Nadia Pereira da Silva Gonçalves de Azevedo
A GAGUEIRA NA PERSPECTIVA LINGÜÍSTICO-DISCURSIVA: UM OLHAR SOBRE A TERAPIA
Doutorado em Letras e Lingüística
Universidade Federal da Paraíba
2006
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
A GAGUEIRA NA PERSPECTIVA LINGÜÍSTICO-DISCURSIVA: UM OLHAR SOBRE A TERAPIA
Tese de doutorado
Orientadora: Profª Drª Ivone Lucena Autora: Nadia Pereira da Silva Gonçalves de Azevedo
JOÃO PESSOA – PB
2006
COMISSÃO JULGADORA
___________________________________________ Profa Dra Ivone Tavares de Lucena
___________________________________________ Profa Dra Bianca Manchester Queiroga
___________________________________________ Prof. Dr. José Wanderley Alves de Souza
__________________________________________ Profa Dra Maria Angélica de Oliveira (suplente)
__________________________________________ Profa Dra Mônica Nóbrega
__________________________________________ Profa Dra Nadia Patrizia Novena
__________________________________________
Profa Dra Virgínia Colares Figueiredo (suplente)
A angústia é a cor da vida do gago: todo o seu sistema de expressão está impregnado por ela e a manifesta; revolta-se contra ela e luta sozinho contra as palavras.
Annie Anzieu
AGRADECIMENTOS Aos meus filhos, Thiago e Fernanda e à minha neta Alyssa, por existirem na minha vida e me fazerem feliz a cada dia. Ao meu marido Roberto, pelo amor, carinho, incentivo e intenso apoio na trajetória, muitas vezes árdua, deste doutorado. À Fernanda Cantinho, amiga-irmã, pelo ombro amigo, pelo cuidado e, especialmente, pelo amparo nos momentos de dúvida e cansaço. À Ivone Lucena, pela orientação cuidadosa, crítica e, acima de tudo, pelo carinho, amizade e compreensão. À Mônica Nóbrega, pelas valiosas contribuições no exame de qualificação. Aos sujeitos desta pesquisa, meus pacientes, pela confiança e apoio. Aos sujeitos entrevistados, pelo empenho e entusiasmo com que contribuíram para o nosso estudo. À Nadia, pela leitura atenta e sugestões sempre tão interessantes, diretas e pertinentes. À Beth e Deni, amigas poderosas, pelo companheirismo, cumplicidade e amizade. À Adrijane, Ana Augusta, Bel, Bianca, Ceça, Denise, Edna, Flávia, Jonia, Lílian, Márcia, Maria Luiza, Paulo, Tícia, Vivy, amigos da Universidade Católica de Pernambuco, pelo carinho e credibilidade na minha pesquisa e por transformarem o trabalho do dia a dia em um ambiente tão prazeroso, bem humorado e agradável. À Regina Freire e Sílvia Friedman, grandes responsáveis pela minha trajetória de amor ao estudo da gagueira. Aos meus alunos da graduação e pós-graduação, aos meus estagiários de Fonoaudiologia, pela confiança e pela força enorme neste percurso. À Universidade Católica de Pernambuco, pela confiança em mim depositada.
SUMÁRIO Página RESUMO ABSTRACT RESUME CONSIDERAÇÕES INICIAIS............................................................................. 006 CAPÍTULO I: ESTUDOS SOBRE A GAGUEIRA: CAMINHOS
PERCORRIDOS............................................................................ 014
1.1. Fonoaudiologia e Gagueira: relações intrínsecas ................................... 015 1.2. Estudos da gagueira: entre a Fonoaudiologia e o sujeito
sob perspectivas teóricas ........................................................................ 020 1.3. Sujeito-fluente e sujeito-gago: relações possíveis .................................. 040 CAPÍTULO II: ENTRE O SUJEITO E OS DISCURSOS: UMA HISTÓRIA DA GAGUEIRA ................................................................................. 048 2.1. Sujeito e discurso ........................................................................................ 048 2.2. Condições de Produção e Gagueira ........................................................... 057 2.3. A constituição do sujeito-gago na/da linguagem ........................................ 062 2.4. Psicanálise, Aquisição de Linguagem e AD: relações possíveis
na constituição do sujeito-gago .................................................... 078
CAPÍTULO III: CAMINHOS METODOLÓGICOS PARA ENXERGAR O SUJEITO-GAGO ........................................................................ 086
3.1. O modelo conceitual .................................................................................... 086 3.2. Seleção dos sujeitos .................................................................................... 087 3.3. A coleta de dados e técnicas de pesquisa ................................................... 088 3.4. Procedimentos de análise e considerações éticas ...................................... 091 CAPÍTULO IV: A GAGUEIRA NA PERSPECTIVA LINGÜÍSTICO-
DISCURSIVA: UMA PROPOSTA TERAPÊUTICA .................... 097 4.1. O espelho da gagueira: relatos de sujeitos-gagos ...................................... 098 4.2. No caminho do discurso: um processo de terapia fonoaudiológica ............ 136 4.3. Fonoaudiologia e discurso: ressignificando o processo terapêutico ........... 169
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 184
REFERÊNCIAS ................................................................................................. 192
APÊNDICES E ANEXO..................................................................................... 200
RESUMO
Respaldada nos pressupostos teóricos da Análise do Discurso de linha francesa, que define seu sujeito como social e marcado ideologicamente, procuramos analisar o processo terapêutico de sujeitos-gagos a partir da consideração da concepção lingüístico-discursiva e sistematizar os fundamentos teórico-metodológicos desta terapêutica. Sob este olhar, revisitamos estudos fonoaudiológicos que tomam a gagueira como uma manifestação de algo que se dá no plano do corpo, ora significado como tensão muscular, ora como respiração, produção de fala, ou, ainda, como formação genética, um sujeito, portanto, com uma “doença”. Percorrendo as discussões fonoaudiológicas sobre a gagueira, lançamos um novo olhar sobre ela, a partir da perspectiva lingüístico-discursiva, com possibilidades terapêuticas destes sujeitos-gagos. A Análise do Discurso de linha francesa nos permitiu a apreensão de uma visão ideológica do discurso, conjugando os construtos teóricos de três regiões do conhecimento: o Materialismo Histórico, a Lingüística e a Psicanálise. Tomamos esses dispositivos teóricos para analisar o sujeito que é visto pela sociedade como sujeito-gago: aquele que é discriminado como sujeito portador de uma patologia, através de formações discursivo-ideológicas que o fazem mais gago. Operamos recortes discursivos sobre dois tipos de textos – entrevista com trinta sujeitos-gagos e análise discursiva de três sujeitos-gagos em processo de atendimento fonoaudiológico, visto de forma longitudinal. Considerando a regularidade do funcionamento do discurso e ancorando nossas análises na interdiscursividade, ou seja, nos mecanismos de constituição de sentidos, pudemos identificar certas formações discursivas materializadas no discurso dos sujeitos em estudo e que representam possibilidades teóricas e terapêuticas ao estudo da gagueira. Afirmamos, assim, a gagueira como um distúrbio de linguagem, diretamente relacionado às condições de produção, com possibilidade terapêutica na mesma perspectiva. Para contribuir com os estudos sobre a gagueira, indicamos uma proposta terapêutica para o trabalho com sujeitos-gagos, sob a ótica lingüístico-discursiva. A análise discursiva realizada mostrou evidente mudança de posição de sujeito-gago para sujeito-fluente.
Palavras-chave: Gagueira, Lingüística, Discurso, Fonoaudiologia
ABSTRACT Endorsed in the theoretical estimates by the Analysis of the The French Discourse Analysis, that it defines it’s a person as social and marked ideologically, we look for to analyze the therapeutically process of stutter subjects from the consideration of the linguistics-discursive conception and systemize the methodological-theoretical beddings of this therapeutically one. Under this look, let us coat Speech Therapeutic works that take the stuttering as a manifestation of that is in the body’s plan, tut meaning as muscular tension, tut as breath, production of speaks, or still, as genetic formation, a person, therefore, with a “illness”. Covering the Speech Therapeutic quarrels about stuttering, we launch a new view on it, from the linguistic-discoursive perspective, with therapeutically possibilities of these stutter subjects. The Analysis of the Discourse from French line let an apprehension of an ideological vision of the discourse, conjugating the theoretical basement of three regions of the knowledge: the Historical Materialism, the Linguistics and the Psychoanalysis. We take these theoretical devices to analyze the person that is seen by the society as stutter subjects: that one that is discriminated as a person caring pathology, through ideological-discoursive formations that make it stuttering more. We operate speech clippings from two types of texts - interview with thirty stutter-subjects and speech analysis of three stutter subjects in process of Speech Therapeutic attendance, visa of longitudinal form. Considering the regularity of the functioning of the discourse and anchoring our analyses in the inter-discourse, that is, in the mechanisms of constitution of directions, we could identify some materialized discoursive formations in the speech of the people in study and that they represent theoretical and therapeutically possibilities to the study of the stuttering. We affirm, thus, the stuttering as a language riot, directly related to the production conditions, with therapeutically possibility in the same perspective. To contribute with the studies about the stuttering, we indicate a proposal therapeutically for the work with stutter subjects, under the linguistic-discoursive optics. The carried through the speech analysis showed evident changes of stutter subjects’ position to a fluency subjects’ position. Key words: Stuttering, Linguistics, Discourse, Speech Therapy
RESUME C’est en s’épaulant sur la présupposée théorie de l´Analyse du Discours de ligne française, qui défini son sujet comme social et marqué par l’idéologie, que nous avons cherché à analyser le processus thérapeutique des sujets bègues à en considérant le concept linguistico-discursif et en systématisant les fondements théorico-méthodologiques de cette thérapie. Sous ce regard, nous avons revus les études phonoaudiologiques qui ont pris le bégaiement comme une manifestation de quelque chose qui se passe sur le plan du corps, que ce soit par une tension musculaire, la respiration, la production de la parole ou encore comme une formation génétique, un sujet donc, avec une « maladie ». En parcourant les discussion phono audiologique sur le bégaiement, nous lui avons porté un regard neuf, à partir de la perspective linguistico-discursive, avec les possibilités thérapeutiques de ces sujets bègues. L´analyse du Discours de la ligne française nous a permis d´approcher une vision idéologique du discours, conjuguant les construction théoriques de trois plans de la connaissance : le Matérialisme Historique, la Linguistique et la Psychanalyse. Nous avons pris ces dispositifs théoriques pour analyser un sujet qui est vu par la société comme un bègue : celui qui est discriminé comme porteur de la pathologie, au travers de formations discursivo-idéologique qui le rende encore plus bègue. Nous avons travaillé sur deux types de textes – l´entrevue avec trente sujets bègues et l´analyse discursive de trois sujets bègues en processus de traitement phono audiologique, vu de manière longitudinale. En considérant la régularité du fonctionnement du discours et l´ancrage de notre analyse dans l´inter-discursivité, soit, dans les mécanismes de la constitution des sens, nous avons pu identifier certaine formations discursives matérialisées dans le discours des sujets étudiés et qui représentent des possibilités théoriques et thérapeutiques pour l´étude du bégaiement. Nous avons ainsi affirmé que le bégaiement est une perturbation du langage, directement liée aux conditions de production, avec des possibilités thérapeutiques dans la même perspective. Pour contribuer aux études sur le bégaiement, nous indiquons une proposition thérapeutique pour le travail sur des sujets bègues, sous l´optique linguistico-discursive. L´analyse discursive réalisée a montré l´évident changement de position de sujets-bègues à sujets-normal. Mots clés : bégaiement, linguistique, discours, phono audiologie.
