o primeiro é a necessidade de contemplar em nossa pesquisa empresas de
todos os portes, da microempresa à empresa de grande porte, pois
entendemos que a dinâmica interna dessas empresas são bastante
distintas;
o segundo foi aproveitar os momentos em que nos deparamos com
empresas mais dispostas a responder nossos questionamentos;
o terceiro e mais pragmático, foi a disponibilidade das empresas em nos
receber;
7
o quarto critério foi o da repetição dos dados, ou seja, durante a tabulação
notamos que muitas informações começaram a se repetir sucessivamente,
o que nos leva a crer que acrescentaríamos poucas informações caso
aumentássemos nossa amostra.
A aplicação dos questionários ocorreu entre os meses de abril e maio de 2009
alcançando um total de trinta empresas sendo: dez microempresas; doze empresas de
pequeno porte; seis empresas de médio porte; duas empresas de grande porte.
Compreendemos que assim é possível contemplar a diversidade de empresas e a
complexidade de processos que apesar de relacionados, não ocorrem da mesma forma
entre empresas de portes diferentes.
O quadro 1 apresenta a lista das empresas pesquisadas com o nome, porte,
origem do capital e quantidade de funcionários.
Quadro 1- Empresas pesquisadas
Empresa Porte Origem do capital
Número de trabalhadores
Homens Mulheres Total
Bical G local 520 400 920
Tiptoe G local 510 1190 1700
Ortopasso M local 230 420 650
Finobel M local 43 60 103
Via Ápia M local 20 63 83
Pinókio M local 5 95 100
J&B M local 70 160 230
Sonho de Criança M local 60 150 210
Via Birigui EPP local 26 46 72
MZ Kid EPP local 12 30 42
R.E. EPP local 7 63 70
G.L. Chideroli EPP local 5 63 68
Nilberto Garcia EPP local 3 2 5
Só Baby EPP local 20 30 50
Thiox EPP local 20 20 40
Cal Life EPP local 36 81 117
Calçados Sposito EPP local 7 31 38
L.A. Silva Cracco EPP local 20 14 34
Edna Ap. B. Pereira EPP local n.i. n.i. 84
Biri EPP local 8 18 26
Calçados Tainá ME local 15 20 35
R.M. Pardo ME local 10 4 14
Gracinha ME local 3 8 11
R. Sartori ME local 18 0 18
Marc‟Elsse ME local 20 10 30
V.L.R. Guilherme Silva ME local 41 49 90
Clipassos ME local 7 5 12
Bergo & Martins ME local 6 4 10
Camila Peres ME local 4 4 8
Pep Keno ME local 6 5 11
Fonte: Pesquisa de campo. Data: Abril e maio de 2009
8
CAPÍTULO 1- AS TENDÊNCIAS DO PROCESSO DE REESTRUTURAÇÃO
PRODUTIVA E SUAS PARTICULARIDADES NA INDÚSTRIA CALÇADISTA
DE BIRIGUI
Neste capítulo, vamos nos dedicar a descrever, no intuito de elucidar, as
características da indústria de calçados de Birigui, assim como o processo produtivo do
calçado no chão da fábrica, desde o almoxarifado à expedição do calçado para o
mercado consumidor. Nossa opção em apresentar, logo no primeiro capítulo, como está
organizada a indústria de calçados de Birigui, justifica-se pelo fato de considerarmos
que o conhecimento sobre o interior de uma fábrica de calçado e as etapas do processo
produtivo auxiliam a compreensão dos temas que trabalharemos adiante.
Seguindo este roteiro, consideramos possível apresentar o atual estágio de uma
indústria de bens de consumo não durável, voltada principalmente à produção de
calçados infantis, dialogando com a literatura que trata dos processos de reestruturação
produtiva, ocorrido no Brasil a partir da década de 1990, e as atuais formas de
organização da produção. Tendo em vista nosso objetivo, cabe entendermos os aspectos
mais significativos da reestruturação industrial e entender a repercussão deste novo
ambiente econômico na indústria calçadista de Birigui. Para isso, abordamos aqui
alguns aspectos presentes na literatura sobre o assunto, buscando relacioná-los com os
dados que obtivemos em nossa pesquisa.
1.1. A crise econômica nos anos 1970
Apreender e pensar as transformações no atual período não se constitui numa
tarefa fácil, tanto pela complexidade em que se apresentam, como pela multiplicidade
de enfoques, convergentes e divergentes, presentes na literatura sobre o assunto.
Entendemos que o atual período se explica por uma série de crises no capitalismo que
transformaram a forma de organização da produção e da sociedade. No início dos anos
de 1970 a economia e a sociedade passam por uma dessas crises, comprometendo o
modo de organização vigente – o fordismo na esfera produtiva e o estado do bem-estar
social na esfera política, nos países centrais. A resposta a esta crise implicou em
mudanças nos processos de trabalho, consumo, configurações geográficas, nas práticas
estatais, nos hábitos e costumes da sociedade de um modo geral.
O acirramento da crise deveu-se à impossibilidade do modelo de
desenvolvimento fordista dar conta das contradições próprias do sistema capitalista,
9
resumidamente, trata-se de um problema de rigidez do modelo de produção e no modo
de regulação do capitalismo vigente no período fordista (HARVEY, 2003, 135).
Segundo Lipietz e Leborgne (1988, p.12) um modelo de desenvolvimento deve
apresentar a conjunção de três aspectos diferentes, a saber: um paradigma tecnológico
ou modelo de industrialização que oriente uma forma específica de organização do
trabalho; um regime de acumulação, referente à estrutura macroeconômica formada por
um conjunto de princípios que traduzem a compatibilidade entre as transformações nas
normas de produção e as transformações nas normas de uso do produto social; um modo
de regulação que designe um conjunto de normas implícitas e de regras institucionais
capazes de ajustar comportamentos e ações individuais aos princípios coletivos.
Partindo deste pressuposto, os autores argumentam que se tratou de uma crise do
próprio paradigma industrial, marcada pela desaceleração da produtividade e da
lucratividade e a conseqüente crise do emprego e do Estado-providência. Considera-se
que este período de mudanças está inserido num movimento histórico do capitalismo
que se revela em ciclos de crise e de acumulação, e que a cada nova crise acirram-se as
lutas competitivas, o que por sua vez leva a novos ajustes socioeconômicos. O novo
cenário que emerge desta crise é marcado por profundas mudanças, dentre elas a
ampliação da competição e adoção de estratégias de organização empresarial com o
objetivo de minimizar os efeitos da crise por meio da redução dos custos de produção,
da precarização das relações de trabalho, da incorporação de inovações nos produtos e
nos processos produtivos e de mudanças na organização espacial das firmas.
Para Chesnais (1996, p.300), a sustentação do modelo fordista de produção por
25 anos esteve baseada em três formas institucionais básicas. A primeira delas foi a
presença de uma política salarial capaz de manter a estabilidade social e assegurar a
produção e o consumo em massa. Nas palavras do autor,
o sistema soube gerar por meio dos elementos constitutivos da relação
salarial fordista, um nível de emprego assalariado suficientemente
alto e suficientemente bem pago para preencher as condições de estabilidade social e, ao mesmo tempo, criar os traços necessários à
produção de massa (isto é, assegurar o fechamento macroeconômico)
(p.300).
A segunda está relacionada à criação de um ambiente monetário estável, com
taxas de câmbio fixas e com subordinação do capital monetário ao capital industrial. A
mais importante, segundo o autor, foi a existência de Estados nacionais dotados de
instituições fortes e capazes de disciplinar o capital privado, e de recursos que
10
permitiam uma intervenção mais direta na economia, com investimentos capazes de
suprir deficiências setoriais e de fortalecer a demanda. Essas formas sociais foram
comprometidas e o contrato social orquestrado pelo “Estado providência” passou a ser
considerado, num contexto de liberalização da economia, como um entrave ao capital.
A partir de então, a desregulamentação financeira e a liberalização econômica
com as facilidades para a mobilidade do capital industrial, gerou destruição de postos de
trabalho na indústria, principalmente nos países de industrialização mais antiga, e
corrosão do salário real. De acordo com Chesnais:
os efeitos das mudanças tecnológicas recentes, em termos de
destruição de postos de trabalho, muito acima dos postos de trabalho
que cria, não podem ser dissociados da quase total mobilidade de ação que o capital recuperou, graças à liberalização do comércio
internacional e à liberdade de estabelecimento e de remessa de lucros
(1996, p. 301).
Por isso, para o autor, a mundialização do capital implicou em queda no
consumo doméstico, gerado pela diminuição nos postos de trabalho e nos salários, e
pelo aumento significativo de capital em investimentos financeiros em detrimento dos
investimentos industriais.
Em perspectiva um pouco diferente, Harvey (2003) retoma três elementos
propostos por Marx, que são invariantes ao modo de produção capitalista e que
possibilitam uma interpretação de como o modelo de produção fordista entre em crise, a
saber: a) o capitalismo é orientado para o crescimento, pois este é essencial para a
obtenção do lucro; b) o crescimento em valores reais se apóia na exploração do trabalho
vivo na produção, por isso o controle do trabalho é vital para a continuidade do sistema;
c) as mudanças tecnológicas e organizacionais têm papel-chave no capitalismo, visto
que são imprescindíveis no controle dos mercados de trabalho e essencial para a
produção de lucros. Neste sentido, para o autor, as estratégias adotadas como saída para
a crise, durante os períodos de superacumulação3, devem ser entendidas como formas de
manutenção dos elementos supracitados.
Uma dessas estratégias, adotada especialmente por grandes firmas, é a
localização de suas atividades mais simples ou com pouco valor agregado em áreas
periféricas, tanto em cidades pequenas ou áreas rurais, como nos países
3 Segundo Harvey (2003) “uma condição generalizada de superacumulação seria indicada por capacidade
produtiva ociosa, um excesso de mercadorias e de estoques, um excedente de capital-dinheiro (talvez
mantido como entesouramento) e grande desemprego. As condições que prevaleciam nos anos 30 e que
surgiram periodicamente desde 1973 têm de ser consideradas manifestações típicas de
superacumulação (p.170).
11
subdesenvolvidos com o objetivo de reduzir custos de produção. Na história de
desenvolvimento do sistema capitalista, a diferenciação espacial ganha conteúdos
específicos, mas de um modo geral, se configura em uma das estratégias mais
duradouras de contenção ou administração das crises cíclicas do capitalismo.
Para o autor, foi principalmente com o deslocamento espacial e temporal que o
regime fordista de acumulação resolveu o problema da superacumulação no decorrer do
longo período de expansão do pós-guerra; como exemplo cita a criação de “novos
centros geográficos de acumulação – ao sul e oeste dos Estados Unidos, Europa
Ocidental e Japão – e, em seguida, um conjunto de países recém-industrializados”
(Harvey, 2003, p.173 e 174). Ao considerar que a origem da crise do fordismo foi um
problema de superacumulação, explica que a expansão do capital para outros países se
configurou numa estratégia de contenção da crise.
Sob este ponto de vista, a estagnação do modelo de produção estaria ligada
muito mais ao esgotamento da capacidade de expansão geográfica do capital e diante
desta situação, a acumulação flexível se enquadraria como uma saída para a crise por
meio da combinação de duas estratégias de lucro, a saber: através da mais-valia
absoluta, transferindo capital corporativo de regiões de altos salários para regiões de
baixos salários, aumento das horas de trabalho e piora do padrão de vida através da
erosão do salário real; através da mais-valia relativa com a mudança organizacional e
tecnológica como forma de lucro temporário para empresas inovadoras e redução dos
custos dos bens que definem o padrão de vida do trabalhador.
De um modo geral, trata-se de um período marcado pela racionalização,
reestruturação e intensificação do controle do trabalho; pela adoção de estratégias que
aceleram o tempo de giro do capital; por uma intensa mudança tecnológica e
desenvolvimento da automação; pela busca de novas linhas de produto e nichos de
mercado; pela dispersão geográfica para zonas de fácil controle do trabalho, fusões etc.
No que se refere a este último item, houve uma intensificação da divisão técnica e
espacial do trabalho, com a anexação seletiva4 de novos espaços ao circuito espacial da
produção e do consumo, baseada numa lógica de expansão territorial capitalista para
obtenção de novas condições de acumulação e reprodução do capital.
Neste contexto de mundialização do capitalismo, Sposito (2002) chama atenção
para o processo de multinacionalização ou internacionalização das grandes empresas
4 Muitos países ainda se encontram a margem deste processo.
12
que ultrapassam fronteiras e se deslocam de um território a outro de acordo com seus
interesses, de forma que se perde a referência sobre a nacionalidade ou identificação da
empresa com seu país de origem. Argumenta que:
Essa identificação foi se tornando difícil, de tal forma que
atualmente, nos balanços de firmas, nas classificações que
aparecem em revistas e jornais, fala-se em controle acionário
brasileiro ou nacional, estatal e estrangeiro. Assim, não se
preocupa mais com a origem do capital, mas com a
territorialização do controle acionário das firmas (p. 103).
O espaço social criado por estas oscilações, incertezas, transformações na
organização industrial, na vida social e política torna visível o aumento do poder
político e econômico das grandes corporações que consolidam seu espaço de ação para
além das fronteiras nacionais. Segundo Arroyo (2010):
[...] o poder de mudança tecnológica e de transformação institucional
dos grandes grupos econômicos aumenta significativamente a partir da intensidade dos processos de fusão, aquisição e associação de
empresas ocorridas nas últimas décadas (p.35).
Neste sentido, as novas tecnologias de informação exercem um papel
fundamental na medida em que possibilitam a conexão de lugares distantes, permitindo
que as etapas do processo produtivo se realizem em países diferentes.
1.2. Mudanças no papel do Estado e as normatizações do território
Na nova ordem, que emerge da mundialização da economia, as relações entre
estados estariam diluídas em favor de conexões que agora se estabeleceriam entre
economias regionais distantes entre si. A partir da nova divisão territorial do trabalho,
que emerge neste contexto, as “especializações territoriais produtivas” ganham
importância particular, dado ao arranjo de objetos e fatores técnicos, históricos e sociais,
presentes no lugar, voltados à produção especializada de determinado bem. Como
apontam Santos e Silveira (2004, p.135-136),
O relativo barateamento dos transportes, que viabiliza o deslocamento
de insumos e produtos acabados, a existência de maquinário, a
informação especializada e convergente, a presença de força de trabalho treinada, a força de interesses e reivindicações surgidas de
um trabalho comum constituem, entre outras, as condições técnicas –
e não mais naturais – que determinam as especializações territoriais.
São os fatores técnico-sociais de localização no período contemporâneo.
13
Como observaram Caravaca e Mendez (1996), a reestruturação produtiva
iniciada na década de 1970 nos países desenvolvidos, foi acompanhada por uma onda
neoliberal no plano político-institucional que se constituiu em um novo marco no que
diz respeito às políticas de intervenção, às prioridades e às formas de intervenção do
Estado. O que se observa, no âmbito das políticas territoriais, é o fomento à
competitividade entre os lugares – em detrimento de políticas que objetivem a equidade
no território –, acompanhado do aumento de competências designadas aos governos
regionais e locais.
Singer (2001) aponta que as políticas estatais de viés keynesiano, postas em
prática nos países centrais após a Grande Depressão dos anos 1930, entraram em
declínio nas últimas décadas do século XX, quando volta “a prevalecer a idéia de que os
mercados se equilibram em pleno emprego, que as pessoas sem trabalho se encontram
voluntariamente nessa situação porque não aceitam a remuneração oferecida pelo
mercado de trabalho” (p.112). Do ponto de vista ideológico, os Estados nacionais
deveriam diminuir sua participação como regulador da economia e das relações de
trabalho e sobre o planejamento e criação de políticas que promovam o
desenvolvimento econômico. Pela argumentação de alguns autores o Estado nacional
seria grande demais para dar conta da diversidade dos problemas na escala local (como
nas cidades) e pequeno demais diante do grande capital transnacional. Benko (2001),
por exemplo, defende que com as mutações na geopolítica das condições de produção,
de competição e de interdependência, ocorridas desde a década de 1970, houve um
“deslizamento de escala”, que segundo o autor:
Trata-se de uma recomposição dos espaços: os espaços
clássicos - nos quais os sistemas econômico, social e político
evoluíram praticamente ao longo de todo o século - estão se
deslocando ao mesmo tempo para cima e para baixo. Na escala
superior, constata-se a criação ou o reforço dos blocos
econômicos, inicial e, freqüentemente, sob a forma de mercados
comuns, evoluindo, em seguida, rumo a espaços política e
economicamente unidos como é o caso da Europa; o
deslocamento rumo ao patamar inferior da escala caracteriza-se
pelo reforço das unidades territoriais em nível regional5 (p.7).
Discordamos da visão apresentada por Benko, pois a nosso ver, os Estados
nacionais podem ter mudado de papel, mas sua importância como escala mediadora
5 Devido às diversas definições e usos do conceito de região, consideramos necessário esclarecer que ao
citar o “nível regional”, o autor está se referindo a escala local ou infranacional.
14
entre o global e o local se manteve. Há que se considerar que o comando exercido pelo
Estado-nação pode ter mudado de conteúdo, talvez pela adoção de diretrizes político-
econômicas diferentes daquelas de viés keynesiano predominantes no período fordista.
Porém, isso não significa que esta escala de poder e, portanto, de análise dos processos
sócio-econômicos, políticos e espaciais, tenha perdido importância. Apesar da “onda-
neoliberal” que acompanhou as transformações verificadas a partir da década de 1970,
verificou-se que na prática, o ideal de Estado neoliberal “puro” não se sustenta. Existem
inúmeros exemplos que mostram que as regras de mercado não são capazes de
promover um ambiente de estabilidade econômica propícios aos empreendimentos
capitalistas, muito menos de promover a equidade social. Harvey (2008, p. 80-81)
aponta que é difícil definir o “caráter” do Estado na era da “neoliberalização”, visto que
as práticas estatais apresentam distorções e em alguns casos até reverte a teoria
neoliberal. O autor cita que mesmo o ex-presidente Bush que defendia o livre mercado e
o livre comércio, impôs tarifas ao aço, por conta de interesses eleitorais em Ohio; outro
exemplo é a proteção à agricultura nacional verificada nos países europeus.
Cabe entender, portanto, quais os reflexos desta mudança do papel do Estado, no
que se refere ao modo de regulamentação da economia. De um modo geral, os processos
econômicos e políticos desencadeados pela crise em diversos países, geraram medidas
desregulamentadoras nas políticas cambiais, na movimentação dos fluxos de capitais e
diminuição das restrições ao comércio internacional. As mudanças incluem novas
formas de regulação estatal, implicando na diminuição dos gastos públicos, da
participação do Estado na produção por meio de privatizações e de reformas nas
políticas sociais e no mercado de trabalho (medidas flexibilizadoras). O padrão de
organização capitalista que emerge deste novo cenário é marcado pelo acirramento da
competição em escala global e de maior instabilidade para as atividades produtivas e
para o capital financeiro.
É no contexto de agravamento da crise fordista nos anos 1970, com os
decorrentes ajustes socioeconômicos, que se instaura uma disputa por parte das grandes
empresas, pelo poder econômico e político dos Estados nacionais. Dessa forma, para
Cano e Fernandes (2005) “a superação da crise implica, assim, a instauração de novos
arranjos institucionais que propiciarão as condições necessárias para o exercício da
hegemonia pelos grupos econômicos vencedores” (p.256). O resultado dos novos
arranjos institucionais que dão as condições de reprodução para o sistema econômico se
reflete em mudanças na organização da produção, nas relações de trabalho, nos padrões
15
de reprodução social e “novos arranjos espaciais” decorrentes de uma nova hierarquia
político-econômica, o que por sua vez, não implica em dizer que o Estado nacional
tenha perdido importância. Trata-se de uma nova divisão territorial do trabalho que se
realiza mundialmente, graças às novas tecnologias, em que o Estado-nação não exerce
mais um papel de liderança nos processos de desenvolvimento, mas de regulador deste
movimento (SPOSITO, 2002, p. 110). Compans (2005) afirma que:
A formação de redes planetárias de atividades e de mercados funcionando como unidade operativa em tempo real, a
interdependência crescente das relações internacionais e a
hipermobilidade adquirida pelo capital – cujos fluxos ignorariam cada vez mais as fronteiras político-administrativas – teriam supostamente
solapado a capacidade de regulação dos Estados nacionais (p.45).
Santos (2004, p.231 e 232) ao analisar a inserção do espaço nacional na
economia internacional, explica que o atual poder político e econômico das grandes
corporações que atuam em escala global, leva a crer que o Estado tenha se tornado
desnecessário e até mesmo um equívoco. Contudo, a emergência dessas grandes
organizações com alcance global, torna o papel do Estado ainda mais indispensável, já
que a intensificação da divisão territorial do trabalho, com o processo produtivo
tecnicamente fragmentado e geograficamente espalhado, aumenta a exigência de formas
novas e mais elaboradas de controle e cooperação.
No atual período, as medidas de apoio ou coerção exercidas pelo Estado são
fundamentais para o sucesso dessas empresas que competem em nível global. Há uma
nova divisão internacional do trabalho criada por essas empresas transnacionais que se
superpõe muitas vezes de forma conflitiva, a divisão internacional do trabalho modelada
pelos Estados (ARROYO, 2010).
Um exemplo são as medidas protecionistas que os Estados adotam com taxações
sobre importação de determinados produtos. Em 2008, a Associação Brasileira das
Indústrias de Calçados (Abicalçados) fez um pedido de investigação sobre a prática de
dumping dos fabricantes de calçados chineses, junto à Câmara de Comércio Exterior
(Camex), que não só confirmou a prática, como requisitou junto a Organização Mundial
do Comércio (OMC) o direito de adotar medidas antidumping, passando a cobrar uma
alíquota de importação de U$ 12,47 (dólares americanos) sobre cada calçado
16
importando da China. Atualmente, a alíquota cobrada é de U$ 13,85 (dólares
americanos) e terá vigor de cinco anos a contar a partir de 20106.
No entanto, o campo de forças é bem mais complexo e a força política dos
grandes grupos econômicos rivaliza com o poder do Estado nação: os fabricantes de
calçados das marcas globais que mantém sua produção predominantemente em território
chinês, como Nike e Puma (americanas), Adidas (alemã) e Asics (japonesa) se uniram e
formaram uma entidade própria (Abramesp) no intuito de combater as medidas
antidumping7. Alegando que tais medidas não fazem a diferenciação necessária dos
tipos de calçados, conseguiram junto à OMC, restringir as medidas antidumping
brasileiras a alguns tipos de calçados, excluindo da lista de calçados com taxação sobre
importação, os destinados a práticas esportivas que são justamente suas especialidades.
É interessante notar que, nos trâmites desta negociação em escala global, as empresas
proprietárias das marcas supracitadas não precisaram recorrer aos Estados nacionais de
seus países de origem e nem ao Estado chinês onde estão sediadas, para se beneficiarem
da influência política de um Estado-nação. O que se traduz numa diminuição da
capacidade de negociação e controle dos governos nacionais, frente aos grandes grupos
transnacionais. Por outro lado, apesar da existência de um organismo internacional
como a OMC, chamado para mediar a negociação entre os produtores de calçados
brasileiros e as citadas empresas, verifica-se que a sobrevivência dos produtores
nacionais de calçados está atrelada às regras que são estabelecidas em escala nacional,
como por exemplo: a política de câmbio adotada pelo país, que influencia diretamente
nos valores de importação e de exportação; as taxações à importação de determinados
produtos que são produzidos em território nacional, como exemplificou o caso descrito
acima. Por estes e outros motivos, reiteramos que a escala nacional de poder mantém
sua importância no período atual, como escala de análise dos processos, assim como
instância de regulação do território.
Ora, cabe verificar os impactos destas transformações em escala nacional e as
particularidades que o processo de reestruturação produtiva assume no setor calçadista
de Birigui.
6 Informações coletadas na página do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior In:
http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1268055864.pdf. Resolução nº 14, de 03 março de 2010.
7 Revista Exame/Economia de 09/09/2009.
17
1.3. Reestruturação produtiva no Brasil e seus rebatimentos na indústria
calçadista
As transformações na economia e na política brasileira entre as décadas de 1980
e 1990, desencadeadas pela abertura comercial e liberalização financeira que se
consolida no governo de Fernando Henrique Cardoso, inseriram o Brasil na competição
global e engendraram mudanças em todo território nacional.
Ao contrário do que aconteceu em nosso país, a década de 1980 (conhecida
como a “década perdida” no Brasil) se caracterizou por um grande avanço da indústria
em países de industrialização já consolidada na época, mas também e principalmente,
em alguns países de industrialização recente na Ásia. O processo de reestruturação
produtiva ocorrido na década de 1990 no Brasil se insere num contexto de mudança
estrutural na política e na economia, com a liberalização comercial, desregulamentação
econômica e desestatização de empresas, criando um novo ambiente competitivo, em
que a indústria brasileira chega defasada do ponto de vista tecnológico (Kupfer, 2004,
p.92). É neste contexto de abertura da economia brasileira que se iniciam uma série de
mudanças técnicas e organizacionais na indústria brasileira, para se manterem
competitivas diante deste novo cenário econômico e político.
De acordo com Kupfer, até 1994 as indústrias promoveram um ajuste defensivo
por meio de um enxugamento de custos, principalmente, com a redução do número de
trabalhadores e terceirização de atividades. A partir de 1994, com a criação do Plano
Real, tem início um período de acirramento da competitividade para a indústria
brasileira. Segundo Kupfer (2002) ainda:
Câmbio valorizado e taxas de juros elevadas, dois dos pilares da
gestão macroeconômica do plano de estabilização, e a antecipação do término do cronograma de redução tarifária para dezembro de 1994,
com a adoção da Tarifa Externa Comum do Mercosul, foram os
principais traços do novo regime competitivo implantado no país.
Essas medidas equivaleram, na prática, a um aprofundamento do grau de exposição internacional da indústria brasileira, dando início à fase
de ultra-abertura que perdurou até a desvalorização cambial do início
de 1999 (p.93).
Os impactos da abertura comercial e a ausência de políticas industriais voltadas
à indústria nacional implicaram em déficit na balança comercial brasileira já em 1995.
Os dados sobre exportação de calçados do Brasil mostram que em 1993, antes do Plano
Real e do câmbio valorizado, o país exportou US$ 1,8 bilhão, sendo que em 1999 as
exportações atingiram apenas US$ 1, 278 (Secex).
18
A abertura comercial desenfreada e a entrada dos países asiáticos no setor
calçadista impactaram principalmente o segmento de calçados esportivos, de plástico ou
borracha. Como mostram os dados apresentados por Garcia (2001) a importação de
calçados no Brasil em 1989 foi US$ 13,6 mil, já entre os anos de 1995 a 1997 a
importação salta para mais de US$ 200 mil, deste total, aproximadamente 50% são de
calçados esportivos. O autor ainda explica que as grandes marcas de calçados esportivos
conhecidos internacionalmente, como a Nike, já estavam inseridas no mercado nacional
desde a década de 1980, por meio de licenciamento ou subcontratação de empresas
nacionais. No entanto, houve uma mudança de estratégia destas empresas após a
abertura comercial, passando a importar o calçado de unidades produtivas localizadas
nos países asiáticos, onde o custo de produção era e é muito mais vantajoso para as
empresas. Um dado interessante para termos a dimensão do quão contrastante são os
custos de produção de calçados nos países asiáticos em comparação com outras áreas
produtoras, é o custo médio da mão-de-obra por hora de trabalho: em 1996 o custo nos
Estados Unidos era de US$ 9,41 e na Itália era de US$ 14,99, já na Indonésia era de
US$ 0,19, no Vietnã US$ 0,24 e na China US$ 0,508 por hora trabalhada.
A forte oscilação nas exportações de calçados na década de 1990 fez com que
muitas empresas, que antes destinavam maior parte da sua produção ao mercado
externo, adaptassem a sua produção ao mercado interno, que além de menos seletivo e
competitivo se encontrava em expansão. Houve também no período um aumento da
exportação de calçados para os países da América do Sul, principalmente para
Argentina, Bolívia, Paraguai e Chile (Garcia, 2001, p.122).
Percebe-se também neste período uma diminuição da presença estatal no setor
industrial acompanhado pelo avanço da presença de empresas multinacionais,
principalmente em ramos industriais de maior conteúdo tecnológico. De fato, a ausência
de políticas estatais voltadas para o desenvolvimento de setores estratégicos e a abertura
comercial promovida pela reforma política, implicou em aumento significativo da
importação em setores com maior conteúdo tecnológico. Segundo dados apresentados
por Ribeiro e Pourchet (2002) apud Kupfer (2002) o coeficiente9 de importação de
equipamentos eletrônicos, por exemplo, saltou de 13,9% em 1990 para 122,7% em
8 Publicado na Gazeta Mercantil, baseado em relatório da Footwear Industries of America (Dez. 1996) e
consultado em artigo publicado pelo BNDES sobre o comércio exterior do Complexo Coureiro-
Calçadista publicado em 22/01/2002. 9 Relação entre valor das importações e valor da produção (Kupfer, 2004, p.98).
19
2001. Rizzo (2004) relata que a facilidade para importação verificada no período, levou
empresas de Birigui, como a Popi e a Kiuty, a promover uma renovação de seu
maquinário, sendo que esta última adquiriu seis maquinas injetoras de solados no ano de
1991.
Uma parte das máquinas empregadas na fabricação do calçado em Birigui é
fabricada fora do país10
, principalmente nos países asiáticos, tanto por empresas com
origem no próprio continente, como por empresas de outros países que mudaram sua
planta produtiva para a China em busca de redução dos custos de produção. As
principais empresas fornecedoras internacionais são: a Sagitta, de origem italiana,
especializada na fabricação de máquinas de chanfrar, máquinas de costura, máquinas
para rebites e ilhoses; a Singer, especializada na fabricação de máquinas de costura e
bordado, com origem nos Estados Unidos, mas atualmente sua planta industrial está
localizada na China; a Pfaff, especializada na fabricação de máquinas de costura e
bordado, de origem era alemã, mas assim como a Singer transferiu sua planta industrial
para a China; a Barudan, de origem chinesa, e a Tajima, de origem japonesa, ambas
especializadas em máquinas de bordar; a Taking, de origem taiwanesa, especializada em
máquinas de costura em geral.
Os fabricantes de máquinas nacionais estão localizados principalmente no Rio
Grande do Sul e na cidade paulista de Franca, que por terem se consolidado como uma
aglomeração industrial do setor calçadista desde a década de 1950 – período em que a
política industrial brasileira e as dificuldades para importação, geralmente induziam o
desenvolvimento em território nacional de toda a cadeia produtiva11
– apresentam uma
maior variedade de indústrias correlatas e de apoio do que as verificadas em Birigui.
Desses fabricantes, a maior parte está no Rio Grande do Sul e se desenvolveram para
atender as demandas por máquinas dos fabricantes de calçados na região do Vale dos
Sinos, como dito anteriormente, que já se destacavam na produção nacional de calçados
desde a década de 1950. No Rio Grande do Sul, os principais fabricantes e fornecedores
de máquinas para a produção de calçados de Birigui são: a empresa Pipe Variani,
fabricante de máquinas rebitadeiras e máquinas de pregar botões que está localizada em
Caxias do Sul; a empresa Tecnomaq, fabricante de máquinas para costura ensacada
10
As informações aqui expostas foram coletadas em entrevista na empresa Fromaq, fornecedora de
máquinas e equipamentos para as fábricas de calçados de Birigui. 11 “Cadeia produtiva é o conjunto de etapas consecutivas pelas quais passam e vão sendo transformados e
transferidos os diversos insumos (Kertsnetzky e Prochnik, 2002, p. 23).”
20
(usada para unir o cabedal à palmilha), balancins, esteiras, prensa “sorveteira”, forno
para reativação da cola etc., que está localizada em Farroupilha; a empresa Sazi,
fabricante de máquinas (fornos) para secar e reativar cola, prensas tipo “sorveteira”,
esteiras, conformadores de contraforte etc., também está localizada em Farroupilha; a
empresa Kehl, fabricante de pantógrafos para corte computadorizado, máquina de
reativar cola, máquina de chanfrar etc., que está localizada em Novo Hamburgo; a
empresa Klein, fabricante de balancins, máquina de chanfrar, máquina de alta
freqüência etc., também localizada em Novo Hamburgo.
Apenas duas empresas localizadas em Franca foram citadas pelos entrevistados:
uma delas é a Ivomaq, empresa especializada na fabricação de máquinas de costura e a
outra é a Poppi, uma empresa especializada na fabricação de balancins e máquinas de
conformar contraforte e biqueira. A tendência mais comum, mesmo entre as empresas
brasileiras, é importar as máquinas produzidas na China e em Taiwan, imprimir o nome
de suas empresas nas mesmas e distribuir para os produtores de calçados nacionais. Este
é o caso, por exemplo, da empresa Lanmax localizada em São Paulo. Apenas a marca é
brasileira, mas as máquinas de pesponto que comercializa são todas importadas da
China.
1.4. Queda no número de trabalhadores
Acompanhando a queda nas exportações, Kupfer (2004, p.94-95) aponta que a
partir da década de 1990 passou a haver um descompasso entre a evolução da produção
física e o número de trabalhadores empregados na indústria, ou seja, enquanto a
produtividade da indústria crescia a quantidade de emprego seguia retraindo. Segundo o
autor, esse avanço da produtividade industrial verificado na referida década se deveu
apenas em parte pela renovação de maquinário ou processos produtivos que naquele
momento se encontravam defasados. Boa parte do ganho de produtividade se deveu ao
aumento significativo das importações de insumos e bens intermediários e a interrupção
da produção de certos bens com emprego de tecnologias mais sofisticadas, o que
contribuiu para a desestruturação da matriz industrial brasileira. Devido ao
rebaixamento das tarifas de importação, a compra no exterior de bens de consumo não
durável, como o calçado, também foram bastante significativas no período. A
importação de calçados e de partes de calçados salta de US$ 25.847 em 1990, para US$
21
211.528 em 1996, sendo que deste montante quase 60% eram de calçados provenientes
da China, Indonésia e Hong Kong (SECEX).
Os dados apresentados no gráfico 1 mostram que após o ano de 1994 (ano de
edição do Plano Real) houve uma forte queda no número de empregos formais na
indústria calçadista de Birigui. Em 1994 o número de empregados na indústria de
calçados era de 13.634, já no ano de 1995 este número cai para 8.923 empregados, o
que significou uma queda de quase 35% do total de empregos de um ano para o outro.
Essa redução foi confirmada em nossa pesquisa de campo, visto que 19 empresas12
(63% do total) afirmaram ter diminuído o número de trabalhadores, sendo que as
motivações apontadas foram as seguintes: a crise ocorrida na década de 90 com a
abertura comercial e financeira do país, apontada por 6 empresas; a sazonalidade do
mercado de calçados, apontada por 5 empresas; 1 empresa subcontratada atribuiu a
diminuição à dependência à empresa-mãe (empresa subcontratante); 1 atribuiu a
diminuição a problemas financeiros particulares da empresa; e, por fim, a crise
deflagrada no mercado imobiliário dos Estados Unidos em 2008, apontada também por
6 empresas. Somente a empresa Bical13
, iniciou o ano de 1995 com 2.452 empregados e
em dezembro do mesmo ano, empregava apenas 1.119 trabalhadores, ou seja, houve
uma redução de mais de 50% do total de trabalhadores da empresa. A explicação para
esta redução segundo nosso entrevistado foi a necessidade de “enxugar” o quadro de
funcionários devido ao período de recessão econômica vivido pelo país e pela
conseqüente queda nas encomendas.
12 Das 11 empresas que afirmaram não ter diminuído o número de trabalhadores, mais da metade foram
fundadas a partir do ano 2000.
13 Cicero, Elaine C. Um análise da indústria de calçados de Birigui no contexto de flexibilização
produtiva. 2007 (116 p.) Monografia (Bacharelado) Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade
Estadual Paulista, Presidente Prudente.
22
Cabe aqui fazermos um breve parêntese, sobre a repercussão da crise de 2008 no
setor calçadista de Birigui. Os dados do gráfico confirmam a redução do número de
trabalhadores em 2008 constatada também em nossa pesquisa de campo. No entanto, a
rápida recuperação já verificada em 2009 mostra que a crise não teve uma repercussão
acentuada no setor calçadista. Aliás, apesar dos alardes feitos pelos meios de
comunicação brasileiros, os dados atuais da economia mostram que a repercussão desta
crise no país, foi bem menor que o anunciado. Recentemente, foi publicada uma matéria
no jornal Folha da Região14
intitulada: “Sobra emprego na indústria calçadista”; o
assunto, como podemos perceber pelo título, foi a falta de mão-de-obra nas fábricas de
calçados de Birigui. De acordo com o que foi noticiado, a medida adotada pelos
representantes da Fiesp e do Sindicato Patronal, para solução do problema será visitar as
cidades da região, propondo parcerias com as prefeituras para treinamento de mão-de-
obra, como mostra o trecho a seguir: “A proposta da federação nesse projeto é buscar
trabalhadores em cidades que ficam a até 70 quilômetros de Birigui. As visitas devem
iniciar dentro de duas semanas e será feita pelo próprio Nakad, que estará acompanhado
do presidente do Sinbi (Sindicato das Indústrias do Calçado e Vestuário de Birigui),
Sérgio Gracia, e do diretor da escola do Senai de Birigui, Hélio Hideyo Uichiyama”
(Folha da região, Caderno Cidades, página A7, do dia 11 de fevereiro de 2011). De
acordo com o diretor do Departamento de Ação Regional da Fiesp e ex-presidente do
14 Folha da região, Caderno Cidades, página A7, do dia 11 de fevereiro de 2011.
0
2.000
4.000
6.000
8.000
10.000
12.000
14.000
16.000
Emprego
Gráfico 1- Número de empregados na indústria de calçados
Birigui-SP/1985 a 2009
Fonte: RAIS/MTE.
23
Sindicato Patronal, Samir Nakad, a cidade de Birigui está vivendo um “apagão” de
mão-de-obra já que não se encontra nem jovens para contratação como aprendiz. A falta
de mão-de-obra é tanta, que ao invés do trabalhador ir até a empresa a procura de
emprego, as empresas é que contratam carros de som para anunciar as vagas de
emprego nos bairros da cidade15
. Por estes dados, não nos parece que estamos diante de
um cenário de crise econômica, visto que o aumento da demanda por mão de obra
sinaliza para o crescimento do setor calçadista16
.
1.5. Novas formas de organização da produção?
Diferentemente do que ocorreu no ano de 2008, a década de 1990 representou
realmente um momento de crise para a indústria de calçados brasileira. Com a entrada
dos calçados asiáticos no mercado internacional, as indústrias brasileiras produtoras de
calçados adotaram várias estratégias para lidar com um ambiente de competição
acirrada. No que diz respeito à produção, as estratégias consistiram basicamente na
adoção de novas formas de organização da produção, com intensificação da
racionalização dos processos produtivos, renovação do maquinário e incorporação de
novas tecnologias e expansão das práticas de subcontratação ou, terceirização da
produção.
De um modo geral, essas novas práticas de organização da produção e controle
do trabalho tiveram como influência o modelo japonês difundido inicialmente pela
empresa automobilística Toyota, por isso “toyotismo” e cujos pressupostos vinham se
difundindo no país desde a década de 1980 (Navarro, 2006, p.216). A empresa
organizada pelos princípios toyotistas, diferentemente da indústria fordista, deveria
“combinar as exigências de qualidade e quantidade, contrapondo-se à especialização
proposta pelo taylorismo, através da polivalência, da rotação de tarefas e do trabalho em
grupo (Navarro, 2006, p.216).” Além disso, a produção deveria ser voltada para o
atendimento de pedidos, ou seja, um modelo de “produção enxuta”, organizada pelo
sistema just in time – forma de organização da produção para que a empresa produza
somente o necessário para o atendimento de pedidos – e kanban – que consiste num
15 Presenciamos um anuncio deste tipo durante nosso trabalho de campo, e confirmamos com os
moradores locais que esta prática é recorrente.
16 No início do mês de março de 2011 foi divulgado pelo Governo Federal que o crescimento do PIB
brasileiro em 2010 foi de 7,5%, o que vem corroborar, de modo inequivocável, a superação da crise
financeira de 2008.
24
sistema de informações que alimenta o just in time, controlando a quantidade de
produção em cada etapa do processo. No que se refere ao controle da qualidade nas
práticas referentes a este modelo cada trabalhador deve cuidar da qualidade do que esta
produzindo. Há ainda os CCQs (Círculos de Controle da Qualidade) em que os
trabalhadores se reuniriam teoricamente de forma voluntária, para buscar soluções para
os problemas relativos à produção (Navarro, 2006, p. 217). Como veremos pelo
exemplo das indústrias de calçados de Birigui, as mudanças referentes ao modo de
organizar a produção no interior da empresa foram de certa forma, influenciadas pelo
modelo de produção japonês, mas os resultados destas mudanças na prática mesclam as
formas antigas com a adoção de alguns princípios do referido modelo.
A despeito das diferenças entre os padrões tecnológicos e as formas de
organização da produção no interior da empresa e independentemente do segmento de
mercado em que atuam (calçados masculinos, femininos, infantis, de maior ou menor
preço), é nítida a intensificação da prática de subcontratação de partes do processo
produtivo pelas empresas fabricantes de calçados no Brasil (Navarro, 2006; Reis, 1994;
Garcia, 2001). Como aponta Garcia (2001) a exemplo dos processos de
desverticalização verificado em empresas que atuam internacionalmente, algumas
empresas brasileiras vêm tentando
[...] desfazer-se de todos seus ativos produtivos, concentrando suas atividades na concepção do produto e na gestão de seus ativos
comerciais, especialmente a marca e os canais de comercialização,
além da coordenação da cadeia produtiva. (...) As grandes empresas calçadistas internacionais, em geral, não possuem unidades de
fabricação de mercadorias, subcontratando todas as etapas do
processo de produção de calçados. São responsáveis apenas pelo
gerenciamento da marca e da cadeia de produção, comercialização e distribuição. Mantêm, dessa forma, ativos essenciais como a marca e
a capacidade de gerenciamento de toda a cadeia de valores, o que as
permitem comandar o processo e se apropriar de boa parte dos benefícios gerados ao longo da cadeia (p.125-126).
