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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
PUC- SP
Ana Claudia Tenor
A incluso do aluno surdo no ensino regular na perspectiva de
professores da rede municipal de ensino de Botucatu
MESTRADO EM FONOAUDIOLOGIA
SO PAULO
2008
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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
PUC- SP
Ana Claudia Tenor
A incluso do aluno surdo no ensino regular na perspectiva de
professores da rede municipal de ensino de Botucatu
Dissertao apresentada Banca Examinadora
como exigncia parcial para obteno do ttulo de
MESTRE em Fonoaudiologia, pela Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo, sob a orientao
da Prof. Dr. Beatriz Cavalcanti de Albuquerque
Caiuby Novaes.
SO PAULO
2008
3
Ficha Catalogrfica
DM 616.85 T
Tenor, Ana Claudia
A incluso do aluno surdo no ensino regular na perspectiva de professores da rede municipal de ensino de Botucatu. So Paulo, 2008.
117 fls.; tab.; 30cm. Dissertao (Mestrado) Pontifcia Universidade
Catlica de So Paulo. Programa de Estudos Ps-Graduados em Fonoaudiologia.
Orientadora: Prof. Dr. Beatriz Cavalcanti de
Albuquerque Caiuby Novaes 1. Fonoaudiologia. 2. Incluso em educao -
Botucatu, SP. 3. Surdos - Educao. 4. Professores - So Paulo (Estado).
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Ana Claudia Tenor
A incluso do aluno surdo no ensino regular na perspectiva de
professores da rede municipal de ensino de Botucatu
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
________________________________________
________________________________________
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AGRADECIMENTOS
Prof. Dr. Beatriz Cavalcanti de Albuquerque Caiuby Novaes pela
orientao, pacincia e ateno dispensada durante todo o processo de
desenvolvimento deste trabalho.
Claudia Perrota pela reviso cuidadosa do texto.
s professoras Maria Ceclia Bonini Trenche e Maria Slvia Crnio pelas
valiosas sugestes no exame de qualificao.
Ao Prof. Dr. Gilberto Luiz de Azevedo Borges, Secretrio Municipal de
Educao de Botucatu, por incentivar e valorizar a formao dos educadores.
Aos professores que gentilmente aceitaram participar deste estudo e muito
contriburam.
equipe tcnica-pedaggica da Secretaria Municipal de Educao, que
direta ou indiretamente, est envolvida com a incluso dos alunos surdos no ensino
regular.
s psiclogas e colegas de trabalho, Luciana e Neli, que iniciaram o
trabalho de apoio a educao inclusiva na rede municipal e me convidaram para
atuar junto a equipe.
s professoras de sala de recursos do NAPE, Marise e Mrcia, pela
dedicao ao trabalho com os alunos deficientes auditivos e deficientes visuais.
minha famlia, por todo carinho e apoio dispensado no percurso desta
pesquisa.
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RESUMO
A incluso do aluno surdo no ensino regular na perspectiva de
professores da rede municipal de ensino de Botucatu
A incluso dos deficientes auditivos na escolar regular vem sendo
abordada a partir de diferentes perspectivas, dentre elas os direitos da pessoa com
deficincia e o exerccio da cidadania, a exposio lngua de sinais ou ao
portugus e a modalidade de ensino. Porm, ainda h pouca discusso sobre a
implementao da incluso escolar, em especial sobre a percepo dos professores
envolvidos nesse processo. Nessa medida, o objetivo deste trabalho investigar
como a poltica de educao inclusiva e o seu processo de implementao junto ao
aluno com deficincia auditiva tm sido percebidos e colocados em prtica por
professores da Educao Infantil e Ensino Fundamental da rede municipal de ensino
de Botucatu. Participaram do estudo professores de duas escolas da rede municipal
de ensino que atuam ou j atuaram com crianas surdas, sendo uma Escola de
Educao Infantil e uma Escola de Ensino Fundamental. Optou-se por uma
perspectiva qualitativa de estudo, sendo o instrumento utilizado uma dinmica de
grupos com um cartaz contendo estmulos disparadores da discusso. Os grupos
foram audiogravados e, posteriormente, os dilogos foram transcritos para efeitos de
anlise. O mtodo empregado na anlise foi a construo de categorias. Os dados
analisados evidenciaram que os professores no tm clareza da necessidade de
ouvintes e surdos compartilharem uma lngua comum, com ou sem intrprete, que
possa viabilizar a dinmica da sala de aula; e, no intuito de se fazerem compreender
pelos deficientes auditivos, acabam utilizando diversos recursos comunicativos de
forma improvisada. No geral, tendem a valorizar somente o esforo de comunicao
da criana surda, independentemente do domnio de uma lngua, apresentando
assim baixa expectativa em relao aprendizagem e letramento desse aluno. Alm
disso, elaboram suas prticas pedaggicas com base na idia de que a linguagem
um cdigo que tem como funo primordial transmitir informaes. Por fim, apontam
a falta de envolvimento familiar e o despreparo dos docentes e da escola no
processo de incluso escolar.
Unitermos: surdez, educao, incluso, professores.
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ABSTRACT
Teachers perception of the inclusion process of deaf children in
regular classrooms in the municipal school system of Botucatu
The inclusion of hearing impaired children in regular classrooms has been
thoroughly discussed from different perspectives including legal, human rights, oral or
sign language, and special education. However, there have been few studies
approaching the teachers knowledge and attitudes towards inclusion. Therefore, the
goal of the present study was to investigate how the policy of inclusion and its
implementation has been practiced and experienced by nursery and elementary
school teachers of Botucatus school system. Teachers of two of the systems
schools (one nursery and 1 elementary) participated in the study. A qualitative
approach was chosen, specifically group dynamic using a poster with related themes
to trigger the discussion. The group dynamics were audio recorded and the dialogues
transcribed for further analysis. The dada was analyzed following a method of
category construction. The results have shown that teachers are not aware of the
need for a common language, with or without an interpreter, to enable different
classrooms dynamics. Aiming at being understood by the children, teachers tend to
improvise different communicative resources. In general, they tend to place great
value in efforts of communication, regardless abilities in a specific language,
demonstrating very low expectations in relation to childs learning and literacy.
Furthermore, they base their pedagogical practice based on the conception of
language as a code, solely used for information exchange. Finally, teachers point at
lack of family involvement and deficiency in the preparation of teachers and school in
the inclusion process.
Uniterms: deafness, education, inclusion, teacher
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SUMRIO
INTRODUO ................................................................................................. 9 CAPTULO 1 REVISO DA LITERATURA.................................................. 13
1.1 Perspectivas de lngua, linguagem e comunicao.......................... 13 1.1.1 Concepes sobre linguagem e surdez ................................ 13 1.1.2 O surdo, a lngua e a escola ................................................ 17 1.1.3 O surdo, a leitura e a escrita ................................................ 24
1.2 Consideraes sobre a histria da educao dos surdos ............... 29 1.3 Educao inclusiva........................................................................... 33
1.3.1 Polticas e concepes ideolgicas ..................................... 33 1.3.2 A educao inclusiva e o aluno surdo.................................. 40 1.3.3 Preparo de professores do ensino regular para trabalhar
junto aos alunos surdos......................................................... 43
CAPTULO 2 MTODO................................................................................. 46
2.1 Contexto histrico da incluso na rede municipal de ensino de Botucatu............................................................................................
46
2.2 Seleo dos participantes................................................................. 47 2.3 Procedimentos.................................................................................. 49
2.3.1 Coleta de dados....................................................................... 49 2.3.2 Anlise..................................................................................... 49
CAPTULO 3: RESULTADOS E DISCUSSO................................................ 51
3.1 Comunicao, lngua oral e lngua de sinais.................................... 51 3.2 Aprendizagem do aluno surdo.......................................................... 58 3.3 Incluso no ensino regular e a socializao..................................... 65
CONCLUSO E CONSIDERAES FINAIS.................................................. 69 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................ 72 ANEXOS........................................................................................................... 76
Introduo 9
INTRODUO
A incluso de surdos na escola regular tem gerado discusses e
polmicas entre muitos estudiosos, profissionais e familiares que buscam uma
melhor qualidade de ensino para esses alunos.
O tema vem sendo abordado a partir de diferentes perspectivas, dentre
elas os direitos da pessoa com deficincia e o exerccio da cidadania, a exposio
lngua de sinais ou ao portugus e a modalidade de ensino. Embora essa
diversidade resulte em um referencial bibliogrfico rico e heterogneo, ainda h
pouca discusso sobre a implementao da incluso escolar e sobre a percepo
dos professores envolvidos nesse processo.
Observamos que, em muitas publicaes, o termo incluso ainda se
confunde com integrao. Prtica desenvolvida nas dcadas de sessenta e setenta,
a integrao tinha como foco de ateno a deficincia e visava modificao da
pessoa deficiente na direo da normalidade, para que, assim, fosse aceita na
sociedade.
J o movimento de incluso, que se iniciou nos anos oitenta, pressupe
mudanas na sociedade, para que esta se torne capaz de receber e acolher
adequadamente s pessoas portadoras de necessidades especiais. Nessa
perspectiva, a diversidade considerada como prpria da condio humana e o
sujeito com deficincia, parte integrante da sociedade, com direito s mesmas
oportunidades, pois s assim suas potencialidades podero ser desenvolvidas.
No que se refere ao mbito escolar, segundo documento do MEC (2004),
a partir da dcada de oitenta ocorreram alguns eventos e fatos marcantes ligados
democratizao do ensino, objetivando um processo mais significativo de formao
Introduo 10
para os indivduos portadores de deficincias. Dentre eles, destacam-se a
Conferncia Mundial de Educao para Todos (Tailndia, 1990), a Conferncia
Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e qualidade
(Espanha,1994) e a Conveno da Organizao dos Estados Americanos
(Guatemala, 1999) ( Brasil, 2004).