APÊNDICE I – Sujeitos A CARTA DE INFORMAÇÃO AO PARTICIPANTE
Prezado(a) Sr(a):
Esta pesquisa se propõe a realizar um estudo sobre a gagueira, culminando em uma tese de doutorado em Lingüística, no Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba.
Neste trabalho, pretendemos analisar o processo terapêutico de sujeitos-gagos considerando a concepção lingüístico-discursiva, além de sistematizar os fundamentos teórico-metodológicos desta terapêutica. De forma específica, tencionamos compreender as queixas dos sujeitos-gagos em relação à etiologia, à interpretação da gagueira e os seus sintomas, analisar condições de produção geradoras de gagueira ou fluência, fonemas e palavras considerados difíceis no discurso, estratégias de evitação e adiamento da gagueira, além de apresentar uma proposta de intervenção do fonoaudiólogo na terapêutica de sujeitos-gagos em atendimento fonoaudiológico.
A intenção é que os dados obtidos possam servir de base para um novo olhar fonoaudiológico no trabalho com a gagueira, incluindo-se, então, o sujeito e a linguagem.
Sua participação na pesquisa dar-se-á a partir da resposta a uma entrevista que contém questões abertas sobre conceito, etiologia, sintomatologia e outros tópicos relacionados à gagueira. Posteriormente, as respostas serão analisadas, utilizando-se categorias identificadas a partir dos resultados e da fundamentação teórica que norteará o estudo.
Em hipótese alguma, o (a) participante da pesquisa será identificado. A identificação será apenas de conhecimento do pesquisador, que nada revelará, por questões éticas.
O (A) participante fica livre para, em qualquer momento, retirar o seu consentimento e deixar de participar do estudo.
Recife, ____ de _________________ de _____.
_____________________________ Participante
APÊNDICE II – Sujeitos B CARTA DE INFORMAÇÃO AO PARTICIPANTE
Prezado(a) Sr(a):
Esta pesquisa se propõe a realizar um estudo sobre a gagueira, culminando em uma tese de doutorado em Lingüística, no Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba.
Neste trabalho, pretendemos analisar o processo terapêutico de sujeitos-gagos considerando a concepção lingüístico-discursiva, além de sistematizar os fundamentos teórico-metodológicos desta terapêutica. De forma específica, tencionamos compreender as queixas dos sujeitos-gagos em relação à etiologia, à interpretação da gagueira e os seus sintomas, analisar condições de produção geradoras de gagueira ou fluência, fonemas e palavras considerados difíceis no discurso, estratégias de evitação e adiamento da gagueira, além de apresentar uma proposta de intervenção do fonoaudiólogo na terapêutica de sujeitos-gagos em atendimento fonoaudiológico.
A intenção é que os dados obtidos possam servir de base para um novo olhar fonoaudiológico no trabalho com a gagueira, incluindo-se, então, o sujeito e a linguagem.
Sua participação na pesquisa dar-se-á a partir da autorização de gravação das sessões fonoaudiológicas em fita magnética, posteriormente transcritas e analisadas. Das sessões transcritas, serão selecionados recortes discursivos, que comporão o material da análise que norteará a pesquisa.
Em hipótese alguma, o (a) participante da pesquisa será identificado. A identificação será apenas de conhecimento do pesquisador, que nada revelará, por questões éticas.
O (A) participante fica livre para, em qualquer momento, retirar o seu consentimento e deixar de participar do estudo.
Recife, ____ de _________________ de _____. __________________________ Participante
APÊNDICE III– Sujeitos C – Grupo Especial (criança e adolescente) CARTA DE INFORMAÇÃO AO RESPONSÁVEL PELO PARTICIPANTE
Prezado(a) Sr(a):
Esta pesquisa se propõe a realizar um estudo sobre a gagueira, culminando em uma tese de doutorado em Lingüística, no Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba.
Neste trabalho, pretendemos analisar o processo terapêutico de sujeitos-gagos considerando a concepção lingüístico-discursiva, além de sistematizar os fundamentos teórico-metodológicos desta terapêutica. De forma específica, tencionamos compreender as queixas dos sujeitos-gagos em relação à etiologia, à interpretação da gagueira e os seus sintomas, analisar condições de produção geradoras de gagueira ou fluência, fonemas e palavras considerados difíceis no discurso, estratégias de evitação e adiamento da gagueira, além de apresentar uma proposta de intervenção do fonoaudiólogo na terapêutica de sujeitos-gagos em atendimento fonoaudiológico.
A intenção é que os dados obtidos possam servir de base para um novo olhar fonoaudiológico no trabalho com a gagueira, incluindo-se, então, o sujeito e a linguagem.
Sua participação na pesquisa dar-se-á a partir da autorização de gravação das sessões fonoaudiológicas de seu filho em fita magnética, posteriormente transcritas e analisadas. Das sessões transcritas, serão selecionados recortes discursivos, que comporão o material da análise que norteará a pesquisa.
Em hipótese alguma, o (a) participante da pesquisa será identificado. A identificação será apenas de conhecimento do pesquisador, que nada revelará, por questões éticas.
O (A) participante e/ou responsável (is) fica (m) livre (s) para, em qualquer momento, retirar o seu consentimento e deixar de participar do estudo.
Recife, ____ de _________________ de _____.
_____________________________________ Responsável pelo participante
APÊNDICE IV TERMO DE LIVRE CONSENTIMENTO E ESCLARECIMENTO PARA PARTICIPAÇÃO EM ESTUDO CLÍNICO
OBSERVANDO A RESOLUÇÃO 196 /96 TÍTULO: A GAGUEIRA NA PERSPECTIVA LINGÜÍSTICO-DISCURSIVA: UM OLHAR SOBRE A TERAPIA INVESTIGADORA: Nadia Pereira Gonçalves de Azevedo Consultório: Rua Barão de Souza Leão, 221 SL 13 – Boa Viagem / Recife - PE. - Telefones: (81) 3325-1384 e (81) 8856-1705 LOCAL DO ESTUDO: O estudo será realizado na cidade do Recife, em consultórios ou clínicas de Fonoaudiologia.
Neste trabalho, pretendemos analisar o processo terapêutico de sujeitos-gagos considerando a concepção lingüístico-discursiva, além de sistematizar os fundamentos teórico-metodológicos desta terapêutica. De forma específica, tencionamos compreender as queixas dos sujeitos-gagos em relação à etiologia, à interpretação da gagueira e os seus sintomas, analisar condições de produção geradoras de gagueira ou fluência, fonemas e palavras considerados difíceis no discurso, estratégias de evitação e adiamento da gagueira, além de apresentar uma proposta de intervenção do fonoaudiólogo na terapêutica de sujeitos-gagos em atendimento fonoaudiológico. A coleta de dados será realizada através de gravações das sessões fonoaudiológicas e entrevista aberta, respondida por sujeitos com queixa de gagueira.
Os dados serão interpretados mediante transcrição das sessões fonoaudiológicas com posterior constituição e análise dos recortes discursivos através da Análise de Discurso de linha francesa e as entrevistas analisados com a elaboração de categorias após as respostas. As informações obtidas a partir deste estudo serão tratadas rigorosamente com confidencialidade. Os resultados serão divulgados publicamente com objetivos científicos, entretanto, a identidade do sujeito jamais será revelada. A sua participação (ou de seu filho) neste estudo é totalmente voluntária. Asseguramos que sua recusa na pesquisa pode ser realizada a qualquer momento. Em caso de haver dúvidas adicionais sobre a sua participação (ou de seu filho), esclareça-as com a pesquisadora. Não assine o termo se não concordar em participar (ou na participação de seu filho), ou se suas dúvidas não forem esclarecidas satisfatoriamente.