Os processos de horizontalização das empresas, assim como as formas de
flexibilização do processo produtivo, juntamente com a fragmentação do espaço físico
da produção, têm gerado formas desregulamentadas de trabalho e a conseqüente
diminuição do trabalho estável e formalizado, típico do modelo fordista/taylorista de
produção (Antunes e Alves, 2004, p. 336-334).
A terceirização da produção é ainda mais intensa em aglomerações espaciais de
empresas, onde a presença de empresas de menor porte e do trabalho informal e
especializado em uma etapa do processo produtivo facilita a subcontratação por parte
25
das empresas maiores. Na indústria de calçados de Birigui encontramos uma
multiplicidade de formas relações de trabalho, desde o operário com contrato de
trabalho formal interno à indústria, até uma série de relações que são estabelecidas em
torno do processo de terceirização da produção, acentuado sobremaneira a partir da
década de 1990. A justificativa na maioria das vezes é a necessidade pela busca de
qualidade, produtividade e competitividade, que neste caso, são conseguidas a custo da
precarização das relações de trabalho e do repasse a terceiros dos riscos e ajustes da
produção decorrentes de uma possível oscilação da demanda. No que diz respeito às
formas de terceirização da produção, estão envolvidos no processo: as micro e pequenas
empresas terceirizadas e especializadas em uma etapa do processo produtivo, como o
pesponto ou a montagem, ou esporadicamente, empresas contratadas para realizar mais
de uma etapa do processo produtivo; os trabalhadores a domicílio na maioria das vezes
informais; trabalhadores autônomos; as bancas17
.
É importante lembrar que a externalização da produção não é um fato novo na
indústria calçadista, já que o trabalho domiciliar e a presença de bancas são anteriores às
mudanças ocorridas com o processo de reestruturação produtiva nos anos 1990. A
diferença é que anteriormente o trabalho domiciliar era restrito a algumas etapas do
processo produtivo, sendo mais comuns, trabalhos manuais e mais demorados como a
confecção de enfeites, o recorte das arestas do forro e a costura manual (necessários
apenas em alguns modelos específicos de calçado). O que há de novo nos últimos anos
é a multiplicidade das formas de terceirização da produção e a intensidade com que
passou a ser adotada pelas empresas.
Podemos perceber a partir das características presentes na indústria calçadista de
Birigui, como o processo de reestruturação produtiva e a busca por competitividade
inspirada no modelo japonês de produção, o toyotismo, ganha no Brasil características
peculiares.
Enquanto a tendência geral das empresas seria a busca pela externalização da
produção, ou seja, repassar a terceiros algumas ou até mesmo todas as etapas do
processo produtivo, a Kiuty, como citado18
, promove a internalização de uma etapa do
processo produtivo, já que a aquisição das injetoras tinha como objetivo a produção dos
17
As bancas, também conhecidas como ateliês, são subcontratadas pelas empresas de calçados,
principalmente para a execução da etapa do pesponto. As relações de subcontratação serão
aprofundadas no capítulo 3.
18 Cf.: Página 31.
26
solados para calçados no interior da empresa. É oportuno ressaltar, portanto, que o
processo de reestruturação produtiva apresenta características particulares que variam
de acordo com as condições políticas e econômicas do país, o setor da economia
(indústria, comércio e serviços), as particularidades do processo produtivo entre outros
fatores. Além disso, nem todas as estratégias para redução de custos de produção
adotadas por uma empresa no atual período, devem ser lidas, objetivamente, como uma
tentativa de aproximação ao modelo toyotista de produção.
Brito (2002) explica que o re-investimento do lucro gerado por uma empresa
pode implicar, dependendo dos seus objetivos, em imobilizar capital promovendo uma
diversificação da produção por meio de integração vertical, ou seja, “a empresa assume
o controle sobre diferentes estágios (ou etapas) associados à progressiva transformação
de insumos em produtos finais (p.313).” No caso da produção de solados por uma
empresa cuja atividade principal é a produção de calçados, implica em dizer que esta
empresa promoveu uma “integração para trás”, ou seja, entrou em estágios anteriores do
processo de produção. Em termos de ganhos para empresa, esta estratégia pode
significar, por exemplo, a possibilidade de ganhos de eficiência, isto é, o processo de
integração pode significar a geração de economias de escala e de escopo.
Navarro (2006) chama a atenção para o fato de que muitas vezes uma simples
mudança, ou a adoção de uma das técnicas que compõem o modelo de produção
japonês, são alardeadas como se a empresa tivesse passado por um intenso processo de
reestruturação com a adoção completa do referido modelo. Sendo assim, partimos do
pressuposto que os desdobramentos do processo de reestruturação produtiva, em suas
diversas facetas (organização da produção, relações de trabalho, estratégias empresariais
etc), não se manifestam da mesma forma em toda a estrutura produtiva, mas guarda
peculiaridades intrínsecas a cada setor da economia, em particular a cada ramo
industrial, ao espaço geográfico no qual se insere e aos atores (agentes) envolvidos.
Esta reestruturação produtiva na indústria calçadista de Birigui demanda, então,
um aprofundamento da análise deste processo, coisa que faremos a seguir, tentando
explicar as principais etapas de produção do calçado – da modelagem à expedição – e
como tal processo de reestruturação produtiva se manifesta em cada uma dessas etapas
27
1.5.1. Modelagem: concepção do calçado
A etapa de concepção do calçado é a que precede todas as outras executadas no
chão de fábrica. Os profissionais desta área definem o estilo, o modelo a ser produzido,
assim como os materiais que irão compor o calçado. De acordo com Navarro (2006),
devido à intensificação da competitividade após a década de 1980, a modelagem do
calçado ganhou posição estratégica na linha de produção.
Geralmente, as empresas possuem uma equipe de profissionais especializados
em modelagem, bem como uma série de equipamentos e ferramentas necessárias para a
elaboração, no entanto, principalmente as micro e pequenas empresas, muitas vezes não
desenvolvem seus próprio modelos: ou copiam de outras marcas mais conhecidas
realizando algumas adaptações; ou simplesmente executam o modelo requerido pelo
comprador, o que ocorre principalmente quando se trata de calçados para exportação ou
para atender pedidos específicos de redes de lojas; ou contratam o serviço de modelistas
autônomos. Os modelos de calçados recebem muita influência dos grandes centros que
“ditam a moda” internacionalmente, principalmente na Europa e nos Estados Unidos.
Como relatado por Rizzo (2004, p.23) em entrevista com os proprietários da Bical, os
profissionais da modelagem viajam para estes países, trazem as principais tendências e
adaptam ao padrão brasileiro. Além disso, existe um site pago mensalmente, com
centenas de fotos de vitrines de toda Europa.
Conforme informações que obtivemos na Bical, é na etapa de concepção que se
define as facas necessárias para a confecção de cada modelo, as matrizes para injeção
do solado, os enfeites e os materiais necessários à fabricação.
Nos últimos a modelagem do calçado incorporou novas tecnologias como o
sistema CAD/CAM. Cabe ressaltar, que o uso deste recurso não é generalizado nas
empresas, já que é encontrado com maior freqüência nas empresas maiores; as empresas
menores, na maioria dos casos, ainda operam com os recursos tradicionais. Pelo sistema
CAD/CAM, o desenho do calçado é desenvolvido no computador por meio de um
software e em seguida, os dados são transmitidos para o sistema CAM que possibilita o
corte dos moldes em papelão nas diferentes numerações (conferir fotos 1 e 2). Com
esses moldes são confeccionados os primeiros pares para apresentação nas feiras
(Francal, CouroModa, etc). Caso o modelo seja aprovado nas feiras, ou seja, caso a
empresa receba pedidos para o modelo desenvolvido, aí então são encomendadas as
facas e matrizes em empresas especializadas, para a confecção do calçado na linha de
28
produção. A partir daí, a empresa estabelece por meio de um software chamado PCP
(Programação e Controle da Produção) a quantidade de matéria-prima necessária para a
produção de cada modelo, estabelecida por sua vez, com base nos pedidos recebidos dos
compradores, e repassada para o setor de compras da empresa19
.
Foto 1: Sistema CAD/CAM na Bical Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
Foto 2: Trabalhadores no almoxarifado Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
1.5.2. Almoxarifado
Trata-se da sessão onde as matérias-primas são recebidas, conferidas
(quantidade, cor, tipo e qualidade) e encaminhadas pelos trabalhadores responsáveis
para o beneficiamento (dublagem, estamparia, etc) ou, quando se trata de materiais que
não carecem de beneficiamento, seguem diretamente para a sessão do corte. Cabe
destacar que o beneficiamento dos materiais é praticamente todo terceirizado, sendo
realizado por empresas prestadoras de serviço localizadas na cidade. Entende-se por
beneficiamento de materiais alguns processos como: dublagem (aplicação de um forro
de reforço no avesso de materiais que compõem o cabedal do calçado, como couro,
sintético e tecidos); estamparia (ou serigrafia, que consiste em estampar imagens ou o
nome da empresa em peças que compõem o calçado); o polytron20
, que consiste em
imprimir relevo ao material, geralmente de uma ou duas peças que compõem o calçado,
como demonstram as fotos 3, 4, 5.
A partir dos pedidos recebidos pela empresa, são geradas fichas onde estão
especificados o modelo, as cores e a quantidade de pares a ser produzida em cada
19 A descrição aqui contida está baseada em dados que coletamos na empresa Bical.
20 A máquina recebe este nome porque a empresa (de capital nacional) fabricante da máquina de alta
freqüência utilizada no processo tem o nome de Polytron, atualmente existem outras marcas no
mercado, mas esta é a mais antiga e a mais utilizada.
29
numeração. Todo o material necessário para a confecção do calçado se encontra
armazenado no almoxarifado e de lá é encaminhado para a sessão do corte dos
materiais. Estas fichas são geradas a partir de pedidos dos compradores, ou seja, as
empresas operam no sistema just in time, produzindo o que já está vendido, sem ter
grandes estoques de calçados prontos.
Foto 3: Peças nos moldes para
receber relevo. Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
Foto 4: Máquina de alta-
frequência operando. Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
Foto 5: Peça do calçado com
relevo. Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
No que se refere ao estoque de matéria-prima nota-se uma diferença
significativa quando é considerado o porte da empresa: 78% das microempresas e 62%
das empresas de pequeno porte não fazem estoque de matéria-prima, compram apenas o
material necessário para atender aos pedidos; entre as empresas de porte médio e grande
a situação se inverte, já que 83% das empresas de porte médio e 100% das empresas de
grande porte estocam o mínimo de matéria-prima necessária. Neste caso, a presença
intensiva de fornecedores de matéria-prima na cidade favorece especialmente as
empresas pequenas, que possuem menor capacidade de compra e de prover um estoque
mínimo de materiais, recorrendo sempre que necessário aos fornecedores mais
próximos.
Foto 6: Estoque de materiais na Marc‟Elsse Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
Foto 7: Método de controle de estoque
computadorizado na Bical Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
30
A constatação durante nossa pesquisa, de que a proximidade de fornecedores é
mais importante para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, corrobora
nossa argumentação – a presença de fornecedores foi apontada como vantagem para a
localização em Birigui por 47% das empresas de pequeno porte e por 50% das
microempresas, já entre as empresas maiores, apenas 17% das empresas de médio porte
e nenhuma empresa de grande porte citaram este fator como vantagem. Podemos
afirmar que a presença de fornecedores em Birigui representa uma economia de
aglomeração, visto que, caso os fornecedores estivessem localizados em pontos mais
distantes, a empresas seriam obrigadas a prover um estoque mínimo de materiais para
que não haja comprometimento de seu funcionamento por falta de matéria-prima.
Nota-se que a organização e o controle da compra de materiais e da geração das
fichas citadas acima, não ocorrem da mesma forma em todas as empresas, havendo uma
variação no método e na tecnologia aplicada para tanto. A variação ocorre
principalmente em função do porte das empresas, porém, isso não quer dizer que uma
empresa de pequeno porte não incorpore tecnologia ou novos métodos de organização
da produção.
1.5.3. Sessão do Corte
A sessão do corte, como o próprio nome diz, é onde os materiais são cortados
para compor as partes do calçado. Essa etapa do processo produtivo pode ser realizada
manualmente, com o corte do material por meio de um bisturi e um molde da peça a ser
cortada, ou, utilizando-se uma faca no formato do molde e o balancim (máquina de
cortar) como mostram as fotos 8 e 9 abaixo, este último método é o mais usado
atualmente. O trabalhador responsável pelo corte é o cortador e sua função consiste em
cortar as partes que compõem o calçado, desde o forro, espumas, couro, materiais
sintéticos, etc. Na pesquisa de Zampieri (1976) realizada no início da década de 1970,
há somente o registro do corte manual do material, visto que essa era a forma
predominante utilizada na época.
De acordo com os pedidos registrados nas fichas, o cortador seleciona no quadro
de facas as que correspondem ao modelo requerido, em seguida posiciona o material
sobre o banco do balancim e dispõe a faca sobre o material. A divisão do trabalho
interna à sessão do corte pode seguir outros parâmetros, como na empresa Marc‟Elsse
onde a divisão é estabelecida de acordo com o tipo de material e faca utilizada.
31
A disposição das facas deve atentar para o máximo proveito do material e evitar
as partes deterioradas, comuns principalmente no couro. Posteriormente, para que o
material seja cortado, a parte móvel da prensa do balancim desce sobre as facas,
ocorrendo o assim o corte das peças. Depois de cortadas as peças são separadas e
encaminhadas em caixas com suas respectivas fichas para a sessão do pesponto para a
confecção do cabedal.
Foto 8: Faca para o corte das peças do calçado Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
Foto 9: Trabalhador operando balancim Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
As fotos 10 e 11 apresentam os dois modelos de balancim utilizados, o primeiro
é o modelo maior, com capacidade para cortar grandes quantidades de material de uma
só vez e, devido ao seu custo elevado, é encontrado geralmente nas empresas maiores.
O balancim ponte adentrou as fábricas de calçados de Birigui de forma mais intensa, a
partir da década de 1990, no contexto de reestruturação produtiva. Por sua prensa ter
maior capacidade de pressão e se elevar a uma altura maior que o balancim
convencional, (por isso é mais utilizado para cortar materiais mais espessos como as
espumas) possibilita o corte de uma quantidade maior de material, sem o aumento do
número de trabalhadores, representando, portanto, para a empresa, economia de tempo e
de mão-de-obra. O segundo modelo apresentado é o mais comum e por apresentar um
preço inferior ao primeiro é encontrado em praticamente todas as empresas que abrigam
esta etapa do processo produtivo.
32
Foto 10: Trabalhador operando o balancim
ponte Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
Foto 11: Mulheres operando o balancim Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
Em nível tecnológico mais avançado, Navarro (2006) destaca o uso de
computadores para a programação (no sistema CAD) do corte a laser ou a jato d‟água,
usados principalmente para os materiais que apresentam maior uniformidade que o
couro. Essa tecnologia, segundo a autora, está presente na produção de calçados no
exterior desde a década de 1980, mas no Brasil, seu uso é mais recente. Em nossa
pesquisa, não encontramos em Birigui nenhuma empresa que disponha desta tecnologia
na sessão do corte.
Cabe ressaltar, ainda, que a função de cortador é a mais bem remunerada no
chão de fábrica, já que exige muita habilidade e qualificação, principalmente quando se
trata do corte do couro que ainda mantém um caráter mais artesanal (Garcia, 2001,
p.25). Isso se explica como ressalta Navarro (2006, p.236), pelo fato de que o couro não
apresenta uniformidade, podendo haver variação da coloração, da textura ou da
espessura, além de alguns defeitos provenientes da criação e abate do gado, por esses
motivos, exige maior atenção na hora do posicionamento das facas. Além disso, deve-se
atentar para a direção das fibras para que o couro não se rompa durante a montagem do
calçado.
A função de cortador é ocupada tradicionalmente por homens, porém, nos
últimos anos o número de mulheres na sessão do corte tem aumentado. Os primeiros
balancins utilizados nas fábricas eram de acionamento mecânico, cuja operação exigia
muita força física, e por isso, eram operados majoritariamente por homens. Atualmente,
os balancins são de acionamento hidráulico e, portanto, não exigem tanta força em seus
manuseios.
33
1.5.3. Couro ou sintético?
Diferentemente da indústria calçadista de Franca, em Birigui há o predomínio de
calçados de materiais sintéticos. Evidentemente, este dado não é aleatório, já que o
material sintético oferece inúmeras vantagens ao fabricante, quando comparado ao
couro.
Primeiramente, é preciso saber o que é calçado produzido com material
sintético. Conforme Reis (1994, p.90) na prática a definição de material sintético não é
muito precisa na indústria calçadista, o autor adverte que
(...) a palavra sintético foi usada para descrever praticamente qualquer
material – com exceção do couro – utilizado na confecção de
cabedais. Na ausência de uma definição exclusiva para o setor calçadista, os diferentes estudos, e até mesmo seus técnicos limitam-
se a uma lista de materiais assim denominados e utilizados na
composição do sapato, em partes como cabedal, forro e solado.
Geralmente os chamados sintéticos são materiais compostos por poliuretano
(PVC) que além de apresentar atualmente uma aparência muito parecida a do couro são
muito mais baratos. Em nossa pesquisa tentamos especificar com um pouco mais de
precisão os materiais utilizados na fabricação do calçado, e excluímos o tecido da
definição de “material sintético”. Houve dificuldade por parte dos entrevistados em
diferenciar os tipos de materiais sintéticos, ou até mesmo em considerar a quantidade de
calçados produzida somente com tecido, visto que, como afirmou Reis, a palavra
“sintético” dá nome a todos os outros materiais excluindo o couro. Como é possível
perceber pelo gráfico abaixo, apenas 3% das empresas produzem calçados em couro,
11,5% utilizam materiais mistos (num mesmo calçado pode haver peças em couro e
sintético) e 12,5% utilizam tecido na composição do calçado. Já a produção de calçados
sintéticos é bem superior, englobando 73% das empresas. Rizzo (2004) com base em
dados da RAIS, afirma que em Birigui o número de trabalhadores na produção de
calçados em couro entre os anos de 1994 e 2000 não superou 9% do total. Dessa forma,
apesar da pequena diferença entre estes dados e os que coletamos em campo (se
considerarmos a produção de calçados em sintético e em tecido), podemos afirmar que a
produção de calçados em Birigui utiliza majoritariamente materiais sintéticos.
No que diz respeito à produção de calçados no Brasil, segundo Reis (1994) a
partir da década de 1970 é possível perceber duas tendências: uma delas é a produção de
calçados em couro para exportação e a outra, á a produção de calçados em material
34
sintético (borracha, tecido e plástico) para atender ao mercado interno. Vedovotto
corrobora com esta afirmação ao explicar, em entrevista realizada por Rizzo (2004,
p.40), que a escolha do material sintético pelas indústrias de calçados de Birigui, está
relacionada à necessidade de se produzir um calçado de baixo custo para atender a
demanda do mercado interno, caracterizado pelo baixo poder aquisitivo do consumidor.
No entanto, de acordo com os dados apresentados por Rizzo21
(2004) não foi fácil a
aceitação do material sintético pelas primeiras fábricas de calçados que iniciaram sua
produção com calçados em couro e que já estavam relativamente consolidadas neste
seguimento. A mudança ocorreu de forma gradual: a primeira parte do calçado a mudar
de couro para sintético foi o solado; em seguida o forro; a maior resistência por parte
destes primeiros empresários foi em aceitar a fabricação do cabedal em material
sintético. No entanto, a concorrência com as novas empresas que já iniciaram sua
produção utilizando o material sintético e por isso produziam um calçado com menor
custo, levou estas primeiras empresas a adotarem o sintético de forma mais
generalizada.
Além disso, houve uma mudança no padrão de consumo de calçados no Brasil,
motivada principalmente pela inserção do modelo de tênis chamado “Quichute”,
produzido pela São Paulo Alpargatas, que além de ser resistente tinha um preço inferior
aos calçados de couro produzidos no Brasil.
De qualquer forma, são inúmeras as vantagens do material sintético em relação
ao couro no processo produtivo. Além da exigência de maiores habilidades para o corte
do couro, este não possibilita a sobreposição de várias camadas de materiais para o corte
de várias peças de uma só vez, é necessário que se corte uma a uma, atentando para os
possíveis defeitos que o material pode apresentar. Como explica Garcia (2001) existe
um problema relacionado ao fornecimento do couro no Brasil, já que este:
é um subproduto da produção de gado para corte, realizada de
maneira extensiva, essa prática gera a perda da qualidade do
couro ainda no pasto, em virtude da ação de carrapatos e das
marcas das cercas de arame farpado. Muitas vezes, até a
marcação do gado indicando o proprietário é aplicada em local
inadequado. Além disso, o setor de curtumes, responsável pelo
tratamento do couro, também apresenta problemas de
defasagem tecnológica, o que acaba se refletindo na qualidade
da matéria-prima (p.118).
21 Afirmações baseadas em entrevista realizada com João Fiorotto, um dos primeiros fabricantes de
calçados de Birigui, proprietário da empresa.
35
Por isso, além de ter um custo inferior ao do couro, a uniformidade encontrada
nos materiais sintéticos possibilita maior agilidade no corte do material, já que, como
foi dito anteriormente, possibilita a sobreposição de materiais e, além disso, dispondo de
tecnologias mais avançadas, o corte do sintético pode ser realizado por um sistema
computadorizado (CAD/CAM), representando por isso redução nos custos de produção.
Além dessas vantagens ligadas ao processo produtivo do calçado, cabe ressaltar
que a resistência do couro é muito superior a do material sintético e por isso, a
durabilidade do calçado sintético se torna inferior à do couro, o que implica em aumento
do consumo de calçados.
Gráfico 2 - Tipo de material usado na fabricação do calçado
(%)
Pesquisa de Campo Data: 05/2009
Elaboração: Elaine Cristina Cicero
Por outro lado, algumas empresas fundadas na “era do calçado sintético” voltam
às origens e tornam a produção de calçados infantis em couro um nicho de mercado
explorado, por exemplo, pela empresa TokPé. Não tivemos a possibilidade de visitar a
empresa, mas em visita à loja da fábrica percebemos que os modelos fabricados são
todos em couro e seguem um padrão de modelagem mais clássico22
, diferente do padrão
“modinha”, seguido por grande parte das empresas.
1.5.5- Pesponto
A seção do pesponto é onde as peças que compõem a parte superior do calçado
(cabedal) são coladas e costuradas. Trata-se da seção que emprega o maior número de
22 Modelos de calçados infantis consolidados há muito tempo no mercado, como o modelo de sapato
estilo “boneca”.
3%
73%
12,50%
11,50%
couro
sintético
tecido
misto
36
funcionários composta tradicionalmente por mulheres. Esta etapa do processo produtivo
se refere basicamente à confecção do cabedal do calçado, juntando por meio de colagem
e posterior costura, as peças que foram cortadas. Como demonstram as fotos 12 e 13, as
peças são primeiramente coladas ao cabedal pela auxiliar de pesponto, para que não se
movam durante a costura, e posteriormente, são costuradas pelas pespontadeiras. Trata-
se de uma etapa minuciosa do processo produtivo, em que é exigida muita habilidade e
rapidez de quem a desempenha, podendo levar mais de um ano para que se forme uma
pespontadeira experiente.
Foto 12: Auxiliar de pesponta passando cola
nas peças Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
Foto 13: Costura de uma das peças que
compõem o cabedal Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
Assim como na organização de toda a fábrica, o layout da seção do pesponto é
orientado seguindo o fluxo da produção, ou seja, o posicionamento das máquinas e
mesas de trabalho é estabelecido de forma a tornar o mais próximo possível as
sucessivas etapas do processo produtivo. Em alguns casos, para que não haja
interrupção no trabalho da pespontadeira ou da coladeira de peças e diminuição da sua
produtividade, o transporte do calçado ou de suas partes no interior da empresa é
realizado por funcionários contratados especificamente para esta função, reduzindo
assim, o tempo ocioso de cada trabalhador.
Zampieri (1976) relata que, na década de 1970, as esteiras rolantes percorriam
todas as sessões e seu uso era regra nas grandes unidades fabris de produção em série.
Algumas fábricas utilizaram por um tempo a esteira elétrica nesta seção; no entanto, a
exigência de produtividade imposta pela esteira implicou em perda de qualidade para o
produto e por este motivo, as esteiras elétricas não são comuns nesta etapa produtiva.
Segundo relato do entrevistado na Ypo, a partir da década de 1990 a esteira elétrica foi
37
retirada do pesponto e a empresa passou a organizar a fábrica em sessões. Essa mudança
ocorreu pela necessidade de maior agilidade e adequação da fábrica à diversidade de
modelos que a empresa passou a produzir. De fato, em várias fábricas nos foi relatado
que, devido à produção de diferentes modelos ao longo do ano, – como as botas no
inverno e as sandálias no verão – o layout do pesponto está em constante mudança para
que não se prejudique o fluxo da produção.
A organização da produção na seção do pesponto pode seguir tanto princípios
tayloristas, com as linhas de produção, como princípios da produção flexível, com as
células ou grupos de trabalho.
No primeiro caso, há uma intensa e rígida divisão do trabalho interna à seção,
em que o funcionário se especializa na costura ou colagem de uma única peça que
compõe o calçado. Na linha de produção do pesponto pode haver, por exemplo, um
pespontador especializado somente na costura da taloneira, outro em pregar a língua do
tênis, outro em costurar a biqueira na máquina de duas agulhas, enfim, um funcionário
para cada etapa do pesponto.
Nos moldes da “forma flexível” de organização da produção e do trabalho –
posta em prática nas fábricas de calçado principalmente a partir da década de 1990 no
bojo do processo de reestruturação produtiva – há a composição de células ou grupos de
trabalho em que é exigida do trabalhador a execução de várias tarefas. Em algumas
fábricas, como nas empresas Bical e Marc‟Elsse23
, cada célula de produção é composta
por duas pessoas: uma auxiliar de pesponto, responsável pela colagem das peças, e uma
pespontadeira, responsável pela costura de todas as peças do calçado (conferir foto 14).
Essa forma de organizar a produção, segundo nosso entrevistado na Bical, proporciona
vantagens para a empresa na medida em que facilita o controle da qualidade, já que se
torna fácil identificar o funcionário responsável pela confecção de determinada ficha.
Além disso, a ausência de um ou outro funcionário não compromete tanto o andamento
da produção, como comprometeria numa linha de produção. Há também outros casos
em que os grupos ou células são mais numerosos (conferir foto 15), havendo dessa
forma, maior divisão do trabalho interna ao grupo, como pudemos verificar na empresa
Tip Toe.
23 Nosso entrevistado na Marc‟Elsse chamou de mini-células quando se referiu a organização do pesponto
na empresa, já que cada célula é formada por apenas duas pessoas.
38
Foto 14: Célula do pesponto com duas
trabalhadoras Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
Foto 15: Célula de pesponto mais numerosa Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
No entanto, não constatamos, nas fábricas de calçados de Birigui, a presença
somente de uma ou outra forma de organização, o que percebemos é uma mescla de
formas de organização taylorista e flexível. Mesmo quando a produção é organizada em
células ou grupos de trabalho, não se verifica a presença de trabalhadores
“polivalentes”. Há uma divisão mínima do trabalho em que a funcionária que cola as
peças não poderia, eventualmente, ocupar o posto de pespontadeira.
Na Bical, por exemplo, cada célula é composta por duas pessoas, uma coladeira
de peças e uma pespontadeira. Todo o processo de colagem e costura de cada ficha é
realizado numa única célula, ou seja, a coladeira de peças colará todas as peças do
calçado e pespontadeira costurará todas as peças do calçado. Assim como a Bical, na
empresa Marc‟Elsse cada célula do pesponto é formada por duas pessoas, a
pespontadeira e a coladeira de peças. No entanto, cada célula é responsável por uma
etapa do processo de costura, ou seja, em uma célula será colada e costurada a biqueira,
na outra a taloneira, e assim por diante. Percebemos que nesta última empresa, o layout
do pesponto é organizado em linha de produção composta por células de trabalho.
Para a costura do calçado são utilizadas máquinas “coluna” (como na foto 14),
com uma ou duas agulhas, e a máquinas planas, como para costura em “zigzag” e
“overlock”. Pudemos verificar que houve incorporação de tecnologias mais recentes,
como: máquinas de costura com maior tração; máquinas de costura com comando
numérico, com a possibilidade de programação da quantidade e da largura dos pontos,
assim como, da velocidade em que a máquina deve operar; máquinas com o corte
automático da linha; máquinas para costurar zíper.
39
A cola usada para a colagem das peças era armazenada anteriormente numa
bobina, com capacidade aproximada de 300 mililitros, havendo, portanto, necessidade
de recarregá-la várias vezes ao dia. Pudemos notar que aqui também houve
incorporação tecnológica, neste caso bastante simples e de baixo custo. Tanto as micro-
empresas como as empresas de grande porte, adotaram o uso de um dispositivo em que
não há a necessidade de reabastecimento. Como nota-se pelas fotos 14 e 15, coloca-se
um suporte para a lata de cola com capacidade para 10 litros, junto à mesa de trabalho e
conecta-se a ela uma mangueira com um dispositivo que libera a cola conforme o
comando da pessoa que a opera. Conforme o relato dos entrevistados, a nova técnica
permitiu ganho de produtividade através da diminuição da porosidade do processo
produtivo, já que agora, não é necessário que o trabalhador saia de seu posto várias
vezes ao dia para reabastecer a bobina de cola.
Em nível técnico mais avançado, encontramos a máquina de costura
computadorizada, introduzida pela primeira vez em Birigui na década de 1990 pela
empresa Bical. Como se pode notar pela foto 16, a máquina costura é conectada a um
computador onde se programa a operação que deverá ser realizada pela máquina.
Segundo relato do nosso entrevistado na Bical, esta máquina24
de tecnologia israelense,
foi introduzida pela empresa num contexto de mudanças estruturais pelas quais a
empresa estava passando. Vale ressaltar que o uso desta máquina não é difundido entre
as empresas de Birigui, a maior parte do pesponto continua sendo realizado pelas
máquinas tradicionais.
Foto 16: Máquina de costura computadorizada Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
Foto 17: Máquina de bordar computadorizada Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
24 Máquina da marca Orissol.
40
Na categoria dos enfeites para calçados, a utilização de bordados nos modelos
tem levado muitas empresas a adquirirem máquinas de bordar computadorizadas (como
na foto 17), que apesar de não estar especificamente relacionada à parte de costura do
calçado, estão geralmente próximas ou ligadas à seção do pesponto. Apesar de não ter
um preço muito acessível, estão presentes em diversas empresas, independentemente do
porte – encontramos exemplares destas máquinas, tanto na Tip Toe e Bical, empresas de
grande porte, como na Calçados Gracinha, uma empresa de pequeno porte. Já que estas
máquinas permitem a programação para o bordado de diferentes figuras, a empresa
pode prestar serviços às outras empresas que não a possuem, garantindo assim um
maior retorno do investimento.
A demora no processo de aprendizagem e a baixa remuneração da pespontadeira
em comparação com a função de auxiliar do pesponto (coladeira de peças) tornam
escasso o número de profissionais especializados. Presenciamos durante nossas visitas à
cidade veículos circulando nos bairros anunciando as ofertas de empregos das fábricas
de calçados. De fato, para 63% das empresas há falta de mão-de-obra em Birigui sendo
que a maior dificuldade está em encontrar profissionais do pesponto. O principal motivo
apontado pelos entrevistados é a falta de interesse do trabalhador em aprender a função,
no entanto, ao indagarmos alguns trabalhadores e a presidente do sindicato, obtivemos a
informação de que a diferença de salário entre a pespontadeira e a auxiliar não torna
vantajoso o primeiro posto, que além de exigir mais habilidade causa maior desgaste
físico. Segundo informações do Sindicato dos Sapateiros de Birigui, no ano de 2009, o
salário de uma pespontadeira variava de R$ 700,00 a R$ 830,00, enquanto que o salário
de um auxiliar variava de R$ 540,00 (o piso salarial da categoria) a R$ 625,00.
Além disso, algumas empresas praticam diferentes salários entre as
pespontaderias. A diferença salarial pode estar relacionada com o tempo de serviço,
experiência ou, se o trabalhador aprendeu a função dentro da própria empresa, levará
um tempo até atingir o salário máximo pago àquela função. Por exemplo, na Bical a
classificação é de pespontadeira A, B e C. O fato é que muitas vezes o trabalhador pode
passar um longo período ganhando como pespontadeira C e atingir as mesmas metas
que uma pespontadeira A.
O desgaste físico do trabalhador foi em parte minimizado com a intervenção do
Sindicato dos Trabalhadores para que as empresas adotassem cadeiras ergonômicas no
chão de fábrica. Anteriormente, principalmente as pespontadeiras, tinham que utilizar
almofadas improvisadas para melhorar o conforto do assento e se posicionar numa
41
altura mais confortável, se adaptando a altura da mesa e da máquina. Há casos em que o
desgaste físico é maior, como nos relatou a presidente do Sindicato, em que os
trabalhadores operam as máquinas de costura em pé, ou seja, durante toda a jornada de
trabalho, o trabalhador apóia o peso do corpo em uma perna e com a outra controla o
pedal da máquina. Este modelo de máquina não foi encontrado nas fábricas de Birigui,
os exemplos citados pela nossa entrevistada são de empresas do Rio Grande do Sul.
1.5.6. Etapas finais: montagem, acabamento e expedição
Depois de costuradas todas as peças que compõem o cabedal, a próxima etapa
do processo produtivo é a montagem. É nesta etapa que o calçado ganha forma,
inicialmente com a união do cabedal a uma palmilha montados em uma fôrma similar
ao formato do pé (como mostram as fotos 18 e 19), e posteriormente, é passada uma
cola da área que receberá o solado. Em algumas empresas o solado é produzido
internamente, como na Bical, na Sonho de Criança, na Tip Toe, entre outras. Na maioria
dos casos o solado é comprado de outras empresas (fornecedoras na cidade), visto que o
alto custo da aquisição e manutenção das injetoras não permite que empresas de
pequeno porte a adquiram.
A montagem é uma das sessões que concentra um maior número de máquinas, a
principal delas é a esteira elétrica, difundida em praticamente todas as empresas. Como
pudemos perceber, o layout da produção é organizado basicamente em formato de linha,
com as máquinas e os funcionários posicionados em volta da esteira, de acordo com as
etapas do processo de montagem do calçado.
42
Foto 18: Esteira elétrica em funcionamento Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
Foto 19: Esteira elétrica em funcionamento Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
Como dito anteriormente, a organização em forma de mini-fábricas passou a ser
adotada a partir da década de 1990 e com isso, essa nova forma de organização da
produção pode incluir também a seção de montagem como é o caso da empresa Sonho
de Criança. Nesta empresa, a produção é organizada em mini-fábricas, sendo que em
três delas contém as sessões de pesponto montagem e expedição. Cada uma destas mini-
fábricas é responsável pela produção de uma linha (como por exemplo, sandálias
infantis, tênis para bebês etc) de calçado produzido pela empresa. Neste tipo de
organização, há maior possibilidade de controle da qualidade, já que se trata de
unidades fabris menores no interior da fábrica com exclusividade na produção de
determinados modelos (Sposito e Cicero, 2009, p.264).
43
Figura 1- Sequência da produção na organização por mini-fábricas25
Organização: Elaine Cristina Cicero
As incorporações de tecnologia para montagem do calçado mais recente são:
“forno” e “geladeira” para ativação da cola, segundo relato do nosso entrevistado na R.
Sartori, anteriormente era preciso que o calçado ficasse secando vinte e quatro horas
após a colagem, no entanto agora, com a utilização do forno para acelerar o processo de
secagem da cola e da prensa “sorveteira” que realiza a fixação da sola do calçado
através de prensagem envolvente, não é mais necessário que se aguarde o tempo de
secagem normal. Além de aumentar a agilidade no processo produtivo, a reação
desencadeada pela exposição a diferentes temperaturas (quente e frio) aumenta a
resistência da colagem do solado.
25 Figura já publicado em: SPOSITO, E. S. & CICERO, E. C., Arranjo Produtivo local e eixo de
desenvolvimento: o caso de Birigui-SP. In: SILVEIRA, M. R.; LAMOSO, L. P.; MOURÃO, P. F. C.
(Org.) Questões nacionais e regionais do território brasileiro. São Paulo: Expressão Popular, 2009, [p.
245-275].
44
Foto 20: Forno para ativação da cola Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
Foto 21: Máquina para moldar o bico do
calçado Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
É importante lembrar que muitas vezes as novas tecnologias não chegam ao
chão de fábrica contemplando todos os requisitos de segurança para o trabalhador.
Segundo o relato da presidente do sindicato dos trabalhadores, Milene Rodrigues, no
início de sua utilização, a prensa “sorveteira”, que prensa e resfria o calçado depois da
colagem da sola, apresentava um sério risco ao trabalhador. Segundo nossa entrevistada,
nos primeiros modelos dessa máquina não havia fechamento do compartimento onde o
calçado é prensado e por isso, ao aproximar a face do local de abertura um trabalhador
teve seus dentes arrancados pela forte sucção exercida pela máquina. Atualmente, como
podemos perceber pela foto 22, o compartimento onde o calçado é prensado recebeu
uma tampa móvel, para que a máquina seja acionada somente após o fechamento do
compartimento. O problema residia na falta de segurança dessas máquinas, algo que foi
identificado e solucionado somente depois que ocorrem alguns acidentes, enquanto que
o quesito segurança deveria estar presente já nos seus projetos haja vista que serão
operadas por pessoas.
45
Foto 22: Prensa “sorveteira” Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
Depois de montado o calçado segue para a etapa de acabamento, onde será
realizado: o encosto da sola, a extração da forma, a limpeza, os retoques e as revisões.
Dependendo do modelo do calçado e do tipo de material utilizado no cabedal e no
solado do calçado, o acabamento pode incluir outras etapas. Em calçados fabricados em
couro, por exemplo, pode haver a necessidade de lichamento da sola, pintura do couro,
envernizamento etc. Quando o calçado tem um solado sintético – o que corresponde à
grande maioria dos calçados produzidos em Birigui – depois de prensado segue
diretamente para o plancheamento, onde será limpo e encaixotado.
Foto 23: Expedição do calçado Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
Foto 24: Calçado embalado para expedição Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
46
Como podemos observar pelas fotos 23 e 24, depois de receber o acabamento o
calçado é encaixotado, primeiramente em caixas individuais e posteriormente em caixas
de papelão coletivas, e separados em lotes de acordo com os pedidos registrados nas
fichas. Estas caixas coletivas são retiradas na seção da expedição, pelas transportadoras
que encaminharão os calçados ao mercado consumidor.
1.5.7. Controle da produção e da qualidade
Todas as empresas têm um modo de realizar o controle da produção, desde a
simples conferência pelo encarregado até o uso de softwares que possibilitam a
programação e o controle do que é produzido. Como foi relatado, durante as visitas nas
fábricas, a maioria das empresas só produzem calçados para estocar em períodos de
capacidade ociosa. Com a diminuição de pedidos que ocorre sazonalmente, nos
períodos de mudança de estação climática – geralmente entre os meses de janeiro e
fevereiro e junho e julho – as empresas aumentam seu estoque para não parar de
produzir. No entanto, os modelos de calçados produzidos nestes períodos não são
escolhidos aleatoriamente e sim tendo em vista uma previsão de venda de determinado
modelo, baseada nas vendas realizadas no ano anterior.
A quantidade da produção diária é estabelecida por meio de metas a serem
atingidas, o que pode variar de acordo com o tamanho das empresas. Cada seção possui
um mural onde serão anotadas basicamente, a quantidade de pares que deve ser
produzida diariamente e a quantidade produzida. Nota-se que o detalhamento do
controle por meio do mural pode variar de empresa para empresa, dependendo do modo
de organização interna. A produção pode ser anotada no final do dia, no final de cada
turno (manhã e tarde), a cada duas horas ou até de hora em hora. É comum o uso da
cronometragem na definição das metas diárias de produção. Algumas empresas como a
Ortopasso, a Biri e a Thiox, afirmaram realizar a cronometragem, ou seja, as medições
do tempo de cada operação do processo produtivo, e com base nestes dados estabelecem
uma estatística da capacidade produtiva da empresa e as metas a serem atingidas. A
rotina de coleta dos dados da produção é realizada conforme o tempo e a quantidade de
produção estabelecida pelas empresas. Verifica-se que há desde empresas que
estabelecem metas a serem alcançadas diariamente até empresas que estabelecem metas
a serem alcançadas de hora em hora. Na empresa Pinókio, por exemplo, a coleta dos
47
dados de produção é feita de formas diferentes para cada seção: na seção de corte é
realizada diariamente e no pesponto e montagem de hora em hora.
Como podemos notar, trata-se de uma técnica tipicamente fordista-taylorista de
racionalização da produção por meio da cronometragem das operações.
O detalhamento das informações presentes nestes murais pode apresentar desde
a produção da seção (corte, pesponto, montagem), de uma célula do pesponto ou de uma
das esteiras da montagem – como mostra a foto 26 –, até a produção individual de cada
trabalhador – como mostra a foto 25.