Em 1990, o Brasil participou da Conferncia Mundial sobre Educao para
Todos, em Jomtiem, na Tailndia, na qual foi proclamada a Declarao de Jomtiem,
segundo a qual a educao um direito fundamental de todos, mulheres e homens,
de todas as idades, no mundo inteiro. Ao assinar tal declarao, o Brasil assumiu
perante a comunidade internacional o compromisso de erradicar o analfabetismo e
universalizar o ensino fundamental no pas. Para cumpri-lo, vem criando
instrumentos norteadores da ao educacional e documentos legais que apiam a
construo de sistemas educacionais inclusivos, nas diferentes esferas pblicas:
municipal, estadual e federal.
A Declarao de Salamanca, 1994, veio reafirmar tal proposta,
defendendo que as pessoas com necessidades educacionais especiais devem ter
acesso s escolas comuns, que devero integr-las numa pedagogia centralizada
na criana, capaz de atender a essas necessidades. Essa poltica representa o meio
mais eficaz de combater atitudes discriminatrias, de criar comunidades
acolhedoras, construir uma sociedade integradora e oferecer educao para todos
(Brasil, 2004).
Com o intuito de definir polticas pblicas nacionais, e em consonncia
com as recomendaes desses dois importantes documentos, em 1996 o Brasil
elaborou a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, LDB/9394/ 96. A partir
dessa lei, aos municpios brasileiros foi atribuda a responsabilidade de universalizar
Introduo 11
o ensino pblico para todos os cidados de 0 a 14 anos de idade. Assim, passou a
ser papel do municpio formalizar a deciso poltica e desenvolver os passos
necessrios para implementar, em sua realidade sociogeogrfica, a educao
inclusiva, no mbito da Educao Infantil e Ensino Fundamental (Brasil, 2004).
Porm, percebemos que, apesar das polticas educacionais atuais
advogarem a incluso escolar dos alunos portadores de necessidades educacionais
especiais, sua implementao e operacionalizao tm sido difceis para o aluno
surdo.
Quais seriam, ento, os fatores que estariam criando obstculos para a
incluso do surdo na educao formal?
Como fonoaudiloga, venho atuando junto aos alunos deficientes auditivos
includos desde 2000. Trabalho em um Ncleo de Atendimento Pedaggico
Especializado da Secretaria Municipal de Educao de Botucatu, atendendo tanto
esses alunos como orientando seus pais. Constato que grande parte dessas
crianas ingressa na Educao Infantil ou Ensino Fundamental apenas com o
diagnstico de deficincia auditiva, sem a utilizao de aparelho de amplificao
sonora individual (AASI), alm de no estarem inseridas em nenhum processo
teraputico para o desenvolvimento de uma lngua, quer seja na modalidade oral ou
de sinais.
Tal situao tem gerado problemas na implementao da educao
inclusiva dos surdos, pois, sem terem se apropriado da lngua oral, lngua de sinais
ou escrita, o trabalho dos professores fica limitado, comprometendo assim o
processo de ensino-aprendizagem. Alm disso, os procedimentos de ensino
baseiam-se na lngua oral e, muitas vezes, o aluno no consegue desenvolv-la. De
Introduo 12
fato, este aspecto tem sido apontado por diversos autores como o grande entrave
para a incluso do aluno surdo no mbito escolar.
Nesse contexto, fundamental ouvirmos os professores que vm
trabalhando junto ao aluno com deficincia auditiva. O objetivo deste trabalho ,
ento, investigar como a poltica de educao inclusiva e o seu processo de
implementao tm sido percebidos e colocados em prtica por professores da
Educao Infantil e Ensino Fundamental da rede municipal de ensino de Botucatu.
Captulo 1 Reviso da Literatura 13
CAPTULO 1 REVISO DA LITERATURA
1.1 Perspectivas de lngua, linguagem e comunicao
1.1.1 Concepes sobre linguagem e surdez
As principais abordagens tericas utilizadas para explicar questes
relativas aquisio da linguagem em crianas ouvintes vm contribuindo para a
compreenso desse processo em crianas surdas, permitindo refletir tambm sobre
suas conseqncias na interveno teraputica (Alcntara, 2000).
Basicamente, as grandes linhas tericas que tratam do tema so:
comportamentalista, inatista, cognitivista, pragmtica e interacionista.
Na viso comportamentalista, a linguagem considerada como resultado
de aprendizado, que se d atravs da cadeia estmulo-resposta-reforo, sendo que o
reforo se faz presente para garantir a presena de um determinado comportamento,
no caso, o verbal (Alcntara, 2000).
Segundo esse modelo, como destacam Lacerda e Mantelatto (2000),
conhecer uma lngua significa ligar sentenas, associ-las umas s outras. Os
enunciados emitidos vo sendo modelados por meio de reforo e, cada vez mais,
vo se tornando aceitveis. O aprendizado se d por aquisio de vocbulos e de
estruturas frasais, havendo uma hierarquia das mais simples para as mais
complexas. Espera-se, ento, que a criana percorra esse caminho para adquirir
linguagem.
Captulo 1 Reviso da Literatura 14
Aplicada questo da deficincia auditiva, a grande preocupao dessa
linha terica desvendar como a criana surda deve ser ensinada a falar. Nesse
contexto, o adulto tem como funo estimular a aprendizagem das estruturas da
lngua de forma gradual, priorizando aspectos lexicais e morfossintticos. As prticas
de ensino e intervenes teraputicas baseadas no comportamentalismo tendem a
fragmentar a lngua, promovendo atividades padronizadas que focalizam a imitao,
memorizao e substituio e que devem ser generalizadas para a formao de
estruturas frasais. Trata-se de um trabalho tecnicista de treinamentos, mais formal,
sistemtico e orientado (Lacerda e Mantelatto, 2000).
Diferentemente do comportamentalismo, no inatismo a predisposio para
a aquisio de linguagem vista como uma capacidade inerente ao organismo
humano, concebendo-se a existncia de uma gramtica universal j inscrita na
mente do indivduo. Esse mecanismo seria ativado por meio da exposio fala do
outro, permitindo criana gerar as regras da lngua (Alcantara, 2000).
O modelo inatista considera, ento, que toda criana possui,
potencialmente e previamente, condies para desenvolver a gramtica da lngua
qual est sendo exposta, j que se encontra equipada biologicamente para essa
aquisio, sendo esta decorrente de uma predisposio inata. Ou seja, no
necessria a mediao do adulto. Os componentes sintticos da lngua so mais
enfatizados, e o surgimento da gramtica se d, principalmente, quando a criana
comea a combinar dois vocbulos. Nesse sentido, a recepo precede a emisso,
uma vez que a segunda depende da primeira (Lacerda e Mantelatto, 2000).
No caso das crianas surdas, a adoo do modelo inatista implicou em se
assumir que, assim como as ouvintes, elas nasceriam com um dispositivo para
adquirir linguagem, mas precisariam de uma exposio ao input lingstico. Nessa
Captulo 1 Reviso da Literatura 15
concepo, enfatiza-se a necessidade de um trabalho precoce, na tentativa de
oferecer criana surda uma exposio contnua e adequada lngua durante os
primeiros anos de vida, perodo considerado ideal para adquiri-la (Trenche, 1995).
Na anlise dos trabalhos com linguagem voltados a crianas surdas, Rosa
(1998) critica as propostas de interveno que investem no aspecto acstico-
articulatrio. A autora aponta que algumas abordagens enfatizam a percepo
auditiva como pr-requisito para a linguagem, outras reconhecem a necessidade de
uma exposio sistemtica a estruturas frasais, obedecendo a uma hierarquia de
complexidade morfossinttico-semntica, esperando que, por meio da repetio, as
crianas surdas venham a dominar uma lngua. Subjacente a tais prticas, parece
estar uma concepo que reduz a linguagem comunicao.
H tambm uma outra concepo de linguagem, que se estrutura na teoria
gentica de Piaget. Embora este autor tivesse como foco aspectos do
desenvolvimento cognitivo humano, seus estudos inspiraram vrios autores que se
dedicam linguagem.
Na concepo piagetiana, a criana constri a compreenso do modo
como o mundo funciona, primordialmente, por meio de suas aes. Passa, ento,
por uma srie de estgios que seguem uma seqncia fixa, sendo os principais
deles: sensrio motor (do nascimento aos 18 meses), pr-operacional (dos 18
meses aos 7 anos), operaes concretas ( dos 7anos a 11 anos) e das operaes
formais ( dos 11 anos em diante). Nessa viso, o desenvolvimento da linguagem
limitado pelo desenvolvimento cognitivo; ou seja, h aspectos da linguagem que a
criana s ser capaz de dominar depois de atingir um nvel correspondente de
controle cognitivo (Elliot, 1982).
Captulo 1 Reviso da Literatura 16
Tambm Lacerda e Mantelatto (2000) afirmam que, do ponto de vista de
Piaget, a linguagem no pode emergir antes que certas operaes motoras tenham
sido adquiridas, pois na interao motora do sujeito com seu meio que estruturas
cognitivas se desenvolvem. Nessa abordagem, a funo da linguagem representar
o mundo; contudo, a cognio precede a linguagem, uma vez que a criana fala
sobre aquilo que j manipula em nveis no lingsticos.
Ainda de acordo com essa concepo, a linguagem faz parte de uma
funo mais ampla, a semitica, que emerge no final do perodo sensrio motor e
possibilita criana, por meio de um signo ou de uma imagem simblica, evocar
objetos ou fatos ausentes, ultrapassando assim o nvel de ao (Alcantara, 2000).
Outra viso que trouxe novas reflexes para a rea da aquisio da
linguagem, e que influenciou o trabalho voltado criana surda, foi a pragmtica.