ASSINATURA DO TERMO DE LIVRE CONSENTIMENTO E ESCLARECIMENTO PARA PARTICIPAÇÃO EM ESTUDO CLÍNICO OBSERVANDO A RESOLUÇÃO 196 /96
Li as informações precedentes, descrevendo este estudo e todas as minhas dúvidas foram respondidas satisfatoriamente. Dou livremente o meu consentimento em participar do estudo (ou da participação de meu filho), até que decida pelo contrário. Assino este termo de consentimento, concordando em participar deste estudo (ou da participação de meu filho) e não abro mão, na condição de participante de um estudo de pesquisa, de nenhum direito legal que eu tenha. ______________________________ __________________________ Nome do participante da pesquisa RG
__________________________________________________ ________________________________ Nome do responsável pelo participante da pesquisa (se houver) Assinatura do participante (ou responsável
pelo participante) da pesquisa
Data ____/____/____ ________________________ __________________________ Nome da investigadora Assinatura da investigadora Data ____/____/____
________________________ ___________________________ Nome da testemunha Assinatura da testemunha Data ____/____/____ ________________________ __________________________ Nome da testemunha Assinatura da testemunha Data ____/____/____
APÊNDICE V ENTREVISTA
Título da Pesquisa: A GAGUEIRA NA PERSPECTIVA LINGÜÍSTICO-DISCURSIVA: UM OLHAR SOBRE A TERAPIA
Autora: Nadia Pereira Gonçalves de Azevedo Nome: ___________________________________________________ Idade: _____________________ Sexo: _______________________ 1) Qual a sua queixa em relação à fala? 2) Qual o seu conceito de “gagueira”? 3) Qual a causa do seu problema? 4) Que sintomas estão associados à gagueira? 5) O que faz para evitar ou adiar a gagueira? 6) Onde está localizada a gagueira? 7) O que o mantém gaguejando? 8) Que situações ou pessoas o conduzem a mais gagueira? 9) Que situações ou pessoas o conduzem a uma fala sem gagueira? 10) Há sons (letras) e palavras que você considera mais difíceis de falar? 11) Quando você percebe um momento de gagueira? Antes de acontecer, no momento em que acontece ou depois de gaguejar?
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
_____________________________________________________________
Ao invés de tomar a palavra, gostaria de ser envolvido por ela e levado bem além de todo começo possível.
Michel Foucault
A linguagem é uma das maiores riquezas que o homem possui. Investigar a
linguagem humana não é tarefa fácil, especialmente quando se trata de uma
linguagem com distúrbio, como é o caso da linguagem no sujeito-gago. Este sujeito
não só é portador de um distúrbio de linguagem, mas também carrega consigo
preconceitos e discriminação social, que o fazem mais gago.
Refletir sobre o sujeito inserido numa sociedade que discrimina pessoas com
gagueira é pensar também num processo de reabilitação, cujos resultados podem
livrá-lo de um caminho tortuoso e nocivo.
Ao considerarmos a gagueira como um distúrbio multidimensional com
atuação de fatores bio-psico-sociais, há que se pensar em um sujeito advindo do
meio social, cujos momentos de gagueira estão vinculados a tais fatores. Daí
podermos encará-la pelos caminhos lingüístico-discursivos, lugar profícuo e pouco
pensado pelos pesquisadores da gagueira.
As publicações internacionais sobre a gagueira apresentam-nos uma
heterogeneidade de hipóteses sobre sua origem, contraposta a uma homogeneidade
em sua caracterização. No entanto, as abordagens convergem em um mesmo ponto:
a gagueira é tomada como manifestação de algo que se dá a ver no corpo, entendido
como tensão muscular, respiração, produção articulatória, ou, ainda, formação
genética.
Hoje, as propostas terapêuticas mais conhecidas seguem os princípios da
Psicologia Experimental, Social, ou da Psicanálise, da Filosofia fenomenológica e,
ainda, da Biologia. Todas as teorias, evidentemente, apresentam contribuições à
clínica fonoaudiológica, na medida em que, de seus lugares teóricos, operam alguma
forma de circunscrição da gagueira. Muitas dessas abordagens, naturalmente, fiéis à
fundamentação teórica em que se apóiam, deixam escapar a linguagem e, com
ela, excluem o sujeito, uma vez que ambos se encontram indissoluvelmente
atrelados, pois sujeito e linguagem se constituem mutuamente. Neste sentido,
inquietamo-nos e pensamos compreender a gagueira como um problema lingüístico-
discursivo e, neste percurso, lançar um novo olhar sobre a terapêutica da gagueira.
A quem devemos compreender? O sujeito-gago ou a linguagem patológica?
Não convém separá-los. Há um sujeito que fala, um sujeito constituído na/pela
linguagem, inserido numa sociedade pautada por valores ideológicos, que interpelam
os indivíduos enquanto sujeitos do seu dizer.
Em nossa dissertação de Mestrado (AZEVEDO, 2000), o desafio a que nos
propusemos foi o de estudar a gagueira sob o ponto de vista lingüístico-discursivo.
Nosso percurso se deu da clínica para a teoria. Constituímos recortes discursivos de
sessões terapêuticas e procuramos compreender esta patologia a partir do
funcionamento discursivo de sujeitos-gagos. Esta primeira reflexão sobre a gagueira
a partir da ótica da Análise de Discurso de linha francesa nos instigou a propor
possibilidades terapêuticas, vistas sob este enfoque.
Nosso interesse pela gagueira surgiu durante a formação da graduação, na
década de setenta, quando a Fonoaudiologia no Brasil ainda dava seus primeiros
passos e os pesquisadores na área eram quase inexistentes. Nossos professores
importavam teorias organicistas, que alienavam seus discursos em lugares comuns:
“a gagueira não tem cura”; “a tarefa do fonoaudiólogo é controlar a fala do gago”; “a
gagueira é um mistério”; “é muito difícil trabalhar com a gagueira”. Durante o estágio,
atendemos a um paciente com gagueira, seguindo, fielmente, os ensinamentos de
Van Riper1, acompanhadas da orientação da supervisora. O resultado (e o termo só
pode ser este, mesmo!) foi um paciente completamente submetido ao controle, que
não podia falar uma palavra sem pensar em como ia fazê-lo, que teria que relaxar
lábios, língua, tocar suavemente certo(s) ponto(s) articulatório(s) para, enfim, falar
con-tro-la-da-men-te. Chegamos, assim, ao final do processo terapêutico, o
momento da alta. O paciente foi desligado do atendimento, quando se mostrou
capaz de manter o controle de sua gagueira, pois, conforme o paradigma vigente,
era um gago fluente2. Nós, no entanto, permanecemos insatisfeitas com o resultado
terapêutico, mobilizadas por questões que a teoria não respondia, como: que sujeito
é esse que “se atropela” na e pela linguagem? Quais os caminhos percorridos
que o levam e/ou levaram a gaguejar nas palavras, nos fonemas, nas frases? De
onde vêm as palavras que o fazem esbarrar nas “falhas”, no vácuo em que se
depara na hora da fala? Que linguagem é essa que, em seu funcionamento, faz seu
usuário não se sentir seguro? Tudo isso são caminhos que nos levaram a uma
reflexão do sujeito-gago no uso de linguagem em sua patologia.
No início dos anos oitenta, passamos a lecionar na Universidade Católica
____________________
1. Estudioso da gagueira, filiado à Psicologia Experimental, autor de vários livros sobre este distúrbio.
2. Termo utilizado por Van Riper (1973), principal representante da Psicologia Experimental, cuja técnica terapêutica é denominada “gagueira fluente”.
de Pernambuco e uma de nossas disciplinas contemplava (e ainda contempla) a
gagueira, entre outras patologias de linguagem. Iniciamos, também, o atendimento
em consultório, onde atuamos na área de linguagem, especialmente com sujeitos
gagos. Passamos a vislumbrar, na gagueira, muitos espaços para pesquisa, ao
reconhecer nela uma materialidade única, que nos desafiou a atravessá-la, rompê-la,
para compreendê-la melhor.
Interessou-nos estudar a gagueira pelos caminhos teóricos da Lingüística,
porque acreditamos que, de todas as áreas relacionadas à Fonoaudiologia, essa nos
fornece teorias de sustentação para pesquisas na clínica fonoaudiológica, com
atuação em sujeitos com distúrbios de linguagem e incluímos a gagueira nesta
instância.
A partir da pesquisa realizada no Mestrado, estabelecemos uma continuidade,
neste novo caminho. Acreditamos que a Fonoaudiologia necessita fundamentar o
seu fazer clínico, partindo de uma teoria lingüística que lhe dê suporte. No caso
específico desta tese, alçamos a Análise de Discurso de linha francesa, afastando-
nos dos trabalhos indicados na revisão dos estudos da área, que identificam a
gagueira ao corpo e à fala, assumindo uma posição de circunscrever o discurso
como o lugar de onde a gagueira se apresenta, sob a forma peculiar de efeito de
interlocução.
Neste trabalho, pretendemos analisar o processo terapêutico de sujeitos-
gagos, considerando a concepção lingüístico-discursiva, além de sistematizar os
fundamentos teórico-metodológicos desta terapêutica. De forma específica,
tencionamos compreender as queixas dos sujeitos-gagos em relação à etiologia, à
interpretação da gagueira e os seus sintomas, analisar condições de produção
geradoras de gagueira ou fluência, fonemas e palavras considerados difíceis no
discurso, estratégias de evitação e adiamento da gagueira, além de apresentar uma
proposta de intervenção do fonoaudiólogo na terapêutica de sujeitos-gagos em
atendimento fonoaudiológico.
Nosso percurso, nesta pesquisa, se deu da clínica para a teoria.
Entrevistamos trinta sujeitos ditos gagos em processo de terapia fonoaudiológica,
submetidos a diferentes abordagens terapêuticas, uma vez que estavam sendo
atendidos por terapeutas distintos, e analisamos o que disseram a respeito de seus
problemas de fala. Além disso, constituímos recortes discursivos de sessões
terapêuticas de três sujeitos atendidos pela fonoaudióloga-pesquisadora: uma
criança, um adolescente e um adulto, com o diagnóstico fonoaudiológico de
gagueira, e, a partir daí, aventuramo-nos a pensar a gagueira de um lugar diferente
do de outros estudiosos – o da linguagem, a partir do funcionamento lingüístico-
discursivo de sujeitos gagos.
Dividimos nosso trabalho em quatro capítulos.