Foto 25: Exposição no mural das metas e do
desempenho da produção de cada trabalhador
Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
Foto 26: Exposição no mural das metas e do
desempenho da produção na montagem Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009
Percebemos que estes quadros funcionam também como uma forma de coação
aos trabalhadores. Na foto 25, podemos perceber que no topo das colunas onde estão
anotados os nomes de cada um dos trabalhadores, sua a produção, suas faltas e seus
índices de retrabalho, tem uma frase que diz: “Assim sou eu”. Pelas informações que
obtivemos, além da exposição num mural para que todos possam ver o desempenho de
cada operário, assim como suas ausências, a empresa emitia uma avaliação sobre tal
desempenho atribuindo uma “carinha” com expressão alegre para os trabalhadores bem
avalizados, uma “carinha” sem expressão de alegria ou tristeza para os desempenhos
considerados medianos e uma “carinha” com expressão de tristeza para os trabalhadores
que não atingiram as metas estabelecidas. Este procedimento não durou muito tempo,
visto que os trabalhadores logo manifestaram sua insatisfação diante deste grau de
exposição, o que levou os dirigentes a não mais relacionar o desempenho dos
trabalhadores com possíveis estados emocionais.
48
Apenas cinco empresas informaram utilizar softwares para realização do
planejamento e controle da produção. Na empresa Sonho de Criança é utilizado o
SysCall, um software que alimentado com a quantidade de pedidos da empresa, gera
relatórios com fichas com quantidades, numeração e modelos que deverão ser
produzidos.
O controle da qualidade, na maioria das fábricas é realizado pelas revisoras (ou
revisores), responsáveis por conferir a quantidade de pares das fichas e a identificar
possíveis defeitos no processo de produção e nos materiais utilizados. Em algumas
empresas esta tarefa é realizada tanto no final da etapa de costura do calçado, quanto ao
final do processo de montagem, no entanto algumas mantêm a revisão apenas após a
montagem. A tendência é que a qualidade seja assegurada por todos os trabalhadores
durantes o processo produtivo, visto que não se verifica mais em algumas empresas a
função de revisora.
1.6. O setor calçadista no Brasil e as estratégias espaciais da indústria calçadista
de Birigui
Guardadas as especificidades de cada período, a diferenciação espacial e o
deslocamento de empresas não é uma característica intrínseca ao atual estágio do
capitalismo. Esta foi uma estratégia muito usada pelas empresas no período fordista,
porém, com as mudanças verificadas no papel dos Estados, este tipo de estratégia ganha
feições novas. Em razão das novas tecnologias e das necessidades de ajustamento das
empresas, tornou-se viável a fragmentação do processo produtivo em pontos distantes
do globo, permitindo às grandes corporações escolherem a parcela dos territórios que
oferecem um maior número de vantagens.
O surgimento de uma nova divisão internacional do trabalho teve rebatimentos
no território brasileiro, tanto na sua estrutura produtiva como na distribuição das
atividades industriais. Frente à abertura comercial e desregulamentação financeira
ocorrida no país na década de 1990, com o aprofundamento de sua inserção global, as
empresas criaram estratégias para se manterem competitivas. A deslocalização
industrial foi verificada em diversos setores da indústria, como uma forma de aumentar
ou manter sua taxa de lucro frente ao aumento da competitividade.
Desde a década de 1980, a descentralização política e o aumento do
protagonismo dos governos locais estiveram na agenda das reformas neoliberais do
49
setor público em diversos países; para a América Latina este processo representou
também, a superação dos governos autoritários precedentes. No que se refere ao
processo de redemocratização no Brasil, a Constituição de 1988 representou um
aumento significativo da participação dos estados e municípios na receita total
disponível: a parcela dos municípios aumentou de 9,5%, em 1980, para 16,9%, em
1992, enquanto para os estados passou de 24,3% para 31,0%, no mesmo período. A
receita tributária disponível (já contabilizando as transferências) dos municípios elevou-
se de 2,5%, em 1980, para 4,1% do PIB, em 1990 (Rolnik e Somekh, 2000, p.83-84). A
descentralização política no Brasil apresentou dois movimentos concomitantes: o
processo de redemocratização do país, em que a descentralização foi entendida como
uma forma de tornar o governo mais acessível ao cidadão; e a reforma apenas do ponto
de vista gerencial da gestão pública, em que a descentralização representaria maior
eficiência dos governos locais.
De acordo com Bacelar (2000, p.76), diferentemente do padrão dominante no
Brasil nas décadas anteriores, em que se buscava a montagem de uma base econômica
que operasse essencialmente no território nacional e quando a desconcentração das
atividades esteve na pauta de políticas públicas implementadas pelo Estado, a partir da
década de 1990 o foco passa a ser a inserção do país na economia mundial marcada pela
retração do papel do Estado, tanto na atividade de suas estatais como na de políticas
regionais para diminuição das desigualdades inter-regionais.
Diante do vácuo político deixado pelo Estado no que diz respeito a políticas
nacionais de desenvolvimento regional verifica-se que, nos últimos anos, os Estados
passaram a praticar a renúncia fiscal em grande escala, numa tentativa de atrair novos
investimentos. Para Melo (1996):
A magnitude dessa “renúncia fiscal” e o que ela representa
como mecanismo diminuidor da carga tributária agregada, a importância do ICMS (que representa quase um terço da receita
tributária do país), além da impossibilidade de formulação de
uma política de desenvolvimento regional por parte do Governo
federal, apontam para a irracionalidade coletiva desse tipo de situação (p.17).
Parte relevante da guerra fiscal no Brasil tem a ver com a disputa por projetos
industriais de origem externa, sendo os mais conhecidos aqueles da indústria
automobilística. A abertura ensejou a condição econômica para a escalada da guerra
fiscal, na medida em que atraiu um fluxo crescente de capitais internacionais em busca
de oportunidades de investimento no país.
50
Tendo em vista esse dado, cumpre analisar alguns aspectos relacionados à
reestruturação produtiva, privilegiando as estratégias de deslocalização das empresas
industriais, particularmente do setor calçadista.
O aumento da competição de outros países, principalmente dos asiáticos, com o
calçado brasileiro é visível desde os anos de 1980. No entanto, tal processo foi agravado
desde o Plano Real (1994), devido principalmente, às políticas de câmbio e de juros.
Junte-se a isso o aumento da oferta internacional de calçados, com a entrada de novos
países produtores, como China, Indonésia e Tailândia e com a criação do Nafta,
aumentando a exportação de calçados do México para os Estados Unidos, até então,
principal país importador dos calçados brasileiros e teremos um quadro totalmente novo
no comércio internacional do calçado.
Por isso, a busca por redução de custos de produção foi o principal motivo que
levou ao deslocamento de fábricas – em particular das que tinham boa parte de sua
produção voltada para o mercado externo –, principalmente das regiões Sul e Sudeste,
para o Nordeste, com destaque para os Estados do Ceará e da Bahia. Para compreender
essa tendência de transferência de plantas produtivas para o Nordeste, cumpre entender
como se distribui a produção de calçados no Brasil.
A distribuição da atividade calçadista no território brasileiro seguiu o padrão
concentrado de distribuição da indústria verificado no país, principalmente durante as
décadas de 1960 e 1970. Período em que as regiões produtoras do Vale dos Sinos no
Rio Grande do Sul e de Franca no Estado de São Paulo já haviam se consolidado como
as mais importantes do país.
Pelos mapas 1 ao 6, que ilustram a distribuição do emprego no Brasil, de acordo
com o tipo de material utilizado na fabricação do calçado em 2009, percebemos que: o
principal Estado produtor de calçados sintéticos é o Ceará, que emprega mais de 30 mil
trabalhadores, seguido pelos Estados de São Paulo (com 6.550 empregos) e pelo Rio
Grande do Sul (com 5380 empregos); o principal estado produtor de calçados em couro
é o Rio Grande do Sul, que emprega quase 82 mil trabalhadores, seguido pelos Estados
da Bahia, São Paulo e Ceará com aproximadamente 30 mil empregados cada um; na
produção de tênis de qualquer material, o principal estado produtor é também o Rio
grande do Sul com 5.632 empregados, seguido pelos Estados de Minas Gerias (com
quase 3.500 empregados) e São Paulo (com 2666 empregados); na produção de
calçados de materiais não especificados anteriormente, o principal estado produtor é
Minas Gerias, com mais de 10 mil empregados, seguido pelos Estados do Rio Grande
51
do Sul (com quase 9.000 empregados), de São Paulo (com quase 7.500 empregados) e
da Paraíba (com quase 6.500 empregados); na produção de partes para calçados o estado
que mais emprega é o Rio Grande do Sul, com quase 10 mil trabalhadores, seguido
pelos Estados de São Paulo (com pouco mais de 3.500 empregos), Bahia e Minas Gerais
(com aproximadamente 2.000 empregos cada um). O mapa 6 mostra que o maior
número de empregos no setor calçadista brasileiro é oferecido pelo Estado do Rio
Grande do Sul, também maior produtor de calçados em couro, que pelas
particularidades deste tipo de material (com etapas da produção realizadas quase que
artesanalmente), exige maior emprego de mão-de-obra para fabricação. Este estado
também se destaca no número de estabelecimentos industriais26
, visto que possui 3.702
empresas e corresponde a 34,9% do setor no Brasil, e é responsável por 56,3% das
exportações do setor, US$ 765,8 milhões de dólares em 2009. Apesar da distribuição de
unidades produtivas em vários municípios, o Rio Grande do Sul concentra seus
principais pólos calçadistas em cidades localizadas no Vale do Rio dos Sinos; Vale do
Paranhana, Vale do Taquari e Serra Gaúcha.
26 A fonte dos dados referentes ao número de estabelecimentos e ao número de empregados foram
consultados em: MTE/ RAIS:EST; MTE/RAIS – 2008. Os dados sobre o valor das exportações são da
SECEX/MDIC – 2009. Quanto ao tipo de calçado produzido, as informações são da Abicalçados.
52
53
Tabela 1 – Participação dos principais estados produtores de calçados, em percentual,
no valor da transformação industrial
UF 1996 2000 2004 2007
Rio Grande do Sul 57,72 54,51 39,24 34,55
São Paulo 20,53 13,34 21,34 13,31
Ceará 6,85 12,30 17,59 19,41
Minas Gerais 4,89 3,04 4,01 4,53
Paraíba 3,59 4,67 4,30 6,24
Santa Catarina 0,81 0,99 1,28 1,89
Bahia 0,53 3,83 5,35 10,38
Mato Grosso do Sul 0,18 0,53 0,87 1,09 Fonte: IBGE, Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) = 19 Preparação de
couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados
Apesar da perda de participação no VTI do setor de calçados entre os anos de
1996 a 2007 – como podemos notar pelos dados da tabela 1 –, da perda de número de
empregos e de estabelecimentos industriais entre os anos de 1985 e 2008 – como
podemos notar pelo mapa 6 – o Rio Grande do Sul ainda é o principal estado produtor
de calçados do país.
O Estado de São Paulo concentra três importantes aglomerações de indústrias
calçadistas: Franca que abriga o maior número de fabricantes de calçados masculinos do
país; Birigui, como a principal produtora de calçados infantis; e a cidade de Jaú que vem
se destacando pela fabricação de calçados femininos. O estado é o segundo em número
de estabelecimentos, possui 3.083 empresas, no entanto, conforme os dados
apresentados na tabela 1 e no mapa 7, houve uma queda na participação do estado tanto
no que se refere à quantidade de empregos, quanto ao valor da transformação industrial.
Em 1996 o estado era responsável por 20,56% do VTI no setor calçadista brasileiro e
em 2007 reduz sua participação para 13,31%; no que se refere à quantidade de
empregos, entre os anos de 1985 e 2008, houve uma redução de quase 20 mil postos de
trabalho.
Em contrapartida, os dados sobre emprego apresentados nos mapas 1 ao 6 e na
tabela 1, mostram que o Ceará foi o estado que apresentou maior crescimento, tanto do
número de empregados quanto da participação no VTI do setor no Brasil. Em 1985 o
número de empregados no setor calçadista no Ceará não chagava a 1.500, já em 2008
este número salta 49.832, ou seja, houve um aumento de mais 97% do número de
empregados. O mapa 7 mostra que o Ceará é o estado que tem o maior número de
empregados na produção de calçados sintéticos no país e segundo dados da
Abicalçados, sua produção se concentra na fabricação de chinelos, sandálias e sapatos
54
Mapa 7
55
de plástico ou borracha. É perceptível, pois, que o número de estabelecimentos
industriais em comparação ao número de empregados ao VTI na produção de calçados,
não expressam a importância que este estado adquiriu na produção de calçados
brasileira nos últimos anos. Isso se explica pela presença de grandes plantas industriais
de empresas como Grendene, Dakota, Vulcabrás, Paquetá do Nordeste etc, transferidas
principalmente das regiões Sul e Sudeste27
. Destaca-se no estado o Polo Calçadista do
Cariri, formado pelas cidades de Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha. As exportações
em 2009 corresponderam a US$ 294,3 milhões, (21,6% do total exportado pelo Brasil)
mais que o dobro da exportação paulista, que foi de US$ 118,9 milhões,
correspondendo a 8,7% da exportação brasileira.
O Estado da Bahia também tem ganhado importância na produção de calçados
no Brasil nos últimos anos. Como podemos notar pelo mapa 7, assim como no Estado
do Ceará, o número de estabelecimentos industriais na Bahia não é muito significativo,
já que possui apenas 138 empresas. No entanto, o número de empregados, que era de
pouco mais de 500 em 1985, chega a 31.500 em 2008. A participação do estado no VTI
da indústria de calçados também aumentou, passando de 0,53% em 1996 para 10,38%
em 2007, se aproximando do valor alcançado pelo Estado de São Paulo. As exportações
da Bahia em 2009 foram de US$ 69 milhões, aproximadamente 5% do Brasil. As
principais regiões produtoras são: Feira de Santana, Alagoinhas, Cruz das Almas,
Itabuna, Vitória da Conquista e Ilhéus.
Ainda na Região Nordeste do país, outro estado que aumentou sua participação
na produção nacional de calçado foi a Paraíba. Apesar da participação deste estado ser
em menor proporção que os Estados do Ceará e Bahia, conforme a tabela 1, a Paraíba
quase dobrou sua participação no VTI na produção brasileira de calçados, passando de
3,59% em 1996 para 6,24% em 2007. Podemos observar também pelo mapa 7, que este
estado não apresenta um número significativo de estabelecimentos industriais do setor
calçadista – apenas 126 empresas, mas que empregam 12.350 trabalhadores (uma média
de 98 empregados por estabelecimento, enquanto, no Estado de São Paulo a média é de
16 empregados por estabelecimento). As principais cidades produtoras são: Campina
Grande, Patos, João Pessoa, Santa Rita, Bayex, Guarabira, Catolé do Rocha e Sousa.
Em comparação com os dados apresentados até aqui, sobre a participação dos
estados no VTI na produção brasileira de calçados, Santa Catarina e Minas Gerais foram
27 Para maiores informações consultar PEREIRA JÚNIOR (2005) e BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n.
15, p. 63-82, mar. 2002.
56
os estados que menos apresentaram mudanças nos últimos anos. Como podemos
observar pelos dados da tabela 1, o Estado de Minas Gerais perdeu participação no VTI
entre os anos de 1996 e 2000, reduzindo sua participação de 4,89% para 3,04%. Ele
apresentou um aumento da sua participação no VTI a partir de 2004 aumentando sua
participação para 4,53% em 2007, mas como podemos ver, sem recuperar a participação
que atingia em 1996. Já o numero de estabelecimentos industriais passou de 833 em
1985 para 1689 em 2008. O aumento foi verificado também no número de empregados,
que quase dobrou entre os anos de 1985 – quando havia 13.921 empregados nas
indústrias de calçados mineiras – e 2008, quando este estado chegou a empregar 26.325
trabalhadores. Por fim, a produção de calçados no Estado de Minas se concentra
principalmente no centro produtor de Nova Serrana, que emprega 18.000 trabalhadores,
mas é também verificada em menor quantidade nas cidades de Uberlândia, Uberaba e
Belo Horizonte.
O Estado de Santa Catarina também apresentou uma pequena variação de sua
participação no VTI da produção brasileira de calçados, aumentando de 0,81% em 1996
para 1,89% em 2007. Como podemos verificar pelo mapa 7, apesar de apresentar
aumento no número de estabelecimentos industriais entre os anos de 1985 e 2008,
houve redução do número de empregados no setor calçadista de Santa Catarina. A
principal região produtora é o Polo Calçadista do Vale do Rio Tijucas, formado pelas
cidades de Tijucas, Canelinha, Nova Trento, Major Gercino e São João Batista – esta
última concentra o maior número de empresas (estima-se que 95% da produção é
voltada para o público feminino).
Como podemos perceber tanto pelos dados apresentados na tabela 1 como pelo
mapa 7, O Estado do Mato Grosso do Sul não apresenta valores significativos na
produção de calçados no Brasil, no entanto, resolvemos incluí-lo porque, como veremos
mais a frente, este estado tem se configurado numa alternativa de localização vantajosa
para os novos empreendimentos dos industriais de Birigui e por isso é de nosso
interesse constatar o crescimento da produção de calçados neste estado.
De um modo geral, os dados sobre o valor da transformação industrial (VTI) no
setor calçadista brasileiro revelam que enquanto os estados das regiões Sul e Sudeste
diminuíram ou mantiveram estagnadas suas participações neste indicador, os estados do
Nordeste, em particular o Ceará, apresentaram um aumento significativo de suas
participações. Porém, como podemos notar, apesar do deslocamento de inúmeras
empresas em direção ao Nordeste, o Estado do Rio Grande do Sul ainda se constitui no
57
principal estado produtor de calçados no Brasil. Já o Estado de São Paulo perdeu seu
posto de segundo maior produtor de calçados do país para o Estado do Ceará, que
apesar de apresentar um menor número de estabelecimentos do que São Paulo, emprega
mais e apresenta maior participação no VTI do setor.
Nota-se pelo mapa 7 que quando comparamos o número de estabelecimentos
industriais no setor de calçados entre os anos de 1985 e 200828
não temos a dimensão da
desconcentração da indústria calçadista em direção ao Nordeste, visto que houve
aumento em todos os estados produtores, principalmente nas regiões Sul e Sudeste. No
entanto, quando comparamos o número de empregados, percebemos que houve
diminuição de empregos nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.
Um dos motivos, como já observamos, foi a transferência de grandes plantas industriais,
principalmente, do Rio Grande do Sul e de São Paulo para o Nordeste, mas também,
pela tendência de reestruturação da grande empresa num processo de desintegração das
plantas industriais em unidades menores e pela contratação de outras empresas, em
geral de menor porte, para a realização de partes do processo produtivo, ou mesmo, para
produção do calçado por completo.
De acordo com Santos (2004), os novos subespaços apresentam condições
diferentes para a rentabilidade da produção, visto que cada combinação possui uma
lógica específica e autoriza formas de ação específicas a agentes econômicos e sociais
específicos. Explica que “os lugares se distinguiriam pela diferente capacidade de
oferecer rentabilidade aos investimentos. Essa rentabilidade é maior ou menor, em
virtude das condições locais de ordem técnica (equipamentos, infra-estrutura,
acessibilidade) e organizacional (leis locais, impostos, relações trabalhistas, tradição
laboral)” (p.247 e 248). Cabe ressaltar, conforme apresenta o autor, a importância da
formação socioespacial como mediadora entre o “Mundo e a Região, o Lugar”, e
explica que:
Mais do que a formação socioeconômica é a formação socioespacial que exerce esse papel de mediação: este não cabe ao território em si,
mas ao território e seu uso, num momento dado, o que supõe de um
lado uma existência material de formas geográficas, naturais ou transformadas pelo homem, formas atualmente usadas e, de outro
lado, a existência de normas de uso, jurídicas ou meramente
costumeiras, formais ou simplesmente informais (p.337).
28 Como os dados utilizados para elaboração do mapa foram coletados junto a RAIS, escolhemos o
primeiro e o último ano (1985 e 2008) com dados disponíveis.
58
Nesse sentido, não só as normas referentes à legislação exercem poder de
regulação, mas a distribuição das infra-estruturas (como rodovias, ferrovias, portos,
aeroportos etc) também influencia as decisões de investimentos individuais. O que se
verifica, portanto, é a combinação de normas, da federação, dos estados e dos
municípios, contribuindo para que a guerra entre lugares ocorram nestas proporções. E a
diferença, que os lugares apresentam, na oferta de rentabilidade ao capital é resultante
tanto das diferenças de ordem técnica quanto de normas relativas à legislação e à
organização sindical dos trabalhadores.
Dentre os benefícios usufruídos pelos empresários que se instalam na região
Nordeste, destacamos os seguintes: isenção de 75% do imposto de renda por dez anos,
renovável por mais cinco; concessão de empréstimos com juros subsidiado; isenção de
ICMS; oferta de mão-de-obra de menor custo; fornecimento de infra-estrutura como a
própria área industrial, água, luz, energia, acesso rodoviário no portão da fábrica; além
do papel de instituições como o Senai para a formação de mão-de-obra. Segundo dados
do Relatório Setorial de Bens de Consumo Duráveis do BNDES (nº15, de março de
2002), mesmo que não houvesse incentivos fiscais só pelo custo reduzido da mão-de-
obra no Nordeste, o calçado fabricado na região teria uma redução de pelo menos 10%
em seu custo, se comparado ao produzido no Sul e no Sudeste. Enquanto a indústria de
calçados no Nordeste paga em média um salário mínimo ao trabalhador de “chão de
fábrica”, por exemplo, na região do Vale dos Sinos paga-se entre 2 e 2,5 salários
mínimos. A diferença aumenta quando se considera a formação de cooperativas de
trabalho, que é um modo de subcontratação de mão-de-obra sobre o qual não incidem
encargos trabalhistas. Da mesma forma, na aglomeração produtiva de Franca no Estado
de São Paulo, os reflexos deste processo têm sido notados principalmente no que diz
respeito ao número de empregados no setor.
Pereira Júnior (2005, p.71), ao analisar a industrialização em Horizonte-Pacajus,
município do Estado do Ceará, revela um claro exemplo da guerra fiscal assumida pelo
estado e seus municípios, materializada por meio de investimentos que migram do Sul
do país em busca de novos espaços de reprodução e acumulação. Nessa guerra pelos
investimentos, o autor chama a atenção para o papel dos municípios – considerando que
a industrialização se consolida no lugar – que incluídos nas práticas globais de
superlucro, se tornam uma parcela do espaço submetida às decisões tomadas por
articuladores distantes do lugar.
59
Segundo dados do IBGE29
, quase metade dos 5.564 municípios brasileiros
concedeu à iniciativa privada, em 2006, algum tipo de incentivo para a instalação de
empreendimentos, assumindo custos na geração de emprego e renda. Dentre os
incentivos oferecidos, os mais comuns foram: cessão de terrenos e doação de terrenos,
realizadas por mais de 1.200 municípios; isenção de Imposto sobre Serviços (ISS),
concedida por 764 municípios; isenção parcial de Imposto sobre a Propriedade
Territorial Urbana (IPTU), concedida por 747 municípios; isenção de taxas, concedida
por 729 municípios; isenção total de IPTU, concedida por 722 municípios. Os dados
apresentados pelo IBGE também revelam que 62% dos municípios que adotaram tais
mecanismos em 2006, estão localizados nas regiões Sul e Sudeste. Além disso,
constatou-se que menos de 50% dos municípios com até 20 mil habitantes, ofereciam
vantagens, já os municípios com mais de 500 mil habitantes, a proporção era de 86,0%.
Nota-se que com essa disputa entre municípios para a atração de investimentos,
os governos locais no Brasil vêm assumindo atribuições, como a geração de emprego e
renda, não suportadas por seus orçamentos. Outro problema que podemos verificar é
que a prática de incentivos por parte dos municípios e das unidades da federação reforça
o padrão desigual da distribuição das atividades econômicas no território brasileiro.
Como nos mostram os dados, nas regiões Sul e Sudeste se encontram a maioria dos
municípios que oferecem incentivos, as duas regiões mais ricas do país – como veremos
no próximo capítulo, desde a década de 1970 a região sudeste, em particular o Estado de
São Paulo, tem diminuído sua participação na economia nacional, no entanto, conforme
dados do IBGE, em 2004 a região Sudeste ainda concentrava 54,9% do PIB nacional30
.
Em sintonia com o restante do Brasil, algumas empresas do município de Birigui
também se inserem neste processo incorporando, tanto no que diz respeito às políticas
dos governos locais como às decisões dos agentes econômicos, determinações que são
extrínsecas ao local. Empresários do setor industrial com empresas na região estão
pautando suas estratégias espaciais tendo em vista as vantagens advindas da redução dos
custos de produção, também por meio de incentivos fiscais, mão-de-obra barata e
fornecimento de infra-estruturas tanto dos governos municipais como dos estaduais, em
particular do Estado do Mato Grosso do Sul. Atualmente, este estado possui 26
estabelecimentos do ramo calçadista distribuídos entre os seguintes municípios:
29 Perfil dos municípios Brasileiros de 2006.
30 Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas Nacionais, Contas Regionais do Brasil
1985-2004.
60
Aparecida do Tabuado com quatro estabelecimentos; Bonito com um estabelecimento;
Nova Andradina com um estabelecimento; Campo Grande com quatro
estabelecimentos; Mundo Novo com um estabelecimento; Paranaíba com 11
estabelecimentos; Selvíria com um estabelecimento; Três Lagoas com três
estabelecimentos. Estes estabelecimentos empregam juntos 1.420 trabalhadores. A
figura a seguir apresenta a localização destes municípios bem como as empresas de
Birigui que montaram unidade produtiva no Estado do Mato Grosso do Sul.
Conforme noticiado pelo jornal Folha da Região31
as prefeituras sul-
matogrossenses fazem um verdadeiro “corpo a corpo” nas tentativas de atrair
investimentos: enviam material de publicidade sobre os potenciais da localidade;
membros das prefeituras visitam pessoalmente os empresários e fazem suas propostas
para atraí-los para seu o município. Várias indústrias do ramo calçadista montaram
filiais no Mato Grosso do Sul, especificamente, nos seguintes municípios: Aparecida do
Taboado, Paranaíba, Selvíria e Três Lagoas32
. Como mostra a figura 2, esses municípios
31 Matéria de Alessandra Nogueira, publicada em 07/10/2005, caderno “Administração”, intitulada:
“Guerra fiscal entre SP e MS está acirrada.”
32 Outro município do sul do Mato Grosso do Sul, que tem atraído investimentos de empresas do
Noroeste do Estado de São Paulo, é Sidrolândia, que até o momento não possui nenhuma empresa de
calçados.
61
se encontram nas margens de uma rodovia federal, a BR 158, o que facilita o acesso dos
caminhões que saem diariamente carregados de cabedais do calçado, para serem
montados nas unidades localizadas nos referidos municípios. Não é por acaso que tais
municípios foram escolhidos. Além das isenções fiscais e de taxas, de benefícios
advindos da redução do custo da mão-de-obra, do fornecimento de infra-estruturas
locais pelas prefeituras, nota-se que as infra-estruturas, no caso as rodovias, exercem
influência nas decisões de investimentos.
Algumas empresas instalaram unidades para a realização de todas as etapas do
processo produtivo do calçado. No entanto, as primeiras experiências apontaram para a
dificuldade em conseguir mão-de-obra especializada, principalmente para o pesponto.
Com isso, a maioria das empresas instalou unidades produtivas que realizam somente a
montagem do calçado, ou seja, os cabedais do calçado são produzido nas fábricas de
Birigui e transportados diariamente para as unidades do Mato Grosso do Sul para a
etapa de montagem do calçado. Com o calçado pronto para a comercialização, a
emissão de notas pelo Estado do Mato Grosso do Sul, rende aos empresários um
desconto de 80% no valor pago pelo ICMS. A redução dos custos de produção em
comparação com o Estado de São Paulo é tanta, que mesmo os custos para transportar
cabedais diariamente para a montagem no outro estado não se torna desvantajoso. Vale
ressaltar, que assim como ocorre no Nordeste, as ações do Senai no Mato Grosso do Sul
tem se direcionado para a criação de cursos – como o de Confeccionador Industrial de
Calçados criado em Três Lagoas – que atendam a demanda de mão-de-obra dos
empresários do ramo calçadista, criando assim, mais um atrativo para a instalação de
empresas do ramo no estado. Além do referido estado, o Nordeste também tem sido o
destino de algumas empresas de calçado de Birigui, como a Bical e a Klin, que
montaram unidades produtivas na Bahia.
Diante do exposto, chamamos a atenção para dois pontos: apesar das empresas
de calçado de Birigui montarem unidades produtivas em outros estados da federação,
nenhuma delas deixou de manter a sede da fábrica no município; apesar de se
beneficiarem das externalidades presentes na aglomeração (como presença de mão-de-
obra especializada e de empresas subsidiárias) , as empresas não deixam de incluir em
suas estratégias espaciais os potenciais de rentabilidade que cada estado da federação ou
município oferecem.
O que fica claro, neste processo, é que a falta de instrumentos legais capazes de
regular a prática de isenções tem criado o que Melo (1996) classificou como um
62
verdadeiro hobbesianismo municipal. Nesse ponto, o Estado-nação é chamado a
assumir seu papel de regulador e normatizador do território.
Talvez seja uma limitação em se pensar o desenvolvimento apenas a partir da
escala local, visto que se perde a visão de totalidade integrada do território nacional,
correndo-se o risco de aumentar as disparidades entre as regiões brasileiras.
Concordamos com Bacelar (2000) ao afirmar que não cabe aos agentes privados pensar
nos espaços mais pobres e menos competitivos, cabe ao Estado nacional promover
“uma dinâmica regional mais harmônica, menos seletiva, integradora ao invés de
fragmentadora do País (p.83).” Acrescentamos, ainda, que a promoção de políticas
públicas que visem uma maior equidade entre as regiões e municípios brasileiros, deve
ser direcionada pelo Estado-nação. Como podemos perceber, as políticas de geração de
emprego e renda postas em prática por governos locais e estaduais, se resumiu na
maioria das vezes, em oferta de incentivos para atração de investimentos, o que por sua
vez, gerou no país uma disputa acirrada por tais investimentos entre os entes federativos
e os municípios brasileiros.
63
Caixa 2: Condições de trabalho nas
fábricas de calçado
Ao percorrermos o chão das fábricas, que visitamos
durante nosso trabalho de campo, buscamos atentar
também, para as condições de trabalho nas
instalações. Logo na entrada nos deparamos com o
forte cheiro dos produtos químicos que são usados
na produção, como colas e solventes. Percebemos
também, que o barulho gerado principalmente pelos
motores das máquinas e pelas prensas dos
balancins, chegou a dificultar nossa comunicação
com os entrevistados.
Outra característica dos espaços destinados a
abrigar a produção de calçados em Birigui, é o forte
calor gerado por inúmeros fatores. Um deles é o
aquecimento gerado pelo funcionamento dos
motores das máquinas concentradas num mesmo
lugar, o que nos parece inevitável. Há, no entanto,
uma piora das condições térmicas nestes galpões
geradas pelas características da própria construção –
algumas registradas pelas fotos a esquerda –, como:
a ausência de janelas o que prejudica a circulação
de ar e por conseqüência gera aumento da
temperatura e do cheiro gerado pelo uso de
produtos químicos (colas, solventes); o tipo de
material utilizado na construção, verificamos que a
maioria dos telhados são de zinco ou telhas de
amianto, que expostos ao sol, aumentam ainda mais
o calor no interior das fábricas; o posicionamento
dos ventiladores, que como podemos observar pelas
fotos, são instalados próximos ao telhado,
empurrando o ar quente de volta para baixo.
Levando-se em conta que a temperatura em Birigui
pode ser superior a 40°C no verão, dá para imaginar
a falta de conforto térmico sentida nesses
ambientes. Segundo relato da Presidente do
Sindicato dos Sapateiros de Birigui, Milene
Fotos: Elaine Cristina Cicero Data: Maio de 2009
2
Rodrigues, em períodos de calor intenso, houve
casos de desmaios de trabalhadores e por isso, o
Sindicato em parceria com o Ministério do
Trabalho vem propondo mudanças nas instalações-
como tipo de material utilizado nos telhados,
abertura de janelas, instalação de condicionadores
de ar - ou seja, medidas para tornar o ambiente de
trabalho menos sofrível para o trabalhador. Nas
palavras da presidente do Sindicato “queremos
levar para o chão da fábrica o conforto que o
pessoal da administração tem, já conseguimos um
avanço com a obrigatoriedade do uso de cadeiras
anatômicas na produção, e pretendemos dar
continuidade melhorando o conforto térmico dos
trabalhadores”.
Para amenizar a temperatura no interior da fábrica,
a Bical, instalou uma manta térmica na parte interna
do telhado, como mostra a foto acima. De acordo
com a legislação federal, as melhorias na estrutura
física da empresa e os investimentos em segurança
do trabalhador comprovados pela empresa,
permitem uma redução da alíquota de contribuição
paga pelo SAT (Seguro de Acidente de trabalho) à
Previdência Social. O governo
Foto: Manta térmica instalada pela Bical.
Elaine Cristina Cicero
Data: Maio de 2009
federal criou em 2003 o FAP (Fator Acidentário de
Prevenção) no intuito de incentivar as empresas a
promoverem melhorias nas condições de
salubridade do trabalhador. O incentivo se constitui
na redução de alíquotas para empresas que
comprovarem a realização de melhorias. A
iniciativa da Bical se insere num Programa de
Redução da Insalubridade realizado pela empresa,
para usufruir dos benefícios oferecidos pela
legislação.
Fonte: Anotações em Trabalho de Campo, Maio de 2009
Pesquisa em sites: http://www.ebah.com.br/fator-
acidentario-previdenciario-e-a-reducao-dos-acidentes-de-
trabalho-pdf-a61373.html
65
CAPÍTULO 2- DAS PRIMEIRAS FÁBRICAS À AGLOMERAÇÃO
PRODUTIVA DO CALÇADO
Neste capítulo nos dedicaremos a entender como surge e se consolida a
especialização territorial produtiva do calçado em Birigui, buscando elementos que nos
ajude a explicar o surgimento da indústria calçadista. Cabe lembrar que, para entender
este processo, é necessário abordar alguns aspectos da industrialização no município e
sua articulação com a industrialização no Brasil e no Estado de São Paulo.
Nossa indagação central consiste em entender como surge e se desenvolve uma
especialização produtiva do setor calçadista, num município distante das tradicionais
zonas industriais no Estado de São Paulo – o município se localiza a mais de 500 km da
cidade de São Paulo. O desafio que se coloca é o de explicar uma aglomeração espacial
de indústrias distante dos espaços de industrialização tradicionais, atentando como
destaca Selingardi-Sampaio (2009), para a complexidade e o caráter multidimensional
da realidade geográfica do Estado de São Paulo. Como demonstra a autora:
resultado de uma bem elaborada construção social, esse
território – ou grande “complexo de complexos territoriais
industriais” e ainda de outros modos de produção integradas e
não integradas – foi historicamente formado pela ação
articulada, convergente e/ou interativa de atores sociais e forças
atuantes em todas as escalas geográficas por meio de processos
sociais e econômicos diversos, entre os quais a industrialização
avulta, e até mesmo prevalece, em certos períodos. A mesma
construção social o transformou, gradativamente, em território
detentor de muitos ativos e recursos específicos, um verdadeiro
acervo de múltiplas especializações técnico-industriais e de
outras heranças sociocultural-industriais, preservadas e
compartilhadas (Selingardi-Sampaio, 2009, p.21).
Partindo destes pressupostos, nos propomos a entender a distribuição espacial da
indústria, especificamente o porquê da existência da aglomeração industrial de Birigui,
levando-se em conta a constituição histórica do espaço geográfico, as ações dos atores
sociais e a influência de processos sociais e econômicos nas diferentes escalas
geográficas. Partimos de algumas explicações bastante difundidas sobre a
industrialização no Brasil e no Estado de São Paulo a partir da década de 1950, para
compreender o contexto político e econômico no qual se insere nosso objeto de estudo e
de que forma tais explicações nos ajudam a entendê-lo.
66
2.1- O setor industrial em Birigui
O município de Birigui está localizado na região noroeste do Estado de São
Paulo, especificamente, na Nona Região Administrativa sediada pelo município de
Araçatuba. O nosso recorte espacial se explica por uma especificidade muito marcante,
a saber: a presença de uma aglomeração de indústrias especializadas na produção do
calçado.
O levantamento dos dados sobre o setor industrial no município chama a atenção
por sua importância, tanto na geração de empregos, como na quantidade de
estabelecimentos existentes. Conforme os dados apresentados no gráfico 3, o setor
industrial é o que mais emprega, contabilizando dezoito mil empregos no ano de 2008.
Esse número representa 57% do total de empregos gerados no município, ou seja, o
setor industrial emprega mais do que todos os outros setores da economia juntos.
Fonte: RAIS 2008
A quantidade de estabelecimentos industriais também é bastante significativa,
apresentando um total de 765 estabelecimentos, inferior apenas ao número de
estabelecimentos comerciais. No entanto, o dado mais relevante é a representatividade
do ramo calçadista no total de estabelecimentos industriais e na geração de empregos no
município. Dos 765 estabelecimentos sediados em Birigui no ano de 2008, 320 são do
ramo calçadista; no que se refere à quantidade de empregos, dos 18.653 empregos na
indústria, de acordo com os dados apresentados no gráfico 4, quase 13.000 são
oferecidos pelo ramo calçadista. Os dados também são bastante significativos quando
18653
595
7459
5480
685
Gráfico 3 - Número de empregados por sertor de
atividade econômica - Birigui-SP/2008
Indústria
Agropecuária, extr.
Vegetal, caça e pesca
Serviços e Adm. Pública
Comércio
Construção civil
67
comparamos o valor do ICMS (Imposto sob Circulação de Mercadorias e Prestação de
Serviços), entre os principais ramos industriais de Birigui: o ramo de couro e calçados,
como mostra o gráfico 5, é responsável por mais de 70% do valor total arrecado na
indústria e por mais de 50% do total do ICMS arrecado no município, o que nos dá a
dimensão da importância deste ramo na economia municipal. O restante da arrecadação
do ICMS é dividido entre os seguintes ramos: móveis 9%; vestuário e acessórios 5%;
produtos de metal 3,5%; papel e celulose 2%; produtos químicos 2%; máquinas e
equipamentos 1,3%; 3,5% em produtos diversos. Podemos perceber também que as
indústrias correlatas e de apoio à produção do calçado, como indústrias de papel e
celulose, produtos de metal e borracha e plástico, comparecem como setores
importantes tanto no número de empregados, quanto na arrecadação de ICMS.
12.759
1.109
1.076
814
575464
351
330
Couro e Calçados
Vestuário
Móveis
Celulose e papel
Produtos de Metal
Borracha e Plástico
Materiais Elétricos
Fab. Máq. e
Equipamentos
Gráfico 4 - Número de empregados por ramo de atividades no setorindustrial - Birigui-SP/ 2008
Fonte: RAIS 2008
68
A importância do setor industrial em Birigui, também pode ser observada in
loco, em particular pelo ritmo que o trabalho nas fábricas imprime ao cotidiano da
cidade e pela presença marcante dos barracões fabris na paisagem. Logo no começo da
manhã (das seis às sete horas), a cidade tem suas ruas repletas de bicicletas33
de
trabalhadores a caminho das indústrias. Esta cena costumava se repetir na hora do
almoço e a tarde. Com o crescimento da cidade e o aumento da distância entre a casa e o
local de trabalho, o fluxo de bicicletas se tornou um pouco menor na hora do almoço, já
que muitos trabalhadores não se deslocam mais até suas residências para almoçar. Um
pouco mais cedo encontramos os ônibus repletos de trabalhadores dos municípios
vizinhos, e até dos mais distantes como Santópolis do Aguapeí, que saem de casa por
volta das quatro horas da manhã para trabalhar nas fábricas de Birigui, e só retornam às
suas casas à noite.
As sirenes das fábricas são ouvidas por toda parte, anunciando o início e o
término da jornada de trabalho. Essa rotina faz parte do cotidiano de Birigui. O ir e vir
de trabalhadores, as sirenes, os inúmeros galpões industriais, dentre outros elementos,
que compõem a paisagem desta cidade onde a principal atividade econômica é a
indústria de calçados.
33 O número de motocicletas também tem aumentado bastante nos últimos anos.
19.613.998
2.410.603
1.419.105
953.340553.709
551.801365.248 950.714
Couros e Calçados
Móveis
Vestuário e Acessórios
Produtos de Metal
Papel e Celulose
Produtos Químicos
Máquinas e Equipamentos
Diversas
Gráfico 5 - ICMS Arrecadado na Indústria no município de Birigui-SP- 2009
Fonte: RAIS 2008
69
Tal quadro nos leva a entender como este setor se estruturou e quais os
principais fatores que contribuíram para a conformação da aglomeração produtiva do
calçado. Para isso, buscaremos analisar como a industrialização em Birigui se articula
com o processo de industrialização no Estado de São e no Brasil e de que forma as
iniciativas locais desencadearam um processo de especialização produtiva do calçado,
conformando posteriormente, uma aglomeração espacial de indústrias.
2.2- Fatores que explicam o surgimento da indústria de calçados
Como será melhor abordado adiante, as primeiras indústrias de calçados de
Birigui datam da década de 1950; porém, para compreendermos o surgimento desta
indústria é necessário abordarmos os processos e eventos relativos à industrialização no
município, no Estado de São Paulo e no Brasil, que de alguma forma podem ter
influenciado seu surgimento, mesmo os anteriores à referida década. Sobre o início da
industrialização no Estado de São Paulo desde o final do século XIX, a acumulação de
capital propiciada pela atividade agrícola, em particular pelo cultivo do café, e o papel
do imigrante europeu são dois fatores preponderantes em inúmeros estudos sobre este
processo. Por isso, consideramos importante entender de que forma os dois fatores
supracitados se articulam com o processo de industrialização em Birigui.
