"A indústria devefinanciarasuniversidades"A solução de Devon Jensen,da Universidade da Georgia,para o ensino superior PlB/19
A indústria beneficia dos diplomadose deve financiar as universidadesDevon Jensen O financiamento do ensino superior não éda competência exclusiva do Estado, diz este investigadorcanadiano com trabalho em vários pontos do mundo. Que avisa
que os portugueses vão ter de interiorizar este paradigma
EntrevistaAndreia SanchesA universidade tem de reagir ao
que a rodeia, com mais rapidezdo que hoje. A universidade temtambém de dialogar mais com as
empresas. "Os CEO com quem eufalei querem pessoas que tenham
formação em Filosofia", porqueelas são, por vezes, os melhoreslíderes. Jã as universidades acham
que os CEO só se interessampelas competências técnicas dos
diplomados. Quem o diz é DevonJensen, professor assistente daUniversidade da Georgia doSul, nos Estados Unidos. Jensentem estudado, em particular, a
relação entre as universidades, osGovernos e a indústria. Canadianode nacionalidade, fez pesquisaem França, índia, Nepal, Taiwan,Hong Kong, Austrália e EstadosUnidos. Esteve esta semana noFórum Mundial das Universidades,que este ano aconteceu naUniversidade de Lisboa.Neste fórum mundialapresentou uma comunicaçãocom o título Is Higher EducationMerely a Servant oftheEconomy? [É o ensino superiorum mero lacaio da economia?]Qual é a resposta?Tenho que dizer que não. E hácada vez mais instituições em todoo mundo a começar a olhar paraos seus programas, nas diferentesáreas, economia, liderança,medicina, e a questionarem-se:'Estamos a oferecer, nos nossos
currículos, uma componente quepermita às pessoas colocarem-se
questões éticas?'
Ética, valores escasseiam nasnossas economias?É evidente que algo está afalhar. E é por isso que muitas
instituições estão a tentar trazeressas questões para os currículos,para as aprendizagens: se vou sereconomista e corto fundos numadeterminada área, que impacto é
que isso vai ter nos mais pobres,nos mais desfavorecidos? Tenhouma responsabilidade ética sobre
a comunidade que é afectada pelasminhas decisões? Não é apenas
uma questão de ética profissional.É levar as pessoas a questionarem-se como indivíduos. Que valoressão importantes para mim? Quaissão as fronteiras que estabeleço- faço isto e a partir de que pontoé que já não faço? Qual o impactodas minhas crenças?Isso tem a ver com as crises aque temos assistido?É evidente que quando vivemosmomentos de declínio (económico,de recursos, o que for), as pessoascomeçam a questionar-se. Omomento que Portugal e a UniãoEuropeia estão a atravessar develevar as instituições [de ensino] adizer: 'Temos um papel nisto. O
que podemos fazer para ajudar os
nossos países a seguir em frente e a
evoluir para uma nova realidade?'E para evoluir para uma novarealidade são precisas novasformas de pensamento, novos
tipos de pessoas nos mercados.Como é que um país devedefinir em que áreas deensino deve apostar? CiênciasEconómicas, Engenharia, novastecnologias, que, pelo menos
aparentemente, podem dar umcontributo mais imediato aodesenvolvimento económico?E a Literatura, a Filosofia, asArtes...Se nos prendermos demasiadoaos outputs do ensino superior, se
tivermos uma visão da universidadecomo se fosse um negócio, vamos
esquecer aquela que é a verdadeiraessência da universidade: umlugar de conhecimento, de ideias,onde a sociedade pode ser críticae pode crescer. A maior parte das
pessoas entra no ensino superior,na universidade, nos institutostécnicos, porque quer ter umtrabalho. Portanto, claro, há logoessa ligação óbvia à economia.Mas se a universidade tem a
responsabilidade [de contribuir
para] a prosperidade económica,também tem responsabilidade aonível da prosperidade social, da
prosperidade cultural dos países.Se esquecermos isso, perdemos oalcance do que as universidadespodem fazer pelo seu país.Precisamos da Artes, da Filosofia,do Direito, da Medicina, porque é
tudo isso que faz uma comunidadevibrante.O facto de em Portugalhaver uma elevada taxade desemprego entre osdiplomados, que tem subidomais do que na OCDE, poderevelar um desfasamentoentre as áreas que estesdiplomados escolheram e omercado de trabalho? Exemplo:temos muitos professoresdesempregados...Sim, estive recentemente noMéxico, têm o mesmo problema.