No primeiro capítulo, que apresenta o título “Estudos sobre a gagueira:
caminhos percorridos”, procuraremos situar a Fonoaudiologia como área de estudo,
recorrendo à história da Fonoaudiologia. Em um segundo momento, faremos uma
revisão dos estudos relativos à gagueira, evidenciando perspectivas diferentes em
sua compreensão. Neste momento, procuraremos apontar para a exclusão do sujeito
e da linguagem em algumas abordagens, na medida em que o olhar dos
pesquisadores não se dirigiu para uma teoria de linguagem. O terceiro tópico do
capítulo estudará as relações possíveis entre o sujeito-fluente e o sujeito-gago e,
neste momento, marcaremos suas diferenças e semelhanças.
No segundo capítulo, “Entre o sujeito e os discursos: uma história da
gagueira”, discutiremos os caminhos teóricos da gagueira. Assim, a Análise do
Discurso de linha francesa (AD) será estudada, a fim de compreendermos a relação
entre gagueira e condições de produção do discurso e a previsão e certeza do erro
no discurso do sujeito-gago. A concepção de sujeito que fundamenta esta tese é a
da AD: o sujeito social e ideologicamente marcado. Objetivando compreender a
constituição do sujeito-gago, uma vez que trataremos da gagueira do
desenvolvimento, que tem início na infância, fundamentar-nos-emos na Psicanálise
lacaniana, que nos apresenta a noção de sujeito descentrado, acéfalo, assujeitado
pela linguagem. Para melhor compreendermos a constituição do sujeito,
caminharemos com Lacan do Estádio do Espelho ao Complexo de Édipo, quando há
a entrada do pai simbólico e uma abertura ao funcionamento da linguagem. Neste
momento, a entrada da linguagem nos leva ao estudo do Projeto fundado por
Cláudia de Lemos, que nos descreve o processo de aquisição de linguagem pela
criança sob a perspectiva interacionista. Esta teoria será importante, juntamente com
a AD, na compreensão do que consideramos ser a origem da gagueira, evidenciada
nesse capítulo. Procuraremos esclarecer a nossa proposta, diferente das anteriores,
uma vez que nos propomos a ver a gagueira, não como comportamento, ou como
tensão corporal, ou, ainda, como sintoma, mas, partindo de teoria lingüístico-
discursiva, duas vertentes da Lingüística, já evidenciadas acima, que incluem,
necessariamente, o sujeito, como uma forma peculiar de funcionamento da
linguagem. Neste sentido, marcaremos concepções que aproximam os dois lugares
teóricos. Discutiremos questões particulares à Fonoaudiologia, que, por serem
inerentes ao estudo da gagueira, escapam ao olhar da Lingüística. Neste sentido,
problematizaremos dois pontos que consideramos nodais para a abordagem
lingüístico-discursiva da gagueira: a sua origem e o seu lugar.
No terceiro capítulo, “Caminhos Metodológicos para enxergar o sujeito-gago”,
propomos o tratamento do nosso objeto de estudo, a partir do pressuposto
metodológico da pesquisa qualitativa, procurando demarcar o método da pesquisa –
o discursivo - e o procedimento – a análise das formações discursivas de recortes de
textos diferentes que tratam do mesmo tema, a fim de caracterizar funcionamentos
discursivos. Para a apreensão das formações discursivas do discurso dos sujeitos-
gagos e propormos uma possibilidade terapêutica sob a ótica lingüístico-discursiva,
optamos por uma tipologia de análise discursiva. Salientamos que o projeto desta
pesquisa foi encaminhado para análise do Comitê Científico e de Ética da
Universidade Católica de Pernambuco, tendo sido aprovada a sua execução, de
acordo com o parecer CEP nº 008/2006 (anexo I).
No quarto capítulo, intitulado “A gagueira na perspectiva lingüístico-discursiva: uma proposta terapêutica”, conduziremos a
pesquisa através da análise das respostas de uma entrevista semi-estruturada, realizada com trinta sujeitos-gagos, em atendimento
fonoaudiológico com terapeutas distintos, além de uma análise qualitativa da produção discursiva de três sujeitos com queixa e diagnóstico
de gagueira, em processo de terapia fonoaudiológica com a fonoaudióloga-pesquisadora. No terceiro tópico do capítulo, nomeado
“Fonoaudiologia e Discurso: ressignificando o processo terapêutico”, discutiremos uma proposta terapêutica para o atendimento
fonoaudiológico de sujeitos-gagos, sob a perspectiva lingüístico-discursiva. Desta forma, interpelamos a teoria por meio da clínica, e, pela via
da linguagem, procuramos desvendar o discurso (e o sujeito) da gagueira, com vistas a propor uma terapia fonoaudiológica que seja
fundamentada neste aporte teórico.
Neste trabalho, a Análise do Discurso de linha francesa permitirá a apreensão
de uma visão ideológica do discurso, conjugando os construtos teóricos de três
regiões do conhecimento: o Materialismo Histórico, a Lingüística e a Psicanálise.
Será teoria e dispositivo de análise - base para o nosso estudo sobre a gagueira. Ao
analisar o discurso de sujeitos-gagos pretendemos aprofundar os estudos já
realizados, apontando para novas possibilidades terapêuticas destes sujeitos na
clínica fonoaudiológica.
Diante deste caminho percorrido, esperamos que esta tese contribua para o
aprofundamento das discussões sobre a gagueira, uma vez que lança uma nova
perspectiva de se olhar este distúrbio: a ótica lingüístico-discursiva, que inclui,
necessariamente, o sujeito e a linguagem em sua abordagem e vê a gagueira como
um lugar de subjetivação discursiva. Pensamos que o avanço desta pesquisa é a
reflexão sobre a gagueira sob o aporte teórico lingüístico-discursivo e a possibilidade
terapêutica na mesma linha. Principalmente com relação ao Programa de estudos
lingüísticos, esperamos contribuir com elucidações da relação sujeito versus
linguagem, em especial pelos efeitos desviantes, inseridos no âmbito da
singularização do sujeito.
CAPÍTULO I: ESTUDOS SOBRE A GAGUEIRA: CAMINHOS
PERCORRIDOS
A história dos rastros do homem através de seus próprios textos permanece em grande parte desconhecida.
Miguel de Certeau
____________________________________________________
Este capítulo pretende discutir os caminhos percorridos pela Fonoaudiologia e
outras ciências no estudo da gagueira.
Inicialmente, acreditamos ser importante contextualizar a Fonoaudiologia
como ciência. Para isso, recorremos aos estudos históricos, procurando situar o seu
aparecimento como profissão.
Em um segundo momento, discutiremos diferentes perspectivas de estudos
sobre a gagueira, apontando para a exclusão do sujeito e da linguagem, com
priorização de outros aspectos nas diversas teorias. Desta forma, sugerimos a
abordagem lingüístico-discursiva como possibilidade teórico-terapêutica para a
gagueira, com inclusão necessária de sujeito e linguagem.
Finalizando o capítulo, tematizaremos as concepções de sujeito-fluente e de
sujeito-gago, assumindo a premissa da abstração do primeiro, uma vez que todos
nós gaguejamos. Desta forma, a fluência é uma condição ideal e o estudo da
gagueira deve ser iniciado a partir desta consideração: a de que a fluência deve ser
compreendida como relativamente disfluente.
1.1. Fonoaudiologia e Gagueira: relações intrínsecas
Não é a gagueira que, saindo de cena, por uma técnica ortopédica da fala fará do gago um novo ser. É por certo a relação que ele vier a estabelecer consigo mesmo através de sua gagueira. Para tanto, é preciso que o ouvinte-terapeuta esteja a par do desencontro fundamental entre a causa e o sintoma. É preciso escutar além da disfluência, quase dispensá-la do
setting, embora, ao mesmo tempo, mantê-la à mão, já que o que se repete ou se hesita ou se titubeia também é importante. Roberta Ecleide Kelly
Antes de abordarmos o tema gagueira, acreditamos ser importante situar a
Fonoaudiologia como área de estudo. A Fonoaudiologia é uma ciência relativamente
nova, uma vez que os primeiros cursos de graduação no Brasil surgiram na década
de sessenta, em São Paulo. No Nordeste, a Universidade Católica de Pernambuco
foi a pioneira nessa implantação, em 1979, e permaneceu única por muitos anos.
Hoje, neste estado, quatro instituições de ensino superior oferecem o curso.
De acordo com os estudos de Figueredo Néto (1988) e Berberian (1995), no
século XX, quando a profissão se desenvolveu cientificamente, o contexto mundial
não lhe foi favorável, uma vez que houve duas guerras mundiais e a América e a
Europa tiveram problemas iminentes e urgentes como a fome, a sobrevivência diária,
o desastre econômico, entre outros. Mesmo não sendo favorecida pelo adverso
contexto político-social, a profissão cresceu com vitalidade no mundo inteiro, em
função da força do seu grande alcance social e os enormes serviços que pode
prestar às comunidades em geral: crianças, adultos, civis e militares. O primeiro país
a reconhecer a profissão foi a Hungria, em 1900.
Berberian (1995) afirma que, no Brasil, as dimensões históricas da
Fonoaudiologia aconteceram desde o início do século, quarenta anos antes dos
primeiros cursos universitários, já que, a partir da década de sessenta, os
fonoaudiólogos já estavam dotados de um crivo acadêmico /científico.
A história da Fonoaudiologia no Brasil, de início, não se diferencia da
Educação Especial, ainda na Época do Império. Em 1855, foi fundado o Colégio
Nacional (Surdos), hoje conhecido por Instituto Nacional de Educação de Surdos –
I.N.E.S., no Rio de Janeiro. Paralelamente à educação dos surdos, encontramos, em
1912, o Dr. Augusto Linhares, precursor da Fonoaudiologia no Brasil, que já a
diferencia da educação especial, dando início às pesquisas e reabilitação dos
distúrbios da voz e da fala, conforme assinalam Figueredo Néto (1988) e Berberian
(1995).
Na década de vinte, no âmbito político-social, existia o discurso de
homogeneização da linguagem, com a ilusão de que variações dialetais
contaminariam a língua oficial. Desta forma, havia uma política sistemática de
controle da linguagem, o que apontou para a necessidade de se criarem medidas
para padronização e normatização. Assim, não eram os portadores de patologias o
alvo principal dos primeiros profissionais que trabalhavam na futura área da
Fonoaudiologia, mas a língua-padrão. A preocupação do profissional não era só com
a doença, mas, especialmente, com discriminar, fixar e localizar os limites entre
normal e patológico.