Nessa concepo, que surgiu na dcada de setenta, o importante o uso da
linguagem na comunicao; ou seja, a aquisio acontece no dilogo. Nele, a
criana teria oportunidade de se apropriar das regras e praticar os aspectos
sintticos, semnticos e pragmticos em contextos significativos, adquirindo tambm
as regras que regulam o uso desse conhecimento na comunicao com os outros
(Alcantara, 2000).
Esses estudos apontam a criana surda como interlocutor capaz de se
comunicar; porm, pouco consideram o papel que o adulto desempenha nesse
processo como co-autor na construo do dilogo.
No incio dos anos oitenta, a interao social passou ento a ser
considerada, tendo-se como base as idias de Vygotsky (1987,1989, apud
Alcantara, 2000). Nessa perspectiva, o desenvolvimento das funes cognitivas
Captulo 1 Reviso da Literatura 17
aconteceria na interao da criana com membros mais experientes, que seriam os
mediadores entre a criana e o mundo.
Fundamentada em Vygotsky, De Lemos prope que a aquisio de
linguagem pela criana se d na interao com um interlocutor privilegiado,
geralmente a me. Os trabalhos da autora (1981,1982 apud Alcantara, 2000)
instauram a questo da interao adulto/criana, sendo que, como resultado da
nfase nessa interao, o dilogo, e no os enunciados isolados, passa a ser
considerado como unidade de anlise nos estudos sobre aquisio de linguagem.
Considerada mais abrangente, a viso scio-interacionista compreende a
linguagem humana como constitutiva do sujeito, focalizando ento as interaes
entre os interlocutores e os modos como se desenvolvem as prticas discursivas.
Nessa perspectiva, a lngua no um sistema de que o sujeito se apropria para us-
la, mas reconstruda na atividade de linguagem.
1.1.2 O surdo, a lngua e a escola
importante esclarecer que, diferentemente das crianas ouvintes, que
vivenciam e que respondem pela aquisio incidental de conhecimento, para as
crianas surdas esse tipo de situao muitas vezes limitada em funo da falta de
uma lngua comum a ser compartilhada com os ouvintes. Por no terem acesso
oralidade, a maioria ento privada de atividades que envolvem a linguagem, o que
tambm ocorre no mbito escolar, dificultando o processo de aprendizado da leitura
e escrita.
De fato, a prtica pedaggica est toda perpassada por problemas que
envolvem as relaes dialgicas entre professor ouvinte e aluno surdo. Observamos
Captulo 1 Reviso da Literatura 18
que os educadores procuram usar diversos recursos comunicativos para estabelecer
uma interao com o aluno surdo, mas nem sempre conseguem se fazer entender, o
que torna o trabalho em sala de aula muito difcil.
Dessa forma, h uma tendncia em centralizar a ao educativa na
utilizao de recursos comunicativos, deixando-se em segundo plano a prtica
pedaggica, que se transforma, assim, em uma prtica comunicativa.
Tomando como base os estudos de Pereira (2006), vamos ento situar
como tem sido o ensino do portugus para surdos em nosso pas.
At o final dos anos 80, predominou na escola a concepo de linguagem
enquanto instrumento de comunicao, segundo a qual um emissor transmite a um
receptor uma mensagem. De acordo com essa concepo, cabe escola ensinar as
regras que regem o uso da lngua, com o objetivo de melhorar a qualidade da
produo lingstica dos alunos. Dessa forma, muitos exerccios tinham como
objetivo o reconhecimento e a memorizao da nomenclatura gramatical (Pereira,
2006).
A autora acrescenta que, na educao de surdos, a adoo da concepo
de lngua como cdigo resultou no ensino sistemtico e padronizado de estruturas
frasais, uma vez que, diferentemente das crianas ouvintes, grande parte das
crianas surdas chega fase escolar sem domnio da lngua, cabendo escola
ensin-la.
Luchesi (2003) tambm aponta que a educao especial para surdos
reduzia a linguagem em emisso e recepo, apresentando-a de modo fragmentado
e de acordo com uma ordem crescente de dificuldades: vogais, encontros voclicos
(onomatopias) e assim por diante, at se chegar construo de frases complexas.
Nesse sentido, a linguagem oral ficava reduzida fala ato fisiolgico de produo
Captulo 1 Reviso da Literatura 19
de som -, sendo funo do professor, portanto desenvolv-la, embora acreditasse
que, dessa maneira, estivesse trabalhando com a linguagem oral em sua
complexidade.
Para a autora, a linguagem escrita, entendida como transcrio da fala,
seguia os mesmos princpios. Dessa forma, eram apresentadas palavras isoladas,
de vocabulrio restrito, e os textos, com construes frasais e termos conhecidos,
eram simplificados para que fossem compreendidos por parte do deficiente auditivo.
No final dos anos 80, sob a influncia de Vygotsky e Bakhtin, a linguagem
passou a ser concebida como atividade social, como lugar de interao humana, de
interlocues, entendidas como espao de produo e de constituio de sujeitos
(Pereira, 2006).
Com o surgimento da lingstica textual na dcada de 60, os fatores de
produo, recepo e interpretao dos textos enquanto unidades de comunicao
so colocados em primeiro plano. Nessa concepo produzir linguagem significa
produzir discurso, sendo que este se manifesta lingisticamente por meio do texto,
que considerado produto da atividade discursiva oral e escrita (Kaufman e
Rodrigues, 1995 apud Pereira, 2006).
Pereira (2006) destaca que coube escola viabilizar o acesso do aluno ao
universo dos textos que circulam socialmente, bem como ensinar a produzi-los e
interpret-los.
Dessa forma, assim como ocorreu na educao de ouvintes, a adoo de
uma concepo interacionista e discursiva pela escola tambm acarretou mudanas
no ensino da Lngua Portuguesa para os alunos surdos. O professor passou a exp-
los lngua em funcionamento, sem a preocupao de ensin-los, acreditando que,
assim, poderiam se constituir como interlocutores. Nessa perspectiva, a
Captulo 1 Reviso da Literatura 20
sistematizao da gramtica ocorre mais tarde, quando os alunos j esto usando a
lngua.
Tambm Trenche (1995) discute as concepes de linguagem que
norteiam as prticas pedaggicas com os alunos surdos. Em seu estudo, a autora
observou uma predominncia de trabalhos que consideram a linguagem como
cdigo, privilegiando os aspectos comunicativos em detrimento da constituio dos
sujeitos. A autora aponta para a fragmentao e descontextualizao da linguagem
e para o fato de o professor no se apresentar como um interlocutor efetivo de seus
alunos. Em muitas situaes, a linguagem/comunicao vista apenas como um
modo de avaliar a aprendizagem, sem que se atente para sua participao na
prpria construo dos conhecimentos.
Por outro lado, alguns estudos tm discutido as prticas pedaggicas
apoiadas em diversos recursos comunicativos e suas limitaes no que diz respeito
construo de conhecimentos (Lacerda, 1996; Ges, 1996; Ges e Souza, 1998).
A corrente de comunicao total prope o uso de recursos lingsticos e
no lingsticos, combinando sinais, oralizao, leitura orofacial, gestos, linguagem
escrita, datilologia (soletrao manual), pantomima, desenho, etc (Evans, 1982;
Ciccone,1990; Moura, 1993 apud Ges, 1996).
Ges (1996) acrescenta que, freqentemente, na implementao das
diretrizes da comunicao total, o trabalho pedaggico envolve interlocues em
sala de aula centradas em prticas bimodais, compostas a partir de elementos das
lnguas falada e de sinais (em nossa realidade, da Lngua Portuguesa e da Lngua
Brasileira de Sinais/Libras), usados concomitantemente; tambm podem ser
includos outros recursos, tais como a soletrao manual.
Captulo 1 Reviso da Literatura 21
Em uma sala de aula que adotou a diretriz da comunicao total, Lacerda
(1996) observou o modo pelo qual se caracterizavam as instncias dialgicas entre
aluno surdo e professor ouvinte. A autora constatou que a prtica pedaggica estava
toda perpassada pelos problemas que envolvem as relaes dialgicas. Na questo
da interlocuo entre professor-aluno, prevaleceram situaes de no-dilogo,
sendo que a inteno de partilhar sentidos no se realizou de maneira eficaz.
Entretanto, a professora e os alunos seguiam utilizando os vrios recursos
semiticos, buscando manter a comunicao, mas sem que os impasses e
descompassos vivenciados fossem abordados, discutidos ou assumidos. No geral, a
professora observada levava em considerao a lentido e a dificuldade dos alunos
em progredirem nos contedos pedaggicos, mas atribua tais dificuldades s
caractersticas dos surdos e no aos acontecimentos cotidianos em sala de aula.
Ges e Souza (1998) tambm abordam as interaes em sala de aula
entre educador ouvinte e aluno surdo baseadas na comunicao total. Para as
autoras, lidar com dois sistemas lingsticos, sem que professores ouvintes tenham
conhecimento dos sinais e sem que os alunos surdos compreendam o portugus,
acarreta uma srie de problemas na prtica pedaggica, tais como, o uso de
combinaes indiscriminadas de recursos semiticos de natureza muito diversa,
como a pantomima, o desenho, a dramatizao, a escrita, os sinais, os gestos ditos
naturais, a lngua oral. No dia a dia da escola, h uma instrumentalizao desses
recursos, o que acaba por reduzir o acontecimento dialgico ao uso de estratgias
comunicativas.
Outro aspecto destacado na literatura por autores como Soares (1990);
Bueno (1994); Francisco (1994); Illiano (2002) e Luchesi (2003) diz respeito ao fato
de, na escola especial para alunos surdos, ter ocorrido uma histrica sobreposio
Captulo 1 Reviso da Literatura 22
do trabalho clnico em relao ao trabalho pedaggico. No passado, dentro da
abordagem oralista, a atividade clnica foi assumida pelos professores de deficientes
auditivos, que colocaram o trabalho pedaggico em segundo plano.