Haverá sempre, por várias razões,diplomados que não arranjamtrabalho. Seja como for, levantauma questão importante e,uma vez mais, é uma questãoética. Imagine que da minhauniversidade saem mil diplomadospor ano numa determinada área,mil novos professores por ano,por exemplo, mas a economiasó suporta 500. Tenho ou nãoa responsabilidade ética, comoinstituição, de dizer que não é justoestar a formar mil professores se
sei que só 500 vão conseguir tertrabalho?As universidades têm essa
responsabilidade?Nenhuma das universidadescom as quais estive envolvido se
colocou esse tipo de pergunta. Se omercado não está a absorver tantosdiplomados, devo baixar o númerode alunos que aceito, em linha comas necessidades do mercado? Nãotenho resposta, é uma discussão
que está a iniciar-se.Não tem resposta, mas temopinião?A minha opinião é que as
universidades têm essa
responsabilidade... Mas recebemdinheiro do Estado em funçãodo número de alunos. Pois, e
quanto mais alunos, mas dinheirorecebem. Há muitos países queestão a mudar as suas fórmulasde financiamento do superior,valorizando mais a performancedo que o número de alunos.Mas atenção: sim, temos a
responsabilidade de ver se as
pessoas que formamos vão tertrabalho, mas, ao mesmo tempo,não sabemos o que é que as
pessoas vão escolher fazer coma formação que receberam. Euformo-me para ser professor, mas
posso não querer ser professor,porque a formação que recebitambém me abre a porta a
oportunidades noutras áreas quenão o ensino. Em educação não
podemos dizer simplesmente: 'A
previsão é que haja lugar para 500no mercado, por isso só vamosformar 500.'É preciso um equilíbrio...Há um estudo nos EUA que diz
que 50% dos trabalhos que vãoestar disponíveis daqui a dez
anos, para os alunos que estão
hoje no liceu, ainda não foramcriados. Não sabemos o que vão
ser. As universidades não podemensinar para o que existe hoje, têmde ensinar para o que vai existirdaqui a cinco, dez anos. Se as
economias estão a mudar, isso temde estar reflectido nos currículos,na forma como se ensina e nas
oportunidades que se dão aosalunos para conceberem o quesignifica ser um trabalhador, porexemplo. As universidades têmeste enorme desafio: responder às
mudanças. E são muito lentas.As europeias e as portuguesassão mais lentas do que as norte-americanas?Sim. E isso será uma das causas
para as nossas crises? É umadas causas - claro que hámuitas causas, que as crises são
complexas. Mas os países quese estão a sair bem, do ponto devista económico, são aqueles
que estão a saber ter uma boa
comunicação [entre universidadese sector privado]. Fiz um estudo
que me levou a entrevistar os
CEO das companhias que maiscontribuem para o financiamentodas universidades no Canadá, comum milhão de dólares ou mais, e
portanto, que têm uma relaçãoestreita com as universidades.