Ainda de acordo com Berberian (1995), a partir da década de 1940, vários
postos de trabalho surgiram em diversas partes do país, principalmente, em São
Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Já na década de 1950, surgem os primeiros movimentos para a habilitação
sistemática em Terapia da Palavra e são registrados estudos sobre linguagem (oral e
escrita), problemas de voz e cursos de impostação da voz.
Na década de 1960, encontramos o foniatra especializado no exterior, Pedro
Bloch, que, a partir de 1980, dá residência a fonoaudiólogos, no Rio de Janeiro.
Assim, a década de sessenta marca o surgimento dos primeiros cursos de
Fonoaudiologia no Brasil, com o propósito de formar pessoas habilitadas para
atender a demanda de problemas ligados à comunicação humana que profissionais
de outras áreas não conseguiam resolver. Os primeiros cursos no Brasil foram
criados na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 1961 e 1962, com
duração de um ano apenas. Três anos depois, houve uma complementação dos
mesmos para dois anos. Estes cursos tinham o papel de legitimar e associar as
práticas de tratamento/reabilitação e controle da linguagem, conforme assinala
Berberian (1995), que indica algumas dificuldades pelas quais passa o fonoaudiólogo
ainda hoje, na busca de um novo fazer fonoaudiológico. São elas: organização
enquanto grupo profissional, por meio de órgãos representativos; valorização e
compreensão da profissão de fonoaudiólogo por parte dos profissionais afins e
comunidade; campo de trabalho e remuneração limitados; alteração da imagem
tecnicista; delimitação do seu campo de conhecimento teórico/prático, a partir dos
aspectos interdisciplinares. Em 1964, foi criado na SED (Secretaria Estadual de
Educação e Cultura do ex-estado da Guanabara), um curso de formação de
Terapeuta da Palavra e de Logopedista. Estes foram os primeiros cursos de
formação para fonoaudiólogo no Rio de Janeiro.
Em 1976, foi reconhecida a primeira Faculdade de Fonoaudiologia da
Universidade de Santa Maria – RS. Em 1980, realizou-se, em São Paulo, o I
Simpósio Internacional sobre Afasia; no Rio de Janeiro, uma Maratona de Debates
sobre a Gagueira e um Simpósio sobre o fissurado, com a participação de vários
profissionais fonoaudiólogos.
Com a regulamentação da profissão, houve a instalação dos conselhos
de Fonoaudiologia e de associações de classe, sociedades científicas e sindicatos
em todo o Brasil. A profissão de fonoaudiólogo cresceu e, conforme afirma Costa
(2001, p. 280) “o fonoaudiólogo buscou outros campos de atuação repensando o seu
saber”, a partir da participação em congressos, investimento em cursos de pós-
graduação e publicações científicas.
De acordo com o Código de Ética Profissional e a Lei 6965, de 09 de
dezembro de 1981, que regulamentou a profissão no Brasil, o fonoaudiólogo:
é o profissional com graduação plena em Fonoaudiologia, que atua em pesquisa, prevenção, avaliação e terapia fonoaudiológicas na área da comunicação oral e escrita, voz e audição, bem como em aperfeiçoamento dos padrões de fala e da voz (CONSELHOS FEDERAL E REGIONAIS DA FONOAUDIOLOGIA, 2004, p. 5).
A Fonoaudiologia é uma ciência bastante ampla, que estuda a comunicação e
seus distúrbios, realiza um trabalho clínico e concentra quatro grandes áreas:
linguagem, voz, motricidade orofacial e audição. Neste sentido, poderíamos
considerar a presença de quatro grandes objetos de estudo, que equivaleriam a cada
área. A discussão a respeito dos alicerces teórico-metodológicos da Fonoaudiologia
é fundamental para que a disciplina passe ao estatuto de ciência:
(...) para alçar o plano de ciência é necessário que uma disciplina defina um único objeto e dedique-se à tarefa de literalizar, de construir um discurso sobre esse novo saber. Quando se fala em ciência, deve-se lembrar que, além da circunscrição de um objeto, deve-se poder dizer, alçando um sistema rigoroso de conceitos abstratos, como pensar, questionar, refletir e construir o espaço teórico que o envolve (FREIRE, 2000, p.2).
Desta forma, acreditamos que a reflexão que Freire (2000) vem realizando, na
PUC de São Paulo, com poucos registros escritos, deve ser continuada, com o apoio
de profissionais da área.
A autora discute a filiação da Fonoaudiologia, apontando para a Lingüística e
Psicanálise como suportes para teorias de linguagem e clínica, respectivamente:
O interesse da Fonoaudiologia pela linguagem ou mais acertadamente pela patologia da linguagem somente será validado sob a égide da clínica. É nesse momento que uma disciplina do final do século XX beneficia-se de seu nascimento tardio: há um pai nesta filiação, oficializando a união da linguagem em sua instância patológica com uma certa clínica, com a qual compartilha concepções, suporta crenças, vislumbra caminhos. Se à Lingüística é conferida a maternidade, com certeza a paternidade deve ser atribuída à Psicanálise (FREIRE, 2000, p.2).
Como dissemos, hoje existem quatro áreas na Fonoaudiologia: Linguagem,
Motricidade Oral, Audição e Voz. Estas áreas são pontualmente trabalhadas em
cursos de especialização. A gagueira, entretanto, até o último congresso de
Fonoaudiologia, esteve inserida em um Comitê à parte, nomeado Comitê de
Fluência. Em outubro de 2005, na cidade de Santos, durante o Congresso Nacional
de Fonoaudiologia, a assembléia desse comitê decidiu, com poucos votos contrários,
transferir os estudos sobre a gagueira para o Departamento de Motricidade e
funções orais, compreendendo, assim, a gagueira pela via do processamento motor
da fala, permanecendo neste lugar durante o Congresso Nacional de Fonoaudiologia
de outubro de 2006.
Considerando a perspectiva apresentada, acreditamos que o nosso trabalho
possa gerar uma reflexão entre os fonoaudiólogos que atuam com sujeitos gagos,
quanto à compreensão da gagueira como elemento discursivo e que, portanto,
compõe/constitui também a subjetividade do sujeito.
No próximo item, apresentaremos estudos, sob diferentes perspectivas, a
respeito da gagueira.
1.2. Estudos da gagueira: entre a Fonoaudiologia e o sujeito sob
perspectivas teóricas
As palavras dos outros fazem-me falar e pensar porque criam em mim outro diferente de mim, um afastamento em relação a...
Merleau-Ponty
A gagueira é objeto de estudo de muitas ciências, em especial, da Psicologia,
da Psicanálise e da Fonoaudiologia. Naturalmente, os olhares se modificam, a partir
do foco de referência. Pretendemos apontar, neste capítulo, alguns nomes de
estudiosos da gagueira, que se dispuseram a descrevê-la, com publicações que
aprofundaram o estudo deste distúrbio, cada qual sustentado, naturalmente, por uma
dada opção teórica. Optamos por destacar oito nomes entre os vários estudiosos da
gagueira, que representam a diversidade epistemológica, as várias perspectivas de
tratar o mesmo fato.
Representando a literatura mundial, nosso olhar se deteve sobre Van Riper,
um dos pioneiros nesse estudo, que influencia ainda hoje inúmeros trabalhos de
fonoaudiólogos. Os demais autores são brasileiros, uma vez que nos interessa
registrar o que vem sendo publicado em nosso país sobre a gagueira. Procuramos
selecionar pesquisadores contemporâneos, evidenciando as áreas de conhecimento
a que se encontram filiados. Neste sentido, identificamos três áreas: a Filosofia, a
Biologia, a Psicologia e suas diferentes vertentes.
Influenciado pela corrente filosófica do Positivismo, na área da Psicologia
Experimental, Van Riper (1972;1973;1982) é um autor que se interessa por descrever a
gagueira e propor sua terapêutica. Na primeira página de seu livro, refere-se à gagueira como
um “enigma (...), um quebra-cabeça complicado, multidimensionado, com muitas peças ainda
faltando” (Van Riper, 1982, p.1). Na descrição, circunscreve a gagueira ao nível articulatório,
por ele concebido como ato motor:
propomos, por conseguinte, nossa própria definição de um comportamento de gagueira: a gagueira ocorre quando o fluxo da fala é interrompido pela ruptura motora de um som, sílaba ou palavra ou pelas reações do falante a isto (idem, p.15, tradução nossa).
O autor compreende a gagueira como um comportamento verbal, que incide sobre o ritmo
da fala, interrompendo-o. Embora se declare adepto da multicausalidade, associando,
freqüentemente, esta patologia a uma desordem na sincronização do cérebro, que levaria a
uma ruptura na programação dos movimentos musculares exigidos pela fala, enfatiza o
condicionamento clássico e operante como origem da gagueira.