Em primeiro lugar, é importante atentar para alguns dados históricos acerca da
ocupação da região noroeste, particularmente do município de Birigui. As
características gerais da ocupação em seu início, no primeiro quarto do século passado,
revelam que, como em muitas cidades do interior de São Paulo, a ferrovia teve um papel
primordial na constituição do município. A Ferrovia Noroeste do Brasil (NOB) parte de
Bauru em 1904, chega a Birigui em 1908 e atinge o rio Paraná em 1910. Foi por meio
da estrada de ferro que chegaram os primeiros moradores – época das demarcações de
terras, feita posteriormente por uma companhia de colonização inglesa. Segundo
Zampieri:
a ocupação de Birigui começa pelos pioneiros e a seguir por
uma companhia de colonização, a The San Paulo Land &
Lumber Company, possuidora de 60 mil alqueires, abrangendo
áreas de Penápolis a Araçatuba, e do Rio Tietê ao Rio Feio. Esta
companhia sediada em Birigui efetuou as vendas em toda a
região. Na afirmação de Monbeig, „a companhia visava à
especulação através da valorização de pequenos lotes, que
variavam de 10 a 20 alqueires, por meio de propaganda nas
plantações de Ribeirão Preto e arredores a assalariados italianos
70
e filhos de italianos‟. A comercialização foi rápida, tanto assim
que „em 1922 já haviam sido vendidos 38.434 alqueires a
aproximadamente 2.032 sitiantes‟ e „em cinco anos, mais de
3000 famílias vieram a instalar-se. (ZAMPIERI, 1976, p.21).
Houve, assim, o predomínio de pequenas propriedades medindo de 10, 15 a 30
alqueires, que foram vendidas principalmente a colonos italianos. Com o passar dos
anos, chega-se a um número expressivo de pequenos proprietários e moradores que se
fixaram nestes pequenos lotes. Até o final dos anos 1920 a cultura predominante nas
propriedades rurais de Birigui era o café que, no entanto, com a queda nas exportações
durante a crise de 1929, outras culturas foram ganhando espaço, como o algodão, o
milho e o amendoim. Como destaca Selingardi-Sampaio (2009, p. 100):
além da ocupação agrícola e do povoamento; do parcelamento
fundiário e do parcelamento político-administrativo do território, vale lembrar que em sua difusão espacial pelo estado
paulista – grosso modo, de leste a sudeste para direções norte,
nordeste e oeste – a cultura do café foi imprimindo um uso até então inédito em grande parte do território, transformando um
meio “natural” em meio “técnico” e ocupando espaços vazios
de regiões cada vez mais interiores e, portanto, mais distantes
da capital e do porto de Santos.
Percebemos que, mesmo indiretamente, a cultura do café no interior do estado
criou condições que favoreceram o desenvolvimento da indústria, em que destacamos: a
construção das estradas de ferro e a constituição de núcleos urbanos; formação de mão-
de-obra assalariada; difusão da energia elétrica, necessária para as máquinas de
beneficiamento do café, dentre outros fatores.
O fracionamento da terra, presente nas primeiras propriedades, foi intensificado
em 1925 com a chegada dos japoneses, que se dedicaram intensivamente a produção do
algodão, ampliado ainda mais após a crise de 1929. Como mostra os dados do Censo
Agrícola de 1940, Birigui apresentava uma particularidade com relação ao tamanho das
propriedades rurais, com uma média de 48 ha por unidade agrícola, enquanto que
municípios vizinhos como Araçatuba e Lins, apresentavam uma média de 70 ha e 76 ha,
respectivamente.
De acordo com NEGRI (1987) a expansão da agricultura paulista na década de
1930, em particular da cultura do algodão no Oeste do estado, deve-se tanto pela
necessidade da indústria têxtil paulista quanto pelo aumento da demanda da matéria-
prima no mercado internacional, o que por sua vez possibilitou uma melhor ocupação da
região. O algodão, como aponta Cano (1998, p.77), tem seu preço ditado pela situação
71
do mercado internacional e é exatamente no período de elevação de seu preço, durante a
Primeira Guerra Mundial, que a produção de algodão paulista experimenta um forte
crescimento.
Neste contexto de aumento da produtividade do algodão, instalam-se na região
empresas ligadas ao seu beneficiamento, sendo que em 1944 existiam em Birigui as
usinas de beneficiamento J. J. Abdalla (Carioba), a Brascott (incorporada pelo grupo
Esteves S/A, sediado em São Paulo), Cooperativa Sul Brasil, Anderson Clayton e a Biol
– Birigui Óleo Limitada, esta última criada em 1959. Vale ressaltar que o algodão
beneficiado por estas indústrias, eram enviados a São Paulo, Jundiaí, Americana e
Pirassununga por via férrea. Já o caroço era destinado à produção de óleo na Anderson
Clayton e, posteriormente, na Biol, ambas sediadas em Birigui. Somente a Sul Brasil
enviava o caroço, por via rodoviária, à fábrica de óleo Menu, localizada em Guararapes.
(ZAMPIERI, p. 56-57).
A concentração da atividade industrial no território paulista já se evidenciava em
1950, com destaque para o município de São Paulo que representava 51,66% do valor
da produção industrial no estado34
. Neste período, se constelavam três aglomerações
industriais: a primeira formada por São Paulo, Santo André, São Caetano do Sul, São
Bernardo do Campo, Mogi das Cruzes e Guarulhos; a segunda formada por Campinas,
Jundiaí, Piracicaba, Americana, Limeira, Araras e Rio Claro; a terceira era integrada
pelos municípios de Araraquara, Ribeirão Preto e São Carlos. Além dessas
aglomerações havia núcleos urbano-industriais dispersos (espacialidades industriais de
dispersão) – dentre eles Sorocaba, Marília, Barretos, Bauru, Presidente Prudente,
Rancharia, São José do Rio Preto, Araçatuba, Franca e Tupã – que, assim como as
referidas aglomerações, se situavam ao longo ou mesmo próximos às principais
ferrovias do estado. Na referida configuração da atividade industrial no Estado de São
em 1950, prevalecia a produção de gêneros tradicionais, como a produção de alimentos
e têxteis, e já apontava para uma imensa assimetria na distribuição das atividades no
espaço (Selingardi-Sampaio, 2009, p.51).
Nas duas aglomerações de indústrias e nos centros urbano-industriais
supracitados, a atividade industrial se desenvolveu preponderantemente de forma
endógena, porém, com uma estrutura produtiva menos complexa que as da capital do
34 Ao incluir alguns municípios contíguos ao município de São Paulo, como Santo André, São Caetano do
Sul , São Bernardo do Campo, Mogi das Cruzes e Guarulhos o valor da produção industrial desta
concentração espacial se eleva para 62,60% do total do estado (Selingardi-Sampaio, 2009, p.52).
72
estado. De um modo geral, a produção industrial no interior era circunscrita ao
beneficiamento e transformação de produtos agrícolas, elaboração de bens de consumo
direto – como é o caso da produção de calçados em Franca – e a produção metal-
mecânica, principalmente para atender demandas da atividade agrícola e da construção e
manutenção das linhas férreas.
De acordo com Selingardi-Sampaio (2009) na década de 1950:
o estágio de desenvolvimento econômico-territorial então detido
pelas ATIs [aglomerações territoriais industriais] e centros
industriais dispersos do interior havia sido alcançado,
predominantemente, pela ação de forças locais e regionais, ou
historicamente já internalizadas, sendo restrito, pois, seu caráter
“reflexo”. Ainda, com outros conceitos, as aludidas áreas, como
horizontalidades, compartilhavam um acontecer solidário, de
tipos homólogo e complementar, sob o domínio de forças locais,
embora “externas” também pudessem atuar (p.64).
Neste período, Franca já se apresentava como um expressivo centro
especializado na produção de calçados, fato que nos serve como um exemplo
elucidativo de um núcleo urbano-industrial no interior do estado, em que os recursos
empregados na industrialização eram provenientes do local ou da região.
A instalação das grandes unidades industriais vindas de outras áreas do estado35
,
do país e de outros países (Anderson Clayton, a Matarazzo, a Sanbra e a Brazcott) –
forças externas ao local – é entendida por Negri (1994, p.88) como um dos primeiros
movimentos de descentralização e desconcentração36
em direção ao interior de
indústrias localizadas na capital. Selingardi-Sampaio (2009) compartilha da
conceituação proposta por Negri, no entanto ressalva ao afirmar que naquele período
houve apenas uma descentralização de indústrias motivada pela necessidade de
proximidade às fontes de matérias primas, como o algodão, o amendoim e o milho que
eram cultivados no interior do estado.
Cabe lembrar, que na década de 1950 o Brasil se encontrava num vultoso
processo de industrialização promovido pelo Estado desde a década de 1930, no
entanto, se inseria na divisão internacional do trabalho como um país periférico,
produtor e exportador de matérias-primas.
35 Para maiores informações cf. Negri (1987), Cano (1998), Selingardi-Sampaio (2009) .
36 Para o autor o processo de descentralização industrial implica em mudança física, parcial ou total, de
um estabelecimento industrial ou somente de sua produção de uma área para outra, já o processo de
desconcentração industrial implica em mudança no padrão de distribuição espacial das atividades,
como casos em que determinada área industrial perde importância com relação à outra. Dessa forma, o
processo de desconcentração industrial seria precedido pela descentralização industrial.
73
Ao contrário destas indústrias que “vieram de fora”, atraídas pela necessidade de
proximidade às fontes de matéria-prima, podemos dizer que a indústria de calçados de
Birigui se forma majoritariamente com recursos endógenos.
No que diz respeito à formação dos capitais investidos no início da
industrialização no Estado de São Paulo, há diferentes visões na literatura sobre o papel
do complexo cafeeiro na formação dos capitais industriais. Por um lado, os autores
adeptos da teoria do capitalismo tardio37
defendem que o complexo cafeeiro exportador
tornou possível a formação de capital disponível para o investimento na indústria38
. Há,
ainda, os que defendem que as iniciativas de reversão do capital acumulado no café, em
capital industrial, partiram preponderantemente de imigrantes39
, reconhecendo a
existência de um “burguês imigrante”. Outros autores destacam o papel dos imigrantes
desprovidos de recursos, que trouxeram de seus países de origem o saber fazer técnico,
e com isso deram inicio às pequenas empresas artesanais e industriais, que em alguns
casos se tornaram grandes empresas posteriormente. (Selingardi-Sampaio, 2009, p. 106
a 107).
Neste contexto, se faz necessário abordar como as iniciativas e os fatores locais
e extra-locais nos ajudam a explicar a industrialização de Birigui. Uma primeira
explicação do surgimento da indústria de calçado em particular, foi dada por Zampieri
(1976), no qual aponta alguns fatores como: a presença do pequeno capital; a ação do
Banco do Brasil; a disponibilidade de mão de obra de origem rural; a rede rodoviária
existente.
O pequeno capital foi acumulado em transações comerciais, imobiliárias, de
atividades liberais, sendo que a maior parte era oriunda da zona rural. Neste ponto é
importante acrescentar, que o capital acumulado na agricultura não se restringe à cultura
do café. Como vimos anteriormente, principalmente a partir da década de 1930, o
algodão foi intensivamente cultivado nas lavouras do interior paulista, inclusive no
município de Birigui.
Um exemplo ilustrativo da união do pequeno capital foi a formação de uma casa
bancária, a Cooperativa de Crédito Agrícola-Banco de Fomento à Produção Ltda, em
1956. Em 1959 formou-se a Biol – Birigui Óleo Ltda., constituída pela união de três
37 Para maiores informações cf. Mello (1986); Singer (1983); Cano (1983).
38 Mamigonian (1976, p. 87-88) afirma que os fazendeiros do café, na maioria dos casos, acabaram
perdendo seus negócios industriais para os novos imigrantes.
39 Cf.: Prado Jr. (1966); Davidovich (1968).
74
sócios locais. Essa iniciativa bem sucedida teve uma grande repercussão, mostrando a
viabilidade de implantação de indústrias e servindo de incentivo às posteriores
iniciativas. Outro exemplo de associação do pequeno capital ocorreu em 1962, com a
formação da Biferco – Birigui Ferro Ltda. Essa sociedade era constituída por 33 sócios
e revelou o modo como se poderia aglutinar o capital para a implantação de uma grande
empresa. Seguindo o exemplo de associação do pequeno capital, no entanto com um
número de sócios mais restritos, geralmente dois ou três, entre as décadas de 1950 e
1970 foram criadas 41 indústrias de calçados em Birigui.
Desde as primeiras implantações industriais na década de 1950 até o início da
década de 1970 o Banco do Brasil foi o principal agente local de assistência às
indústrias. Os benefícios promovidos pelo banco aos empresários foram no sentido de
oferecer facilidades na obtenção de empréstimos, o que repercutiu de maneira positiva,
principalmente na atividade calçadista.
Assim como em muitas cidades brasileiras, ao longo das décadas de 50 e 60 a
população rural de Birigui, e de alguns municípios próximos, veio a se concentrar na
cidade. De acordo com os censos demográficos de 1950, 1960 e 1970, a população
urbana de Birigui saltou de 12.550 habitantes para 27.330 habitantes, enquanto que a
população rural caiu de 18.468 habitantes para 7.887 habitantes. O que mostra uma
variação de mais de 100% nos dois casos. Atualmente de acordo com os dados do
Seade, a taxa de urbanização de Birigui ultrapassa 90%, o que revela a intensificação do
êxodo rural na segunda metade do século XX, aumentando a disponibilidade de mão de
obra na cidade.
No que diz respeito ao papel do imigrante na indústria de Birigui, Zampieri
(1976) chama a atenção para a predominância de italianos no município de Birigui –
33% do total da população40
; enquanto Birigui apresentava uma população de 1734
italianos, Araçatuba contava com 826, Lins com 961 e Penápolis com 784 – melhor
dizendo, com o dobro do número de pessoas de origem italiana quando comparado a
outros municípios da região. Por isso, Zampieri (1976) considera a predominância de
italianos se constitui num fator importante para entendermos o desenvolvimento da
indústria de calçados em Birigui, já que o mesmo não ocorreu nos outros municípios
citados: [...] possivelmente será uma das motivações (a maior quantidade de população
de origem italiana) e diretivas para a atividade industrial, tendo em vista seu espírito
40 Cf. Censo Demográfico de 1940, IBGE.
75
inato de artesão (p.25).
É provável, como aconteceu nos casos de industrialização em outros centros
urbanos como Franca, que a presença de imigrantes europeus, no caso de italianos, seja
um elemento importante para explicar as iniciativas dos atores sociais em se dedicar a
uma determinada atividade produtiva, já que trouxeram consigo o saber fazer que,
potencialmente, poderia ser empregado na produção artesanal e industrial de bens ou ser
repassado localmente. Como veremos a seguir, no caso da indústria calçadista de
Birigui, os nomes dos primeiros empresários envolvidos na fabricação do calçado
sugerem uma origem estrangeira, porém, não somente de italianos como supôs
Zampieri. O primeiro empresário fabricante de calçados da cidade era de origem turca
(Avac Bedoian) e os primeiros empresários fabricantes de calçados infantis eram
descendentes de família portuguesa (Ramos Assumpção), sendo que estes últimos
formaram sociedade, posteriormente, com mais dois empresários descendentes de
italianos (Fiorotto).
2.3- Das primeiras fábricas à consolidação da especialização produtiva
No que se refere ao desenvolvimento da indústria calçadista, na década de 1940
havia em Birigui duas sapatarias voltadas à produção de botas, botinas e sapatões, a
primeira é a Sapataria e Selaria Noroeste instalada em 1941 e a Indústria de Calçados
Birigüiense instalada em 1947. Como dito anteriormente, a fábrica era de propriedade
de um turco chamado Avac Bedouian, que morou um período na cidade de São Paulo,
onde trabalhou em fábricas de calçados e aprendeu a profissão de cortador e modelista
e, posteriormente, abriu sua própria fábrica de calçados femininos na Rua 25 de Março.
Com o fechamento de sua fábrica, voltou a trabalhar como empregado e em 1946 migra
para Birigui a convite dos sogros, também turcos, que já moravam no município. Em
1947 Bedouian montou a Indústria de Calçados Biriguiense que fabricava calçados
masculinos e botinas (Vedovotto, 1996, p. 40-41).
Somente em 1958 foi instalada a primeira fábrica de calçados infantis na cidade,
a “Ramos & Assumpção”, que empregava seis trabalhadores. Os proprietários eram dois
irmãos da família Ramos Assumpção, de origem portuguesa, que aprenderam a
profissão de sapateiros na cidade de Gabriel Monteiro onde moravam e posteriormente
vieram trabalhar nas sapatarias de Birigui. Posteriormente, trabalharam com italianos na
cidade de São Paulo onde adquiriram o conhecimento sobre a produção de calçados
76
infantis. Neste período perceberam que não havia muitas fábricas destinadas à produção
de calçado infantil e por este motivo, voltaram para Birigui e montaram a primeira
fábrica deste segmento na cidade41
. Devido às dificuldades em encontrar profissionais
especializados na região e pela falta de maquinas de pesponto, os calçados produzidos
por esta primeira fábrica eram cortados e pespontados por uma banca em São Paulo, e
somente depois de pronto é que o cabedal seguia para Birigui para ser montado e
receber o acabamento (Vedovotto, 1996, p.46; Zampieri, 1976, p. 106).
De acordo com Zampieri, a necessidade de aporte de capital para a empresa
levou os irmãos Assumpção a convidarem os irmãos Fiorotto para serem sócios da
empresa. A sociedade foi constituída com apenas um dos irmãos da família Fiorottto
(João Eupfrásio Fiorotto), e assim, a razão social da empresa muda para “Fiorotto e
Assumpção”.
Em 1961 ocorrem duas mudanças na empresa, primeiro com a entrada de outro
integrante da família Fiorotto e, posteriormente, no mesmo ano, com a saída de Antonio
Ramos Assumpção da sociedade. Com isso, a empresa muda novamente de razão social
e passa a se chamar “Indústria e Comércio de Calçados Fiorotto”, para somente em
1968 incluir em sua razão social a marca pela qual os calçados da empresa ficaram
conhecidos: “Popi Indústria e Comércio de Calçados Ltda”42
(Vedovotto, 1996, p.51).
Depois de deixar a sociedade da empresa “Fiorotto e Assumpção”, em 1962
Antonio R. Assumpção convida um comerciante da cidade, Raul Manhama Rahal, e
abre uma nova empresa de calçados com a marca Rassum. Com o crescimento da
empresa na década de 1980, Assumpção compra a outra parte da empresa, mudando sua
razão social para “Kiuty Indústria e Comércio de Calçados”43
.
Outro exemplo de empresa que iniciou suas atividades na década de 1960 é a
Bical, fundada por três sócios, sendo que um deles era o médico Sergio Clark Xavier
Soares e os outros dois eram seus concunhados, João Sanches Ortega e Manoel Ibanhez.
Devido às dificuldades financeiras da empresa os dois últimos resolveram sair da
sociedade, foi quando o médico resolveu convidar dois amigos (Antônio Liranço e
Antônio Osmar Taschim) que trabalhavam na empresa Popi – e por isso já possuíam
41 In: www.museubirigui.com.br
42 A composição da sociedade da empresa ainda muda novamente em 1977, mas com a entrada de outros
integrantes da família Fiorotto. Na década de 1990, a empresa passa por inúmeras dificuldades
financeiras e se torna prestadora de serviços de outras empresas e posteriormente encerra suas
atividades em 1995.
43 Esta empresa foi uma das maiores da cidade, mas atualmente entrou em falência.
77
experiência sobre o funcionamento de uma fabrica de calçados – para compor a
sociedade da empresa (Zampieri, 1976, p. 110; Rizzo, 2004, 23-24).
Por estes primeiros exemplos, podemos notar que o saber fazer adquirido em
outras fábricas e a associação do pequeno capital, se constituem em dois elementos
fundamentais para a origem da indústria calçadista de Birigui. De certa forma, estes
exemplos bem sucedidos influenciaram as decisões posteriores dos novos empresários
do ramo. A história da maioria das empresas calçadistas da cidade reproduz a trajetória
descrita acima, qual seja: associação do pequeno capital e experiências de aprendizado
anteriores. Cabe ressaltar, que a inserção no mercado consumidor do calçado produzido
em Birigui se deveu tanto pela demanda por calçados infanto-juvenis verificada na
época, como pelo baixo preço praticado pelos empresários birigüienses. De acordo com
Zampieri (1976, p.97) o preço reduzido do calçado produzido em Birigui “foi
conseguido em função do baixo custo operacional, ou seja, base salarial mínima com
alta incidência de menores, simplicidade dos escritórios com um ou dois funcionários,
dedicação do industrial dirigindo e supervisionando todos os setores, baixo aluguel dos
imóveis” [...].
Diante das especificidades da indústria calçadista de Birigui, parece que a
explicação bastante difundida sobre a industrialização no Estado de São Paulo, em que o
capital oriundo da atividade cafeicultora seria o elemento propulsor do processo de
industrialização – com o capital acumulado na cafeicultura sendo convertido em capital
industrial – não elucida satisfatoriamente este caso específico. Primeiramente, porque os
industriais de Birigui não faziam parte da elite agrária do estado. Assim como os
industriais das fábricas de calçados de Franca, em Birigui os donos de fábricas são
conhecidos como “industriais de pés descalços” – uma ironia que faz referência a
origem social dos donos de fábrica. Além disso, o período em que surgem as primeiras
empresas de calçados em Birigui é posterior ao período de nascimento da indústria
paulista. Em segundo lugar, a característica quase artesanal da produção de calçados não
exige grande quantidade de capital para se iniciar a produção, o que possibilitou
posteriormente, a ex-funcionários da indústria de calçados se tornarem empresários.
Retomando o quadro geral econômico brasileiro, no final da década de 1950, o
governo de Juscelino Kubistcheck (1956-1960) implementou políticas estatais baseadas
no nacional desenvolvimentismo que deram impulso ao setor industrial do país,
principalmente ao setor de bens intermediários e à indústria de base, considerados os
setores capazes de dinamizar os outros setores industriais.
78
Apesar de um crescimento inicial forte, principalmente nos primeiros anos da
década de 1960, o que se verificou foi uma oscilação entre crescimento forte e
desaceleração até o final da década de 70. Como sintetiza Selingardi-Sampaio (2009):
Focalizando, de início, alguns aspectos econômicos gerais, cabe
reconhecer que os anos 60 representaram um período de
alternância de eventos positivos e negativos na economia
brasileira. Os novos rumos traçados para o desenvolvimento
nacional e a industrialização, ao longo dos anos 50, conheceram
breves interrupções e crises de naturezas diversas, para depois
serem aprofundadas as orientações iniciais. Assim, o
crescimento econômico agregado ocorreu de forma
intermitente, segundo um ritmo marcado por descontinuidades,
que individualizaram movimentos cíclicos caracterizados por
duas fases ascendentes (1960-61 e 1968-70) e uma descendente
(1962-1967). Tomando-se a década como um todo, entretanto, o
crescimento econômico foi bastante positivo, com taxa média
de expansão do PNB e da indústria de 6,20% e 6,90%,
respectivamente. (p. 179)
Cabe ressaltar, que as taxas médias de crescimento na indústria de
transformação, entre os anos de 1966 a 1972, foram superiores nas categorias de bens de
consumo duráveis e bens de capital, como aponta Cano (1998):
Os ramos de bens de consumo não-durável – notadamente têxtil
e vestuário – foram os que maiores problemas sofreram neste
período. Sua recuperação só se inicia a partir de 1968, porém a
taxas menores. A diferenciação de produtos para atingir as
camadas de médio para alto nível de renda e os incentivos às
exportações constituíram dois fortes elementos para sua
recuperação (p.88).
Nas palavras de Selingardi-Sampaio (2009) com a ação do Estado nacional
visando projetos e objetivos a serem alcançados em médio e longo prazo:
a industrialização deixa de ser um “expediente ocasional”, para
se transformar em política consciente e efetiva conduzida pelo
Estado, por meio de vários projetos. Assim, ao longo dos anos
50 e, mais intensamente nas décadas de 1960 e 1970, quando se
impôs de maneira autoritária, o Estado autoconverteu-se em
agente orientador e regulador da atividade industrial e, dada a
notória escassez de capitais privados, ainda intensificou seu
desempenho como agente produtivo, ao tornar-se empresário
em alguns ramos de longa maturação, que demandam
investimentos em longa escala (p.141).
Com base na idéia de Estado promotor do desenvolvimento econômico é
possível compreender as políticas de incentivos e as facilidades de crédito para os
industriais, promovidos pelo governo brasileiro e que, de forma indireta, ajudam a
79
explicar o aumento do número de indústrias de calçado no referido período. Como
reflexo dessa política, o Brasil tem um crescimento de sua economia e um aumento do
mercado consumidor. Além disso, a demanda no mercado interno pela produção de
calçado infanto-juvenil, também deve ser considerada um fator importante, já que a
maioria das fábricas nacionais se dedicavam à produção de calçado adulto.
Os dados sobre o número de indústrias de calçados mostram que a partir da
década de 1960, o crescimento experimentado pelas primeiras fábricas e as condições
políticas e econômicas do país, estimulou outras iniciativas empreendedoras. Segundo
Zampieri (1976), na década de 1960 foram criadas 34 novas empresas de calçados,
sendo que destas, 25 foram criadas entre os anos de 1968 e 1969. Há uma
discordância44
, com relação ao número de empresas, entre os dados coletados por
Zampieri (1976) e por Souza (2004), este que afirma terem sido criadas 20 empresas na
década de 1960. Apesar desta divergência ambos concordam que os anos de 1968 e
1969 foram os mais significativos da década. Segundo Souza (2004) as duas empresas
criadas em 1962 tiveram sua origem relacionada ao desmembramento de sociedade das
fábricas anteriores. De fato, a produção de calçados em pequena escala não exigia um
aporte muito alto de capitais, devido à baixa necessidade de máquinas e equipamentos,
ao processo produtivo quase artesanal e à possibilidade de iniciar a produção num
espaço físico de pequena dimensão. Esse aumento do número de empresas verificado na
década de 1960 é acompanhado por uma tendência nacional de dinamismo no setor
industrial.
Zampieri se refere ao final da década de 1960 como um momento de grande
euforia na cidade, quando se verifica uma verdadeira corrida para implantação de
fábricas de calçados em Birigui. Além do momento econômico favorável, como dito
anteriormente, os exemplos das primeiras fábricas que “deram certo” haviam criado no
local uma sensação de otimismo, ou seja, a crença de que novas iniciativas também
poderiam prosperar. O relato de Zampieri (1976) é bem elucidativo: “O otimismo surgiu
em função daquilo que se observava, visto que na cidade comentava-se abertamente os
dados da produção, do emprego ao elemento feminino e menores, da formação das
sociedades, geralmente composta de vários sócios, e dos aumentos efetuados
anualmente em área ocupada de cada unidade (p.111).”
44 Apesar de ambos terem consultado o cadastro de empresas da Prefeitura Municipal de Birigui.
80
Nesse período de euforia, a formação de sociedades foi caracterizada pela
diversidade de origem dos integrantes, muitas vezes com integrantes que não tinham
nenhum conhecimento sobre o processo produtivo do calçado, como: sociedades
formadas por comerciantes ou profissionais liberais com maior capacidade financeira,
que se aliavam aos profissionais com conhecimento comercial no ramo calçadista, como
os casos da Rassum e Bical; sociedades formadas profissionais liberais que se uniam a
seleiros, sapateiros e viajantes vendedores de calçados, todos com partes iguais na
sociedade, como nos casos da Rinde e da Raquete; a união de profissionais liberais sem
conhecimento algum no ramo, como nos casos da Derly e da Clyfer; formação de
sociedades entre profissionais do ramo, modelistas e chefes de sessão, como nos casos
na Novita e da Ypo; iniciativas individuais com origem no desmembramento de
sociedade, como a nos casos da Sandra e da Ysbel; houve, também, iniciativas
individuais, como a Avac e a Slip (ZAMPIERI, 1976, p.115-116).
Tabela 2 – Número de fábricas de calçados instaladas
em Birigui – 1958 a 1979.
Ano Número de unidades fabris
instaladas 1958 1 1960 1
1962 2
1963 1
1966 3
1967 2
1968 6
1969 6
1970 2
1971 2
1972 2
1973 4
1974 5
1975 2
1976 6
1977 2
1978 6
1979 5
Fonte: Souza (2004) em pesquisa nos dados dos livros
de inscrição industrial, comercial e prestação de
serviços da Prefeitura Municipal de Birigui.
Com o aumento do número de indústrias de calçados verificado no final da
década de 1960, tem início o surgimento de empresas fornecedoras de matéria prima
81
à produção do calçado. Na década de 1960, em função do aumento do número de
indústrias de calçados, surge em 1966, de acordo com Souza (2004):
a Cartonagem Invicta que produzia caixas de sapato individual e
coletiva. Em 1968 surgem mais duas empresas a Petrilli &
Oliveira, que fabricava artefatos de borracha, solas, solados,
bem como placas de neolite e de látex, e a indústria metalúrgica
Fiargo que produzia artefatos de metal, ilhoses e fivelas. Em
1969 surge a fábrica de saltos Pérola que fabricava saltos de
madeira para as empresas de calçados (p.5).
O crescimento do número de fábricas assim como de empresas fornecedoras tem
continuidade na década de 1970. Segundo dados do censo industrial do Estado de São
Paulo, surgiram 29 novas fábricas de calçados em Birigui, acompanhadas pelo
surgimento de outras empresas que davam suporte às fábricas de calçados, dentre elas: a
Cartonagem Birigui, a Indústria de Couros Atlântica, a Kicola Indústria Química, a
Quimisinos Indústria Química, a Saltos Montoro, a Saltos Lindesa e a Brasquímica,
todas na década de 1970 (SOUZA, 2004, p.60).
Na mesma época, já se destacavam no Brasil outros centros produtores de
calçado, sendo que alguns perduram até os dias atuais, são eles:
no Estado Rio Grande do Sul, destaca-se o pólo calçadista do Vale dos Sinos;
no Estado de São Paulo destacam-se a cidade de Franca, produtora de calçados
desde o século XIX; a própria cidade de São Paulo, que veio gradativamente,
perdendo sua participação no setor; a cidade de Jaú, que atualmente é
considerada um importante centro de produção de calçado feminino;
Outros Estados como Pernambuco, Minas Gerais e Rio de Janeiro45
também se
destacavam, no entanto com uma produção ainda reduzida.
Como aponta Corrêa (2001), as especializações produtivas do Vale dos Sinos e
de Franca em escala menor, beneficiadas por incentivos às exportações, oferecidos pelo
BNDES, já exportavam boa parte da produção, principalmente, para os Estados Unidos.
Na década de 1970 no Brasil, o centro produtor de Franca se consolida como o maior
exportador de calçados masculinos em couro e o Vale dos Sinos como maior centro
exportador de calçados femininos do país. No mercado nacional, a crescente demanda
gerada pelo processo de urbanização, o crescimento experimentado pelo setor industrial,
juntamente com o aumento da demanda internacional, contribuiu para aumento do
45 Na época, o que hoje é o Estado do Rio de Janeiro era dividido em Estado da Guanabara e Estado do
Rio de Janeiro, sendo que a produção de calçado se concentrava no Estado da Guanabara. Cf.
ZAMPIERI, p. 77.
82
número de estabelecimentos e de emprego na indústria calçadista brasileira (Navarro,
2006, p.141). No entanto, esse aumento se deveu muito mais a expansão nas
exportações que ao consumo no mercado interno. Na década de 1970 o
desenvolvimento econômico do país estava parcialmente voltado para fora, por isso, as
exportações de bens manufaturados apresentou um aumento significativo na balança
comercial brasileira: em 1972 o peso dos bens manufaturados na balança comercial do
país era 36,1% e o valor das exportações era de 1,44 bilhão de dólares; em 1984 esse
percentual para 66,3%, com o valor das exportações saltando para 17,9 bilhões de
dólares.
De acordo com Zampieri (1976, p.75-76), o aumento do consumo no mercado
interno durante a década de 1970, acompanhou apenas o aumento demográfico
verificado no país e o consumo per capta nacional não atingiu um par ao ano. Os dados
sobre as exportações de calçados no período mostram um elevado crescimento, visto
que em 1970 o país exportou 3,8 milhões de pares de calçados, contabilizando 8,3
milhões de dólares. No ano de 1979, o volume de calçados exportados aumentou para
41,9 milhões de pares, contabilizando 351,4 milhões de dólares46
. Este aumento se
deveu principalmente, à entrada do calçado brasileiro no mercado consumidor dos
Estados Unidos. Zampieri (1976, p.89) lembra que as exportações brasileiras na época
eram feitas, na maioria das vezes, por Trading Companies estrangeiras, como a
Sumitomo (japonesa) que realizava 85% das exportações de calçados do Rio Grande do
Sul e que devido a este fato, boa parte das divisas geradas pelo comércio exterior de
calçados na época, eram transferidas para fora do país47
.
As políticas de incentivos às exportações durante a década de 1970 tiveram
pouco impacto sobre a indústria calçadista de Birigui, que era voltada basicamente para
o mercado nacional. Uma pesquisa em jornais da época realizada por Souza (2004, p.
36) constatou que houve três registros de exportações realizados por empresas de
calçados de Birigui para o Canadá e Estados Unidos. Estas experiências não tiveram
continuidade devido a alguns obstáculos enfrentados por estas empresas no período. O
primeiro deles foi relativo às deficiências infra-estruturais em que se encontrava a
região, o que por sua vez, dificultava o contato com os escritórios de exportação
localizados na cidade de São Paulo. Como relata Souza, as ligações telefônicas
46 Fonte: Garcia (2001, p.117).
47 A informação dada pelo autor é baseada em uma matéria publicada no “Diário do Comércio e
Indústria” de 27/08/1973.
83
demoravam mais de duas horas para serem completadas e tinham que ser feitas do
município de Coroados, a 10 km de Birigui. Percebemos que neste período, a
dificuldade em estabelecer relações com outros nós da rede urbana, gerada pelo baixo
desenvolvimento técnico em que se encontrava, não somente a região noroeste do
estado, mas como boa parte do território nacional, prejudicou a inserção no comércio
exterior do calçado produzido na cidade. Mesmo sendo a década de 1970 um período,
como destacam Santos e Silveria (2004), de irradiação do “meio técnico-científico-
informacional” – em que o “território ganha novos conteúdos e impõe novos
comportamentos, graças às enormes possibilidades de produção e, sobretudo, da
circulação dos insumos, dos produtos, do dinheiro, das idéias e informações, das ordens
e dos homens (p.52-53)” – como destacam os próprios autores, esta irradiação se
concentrou principalmente nas regiões Sul e Sudeste, visto que boa parte do território
nacional ainda estava à margem deste processo.
Além deste problema, houve a dificuldade em adaptar o calçado produzido em
Birigui aos padrões de modelagem requeridos pelo mercado estadunidense. De acordo
com Zampieri, diferentemente da modelagem brasileira que apresentava um padrão
mais curto e alto, a modelagem dos calçados nos Estados Unidos, obedeciam a um
padrão alongado e curto, o que dificultou a aceitação do calçado de Birigui no mercado
daquele país.
Os anos de 1980 foram os mais significativos para o desenvolvimento do ramo
calçadista da cidade. Até o ano de 1990, Birigui já contava com 166 estabelecimentos
produtores de calçados. A segunda metade da década de 1980 foi a mais importante,
como podemos notar pelo gráfico 6, o número de estabelecimentos mais que dobrou,
passando de 73 em 1985, para 166 em 1990, ou seja, 93 novos estabelecimentos em
cinco anos.
84
Como se sabe, a década de 1980 é conhecida como a “década perdida” para a
economia brasileira. Neste período como aponta Singer (2001): no Brasil,
experimentamos uma estagflação de extraordinária intensidade. Enquanto caíam a
produção e o emprego, a massa salarial e o consumo, o custo de vida subia a
porcentagens de três dígitos ao ano (p.114). Com o fim do regime militar, José Sarney
assume a presidência da república e lança em 1986 o Plano Cruzado, introduzindo uma
nova moeda e congelando preços e salários. Este plano de estabilização econômica
cumpriu sua função por um curto período de tempo, visto que nos anos seguintes a
inflação retorna com mais força, chegando a superar 1000% ao ano. Esse período
inflacionário mais intenso durou aproximadamente sete anos, de 1987 a 1994, marcado
pela alta diária dos preços dos produtos, prejudicou intensamente o funcionamento da
economia do país (Singer, 2001, p.115).
Apesar da crise econômica vivida pelo país, de acordo com Reis (1994), durante
a década de 1980 a indústria de calçados foi um dos poucos segmentos industriais a
expandir, e segundo o autor, essa expansão se explica, principalmente pelo aumento das
vendas no mercado externo devido aos incentivos oferecidos pelo governo federal. No
final da década de 1980 o setor calçadista chega a exportar 170 milhões de pares, valor
que seria ultrapassado somente em 1993 quando as exportações chegaram a 201 milhões
de pares48
. De acordo com o autor, os incentivos às exportações era uma tentativa de
aumentar os superávits comerciais no intuito de corrigir desequilíbrios
macroeconômicos, gerados principalmente pelos altos juros incidentes sobre a dívida
48 Fonte: MDIC/SECEX.
0
50
100
150
200
250
300
350
1972 1985 1990 1995 2000 2005 2008
Gráfico 6- Número de indústrias de calçados em Birigui-SP
Nºde industrias de
calçados
Fonte: A fonte de informação do ano de 1972 é de Zampieri (1976).Os demais dados são
da RAIS (Relação Anual de informações Sociais) com registros a partir do ano de 1985.
85
externa brasileira. Além das exportações, a indústria calçadista expandiu as vendas de
calçados no mercado nacional, no entanto, devido ao baixo poder aquisitivo da
população brasileira (e de outros motivos que já abordamos no capítulo anterior), a
produção para o mercado interno se concentrou em calçados alternativos (mais baratos),
como os de plástico, borracha, tecido e sintético.
Tabela 3 – Produção de calçados em Birigui (em pares) e percentual exportado –
1985/ 1989
1985 1986 1987 1988 1989
Produção de
calçados
17.781.510 25.292.100 20.405.900 21.426.195 30.000.000
Percentual
exportado
0,25 2,49 2,20 3 *
Fonte: Adaptada de Souza (2004), p. 57, com base em dados fornecidos pelo (SICVB) ao jornal “Diário
de Birigüi” de 05/07/1989.
*Informações não disponíveis
Como podemos perceber pelos dados expostos na tabela, no ano de 1986 (ano de
edição do Plano Cruzado) houve um crescimento de mais de 42% da produção com
relação ao ano anterior. Já no ano de 1987 a produção tem uma queda de quase 20%
com relação ao ano anterior. A crise econômica e a queda na produção tiveram
implicações no mercado de trabalho, tanto no total de empregos gerados pelo setor no
Estado de São Paulo – que em 1986 empregava 82.722 trabalhadores e sofre uma
redução de quase 25% deste total, chegando ao final de 1987 com 62.257 empregados –
quanto pelos empregos gerados em Birigui, que em 1986 empregava 9.753
trabalhadores, e chega ao final de 1987 com 8.028 trabalhadores, o que significou uma
redução de mais de 17% com relação ao ano anterior49
.
No entanto, apesar de se constituir um período de expansão nas exportações de
calçados no Brasil, fica claro pelos dados apresentados na tabela que a produção de
calçados de Birigui era voltada predominantemente ao mercado interno.
Dadas as características quase artesanais para se iniciar a produção de calçados –
o que se constitui na quase ausência de barreiras técnicas para entrada no setor, visto
que o início da produção não exige a mobilização de um grande montante de capital – e
o momento de expansão das vendas das empresas brasileiras para o mercado externo,
49 Fonte: RAIS/MTE, subsetores do IBGE.
86
este momento pode ser caracterizado por uma significativa diminuição das barreiras à
entrada50
de novas empresas. Por outro lado, o fato de que a indústria de calçados no
Brasil é espacialmente bastante concentrada, com a formação de aglomerações de
empresas, – o que já se evidenciava em Birigui na década de 1980 – permite às
empresas nelas instaladas, usufruir de vantagens competitivas importantes, conseguirem
um desempenho produtivo superior, o que também se constitui num fator de redução às
barreiras de entrada de novas empresas, tanto às calçadistas quanto às empresas
correlatas51
(Garcia, 2001, p. 170).
Dando continuidade a nossa proposta de entender os fatores que nos ajudam a
explicar o surgimento e desenvolvimento da indústria de calçados de Birigui,
consideramos necessário reforçar que este processo, apesar de articulado com forças
atuantes em todas as escalas geográficas, foi desencadeado por fatores endógenos.
Donde convém atentar para o processo de desconcentração industrial no Estado de São
Paulo a partir da década de 1970, procurando mostrar como as características deste
processo reforçam nosso argumento.
2.4- Desconcentração industrial no Estado de São Paulo
Sabe-se que o processo histórico de desenvolvimento econômico brasileiro
apresentou um padrão de distribuição das atividades econômicas, fortemente
concentrado, em particular no Estado de São Paulo que na década de 1970 era
responsável por 39% do PIB nacional52
. Como dito anteriormente (primeiro item deste
capítulo), desde a década de 1950 é possível notar a concentração de indústrias em
certas áreas do estado, em particular na Região Metropolitana de São Paulo. A
aglomeração espacial de indústrias, portanto, é uma tendência verificada e constada por
inúmeros estudos sobre a industrialização paulista.
50 Kupfer (2002) explica que são muitos os enfoques sobre barreiras à entrada na Economia Industrial,
mas é possível identificar alguns pontos em comum, como a ênfase conferida ao longo prazo e à
concorrência potencial, que se constituem nas bases teóricas para a construção do conceito. O autor
define, em termos gerais, que as barreiras à entrada podem ser entendidas como “qualquer fator que
impeça a livre mobilidade do capital para uma indústria no longo prazo e, conseqüentemente, torne
possível a existência de lucros supranormais permanentes nessa indústria (p.112).”