Soares (1990) adverte que a escola no deve assumir o trabalho clnico,
pois s assim tomar uma atitude poltica e recuperar a funo do professor como
aquele que propicia ao aluno o conhecimento socialmente produzido, ao mesmo
tempo em que denuncia que a populao de baixa renda privada do acesso a
servios de sade, cujo direito est previsto na constituio.
Ao analisar a Educao Especial no Brasil e, em particular, a educao do
deficiente auditivo, Bueno (1994) aponta que a falta de uma clara delimitao entre
as responsabilidades dos servios de sade e de educao especial impede o
estabelecimento de polticas que respondam efetivamente a essas necessidades. O
autor alerta que, quando os programas de reabilitao so incorporados pelo
sistema escolar, sob a capa de programas de educao precoce ou de atividades
especficas de linguagem, as duas reas de ao, sade e educao, se
confundem. Com isso, a transmisso dos conhecimentos socialmente valorizados
perde sua primazia no mbito escolar.
Tambm Francisco (1994) ressalta que, quando a escola que trabalha
com crianas deficientes auditivas incorpora servios que so do mbito da sade,
contribui para manter a situao de desigualdades de oportunidades. Assim, em vez
de colaborar para o acesso aos direitos de cidadania, camufla os problemas
existentes, na medida em que induz os usurios a pensarem que, de certa forma, ao
ingressarem no ensino especial, recebero escolarizao e tratamento. Porm,
geralmente, ao desviar-se da funo educativa, a escola especial no consegue
Captulo 1 Reviso da Literatura 23
cumprir adequadamente a escolarizao e nem tratar os deficientes auditivos, pois
no tem competncia para tal.
Illiano (2002) lembra que essa indefinio entre escolarizao e
socializao/tratamento dos deficientes parece perpassar toda a histria da
educao especial. No que diz respeito educao de surdos, a autora aponta
como uma de suas marcas fundamentais os processos de habilitao/reabilitao da
linguagem promovidos nas instituies escolares especiais. Considera, ainda, que a
nfase na linguagem, expressa em toda a histria da educao dos surdos na
modernidade, retrata a ambigidade entre os processos de reabilitao e de
escolarizao oferecidos nas instituies especializadas, e essa ambigidade
minimiza a questo de uma adequao curricular que pudesse visar o crescimento e
o desenvolvimento do seu alunado.
Luchesi (2003) conclui que a idealizao do indivduo surdo, normal e
abstrato, perpassa toda a educao especial, que assume o trabalho de reabilitao
como uma ao pedaggica, estabelecendo uma interdependncia entre o
desenvolvimento da linguagem oral e a aquisio dos contedos escolares. A autora
salienta que essa organizao do ensino especial exige que o aluno permanea por
mais tempo na escola, embora nesse perodo lhe proporcione poucas oportunidades
efetivas de adquirir conhecimentos.
Com o advento da lngua de sinais como forma predominante de
comunicao dos surdos, a escola incorporou o trabalho clnico para o
desenvolvimento dessa lngua, o que levou ao detrimento do trabalho com o
contedo escolar propriamente dito. Em funo disso, como destaca Dantas (2006),
os alunos no conseguem um nvel de proficincia razovel de comunicao e nem
de escolarizao.
Captulo 1 Reviso da Literatura 24
1.1.3 O surdo, a leitura e a escrita
A maioria dos trabalhos sobre as prticas escolares utilizadas com alunos
surdos indica que a apropriao da linguagem escrita tem sido a grande
preocupao dos educadores de surdos, pois muitos acreditam que a surdez
acarreta dificuldades de compreenso na leitura e de produo na escrita.
Porm, a anlise do processo de ensino da leitura e da escrita de alunos
surdos leva a crer que muitos dos resultados insatisfatrios obtidos decorrem da
falta de uma lngua constituda, com base na qual possam construir a escrita.
Em seu estudo sobre o processo de aprendizagem de leitura dos alunos
deficientes auditivos, Crnio (1989) constatou que, de modo geral, eles conseguem
aprender, com relativa facilidade, a decodificar os smbolos grficos. Entretanto,
devido s limitaes de exposio linguagem oral, apresentam dificuldades na
compreenso dos textos, no percebendo ambigidades, insinuaes, ironias; ou
seja, percebem a estrutura superficial das oraes, mas no compreendem a
estrutura profunda das mesmas.
Cruz (1992) salienta que um dos aspectos importantes que devem ser
analisados na alfabetizao de crianas surdas a escolha do mtodo a ser
adotado pelo professor. A autora critica a concepo tradicional que encara a leitura
e a escrita como uma tarefa que deve ser ensinada criana segundo uma
hierarquia, que vai do mais fcil para o mais difcil, de acordo com o ponto de vista
do adulto. Prepondera, nessa viso, a idia dos pr-requisitos (a chamada
prontido) para esse aprendizado, que, no caso do surdo, envolve, alm dos
aspectos esperados para a criana ouvinte, o desenvolvimento satisfatrio da
linguagem oral.
Captulo 1 Reviso da Literatura 25
Ainda segundo Cruz (1992), para escolher o mtodo a ser utilizado na
alfabetizao de crianas surdas, estas so divididas em dois grupos distintos - as
no-oralizadas e as oralizadas. No geral, as no-oralizadas so alfabetizadas por
mtodos analtico-sintticos, pois, no apresentando conhecimentos lingsticos
suficientes, devero aprender a ler e a escrever por um processo inicial de
decifrao, com maior apoio na percepo visual em relao auditiva, para depois
chegarem compreenso do texto. J as oralizadas so, com freqncia,
alfabetizadas por mtodos analticos, por apresentarem repertrio oral suficiente
para aprender por meio de estruturas de linguagem mais globais.
Porm, a autora adverte que essas discusses sobre o mtodo a ser
adotado em alfabetizao, tanto na escola comum como na especial, no levam em
conta as concepes das crianas sobre a escrita, e sua participao ativa no
processo de aprendizagem.
Essas prticas pedaggicas convencionais j foram discutidas por outros
autores, como Lacerda (1995). A autora critica os trabalhos que preconizam o bom
desempenho na oralidade como um dos aspectos necessrios para a alfabetizao,
tanto de crianas consideradas normais como especiais. Nessa perspectiva, elas
so estimuladas a desenvolver uma boa articulao e a se comunicar bem
oralmente, sendo que aquelas que no falam, ou que apresentam dificuldades para
tanto so vistas como incapazes de se alfabetizar.
Segundo a autora, essa uma prtica freqente na escola tradicional e
recebe ateno redobrada nas propostas de alfabetizao para educao especial.
Ges (1996) acredita que, mesmo depois de terem passado por longo
perodo de escolarizao, as crianas surdas apresentam dificuldades no uso da
linguagem escrita. Porm, a autora salienta que as limitaes nessa esfera no so
Captulo 1 Reviso da Literatura 26
exclusivas das experincias escolares de surdos, nem inerentes condio de
surdez: um dos principais problemas est nas mediaes sociais dessa
aprendizagem, mais especificamente, nas prticas pedaggicas que fracassam
tambm na alfabetizao de ouvintes. No caso do aluno surdo, ocorre que a essa
questo mais geral sobrepe-se, muitas vezes, complexas demandas adicionais,
como uso restrito da lngua implicada nas atividades de leitura e escrita.
Outros trabalhos, como os de Oliveira (1996), apontam que, mesmo
quando os alunos deficientes auditivos so inseridos no ensino regular, os
processos de escolarizao, da forma como lhes so oferecidos, contribuem mais
para sua segregao do que para sua integrao, pois a maioria no ultrapassa os
nveis iniciais de alfabetizao.
De fato, a educao do surdo tem sido considerada um fracasso por
alguns estudiosos. Segundo Almeida (2000), um dos grandes problemas a
pobreza de experincias e trocas comunicativas envolvendo a linguagem oral, que
levam a dificuldades no domnio de vocabulrio, das regras gramaticais, na clareza e
coeso dos enunciados, prejudicando toda a compreenso do processo de leitura.
No se trata, pois, de dficits de cognio e pensamento por parte da criana
portadora de deficincia auditiva.
Tambm Crnio, Couto e Lichtig (2000) consideram que as dificuldades
dos surdos em lidar com a escrita decorrem no s da perda auditiva, mas tambm
da interferncia do contexto educacional. A escola introduz um modelo nico de
texto com estruturao direcionada para regras gramaticais do portugus, tornando
a escrita reduzida e descaracterizada de sentido. Conseqentemente, essa
linguagem, que deveria ter um papel importante na vida do surdo, por ser um veculo
que permitiria sua integrao junto comunidade ouvinte majoritria, passa a ser um
Captulo 1 Reviso da Literatura 27
fator de discriminao e rejeio. Assim, os surdos julgam-se despreparados e
incompetentes para utilizar a lngua escrita por no conseguirem alcanar o modelo
ideal fornecido pelas escolas e pela sociedade em geral.
Gonalo (2004) adverte, porm, que as crianas surdas inseridas em
sociedades letradas, assim como as demais crianas, chegam escola com uma
bagagem de experincias com a lngua escrita e, certamente, tambm criam
hipteses sobre esta. Entretanto, a autora chama a ateno para o fato de que a
aquisio da escrita pelos surdos no deve ser concebida como semelhante dos
ouvintes; para o primeiro grupo, a lngua portuguesa escrita representa uma
segunda lngua e no apenas uma modalidade de sua prpria lngua, como
acontece com o segundo grupo.
Martins (2005) aponta que a maneira pela qual o professor concebe o
processo de aprendizado e orienta suas aes em sala de aula comum poder
afastar ou aproximar a criana de eventos de letramento, em diferentes contextos
sociais, nos quais a leitura e a escrita so valorizadas. Alm disso, as poucas
experincias significativas com esse sistema de linguagem podem dificultar sua
aprendizagem. Em situao anloga, encontra-se a criana surda, para quem o
aprendizado da lngua oficial do pas nem sempre possvel. Geralmente, na maior
parte dos casos, os alunos iro ingressar no aprendizado da leitura e escrita, na
educao bsica, a partir de um domnio deficitrio de uso de um sistema lingstico
convencional, quer seja oral e/ou gestual.