Van Riper (1982) descreve a gagueira, separando os comportamentos expressos dos
comportamentos encobertos3. Quando fala em comportamentos
________________________
3. Van Riper (1982) utiliza, em sua obra original, overt behaviors e covert behaviors, traduzidos por comportamentos expressos e encobertos, respectivamente.
expressos, refere-se às repetições, aos bloqueios e prolongamentos. Nesta categoria,
encontram-se, ainda, os comportamentos acessórios ou secundários, que podem ou não estar
presentes como sintomas no gago. São eles: tensão, tremor, reações de perseveração, fixação
tensa da glote, utilização de ar residual, fala inspirada, medo de gaguejar, comportamento de
evitação, estratégias para ganhar tempo (como a utilização de palavras
desnecessárias), gestos faciais e manuais, além de outros. Quanto aos comportamentos
encobertos, que descreve como os “sentimentos, reações e atitudes de quem gagueja” (VAN
RIPER,1982, p.144), considera-os de difícil registro, uma vez que, por se encontrarem
ocultos, depende-se da palavra do gago. Ainda assim, inclui, nesta mesma categoria, o medo e
seus precipitantes, como o medo de falar com autoridades, pessoas com cargos
hierarquicamente superiores, empresários prósperos, professores, bem como o medo de sentir-
se ridículo, de que as pessoas riam, da inabilidade na comunicação, da pressão do tempo,
medo de embaraçar o ouvinte, de impaciência ou rejeição, de que o ouvinte sinta pena dele,
entre outros. Relata, ainda, locais desencadeadores de medo, como o telefone, que pode
agravar a gagueira pelo medo antecipado de seu uso, consultórios médicos, lojas, pontos de
ônibus, aeroportos e até igrejas. Há ainda o medo de determinadas palavras e fonemas,
bastante freqüente em seus pacientes. Outros comportamentos encobertos são: frustração,
hostilidade e culpa. Van Riper (1972, p. 284) utiliza uma equação que sintetiza os
comportamentos encobertos:
(PFACH) + (mS mP) +sC
Gagueira = _____________________
M + F1
Lendo a equação, teríamos: gagueira é o resultado de um conjunto de fatores formados
por: penalidade, frustração, ansiedade, culpa, hostilidade, mais medo de situação e medo de
palavra, mais stress de comunicação, divididos por moral e fluência.
Nesta abordagem, a gagueira não ultrapassa o estatuto de comportamento, conforme se
pode depreender de sua proposta terapêutica. A técnica de Van Riper (1973), denominada
por ele de “gagueira fluente”, propõe um controle dos sintomas/comportamentos da gagueira.
Ao paciente é dado o aprender de uma forma de gaguejar que seja livre de tensão,
recompensada por vantagens sociais. Os passos de sua proposta são:
a) Identificação: conscientização dos comportamentos que integram a gagueira;
b) Dessensibilização: substituição dos comportamentos/respostas tensas por respostas
fluentes e relaxadas;
c) Modificação: utilização de técnicas específicas para manter a fluência e diminuir o medo
de gaguejar. Pode-se citar, como exemplo, as técnicas proprioceptivas, onde o paciente
observa a suavidade dos pontos articulatórios dos fonemas; a técnica do cancelamento,
quando, ao gaguejar, o gago deve cancelar a palavra gaguejada através da emissão suave
do primeiro fonema e a técnica do pull-out, que incide sobre a previsão do momento de
gagueira, ou seja, quando o paciente acreditar que irá gaguejar em determinada palavra,
deve, imediatamente, puxá-la para fora, através dos recursos utilizados na técnica anterior;
d) Estabilização: utilização de exercícios que apóiem a modificação da fala e a manutenção
de imagens positivas. Neste último estágio, o autor considera importante levar o gago a
resistir à sugestão de que gaguejar é inevitável. Para tanto, utiliza-se de filmes e
gravações, onde o paciente possa perceber a sua evolução.
Van Riper contribui para a Fonoaudiologia, ao identificar e nomear os comportamentos
manifestos, permitindo uma descrição apurada dos mesmos, uma vez que são visíveis,
antecedem, sucedem ou ocorrem simultaneamente à gagueira. Por outro lado, os
comportamentos encobertos carecem de uma formulação teórica que lhes ofereça concretude
e, conseqüentemente, uma configuração que possibilite o trabalho terapêutico.
O aporte teórico em que este autor se
ancora reduz a língua ao âmbito do
comportamento verbal. Neste caso, é
exemplar a crítica realizada por Lemos
(1995a), em relação à exclusão da
linguagem operada pelo behaviorismo:
O language behavior (...) por um lado fazia o movimento de incluir a linguagem (substituindo inclusive o uso de unidades psicológicas da fala por unidades estruturais, derivadas apenas da análise lingüística), mas, por outro lado, apagava esta alteridade, concebendo-a como um comportamento entre outros (Lemos, 1995a, p. 21).
Tal como Van Riper, Andrade (1999) compreende a gagueira como um distúrbio
multidimensional, com atuação de fatores bio-psico-sociais. Enfatiza, porém, a genética como
origem da gagueira, responsabilizando-a pelas formas leves e severas da patologia, atuando,
inclusive, na recuperação espontânea. Classifica a gagueira em disfluências normais, leves e
graves. A disfluência normal é aquela em que ocorrem algumas hesitações e repetições
esporádicas de sílabas ou palavras (a criança repete uma ou duas vezes a sílaba). Indica que a
criança está em fase de aprendizagem de linguagem e, neste caso, “nem os falantes nem os
ouvintes percebem que tal fato acontece o tempo todo” (Andrade, 1999, p. 49).
As disfluências leves são caracterizadas por repetições de sílabas mais de duas vezes,
prolongamentos de sons, tensões específicas corporais e mudanças na intensidade da voz. Não
apresentam um caráter episódico como a anterior, mas costumam persistir por um período de
seis meses, quando desaparecem. Quanto às disfluências graves, a autora considera que,
nestas, a criança gagueja em mais de dez por cento da fala, apresenta predominância de
bloqueios, além de repetições e prolongamentos. Outros sintomas presentes são: esforço para
falar, tensão, movimentos faciais, medo de falar, evitações de situações de fala, substituição de
palavras.
A autora interessa-se, especialmente, pela gagueira infantil, uma vez que, em alguns
casos, esta pode ser prevenida. Elabora um programa fonoaudiológico de triagem das
gagueiras infantis, com o objetivo de “identificar o grau de risco de evolução para cronicidade
que crianças com disfluências apresentam” (Andrade, 1998.b, p. 67), além de um programa
fonoaudiológico de avaliação das gagueiras infantis, que visa a “permitir a identificação de
fatores que possam estar contribuindo para o desenvolvimento ou manutenção da gagueira na
criança” (Andrade, 1998.a, p. 62). A autora propõe um protocolo de risco a ser aplicado aos
pais ou responsáveis pela criança:
O preenchimento do protocolo deve ser seqüencial numérico, marcando a coluna correspondente com o número de pontos abaixo discriminados. Após completar o questionário, somar a pontuação correspondente a cada coluna e identificar a área que obteve maior número de pontos. Determinada a área de maior pontuação, o fonoaudiólogo selecionará qual o Programa Terapêutico de Promoção da Fluência a seguir: Verde (Capítulo 3 – Baixo Risco), Amarelo (Capítulo 4 – Grupo de Risco) ou Vermelho (Capítulo 5 – Alto Risco) (Andrade, 1999, p.15/16).
Assim como Andrade, Bohnen (2003a) compreende a gagueira como distúrbio
de comunicação (ritmo) que “vem sendo desvendado aos poucos, principalmente
através da genética e das neurociências” (p. 41). Entende a linguagem como
representação do pensamento, cuja comunicação é o objetivo maior. A autora
acredita que a gagueira se manifesta ao redor dos três anos de idade, em
decorrência do aumento da complexidade da linguagem oral e traz como sintomas:
repetição de sílabas, traços acessórios, interrupções na respiração, tensão e
consciência do problema.
Com relação à avaliação da gagueira, Bohnen (2003a) busca unir duas
abordagens em sua proposta de avaliação. Assim, as abordagens quantitativas
direcionam para produtos da linguagem, mas não geram estratégias de intervenção.
São eficazes em estabelecer comparações entre o desempenho de uma criança em
relação ao de muitas crianças. Já as abordagens qualitativas não resolvem questões
de normas e desvios, mas direcionam para as relações entre estrutura e função.
Quanto aos procedimentos de avaliação, a autora salienta que a primeira
entrevista “dura mais de uma hora, mas permite que os pais saiam mais tranqüilos e
preparados para as próximas sessões de avaliação” (op.cit.,p.45).
A avaliação quantitativa apresenta o objetivo de mensurar a freqüência de
gagueira e tipologia, velocidade de fala fluente, tempo de duração das palavras
gaguejadas (em amostra gravada com os pais, sendo importante, nesta concepção,
ainda medir velocidade de fala dos pais).
A avaliação qualitativa é compreendida como um complemento da avaliação.
Mais especificamente, quanto à avaliação da fluência, Bohnen (2003a) sugere
que haja três amostras de linguagem espontânea (300 palavras faladas) para que
seja realizado o diagnóstico diferencial entre disfluência, gagueira e taquifemia.
Para verificar a freqüência de gagueira, a autora sugere contar o número de
palavras gaguejadas e aplicar a seguinte fórmula: número total de palavras
gaguejadas dividido pelo número total de palavras faladas e multiplicar o resultado
por 100).
Ex: 27 palavras gaguejadas x 100 = 9%
300 palavras faladas
Ainda com relação à freqüência, a autora sugere avaliação qualitativa para
constatar se a mesma é severa, leve ou moderada.
Quanto à tipologia da gagueira, a autora indica a aplicação da mesma fórmula
anterior, considerando as repetições, bloqueios ou prolongamentos e o total de
palavras gaguejadas.
Ex: 19 repetições x 100 = 70,4% de repetições
27 pal. gaguejadas
(27 palavras gaguejadas, 19 repetições, 5 bloqueios e 3 prolongamentos).
Para analisar a velocidade de fala fluente, a autora seleciona sentenças
fluentes e completas da amostra coletada, perfazendo um total de 200 sílabas,
cronometra o tempo em segundos, divide as 200 sílabas fluentes pelo tempo total e
multiplica por 60 = número de sílabas por min.(spm), considerando-se a média de
uma criança = 288 spm.
A duração das palavras gaguejadas deve ser observada a partir da escolha
aleatória de 10 palavras gaguejadas; cronometra-se o tempo de duração de cada
uma; soma-se os 10 tempos e divide-se por 10, perfazendo-se a média de duração
de palavras gaguejadas.
Bohnen (2003a) considera importante, ainda, o teste de velocidade de fala dos
pais, uma vez que indica ser fundamental que estes reduzam a velocidade ao se
dirigirem à criança. A autora distingue rimo e velocidade:
Ritmo – duração de tempo existente entre notas de uma melodia ou entre as sílabas
de uma palavra; tonicidade da palavra (crítica/critica; sssssssssssssapo).