51 A consolidação da aglomeração espacial de indústrias e a formação de economias de escala relativas à
proximidade física entre as empresas serão aprofundadas no próximo capítulo.
52 Fonte: IBGE, Anuário Estatístico, consultado em Diniz e Crocco (1996, p.82).
87
Apesar de crescer a um ritmo menor que o setor industrial brasileiro, ao longo
dos anos 1970 a indústria paulista cresceu a um ritmo de 9,5% ao ano, com destaque
para a indústria mecânica, metalurgia, vestuário, calçados e artefatos de tecido.
Negri (1987) aponta que no primeiro ciclo da industrialização pesada, entre
1956-1962, houve uma intensificação da concentração da população, da indústria e dos
serviços na metrópole – entre as décadas de 1950 e 1960 a cidade de São Paulo era
responsável por mais de 50% do valor da produção industrial de todo o estado –, já no
segundo ciclo, entre 1968-1973, ocorreu uma relativa desconcentração da população e
da atividade urbana, tanto no setor industrial, como no de comércio e serviços – a partir
dos anos 1970 a participação da metrópole paulista no valor da produção industrial
reduziu para 43,65%, chegando na década de 1980 com 30,3%.
Negri reforça seu argumento ao constatar que o interior de São Paulo nos anos
1970 “foi responsável por 43,4% do acréscimo da PEA no setor secundário, caindo o
peso da metrópole na PEA estadual nesse setor para pouco mais da metade (56,6%)53
em 1980 (p.94)”. O crescente processo de urbanização e industrialização, dos anos 1950
a 1970, gerou um reordenamento na estrutura produtiva, assim como, na estrutura de
consumo de bens e serviços gerando uma nova divisão territorial do trabalho.
De acordo com Santos e Silveira (2004, p.106) nesta nova divisão territorial do
trabalho, a partir dos anos de 1970, a produção industrial se torna mais complexa e se
estende para outros pontos do país, principalmente nas regiões Centro-Oeste, Norte
(Manaus) e Nordeste. Em sintonia com tais mudanças, as áreas de industrialização já
consolidadas, como a Região Metropolitana de São Paulo, apresentam dinâmicas
diferentes da experimentada em períodos anteriores. Verifica-se, portanto, nas últimas
décadas um processo de desconcentração no Estado de São Paulo, caracterizado pela
dispersão de unidades industriais, tanto para o interior do estado como para outros
estados brasileiros, e por uma redução da participação da metrópole no setor industrial.
Alguns autores consideram que nas aglomerações espaciais de indústrias atuam
forças de atração (forças centrípetas) entendida como o poder de atração exercido pela
aglomeração, graças às possibilidades de apropriação por outras empresas das
economias externas (ou economias de localização, geradas pela proximidade física entre
empresas de um mesmo setor). No entanto, além das forças aglutinadoras, também estão
presentes as forças de repulsão (forças centrífugas), ou seja, forças capazes de expulsar
53 Até 1970 a Grande São Paulo detinha 64.7% da PEA no setor secundário (Negri, 1987, p.94).
88
as atividades econômicas da aglomeração. Trata-se das “deseconomias” de
aglomeração, ou seja, a localização numa determinada área passa a gerar custos de
produção que superam as externalidades geradas pela aglomeração; tais “deseconomias”
podem se configurar em elevação dos custos de transporte, aumento dos preços de
aluguéis e imóveis, congestionamento, dentre outros fatores que contribuiriam para
desestimular a localização de empresas numa determinada área (Garcia, p.23; Azzoni,
1986).
De acordo com Selingardi-Sampaio (2009, p.51), “a concentração é a tendência
mais espontânea e dominante na relação da indústria com o espaço geográfico, em uma
primeira etapa, sendo o posterior embate entre forças centrípetas e centrífugas o fator
instalador, no território, da tensão dialética entre concentração e dispersão.” Cabe
entendermos, quais os reflexos do processo de desconcentração/descentralização
industrial da metrópole no processo de industrialização no interior paulista e como a
indústria calçadista de Birigui se insere neste processo.
Inúmeros fatores contribuíram para que, a partir da década de 1970, a metrópole
paulista diminuísse sua participação na produção industrial. O processo de
desconcentração espacial da indústria envolve alguns fenômenos que implicaram em
mudança na divisão territorial do trabalho no Brasil. Crocco e Diniz (1996) apontam
que “ocorreu um processo de reversão da polarização da Área Metropolitana de São
Paulo (AMSP), cuja participação no emprego e na produção industrial caiu de 34 e
44%, respectivamente, para 28 e 29%, entre 1970 e 1985. Entre 1985 e 1991 a AMSP
perdeu 155 mil empregos industriais (p.84).” No que diz respeito ao crescimento da
infra-estrutura, os autores apontam que: “A malha rodoviária pavimentada (federal e
estaduais), que era de 12.700km em 1960, subiu para 48.000km em 1970 e para,
aproximadamente. 130.000km em 1990 (p.85).” Da mesma forma, houve expansão na
frota de veículos, no número de terminais telefônicos e na capacidade de geração de
energia elétrica. Esse desenvolvimento da infra-estrutura, juntamente com o
crescimento urbano e o desenvolvimento de serviços mais modernos em diversas
cidades brasileiras proporcionou, segundo os autores, a criação de economias de
urbanização54
em centros urbanos mais distantes das áreas tradicionalmente
industrializadas, o que, por sua vez, facilitou a desconcentração industrial.
54 Como veremos no próximo capítulo, as economias de urbanização podem ser entendidas por tipos de
externalidades ou vantagens, próprias dos ambientes urbanos, envolvendo todas as atividades
econômicas e não especificamente um único setor produtivo (CAMAGNI, 2000, p.52).
89
Outro ponto importante, é que a desconcentração industrial esteve na pauta da
política econômica, como por exemplo, com os incentivos fiscais para as regiões norte e
nordeste, particularmente por meio dos projetos relacionados com a SUDENE, SUDAM
e SUFRAMA55
. Em conjunto com a ampliação da infra-estrutura, aumento do número
de centros urbanos e da demanda industrial, nota-se também a partir da década de 1970
uma grande expansão das fronteiras agrícolas – principalmente com a produção de grãos
nos estados sulinos desde o final da década de 1960 e posteriormente na região centro-
oeste – e minerais – como é o caso do Complexo Carajás (CROCCO e DINIZ, 1996,
p.85).
Da mesma forma, Cano (1998, p. 325) também destaca alguns fatores,
determinantes segundo o autor, para explicar as causas da diminuição da produção
industrial na Grande São Paulo e o aumento da produção industrial no interior, são eles:
as políticas de descentralização dos governos de São Paulo proporcionadas por
investimentos em infra-estruturas, principalmente rodovias, e em centros de pesquisa;
políticas de incentivos dos governos locais (incentivos fiscais, distritos industriais,
fornecimento de infra-estruturas); os custos de concentração na Grande São Paulo e a
necessidade de expansão e reestruturação de grandes empresas que passaram a se
instalar principalmente no interior; os incentivos federais no interior, como a
implantação de duas refinarias da Petrobrás e os grandes centros de Pesquisa; em escala
nacional, o autor destaca as políticas de incentivo às exportações e o Pró-Álcool.
Sposito (2007) argumenta ainda que:
Motivados pela perda de competitividade, pela pressão social e
pelo nascente movimento ambientalista, o governo do estado e a
União criaram, a partir dos anos 1960, uma série de restrições à
instalação de novas plantas industriais na capital e sua região
metropolitana, incentivando a migração de indústrias para o
interior paulista e outras regiões do país, uma vez que a
concentração industrial foi identificada como uma das raízes
dos problemas urbanos da metrópole56
.
Nesse sentido, Santos e Silveira (2004) afirmam que diante da “reorganização
industrial da Região Concentrada, os estados sulinos e o interior do Estado de São Paulo
ganham com a emigração de estabelecimentos da Região Metropolitana de São Paulo,
55 SUDENE (Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste), SUDAM (Superintendência para o
Desenvolvimento da Amazônia) e pela SUFRAMA (Superintendência para a Zona Franca de Manaus)
56 O artigo foi consultado no site http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-24569.htm, e por não apresentar
numeração de páginas neste formato nos limitamos a indicar a fonte e o ano de publicação.
90
com a criação de novas indústrias e, paralelamente, com a concentração dispersão do
valor da transformação industrial (p. 109)”. Assim como os referidos autores, Crocco e
Diniz (1996) apontam que apesar de todos os incentivos para as regiões norte e nordeste
e da expansão da fronteira agrícola na direção centro-oeste, em âmbito nacional, a
desconcentração de indústrias se limitou a uma área que abrange do centro de Minas
Gerais ao nordeste do Rio Grande do Sul. Assim como no território nacional, o processo
de desconcentração industrial no Estado de São Paulo não abrangeu da mesma forma
todo o estado, visto que se concentrou no entorno da região metropolitana,
principalmente em direção às regiões de Campinas, Jundiaí, São José dos Campos e
Sorocaba.
Tabela 4 - Brasil, regiões e estados selecionados: distribuição espacial da indústria de
transformação /1970-1990
Regiões e Estados 1970 1975 1980 1985 1990
Nordeste (menos BA) 4,2 4,5 4,4 4,8 4,5
Bahia 1,5 2,1 3,1 3,8 4,0
Minas Gerais 6,4 6,3 7,8 8,3 8,7
Rio de Janeiro 15,7 13,6 10,2 9,5 9,8
São Paulo 58,1 55,9 54,4 51,9 49,2
A) Metrópole 43,4 38,8 34,2 29,4 26,2
B) Interior 14,7 17,1 20,2 22,5 23,0
Paraná 3,1 4,0 4,1 4,9 5,7
Santa Catarina 2,6 3,3 3,9 3,9 4,2
Rio Grande do Sul 6,3 7,5 7,9 7,9 7,7
Outros Estados 2,1 2,8 4,2 5,0 6,2
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: Negri (1987, p.143) e IBGE/DEIND - Censo Industrial de 1985.
Selingardi-Sampaio (2009, p.236) aprofunda a abordagem sobre o processo de
industrialização no interior de São Paulo durante a década de 1970 e chama a atenção
para o caráter multifacetado deste processo, tanto no que refere à influência exercida
pela metrópole, quanto pela origem dos capitais empregados. A autora explica que a
instalação de fábricas novas no interior do estado – mesmo nos municípios mais
próximos da Região Metropolitana que receberam maior influência do processo de
desconcentração – é fruto de diversas iniciativas: investimentos diretos de empresas
multinacionais, tanto com sede gerencial na metrópole (como a Rhodia em Paulínea)
como implantações diretas, sem passagem prévia pela metrópole (como a Owens
Corning Fiberglass instalada em Rio Claro em 1969); investimentos diretos do governo
federal (como as unidades da Embraer em São José dos Campos); investimentos de
91
empresas com sede em outros estados brasileiros (como a Hansen, conhecida como
Tubos e Conexões Tigre, com sede em Santa Catarina e instalada em Rio Claro em
1975); investimentos oriundos de São Paulo ou de sua Região Metropolitana, com
transferência total de uma unidade antes localizada na metrópole, incluindo nesta
transferência a sede administrativa (como a Sum Plásticos instalada em Sumaré em
1972) ou, com a instalação de uma nova fábrica com permanência da empresa anterior
na metrópole (como a Equipamentos Villares S.A. instalada em Araraquara em 1978);
combinações de investimentos de origem mista (com capitais estrangeiros e nacionais,
privados e estatais, como a Braspectina, em Limeira); investimentos de origem local e
regional.
Outros autores como Lencioni (2003) e Sposito (2007) também apontaram que a
industrialização já estava presente no interior do estado até antes da década de 1950.
Portanto, a industrialização no interior segundo os autores, não é um fato novo, o que há
de novidade é a importância industrial que este espaço assume nacionalmente. Este
último autor acrescenta, que
Se, por um lado, a região metropolitana perde unidades fabris
para o interior, o que caracteriza um processo de
desconcentração; por outro, esse processo segue a lógica
capitalista de caráter transnacional e configura um
redirecionamento das unidades produtoras para o interior do
estado, concentrando a tomada de decisões na capital, onde se
encontram os principais nós das redes de comunicações e os
serviços necessários para se desempenhar papel de comando nas
escalas estadual, nacional e na América Latina (Sposito, 2007).
Verifica-se que o processo de desconcentração industrial no estado foi
acompanhado por um processo de reconcentração das atividades de comando e gestão
na capital paulista. De acordo com dados publicados pelo Boletim Seade (nº 13, de
janeiro de 2011) em 2008, a capital paulista respondeu por 35,6% do PIB estadual e a
metade da riqueza produzida no estado concentrou-se em apenas seis municípios: São
Paulo, Guarulhos, Osasco, São Bernardo do Campo, Campinas e Barueri. Somente a
Região Metropolitana de São Paulo respondeu por mais da metade do PIB paulista
(57,1%).
Lencioni (1991) concorda com a posição de Azzoni (1987) de que a instalação
de unidades industriais fora da capital paulista não se configura em um processo de
desconcentração industrial, visto que as atividades de comando continuam concentradas
na Região Metropolitana.
92
Araújo (2001) atribui essa desconcentração ao processo de reestruturação
produtiva acelerado no país desde a década de 1990, que além de não ter se
caracterizado por um processo de desindustrialização da metrópole, lhe agregou o papel
de maior centro financeiro e de serviços produtivos do país. Sposito (2004) acrescenta
que o processo de reestruturação verificado
nas últimas décadas não gerou uma divisão regional do trabalho
capaz de melhor distribuir espacialmente o conjunto das
atividades econômicas que movimentam mais capitais, geram
empregos melhor remunerados e precisam de modernização dos
meios técnico-científico-informacionais, bem como promovem
essa modernização (p.242).
As tabelas 5 e 6 apresentam a participação das Regiões Administrativas do
Estado de São Paulo no total de estabelecimentos da indústria e no valor adicionado
fiscal da indústria entre 1995 e 2008. Apesar de ambos apresentarem queda na região
metropolitana, reforçam a idéia de que apesar da desconcentração industrial a Região
Metropolitana de São Paulo ainda concentra quase metade dos estabelecimentos
industriais (46,44% em 2008). Verifica-se que a Região Administrativa de Campinas é a
que apresentou maior crescimento no referido período, visto que aumentou sua
participação, tanto no total de estabelecimentos industriais no estado de 16,52% em
1995 para 19,52% em 2008, quanto na participação no valor adicionado fiscal da
indústria que passou de 20,85% em 1995 para 26,95% em 2008. Segundo os estudos
sobre a desconcentração industrial no Estado de São Paulo, a cidade de Campinas foi
uma das que mais se beneficiou deste processo.
93
Tabela 5 - Participação das Regiões Administrativas, em percentual, no total de
estabelecimentos da indústria no Estado de São Paulo
Regiões 1995 2000 2008
RM de São Paulo 54,06 49,34 46,44
RA de Registro 0,31 0,32 0,28
RA de Santos 1,76 1,29 1,22
RA de São José dos
Campos
2,94 2,98 3,25
RA de Sorocaba 5,11 5,72 6,03
RA de Campinas 16,52 18,61 19,52
RA de Ribeirão Preto 2,49 2,60 2,91
RA de Bauru 2,60 2,88 3,02
RA de São José do Rio
Preto
3,16 3,88 4,14
RA de Araçatuba 1,69 2,00 2,09
RA de Presidente
Prudente
1,64 1,70 1,64
RA de Marília 2,13 2,26 2,16
RA Central 2,68 2,81 3,09
RA de Barretos 0,60 0,66 0,67
RA de Franca 2,25 2,87 3,47
Fonte: Fundação Seade
Sposito (2006) contribui para o debate sobre a desconcentração industrial no
Estado de São Paulo, identificando um novo paradigma na distribuição das atividades
econômicas e dos recursos no território paulista, a saber: o paradigma dos eixos de
desenvolvimento. Com base nos dados sobre o total de empregos ocupados (empregos
com registro em carteira no setor privado) nas cidades do eixo São Paulo – São José do
Rio Preto, Matushima e Sposito (2002) observaram que as cidades do entorno
metropolitano e próximas a Campinas têm grande participação nos empregos ocupados
na indústria. Essa característica, segundo eles, demonstra que a dispersão industrial no
Estado de São Paulo segue os principais eixos rodoviários, em direção a Campinas,
chegando, no máximo, a centros que distam até 250 km da capital.
94
Tabela 6 - Participação das Regiões Administrativas, em percentual, no Valor
Adicionado Fiscal da Indústria
Regiões 1995 2000 2008
Região Metropolitana de São Paulo 50,18 42,04 39,20
RA de Registro 0,17 0,21 0,22
RA de Santos 3,18 4,13 4,34
RA de São José dos Campos 8,84 13,72 9,13
RA de Sorocaba 5,42 5,17 5,96
RA de Campinas 20,85 23,12 26,95
RA de Ribeirão Preto 2,16 2,13 2,86
RA de Bauru 1,65 1,57 1,83
RA de São José do Rio Preto 1,28 1,41 1,94
RA de Araçatuba 0,93 0,99 1,14
RA de Presidente Prudente 0,57 0,53 0,75
RA de Marília 0,99 0,96 1,41
RA Central 1,95 2,06 2,08
RA de Barretos 0,68 0,80 0,97
RA de Franca 1,15 1,16 1,22
Total 100,00 100,00 100,00
Fonte: Fundação Seade
A Pesquisa Industrial Anual de 200357
, realizada pelo IBGE, mostrou que as
empresas industriais de alta intensidade tecnológica apresentam uma receita acima da
média, pois apesar de representarem menos de 10% do total de empresas, respondem
por mais de 30% do valor da transformação industrial total do país. Como podemos
notar, na Região Administrativa de Campinas, o valor adicionado fiscal na indústria
cresceu, percentualmente, o dobro do número de estabelecimentos industriais entre 1995
e 2008.
No que se refere aos estabelecimentos industriais do setor calçadista, como
podemos observar pelos mapas 8 e 9, verifica-se uma redução na participação da capital
paulista e Região metropolitana, tanto no que se refere ao número de estabelecimentos
quanto ao número de empregos entre os anos de 1985 e 2008. Em 1985 a cidade de São
Paulo empregava 8.609 trabalhadores, já em 2008 este número se reduz para 2.079
empregados. Como podemos verificar outros municípios do entorno como Suzano, São
José dos Campos, Moji Mirim e Jundiaí também apresentaram, em menor proporção,
uma redução no número de empregados no setor calçadistas entre os anos de 1985 e
57 Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisa, Coordenação da Indústria, Pesquisa Industrial Anual – Empresa-
2000-2003.
95
2008. No entanto, a redução no número de estabelecimentos é mais perceptível na
cidade de São Paulo.
Em Franca, como podemos perceber pelos mapas 8 e 9, ao mesmo tempo em
que houve redução no número de empregos, houve aumento no número de
estabelecimentos industriais. A nosso ver, esta situação reflete o problema da guerra
fiscal – com a transferência de grandes unidades produtivas para a região Nordeste do
país, o que gerou uma diminuição na oferta de empregos em Franca – e da terceirização
da produção das grandes empresas para empresas de menor porte, como o caso da
empresa Agabê, já citado no capítulo anterior.
As aglomerações produtivas de Jaú e Birigui apresentaram crescimento tanto do
número de empregos quanto do número de estabelecimentos, o que nos remete ao nosso
questionamento inicial, sobre a relação do processo de desconcentração industrial com o
processo de industrialização de Birigui, ao que podemos perceber pelo exposto no item
anterior, a instalação de indústrias e de usinas de beneficiamento de produtos agrícolas,
no município de Birigui esteve num primeiro momento, relacionada a investimentos de
empresas nacionais e multinacionais (como a Anderson Clayton que se instalou no
município no início da década de 1940), em que a proximidade da matéria-prima, em
particular do algodão, foi o principal motivo para suas instalações. A partir da década de
1970, essas empresas já não operavam mais na cidade e a partir de então, Birigui se
insere na nova divisão territorial do trabalho como um centro produtor de calçados e
com um modelo de industrialização tipicamente endógena, ou seja, com indústrias
constituídas basicamente com capital local.
96
97
98
Retomando o conceito de descentralização industrial proposto por Negri (1994),
em que envolve a mudança física, parcial ou total, de um estabelecimento industrial ou
somente de sua produção de uma área para outra, constatamos que a indústria de
calçados de Birigui não é fruto deste processo, nem do processo de desconcentração
industrial (LENCIONI, 1991). Podemos perceber pelo histórico das primeiras empresas
e das que vieram posteriormente, que as fábricas de calçados de Birigui são fruto de
iniciativas locais.
Selingardi-Sampaio (2009) corrobora nossa afirmação, ao identificar em 1996 a
presença de centros urbano-industriais isolados que apresentaram números
significativos no que diz respeito ao valor adicionado fiscal da indústria, mas que se
encontram distantes das “aglomerações territoriais de indústrias” no Estado de São
Paulo mapeadas pela autora desde 1950. Estão entre estes centros os municípios de
Marília, Araçatuba, Birigui, São José do Rio Preto, Catanduva e Franca, todos
representantes de especializações produtivas criadas e aperfeiçoadas endogenamente.
Nas palavras da autora:
Entendo que tais centros permanecem fora do alcance do poder
de atração industrial estendido da metrópole paulistana, nas
décadas de 1960, 1970 e 1980, em razão da grande distância
física existente (400 a 500 km) e, principalmente, da farta
ocorrência de centros urbanos-industriais populosos e bem
equipados, situados muito mais próximos, e/ou com melhor
acesso a referida metrópole (p.299).
É importante ressaltar mais uma vez que a desconcentração industrial na
metrópole paulista e a presença da indústria no interior do estado, não implicam numa
simples relação de causa e efeito. Como já destacamos anteriormente, há exemplos de
cidades, como é o caso de Franca, especializada na produção de calçados masculinos
adultos, em que a industrialização é fruto de investimentos locais ou regionais, se
configurando, portanto, numa industrialização tipicamente endógena. Já em cidades
como Campinas, mais próximas da Região Metropolitana de São Paulo, são mais nítidas
as influências do processo de desconcentração industrial, com transferência de unidades
produtivas antes localizadas na metrópole.
Selingardi-Sampaio (2009) aponta que os investimentos de origem local e
regional respondiam pelo maior número de fábricas instaladas no interior, ou seja, a
industrialização do interior do Estado de São Paulo ocorreu, em sua maior parte,
endogenamente. Com base em pesquisa realizada em seis municípios do interior
99
paulista, Selingardi-Sampaio (2009) explica que na maioria dos casos tratava-se de
pequenos negócios iniciados por empresários, preponderantemente, de origem local, que
cresceram com o progresso geral do país e do Estado de São Paulo. A trajetória dos
primeiros empresários da indústria calçadista, juntamente com os dados que coletamos
em nosso trabalho de campo – em todas as empresas pesquisadas a origem do capital
empregado é local – nos permitem dizer em concordância com a constatação da autora,
que a indústria calçadista de Birigui, acrescenta mais um exemplo de uma cidade do
interior paulista que se industrializou endogenamente.
Por último, cabe ressaltar, que ao afirmarmos que a indústria de calçados de
Birigui é um caso de industrialização endógena, não excluímos a importância de outros
fatores, como o desenvolvimento das infra-estruturas técnicas em direção ao interior do
estado e o contexto de crescimento da indústria no país entre as décadas de 1950, 1960 e
1970. O que queremos afirmar, é que se trata de empresas criadas localmente e não de
investimentos oriundos de outras localidades.
100
CAPÍTULO 3 – A AGLOMERAÇÃO PRODUTIVA DE BIRIGUI
No capítulo anterior tratamos da distribuição das atividades econômicas que são
reflexo da construção social e histórica do espaço e, portanto, refletem a atuação de
forças em todas as escalas geográficas – local, nacional e global – e que, por seu turno,
envolvem desde as ações individuais até os processos macroeconômicos. Como foi
visto, a partir da década de 1970 teve início um processo de desconcentração industrial
da metrópole paulista, redefinindo a divisão territorial do trabalho com impactos tanto
no Estado de São Paulo quanto em algumas regiões brasileiras. Nesta nova divisão
territorial que emerge a partir deste processo de desconcentração industrial, há uma
redefinição dos papéis tanto da Região Metropolitana de São Paulo – que passa a
concentrar, resumidamente, as funções de gestão, financeiras e as indústrias de maior
conteúdo tecnológico – quanto de outros centros urbanos no interior do estado e em
algumas regiões do país.
Mesmo que de forma tangencial, procuramos abordar no capítulo anterior as
motivações deste processo de desconcentração espacial no Estado de São Paulo, e
verificamos que são muitos os fatores que o desencadearam, como políticas públicas de
descentralização, deseconomias de aglomeração na capital paulista, mas também, as
estratégias espaciais das empresas frente às mudanças do modelo de produção fordista
para o modelo de produção flexível. Selingardi-Sampaio (2009) aponta que
historicamente o setor industrial apresentou uma tendência à localização no interior ou
próximo às aglomerações urbanas, o que garante economias externas de localização e
urbanização. Principalmente antes da mundialização da economia (até as décadas de
1970-1980), quando a localização das indústrias era predominantemente em grandes
cidades ou metrópoles, já que a produção nos moldes fordistas implica na concentração
e centralização em grandes proporções dos meios de produção, infra-estruturas, mão-de-
obra etc.
Pelos dados que apresentamos no capítulo anterior nota-se, que ao mesmo tempo
em que ocorria este movimento de desconcentração espacial em São Paulo,
desenvolviam-se outros centros urbanos no interior, especializados em determinada
atividade industrial, como são os casos de Birigui e Jaú, especializados na fabricação de
calçados infantis e femininos, respectivamente. Outro centro importante é Franca, que
apesar de na década de 1970 já apresentar importância nacional na produção de
calçados masculinos, teve um crescimento acelerado a partir da referida década.
101
Nosso objetivo neste capítulo é buscar entender quais os fatores ou princípios
que nos ajudam a explicar as economias externas presentes num agrupamento
geográfico de indústrias de um mesmo ramo produtivo e como as empresas aí
localizadas se apropriam destas vantagens localizadas. Entendemos que as relações de
produção que se estabelecem ao longo do processo produtivo, não se restringem a escala
local, por isso, buscamos analisá-las abrangendo suas contigüidades e descontiguidades.
3.1- Por que as atividades econômicas tendem a se aglomerar?
Diversos autores se dedicaram a explicar as vantagens relativas à localização
concentrada de empresas, mas o trabalho de Marshall é reconhecido como um dos
primeiros e mais importantes estudos sobre o assunto. O autor foi um dos primeiros
teóricos que buscou entender os motivos pelos quais certas atividades, em particular as
industriais, tendem a se aglomerar. Ao analisar os distritos industriais na Inglaterra no
final do século XIX, Marshall (1984) constatou que as vantagens da produção em escala
são mais eficientes quando se trata de uma aglomeração de empresas similares. Além da
economia interna gerada pelo aumento da escala de produção, Marshall identificou
também a existência de ganhos externos obtidos pela concentração de muitas pequenas
empresas similares em determinadas localidades. Para o autor, as empresas localizadas
de forma aglomerada poderiam usufruir de externalidades positivas58
que não seriam
verificadas caso a empresa tivesse uma localização isolada. Essas economias podem se
expressar pela presença de mão-de-obra especializada, pela presença de uma série de
fornecedores e prestadores de serviço, pelas possibilidades de transmissão de
conhecimentos e novas tecnologias, pela presença de infra-estruturas como
fornecimento de energia e rede de transportes etc. Estes fatores de produção localizados
e compartilhados pelas empresas da aglomeração receberam a denominação de retornos
crescentes de escala (economias de escala).
Um pouco mais tarde, outros autores também se dedicaram a entender os fatores
locacionais relativos às aglomerações de indústrias e às vantagens competitivas
presentes nestes espaços. Alfred Weber (1969) reconheceu a presença de economias
geradas pela concentração de fábricas em determinados lugares denominando-as de
forças aglomerativas. Para o autor, a localização industrial é definida pelos seguintes
58 Garcia (2001) aponta que para expressar este tipo de economia identificada por Marshall, são usados vários termos, como: “economias externas marshallianas”,
“economias externas puras”, “externalidades incidentais”, entre outros termos.
102
fatores: a renda, o transporte e o trabalho. Os trabalhos de outros teóricos sobre a
localização industrial seguiram a mesma corrente de pensamento de Marshall e Weber –
na economia neoclássica – como: Isard, Lösch, Christaller. As teorias sobre a
localização industrial construídas por estes autores partem do pressuposto de que o
espaço é homogêneo e se configura apenas em um custo a ser superado, por isso a
importância atribuída aos custos de transportes; a existência de livre competição, livre
mercado e de livre mobilidade dos fatores de produção – nesta perspectiva, uma
empresa irá se localizar num ponto onde obtenha maior lucro, que se traduziria num
ponto próximo ao mercado consumidor, onde seus concorrentes teriam maiores
dificuldades para entrar e onde a empresa teria menores custos de produção e
distribuição.
Como aponta Camagni (2000) (apoiado em Weber) de acordo com esta teoria, se
não houvesse economias de escalas, mas somente custos de transporte, a produção se
distribuiria no espaço de modo homogêneo, e se ao contrário, não houvesse custos de
transporte, mas somente economias de escala, a produção se concentraria em um único
lugar e seria transportada a cada um dos mercados consumidores independentemente da
distância. Como na realidade se verifica a presença de ambos os elementos, se verifica
um modelo de localização chamado pelo autor de “difusão concentrada”, caracterizado
pela presença de aglomerações de dimensões diferentes posicionadas a certa distância
umas das outras. Poderíamos inferir a partir da explicação de Camagni que as atividades
econômicas apresentam uma tendência a se concentrarem no espaço e que a distância
entre as aglomerações seriam balizadas por custos de transporte. Para que este
raciocínio funcione, é necessário que se tenha em vista alguns pressupostos, como: um
espaço homogêneo, com distribuição homogênea da população e da demanda por
produtos pelos indivíduos; a definição dos preços deve estar relacionada estritamente ao
preço franco fábrica mais o custo de transporte proporcional à distância.
Sabemos que estes pressupostos não se verificam na realidade, primeiramente,
pela existência de forças que atuam em outras esferas, para além das de mercado
consideradas pelos autores, como políticas públicas que podem induzir a localização de
empresas num determinado ponto, como verificamos no capítulo anterior. Outra
limitação que podemos apontar, é que com o desenvolvimento das novas tecnologias
nas últimas décadas, os custos de transportes não apresentam um peso tão significativo
nas decisões locacionais de indústrias. No entanto, como salienta Selingardi-Sampaio
(2009), foi a partir
103
das Teorias de Localização Industrial que se projetou, de início, o
“braço” conceitual da Teoria da Aglomeração, por sua vez baseada
em três observações empíricas essenciais, transformadas em “verdades consagradas”: i) uma grande proporção (ainda que em linha levemente
descendente) da produção mundial de bens industriais continua sendo
originada em um número limitado de regiões com alta concentração fabril; ii) empresas com produções similares tendem a se localizar
juntas, em alguns lugares específicos; iii) esses padrões de distribuição
mostram tendência a se manter, através do tempo (p. 71).
Apesar das mudanças no sistema produtivo atual, verifica-se que a contribuição
destes autores foi importante para se compreender o papel dos fatores produtivos no
desenvolvimento de uma aglomeração espacial de indústrias e no desenvolvimento
econômico regional.
Nas últimas décadas a temática sobre aglomerações industriais ganham maior
espaço na literatura econômica e geográfica internacional, principalmente com os
autores: Allen Scott; Markussen; Paul Krugman; Michael Porter; Michael Storper;
Becattini; Camagni entre outros. Da mesma forma, no Brasil os estudos sobre as
aglomerações de indústrias também está na pauta de pesquisas desenvolvidas por alguns
autores de diversas áreas do saber, dentre os quais: Elson L. Pires; Wilson Suzigan;
Marco Crocco; Clélio C. Diniz dentre outros autores. De um modo geral, os estudos
sobre o assunto têm se dedicado a entender as vantagens competitivas geradas pela
proximidade física entre as indústrias, frente às transformações ocorridas no cenário
econômico e social nas últimas décadas.
Alguns autores, como é o caso de Krugmam, reconhecem que as externalidades
geradas pelas aglomerações de indústrias possuem um caráter “incidental”, ou seja, não
são geradas por ações indutivas. Dessa forma, não são enfatizadas as políticas públicas e
as ações dos atores (agentes) locais no intuito de gerar novas externalidades na
aglomeração. Para o autor, tratam-se de forças centrípetas ligadas exclusivamente a
regras de mercado, capazes de atrair novas atividades (como indústrias correlatas à
atividade principal) para a aglomeração (Suzigan, 2000; Garcia, 2001).
Por outro lado, Markusen critica as abordagens, tanto de economistas regionais
quanto de geógrafos, que excluem o papel desempenhado pelos atores nas aglomerações
industriais. A autora defende uma renovação à ênfase nos atores e no papel de suas
decisões individuais, como os empreendedores que decidem abrir uma firma, os
trabalhadores que decidem migrar em busca de trabalho, a atuação dos sindicatos etc.
(Markusen, 2005).
104
Como vimos no capítulo anterior, desde o final da década de 1960, o aumento do
número de fábricas dedicadas à produção de calçado na cidade de Birigui foi
acompanhado pelo aumento do número de empresas fornecedoras ou de apoio a esta
atividade. Este crescimento se acentua na década de 1970 quando a formação de mão-
de-obra especializada e a instalação de um centro de treinamento59
fornecem indícios do
início da formação de economias externas na aglomeração industrial de Birigui. Aliás,
conforme a narração de Zampieri60
(1976) já citada anteriormente, sobre como a
atividade calçadista era comentada na cidade, nos parece bastante próximo do que
Marshall (1984) chamou de atmosfera industrial, já que para o autor, uma das
vantagens das aglomerações de indústrias é que:
Os segredos da profissão deixam de ser segredos, e por assim dizer, ficam soltos no ar, de modo que as crianças absorvem
inconscientemente grande número deles. Aprecia-se devidamente um
trabalho bem feito, discutem-se imediatamente os méritos de inventos e melhorias no maquinismo, nos métodos da organização geral da
empresa. (p.254).
Como podemos notar pelo que foi relatado por Zampieri, os exemplos bem
sucedidos de empresários do ramo calçadista na época, as possibilidades e as formas de
se organizar uma empresa, a possibilidade de exploração da mão-de-obra feminina e
infantil61
, já não se constituía em um “segredo” na cidade de Birigui, desde o final da
década de 1960. A partir daí, o desenvolvimento do setor industrial calçadista em
Birigui favoreceu a multiplicação de atividades correlatas ao setor, o que por sua vez,
possibilitou uma diluição de gastos e de riscos entre as empresas voltadas às diversas
etapas do processo produtivo de calçado.
Camagni (2000), buscando entender as causas da existência de modelos de
localização concentrados, explica que a aglomeração se constitui num elemento de
origem da cidade, ou seja, a cidade só existe porque foi mais vantajoso e eficiente para
os homens, gestar seus recursos pessoais, sociais, econômicos e de poder de modo
espacialmente concentrado. Esta vantagem da aglomeração se explica pela existência de
indivisibilidades ou, economias de escala. Nas palavras do autor:
59 Souza (2004, p.27). 60 “O otimismo surgiu em função daquilo que se observava, visto que na cidade comentava-se abertamente os dados da produção, do emprego ao elemento
feminino e menores, da formação das sociedades, geralmente composta de vários sócios, e dos aumentos efetuados anualmente em área ocupada de cada unidade
(Zampieri, 1976, p.111).” 61 Zampieri relata em sua pesquisa realizada no começo da década de 1970, que o emprego de menores de idade nas fábricas de calçados correspondia
aproximadamente a 30% da mão-de-obra total. Isso não era visto como um problema na época
105
por razões de tipo tecnológico ou por efeito de mecanismos
estatísticos de interações entre os elementos de um sistema ou ainda
em dependência dos fenômenos econômicos de especializações funcionais – somente atingindo uma dimensão ou uma “escala”
suficiente de atividades é possível utilizar processos produtivos mais
eficientes, ou atingir a quantidade de energia necessária para possibilitar um processo químico-físico autopropulsivo, ou gerar
recursos suficientes para atingir um mercado distante ou para financiar
um grande projeto62
(p. 39).
Esta força gerada pela aglomeração só pode ser alcançada quando se atinge uma
escala mínima de atividades que torne viável, por exemplo, a existência de atividades ou
serviços mais especializados. Camagni ainda explica que as economias geradas por
modelo de localização concentrado, se apresentam de três formas, a saber: economias
internas à empresa – representadas pela economia de escala de tipo produtivo,
distributivo e financeiro; economias externas a empresa, mas internas à indústria, ou
economias de localização – geradas pela localização concentrada de empresas
pertencentes à mesma indústria ou setor produtivo; economias externas a empresa e a
indústria, ou economias de urbanização – trata-se de vantagens típicas de um ambiente
urbano, derivadas da presença de infra-estrutura genérica utilizada por todas as
indústrias e pela estreita interação entre instituições e atividades diferentes (Camagni,
2000 p.41).
Cumpre entender, neste momento, como essas economias podem influenciar
processos de especialização produtiva e quais os fatores produtivos que representam
economias externas de urbanização e localização presentes na aglomeração industrial de
Birigui, assim como os arranjos locais que envolvem tais fatores. Nesse sentido,
Camagni (2000, p.50) explica que as economias “externas” geram a concentração de
empresas e atividades diversas decorrentes das vantagens derivadas: exploração de um
“capital fixo social” localizado (infra-estrutura de comunicação, de transporte,
fornecimento de energia) ou de “recursos naturais” específicos; da presença de
indivisibilidades no fornecimento de bens ou serviços particulares, superáveis somente
na presença de um limiar mínimo de demanda (com a concentração de mais empresas
nasce por exemplo as condições para a produção local de certos inputs usados no
processo produtivo); a criação de “efeitos de sinergia” relevantes no melhoramento da
eficiência produtiva (efeitos de criação de uma cultura profissional ou gerencial, efeitos
62 “Per raggione de tipo tecnologico o per l‟effetto di mecanismi statistici d‟interazione fra i singoli elementi di un sistema o ancora in dipendenza di fenomeni
economici di specilizzazione funzionale – solo raggiungendo una dimensione o una “scala” efficienti di attivitá è possibile utilizzare processi produttivi più
efficienti, o raggiungere la quantità di energia necessaria per avviare un processo chimico-fisico auto-propulsivo, o generare risorse sufficiente per raggiungere um
mercato lontano o per finanziare um grosso progetto (Camagni, p.39).
106
de imagem de mercado dos produtos de uma área, possibilidades de colaboração entre
empresas para a criação de serviços correlatos etc).
Reconhecendo que as atividades econômicas não se distribuem uniformemente
sobre o território, já que as vantagens proporcionadas por uma estrutura espacial
concentrada favorecem a existência de nós ou pólos de produção, cabe entender os tipos
de economia usufruída em um modelo concentrado. Não pretendemos aqui mensurar a
importância de cada um destes fatores na aglomeração de empresas de Birigui, pois
nossa proposta é entender como estes fatores proporcionam condições de produção no
local, que se configuram em vantagens competitivas, para as empresas aí localizadas.
Para isso, buscamos identificar dois tipos de economias geradas pela aglomeração
espacial de indústrias e pela aglomeração de atividades econômicas na cidade, são elas:
economias de localização e economias de urbanização.
3.2 - Vantagens da localização das empresas em Birigui segundo o porte
Neste item procuramos relacionar as vantagens e desvantagens da localização
em Birigui com o porte das empresas pesquisadas, para que possamos identificar se
estas vantagens e desvantagens se apresentam da mesma forma para empresas de
tamanhos diferentes. Como pode ser conferido no questionário presente no Apêndice A,
nas questões 2.4 e 2.5, procuramos não direcionar a resposta permitindo ao entrevistado
apontar livremente o que considera como vantagem ou desvantagem.
Como podemos perceber pelos dados expostos no gráfico 7, dentre as empresas
de médio e de grande porte a principal vantagem da localização em Birigui é o fato do
município ser reconhecido nacionalmente como “polo calçadista”, o que por sua vez
atrai fornecedores e compradores. Além disso, é como se a localização da empresa num
“pólo” calçadista garantisse um selo de qualidade ao seu produto, segundo o relato de
um empresário: “Estar em Birigui te abre portas”. Como estratégia de marketing, em
2003 o Sindicato das Indústrias do Calçado e Vestuário de Birigui anunciou um projeto
para registrar junto ao Instituto Nacional de Marcas e Patentes a denominação “Birigüi
– Capital Latino Americana do Calçado Infantil”, no entanto, ao que parece, o registro
ainda não foi efetivado, visto que não encontramos registro referente à Birigui em
consulta ao sítio do instituto (Souza, 2004; Rizzo, 2004). De qualquer forma, a
aglomeração produtiva de Birigui criou uma imagem de mercado, em que a
aglomeração é reconhecida pela especialização na produção de calçados infantis, o que
107
por sua vez, como reconheceu os próprios empresários locais, se configura numa
vantagem relativa à localização no aglomerado.
Fonte: Trabalho de campo
Elaboração: Elaine Cristina Cicero
As relações de aprendizado foram citadas como vantagem por apenas uma
empresa de grande porte. Relacionando este dado com a questão referente ao
treinamento do trabalhador, verifica-se que apesar das instituições de ensino voltadas
para a qualificação da mão-de-obra para as fábricas de calçados de Birigui, 73% das
empresas treinam o trabalhador na própria empresa, ou seja, a aprendizagem ocorre
majoritariamente no “chão de fábrica” durante o processo produtivo.