Ao estudar as prticas docentes de professores do ensino regular junto a
alunos surdos, Oliveira (2005) observou que os professores das classes regulares
no acreditavam que os alunos surdos pudessem aprender e continuar seus
estudos. Face a essa viso de incapacidade, adotavam prticas pedaggicas
Captulo 1 Reviso da Literatura 28
diferenciadas que pouco contribuam para a ampliao das possibilidades de
aprendizagem desses alunos. Parece haver, ento, um discurso novo sobre a
capacidade de aprendizagem do surdo, porm, ainda arraigado em prticas antigas.
Tambm Pereira (2006), ao analisar o processo de ensino da leitura e da
escrita de alunos surdos, afirma que muitos dos resultados insatisfatrios obtidos
no decorrem de dificuldades de lidar com os smbolos escritos, mas da falta de uma
lngua constituda com base na qual possam construir a escrita. A autora aponta
ainda que as crianas ouvintes vivenciam situaes dirias e que respondem pela
aquisio incidental do seu conhecimento. Entretanto, no caso da criana surda,
essas situaes so limitadas em funo da falta de uma lngua partilhada com os
ouvintes, pois geralmente no tm acesso oralidade, sendo privadas das
atividades que envolvem a linguagem, como conversas e histrias.
Nas dcadas de 70 e 80, como apontam Trenche e Balieiro (2006), muitas
crianas com deficincia auditiva tiveram o processo de alfabetizao retardado
porque a escola, de um modo geral, pressupunha que a oralidade fosse pr-
requisito para a aquisio da escrita. Assim, a oralizao era considerada uma
condio intrnseca da leitura; escrever implicava transformar sons em sinais
grficos, e ler, transformar sinais grficos em sons. As relaes entre fala e escrita
centravam-se principalmente no cdigo. O domnio da escrita era analisado quanto
s habilidades de leitura e escrita, com nfase no reconhecimento, organizao e
memorizao dos mecanismos grafo-fonmicos dessa modalidade, com passagem
obrigatria pela oralidade. Porm, esta raramente era dominada por crianas com
deficincia auditiva acentuada na idade de sete anos, quando geralmente se inicia o
processo formal de aquisio da escrita.
Captulo 1 Reviso da Literatura 29
1.2 Consideraes sobre a histria da educao dos surdos
A educao dos surdos tem gerado importantes discusses, pois, embora
as propostas educacionais direcionadas a esse grupo tenham como objetivo
proporcionar o desenvolvimento pleno de suas capacidades, no isso que se
observa na prtica. No geral, as diferentes propostas pedaggicas apresentam uma
srie de limitaes, de modo que, ao final da escolarizao bsica, esses sujeitos
no se mostram capazes de ler e escrever satisfatoriamente ou ter um domnio
adequado dos contedos acadmicos.
Esses problemas tm sido abordados por diversos autores que,
preocupados com a realidade escolar do surdo no Brasil, procuram identificar tais
problemas e apontar possveis caminhos de resoluo (Lacerda, 1998).
Para compreender a situao de excluso e a baixa escolaridade dos
surdos, consideramos importante conhecer a histria e as filosofias educacionais a
eles dirigidas.
Durante a Antiguidade e por quase toda a Idade Mdia, pensava-se que
os surdos no fossem educveis, enfatizando-se aquilo que faltava a eles frente ao
modelo ouvinte (a audio, a fala, a linguagem). Essa concepo determinou o
desenvolvimento de abordagens clnicas e prticas pedaggicas que buscavam a
supresso da surdez, por meio da tentativa de restituio da audio com o uso de
aparelhos de amplificao sonora, para assim levar os surdos ao desenvolvimento
da linguagem oral a partir de tcnicas mecnicas e descontextualizadas de treino
articulatrio (Lodi, 2004).
Desde final do sculo XVIII e durante o sculo XX, a educao seguiu
primordialmente uma concepo mdica em que as crianas surdas eram tratadas
Captulo 1 Reviso da Literatura 30
como pacientes, e os professores atuavam como terapeutas, sendo a ateno
voltada deficincia auditiva e ao domnio da lngua falada (Turetta, 2006).
Seguindo ento a abordagem oralista, as crianas eram expostas a
treinamentos intensos e longos de articulao da fala e leitura orofacial; mas, mesmo
assim, muitas vezes no atingiam o resultado esperado. Nesse contexto, no se
atribua muita importncia s questes relativas educao do surdo, que eram
deixadas em segundo plano, para depois que se oralizassem.
No final do sculo XIX, aconteceu o Congresso em Milo, que ficou
conhecido internacionalmente pela vitria da abordagem oralista sobre a gestualista.
Segundo os defensores do oralismo, a linguagem gestual era inferior e constitua um
dos fatores que dificultavam a aquisio da fala. Foram ento intensificadas as
prticas do oralismo, e a linguagem gestual, at ento tolerada, foi abolida, bem
como a presena do professor surdo responsvel pelo ensino de contedos e
transmisso de determinado tipo de cultura. (Turetta, 2006)
O predomnio do oralismo, com pressuposto organicista, continuou e,
durante parte do sculo XX, a incapacidade de falar ainda era associada a dficits
cognitivos.
Aplicado na maioria das escolas, o sistema oralista, porm, era
questionado por aqueles que atribuam importncia lngua de sinais. Com isso, na
dcada de 1960, comearam a surgir estudos sobre essa modalidade de lngua
utilizada pelas comunidades surdas. Apesar da proibio dos oralistas no uso de
gestos e sinais, raramente se encontrava uma escola ou instituio para surdos que
no tivesse desenvolvido, s margens do sistema, um modo prprio de comunicao
atravs dos sinais.
Captulo 1 Reviso da Literatura 31
O descontentamento com o oralismo e as pesquisas sobre lngua de sinais
deram origem a novas propostas pedaggico-educacionais para a pessoa surda,
surgindo ento, em meados da dcada de 70, uma nova tendncia denominada
comunicao total. Como j foi assinalado, trata-se de uma prtica que abrange uma
ampla rede de recursos comunicativos, tais como: sinais, leitura orofacial, escrita,
alfabeto digital, gestos, pantomima, desenho; ou seja, envolve o uso simultneo de
duas modalidades de comunicao, fala e sinais, podendo incluir recursos
semiticos.
Porm, os defensores do uso das lnguas de sinais criticaram essa
abordagem, pois apontavam para a instrumentalizao e descaracterizao dessas
lnguas, que se tornavam meros suportes para aprender a lngua do grupo
majoritrio ouvinte.
Muitos estudos foram realizados para verificar a eficcia da comunicao
total. Em relao ao oralismo, alguns aspectos do trabalho educativo foram, de fato,
aperfeioados, e os surdos conseguiram compreender e se comunicar um pouco
melhor no final do processo escolar. Entretanto, os problemas em relao escrita
continuaram, e a grande maioria dos adultos surdos, mesmo aps anos de
escolaridade, no dominava a lngua escrita.
Comearam a surgir mais estudos sobre lngua de sinais e, com eles, as
alternativas educacionais orientadas para uma educao bilnge. Essa proposta
defende a idia de que a lngua de sinais a lngua natural dos surdos, que, mesmo
sem ouvir, podem desenvolver uma lngua visogestual. E justamente por considerar
o canal visogestual de fundamental importncia para aquisio de linguagem da
pessoa surda e por defender um espao efetivo para a lngua de sinais no trabalho
Captulo 1 Reviso da Literatura 32
educacional, o modelo de educao bilnge contrape-se ao modelo oralista e
tambm comunicao total. (Lacerda, 1998)
Com o surgimento dos estudos sobre a lngua de sinais e o bilingismo, o
surdo passou a ser visto como uma pessoa que possui uma forma de comunicao
que deve ser respeitada, e a linguagem oral, vista como uma segunda lngua, que s
ser aprendida se for de seu interesse. De acordo com esse enfoque, o surdo
desenvolve uma lngua diferente (a de sinais) do ouvinte, mas no desviante
(Crnio, 1998).
O modelo bilnge prope, ento, um olhar sobre a formao da pessoa
surda que afirma seu direito a uma experincia educativa e preconiza a exposio,
o mais precocemente possvel, lngua de sinais. E tambm que a lngua da
comunidade ouvinte na qual o surdo est inserido, em sua modalidade oral e/ou
escrita, seja ensinada com base nos conhecimentos adquiridos por meio da lngua
de sinais. Tal proposta educacional permite o desenvolvimento rico e pleno de
linguagem, possibilitando ao surdo um desenvolvimento integral.
Essa abordagem tem sido discutida por alguns autores, tais como
Lacerda, Caporali e Lodi (2004), segundo os quais, atualmente, muito tem sido
discutido sobre os problemas enfrentados pelos surdos em seu desenvolvimento,
sendo que um grupo significativo de pesquisadores e educadores tem apontado
para a adequao da abordagem bilnge no atendimento a essa comunidade.
Um dos aspectos discutidos diz respeito importncia do contato com a
lngua de sinais e de seu desenvolvimento; entretanto, a maior parte dos surdos
filha de pais ouvintes e no tem acesso lngua de sinais como primeira lngua; isso
s ocorre tardiamente, sendo necessrio, ento, que algum tipo de contexto especial
seja providenciado para que essa aquisio se d.
Captulo 1 Reviso da Literatura 33
Uma possibilidade o contato com um surdo adulto, fluente em Libras,
que possa, em situaes contextualizadas, compartilhar essa lngua, criando
ambientes de interlocuo. Entretanto, as autoras acima citadas advertem que o
modelo educacional vivenciado e incorporado pelo instrutor surdo quase sempre
estruturalista, com a Lngua Portuguesa tendo sido ensinada de forma fragmentada,
descontextualizada e com pouco sentido para o aprendiz. A maior parte daqueles
que ensinam Libras, em muitas regies, nem sequer passou pela formao bsica
oferecida pelas entidades representativas das comunidades surdas.