Velocidade – número de sílabas ou palavras emitidas por minuto ou segundo (é
mensurável).
Bohnen (2003b) salienta ser fundamental, entre as habilidades do
fonoaudiólogo, a velocidade de fala controlada, uma vez que modelo é fundamental,
nesta abordagem e modelagem, em que se deve proporcionar padrão, exemplo a ser
seguido.
Sobre este tipo de avaliação e terapia, estamos com Friedman (2001; 2004),
que considera que as tentativas de mensurar gagueira (freqüências de sílabas e de
gagueira por minuto de fala) criam um ideal desumanizado de fala.
Andrade e Bohnen apresentam uma visão organicista da gagueira, onde,
apesar de vislumbrarem outros componentes que poderiam estar relacionados à sua
origem, como os hereditários, biológicos, psicológicos, lingüísticos e sociais, fica
clara em suas pesquisas, uma forte sustentação biológica, com uma proposta
avaliativa e terapêutica quantitativa. Nesta perspectiva, sujeito e linguagem são
excluídos. Em seus lugares, está a gagueira, o corpo, a quantidade de sílabas
gaguejadas, um protocolo de risco.
A perspectiva fenomenológica adotada por Meira (1983) reconhece a fragmentação na análise da gagueira, operada pela
abordagem behaviorista. Argumenta a favor de uma continuidade entre o interno e o externo do sujeito, partindo do manifesto (invólucros de
tensão) para chegar à essência da gagueira. Nesta investigação, Meira (op.cit.) observou que os sujeitos gagos escondiam o fato gagueira,
fingindo não serem gagos, dado que os outros (e eles próprios) não o aceitavam, conforme afirma:
O fenômeno gagueira está envolvido por fortes camadas de tensão colocadas pelo gago no decorrer de sua história com a gagueira, vista por ele como um fato. Assim encoberto, o fenômeno gagueira não se mostrava para os gagos observados (MEIRA, 1983, p. 113).
Fiel à sua filiação teórica, Meira (1983) indica a abordagem fenomenológica como possibilidade terapêutica. Parte, portanto, dos
fundamentos de Husserl4, mas com um enfoque maior em Merleau-Ponty5, quanto à concepção da fenomenologia como método,
caminhando da percepção imanente para a transcendência, em busca de descrever e analisar o fenômeno gagueira. Segundo a autora, os
invólucros da gagueira (tensões) encobrem o fenômeno gagueira, que acaba não vindo à tona:
Neste estudo, portanto, fato e fenômeno se distinguem. Os invólucros ocultam o fenômeno gagueira e evidenciam o fato gagueira. As tensões apresentadas constituem os invólucros da gagueira (Meira, 1983, p. 114).
Desta forma, Meira (1983) propõe a dissolução dos invólucros para que, finalmente, a gagueira surja como fenômeno. A autora
observa que ao se trabalhar o corpo, a gagueira vai diminuindo até uma fala quase fluente, com sintomas mais leves, poucas repetições e
pausas respiratórias.
______________________
4. Husserl (1986) refere-se à Fenomenologia como ciência dos fenômenos intuitivos, idealismo transcedental. 5. Merleau-Ponty (1971), discípulo de Husserl, parte do fenômeno do comportamento, elegendo a percepção
como primeiro contato com o mundo, fazendo do corpo, o sujeito da percepção.
Meira (2000) apresenta registros escritos de um paciente gago, que relatam o processo terapêutico vivenciado por ele, até a alta.
Tendo como objetivo a fluência, a autora enfatiza o desenvolvimento da consciência corporal, da fala e das atitudes em relação à gagueira.
Nesta terapia, a autora busca integrar gagueira e emoção, mas como considera não ser possível atingir o seu objetivo trabalhando apenas
aspectos subjetivos, como “as emoções, a pessoa, o gago” (idem, p. 08/09), procura enfocar o trabalho com o corpo/grupos musculares com
tonus alterado.
Em sua proposta de abandonar o fato gagueira, observando o fenômeno, há um direcionamento do olhar para os invólucros de
tensão corporal, o que contribui para novos registros na Fonoaudiologia. Este privilégio, no entanto, não evita que o sujeito seja reduzido à
sua corporalidade, sem ultrapassar o nível do comportamento manifesto, deixando de lado a língua, uma vez que sua essência está nos anéis
de tensão do corpo. Novamente, sujeito e linguagem são excluídos. Segundo Lemos (1995b), “sempre que algo do corpo ou sobre o corpo
tem comparecido na reflexão filosófica ou lingüística sobre a língua e a linguagem, é o apagamento do que é próprio da língua que
convoca essa presença” (op.cit., p. 3).
Sob o ponto de vista do Materialismo Histórico, na área da Psicologia Social, Friedman
(1986) procura compreender a gagueira a partir da diacronia. Situa a origem deste
distúrbio na primeira infância, quando, segundo ela, a criança passa por uma fase de
gagueira natural e os pais se referem à fala gaguejada da criança, utilizando termos
inadequados, como por exemplo, Fale direito!. Este discurso se configura como um
paradoxo, uma vez que sugere uma dupla vinculação com a realidade (Friedman, 1994), na
medida em que o contexto de fala não pode ser abandonado e o indivíduo não pode falar do
seu modo. A gagueira pode ser definida, portanto, como “o produto ideológico da história das
relações de comunicação vividas, de onde emerge a crença na incapacidade articulatória, que
determina todo o processo de produção de sua manifestação externa” (Friedman, 1986, p.
129). A autora propõe uma abordagem terapêutica que recupera a história de vida do sujeito,
quanto aos aspectos de fala e linguagem, desmistificando a imagem de mal falante formada na
primeira infância. Para tanto, ela busca a construção do personagem bom falante, utilizando
técnicas proprioceptivas, que levem o sujeito a perceber sua integridade articulatória, a
aceitação do silêncio na fala, a compreensão da dialética subjetividade/objetividade do modo
de produção da gagueira, além de exercícios de atividade de fala, para que a gagueira possa ser
entendida como natural e não mais como sofrimento, “produto do comportamento de prevê-la”
(Friedman, 1997a, p. 22).
Segundo Friedman (1997b), o fato de estudar a gagueira sob a perspectiva da
Psicologia Social, levou-a a estabelecer uma relação entre ideologia e movimento da
consciência e, conseqüentemente, falar pouco sobre a linguagem. No texto em questão, a
autora procura inferir que o movimento da consciência seria a própria linguagem, apontando
para uma aproximação entre a teoria das representações sociais e a Análise de Discurso de
linha francesa. Ao discutir o interacionismo, Rubino (1994) considera que as tentativas de
inclusão de um fator social nas teorias de aquisição de linguagem são um fracasso, uma vez
que a linguagem não ultrapassa o estatuto de acessório. Diz ela:
Dentro dessa concepção social restaria à linguagem o papel de meio pelo qual dois ou mais interlocutores, iguais e constituídos fora da linguagem trocam (termo, aliás, bastante difundido no discurso fonoaudiológico) mensagens ou, em outras palavras, se alternam na produção lingüística (ou não lingüística) dirigida ao interlocutor (Rubino, 1994, p. 71).
Uma crítica semelhante é realizada por Orlandi (1996) que compreende o fato de as
ciências sociais excluírem a linguagem de sua teoria, por esta ser objeto da lingüística.
Friedman (1994) discute questões pertinentes à compreensão da gagueira, retomando o
discurso de outros pesquisadores, acrescentando um aspecto inédito: a ideologia estigmatizada
de falante. É esta que determina a sua proposta terapêutica, no sentido de apontar para uma
ressignificação da auto-imagem de mal falante, a partir do trabalho com os determinantes da
gagueira, ou seja, o resgate da história do sujeito, o trabalho com propriocepção, com ênfase
em corpo, respiração, movimentos articulatórios e fonêmicos, entre outros.
Friedman (2001) diferencia gagueira natural de gagueira sofrimento, esta
última contextualizada no processo de produção de fala. Assim, gagueira natural
seria a possibilidade que qualquer falante tem de gaguejar no contexto de sua
produção de fala, já que a fluência não é absoluta em ninguém, uma vez que há
contextos de insegurança, ansiedade e competição para falar. A autora considera
existir uma ideologia do bem-falar, que perpetua a imagem do falante que jamais
gagueja.
O trabalho de Panhoca et al. (2000) tem o objetivo de apresentar uma proposta terapêutica para sujeitos gagos, a partir da
utilização da escrita. As autoras, fundamentadas na Lingüística e apoiadas na teoria psico-social de Friedman, descrevem dois casos, em que
a intervenção fonoaudiológica baseou-se na linguagem escrita, já que consideram que a fala do gago apresenta um componente comprometido
e doloroso. No primeiro caso, o paciente identificou uma evolução na sua escrita, uma vez que, a partir de uma atividade de metalinguagem,
pôde refletir sobre a própria linguagem escrita. Nos dois casos apresentados, houve relatos de melhora na gagueira e, sobretudo, nos medos e
inseguranças. Vale salientar que o estudo é fundamentado no discursivo, lugar da ideologia, da significação. Acreditamos, entretanto, que
como o sintoma-gagueira encontra-se no espaço discursivo oral, desta forma, o mesmo permaneceria escanteado, escondido, intocado.