A presença de mão-de-obra especializada se configura numa vantagem
importante para todas as empresas, sendo apontada por 50% das microempresas, das
empresas de médio porte e das empresas de grande porte e por 70% das pequenas
empresas. Vale ressaltar que a falta de mão-de-obra especializada foi citada por 50%
das grandes empresas e para as demais, em alguns momentos de pico da produção há
falta de trabalhadores de modo geral e em particular para a função de pespontadeira63
.
Como também já citado no capítulo 1, a presença de fornecedores na cidade se
configura numa vantagem importante principalmente para as empresas de pequeno porte
e para as microempresas, já que as empresas menores compram materiais em menor
63 Como já apontamos no primeiro capítulo, verificamos que a motivação principal para a falta de
pespontadeira é o baixo salário pago para os ocupantes deste cargo.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
ME EPP M G
Legenda
Gráfico 7- Vantagens da localização das empresas em Birigui segundo o porte
108
quantidade, o que dificulta a compra direta em empresas fabricantes, tornando mais ágil
e fácil a compra junto aos fornecedores e representantes locais.
O apoio sindical não se apresentou como uma vantagem relevante, sendo
apontado por apenas 8% das empresas de pequeno porte e 17% das empresas de porte
médio.
A facilidade de acesso ao transporte foi indicado como vantagem apenas por
38% das microempresas, sendo que para 50% das empresas de grande porte e para 17%
das empresas de porte médio os custos com transporte foram apontado como uma
desvantagem.
Apenas 12% das microempresas afirmaram que não há nenhuma vantagem em
estar localizada em Birigui. Para as empresas produtoras de outros tipos de calçados,
como os feminino adulto, há falta de matéria-prima específica, já que a especialidade
dos fabricantes é a produção de calçados infantis.
No que se refere às relações de cooperação, procuramos não induzir a resposta
apresentando tipos de relação de cooperação, deixando os entrevistados responderem
livremente. Como podemos notar pelos dados presentes no gráfico 8, de um modo geral,
para 50% das empresas (independente do porte) não há nenhum tipo de relações de
cooperação com as demais empresas. Para 50% das empresas de grande porte há
cooperação apenas por meio da terceirização da produção. Para as empresas de porte
médio a cooperação se estabelece por meio da terceirização da produção (33%) e por
meio de trocas ou empréstimo de materiais. Entre as empresas menores é possível
identificar um maior número de relações de cooperação, sendo que tanto para as
microempresas quanto para as pequenas, a troca e empréstimo de materiais se
constituem na prática mais importante, sendo citada por 38% das microempresas e 30%
das empresas de pequeno porte; as relações de terceirização e troca de informação
foram citadas por 22% das empresas de pequeno porte e por 25% das microempresas; a
compra de materiais em conjunto foi citada por 12% das microempresas; e 12% das
microempresas eram terceirizadas.
109
Fonte: Trabalho de campo
Elaboração: Elaine Cristina Cicero
3.3 - A presença de micro e pequenas empresas fabricantes de calçados
Quando relacionamos a quantidade de empresas fundadas por década com o
porte dessas empresas verificamos que as empresas maiores são as mais antigas, sendo
que as duas empresas de grande porte pesquisadas foram fundadas na década de 1960 e
50% das empresas de porte médio foram fundadas na década de 1980. Como pudemos
notar pelas informações contidas no sítio do Museu do Calçado de Birigui, a maioria
das empresas que hoje são de grande porte foram fundadas até a década de 1980, como
a Bical (1968), Tip Toe (1969), Pé com Pé (1980), Klin (1983), Pampili (1987), Brink
(1988), com exceção para a Kidy que foi fundada em 1990. Já as microempresas e as
empresas de pequeno porte foram fundadas majoritariamente a partir da década de
1990, sendo que apenas uma empresa de pequeno porte foi fundada na década de 1980.
Estes dados parecem óbvios quando se conhece a trajetória das indústrias de
calçados de Birigui, qual seja: começam como pequenas fábricas, com pouco
maquinário, poucos funcionários e vão crescendo ao longo do tempo. No entanto, os
dados apresentados no gráfico 9 revelam que apesar das empresas de pequeno porte
serem em maior número desde a década de 1980, a partir dos anos de 1990 o
crescimento das microempresas supera o das empresas de pequeno porte, passando de
11 empresas em 1985 para quase 180 em 2008.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
G M P ME
terceirização troca e empréstimo de material
troca de informação compra em conjunto
terceirizada Não há relações de cooperação
Legenda
Gráfico 8- Relações de cooperação segundo o porte das empresas
110
Atualmente, como mostra o gráfico, mais de 50% do total de empresas do ramo
calçadista são de porte micro e 36,5% são empresas de pequeno porte, ou seja, quase
90% das empresas são EPP e ME. A massiva presença de empresas pequenas pode ser
explicada por dois motivos principais: o primeiro está relacionado ao processo de
intensificação da divisão do trabalho através da subcontratação de empresas para
realização de partes do processo produtivo ou da produção do calçado por completo
(desintegração vertical); o segundo está relacionado à fragmentação das empresas de
médio e grande porte criando novas razões sociais enquadradas como micro e pequenas
empresas, que são usadas para distribuir seu faturamento e, assim, poder usufruir do
regime tributário previsto pelo Simples Federal.
Neste sentido, a implantação de um regime tributário diferenciado para micro e
pequenas empresas, ou o Simples Federal, que data de 1999, também foi importante,
embora ele tenha passado por algumas modificações ao longo dos anos. Como é
possível conferir pelos dados expostos no Apêndice C, há uma alíquota estabelecida de
acordo com o faturamento da empresa, sendo que, quanto maior o faturamento, maior é
a alíquota paga64
. Observamos um exemplo desta estratégia em pesquisa65
concluída em
64 Segundo as definições previstas no Simples Federal, é considerada microempresa a pessoa jurídica que tenha receita bruta anual igual ou inferior a duzentos e
quarenta mil reais, já para se enquadrar como pequena empresa a pessoa jurídica deverá ter receita bruta anual superior a duzentos e quarenta mil e igual ou
inferior a dois milhões e quatrocentos mil reais. Por isso, as empresas criam outras razões sociais para dividirem suas receitas e se enquadrarem ao Simples
Federal. 65 Cf. CICERO, E. C. Eixo de desenvolvimento e arranjo produtivo local: o caso de Birigui-SP. Monografia, Universidade Estadual Paulista, Faculdade de
Ciência e Tecnologia, Câmpus de Presidente 2007.
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
200
1985 1990 1995 2000 2005 2008
ME
EPP
M
G
Gráfico 9 -Número de estabelecimentos industriais do
ramo calçadista em Birigui - SP
Fonte: RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) Elaboração: Elaine Cristina Cicero
111
2007, quando constatamos que a empresa Bical já estava organizada como um
agrupamento de empresas de pequeno porte e com isso, segundo informações coletadas
na época, a empresa conseguiu uma redução de 36% de suas obrigações tributárias. Esta
prática se disseminou entre as empresas da cidade sem implicar, na maioria dos casos,
em nenhuma reorganização do chão de fábrica.
Além da questão tributária, a intensa presença de micro e pequenas empresas na
aglomeração industrial de Birigui reflete a intensificação do processo de terceirização
da produção a partir da década de 1990, envolvendo, como dito no primeiro capítulo,
empresas, bancas, trabalhadores a domicílio e profissionais autônomos. Souza (2004)
identificou em pesquisa ao livro de registros e inscrição industrial da Prefeitura
Municipal de Birigui, que foi a partir de meados da década de 1990 que passou a
ocorrer registros de empresas com a denominação “indústria de calçados e
industrialização para terceiros”.
Em nossa pesquisa, visitamos algumas empresas e procuramos identificar como
se caracteriza as relações de subcontratação de empresas para produção de partes do
calçado. Tomaremos como exemplo as empresas R.M. Pardo, J&B e G.L. Chideroli,
pois foram nestas empresas que conseguimos um maior detalhamento de informações.
A R. M. Pardo é uma micro-empresa que não tem produção própria, é
subcontratada para a execução da etapa de pesponto de duas outras empresas: a Tainá e
Carrossel. Segundo nossa entrevistada, o material para a confecção do cabedal é
fornecido pelas empresas contratantes, que entregam na fábrica o material já cortado. A
empresa subcontratada efetua a compra somente das linhas, colas e solventes utilizados
para na etapa do pesponto. O controle da qualidade é realizado uma vez por semana por
um funcionário da empresa-mãe.
Ao questionarmos sobre as desvantagens de uma empresa subcontratada, a
proprietária nos relatou que a presença do trabalho informal em Birigui barateia o custo
da produção e prejudica as empresas que trabalham legalmente, visto que as bancas
podem praticar um preço inferior ao das empresas registradas, já que não pagam
impostos nem encargos trabalhistas. Além disso, há dificuldades para manutenção da
empresa devido à falta de garantias de que haverá uma regularidade de trabalho durante
todos os meses do ano. Assim como ocorre em relação às bancas e aos trabalhadores a
domicílio, a redução nas vendas e a conseqüente queda na produção se refletem
primeiramente no trabalho subcontratado.
112
Assim como R. M. Pardo, a G. L. Chideroli é micro-empresa sem produção
própria e subcontratada para a execução da etapa do pesponto do calçado. As empresas
contratantes são a Kidy e a Tip Toe.
A J&B é outro caso de empresa subcontratada que também não tem produção
própria, mas diferentemente das duas primeiras, executa também o corte das peças que
serão pespontadas na empresa. As empresas contratantes são a Pampili e a Kidy, que
mantêm um funcionário na empresa somente para cuidar do controle da qualidade.
O proprietário nos relatou que é contratado de forma permanente e que a
vantagem de prestar serviço para duas empresas grandes está na segurança e na certeza
de que a empresa terá um retorno do que está sendo produzido, ou seja, o proprietário
não tem a preocupação com as vendas de sua produção. A desvantagem apontada se
refere ao vínculo de dependência com as empresas contratantes, conforme seu relato:
“se a empresa quebrar eu também quebro”.
A empresa R. E. também se constitui numa subcontratada destas duas empresas
(Pampili e Kidy) e assim como a J&B, executa tanto o corte quanto o pesponto do
calçado. Uma informação adicional relatada por esta última empresa subcontratada é
que o os cabedais produzidos na fábrica são encaminhados para as unidades produtivas,
das respectivas empresas contratantes, localizadas no Mato Grosso do Sul. Como já
apontamos no primeiro capítulo, as empresas locais que montaram unidade produtiva no
Estado do Mato Grosso do Sul, enviam parte dos cabedais produzidos para serem
montados naquele estado, para se beneficiarem das isenções fiscais.
Como representado pela figura 3, o que se verifica por estes exemplos, é que não
se tratam redes horizontais de empresas, mas sim de redes verticalizadas, em que as
empresas maiores comandam as relações de subcontratação.
Na aglomeração produtiva de Franca a terceirização da produção se encontra em
estágio mais avançado. Em 2008, a empresa de calçados Agabê anunciou a demissão de
485 funcionários de sua fábrica de Franca. A empresa que já empregou mais de três mil
funcionários mantém atualmente, uma unidade em Aracati no Ceará com
aproximadamente mil funcionários e segundo o anunciado pela assessoria de imprensa
da empresa, a causa da demissão se refere a uma mudança de gestão na unidade de
Franca. A empresa passará a “licenciar” seus produtos para as empresas menores de
Franca, num modelo parecido com o adotado pela empresa italiana Benetton. A Agabê
de Franca, portanto, cuidará apenas da gestão da marca e comercialização dos produtos,
113
já que a produção será totalmente terceirizada. O fato interessante, é que esta empresa é
terceiriza pela marca italiana Hugo Boss66
.
Figura 3- Relações verticais de subcontratação
Org: Elaine Cristina Cicero
O exemplo de outra empresa, neste caso uma empresa que subcontrata outras,
evidencia que este processo de terceirização da produção com a descentralização das
etapas produtivas para outras fábricas, gera também uma maior especialização das
empresas envolvidas. A empresa R. Sartori subcontrata toda a etapa de pesponto dos
calçados produzidos pela empresa, mantendo no chão de fábrica apenas as etapas do
corte e da montagem. Um fato que nos chamou atenção nesta empresa, foi a presença de
maquinários modernos na sessão da montagem, que geralmente não encontramos em
outras empresas de pequeno porte. Nosso entrevistado relatou que o fato da empresa
subcontratar a etapa do pesponto, facilita a concentração de investimentos em
maquinários para as etapas de produção realizadas pela empresa.
Outro exemplo, neste caso de uma empresa subsidiária é o da M.A Enfeites. A
empresa adquiriu em 2009 uma máquina de corte a laser de material acrílico, mdf,
sintéticos e couros e ao mesmo tempo em que realiza o corte, realiza também vários
tipos de gravações, como feito pelas máquinas de alta frequência. Pelo seu alto custo,
não encontramos nenhum exemplar desta máquina nas empresas de calçados que
visitamos. Trata-se de uma máquina computadorizada que scannea a matéria-prima e
executa o corte automaticamente, com precisão milimétrica. De acordo com o relato do
empresário, publicado na página da Assintecal67
, este equipamento é o único modelo
66Notícia consultada em 06/02/2008, In: http://www.estadao.com.br/noticias/economia,fabrica-de-
calcados-de-franca-demite-485-pessoas. 67In: http://ww3.assintecal.org.br, publicado em: 16/12/2009.
Empresa subcontratante
Empresas subcontratadas
Profissionais a domicílio
Bancas
114
fabricado no mundo dotado de visão artificial, que possibilita a intervenção do operador
somente para a programação dos parâmetros de economia de matéria-prima.
Neste caso, as economias de localização são consideradas economias de tipo
“pecuniário”, já que os processos de especialização entre diferentes empresas no interior
do ciclo produtivo podem implicar numa redução dos custos pagos pelos insumos
(Looty e Szapiro, 2002 p.55) Por conseguinte, esta eficiência conjunta se reflete em
vantagens de competitividade, o que pode elevar os casos de experiências de
crescimento e uma diminuição às barreiras de entrada, já que as vantagens localizadas
possibilitam a atração e criação de novas empresas (Camagni, 2000, p. 50).
Além disso, Camagni (2000, p.51) explica que a criação de uma cultura
industrial difusa, ou nas palavras de Marshall, de uma “atmosfera industrial”, pode
orientar tanto a escolha das combinações tecnológicas e organizativas mais eficientes,
como, determinar um processo inovativo mais rápido e uma difusão do progresso
técnico mais veloz no interior do distrito industrial. De certa forma, ocorre uma redução
das incertezas quanto aos investimentos em tecnologia e aos modos de organizar a
empresa, devido à intensidade dos contatos e de troca de informações no interior da
aglomeração, mas também pelas demandas por serviços especializados geradas pelo
volume de produção no interior da aglomeração.
3.4 - A presença do trabalho informal: os trabalhadores a domicílio e as bancas
A partir do relato de uma trabalhadora a domicílio que tivemos oportunidade de
entrevistar durante nosso trabalho de campo, pudemos entender um pouco como
funcionam os contratos informais entre estes profissionais e as empresas que os
contratam. Esta trabalhadora costura as palmilhas dos calçados em sua casa, com uma
máquina cedida pela empresa contratante, e para cada par de palmilhas costurado ela
recebe R$ 0,10. Sua produção diária varia entre 1.500 a 2.000 e para atingir esta
produção ela inicia sua jornada de trabalho às seis horas da manhã e segue trabalhando
até as nove horas da noite, com interrupção de uma hora e trinta minutos divididos entre
o período do almoço e do jantar, ou seja, apenas quarenta e cinco minutos para cada
uma das refeições, totalizando treze horas e trinta minutos de trabalho por dia. Esta
rotina é comum nos períodos de alta produtividade para a empresa, já nos períodos de
queda na produção, a empresa reduz a produção primeiramente dos subcontratados,
concentrando-a no chão de fábrica, onde estão os trabalhadores com contrato de
115
trabalho formal e que recebem seus salários independentemente das variações de vendas
da empresa. Para essa trabalhadora, o trabalho a domicílio é compensador, como ela nos
relatou: Compensa trabalhar em casa, mesmo sem direitos, mesmo ficando o mês de
julho parada e sem ganhar. Na fábrica eu não ganhava nem R$ 800,00, em casa só nos
meses de janeiro e fevereiro deste ano eu recebi R$ 3.000,00 (R$ 1.500,00 ao mês).
Verificamos, portanto, que as empresas localizadas na aglomeração produtiva
de Birigui, além de contar com mão-de-obra especializada, contam também com uma
mão-de-obra disposta a abrir mão de seus direitos trabalhistas, trabalhar mais horas por
dia em troca de uma remuneração aparentemente melhor. A nosso ver, o baixo salário
pago pelas fábricas de calçados de Birigui (como já destacamos no primeiro capítulo)
contribui para a presença de trabalhadores dispostos a trabalhar na informalidade.
Os dados da tabela 7 corroboram nossa afirmação, visto que nos anos de 2000 e
2006 a média salarial para os empregos formais no setor industrial da cidade foi inferior
a todos os outros setores da economia. A média salarial do emprego formal no setor
industrial de Birigui, nos referidos anos, também foi inferior em comparação a média
salarial dos empregos formais em todos os outros setores da economia, inclusive o setor
industrial, tanto na Região Administrativa de Araçatuba, quanto no Estado de São
Paulo.
Em situação pior se encontram os trabalhadores das bancas subcontratadas pelas
empresas locais, que, assim como os trabalhadores informais a domicílio, estão na
ilegalidade. Dada a situação de ilegalidade deste tipo de subcontratação, nenhuma
empresa admitiu subcontratar este tipo de trabalho. A prefeitura municipal também não
tem controle da quantidade de bancas existentes na cidade. Devido à dificuldade de
acesso, não foi possível visitar nenhuma banca local, por isso, as informações aqui
relatadas se baseiam em conversas com algumas pessoas da cidade68
, em particular de
trabalhadores das fábricas que já há trabalharam em bancas e também com a presidente
do Sindicato dos Sapateiros de Birigui.
68 O fato de termos familiares na cidade trabalhadores das fábricas de calçados e bancas locais facilitou
nosso acesso às informações.
116
Tabela 7- Rendimento médio do emprego formal por setores de atividade econômica-
Birigui, Região Administrativa de Araçatuba e Estado de São Paulo.
Birigui
Região
Administrativa de
Araçatuba
Estado de São Paulo
Setores da
economia 2000 2006 2000 2006 2000 2006
Agropecuária 605,43 771,96 639,03 786,75 606,97 701,54
Comércio 692,41 702,42 716,72 739,92 1.028,16 1.007,85
Construção
Civil 804,24 828,93 833,44 742,30 1.114,52 1.043,45
Indústria 601,89 666,92 719,93 741,40 1696,85 1698,00
Serviços 973,48 959,34 1.091,81 1.116,95 1.672,86 1557,85
Fonte: Fundação Seade/ Valores em reais correntes
Geralmente, as bancas se localizam em lugares improvisados, muitas vezes em
um cômodo da casa do dono da banca. A etapa de produção do calçado mais comum de
se encontrar nas bancas é o pesponto e a parte de enfeites dos calçados. Há também
bancas para o corte de material, no entanto é menos comum, visto que o balancim é uma
máquina pesada e na maioria das vezes as casas não têm estrutura para abrigar máquinas
deste porte.
No entanto, o modo como funciona o “arranjo produtivo” feito entre os donos de
banca e os donos de empresas é chamativo. Como no trabalho a domicílio, não há
nenhum acordo ou contrato que garanta uma quantidade mínima de trabalho que a
empresa deva repassar para as bancas. Por isso, as oscilações no mercado são sentidas
primeiramente pelos estes trabalhadores informais, como podemos notar pelo relato da
nossa entrevistada, no mês de julho quando tipicamente há queda na produção das
fábricas, ela não tem trabalho.
Os donos de banca são os articuladores entre a empresa e os trabalhadores
informais. São eles que retiram as partes de calçados correspondentes à etapa
terceirizada e repassam aos trabalhadores de sua banca. Como no trabalho a domicílio,
tanto o dono quanto os trabalhadores das bancas são remunerados de acordo com a
produção, já que a empresa paga por par produzido. Todavia, os trabalhadores de bancas
recebem ainda menos que os trabalhadores a domicílio, porque o dono da banca se
117
constitui num “atravessador” que retém um percentual para si do valor pago pela
empresa por par produzido.
Como nos informou a presidente do Sindicato, Milene Rodrigues, de acordo com
a legislação trabalhista o dono de banca não é considerado como um empresário,
portanto, quem responde judicialmente por esta prática é o dono da empresa contratante.
Segundo seu relato, se um dono de banca deixa de pagar um funcionário, ou se por
acaso acontece um acidente com o trabalhador, o sindicato aciona a empresa-mãe, ou
subcontratante, que além de ser multada deve cumprir com todas as obrigações
trabalhistas. Apesar das fiscalizações feitas pelo sindicato em conjunto com os fiscais
do Ministério do Trabalho, a prática de subcontratação de bancas é muito comum nas
fábricas de Birigui. Vale ressaltar também, que as bancas não estão presentes somente
no município de Birigui. Na maioria dos municípios vizinhos, como Coroados, Bilac,
Buritama e Gabriel Monteiro, existem bancas subcontratadas pelas empresas de Birigui,
o que dificulta ainda mais a fiscalização.
3.5 - A presença de mão-de-obra especializada
No que se refere à presença de mão-de-obra especializada, encontram-se neste
fator economias externas (externalidades) tanto de localização quanto de urbanização.
Primeiramente, porque as empresas podem contar com a presença de trabalhadores
especializados nas diversas etapas do processo produtivo do calçado, como
pespontadeiras e montadores, assim como trabalhadores especializados em funções
gerenciais e administrativas.
A presença de mão-de-obra especializada representa economias para as
empresas localizadas em aglomerações produtivas, como a de Birigui, na medida em
que há uma redução de custos para a qualificação e o treinamento destes profissionais
que ocorrem na maioria dos casos de forma exógena. Isso ocorreria devido à presença
de instituições dedicadas ao treinamento da mão-de-obra, mas também, pela presença de
um grande número de profissionais que já possuem experiências de trabalhos anteriores
e, portanto já são especializados em determinada função.
Representa também economias de urbanização porque como aponta Camagni, a
cidade se configura numa “incubadora dos fatores produtivos”, visto que é na cidade
que se concentra a população e, portanto é onde estão concentrados os trabalhadores.
Além da presença de mão-de-obra especializada na cidade de Birigui, verifica-se um
118
fluxo diário de trabalhadores das cidades da região, o que mostra que as economias
externas estão para além dos limites físicos da cidade. Não há registro do total de
trabalhadores de outros municípios que trabalham nas fábricas de Birigui e apesar de
tentarmos obter esta informação nas fábricas que visitamos, os entrevistados tiveram
dificuldade em informar o número de trabalhadores da empresa que residiam em outro
município. Souza (2004) relata com base em dados fornecidos pelo SICVB69
que em
2001 vinham diariamente trabalhar na cidade aproximadamente 2.800 trabalhadores. O
jornal Folha da Região70
publicou em 2007 uma pesquisa realizada pelo próprio jornal,
junto aos municípios da micro-região administrativa de Birigui, em que constata que
diariamente partem destes municípios aproximadamente 80 veículos entre ônibus,
micro-ônibus e vans, em direção ao município de Birigui. Segundo estimativas feitas
pelo número de assentos nos ônibus, esta população flutuante que viaja diariamente para
trabalhar já ultrapassou 3.000 pessoas. Durante nosso trabalho de campo, conversamos
com alguns motoristas destes ônibus e nos foi relatado que os veículos partem destas
cidades com um número de passageiros superior à capacidade do número de assentos. O
que supõe que o número estimado pode ser ainda maior, visto que muitos trabalhadores
acabam viajando em pé.
O crescimento do setor industrial desde a década de 1980 foi acompanhado pelo
aumento populacional na cidade. Como podemos observar pelos dados apresentados na
tabela 8, a taxa de crescimento populacional de Birigui superou a de Araçatuba,
principal núcleo urbano da região. A atração que a aglomeração de indústrias exerce na
região foi matéria no jornal O Estado de São Paulo por volta de 1990, quando
aproximadamente 2 mil famílias migraram para Birigui, fato este que foi retratado pelo
jornal como o fenômeno de “Birinópolis”, uma junção de Birigui com Rinópolis
(Vedovotto, 1996, p.33). Conferimos os dados populacionais de Rinópolis e de fato este
município vem perdendo população. Segundo dados do IBGE, na década de 1980 havia
no município de 15.227 habitantes, no último censo sua população não alcançou 10.000
habitantes.
69 Cabe ressaltar não obtivemos êxito nas tentativas de falar com os dirigentes do SICVB, nem
pessoalmente nem via e-mail. 70 Matéria publicada em 26/09/2008 e consultada no site: www.folhadaregiao.com.br/noticias.
119
Tabela 8 - População
Município População
1980 1990 1 2000 2 2010 3
Araçatuba 128.867 156.197 1,93 169.087 1,19 178.927 0,71
Birigui 50.580 72.165 3,6 94.098 2,6 108.479 1,45
Fonte: Fundação Seade, 2010.
1-Taxa Geométrica de crescimento da população entre 1980-1991.
2- Taxa Geométrica de crescimento da população entre 1991-2000.
3- Taxa Geométrica de crescimento da população entre 2000-2010.
A atração de mão-de-obra exercida pelas fábricas de calçados de Birigui foi
notícia também no New York Times71
, intitulada “Por emprego, brasileiros abandonam
suas cidades.” A matéria relata o exemplo de um casal que residia na cidade de São
Paulo, e que decidiu mudar para Birigui, em busca de emprego nas fábricas de calçados
da cidade. Cabe ressaltar, que se trata de pessoas com formação em nível superior e que
migraram para a cidade para ocupar cargos administrativos. É assunto da mesma
matéria, a interiorização das ofertas de emprego no país, que de acordo com dados
publicados pelo Ministério do Trabalho, nos sete primeiros meses de 2004, mais de 70%
dos postos de trabalho gerados foram em pequenas e médias cidades do país. Assim,
além da formação de uma reserva de mão de obra especializada e uma acumulação
localizada de competência técnica através de processos de “aprendizagem coletiva”, a
aglomeração também atrai trabalhadores, especializados ou não, de outras localidades.
Cabe aqui fazer um parêntese, para lembrar que no começo da década de 1970,
quando a aglomeração de indústrias ainda estava se formando, o emprego de menores
de idade nas fábricas de calçados correspondia aproximadamente a 30% da mão-de-obra
total. O emprego de mão-de-obra infantil não era visto como um problema na cidade e
nem mesmo pelo próprio autor que relata o fato da seguinte forma:
A utilização de menores, em cerca de 30% da mão-de-obra, é outro
aspecto de fundamental importância desta atividade. O seu
aproveitamento vem de encontro aos anseios da cidade, que observa o menor sendo encaminhado no trabalho e no aprendizado, adquirindo
uma profissão. Com isto, definem-se faixas salariais, de acordo com a
capacidade de trabalho de cada um, permitindo o seu auxílio na
71 Título da matéria: For Jobs, Brazilians Forsake Their Cities, by Todd Benson, Publicado em 23 de
setembro de 2004.
120
elevação da renda familiar e a sua fixação na cidade (Zampieri, 1976,
p. 205).
Em algumas fábricas o emprego da mão-de-obra de menores atingia até 65% do
total de empregados, como foi o caso das empresas Avac e Ibelca. O discurso era que
assim, se estava contribuindo para o futuro destes menores empregados e formando
mão-de-obra especializada para as fábricas da cidade. O fato é que o crescimento do
setor calçadista em Birigui, também ocorreu à custa da exploração da mão-de-obra de
menores e feminina, consideradas mais apropriadas para o trabalho nas fábricas devido
ao seu baixo custo. Atualmente, a ausência de menores na produção dos calçados se
tornou uma estratégia de marketing para as empresas, através de selos que atestam esta
ausência, como o Abrinq- Empresa Amiga da Criança e o Instituto Pró-criança de
Birigui.
121
3.5 - A localização das fábricas e o ambiente construído
A paisagem de Birigui é marcada desde a década de 1980, quando o setor
calçadista se consolida na cidade, pela intensa presença da atividade industrial em meio
às casas e prédios comerciais. De um modo geral, conforme representado pelo mapa 10
as fábricas de calçados estão distribuídas de forma aleatória no tecido urbano,
apresentando, entretanto, alguns pontos de concentração.
Santos (2004) explica que o estudo da divisão territorial do trabalho pode ser
realizado de duas maneiras: a primeira se refere à análise das divisões do trabalho que
se sucederam no tempo, contemplando suas causas e conseqüências, assim como, os
lugares de sua incidência; a outra forma consiste no reconhecimento no espaço de
divisões do trabalho sobrepostas ao mesmo tempo. A nosso ver, esta última forma, nos
indica um caminho possível de explicação da distribuição das fábricas de calçados na
cidade de Birigui. Nas palavras do autor:
Lembremo-nos em primeiro lugar, de que cada momento histórico
muda a divisão do trabalho. É uma lei geral. Em cada lugar, em cada
subespaço, novas divisões do trabalho chegam e se implantam, mas sem exclusão da presença dos restos de divisões do trabalho
anteriores. Isso aliás, distingue cada lugar dos demais, essa
combinação específica de temporalidades (p.136).
É a permanência no espaço construído de restos de uma divisão do trabalho
anterior que Santos (2004) chama de rugosidades do espaço. Ao considerarmos o
espaço construído na escala da cidade, podemos notar na paisagem urbana de Birigui
como as permanências de uma divisão do trabalho anterior se combinam e influenciam
a divisão do trabalho atual. Claro que estão presentes na cidade outras atividades e
setores com suas lógicas próprias de localização, também influenciadas pelas
permanências da divisão do trabalho anterior, como é o caso da fábrica de móveis da
Fimap, que ocupa hoje um dos barracões pertencentes à antiga agroindústria Anderson
Clayton. No entanto, para nossa pesquisa interessa saber os fatores relacionados à
distribuição dos estabelecimentos industriais fabricantes de calçados na cidade.
Primeiramente, cabe lembrar, como já dito no capítulo anterior, que a presença
de indústrias no município de Birigui esteve relacionada, num primeiro momento, à
grandes instalações industriais de empresas ligadas ao beneficiamento de produtos
agrícolas (principalmente do algodão), como a Anderson Clayton e a Biol (as outras
agroindústrias, apenas beneficiavam a matéria-prima no município). Atualmente,
percebe-se que as instalações destas antigas agroindústrias e os armazéns localizados no
122
antigo leito da ferrovia NOB (Noroeste do Brasil) abrigam hoje novas atividades, em
particular a indústria de calçados que é predominante na cidade.
Como podemos notar pelo mapa 10 alguns pontos de concentração de
estabelecimentos industriais fabricantes de calçados se constituem em locais onde
anteriormente funcionavam agroindústrias, como é o caso de parte do terreno que
pertenceu a Anderson Clayton, que foi loteado para a formação de três bairros: o Parque
Residencial Nelson Calixto; e os bairros Jardim Klayton e Vila Industrial localizados
mais ao sul da malha urbana que, como podemos perceber, abrigam inúmeras fábricas
de calçados. As instalações da antiga Biol, foi repartida formando um conjunto de box
que hoje abriga a Incubadora de Empresas do Sebrae. Verifica-se, também, que ao
longo do antigo leito da ferrovia NOB permaneceram alguns galpões típicos de estações
ferroviárias que atualmente também abrigam fábricas de calçados. Resumidamente,
tratam-se de exemplos de como o ambiente construído ao longo do tempo, reflete a
presença de divisões do trabalho anteriores e exerce influência na divisão do trabalho
atual: espaços que abrigaram a atividade ligada à agricultura no passado, hoje abrigam
inúmeras indústrias de calçados.
Além da influência de uma divisão do trabalho anterior, buscamos atentar
também para as características intrínsecas à indústria calçadista de Birigui. Para
entendermos a forma como está distribuída as fábricas de calçados na cidade, ao
observar os mapas 10 e 11, podemos relacionar a distribuição das fábricas com alguns
processos que fazem parte da história do setor calçadista na cidade.
Atualmente, as indústrias de calçado de Birigui encontram-se, em sua grande
maioria, ao redor do centro da cidade, apresentando em sua distribuição, algumas
especificidades que nos remete ao processo histórico e a gênese das indústrias de
calçado na cidade. Em sua origem, grande parte dessas indústrias começaram a operar
em instalações precárias, geralmente em casas que tiveram seus cômodos adaptados à
produção. Posteriormente, – conforme o desenvolvimento da empresa – ampliavam as
instalações com a anexação de terrenos ou casas vizinhas, até que a empresa acumulasse
o capital necessário para a construção de instalações adequadas ou tivesse condições
financeiras de alugar um barracão maior. Esse itinerário, seguido por muitas indústrias e
a ausência de um zoneamento específico na cidade para a localização da atividade
industrial, fizeram com que as fábricas se espalhassem por praticamente todos os bairros
da cidade, como podemos observar pelo mapa 10.
123
124
Como mostra o gráfico 10, constatamos em nossa pesquisa que o principal
motivo para mudança de endereço das fábricas de calçados é a necessidade por maior
espaço físico. Verificam-se basicamente, que as empresas suprem esta necessidade de
duas formas: uma delas é a aquisição de imóveis e terrenos vizinhos e contíguos à
empresa, como fez a Bical, que desde sua fundação na década de 1960 não mudou de
endereço, ampliondo suas instalações anexando áreas adjacentes à empresa; a outra
forma, é a construção de um novo prédio em outro ponto da cidade, como foi o caso da
empresa Tip Toe que nos últimos anos transferiu boa parte de sua atividade produtiva
do centro para as proximidades da rodovia Dep. Roberto Rolemberg, a NE da cidade.
Essa necessidade de expansão do espaço físico, suprida com os sucessivos
investimentos em instalações feitos pelas empresas ao longo dos anos, fez com que o
espaço construído da cidade se configurasse em uma economia de localização
específica da aglomeração industrial de Birigui. A disponibilidade de imóveis na
cidade, capazes de abrigar a atividade produtiva do calçado ou outras atividades,
possibilita às empresas (principalmente para micro e pequenas) que aluguem seus
galpões, sem ter assim, a necessidade de imobilizar parte de seu capital nas instalações
para iniciar a atividade produtiva ou mesmo ampliar seu espaço físico.
54
3
10
33
Gráfico 10- Motivos da mudança de endereço no
município (%)
Necessidade de maior espaço físico
Aquisição de prédio próprio
Outros motivos
Não mudaram
Fonte: Pesquisa de Campo Data: 05/2009
Elaboração: Elaine Cristina Cicero
125
126
Ao compararmos os pontos que localizam os antigos endereços das empresas
pesquisadas no mapa 11, com a distribuição das empresas no mapa 10, percebemos que
os antigos endereços das empresas pesquisadas já estão ocupados atualmente por outras
empresas. A empresa Thiox (nº15 na figura), por exemplo, ocupava o galpão que
atualmente abriga a empresa Camila Peres (nº29 na figura).
Percebe-se ainda, uma concentração de empresas no bairro Silvares (onde estão
localizadas as empresas, 3- Ortopasso, 4- Finobel-, 14- Só Baby, 17- Sposito) e em suas
proximidades. Zampieri (1976) já havia identificado em sua pesquisa que em 1972 o
bairro Silvares era um dos que abrigava um maior número de trabalhadores das fábricas
de calçados. O autor atribui este dado ao fato de que na época este bairro72
, vizinho à
área central da cidade onde se localizam a maior parte das fábricas de calçados,
abrangia uma área maior se comparado a outros bairros e, por isso, concentrava maior
população e continha, na época, duas fábricas de calçados.
Dessa forma, verifica-se que a distribuição das fábricas de calçados na cidade é
resultado de um processo histórico de construção do espaço, em que as lógicas de
divisões do trabalho anteriores influenciam e se combinam com as novas lógicas de
divisão do trabalho.
72 Juntamente com o bairro Silvares, Zampieri cita também o Bairro Alto, Vila Xavier e Santo Antonio.
127
Caixa 3- Elaboração cartográfica
A base cartográfica utilizada para elaboração do mapa foi conseguida junto à
Prefeitura Municipal de Birigui. Realizamos algumas modificações, visto que para a
escala na qual pretendíamos trabalhar, a base continha informações em excesso (nome
de todas as ruas, divisão da malha urbana por setores, dentre outras informações). A
prefeitura também disponibilizou uma lista das indústrias de calçados cadastradas, com
razão social, endereço e telefone. Devido à impossibilidade de averiguar in loco cada
uma das indústrias relacionadas na lista, utilizamos algumas ferramentas alternativas
para atingir nosso objetivo. Com auxílio dos mapas presentes na lista telefônica do
município, juntamente com a relação das ruas e das coordenadas para a localização das
mesmas na malha urbana, foi possível localizarmos os endereços de cada uma das
indústrias relacionadas, em nossa base cartográfica. Para localizarmos com maior
precisão a posição das indústrias na rua, utilizamos ainda as imagens de satélite da
cidade de Birigui fornecidas pelo GoogleEarth, onde foi possível identificarmos a
posição mais provável da fábrica na rua. Como podemos notar pela imagem abaixo, é
possível distinguir os telhados de construções residenciais daqueles das construções
destinadas a abrigar uma atividade produtiva, por exemplo.
128
Para traçarmos o antigo leito da Ferrovia Noroeste do Brasil na base cartográfica
de Birigui (que não estava presente na base fornecida pela prefeitura), nos baseamos nos
mapas apresentados por Zampiere (1976), com a malha urbana no ano 1972, onde o
autor localiza o leito da ferrovia cruzando a cidade. No entanto, com a expansão do
tecido urbano e com a cobertura dos trilhos com asfalto, atualmente não é mais possível
identificá-lo, a não ser pelo formato em curva de alguns quarteirões da cidade que
indicam que por ali passava a ferrovia.
O terreno pertencente à antiga agroindústria Anderson Clayton, foi identificado e
delimitado com a ajuda de informações coletadas junto à Prefeitura Municipal de
Birigui, mais especificamente, com o auxílio de um funcionário da Secretaria de Obras
do município, o Sr. Milton Nunes que nos forneceu as informações em detalhes.
Vale lembrar que para elaboração do mapa foi utilizado o software Corel
Draw®, visto que a base que nos foi fornecida não é geo-referenciada, por isso os
pontos localizados podem conter algumas distorções. Por outro lado, acreditamos que
com a utilização das ferramentas descritas acima foi possível manter o rigor das
informações representadas.
129
3.6 - Empresas fornecedoras e os fluxos de matérias-primas e insumos
Nos itens anteriores, buscamos analisar as relações de produção que se
estabelecem horizontalmente, num espaço contíguo, mas que não se restringem aos
limites administrativos do município de Birigui. O fluxo diário de trabalhadores dos
municípios vizinhos; a presença de indústrias de calçados nos municípios da Região
Administrativa de Araçatuba; as relações de subcontratação tanto de empresas com
CNPJ como a subcontratação de trabalho informal que também extrapolam os limites
do município; enfim, os arranjos e as relações de produção possibilitados pela presença
de recursos e de diversos fatores produtivos localizados, se configuram em
interdependências que se estabelecem horizontalmente no espaço.
Neste sentido, a presença em Birigui de empresas fornecedoras deve ser
entendida num contexto maior de divisão territorial do trabalho. Como apontou Santos,
com o desenvolvimento das técnicas os lugares se especializaram, de forma que o lugar
não precisa mais produzir tudo o que necessita para o consumo local. Atualmente, ainda
segundo Santos (2008), a noção clássica de rede urbana passou a ser relativizada pois
uma cidade nem sempre pode não manter intercâmbios de compra e venda com as
cidades vizinhas, mas pode, por outro lado, manter este tipo de relação com outras
localidades distantes fisicamente. As novas tecnologias da comunicação e da
informação possibilitam a conexão imaterial entre pontos distantes, possibilitando à
estes locais, por vezes com uma estrutura urbana incompleta, o acesso à serviços
especializados, sem que com isso haja incidência de custos de transporte adicionais, ao
custo final do serviço ou produto.
Os dados que coletamos sobre os fluxos de matérias-primas e insumos, na
aglomeração produtiva de Birigui torna evidente que também perpassam por este espaço
produtivo relações que se estabelecem verticalmente, ou seja, entre espaços
descontínuos. De acordo com Santos (2001),
Enquanto as horizontalidades são, sobretudo, a fábrica da produção propriamente dita e o lócus de uma cooperação mais limitada, as
verticalidades dão, sobretudo, conta dos outros momentos da produção
(circulação, distribuição e consumo), sendo veículo de uma
cooperação mais ampla, tanto econômica e politicamente, como geograficamente (p.284).
Dessa forma, os circuitos da produção não se estabelecem apenas regionalmente,
visto que com as especializações regionais se verifica um aumento dos diversos tipos de
130
fluxos, de diferentes intensidades e direções (Santos, 2008). De acordo com o autor, os
circuitos espaciais da produção correspondem às diversas etapas pelas quais passaria um
produto até o mercado consumidor. Analisar a espacialização da produção do calçado
não se constitui tarefa fácil, já que demandaria uma pesquisa mais aprofundada, com
dados mais abrangentes e detalhados, que nesta pesquisa não foi possível contemplar.
No entanto, os dados que conseguimos coletar em campo e numa fonte de dados
secundária (Secex) nos possibilita entender a dimensão e abrangência do circuito
espacial da produção do calçado de Birigui.
Para termos um critério de comparação, agregamos em nossa análise os dados
sobre a origem das matérias-primas e insumos usados na fabricação do calçado em
Birigui, coletados por Zampieri (1976) no início da década de 197073
. O que se busca é
identificar como as mudanças na divisão territorial do trabalho, verificadas
principalmente a partir da década de 1970, e as mudanças na produção do calçado
verificadas em Birigui ao longo dos anos, reordenaram os fluxos de matérias-primas e
insumos.