Outro fator que pode contribuir para que o desenvolvimento do sujeito
surdo seja o mais pleno possvel a vivncia de situaes dialgicas com
interlocutores capazes de interagir com ele na lngua de sinais, sendo desejvel,
ento, que os familiares a aceitem, e aprendam.
1.3 Educao inclusiva
1.3.1 Polticas e concepes ideolgicas
A educao inclusiva considerada como uma proposta de aplicao
prtica ao campo da educao e faz parte de um movimento mundial, denominado
incluso social. Trata-se de um novo paradigma, atrelado construo de uma
sociedade democrtica, na qual todos conquistam sua cidadania, e a diversidade
respeitada, aceita e reconhecida politicamente.
Nesse sentido, a incluso pode ser descrita como um fenmeno social
complexo, que resulta de aes estabelecidas e mantidas por diferentes instituies
Captulo 1 Reviso da Literatura 34
e atores: o governo, as instituies formadoras de educadores, as escolas, as
pessoas com necessidades educativas especiais e suas famlias.
Para aprofundarmos o tema, consideramos importante apresentar, ento,
documentos que refletem a histria da educao especial e suas concepes
subjacentes.
A ateno educacional aos alunos com necessidades especiais tem se
modificado ao longo da histria, tendo caracterizado diferentes paradigmas nas
relaes das sociedades com essa populao. No Brasil, as primeiras informaes
sobre a ateno s pessoas com deficincia remontam poca do Imprio,
seguindo o paradigma da institucionalizao; ou seja, os deficientes permaneciam
segregados em instituies para que fossem cuidados e protegidos.
No sculo XX, iniciam-se, ento, os movimentos sociais e, em 1948, os
pases participantes da Organizao das Naes Unidas elaboraram a Declarao
Universal dos Direitos Humanos, documento importante que, desde ento, tem
norteado os movimentos e definies de polticas pblicas nesses pases (Brasil,
2004).
A dcada de 60 caracterizou-se por intenso movimento mundial de defesa
dos direitos das minorias, associado a crticas institucionalizao de pessoas com
deficincia. Comearam a ser implantados ento os servios de Reabilitao
Profissional, especialmente voltados a essa populao, visando prepar-la para a
integrao ou a reintegrao na vida da comunidade (Brasil, 2004).
Nos anos 60 e 70, tendo como horizonte a Declarao Universal dos
Direitos Humanos, grande parte dos pases encampou um novo modelo no trato da
deficincia. Da segregao total, passou-se a buscar a integrao das pessoas
Captulo 1 Reviso da Literatura 35
deficientes, aps serem capacitadas, habilitadas ou reabilitadas. Essa concepo
recebeu o nome de paradigma de servios (Brasil, 2004).
A partir da dcada de 80, evidenciou-se a diversidade como caracterstica
constituinte das diferentes sociedades e da populao. Na dcada de 90, luz da
defesa dos direitos humanos, constatou-se que, quando reconhecida, respeitada e
atendida em suas peculiaridades, a diversidade enriquece e humaniza a sociedade.
Nessa medida, comeou a ser delineada a idia de construo de espaos sociais
inclusivos, ou seja, organizados para atender as caractersticas e necessidades de
todos os cidados, inclusive dos que apresentam necessidades educacionais
especiais.
O compromisso com a construo de sistemas educacionais inclusivos
gerou vrios documentos e eventos marcantes, tais como A Declarao Universal
dos Direitos Humanos (1948), a Conferncia Mundial de Educao para Todos
(Tailndia, 1990), a Conferncia Mundial sobre Necessidades Educacionais
Especiais: Acesso e Qualidade (Espanha,1994) e a Conveno da Organizao dos
Estados Americanos (Guatemala,1999). As proposies e debates que ocorreram a
partir desses documentos e eventos repercutiram em nossa realidade e
possibilitaram a adoo de medidas legais para a integrao e educao de
indivduos com necessidades especiais.
O Brasil tambm tem definido polticas pblicas e criado instrumentos
legais que explicitam sua opo pela construo de uma sociedade para todos.
Dentre eles, destacam-se: Estatuto da Criana e do Adolescente (1990), Lei de
Diretrizes e Bases da Educao Nacional (1996), Poltica Nacional para a Integrao
da Pessoa Portadora de Deficincia (1999), Plano Nacional de Educao (2001),
Conveno Interamericana para Eliminao de todas as Formas de Discriminao
Captulo 1 Reviso da Literatura 36
contra as Pessoas com Deficincia (2001), Diretrizes Nacionais para a Educao
Especial na Educao Bsica, CNE.CEB n. 02/2001 (Brasil, 2004) .
Tendo como base os paradigmas acima expostos, alguns autores
discutem as diferenas entre as prticas de integrao e incluso das pessoas com
deficincia, tais como, Sassaki (1998), Omote (1999), Bueno (2001) e Mendes
(2002).
Sassaki (1998) afirma que a integrao se refere s prticas
desenvolvidas nas dcadas de sessenta e setenta, baseadas no modelo mdico da
deficincia e que objetivavam a modificao do deficiente na direo da
normalidade, para que, por esforo e modificao pessoais, fosse aceito na
sociedade.
J a incluso, que teve incio nos anos oitenta e se estabeleceu mais
fortemente na dcada de noventa, pressupe mudanas na sociedade, para que
esta se torne capaz de receber e acolher adequadamente s pessoas portadoras de
necessidades especiais, baseando-se no modelo social.
Tambm Omote (1999) aponta que, com a incluso, o foco deslocou-se do
aluno para o meio o que se busca , basicamente, uma reformulao da escola,
tornando-a capaz de gerar um ensino de qualidade a todos. Ao conceito de incluso
esto associados alguns pontos propiciadores de inovaes, trazendo uma postura
filosfica, um imperativo moral implicando transformaes sociais.
Ao discutir incluso e integrao, Bueno (2001) destaca que a diferena
entre essas duas concepes de educao especial produto de uma distino
bsica em relao situao da escola na sociedade atual. Para o autor, a
integrao deixava implcita uma viso acrtica da escola quando atribua a
dificuldade de incorporar crianas excepcionais no ensino regular s caractersticas
Captulo 1 Reviso da Literatura 37
dessas crianas; isto , considerava que, de alguma forma, a escola vinha dando
conta dos seus fins, pelo menos em relao aos alunos considerados normais.
Em contrapartida, a incluso reconhece que a escola atual no vem
conseguindo dar conta das mltiplas diferenas de seus alunos, originrias de suas
condies pessoais, sociais e culturais. O autor afirma, ento, a necessidade de
modificaes estruturais na instituio escolar, para que esta seja capaz de prover
uma educao de qualidade a todas as crianas.
Como aponta Mendes (2002), o processo de integrao escolar era
possvel somente para os alunos que conseguissem se adaptar classe comum;
portanto, no eram exigidas modificaes no sistema, sendo que aqueles que no
conseguissem acompanhar os demais alunos eram excludos. Diante das crticas a
esse processo, e com o movimento na histria da ateno s pessoas com
necessidades educacionais especiais, surgiu ento a educao inclusiva, cuja idia
central intervir diretamente sobre essas pessoas e reestruturar a sociedade para
que seja possvel a convivncia dos diferentes.
No mbito da educao, passou-se a defender um nico sistema
educacional de qualidade para todos os alunos, com ou sem deficincia. Segundo
essa concepo, a escola atual tem provocado ou acentuado desigualdades
associadas s diferenas de origem pessoal, social, cultural e poltica. E nesse
sentido que a incluso afirma a necessidade de reestruturao do sistema
educacional para prover uma educao de qualidade a todas as crianas.
Mendes (2002) tambm salienta que a incluso social implica na conquista
de espao social, por meio das interaes que se estabelecem no interior dos
grupos sociais e de uma participao ativa e produtiva da sociedade, tanto na
escola, como no lazer e no trabalho. Trata-se, portanto, de uma condio almejada
Captulo 1 Reviso da Literatura 38
no apenas por pessoas com necessidades educacionais especiais, mas por todos
aqueles que so excludos do direito educao, sade, moradia e lazer.
Na fonoaudiologia a incluso social tem sido abordada por alguns
estudiosos, como Trenche e Balieiro (2004). As autoras apontam que esse
paradigma veio substituir as propostas de integrao social voltadas para as
populaes excludas ou vulnerveis pobreza, que vigoraram em todo o mundo
durante quatro dcadas (de 1960 a 1990). Tendo como base os estudos da biologia,
da psicologia e o modelo clnico mdico, as intervenes dirigidas aos deficientes
que seguiam a proposta de integrao social eram voltadas para a reabilitao;
apresentavam, ento, um carter de normalizao, ou seja, de minimizao das
diferenas.
Novaes e Balieiro (2004) acrescentam ainda que, na dcada de 1970, o
modelo de sade e educao vigente tratava o sujeito surdo para depois integr-lo
sociedade. Essa postura permeou no s o trabalho com a surdez, mas com todas
as deficincias.
Em contrapartida, o conceito de incluso social traz consigo a noo de
que a diversidade parte da condio humana e que, portanto, o sujeito com
deficincia parte integrante da sociedade, devendo ter as mesmas oportunidades
para se desenvolver. A sociedade deve, pois, se ajustar sua condio, por meio do
convvio, do respeito e da cooperao mtua (Novaes e Balieiro, 2004).
Segundo o paradigma da educao inclusiva, as escolas precisam ser
reestruturadas para acolherem as pessoas, quer sejam ou no portadoras de
deficincias ou de outras caractersticas atpicas. , pois, o sistema educacional que
deve adaptar-se s necessidades de seus alunos, e no o contrrio.