Depois, entrevistei os presidentesdessas universidades e os
dirigentes governamentais.Perguntei a todos: qual é a missãoda universidade? Os presidentesdas universidades têm a percepçãode que as empresas queremdiplomados que tenham as
competências, que conheçam atecnologia. Já quando falamos comos CEO das maiores companhias,eles dizem que querem pessoasque têm aquela formação geralmais tradicional, que associamosà universidade - capacidade defazer perguntas, de pensar, de sercrítico, de trabalhar em equipa...E quanto aos Governos - dizem
que o seu trabalho é seremintermediários, mas que nãodevem ter uma posição. Ou seja,
um parte do princípio de que ooutro quer uma coisa e o outroassume que...Não há comunicação.Voltando atrás, por causa da
formação artística, da Filosofia...os CEO com quem eu falei querempessoas que tenham formaçãoem Filosofia, porque sabem
pensar e, por vezes, são esses
diplomados que revelam ser
os melhores líderes. E querempessoas que saibam de artes,porque precisam de pessoas quepossam compreender a culturados países para onde vão trabalhar- o que é importante nas grandescompanhias internacionais.Mas a ideia que temosquando olhamos para osEUA é que há uma relaçãoestreita entre sector privado euniversidades...É uma relação baseada nodinheiro. Não é uma relaçãofilosófica. As questões que temos
que colocar são: que diplomadosqueremos ter? Que pessoasqueremos que sejam? E essas
questões devem ser respondidaspelos dois lados [universidadee sector privado] e a partir daídevemos construir algo. Esse é o
próximo nível se queremos que oensino superior tenha impacto naeconomia.Em Portugal, estamos a cortarnos orçamentos da educação.Qual é a sua recomendação às
instituições de ensino superior?Durante muitos anos achámos
que era responsabilidade dosGovernos financiar a educação.A educação é parte da riqueza deum país. Por isso, viramo-nos paraos Governos e dizemos: 'Vocêstêm a responsabilidade de nosfinanciar, porque a educação écentral numa sociedade, é partedo que somos como povo.' Masse os Governos dizem 'sim, temosresponsabilidade, mas já nãotemos 100% da responsabilidadee economicamente já não é
possível, por isso vamos cortaralgum dinheiro', isto obriga as
universidades a serem criativas. Se
têm os recursos de que precisam esofrem um corte de 5%, este pode
ajudar as universidades a seremmais eficazes. Vão cortar comdesperdícios, com duplicações.Mas há um ponto em que os cortes
começam a afectar a qualidade.Se eu tiver 500 dólares por mês
para gastar no supermercado e metirarem 50, é possível ser criativo.Mas se eu passar a ter apenas 100
por mês, simplesmente vou passarfome. Quando as instituiçõescomeçam a passar fome - as
universidades são obrigadas a irbater à porta dos privados. E háuma mudança de paradigma sobre
como a sociedade vê a sua relaçãocom o ensino superior.Qual é?Até agora, a sociedade dizia: 'OGoverno financia.' Agora, nos
EUA e Canadá, vemos a questão
começar a ser colocada de outraforma: 'Quem são aqueles que maisvão beneficiar dos diplomadosque saem das universidades?Eles têm a responsabilidade dedevolver algum do investimento
que é feito nas pessoas.' Ou seja,a indústria e as empresas têm aresponsabilidade de participar nofinanciamento da educação porqueeles vão beneficiar dela, tal como o
país beneficia, tal com as pessoasbeneficiam porque são mais felizes- é esta mudança de paradigmaque temos de começar a ver. E essa
mudança tem de acontecer emPortugal. Estamos a começar a veracontecer na Norte da América.Por que razão diz quenão devem existir muitasinstituições de ensino num país?No ensino não-superior, o
princípio da educação para todosé essencial. No ensino superior,para se entrar deve-se ter mérito.Deve ser preciso ter as notasde entrada necessárias, fazerexames... Queremos estudantesde qualidade. Nos EUA baixou-setanto a fasquia de exigência noacesso que as universidades estão a
ter de investir em programas paraensinar a alunos do I.° ano o quesignifica estudar, como se tira notasnuma aula, coisas básicas...Em Portugal, só 17% dapopulação dos 25 aos 64 anosfrequentou o ensino superior. Amédia da OCDE é 32%. Acha queo país deve preocupar-se com apossibilidade de ter instituiçõesde ensino a mais?Esse valor é baixo... São precisasinfra-estruturas para recebermais pessoas. E há maneiras maisbaratas, universidades virtuais,que fazem aumentar o acesso.Mas também há que perguntarse os cidadãos de Portugal dãovalor e estão a encorajar os seusfilhos a tirar um curso superior.
Vocês precisam de mais pessoascom ensino superior. Não é só
com o ensino universitário. Estoua falar também de cursos dedois anos... Mais pessoas comensino superior significa mais
pessoas a questionar as políticasdo país, mais pessoas envolvidasno debate cívico, mais pessoas alevarem conhecimento e novasideias e tecnologia para o mundodos negócios e da indústria...As verdadeiras mudanças nassociedades acontecem se houveruma população com um bom nívelde educação.
"Há queperguntar seos cidadãos dePortugal dãovalor e estão aencorajar os seusfilhos a tirar umcurso superior.Vocês precisam demais pessoas comensino superior"
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