No início da década de 1970 o principal material utilizado na fabricação do
calçado em Birigui ainda era o couro, fornecido na maior parte, por curtumes
localizados no interior do Estado de São Paulo. Na pesquisa de Zampieri, todas as
empresas citaram como principais fornecedores os curtumes Leão e Cantagalo,
localizados no município de Penapólis, e o curtume Leal Figueiredo localizado em
Presidente Prudente. Em menor intensidade, havia outros municípios que também
forneciam couro para as fábricas de Birigui, dentre eles: Andradina, Campinas, São
Paulo, Lins, Catanduva, Fernandópolis, Franca, entre outros. Fora do Estado de São
Paulo também havia alguns fornecedores, sendo que os principais eram o Rio Grande
do Sul e Santa Catarina, seguidos por Minas Gerais, Bahia e Paraíba, estes últimos com
menor importância (Zampieri, 1976 p. 152).
Com exceção do couro que era majoritariamente proveniente do interior do
Estado de São Paulo, os outros insumos e matérias-primas utilizados pelas fábricas eram
originários da cidade de São Paulo, que na época ainda era um importante centro
produtor de calçados e por isso centralizava uma série de empresas fornecedoras,
73 Cabe ressaltar que assim como em nossa pesquisa, Zampieri relatou que houve dificuldade em coletar
os dados sobre o volume de matérias-primas e insumos, pois as empresas se limitaram a citar os locais de
origem e o nome das empresas fabricantes. No entanto, nem todas as empresas responderam este
questionamento, algumas por não saber e outras por que não acharam conveniente disponibilizar este tipo
de informação.
131
atacadistas e depósitos dos principais fabricantes do país. Ora, mais de 30 anos depois,
nenhuma das empresas fornecedoras da cidade de São Paulo citadas por Zampieri,
foram mencionadas pelas fábricas em nossa pesquisa. No interior do estado, a cidade de
São José do Rio Preto, fornecia caixas de papelão ondulado (caixas coletivas), que na
época ainda não era fabricado em Birigui. A cidade de Franca nos anos 1970 já possuía
uma estrutura de atendimento às demandas locais e por isso fornecia vários produtos
para as fábricas de Birigui, dentre os quais: saltos de borracha fabricados pela
Amazonas e produtos químicos fabricados pela empresa Santa Mônica (haviam também
outras empresas fornecedoras de menor importância como a MSM fabricante de saltos
de borracha, a Noronha fabricante de colas e a Lustrofix fabricante de tintas).
Na cidade de Birigui haviam apenas quatro empresas fornecedoras que
fabricavam componentes para as fábricas de calçados, eram elas: a cartonagem Jofer; a
Pérola saltos de madeira; a Petrilli & Oliveira artefatos de borracha; a Fiargo produtora
de artefatos de metal (estas duas últimas empresas participavam com menor
importância). Entre os anos de 1966 a 1979, Souza (2004) identificou com base em
dados da prefeitura, que 12 empresas iniciaram a atividade de fornecedores de
componentes, máquinas e insumos para a indústria calçadista. De acordo com o autor,
três eram produtoras de colas e solventes (Kicola, Quimisinos e Brasquímica), duas
eram produtoras de saltos e solados (Saltos Lindesa e Saltos Montoro), uma fornecedora
de couro (Couros Atlântica) e um representante das máquinas POPPI de Franca (p.26).
Zampieri também identificou em sua pesquisa que de um modo geral, os
principais fornecedores das fábricas de Birigui se concentravam no Estado de São Paulo
numa distância máxima de 500 km. Neste sentido, convém destacar que mesmo os
curtumes da região Sul do país mantinham depósitos na capital paulista.
Como vimos no capítulo anterior, a década de 1980 foi a mais significativa para
a indústria de calçados de Birigui, o crescimento do número de estabelecimentos foi
acompanhado por um aumento no número de empresas fornecedoras, na maioria
representações de fabricantes de outras localidades. Das 41 empresas que iniciaram suas
atividades em Birigui na década de 1980, apenas 7 eram fabricantes de produtos
subsidiários, sendo 2 fabricantes de facas para calçados e 5 fabricantes de formas,
matrizes e injetados para calçados. Da mesma forma, na década de 1990 o número de
empresas se ampliou ainda mais, seguindo a mesma tendência da década anterior: a
maioria das empresas instaladas nesta década também era majoritariamente de
fornecedores (Souza, 2004, p. 46).
132
Com efeito, pelo exposto, as economias externas geradas na aglomeração
produtiva de Birigui, pela especialização de empresas no interior do ciclo produtivo do
calçado, ocorreu muito mais pela presença de fornecedores e representantes de
fabricantes de componentes para calçados sediados fora do aglomerado.
Ao longo da pesquisa não foi possível identificar a quantidade de produto
comprados em cada empresa, por isso não definiremos aqui a densidade dos fluxos, mas
sim sua diversidade. De um modo geral constatamos que as origens dos produtos
comprados pelas empresas de Birigui são bastante diversas: 6 compram matérias-primas
e insumos somente na cidade, sendo que destas 3 são micro-empresas e 3 empresas de
pequeno porte; 2 compram na cidade e no Estado de São Paulo, ambas micro-empresas;
2 empresas compram na cidade e em outros estados, ambas empresas de pequeno porte;
10 compram na cidade, no Estado de São Paulo e em outros estados, sendo que destas, 6
são empresas de pequeno porte, 3 são micro-empresas e 1 empresa de médio porte; 3
compram na cidade, no Estado de São Paulo, em outros estados e em outros países,
destas, 1 é de grande porte (a outra empresa de grande porte não respondeu esta parte do
questionário) e duas são empresas de médio porte; o restante das empresas não
responderam ao questionamento, 3 porque são subcontratadas e praticamente não
compram material e 4 porque não quiseram responder.
Diante destes dados podemos apontar que: a) as empresas que restringem suas
compras somente às empresas fornecedoras localizadas na cidade são as empresas de
pequeno porte e as micro-empresas; b) as empresas de pequeno porte e as micro-
empresas não compram matérias-primas e insumos fora do país; c) quanto maior o porte
da empresa mais vasto é seu mercado de compra (os dados da tabela 9 sobre a
importação das empresas calçadistas corroboram nossa afirmação).
Em comparação com a década de 1970, verifica-se que houve um aumento
significativo das empresas fornecedoras, assim como de fabricantes74
, tanto no que diz
respeito à quantidade de empresas quanto na diversidade de produtos fabricados. Como
podemos ver pelo quadro 2, entre os fabricantes locais predomina a fabricação de
etiquetas, fivelas, , dublagens, alta freqüência, emborrachados, palmilhas, solados
injetados etc.
74 Estamos considerando como fabricantes todas as empresas que agregam valor a uma matéria-prima por
meio de transformação industrial.
133
Quadro 2- Fabricantes de insumos e matéria-prima localizados em Birigui, citados
pelas empresas pesquisadas - 2009
Fabricantes em Birigui Matérias-prima e insumos
Alpem solados
Arco-Íris embalagens
Birikraft embalagens
Birimoldes biqueiras
Calmart (3)* palmilhas, espumas, tecido, não tecidos, EVA,
plantex (material para palmilhas) , dublagens
CCR emborrachados e alta frequência
Coletiva embalagens
Conforma palmilhas
EG injetados
Fiveltec (3)* fivelas e metais em geral e plásticos (enfeites,
fivelas, fechos etc)
Fortflex palmilhas
Injetar (2)* com filial em
Campina Grande-BA solados, cabedais, injetados e emborrachados
Irmãos Montoro saltos
JLM (3)* matrizes e injetados
JR (5)* dublagens
KL matrizes para injetados
Linhanil linhas
MA enfeites
Palmishoes palmilhas
Paquinho injetados
RA emborrachados
Sigma etiquetas Fonte: Dados coletados durante o trabalho de campo em maio de 2009.
*Número de vezes que foi citado.
Os representantes de produtos fabricados por empresas sediadas em outros
municípios, citados pelas empresas pesquisadas, estão apresentados no quadro. Em
consulta ao Guia Calçadista75
, a lista de fornecedores locais ultrapassou em 2010 o
número de 300 unidades. Cabe ressaltar que os tipos de empresas que compõem esta
lista é bastante diversificado, contemplando desde as transportadoras com escritório na
cidade até as empresas cujas atividades estão diretamente relacionadas à produção do
calçado. Confrontando esses dados com os apresentados por Zampieri no início da
década de 1970, não há dúvidas que houve um aumento da especialização na produção
75 Uma publicação anual, em forma impressa e eletrônica, mantida pelas empresas locais, In:
http://www.guiacal.com.br/fornecedores.htm.
134
de calçados, não somente pelo aumento do número de empresas fornecedoras, mas
também, por todos os outros fatores apontados nos itens anteriores.
Quadro 3 - Empresas que comercializam componentes e máquinas para a fabricação
do calçado- Birigui-SP-2009
Representantes Produto comercializado
Alves componentes
Anderson componentes
BRC componentes
Broli componentes
Criléia componentes
FCC elastômeros termoplásticos
Flor de Lis componentes
Fromaq Máquinas, peças, assistência técnica
Galera componentes
Incal componentes
Jauplast componentes
José Bento Máquinas, metais e ferramentas
Stylo componentes Fonte: Trabalho de campo Data:maio de 2009.
No que se refere aos fornecedores localizados fora da aglomeração produtiva,
percebe-se que houve algumas mudanças e permanências referentes tanto à nova divisão
do trabalho, que vem se configurando desde a década de 1970, quanto às mudanças
referentes ao processo produtivo do calçado.
Como já vimos, o couro não é o principal material que compõe os calçados
fabricados em Birigui, mas a origem deste material não mudou muito, visto que os
municípios de Penápolis e Andradina continuam como os locais de origem dos
fornecedores. A mudança está na entrada do município de Bocaína e a saída do
município de Presidente Prudente.
Outro dado perceptível é que a aglomeração produtiva de Franca continua sendo
um ponto de origem dos fornecedores de insumos e matérias primas para as indústrias
de calçado de Birigui, com destaque para a empresa Amazonas que continua fornecendo
solados e colas para as empresas de Birigui.
No que diz respeito ainda às permanências de fornecedores, verifica-se que o
município de São José do Rio Preto continua como fornecedor de caixas de papelão.
Embora não constasse na pesquisa de Zampieri como uma região fornecedora de
matérias primas, a cidade de Jaú atualmente é um dos locais de aquisição de matérias
135
primas para as fábricas de Birigui. Isso porque ela se transformou nas últimas décadas
numa aglomeração de indústrias especializada na produção de calçados femininos.
Quadro 4- Município de localização dos fabricantes de matérias-prima e insumos
citados pelas empresas pesquisadas – Estado de São Paulo – 2009
Município no
Estado de São
Paulo
Fabricante
Matéria-prima/insumo
Americana Tex Textil tecidos
Amparo Cifa Textil poliéster
Andradina - couro
Bariri - sintéticos
Bocaína DJ Couros Couro
Boracéia Sintex
(com representação em Birigui)
Sintéticos
Buritama - Materiais para cabedal
Campinas Coberplas (3)* Sintéticos
Cerquilho Cipatex (5)* Sintéticos
Embú das Artes Twiltex (2)* Sintéticos
Franca - caixas
Franca Hoëdic Biqueiras, palmilhas e
contrafortes
Franca Amazonas (2)* Solados e colas
Franco da Rocha Matec tecidos
Glicério - Material para cabedal
Itaquaquecetuba - solventes
Itatiba Cola, cola adesiva
Jacareí Freudenberg (Alemã) (2)* Entretelas e não tecidos
Jaú - Sintéticos
Jaú Solados Jauense (2)* solados
Jaú - caixas
Penápolis - couro
Pirapora do Bom
Jesus
Top Leather (2)* Sintéticos
Ribeirão Preto Metalúrgica Fage (2)* Fivelas, enfeites, máquinas
para passar resina e estufas
São José do Rio
Preto
- Caixas de papelão
São Paulo - Viés, velcro
São Paulo Coperplastic Sintéticos
São Paulo Plásticos Ivone (4)* Sintéticos Fonte: Trabalho de campo Data:maio de 2009.
- A empresa pesquisada não disponibilizou a informação.
* Número de vezes que a empresa foi citada.
136
Além de Franca e Jaú, os municípios de Cerquilho, Campinas, Embu das Artes,
São Paulo, Pirapora do Bom Jesus também passaram a ser fornecedores de material
sintético para a indústria de calçados de Birigui.
Outros municípios do interior paulista também figuram pontualmente como
fornecedores para as indústrias de Birigui, a saber: Americana, Amparo,
Itaquaquecetuba, Itatiba, Jacareí e Ribeirão Preto.
Alguns municípios vizinhos, próximas a Birigui e pertencentes à região
Administrativa de Araçatuba, foram citados como locais de compra de materiais para
cabedal, mais especificamente: Buritama e Glicério. O que vem demonstrar mais uma
vez, que a especialização na produção de calçados se estende para além da cidade de
Birigui.
Como já comentamos no capítulo 2, na década de 1970 as empresas de Birigui
tinham dificuldades de estabelecer relações de compra e venda com outros países,
principalmente, por motivos de ordem técnica. Verifica-se que atualmente, elas
estabelecem relações de importação e exportação com vários países, mas que, no
entanto, estas relações estão restritas às empresas maiores. Como podemos observar
pelos dados expostos nas tabelas 9 e 10, todas as empresas que importaram ou
exportaram no ano de 200776
são empresas de médio e grande porte.
Tabela 9 - Importações em 2007: principais empresas, valor das importações e
participação nas exportações do município – Birigui-SP
Empresa US$ F.O.B Participação no total
do município (%)
Kidy 2.222.365 17,31
Tiptoe 1.821.315 14,19
Kollii‟s (Pampili) 1.381.747 10,76
Pé com Pé 1.368.132 10,66
Bical 1.307.021 10,18
Guimy 912.289 7,11
Ortopasso 762.909 5,94
Klin 578.004 4,50
Fonte: Secex/Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
76 Mantivemos os dados sobre a balança comercial do município de Birigui no ano de 2007 porque os
dados publicados nos anos posteriores não disponibilizavam o nome das empresas e nem os valores que
cada uma exportou ou importou.
137
138
Tabela 10 - Exportação em 2007: principais empresas, valor das exportações e
participação nas exportações do município – Birigui-SP
Empresa US$ F.O.B Participação no total
do município (%)
Klin 8.965.920 24,84
Bical 5.257.459 14,56
Kolli‟s (Pampili) 4.315.515 11,95
Kidy 3.236.046 8,96
Kiuty 3.099.646 8,59
Pé com Pé 1.782.575 4,94
Finobel 673.633 1,87
Sonho de criança 598.163 1,66
Ortopasso 518.616 1,44
Guimy 488.662 1,35
Brink 477.304 1,32
Tiptoe 363.891 1,01
Fonte: Secex/Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
Outras empresas:
ITB equipamentos elétricos US$ 2.754.989
Kilbra Trading Equipamentos para Avicultura US$ 619.642
Jofer embalagens US$ 439.227
Semeali sementes híbridas US$ 437.800
Aquecedor solar Transsen US$ 382.519
No que diz respeito às importações, verifica-se que os principais produtos
importados estão relacionados ao processo produtivo do calçados, tanto de partes para
calçados quanto de componentes, são eles: borracha vulcanizada; calçados com a parte
superior em borracha; borrachas misturadas; calçados em material têxtil; policloreto de
vinila (material plástico mais conhecido como PVC, utilizado para a fabricação de
solados); diodos emissores de luz; teares circulares; parte superior do calçado. Como
podemos visualizar pelo mapa 12, os principais países com os quais as empresas de
calçados matem relações de importação são a China e o Uruguai.
Fica evidente, pelos conteúdos das importações, que as empresas de Birigui
importam tanto o calçado pronto, quanto a parte superior do calçado ou cabedal, e
apesar de não termos acesso ao conteúdo das importações por país, podemos deduzir
que estas são majoritariamente originárias da China. Poderíamos inferir a partir destes
dados que as empresas importam calçados prontos para revendê-los com suas marcas e
139
que os cabedais importados são montados pelas empresas importadoras e vendidos com
suas respectivas marcas.
Verifica-se, portanto, que nem o processo produtivo do calçado se restringe mais
a escala local, na medida em que a etapa do pesponto do cabedal é realizada em outro
país e segue para ser montado em Birigui. O que demonstra, por seu turno, que a união
vertical dos lugares ocorre também por meio das relações de produção.
Novamente em comparação com os dados de fluxos apresentados por Zampieri
(1972) na década de 1970, nota-se que os fluxos relativos ao circuito espacial da
produção dos calçados de Birigui se tornaram mais diversificados e abrangentes. Se
antes as principais fontes de matérias-primas não ultrapassavam uma distância máxima
de 500 km, hoje as etapas da produção do calçado são realizadas em pontos distantes
fisicamente, neste caso envolvendo países em continentes diferentes.
140
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do tema que procuramos analisar neste trabalho é possível pontuar
alguns aspectos que envolvem a indústria calçadista de Birigui, do chão da fábrica às
estratégias espaciais das empresas.
As transformações no sistema capitalista a partir da década de 1970
engendraram mudanças nas relações de trabalho, nas formas de organização da
produção, no papel do Estado etc. Quanto a este último, verifica-se que apesar do
modelo de Estado de viés keynesiano ter entrado em declínio a partir do referido
período, ele continua sendo a escala de mediação mais importante entre o global e o
local. Seu poder de regulação é agora tão, ou mais, importante quanto antes, visto que
com a globalização da economia, com o aumento da diversidade e intensidade dos
fluxos materiais e imateriais entre diferentes pontos do mundo, ou o que Santos (2004)
chamou de “alargamento dos contextos”, são necessárias normas e regras que dêem
conta de manter o funcionamento do sistema. A nosso ver, este papel cabe aos Estados-
nação.
No Brasil, o impacto das transformações decorrentes da mundialização do
capital e das mudanças nos processos de produção foi sentido com maior intensidade a
partir da década de 1990, quando houve a abertura comercial e financeira do país. No
setor calçadista nacional, a entrada de calçados da China, tanto no país quanto no
mercado de calçados internacional com preços inferiores aos praticados pelas empresas
brasileiras, ensejou um processo de reestruturação produtiva nas empresas nacionais,
com objetivo de encontrar novas estratégias para lidar com este ambiente de
competitividade acirrada.
A forma como esse processo se efetivou no setor calçadista apresenta
características peculiares, visto que em meio às mudanças, inspiradas no modelo de
produção japonês, conhecido como “toyotismo”, coexistem com as permanências de
inúmeros princípios fordistas. Constatamos, por exemplo, que houve incorporação de
novas e sofisticadas tecnologias, com a automação de determinadas etapas do processo
produtivo do calçado, mas constatamos, também, que a produção do calçado utiliza
mão-de-obra intensiva e que o trabalho manual está presente em praticamente todas as
etapas do processo produtivo. Na maioria dos casos, adotou-se parte dos princípios
“toyotistas” de produção, como as células, porém mesclados com princípios fordistas,
como a linha de produção. Outro ponto importante a ressaltar é que a subcontratação de
141
trabalho informal, associada geralmente ao modelo japonês, já existia nas fábricas de
calçados de Birigui, anteriormente à década de 1990. A partir dessas constatações,
podemos afirmar que a análise do processo de reestruturação produtiva não ocorre da
mesma forma em todos os setores produtivos.
Além das novas estratégias internas que podem ser verificadas no chão da
fábrica, houve também mudanças nas estratégias espaciais das empresas, que passaram
a incluir em suas pautas de localização as vantagens e possibilidades de redução dos
custos de produção que cada lugar oferece. No Brasil, desde a década de 1990 verifica-
se, em território nacional, uma verdadeira “guerra fiscal” entre estados e municípios na
busca por atração de investimentos, reflexo do esvaziamento das políticas de
desenvolvimento regional lideradas pelo Estado-nação.
Pelos dados coletados junto ao IBGE constatamos que, proporcionalmente, os
municípios brasileiros que mais oferecem incentivos são os municípios maiores e que as
regiões que mais ofereceram isenções fiscais, em 2006, foram o Sul e o Sudeste, ou
seja, ofereceram maiores vantagens à atração do capital os lugares que já são
historicamente mais desenvolvidos. A nosso ver, na lógica da guerra fiscal os “espaços
luminosos” saem na frente, por isso, o Estado-nação é chamado mais uma vez para
corrigir as distorções próprias do sistema capitalista e promover, por meio de políticas
públicas, uma maior igualdade na distribuição dos recursos.
Como já apontamos no primeiro capítulo, em concordância com o exposto por
Bacelar (2000), não cabe aos agentes privados quaisquer preocupações com os espaços
mais pobres e menos competitivos; ao contrário, cabe ao Estado nacional promover uma
distribuição mais harmônica dos recursos. Da mesma forma, os governos locais e
estaduais não possuem autonomia suficiente para a geração de políticas de emprego e
renda. O que se percebe é que a disseminação da prática de isenções fiscais e outros
tipos de incentivos cria uma lógica fragmentadora entre as entidades federativas, na
medida em que as mesmas competem pela instalação de empresas em seus territórios.
Nesse sentido, as empresas de Birigui – ao contrário do que foi verificado na
indústria de calçados em escala nacional – não abandonaram sua localização de origem,
apenas montaram novas unidades produtivas no Nordeste, mas principalmente no Mato
Grosso do Sul. O que torna evidente que as vantagens de uma possível transferência das
unidades produtivas não superariam as vantagens presentes na aglomeração industrial
de Birigui.
142
No Estado de São Paulo, a década de 1970 se constitui num divisor de águas
para a distribuição das atividades industriais. Inúmeros autores como Azzoni (1986),
Lencioni (1991), Negri (1994), Sposito (2007) e Selingardi-Sampaio (2009), entre
outros, trataram do processo de desconcentração industrial que ocorreu no estado a
partir da referida década. Por outro lado, como apontam os autores, houve uma
redefinição dos papéis da Região Metropolitana de São Paulo, que passou a concentrar
as funções de gestão, financeiras e as indústrias de maior conteúdo tecnológico.
Verifica-se que inúmeros fatores contribuíram para a dispersão das atividades
industriais da metrópole paulista, como o processo de reestruturação produtiva das
empresas que passaram a buscar localidades onde dispunham de menores custos de
produção; as políticas públicas de descentralização espacial das atividades industriais;
os custos de aglomeração na metrópole etc. Outro aspecto importante a se destacar é
que esta dispersão não abrangeu todo o estado de São Paulo, mas foi restrita aos
municípios localizados nas proximidades da metrópole paulistana. Em cidades mais
próximas à Região Metropolitana de São Paulo – como é o caso de Campinas – são
mais nítidas as influências do processo de desconcentração industrial, com transferência
de unidades produtivas antes localizadas na metrópole.
A interiorização das infra-estruturas (ferrovias, rodovias, linhas de telefone) para
o interior do estado, iniciada desde a expansão das plantações de café, se intensifica a
partir da década de 1970, quando o território ganha “novos conteúdos”, com ampliação
das possibilidades de produção e, por conseguinte, dos fluxos materiais e imateriais.
Ficou claro, pelos dados históricos sobre a instalação das primeiras fábricas de
calçados em Birigui, que se trata de mais um exemplo de cidade no interior paulista que
se industrializou endogenamente, ou seja, trata-se de uma industrialização fruto de
investimentos locais, o que não exclui a importância de forças que atuaram em outras
escalas e que influenciaram nas condições para seu desenvolvimento.
Dessa forma, a industrialização do interior paulista não se explica basicamente
pela transferência de unidades produtivas da capital do estado em direção ao interior,
mas por uma redefinição na divisão territorial do trabalho em que novos espaços se
industrializam e ganham importância. Neste caso, Birigui se insere, historicamente,
nesta nova divisão territorial do trabalho como uma aglomeração espacial de indústrias
especializadas na produção de calçados infantis.
Diante do exposto, no capítulo 3 nos propomos a entender a importância das
aglomerações produtivas (especializações territoriais produtivas) no atual período, como
143
definiu Santos (2004), de alargamento dos contextos, em que o circuito espacial da
produção se materializa entre pontos fisicamente distantes.
Primeiramente, a partir de alguns fatores representativos de economias de
localização e urbanização, explicados por Camagni (2000), buscamos entender como as
empresas localizadas na aglomeração industrial do calçado em Birigui usufruem de
vantagens que não encontrariam caso se localizassem num ponto isolado. Percebemos,
assim, que ao longo do desenvolvimento da aglomeração de indústrias fabricantes de
calçados em Birigui, foram se formando recursos específicos ou o que Selingardi-
Sampaio (2009) chamou de ativos específicos, identificados em nosso trabalho como: a)
a presença de mão-de-obra especializada e de baixo custo; b) a formação de arranjos
produtivos, possibilitados pela presença de empresas especializadas em determinadas
etapas do processo produtivo e pelas relações de subcontratação e exploração de
trabalhadores mantidos na informalidade; c) a presença de infra-estruturas; d) a
presença de empresas correlatas à produção de calçados, entre outros fatores. Um
aspecto que ainda convém destacar é a presença de instituições como sindicatos,
faculdades e escolas técnicas, assim como a prefeitura municipal de Birigui, que atuam
de forma a aperfeiçoar os recursos já presentes no local. A prefeitura municipal, em
convênio com o SEBRAE, mantém no município uma Incubadora de empresas, onde os
microempresários, não somente do ramo calçadista, recebem instruções e apoio técnico
e administrativo do SEBRAE, além de subsídios para participação em feiras do setor.
Verificamos, também, que as relações de produção que se estabelecem
horizontalmente não se restringem aos limites físicos da cidade, visto que os municípios
da região, além de fornecer mão-de-obra para as fábricas de Birigui, já participam da
produção local do calçado abrigando fábricas, bancas e profissionais a domicílio,
aumentando o fluxo regional de pessoas e de mercadorias.
A análise dos fluxos de matérias-primas das fábricas de calçados mostra que
além das relações de produção que se estabelecem horizontalmente, as fábricas locais
mantêm relações verticais, de compra e venda com lugares distantes. Percebemos que
para o fornecimento de insumos e materiais para a fabricação de calçados, centros
urbanos mais distantes, como é o caso de Jaú e Franca, apresentam maior importância
do que o centro urbano de Araçatuba, que é mais próximo de Birigui e desempenha
papel de maior importância na rede urbana regional. Constatamos, ainda, que nem a
produção do calçado se estabelece apenas horizontalmente. Os dados sobre a
importação das fábricas de calçados mostraram que tanto calçados prontos quanto a
144
parte superior do calçado (cabedal) são comprados da China para serem revendidos
pelas fábricas de Birigui. Verifica-se, assim, que no contexto de redefinições na divisão
territorial do trabalho, ocorridas a partir da década de 1970, as especializações
produtivas ampliam a densidade e diversidade dos fluxos atuais, graças às condições de
desenvolvimento das técnicas, (definido por Santos (2004) como meio técnico-
científico-informacional). Sendo assim, verifica-se que nem mesmo o processo
produtivo do calçado é realizado apenas localmente, pois os dados mostram as
importações realizadas pelas fábricas de Birigui. Os cabedais importados da China serão
montados e vendidos pelas fábricas de Birigui. Cabe perguntarmos se esta possibilidade
de estabelecer relações com outros centros produtores distantes fisicamente de Birigui é
possibilitada graças às economias externas presentes na aglomeração industrial. O fato é
que dentre as empresas que importaram e exportaram em 2007, nenhuma delas é de
pequeno porte ou micro-empresa, o que sugere que as economias internas à empresa,
relacionadas à escala de produção, são um elemento importante para se atingir mercados
mais distantes.
Por último, ressaltamos que tanto os dados que coletamos em campo quanto às
dinâmicas que envolvem a aglomeração industrial de Birigui não foram plenamente
abordadas nesta pesquisa; no entanto, deixaram inúmeros questionamentos que poderão
ser desenvolvidos em outro momento.
145
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http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios
www.ibge.com.br
www.seade.com.br
www.receita.fazenda.gov.br/publico/legislaçao/resoluçao/2008/resoluçaoCGSN/anexo2
150
APÊNDICE A
Modelo de questionário aplicado nas empresas
151
Campus de Presidente Prudente
Pesquisadora: Elaine Cristina Cicero
Orientador: Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito77
1- Identificação
1.1- Nome da empresa:
1.2- Ramo:
1.3- Produção diária:
1.4- Porte:
1.5- Endereço:
1.6- Fone/fax:
1.7- Responsável pelas informações:
1.8- Data:
1.9- Origem do capital:
2- Aspectos locacionais
2.1 - Ano de fundação:
2.2 - Motivos para instalação da empresa no município:
a) familiar ( )
b) proximidade aos fornecedores de matéria prima ( ) Quais tipos?
Ex: atividade coureira na região (Araçatuba, Andradina, Castilho)
c) presença de mão-de-obra especializada ( )
d) incentivos fiscais oferecidos:
i. pelo município ( ) Quais
ii. pelo Estado ( ) Quais?.
iii. pela União ( ) Quais?
e) doação de terreno pela prefeitura ( )
g) exemplos bem sucedidos de empresas do ramo que se instalaram no município ( )
h) acessibilidade ao sistema de transportes ( )
i) outros motivos
2.3) A empresa tem filiais? ( )Sim ( )Não Se sim, em quais municípios?
2.3- Houve mudança de endereço da empresa no município? ( )Sim ( )Não
a) Qual motivo?
b) Ano da mudança?
c) Endereço anterior?
2.4- Quais as vantagens e desvantagens da empresa estar localizada em Birigui?
77 Faculdade de Ciências e Tecnologia/Seção de Pós-Graduação
Rua Roberto Simonsen, 305 CEP 19060-900 Presidente Prudente SP
Tel (18)3 229-5352 fax 18 223-4519 [email protected]
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a)Vantagens:
b)Desvantagens:
3- Relações de cooperação
3.1 - A empresa mantém relações de cooperação, alianças ou parcerias com outras
empresas?
( )Quantas ( 0)Não
a)Se sim, de que tipo?
b) Quais os ramos destas empresas?
c) Quais as vantagens e desvantagens?
Vantagens:
Desvantagens:
Fornecedores de matéria-prima e insumos:
3.2 - Na cidade: ( )Quantidade ( 0 )Não
a) Se sim quais os tipos?
b) Fornecedores que apenas comercializam:
c) Fornecedores que produzem:
3.3 - No Estado de São Paulo? ( )Quantidade ( 0 )Não
a)Se sim quais os tipos?
b) Em quais municípios?
c) Fornecedores que apenas comercializam:
d) Fornecedores que produzem:
3.4-Em outros Estados? ( )Quantidade ( 0 )Não
a)Se sim quais os tipos?
b)Em quais Estados?
c)Fornecedores que apenas comercializam:
d)Fornecedores que produzem:
3.5-Em outros países? ( )Quantidade ( 0 )Não
a)Se sim quais os tipos?
b)Em quais países?
153
c)Fornecedores que apenas comercializam:
d)Fornecedores que produzem:
3.6-A empresa mantém algum tipo de parceria com universidades? ( )Sim ( )Não
a) Se sim, qual a finalidade e como funciona?
Fornecedores de máquinas e equipamentos
3.7-Na cidade: ( )Quantidade ( 0 )Não
a)Se sim quais os tipos?
b)Fornecedores que apenas comercializam:
c)Fornecedores que produzem:
3.8-No Estado de São Paulo? ( )Quantidade ( 0 )Não
a)Se sim quais os tipos?
b)Em quais municípios?
c)Fornecedores que apenas comercializam:
d)Fornecedores que produzem:
3.9-Em outros Estados? ( )Quantidade ( 0 )Não
a)Se sim quais os tipos?
b)Em quais Estados?
b)Fornecedores que apenas comercializam:
c)Fornecedores que produzem:
3.10-Em outros países? ( )Quantidade ( 0 )Não
a)Se sim quais os tipos?
b)Em quais países?
b)Fornecedores que apenas comercializam:
c)Fornecedores que produzem:
4- Exportação
4.1 - A empresa exporta? ( )Sim ( )Não
Se sim:
a)Para quais países?
154
b) Percentual da produção que é exportada:
4.2 - Participa de algum consórcio de exportação? ( )Sim ( )Não
Se sim:
a)Qual?
b) Quantas empresas participam do consócio e qual o porte dessas empresas?
c)Qual a localização dessas empresas? ( ) no município ( ) em outros municípios;
quais?
4.2-Recebe algum tipo de isenção ou incentivo para exportação?
( )Sim ( )Não
Se sim, de que tipo?
5- Terceirização
5.1 - Quais atividades ou funções são realizadas ou contratadas de terceiros?
a)Serviços Município de localização da empresa
Serviços de transporte
Serviços de limpeza
Seleção e treinamento de mão-de-
obra
Serviço de segurança e vigilância
Assessoria jurídica
Serviço de contabilidade
Serviço administrativo
Venda e distribuição/exportação
b)Produção Município de localização da empresa
Manutenção de máquinas e
equipamentos
Fabricação de partes do calçado
Fabricação do calçado por completo
c) Outras atividades ou funções? Quais?
5.2 - A empresa é contratada por outras? ( )Sim ( )Não
Se sim:
a)É contratada:
( )por apenas uma empresa;
( )por várias empresas. Indicar quais as empresas contratantes e o município de
localização:
b) Periodicidade :
( )sazonalmente;
( )de forma permanente;
( )por empreita;
( )outra forma, especificar qual:
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c) Quais tarefas ou produtos são realizados pela empresa?
d) O material utilizado na produção por esta empresa:
( )é fornecido pela empresa subcontratante;
( )é em parte fornecido pela empresa subcontratante;
( )esta empresa compra seu próprio material;
( )outras formas. Quais?
5.3 - A empresa tem produção própria? ( )Sim ( )Não
Se sim, quais os principais mercados consumidores de seus produtos?
( )Birigui(....%);
( )Municípios próximos(....%) Quais?
( )Interior do Estado de São Paulo(....%);
( )São Paulo/Região Metropolitana(....%);
( )Outros estados (....%). Quais?
( )Outros Países (....%). Quais?
6- Trabalho e emprego
6.1- Qual o número de trabalhadores da empresa?
Homens: Mulheres:
6.2- Há familiares do proprietário que trabalham na empresa?
( )Sim ( )Não
Se sim, em quais setores?
6.3- Quais os requisitos da empresa para contratação de trabalhadores?
( )nível de escolaridade. Qual nível para cada função?
( )experiência. Quanto tempo e para quais funções?
( )outros. Quais?
6.4 - Há treinamento dos trabalhadores? ( )Sim ( )Não
Se sim:
( ) na própria empresa;
( ) pelo Sebrae ou Senai;
( ) outras formas de treinamento. Quais?
6.5- Há falta de mão de obra especializada no município? ( )Sim ( )Não
a) Se sim, para quais funções?
6.6- Houve diminuição no quadro de trabalhadores? ( )Sim ( )Não
Se sim, qual o motivo?
156
6.7- Município de residência dos trabalhadores:
( )Birigui (....%) ( )Outros municípios (....%) Quais?
6.8- Há trabalhadores contratados por tempo determinado? ( )Sim ( )Não
6.9- Há diferenciação nos salários dos trabalhadores da produção? ( )Sim ( )Não
Se sim, para quais cargos?
6.10- Além dos trabalhadores regulares, a empresa subcontrata trabalho de outras
pessoas?
( )Sim ( )Não
Se sim:
a) O contrato é: ( )temporário ( )permanente
Por que?
b) Os subcontratados trabalham:
( )em suas casas no município;
( )em suas casas mas, em municípios vizinhos. Quais?
( )na própria empresa.
c) Quais as tarefas subcontratadas?
6.10- Há incentivos ou bonificação de acordo com o desempenho produtivo de cada
trabalhador? ( )Sim ( )Não
6.11- A empresa adotou o banco de horas? ( )Sim ( )Não
Por que?
7-Inovação
7.1- Quais as principais inovações implantadas pela empresa:
( ) inovação no produto. Especificar:
( ) inovação no processo produtivo. Especificar
( ) Pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Especificar
( ) Outras:
8- Organização da produção
8.1- Alguma vez a empresa mudou a forma de organização da produção? ( )Sim (
)Não
a) Ano da mudança:
b) Motivo da mudança:
c) Atualmente, qual(is) a(s) forma(s) de organização da produção(Ex: células de
produção, mini-fábricas, sessões, etc)? Especificar como funciona.
8.2- Como é realizado o controle da produtividade?
157
8.3 A empresa utiliza a esteira elétrica? Se sim, em quais sessões?
8.4-Houve incorporação de novas tecnologias? Quais?
8.5-Há estoques de matérias-primas? De que tipo?
a) Quanto à aquisição de matérias-primas:
( ) é feita tendo em vista a produção anual;
( ) é feita tendo em vista a produção semestral;
( ) é baseada no tipo de produto para cada estação do ano;
( ) a matéria-prima é adquirida de acordo com a demanda por produtos;
( ) outra forma. Especificar:
8.6- Há estoque de produtos (calçado pronto para comercialização)?
( )Sim ( )Não
8.7- Como é definida a quantidade de produção de cada modelo de calçado:
( ) com base nas encomendas;
( ) com base na quantidade estocada;
( ) com base na sazonalidade do mercado nos anos anteriores;
( ) de outra forma. Qual?
8.8- Quantos modelos de calçado a empresa produz regularmente?
a) Qual o período de produção para cada modelo?
b) Há um modelo que seja o “carro chefe” da empresa? ( )Sim ( )Não
Se sim:
c) Há quanto tempo a empresa produz este modelo?
8.9- Tipo de calçado produzido:
( )Tênis infantil, numeração:
( )Sandália e sapato infantil, numeração:
( )Tênis adulto, numeração:
( )Sapatos ou sandálias adulto, numeração:.........................Fem.( ) Masc.( )
( ) Outros tipos de calçados, quais?
8.10- Tipo de material utilizado:
( ) couro, ...........% dos modelos;
( ) sintético, ................% dos modelos;
( ) tecido, .............% dos modelos;
( ) misto. .............% dos modelos;
8.11- Há algum tipo de controle de qualidade? ( )Sim ( )Não
a) Se sim, de que tipo?
158
Apêndice B Entrevista com o Secretário de Gabinete do município de Birigui (Sr. Paulo Batista)
159
Entrevista com o Secretário de Gabinete Paulo Batista
O Sr. poderia falar um pouco da sua trajetória política em Birigui?
Posso. Fui candidato a deputado estadual em 2002, em 2004 fui candidato a vice-prefeito na chapa do
Borini, vencemos as eleições, tivemos apoio do governo e hoje sou o Secretário de Gabinete.
O Sr. continua sendo do Partido dos Trabalhadores?
Não, deixei o Partido dos Trabalhadores em 2007, hoje sou do PMDB, o partido do prefeito. Até porque
você tem que ter uma filiação partidária; os ideais são os mesmos, isso a gente não meche, não é por causa do partido...
Quando o Sr. foi candidato a vice-prefeito na chapa do Borini, o fato de ainda pertencer ao Partido dos
Trabalhadores... (interrompida)
Em 2004 sim, foi uma parceria PT-PMDB; a gente combinou e eu sai candidato a vice, e tivemos juntos
por esse período.
E o fato de na época o Sr. estar no PT facilitou o acesso à “Brasília”?
Não, à Brasília é difícil, você tem que ter alguém o tempo todo cuidando das ações. Evidente que a gente
tinha alguns contatos com deputados do PT o que favorecia na questão de emendas parlamentares, uma
indicação ou outra até a gente consegue, mas em Brasília, se você tem acesso aos Ministérios, faz visitas constantes à pessoas que você tem contato, independente do partido você é atendido do mesmo jeito.
Então, não é porque do PT que facilitou. Facilitou porque Birigui recebeu emendas parlamentares dos
deputados e senadores do Partido dos Trabalhadores. E a gente tinha um certo contato com o Estado de
São Paulo, isso sim a gente conseguiu chegar mais próximo.
Gostaria que o Sr. comentasse um pouco sobre a lei de responsabilidade fiscal.
Na verdade, a lei de responsabilidade é feita para o mau administrador. O administrador honesto, correto,
não vai ter problema nenhum, porque já o normal dele aquilo ali. É um marco regulatório: até aqui você
pode, até aqui você não pode. Então, ajuda a disciplinar a gestão da coisa pública, porque agora você é
punido: é Ministério Público; é processo; caça prefeito; prende e tudo mais. Então, eu acho que é
importante a lei de responsabilidade, evidente que ela coloca alguns entraves, poderia ser mais flexível, mas, é lei. Tudo depende da interpretação do Judiciário, do Tribunal de Contas, mas de um modo geral,
ela é importante porque disciplina o funcionamento das Prefeituras. Até então, algumas preocupações não
existiam: o dinheiro era jogado no lixo, usado em qualquer lugar, de qualquer forma e nunca a saúde, a
educação, a assistência social eram contemplados. Sempre aquelas pontes, brejo, rua e o que é importante
mesmo, para a população ficava um pouco a desejar. E a lei de responsabilidade fiscal cria essa
obrigatoriedade de investimento. É o que a gente chama de dinheiro carimbado: se o dinheiro veio para a
Educação, você tem que investir em Educação. Não se pode pegar o dinheiro da Educação e passar para
outro lugar. O dinheiro da saúde: você não pode dizer que é para saúde e passar para outro lugar. Então, a
cobrança que lei de responsabilidade fiscal faz é importante. O que pertence a Prefeitura, pertence ao
povo e não a uma agremiação ou uma religião: isso não pode servir para a Igreja, não pode ser dessa
forma; não se pode emprestar veículo para ficar carregando terceiros, para serviço particular, é para
serviço público. Então, isso é importante: ela disciplina gente de má fé, que já pensa em usurpar do poder público, acaba nem entrando: - Isso vai dar errado, não posso fazer.
Penso que a lei de responsabilidade fiscal é importante para disciplinar a gestão. Agora quem já é correto
não tem problema nenhum. Reclama quem tem dificuldade de trabalhar correto.