Captulo 1 Reviso da Literatura 39
De acordo com essa concepo, o Referencial Curricular Nacional para
Educao Infantil (1998, v.1) aponta que a escola inclusiva aquela que abre
espao para todas as crianas, abrangendo aquelas com necessidades especiais. O
principal desafio desenvolver uma pedagogia centrada na criana, capaz de
educar a todas, sem discriminao, respeitando suas diferenas; uma escola que d
conta da diversidade e oferea respostas adequadas s caractersticas e
necessidades de seus alunos, solicitando apoio de instituies e especialistas
quando se fizer necessrio. Trata-se de uma meta a ser atingida por todos que esto
comprometidos com o fortalecimento de uma sociedade democrtica, justa e
solidria.
Conforme est expresso na LDB, Lei N. 9.394/96, a educao infantil
ser oferecida em creches, ou entidades equivalentes, para crianas at trs anos
de idade; em pr- escolas, para as crianas de quatro a seis anos de idade. No caso
da criana surda, imprescindvel que ela freqente creches e conte com a
presena de um professor para o ensino da Lngua Portuguesa e de um
professor/instrutor surdo para que tenha contato dirio com a Libras, alm de outros
profissionais. A incluso de uma criana com surdez em uma creche objetiva que ela
se socialize e seja reconhecida e aceita por todos do ambiente escolar como uma
criana do grupo, embora precise de um tipo de relacionamento especfico, devido
sua forma de comunicao. Na pr-escola, o professor deve enfatizar o
desenvolvimento das habilidades de comunicao e s atividades sociais, para que
a criana comece a compreender e interagir com as outras (Brasil, 2003).
Captulo 1 Reviso da Literatura 40
1.3.2 A educao inclusiva e o aluno surdo
A incluso dos alunos surdos na escola regular tem gerado debates,
principalmente no que se refere diferena lingstica. Alguns estudos alertam para
o fato de que o aluno surdo no compartilha uma lngua comum com seus colegas e
professores, estando assim em desigualdade lingstica em sala de aula, sem
garantia de acesso aos conhecimentos trabalhados. Porm, esses aspectos nem
sempre so problematizados ou contemplados nas prticas inclusivas.
Assim, em razo da defasagem auditiva, os sujeitos surdos enfrentam
dificuldades para entrar em contato com a lngua do grupo social no qual esto
inseridos (Ges, 1996).
E ainda, como acrescenta Lacerda (2006) ao discutir questes referentes
surdez, linguagem e incluso escolar, o atraso de linguagem pode trazer
conseqncias emocionais, sociais e cognitivas para as crianas surdas, mesmo
que realizem aprendizado tardio de uma lngua. Com isso, os deficientes auditivos
encontram-se defasados no que diz respeito escolarizao, sem o adequado
desenvolvimento e com um conhecimento aqum do esperado para sua idade.
Nessa medida, a autora considera a necessidade de elaborao de propostas
educacionais que atendam s necessidades dos sujeitos surdos, favorecendo o
desenvolvimento efetivo de suas capacidades.
Nesse contexto, Gonalo (2004) salienta que uma das principais questes
diz respeito aos interlocutores com quem os surdos vo estabelecer trocas
comunicativas e, a partir dessas trocas, construir seus conhecimentos. A autora
aponta que a grande maioria dos professores do ensino comum desconhece a
Captulo 1 Reviso da Literatura 41
Libras, o que os impede de estabelecer uma relao eficaz de ensino/ aprendizagem
com os alunos surdos.
Ao analisar as prticas dialgicas entre aluno surdo e professor ouvinte
em uma sala de aula com alunos surdos, Lacerda (1996) observou o uso de vrios
recursos de comunicao, como citado anteriormente. Porm, a autora apontou que
os professores tm um domnio precrio da Libras, do portugus sinalizado ou de
qualquer outro sistema que envolva sinais. Devido s dificuldades de comunicao,
em muitos momentos, o professor usa outras estratgias na tentativa de explicitar
suas idias ou para compreender aquilo que o aluno deseja expressar, configurando
assim situaes de mal-entendidos na comunicao.
Alguns pesquisadores da rea da surdez, como Skliar (1997) e Slomsky
(2000, apud Gonalo, 2004), defendem que somente um projeto de educao
bilnge poderia alcanar os objetivos educacionais e culturais desejveis
comunidade surda. Segundo os autores, na escola bilnge, os professores e os
demais membros da equipe escolar devem ser fluentes e, de preferncia,
pertencentes comunidade surda.
Entretanto, no contexto da educao inclusiva, a implementao de um
projeto que contemple as necessidades lingsticas dos alunos surdos no parece
to simples de ser operacionalizada, conforme apontam os estudos de Lacerda
(2000 e 2006); Gonalo (2004) e Turetta (2006).
Ao discutir questes referentes ao apoio do intrprete de lngua de sinais
no contexto de uma sala de aula regular, Lacerda (2000) aponta vantagens e
desvantagens dessa prtica. Uma das vantagens diz respeito ao fato de que o
professor pode ministrar o contedo das aulas por meio de uma lngua que domina,
a lngua oral. Dessa forma, evita-se que simplifique os contedos na tentativa de
Captulo 1 Reviso da Literatura 42
diminuir sua exigncia em relao aos alunos surdos e de minimizar as dificuldades
encontradas na comunicao com esses indivduos. Outra vantagem refere-se
possibilidade de acesso a o conhecimento da cultura ouvinte atravs de uma lngua
dominada pelos surdos, a lngua de sinais compartilhada com o intrprete.
Como desvantagem, Lacerda (op. cit.) destaca que pode ocorrer uma
indefinio do real papel a ser desempenhado pelo intrprete em relao ao aluno
surdo e ao professor da classe. Tambm possvel que ocorram conflitos no que se
refere ao poder educativo exercido por ambos os profissionais - o professor deve ser
o responsvel pelo contedo a ser ministrado em classe, mesmo sabendo que o
intrprete quem tornar esse conhecimento acessvel ao surdo. Entretanto, o
professor pode acabar desconsiderando esse aluno, delegando a responsabilidade
total de sua aprendizagem ao intrprete.
Por fim, a autora adverte que, na inteno de esclarecer as dvidas do
surdo, o intrprete tende a simplificar os contedos e estabelecer uma atuao
pedaggica, sem, contudo, ter formao profissional para tanto.
Para Lacerda (2006), apenas a presena do intrprete de lngua de sinais
no suficiente para uma incluso satisfatria, sendo necessria uma srie de
outras providncias para que o aluno possa ser atendido efetivamente, tais como:
adequao curricular, aspectos didticos e metodolgicos, conhecimentos sobre a
surdez e sobre a lngua de sinais, entre outros.
Gonalo (2004) defende que o melhor contexto educacional para os
surdos uma escola bilnge que valorize a lngua de sinais. Entretanto, a autora
considera que pensar numa educao bilnge para surdos no engloba s a
questo lingstica - a escola deve assumir uma postura poltica e ideolgica que
respeite o surdo enquanto pertencente a uma minoria lingstica, com traos
Captulo 1 Reviso da Literatura 43
culturais prprios, necessitando de uma educao diferenciada. A cultura surda
precisa ser mais bem conhecida e pesquisada, o que contribuiria para a implantao
do bilingismo.
A autora acrescenta que, dentre os modelos existentes, optar pela
modalidade escrita como segunda lngua seria mais favorvel para essa populao,
devido s dificuldades de aquisio da lngua oral pelo surdo. Entretanto, no
desconsidera a possibilidade de ensino da modalidade oral, que deveria ser
oferecida aos surdos que demonstrassem interesse e possibilidade real de adquiri-
la.
Em um estudo sobre a educao inclusiva e a proposta da educao
bilnge, Turetta (2006) considera ser grande o desafio de assegurar essa proposta
aos surdos dentro do contexto educacional comum e inclusivo, pois isso demanda
recursos humanos e materiais, alm do fato de, nesse momento, a escola e seus
profissionais ainda no estarem aptos a concretiz-la. A autora aponta a
necessidade de intrpretes fluentes em lngua de sinais e educadores surdos que
representem a comunidade surda, alm de mudanas metodolgicas orientadas
para o direito do educando a aprender de modo independente da via auditivo-oral.
1.3.3 Preparo de professores do ensino regular para trabalhar junto
aos alunos surdos
Na perspectiva da educao inclusiva, a formao e capacitao de
professores visando ao aperfeioamento da prtica pedaggica em sala de aula
tambm so consideradas metas a serem atingidas. Esse tema vem sendo debatido
por rgos do governo e educadores envolvidos com a incluso. Abordamos ento
Captulo 1 Reviso da Literatura 44
alguns trabalhos que discutem a formao continuada e as adaptaes que
precisam ser introduzidas nas escolas, objetivando um atendimento de qualidade
aos alunos surdos.
Lorenzetti (2002) destaca como ponto importante a formao desses
profissionais por meio de cursos, debates, seminrios, reflexes tericas e prticas
sobre a proposta de uma educao inclusiva.
Para Lacerda (2006), a desinformao dos professores sobre a surdez e
modos adequados de atendimento ao aluno surdo so freqentes. Os muitos anos
de acompanhamento de crianas surdas permitem autora afirmar que,
infelizmente, a maior parte das incluses de surdos pouco responsvel.
Inicialmente, por fora da lei, a escola se mostra aberta a receber essas crianas,
dispondo-se a discutir suas caractersticas; depois, porm, elas so inseridas na
rotina, sem qualquer cuidado especial. A autora ressalta que, com o passar do
tempo, pelo fato de esses alunos surdos no apresentarem muitos problemas de
comportamento, considera-se que a incluso foi realizada com sucesso.
Nonato (2006) tambm adverte que, na medida em que aumentam as
polticas de incluso de alunos surdos em escolas comuns, os profissionais
deveriam ser preparados para trabalhar com as necessidades especiais desses
indivduos, responsabilidade que deve ser atribuda aos cursos de formao e,
principalmente, s polticas educacionais do governo federal brasileiro, que
recomendam a incluso dos surdos.
Atualmente, a questo de formao de professores vem sendo bastante
discutida, pelo fato de ser uma premissa bsica para que se tenha uma educao de
melhor qualidade, levando-se em conta, tambm, questes que esto diretamente
Captulo 1 Reviso da Literatura 45
articuladas funo social desse profissional, ligado a um sistema de ensino que, de
certa forma, participa diretamente na formao vital das pessoas (Leo, 2004).
Para Leo (2004), h a necessidade de direcionar o foco formao
docente, para atender alunos tidos como normais e com necessidades educacionais
especiais, sendo que, para isso, preciso considerar a formao dos professores
em geral.
O professor no , porm, o nico responsvel pelo processo de incluso
escolar. Buffa (2002) adverte que tambm so necessrios ajustes no mbito
poltico, administrativo e tcnico-cientfico, que contribuam para que a incluso
desses alunos ocorra de modo adequado, fundamentado em princpios ticos. A
autora considera, ainda, a necessidade de informar o professor quanto aos
diferentes aspectos que envolvem a surdez, para entender as suas possveis
causas, caractersticas, diferenas de diagnstico e prognstico, bem como as
diferentes abordagens de ensino para os indivduos surdos.
Captulo 2 - Mtodo 46
CAPTULO 2: MTODO
1.1 Contexto histrico da incluso na rede municipal de ensino de
Botucatu
Os alunos deficientes auditivos do municpio de Botucatu freqentaram a
APAE por aproximadamente vinte anos. Em 1995, a Secretaria Municipal de
Educao inaugurou a primeira escola especial para crianas, jovens e adultos
deficientes auditivos, a EMEDA Dom Frei Henrique Golland Trindade, que contava
com uma fonoaudiloga e com trs professoras, sendo que duas eram habilitadas
para trabalhar com essa populao.
Porm, observou-se que essa escola no estava sendo efetiva para os
adultos em termos de desenvolvimento pedaggico e de possibilidade de uma
certificao, configurando-se apenas como um ponto de encontro para lazer. Alm
disso, comeou a vigorar a proposta de incluso do deficiente em escola regular, o
que levou ao recesso dessa EMEDA em 1999, sendo ento os adultos surdos
encaminhados ao supletivo, e as crianas, ao ensino fundamental da rede municipal.
Tambm foi criada uma sala de recursos para deficientes auditivos na EMEF Rafael
de Moura Campos. O objetivo era oferecer suporte pedaggico aos alunos
deficientes auditivos includos, e tambm orientao aos professores.
Importante destacar que no houve nenhuma resistncia a essa medida
por parte dos pais das crianas deficientes auditivas; porm, no incio, os adultos
surdos se opuseram incluso por terem formado uma comunidade surda na
EMEDA.
Em dezembro de 2005, a Secretaria Municipal de Educao de Botucatu
inaugurou o Ncleo de Atendimento Pedaggico Especializado Alcyr de Oliveira
Captulo 2 - Mtodo 47
(NAPE), com o objetivo de oferecer apoio pedaggico especializado aos alunos
deficientes auditivos e deficientes visuais includos na rede regular de ensino. A sala
de recursos de deficientes auditivos, bem como os atendimentos fonoaudiolgicos
passaram a ser realizados a partir de 2006. A equipe do ncleo atualmente
composta por uma professora com habilitao em deficincia auditiva, uma em
deficincia visual, uma fonoaudiloga (pesquisadora deste estudo), uma intrprete
de Libras e duas psiclogas, uma atuando na Educao Infantil e outra no Ensino
Fundamental.
2.2 Seleo dos participantes
No perodo de realizao deste estudo, a rede municipal de ensino de
Botucatu apresentava oito CEIs (Centro de Educao Infantil), sete EMEIs (Escola
Municipal de Educao Infantil), quatro EMEFEIs (Escola Municipal de Ensino
Fundamental e Educao Infantil), seis EMEFs (Escola Municipal de Ensino
Fundamental), uma Escola Municipal de Ensino Supletivo e uma Escola Municipal de
Educao Especial, que atende crianas e adolescentes na faixa etria de 1 a 18
anos, com atraso no desenvolvimento cognitivo, associado ou no a
comprometimentos motores, emocionais e sensoriais. Em 2006, estavam
matriculados aproximadamente 2.898 alunos na Educao Infantil, 3.868 no
Fundamental I (1a. a 4a. srie), 968 no Ensino Fundamental II (5a. a 8a. srie) e 428
alunos no Ensino Mdio, incluindo o supletivo.
Havia onze alunos deficientes auditivos includos em escolas da rede
municipal de ensino, prximas as suas residncias. A faixa etria dos alunos era de
4 a 13 anos, sendo quatro da educao infantil, cinco do ensino fundamental I, dois
Captulo 2 - Mtodo 48
do ensino fundamental II. Esses alunos apresentavam domnios diferentes da lngua
- cinco usavam a lngua oral; trs, a lngua de sinais e trs no apresentavam o
domnio de nenhuma lngua.
Antes do incio da coleta de dados para a pesquisa, foi solicitada a
autorizao do Secretrio Municipal de Educao de Botucatu (ANEXO 1); aps
esse procedimento, foram enviadas as cartas de esclarecimentos e os termos de
consentimento livre e esclarecido, conforme segue nos anexos (ANEXO 2, ANEXO
3, ANEXO 4, ANEXO 5), aos atores envolvidos no processo de incluso escolar do
aluno surdo, sendo eles: diretores, professores e uma psicloga da Secretaria
Municipal de Educao.
Foram convidadas a participar do estudo quatro escolas da rede municipal
de ensino que atuam ou atuaram com alunos deficientes auditivos includos, sendo
trs de Educao Infantil e uma de Ensino Fundamental. Apenas uma de Educao
Infantil localizava-se em uma regio mais perifrica da cidade; as demais se
situavam em regio central.
Nas quatro escolas escolhidas foram organizados grupos com 27
professores de Educao Infantil e um grupo de onze professores do Ensino
Fundamental. Para a anlise, foram selecionadas grupos de apenas duas escolas -
o grupo do Ensino Fundamental e um grupo de onze professores de uma das
escolas de Educao Infantil, nos quais a discusso avanou mais. Cabe ressaltar,
porm, que, em cada grupo, apenas sete participantes se manifestaram durante o
debate.
Tambm foi entrevistada uma psicloga da Secretaria Municipal de
Educao, que participou do processo de incluso dos alunos surdos na rede
municipal de ensino de Botucatu.
Captulo 2 - Mtodo 49
Esta pesquisa foi submetida ao Comit de tica do Programa de Estudos
Ps-Graduados em Fonoaudiologia da Pontifcia Universidade Catlica de So
Paulo e aprovada no protocolo nmero 060/2006 (ANEXO 7).
2.3. Procedimentos
2.3.1 Coleta de dados
Tendo em vista que o objetivo deste estudo investigar como a poltica de
educao inclusiva e o processo de implementao desta junto ao aluno surdo tm
sido percebidos por professores, optamos por uma perspectiva qualitativa.
O instrumento utilizado foi uma dinmica de grupo, com um cartaz
(ANEXO 6) contendo estmulos disparadores da discusso, ou seja, alguns tpicos
relativos questo da incluso do aluno deficiente auditivo.
A pesquisadora se dirigiu s unidades escolares no horrio de trabalho
pedaggico coletivo (HTPC), a fim de conhecer como os professores tm percebido
e significado o processo de incluso do aluno surdo no ensino regular e de avaliar as
experincias e dificuldades enfrentadas.
Os grupos foram audiogravados e, posteriormente, o material foi transcrito
para efeito de anlise.
2.3.2. Anlise
O mtodo empregado para anlise foi a construo de categorias
propostas por Merrian (1992) visando consolidar, reduzir e interpretar o que as
pessoas disseram e o que o pesquisador viu e leu na busca de significados. A
Captulo 2 - Mtodo 50
escolha deste mtodo possibilita ao pesquisador deslocar-se para frente e para trs
entre parte de dados concretos e conceitos abstratos, entre razo indutiva e
dedutiva, entre descrio e interpretao. Esses significados ou entendimentos
constituem os achados do estudo e podem se concretizar em forma de relatos
descritos e organizados em temas ou categorias que atravessam os dados, ou na
forma de modelos e teorias que os expliquem.
O material recolhido junto aos grupos de professores, a respeito da
incluso escolar dos alunos surdos, foi transcrito em ortografia regular, analisado e
organizado em temas.
Para a identificao dos sujeitos, usamos as iniciais dos nomes dos
professores e numeramos suas falas para situar cada uma delas no contexto global
da transcrio em anexo. Esto identificadas em negrito as iniciais dos professores
da Educao Infantil (M., J., A., MA., MC., L., S.) e em itlico as iniciais dos
professores do Ensino Fundamental (R., F., D., V., C., MS., ME.).
A partir da proposta de Merrian (1992), os textos coletados constituram,
ento, o material emprico desta pesquisa. As categorias foram criadas a partir de
um processo intuitivo, sistemtico e informado pelo propsito do estudo, orientao
do investigador e conhecimento, alm de o significado se tornar explcito pelos
prprios participantes. Foram buscadas regularidades nos contedos das falas dos
professores a fim de agrup-las nas categorias apropriadas.
A partir de leituras sucessivas do material e dos critrios propostos por
Merrian (1992) no estabelecimento de categorias temticas, interpretamos os
repertrios dos participantes e fizemos relaes com a literatura pesquisada a partir
de trs temas: comunicao, lngua oral e lngua de sinais; aprendizagem; incluso
escolar e socializao.
Captulo 3 Resultados e Discusso 51
CAPTULO 3: RESULTADOS E DISCUSSO
Procurarmos identificar na dinmica realizada
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