A respeito do processo de descentralização política, do aumento do poder político dos municípios, que
está na pauta das discussões desde a constituição de 1988, a partir da sua experiência como vice-prefeito,
gostaria que o Sr. desse a sua opinião a respeito. O que pode realmente o poder local?
Na verdade a descentralização da gestão dos processos das esferas federal, estadual, que joga a
responsabilidade para o município, ela cria uma situação um pouco delicada: o município não tem, muitas
vezes, condições de gerenciar alguns processos. Cria-se a regra, coloca-se todos os problemas da regra e o
município que tem que cuidar. Por exemplo, o SUS, a responsabilidade da saúde no município é da Prefeitura, mas para isso ela tem que cumprir uma quantidade de regras que o próprio Ministério não
autoriza o a Prefeitura fazer. Então, é importante porque traz mais para perto da população a gestão dessas
situações, mas, por outro lado, dificulta porque você tem que buscar lá na frente, e a cidade pequena tem
que cumprir uma regra muito parecida com a cidade grande que muitos recursos, muitas possibilidades.
Então, a cidade pequena tem muita dificuldade. Aí resolve daquela forma: a cidade pequena compra uma
ambulância e leva a população para a cidade vizinha; compra um ônibus e leva os estudantes para a
160
cidade vizinha; aí a cidade maior acaba ficando com o ônus regional e acaba angariando todos os
problemas. A descentralização é importante porque você areja, acaba esse negócio de que: impossível
discutir esse assunto com o prefeito, o prefeito está aberto sempre. Tem que ter sempre autorização da
câmara, então, acho que a descentralização é fundamental para o desenvolvimento, só que tem que criar
as condições para que isso efetivamente aconteça. Não dá para dizer: - Olha, você agora vai fazer isso,
então, vou te fiscalizar. E não dá as condições para andar. Essa é uma situação um pouco delicada, mas, o
Brasil está crescendo e acho que a gente ainda está aprendendo é muito novo tudo isso. A gente vai andar
um pouquinho, em alguns lugares com um pouco mais de rapidez, em outros um pouco mais devagar,
mas, é importante e com certeza vai dar certo. Quem tiver mais condições de caminhar se acerta mais rápido.
Outro ponto que eu gostaria de chamar atenção é o seguinte: temos ouvido muito o termo empreendedor e
isso se estende também para a administração pública, ou seja, os governos locais devem ser
empreendedores, capazes de articular os agentes em torno do desenvolvimento urbano. Qual sua opinião a
respeito disso?
Na verdade o governo tem essa função: articular a sociedade organizada e a desorganizada também, em
prol do bem público, para que entendam os processos dentro da gestão pública. Ocorre que aí, nós temos
o embate de primeira, com os interesses particulares. Nem todo mundo tem interesse que as coisas
funcionem como devem funcionar. Em outras situações você acaba batendo de frente com algumas leis.
Você fala de desenvolvimento urbano. Lei de meio ambiente. O que você pode e o que você não pode fazer? Aí vai muito da interpretação do Ministério Público, do Judiciário sobre a legislação ambiental e
sobre o que você está propondo. Então, sob o meu ponto de vista, o prefeito tem uma dificuldade imensa
em fazer essa articulação. A população não tem esclarecimento suficiente para entender os processos e
quem tem esse esclarecimento não tem interesse em participar porque tem outros interesses. Mas aí você
esbarra na questão educacional. Isso vai da educação do povo, se a gente conseguir que a educação seja
realmente universalizada, que todos tenham acesso. Com o tempo, uma geração talvez a gente consiga
começar a mexer nessas possibilidades. Por enquanto, nós temos pessoas de boa vontade que participam,
que querem ajudar, que querem entender, que participam dos Conselhos. Uma forma de trazer para
responsabilidade são os Conselhos Municipais de todos esses segmentos: do idoso, da mulher, da pessoa
com deficiência, do meio ambiente e tudo mais. Tem esses Conselhos, são pessoas que tem vontade, mas,
não tem esclarecimento. Então, depende muito do incentivo à educação para que as pessoas possam ter essa formação necessária para entender que é importante participar. E participar não significa levar
vantagem. Infelizmente, nós estamos no jeitinho brasileiro ainda: Ah, eu estou lá então eu vou dar um
jeito de arrumar não sei que...
Nós estamos no aprendizado. Os prefeitos têm essa função, muitas vezes não entendem isso no começo
da gestão, mas depois passam a compreender que eles têm essa função de articulador dos processos
sociais. Mas a população tem dificuldade para entender ela imagina que o prefeito é um pai, é mantido
pela prefeitura. O indivíduo tem um problema de água na casa dele, está com conta atrasada. Ele não vai
no Departamento de Água do Município para saber como vai resolver, ele vem aqui, quer sentar na frente
do prefeito e quer que o prefeito dê uma canetada e resolva o problema dele.
Uma política paternalista?
Sim, uma política paternalista. A população espera muito isso. E quando se toma uma postura de gestão diferente disso, tem um embate sério com a sociedade. Fazer as coisas como deve né?
Essas políticas de incentivo às indústrias para permanecerem nos municípios ou nos Estados, ou até se
mudarem para outros lugares, como faz o município de Três Lagoas e vários outros do Estado do MS, não
acaba sendo também uma política paternalista?
É, ela é prejudicial porque você busca o desenvolvimento, traz empresa para a cidade, às custas do erário
público. O Estado de MS tem uma regra de isenção fiscal, além disso, as prefeituras doam terrenos, doa
infra-estrutura, doa água, doa asfalto, e alguém tem que pagar essa conta. E acaba na conta do mais pobre,
com certeza. Isso é terrível, mas eu acredito que se a gente conseguir, se o Congresso Nacional conseguir
votar a reforma tributária e equalizar a situação, a gente resolve isso também. Por enquanto, a gente tem
que conviver com isso: -Olha, eu vou para sua cidade, mas eu preciso de um terreno de tal tamanho, eu preciso da estrutura tal,
tal e tal...e de isenção de imposto por tanto tempo.
Até essa empresa começar a trazer retorno pra a cidade, e não é só emprego direto que é retorno, tem que
entrar no processo produtivo. Infelizmente, o modelo de desenvolvimento que nós temos, alicerçado no
capitalismo, ele faz isso, ele é muito predador. Tem cidades que abrem suas portas e tudo mais. E vai
colher esses frutos muito longe e o ônus em um curto tempo. Então, o que precisa é de uma reforma
161
tributária, aí então, todo mundo é igual. A gora, se a Prefeitura tiver condições, tudo bem. Se a Prefeitura
pode doar o terreno, ótimo. Mas a população não pode pagar por isso. Birigui tem um exemplo disso: A
Biopave, a usina de açúcar e álcool, veio se instalar na região e queira uma área do município de Birigui.
Não tinha condições, do jeito que eles queriam não tinham condições. Então, atravessaram o rio e foram
se instalar no município de Brejo Alegre. Porque o município atendeu todas as condições que eles
queriam.
E o que eles queriam? Terreno...?
Muita terra, e a um preço muito baixo. É evidente que o município de Birigui tem um custo de terra muito mais caro que o município de Brejo Alegre, porque nós temos uma estrutura muito melhor. E o que isso
acarreta: todos os problemas da indústria canavieira vêm para Birigui e os benefícios vão para Brejo
Alegre, porque é lá que é recolhido o imposto. Agora toda a questão de saúde dos trabalhadores, de
moradia para os trabalhadores, de escola para os trabalhadores, tudo isso acaba ficando para o município
de Birigui.
O Sr. considera Birigui uma cidade violenta?
Guardando as devidas proporções, Birigui tem um nível alto de violência, mas isso é fruto de um sistema
complicado: a gente não pode impedir que algumas coisas aconteçam, que algumas pessoas venham.
Quando descentralizou os presídios, essa região de São Paulo foi premiada com uma quantidade imensa
de presídios: Prudente, Araçatuba, Marília; e junto com isso vieram os problemas, das pessoas, dos grupos, das gangues, esse pessoal que tem que fazer a manutenção de quem está lá preso, os parceiros
próximos; isso acabou trazendo, trazendo não, mas incrementando a violência na região. A Secretaria de
Segurança do Estado não consegue amparar a comunidade, falta contingente, falta recurso, falta
formação. Então, Birigui especialmente, tem se tornado uma cidade com um nível de violência um pouco
mais especializada, com a formação de quadrilhas, infelizmente tem crescido. Tem se tornado um
chamariz, porque Birigui tem muito emprego, então as pessoas vêem para Birigui, com a desculpa do
emprego. Ficando no cinturão da cidade, no entorno da cidade e dando amparo a essas gangues que vêem
de fora. E passa a ser um apelo muito fácil para a juventude, infelizmente a marginalidade tem um apelo
muito bonito para o adolescente, para o jovem, da vida fácil, da liderança, de ser temido, de pertencer a
tal grupo. O que é muito comum você ouvir da juventude hoje: - Ah, eu faço parte do PCC hein!
Então, isso infelizmente tem crescido. Mas uma cidade de 100 mil habitantes é impossível que seja pacata como uma cidade de 5 mil. A esteira do desenvolvimento traz situações conflitantes.
E o fato de vir a Biopave para Brejo Alegre, os trabalhadores que trabalharam na construção da usina,
muitos vieram morar em Birigui e agora com o término da construção o que aconteceu?
Muitos foram embora, outros ficaram, a gente percebe isso por conta da demanda na assistência social. A
quantidade de recursos que é pedido para passagem para ir embora... Tem auxílio direto para cesta básica,
gás, dos que ficaram. Tem aumento do Bolsa Família dos outros processos de fomento, tem tido um
crescimento considerável. Birigui é uma das cidades que mais cresce “populacionalmente”, no Estado de
São Paulo. A gente cresce a um nível muito maior que os outros, isso desestrutura a cidade. Birigui, até
inicio da década de 80, a cidade tinha 40 mil habitantes, em 20 anos a população quase triplicou. Sem
contar a população flutuante, dos municípios vizinhos que vêm trabalhar aqui. Birigui recebe diariamente
quase 5 mil pessoas das cidades vizinhas. Trabalham, utilizam dos serviços e voltam para suas cidades, então, nesse ponto passa a ser uma cidade com uma situação um pouco delicada.
A que tipo de serviços o Sr. se refere?
Saúde, educação, assistência social. Para você ver: o Pronto Socorro Municipal atende em média 400
pessoas por dia e é inadmissível, PS é emergencial, até 100 pessoas tudo bem, porque tem a rede de UBS
(Unidade Básica de Saúde) que pode atender tranquilamente, mas acaba caindo tudo no OS. Então,
estrangula porque o pessoal que trabalha na cidade procura o OS. É delicado...
Em uma consulta que fiz aos dados do IBGE, eu vi que Birigui possui pouquíssimos leitos do SUS, se
não me engano são 12 femininos e 12 masculinos...
É que nosso hospital é muito pequeno, ele não é preparado para a cidade que tem.
Não. Eu fiquei imaginando: uma cidade com mais de 100 mil habitantes com apenas 24 leitos no total.
Pouquíssima coisa. Não sei se esses dados são atualizados, mas nós temos a Santa Casa que tem uma
intervenção da Prefeitura há 16 anos. O que é inconcebível, já é quase um hospital municipal. Mas nunca,
nesse período todo, houve um processo de expansão desse hospital. O modelo de atendimento do SUS é o
162
primeiro ainda, não é a chamada gestão plena que dá mais condições para o hospital. Não tem condições
de atender, as situações mais crônicas vão para fora.
Então, Birigui por um lado recebe pessoas de outros municípios para ser atendidas no SUS do município
e os casos mais complicados vão para fora?
É Araçatuba, Rio Preto, na área de oncologia Barretos.
E o repasse das verbas do SUS para esses municípios? Apesar de Birigui receber pessoas de outros
municípios a verba... Vai para o outro.
E esses prefeitos investem em que? Em ambulâncias?
É fácil. Por exemplo, Coroados. O que é mais fácil para Coroados? Comprar uma ambulância e trazer
para Birigui. Resolveu o problema d saúde. Embora eles façam alguns procedimentos menores lá. Mas
não tem hospital, não tem nada: Gabriel Monteiro, Piacatu, Santópolis, acabam vindo para cá mesmo, não
tem jeito. Porque o PS aqui é grande, tem leitos para uma necessidade primeira de repouso, tem quartos
separados. Numa necessidade urgente, corre para o hospital, já está aqui do lado, ao passo que se ficar no
atendimento básico dessas cidades corre um risco muito grande.
Mas isso não é uma particularidade só daqui, da região. Não, isso é no Brasil inteiro. Infelizmente, é assim.
Eu tenho acompanhado um pouco em Maringá, como eu moro lá, a cidade recebe pessoas que vêm se
tratar, de vários municípios da região, então, foi feito um consórcio entre os municípios e uma parte da
verba do SUS desses municípios, é repassada para Maringá.
Tem o consórcio aqui. O consórcio são 11 municípios, como Birigui é maior paga 60% do consórcio, só
que ele não consegue utilizar 60%, então, ele acaba pagando para tratar os outros também. E esses 11
municípios têm uma parcela de contribuição no consórcio, mas é insuficiente. Saiu do consócio, quando
cai no hospital, cai no SUS e o SUS é do município de Birigui. Isso é fruto de um sistema delicado...
Mudando um pouco de assunto, o Sr. acha que é importante que haja uma diversificação das atividades econômicas no município, porque o predominante aqui no setor industrial é o ramo calçadista, o
metalúrgico, depois o moveleiro, se não me engano é nessa ordem, o Sr acha importante que haja uma
maior diversificação?
É importante porque quando num determinado segmento se esboça uma crise o outro comporta a
demanda e se a gente focar somente num determinado segmento de produção a gente acaba ficando numa
situação delicada. Birigui...ainda bem que nós estamos conseguindo diversificar já, tem vários segmentos
implantando em Birigui que já está começando a dinamizar um pouco mais a economia. Se ficar focado
só no calçado, a cada balançada do navio da crise Birigui corria para o canto. Então, hoje, a gente já
consegue perceber que mesmo com todo esse barulho de crise que tem, a cidade consegue se manter, está
caminhando..., a produção continua: a indústria moveleira está com problema mas a metal mecânica não;
aqui deu problema, na fábrica de calçado não deu; na industria de tecnologia não deu. Então, quanto mais
diversificar, melhor para a cidade, ela tem mais possibilidade de articular sua economia, ao passo que se ficar focado num determinado produto...
Como eu sou de Birigui, eu me lembro que houve dois momentos bem complicados aqui na cidade, um
foi na década de 80 e o outro na década de 90, com a abertura, a chegada dos produtos chineses. Houve
uma quebradeira, fechamento de muitas fábricas e demissões em massa e aí não só o município, mas todo
o país passou por um momento bem difícil.
É teve que reorganizar todo o sistema. Foi quando começou a surgir o sindicato das indústrias, para
rearticular toda a planta produtiva da cidade. Mas o trabalho tem sido esse e o prefeito Borini tem essa
preocupação também, de tentar diversificar o parque industrial para que a cidade possa crescer não
ancorada num só segmento. Agora nós temos a Escola Técnica Paula Souza aqui na cidade para dar
formação técnica, está sendo construído um Cefet que é um instituto federal de ensino na área técnica também, para poder qualificar melhor a mão-de-obra, preparar melhor as pessoas. Então, Birigui tem um
pouco essa vocação tecnológica, como um pólo tecnógico, então, a gente acha que isso vai caminhar para
uma boa saída.
Existe algum tipo de parceria com a Prefeitura...
Não, ainda não.
163
O Sr. como vice-prefeito no primeiro mandato e agora como secretário de gabinete, quais foram as
principais mudanças?
O que mais mudou na cidade de Birigui foi o sentimento de que ela tem condições de caminhar com as
pernas próprias. Não dá mais para ficar reclamando de outros: um governo ajuda, o outro não ajuda. Deu
para perceber que o orçamento Borini cresceu. Embora seja um orçamento apertado a gente consegue
fazer muita coisa. Então, as pessoas começaram a entender que Birigui deu um salto de desenvolvimento
bastante grande nesse primeiro período do governo Borini. Várias frentes de trabalho foram abertas, por
exemplo: Birigui não cuida do esgoto, no governo Borini iniciou a construção da estação de tratamento do esgoto, já estamos na fase final. É uma obra de mais de 10 milhões, com pouquíssimo dinheiro do Estado
e do Governo Federal, mais é recurso próprio. O que mais mudou foi esse sentimento que dá para
administrar bem com o pouco recurso que tem e atender, principalmente, a classe mais desfavorecida.
Alguns programas sociais foram criados nas várias Secretarias, que favorecem justamente o pequeno,
aquele que precisa da distribuição de renda. Como você não consegue colocar dinheiro na mão das
pessoas, você tem que trabalhar para ela não gastar o pouco que ela ganha. Isso é uma coisa comum em
muitas cidades, mas aqui em Birigui nós implantamos em 2005. A questão do uniforme escolar, do
material escolar; aproveitamos que é uma cidade que tem indústria de calçados, tênis para a criança, meia.
Isso tem um resultado importante na questão da distribuição de renda, são aí 10 mil crianças e as famílias
têm um aporte de recursos maior no final das contas. O pai que precisa comprar material escolar no
começo do ano, comprar uniforme para o seu filho, roupa de frio, calçado para o seu filho ir para a escola, ele acaba tendo a qualidade de vida melhorada por conta desse recurso que ele economiza. E na área de
assistência social a mesma coisa: as oficinas que foram criadas; na saúde, descentralizar o atendimento e
abrir a UBS até as 10 da noite para poder atender a comunidade; a farmácia popular; na educação, a
qualificação das babás. Então, em todas as secretarias foram feitas ações para mostrar que: olha, nos
temos isso aqui, mas isso aqui nós vamos repartir para atender 110 mil pessoas. Nunca vai privilegiar um
só segmento, mas atender o máximo de pessoas que puder ser atendidas. Essa foi a mudança que a
população entendeu, e deu para ver que o pessoas entendeu isso, o pessoal percebeu, por conta do apoio
ao prefeito na reeleição. Birigui está para completar 100 anos nunca teve um prefeito reeleito, então, o
prefeito Borini foi o primeiro prefeito que foi reeleito. Então, deu para perceber isso. E também, nunca o
candidato que o prefeito indicava vencia as eleições. Isso não é só por conta de ser grandão, não é isso, é
que as pessoas perceberam que o modelo de gestão, isso é importante, é a visão de como deve ser a gestão da cidade. A grande transformação de Birigui é isso. O restante...construiu isso, construiu aquilo, não tem
jeito, isso tem que fazer mesmo.
Mas, por exemplo, o Crevellaro, que não é um bairro novo, só recebeu asfalto e uma via de ligação com a
cidade recentemente.
Você morava onde aqui em Birigui?
Morei um tempo no Silvares e depois no Jardim América, perto do aeroclube.
Então, o João Crevellaro, você não chegava no João Crevellaro, não tinha como chegar. Você tinha que ir
por trás ali do Jardim América, Quemil, Santana ali, tinha uma ruazinha de terra, invariavelmente ela
estava obstruída. Se você, viesse pela avenida que você chega no João Crevellaro hoje, se você fizer uma
visita lá você vai ver, aquela avenida não existia. Ali era uma cratera que começa aqui em cima no Mercado Paulista e ia até o Baixote (ribeirão). Era um buraco só. A entrada que tinha, a possibilidade era
pela Rua Tiradentes, mas era um caminhozinho só que tinha. Aliás, ali foi a primeira obra que o prefeito
fez. Fez a avenida de acesso ao João Crevellaro. Interligou ali os dois bairros, melhorou as vias, acertou
uma parte do asfaltamento do bairro que estava na terra, foi ampliação do conjunto. Isso só percebe de
entrada, isso não tinha, efetivamente não tinha. Você lembra aqui na Avenida João Cernack, no Gaiola
(açougue), a canalização aqui não existia. Ela vai continuar até lá na saída do Teresa Barbieri (Cohab).
Essa é uma obra que aparece rapidinho. O Pronto Socorro que está construindo anexo à Santa Casa: tinha
aquela coisa ridícula lá que o pessoal ficava jogado no corredor. Então, as pessoas começaram ver.
Escola: todas as escolas passaram por ampliação, a gente optou por ampliar as escolas e não construir. Por
quê? Porque a comunidade cresce. Não adianta construir escola nova onde não tem gente, então,
ampliamos todas as escolas. Foram construídas mais de 40 salas, uma escola de bom tamanho tem 10 salas. Então, nesses 4 anos foram construídas 40 salas, foram construídas 4 novas escolas. Construímos
creche lá no Jardim Colinas, não sei se você conhece lá pra cima?
Conheço.
Construímos uma creche anexo à escola e nessa creche a gente implantou um modelo diferente do que
tinha aqui. O diretor da escola é o diretor da creche. A criança está de manhã na escola, maternal e pré,
164
ela vai para escola à tarde (acho que ele quis dizer creche à tarde); quem está indo na creche de manhã
vai para a escola à tarde; dobra o atendimento. A gente acabou de construir uma escola de período
integral no fundo Jardim Toselar; uma escola para atender 400 crianças do maternal até o quinto ano do
Ensino Fundamental; o dia todo com oficinas, com tudo o que precisa. Então, essas obras maiores... foi o
que o município percebeu que mudou na cidade. Isso quando acontece ninguém admite que volte atrás
mais, tem coisas que não tem como voltar atrás mais. Você pode até fazer outras coisas, mas menos do
que foi feito você não pode fazer.
Já comentamos um pouco sobre o crescimento da população, dos problemas urbanos derivados desse crescimento da população e como a Prefeitura tem dado conta dessas demandas...
É a Prefeitura tem que encontrar a melhor forma de organizar isso. É a pressão popular que faz você
moldar o atendimento, infelizmente é assim. A gente nunca consegue chegar antes, está sempre tentando
acomodar a demanda.
A Prefeitura já conseguiu encaminhar projetos, como de habitação, para angariar verbas do PAC?
No PAC no PAC mesmo, tem algumas coisas lá para construção de casas, casas de baixo custo, casas
para doar para a comunidade. Projeto de canalização do Biriguizinho.
Esse projeto recebeu verbas do PAC?
Não esse foi com verbas próprias. Mas nós encaminhamos agora para fazer uma parte nova. Na saída do BTC (antigo Birigui Tênis Clube, hoje sede do Sesc) tem um córrego que passa embaixo ali, foi
canalizado até a Rua São Paulo, agora o projeto nosso é canalizar da Rua São Paulo até a João Cernack
para que acabe as inundações na região e depois continuar a canalização da Egídio Navarro até o Teresa
Barbieri (do Biriguizinho), esse é dos pedidos e, um projeto grande que tem em Birigui, está no Plano
Diretor, é restabelecer a malha viária da cidade. Criar como se fosse uma avenida de contorno, para
disciplinar o trânsito da cidade, tem muito caminhão no meio da cidade, todo mundo entra atravessa a
cidade inteirinha para sair do outro lado, então, a gente quer criar uma nova possibilidade de transporte. E
a estação de tratamento de esgoto, que está na fase final, mas que precisa de recursos porque é um poço
sem fundo. Tem que estar sempre na ponta da tecnologia, caso contrário, você perde o controle
execucional . Quando foi aprovado você poderia fazer tratamento químico com os resíduos, hoje, você
tem que impermeabilizar o fundo com geomembrana. Fazer uma lagoa com geomembrana, você gastar uns 5, 6 milhões por lagoa e são 6 lagoas. Nós temos um outro projeto que é reordenar a distribuição de
água na cidade, nós temos hoje a captação de águas de superfície, mas tem dois poços profundos. No
poço profundo nós temos o problema com fluorose, a água tem um certo sabor. Então, a gente tem que
fazer adutoras para interligar a nossa captação com esses poços para melhorar a qualidade e o sabor dessa
água. Temos que melhorar isso. A rede de distribuição do centro é muito antiga, tem que refazer. O
Ministério das Cidades fez um projeto para Birigui de leitura de tudo isso, tem um custo de 40 milhões
para fazer esse projeto inteiro, então, tudo isso a gente está lutando no PAC para ver se a gente consegue.
E esse contorno viário poderia talvez, incentivar essas indústrias que estão no centro, porque ainda tem
muita indústria no centro da cidade, a sair...
A idéia é que no Portal da Pérola, no fundo do Portal da Pérola se abra um novo espaço para um Distrito
Industrial. Entra-se por ali, pela Avenida do Portal da Pérola, faz o contorno todo por traz da cidade. É isso.
Quando entrei no site da Prefeitura vi que o Sr. fez um mestrado em Políticas Públicas pela Unicamp,
qual foi o tema da pesquisa?
Foi sobre as faculdades isoladas.
Faculdades isoladas?
Na época eu era diretor da Fateb, eu estudei as faculdades isoladas a partir da participação dos órgãos
colegiados. Foi nessa área que a gente fez.
Então acho que podemos encerrar. Obrigada Secretário. Disponha.
165
APÊNDICE C Entrevista com Diretor do Departamento de Desenvolvimento Industrial
166
Entrevista com Diretor do Departamento de Desenvolvimento Industrial (Sr. Bini)
Qual sua vinculação com o setor industrial?
Trabalhei 23 anos na fábrica de meias Winston, no setor financeiro e como contador, e tem 10 anos como
coordenador do Projeto Incubadora de Empresas que abriga atualmente 11 empresas, então, minha vida
inteira ligada à indústria. Recebi uma oferta de uma empresa particular, para trabalhar no Financeiro,
fiquei 1 ano e recebi convite do Toninho para trabalhar aqui na Secretaria de Indústria e Comércio.
Sabia que o conhecia de algum lugar, estive na Incubadora em 2005 e conversei com o Sr.
Sim eu saí da Incubadora em fevereiro de 2008, agora voltei, entre aspas, um pedacinho aqui e um
pedacinho lá.
E a Incubadora funciona hoje, só com empresas do ramo calçadista?
Na realidade tem calçados, confecções e componentes também, tem serigrafia, silk, a tendência aqui é o
calçado, então a demanda maior é por calçado.
Então, o papel da incubadora é dar acessoria administrativa...
Ela dá condições para o empresário se tornar um empreendedor. Na realidade, fabricante tem bastante,
fabricar é fácil, ninguém ensina ninguém a fabricar, normalmente a pessoa aprende dentro da indústria, o problema é administrar. A maioria dos nossos empresários de Birigui são “chão de fábrica”, como nos
chamamos. O cara saiu do nada- de cortador, montador- juntou com mais outro e montou uma empresa,
então, normalmente ele não sabe administrar uma empresa. O papel da Incubadora é a capacitação dessas
pessoas, desses empresários, para se tornar empreendedor, porque não é fácil.
Como o Sr. define o perfil do empresário birigüiense?
É um empresário tradicional, um pouco resistente sim. Isso eu estou falando a partir da experiência de
Incubadora. Ele (empresário) nunca tem tempo para aprender, para fazer um treinamento, sempre está
cansado, acha os cursos cansativos... Então, se ele for ver bem, se não fizer isso não sobrevive. Ele quer
resolver o problema de produção, para isso ele tem tempo 24hs, se falar em administração ele cai fora.
Infelizmente, não tem essa cultura empreendedora. Agora, isso não é um problema só de Birigui, isso é uma cultura de modo geral.
Principalmente em ramos mais tradicionais, como o da confecção e calçados.
É, quem trabalha com software, emprega um pouco mais de tecnologia, a pessoa é mais preparada pra
isso, tem que fazer um curso, tem que ter uma faculdade. Mas até esses também são resistentes porque
acham que já sabem tudo, quando na realidade não sabem. A realidade é bem diferente da teoria, a teoria
é muito bonita, mas o dia-a-dia bem diferente, no dia-a-dia se testam todas teorias. (risos)
Tem se ouvido falar muito de parcerias entre empresas, de empresas que trabalham de forma cooperativa,
inclusive essa é uma das diretrizes do Sebrai. Nesse sentido, como o Sr. avalia a realidade das empresas
de Birigui?
Na Incubadora a gente incentiva essa prática. São empresas que estão todas juntas, no mesmo local... Mas não é fácil, as empresas são muito resistentes, não tem essa cultura de cooperativismo, aqui em Birigui.
Aqui é cada um por si e Deus para todos. Esta se tentando fazer isso através do Sindicato, do APL que
nós temos aqui na área de calçado, mas falta uma união dos empresários. Uma união para comprar tudo
junto, dividir os problemas, isso não tem. Eu não vejo essa união entre os empresários aqui.
E formas de compartilhar o conhecimento? Por exemplo: um empresário desenvolveu uma nova técnica
para a produção...(interrupção)
É difícil, eu não vejo isso aqui. Porque se ele desenvolveu aquilo, ele procura guardar - essa é minha
opinião particular- porque se ele não esconder aquilo, ele acha que está perdendo alguma coisa, porque a
idéia é dele, quando na realidade ele está ganhando. Porque o cara lança, o produto, daqui um mês está na
loja, todo mundo vai ver, então, é uma questão de tempo. E eu vejo uma certa resistência do pessoal em dividir o conhecimento com os outros, é muito individualista. Agora, nós temos essa cultura, é assim que
fomos criados, então, vai demorar para mudar isso, está dentro de nós. Então, quer dizer: eu inventei isso
e eu vou ganhar dinheiro com isso, não vou dividir com ninguém e pronto.
Então, o conhecimento e o desenvolvimento de uma nova técnica ou modelo é uma vantagem
competitiva?
167
Competitiva dentro do mercado, isso. Não que ela não vai ser descoberta, mas se eu tiver um modo de
protelar essa descoberta do outro, eles acham que estão levando uma vantagem encima do concorrente. E
eu acho que não estou muito errado....
Quais são as diretrizes políticas da Secretaria para o setor industrial?
Bom, eu vim aqui para a Secretaria a pedido o Sr. Liranço e ele quer fomentar agora, o incentivo....Tem
incentivo? A gente pode ver alguma coisa, mas tem uma política assim: você vem aqui e vai ter isenção
de impostos, não muito dessa coisa em Birigui. Agora, nós estamos muito focados na linha de calçados,
não que não seja bom, é ótimo, só que também nós temos outros segmentos e isso tem que ser explorado. Temos indústria de móveis, metalurgia, confecções, então a gente tem que procurar fomentar isso.
Voltando no que a gente já falou, hoje o calçadista hoje, está bem mais unido. Tem o Sindicato, onde se
reúne, se discute, se fala. Quando tem algum problema, o empresário leva para lá, nem tudo se leva mas,
mas leva e o Sindicato procura resolver e compra mesmo a briga do pessoal (dos empresários). O que eu
vejo: móveis, metalurgia, confecções estão muito dispersos, cada um atira para um lado. Então, está na
hora da gente ajudar o pessoal a se unir, formando um APL, fazendo reuniões para ver se eles se
integram, porque eu não vejo essa união.
Então o Sr. acha importante que haja uma diversificação das atividades econômicas no município?
Sim, eu vejo que isso é necessário porque, por exemplo: se começa uma crise no setor de calçados, nós
temos metalurgia, móveis, confecções, elas estão aí. Se der uma crise no setor de calçados hoje, o que vai acontecer? Praticamente quebra. Birigui emprega, mão-de-obra direta, cerca de 20 a 23 mil pessoas só no
ramo calçadista, fora os agregados, componentes, essa história toda. Então você vê que o leque é grande.
A gente não pode ficar dependendo só... Vamos voltar um pouquinho lá atrás, na monocultura do café, o
que aconteceu com o Brasil? Quebrou. Deu a crise do café -aquela crise que eu não lembro o ano-
praticamente quebrou o país. Por quê? Porque só tinha um tipo de agricultura. Ninguém comprava mais
café, todo mundo jogou o café fora, todo mundo quebrou. Não é o caso de Birigui, mas, a gente tem que
diversificar o nosso tipo de indústria, justamente para ter mais opções de trabalho. E fugir um pouco dessa
tal crise que todo mundo fala, fala... mas a gente não pode depender de um setor só não. Não deve!
E a crise econômica que tanto tem se falado na mídia, o Sr. acredita que teve ou está tendo, um
rebatimento na economia local no que se refere a desemprego, diminuição das exportações...? Bom a exportação, para Birigui, está a um nível baixo desde a época da entrada da China. Então, já vem
num processo de baixa de exportações há algum tempo. Não vejo isso como uma conseqüência da crise,
não que não tenha influência, mas a conseqüência maior foi quando a China resolveu abrir para o
mercado e vender um monte de coisa barata aqui. Eu não vejo a crise afetando nossas exportações hoje.
As exportações caíram em virtude da entrada da China no mercado.
Eu não vejo essa... O sapato há uma sazonalidade nesses meses, pode ser que afetou, um pouquinho a
mais, um pouquinho a menos, em relações a essa tal crise, mas, é mais proveniente as sazonalidade do
sapato. No começo do ano, o sapato normalmente cai. Não estou vendo ainda, esse desemprego aqui, o
que temos é o normal, devido à sazonalidade do sapato. Temos que esperar um pouquinho, para ver o que
acontece e aí abrir uma frente. É muito recente.
Sei que tem o problema com a cana-de-açúcar a nível regional, mas eu não vejo essa tal crise afetando
diretamente o setor calçadista.
Como o Sr. avalia a política Estadual e Federal no que se refere ao desenvolvimento do setor industrial?
A maior dificuldade, tanto em nível estadual como federal, para as pequenas indústrias, é a burocracia.
Hoje em dia é muito burocrático para um micro-empresário abrir uma empresa, demora... E, também, vou
voltar a bater naquela velha tecla, os encargos são muito pesados. Então, eu vejo que a maior dificuldade
do empresário, hoje, é a quantidade de impostos que a gente paga.
Eu não vou falar muito da política em nível estadual e federal porque eu não tenho muito conhecimento,
não vou opinar para não falar besteira.
Voltando a questão dos incentivos fiscais, Birigui não oferece nenhum tipo de incentivo às indústrias?
Não, a gente não tinha um plano diretor na cidade e então, não tinha aonde mandar essas empresas, as empresas se instalavam em qualquer lugar. Agora já existe um plano diretor aprovado para a cidade, está
em fase de adaptações, e agente pretende definir áreas de zoneamento onde vão ser feitos mini-distritos,
onde serão feitos outros distritos, a gente está adotando isso aí. Agora dizer que existe uma política
dizendo:
- Venham para cá que vocês terão isenção de impostos. Isso a gente não faz. O que a gente as vezes pode
fazer é alguma parceria, algum comodato... se a gente tiver alguma área disponível para uma grande
168
empresa dentro do distrito, a gente ceder. Mas isso tudo dentro do plano diretor, dentro do zoneamento
que a gente está fazendo. Políticas de incentivo assim:
-Vamos para lá que a gente vai ter um monte de regalias. Isso a gente não tem.
Os municípios vizinhos oferecem...(interrompida)
Mas, é mais concessão de áreas, as outras coisas dificilmente vão isentar.
Só no Estado do Mato Grosso do Sul que existe uma política estadual e municipal...(interrompida)
É uma política do Estado, principalmente em Paranaíba, Três Lagoas, que levam indústrias da gente aqui e oferecem isenção de ICMS, uma série de coisas, dá a área, ajuda a construir, sei lá... Têm uma política
muito agressiva, não sei até que ponto é vantajoso para o pessoal de lá. Mas, infelizmente, a gente perde
indústria pra lá, tanto Birigui quanto Araçatuba. Os caras oferecem vantagens que nós não temos, a nível
mais Estadual que municipal.
O Sr. tem conhecimento das empresas que saíram de Birigui e foram para MS?
Na verdade não saíram, só montaram filial. Têm interesses lá, o ICMS é menor que no Estado de SP, mas
que eu saiba, nenhuma empresa fechou aqui e abriu lá.
Nem nos municípios vizinhos?
Não sei, Araçatuba também, um tempo atrás, o pessoal andava reclamando também que perderam, perderam hein, indústrias pra lá. O que não foi o nosso caso, pelo menos, eu não tenho conhecimento
disso. Não é que fechou aqui e montou lá, deixaram de montar aqui para montar lá.
Nos municípios da região administrativa de Araçatuba, as empresas de calçado que montam filias, como
por exemplo: em Coroados tem fábrica de calçado; Santópolis, se não estou enganada, tem a Bout‟s. Seria
mais em busca de mão-de-obra?
É porque em Birigui tem um grave problema, a nível de calçado- voltamos a falar de calçado- as vezes
nós temos falta de mão-de-obra, então, o pessoal tem que procurar onde tem mão-de-obra. E as vezes é
muito mais vantajoso colocar uma empresa em Bilac, em Coroados ou Santópolis, porque ajuda o
município. É ruim para Birigui. Mas é bom para eles, a mão-de-obra fica mais próxima. E na realidade,
Birigui, hoje, recebe pessoas de tudo quanto é lado. É ônibus, e ônibus, e ônibus, chegando de manhã e saindo à tarde. O pessoal vem mesmo para trabalhar aqui. Acho que se montam lá quando não tem jeito
mesmo de suprir as necessidades aqui. É só uma questão de política...
Mesmo porque, eu acredito que por Birigui concentrar um ramo como o calçadista, têm várias empresas
subsidiárias, os serviços que estão disponíveis...(Interrompida)
Porque na realidade, o pessoal que monta lá, depende de Birigui. Hoje toda a cadeia produtiva do calçado
ela tem aqui dentro. Então, ela não é só a fábrica de sapato, atrás da fábrica tem que ter toda a cadeia
produtiva. Em Birigui tem tudo, então, ninguém sai daqui para montar uma empresa de componentes em
Coroados ou em Glicério, o pessoal vem tudo aqui. Bancos. Birigui, tem uma gama de bancos, que lá não
tem.
E indústrias de máquinas e equipamentos já tem em Birigui? Não, que eu saiba não. Tem só as representações do Rio Grande do Sul, de Franca .
Quanto a financiamentos, quais as principais linhas que atendem os empresários locais?
Tem diversas linhas, crédito tem bastante, o problema é a taxa de juros. E normalmente essas linhas de
crédito tipo PROGER, que é um dos juros mais baratos, subsidiados, o próprio BNDES, as vezes o
pequeno empresário não tem como utilizar porque eles também exigem garantia, e o pequeno empresário
não tem garantia. Ele não tem um bem para oferecer. Quando ele compra o maquinário e oferece o
próprio maquinário como garantia tudo bem, quando entras na parte de aval...
Então, o grande empresário...
O grande empresário tem mais condições de pegar juros subsidiados, menores, poruqe tem o que oferecer em garantia. Hoje em dia ninguém dá nada de graça, o banco quer alguma coisa em garantia. Ele não vai
pela cor dos seus lindos olhas verdes te dar cem mil reais sem ter alguma coisa como garantia. E o grande
empresário tem, ou o prédio, ou a fazenda, fica mais fácil. Não dá para falar que só tem dinheiro para os
grandes, é que os grandes chegam mais fácil.
169
ANEXO A Alíquotas do Simples Federal
170
Partilha do Simples Nacional – Indústria
Receita Bruta em 12 meses (em R$)
Alíquota IRPJ CSLL COFINS PIS/PASEP CPP ICMS IPI
Até 120.000,00 4,50% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 2,75% 1,25% 0,50%
De 120.000,01 a 240.000,00 5,97% 0,00% 0,00% 0,86% 0,00% 2,75% 1,86% 0,50%
De 240.000,01 a 360.000,00 7,34% 0,27% 0,31% 0,95% 0,23% 2,75% 2,33% 0,50%
De 360.000,01 a 480.000,00 8,04% 0,35% 0,35% 1,04% 0,25% 2,99% 2,56% 0,50%
De 480.000,01 a 600.000,00 8,10% 0,35% 0,35% 1,05% 0,25% 3,02% 2,58% 0,50%
De 600.000,01 a 720.000,00 8,78% 0,38% 0,38% 1,15% 0,27% 3,28% 2,82% 0,50%
De 720.000,01 a 840.000,00 8,86% 0,39% 0,39% 1,16% 0,28% 3,30% 2,84% 0,50%
De 840.000,01 a 960.000,00 8,95% 0,39% 0,39% 1,17% 0,28% 3,35% 2,87% 0,50%
De 960.000,01 a 1.080.000,00 9,53% 0,42% 0,42% 1,25% 0,30% 3,57% 3,07% 0,50%
De 1.080.000,01 a 1.200.000,00 9,62% 0,42% 0,42% 1,26% 0,30% 3,62% 3,10% 0,50%
De 1.200.000,01 a 1.320.000,00 10,45% 0,46% 0,46% 1,38% 0,33% 3,94% 3,38% 0,50%
De 1.320.000,01 a 1.440.000,00 10,54% 0,46% 0,46% 1,39% 0,33% 3,99% 3,41% 0,50%
De 1.440.000,01 a 1.560.000,00 10,63% 0,47% 0,47% 1,40% 0,33% 4,01% 3,45% 0,50%
De 1.560.000,01 a 1.680.000,00 10,73% 0,47% 0,47% 1,42% 0,34% 4,05% 3,48% 0,50%
De 1.680.000,01 a 1.800.000,00 10,82% 0,48% 0,48% 1,43% 0,34% 4,08% 3,51% 0,50%
De 1.800.000,01 a 1.920.000,00 11,73% 0,52% 0,52% 1,56% 0,37% 4,44% 3,82% 0,50%
De 1.920.000,01 a 2.040.000,00 11,82% 0,52% 0,52% 1,57% 0,37% 4,49% 3,85% 0,50%
De 2.040.000,01 a 2.160.000,00 11,92% 0,53% 0,53% 1,58% 0,38% 4,52% 3,88% 0,50%
De 2.160.000,01 a 2.280.000,00 12,01% 0,53% 0,53% 1,60% 0,38% 4,56% 3,91% 0,50%
De 2.280.000,01 a 2.400.000,00 12,11% 0,54% 0,54% 1,60% 0,38% 4,60% 3,95% 0,50%
Fonte: Receita Federal , In: www.receita.fazenda.gov.br/publico/legislaçao/resoluçao/2008/resoluçaoCGSN/anexo2.doc