Cunha & Gomes (1996) partem do pressuposto de que, na clínica
psicanalítica, a gagueira é compreendida como sintoma, não sendo, portanto, o foco
da análise. Propõem, então, um trabalho fonoaudiológico inspirado na teoria
psicanalítica, onde se considere a “dimensão inconsciente existente na formação do
sintoma gagueira” (op.cit., p. 69) e mais adiante, apontam para a necessidade de que
se resgate “na natureza do desejo inconsciente recalcado o sentido e a função do
sintoma gagueira” (op.cit., p. 74). Assim, buscam refletir sobre a gagueira, através
de um enfoque psicanalítico freudiano, percebendo-a como um sintoma de duas
formas de neurose: a histeria de conversão e a obsessão. Em ambas, a causa da
gagueira seria a mesma: o sofrimento pela separação do outro. Sustentam que na
histeria de conversão, pelo fato de o afeto ser descarregado no corpo, há uma
paralisação da dor psíquica; neste caso, constatam que os bloqueios são
predominantes. Na neurose obsessiva, a racionalização controla a dor psíquica;
neste caso, as repetições e hesitações são mais evidentes. Quanto à proposta
terapêutica, as autoras afirmam ser importante diferenciar as neuroses, uma vez que
na histeria de conversão, como o afeto é expresso no corpo, técnicas corporais
costumam surtir efeito; já na neurose obsessiva, com o objetivo de racionalizar as
idéias, são as técnicas articulatórias relacionadas à conscientização da produção da
fala, as mais eficazes. Neste trabalho não fica claro o porquê do privilégio de uma
técnica sobre outra, relacionada ao tipo de estrutura clínica. Sob esta ótica6, as
autoras apontam para o fato de que o indivíduo gago deve escutar a si mesmo, a
fim de encontrar um novo sentido para a gagueira. Da mesma forma, não há
indícios de como o sujeito-gago pode escutar a si mesmo.
A proposta investigativa de Cunha & Gomes, fundamentada pela teoria
psicanalítica estabelece uma relação de causalidade entre a neurose e a gagueira e
acaba por encontrar um novo lugar para a gagueira, encapsulando-a em uma
estrutura clínica: a das neuroses. Vista sob este prisma, a linguagem permanece
em campo complementar, deixando de ser objeto de estudo da Fonoaudiologia.
Cunha (2001) considera que a gagueira é um sintoma de neurose,
manifestado na linguagem, porém dotado de um sentido latente de ordem psíquica
inconsciente. Para a autora, a gagueira funciona como estilhaços de palavras
arremessados ao outro, que podem afetar a escuta terapêutica.
Algumas questões são postas pela autora, a partir do que ela considera
demanda do sujeito com gagueira. Assim, a primeira seria a de quem deveria
atender o gago, diluída, em seguida, para quem teria condições de constituir-se
como um locutor capaz de decifrar a mensagem do gago e, ainda, quem poderia
____________________
6. Ao analisar o enfoque psicanalítico no estudo das histerias, Friedman (1996) reflete sobre
a possibilidade de se estarem estudando diferentes tipos de gagueira, sem que haja, necessariamente, uma oposição de perspectivas.
garantir que este paciente se apropriasse de seu discurso, no lugar de sofrer pela
falta de autoria. A autora considera que não deve ser imposto ao sujeito-gago um
atendimento, mas que este é uma demanda daquele, que escolhe quem procurar.
Ao contrário, Barbosa; Chiari (1998, p. 56) acreditam que “somente o fonoaudiólogo
possui os conhecimentos necessários aos mecanismos pneumofonoarticulatórios
responsáveis pela produção da fala, sobre a fluência, ao controle motor e ao
desenvolvimento da linguagem, para fazer um diagnóstico diferencial adequado para
o quadro de disfluência e o quadro de gagueira”.
Sobre este aspecto, concordamos com Cunha (2001) quanto à demanda do
sujeito gago. É ele quem vai em busca de um processo terapêutico e, portanto, é
quem deve escolher aquele que vai escutá-lo.
Cunha (2001) toma a gagueira como um sintoma neurótico (o retorno do
recalcado), manifestado por uma atuação psicopatológica (o acting-out) peculiar e
específica que se serve da e incide na linguagem. A autora aponta para três das
manifestações do quadro. A primeira seriam as parapraxias (ato falho – perturbações
da linguagem, nas quais uma palavra é substituída por outra que mantém certa
relação com a primeira). No caso da gagueira, é a possibilidade de que a palavra
gaguejada não seja substituída aleatoriamente por “uma palavra qualquer”, apenas
semanticamente compatível com a primeira. A segunda manifestação seria o temor a
determinadas palavras. Sobre este aspecto, a autora parte do conceito psicanalítico
de projeção, como operação pela qual o indivíduo expulsa de si e localiza no outro,
pessoa ou coisa, qualidades, desejos, sentimentos que ele desdenha ou recusa em
si, considerando-o um mecanismo de defesa, em ação nas paranóias e fobias. A
partir daí, a autora infere a possibilidade de a palavra gaguejada poder constituir-se
num elemento de projeção fóbica. A última manifestação seria a repetição da palavra
gaguejada até que ela se torne fluente, o que seria a própria ilustração da gagueira
como acting-out. Apesar do sintoma neurótico não gerar prazer em si mesmo, ele
adia a dor psíquica, a autora enfatiza que a manutenção da gagueira é prazerosa,
porque se constitui no psiquismo como uma espécie de promessa de prazer.
Tal como Cunha & Gomes (1996), Tassinari (2001) discute o atendimento de
um paciente com queixa de gagueira, incluindo o referencial teórico psicanalítico e
problematiza algumas contribuições desse campo teórico-clínico para a clínica da
linguagem, no que se refere à concepção de sintoma, à compreensão da relação
terapêutica e ao que pode ser chamado de insucesso terapêutico.
Para trabalhar o tema, descreve o processo terapêutico de um paciente, que
trazia discussões originadas da observação cuidadosa dos momentos de disfluência
(a fluência piora quando fala ao telefone; raramente gagueja com a namorada e com
os amigos; sabia que os outros não o viam como gago). O motivo da busca de
terapia foi o fato de, ao apresentar um seminário na faculdade, ter gaguejado tanto
que um dos colegas convenceu-o a procurar ajuda fonoaudiológica. Este paciente
estudado pela autora relata falar bem devagar (técnica que o levou à fluência no
alemão e inglês) e evita o uso de palavras que acha que gaguejará. De acordo com a
autora, o sintoma pressupõe a deformação dos desejos inconscientes, uma vez que
desejo e recalque convivem no mesmo sujeito. O paciente gostava de falar sobre a
disfluência, de exercícios que tocavam a materialidade do sintoma, de exercícios
respiratórios, articulatórios e postura corporal (embora não relaxasse, porque não
deixava de estar alerta). Este paciente, analisado pela autora, sente muita raiva do
irmão e culpa a gagueira: “é a droga do problema da gagueira”; diz que o pai é
egoísta e fica perturbado ao afirmar que o irmão o considera egoísta. Neste
momento, a autora afirma que ele tem medo das associações que faz na clínica e
desiste das sessões.
Tassinari (2001) marca as diferenças entre as duas clínicas. Afirma que, na
clínica psicanalítica, o sintoma pode estar, ou não, na pauta das sessões de análise,
não é o foco da escuta, mas seu efeito, que é o inconsciente. Já a clínica da
linguagem objetiva tecnicamente provocar efeitos de mudança na relação do
paciente com os seus jeitos de produzir sentidos, tanto no uso da linguagem como
no uso dos sintomas como linguagem. Efeitos terapêuticos incidem nas marcas
corporais e lingüísticas do sintoma. O fonoaudiólogo aborda, via instância psíquica
chamada consciência, a corporalidade do sintoma. Esta clínica representa o lugar de
risco entre o objetivo e o subjetivo, pela via inversa, da consciência (sofrimento real
no corpo, na linguagem, na relação com o outro e consigo) para o inconsciente.
Neste momento, passamos a retomar a análise dos pesquisadores referidos,
destacando suas posições teóricas, os limites que delas decorrem bem como suas
concepções de sujeito e linguagem.
A) Van Riper – conhecido mundialmente no desenvolvimento de trabalhos
com gagueira - descreve sintomas, configurando os comportamentos
expressos e os encobertos, percebendo a gagueira como além do visível.
Os comportamentos encobertos, entretanto, não apresentam sustentação
teórica, necessária para o estatuto de conhecimento científico. Para este
autor, o sintoma é uma unidade aberta, transparente, uma vez que
apresenta o sentido de comportamento. Sob a égide da terapêutica, um
conjunto de técnicas, dispostas em ordem de complexidade, deixa escapar
o sujeito e a linguagem.
B) Andrade e Bohnen – mantendo uma abordagem biológica, propõem
trabalhos avaliativo-terapêuticos para crianças com disfluência – gagueira.
Os projetos não ultrapassam o estatuto organicista/quantitativo. Há uma
redução da linguagem ao orgânico, com a exclusão da subjetividade.
C) Meira – elabora uma pesquisa bibliográfica de autores estrangeiros, onde
aponta reducionismos, no sentido de que os autores analisados percebem
a gagueira como fato. Configura melhor a questão dos invólucros de
tensão corporal. Ao privilegiar o corpo (tônus muscular), há um
apagamento do sujeito e da linguagem.
D) Friedman – é a primeira pesquisadora a buscar a essência da gagueira,
em uma perspectiva Materialista Histórica. É de seu interesse a
compreensão do sujeito gago, identificando uma ideologia estigmatizada
de falante. Há pontos bastante relevantes em sua proposta teórico-
terapêutica, como a questão da antecipação da gagueira (no sentido de
previsão da mesma pelo sujeito gago), a visão de que os truques ratificam
a gagueira e o trabalho com propriocepção fonêmica, que tem por objetivo
levar o paciente a perceber a sua fala. Os últimos trabalhos da autora7
mantêm um posicionamento ancorado
_________________
7. Sobre a gagueira, vista por uma perspectiva lingüística da autora, ver, por exemplo, FRIEDMAN, S. Fluência: um acontecimento complexo. In: Lopes DMB, Limongi SCO, editores. Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Editora Rocca, 2004.
na linguagem.
E) Panhoca et al. – estas autoras descrevem um trabalho baseado no
atendimento fonoaudiológico de dois sujeitos-gagos, cuja proposta
terapêutica se apóia em Friedman. O foco terapêutico se assenta sobre a
linguagem escrita, com a justificativa de que a fala do gago apresenta um
componente doloroso. Consideramos que como o sintoma-gagueira está
na linguagem oral, este permaneceria intocado.
F) Cunha & Gomes e Tassinari – as autoras são as primeiras fonoaudiólogas
a lançar um olhar para a gagueira sob uma perspectiva psicanalítica. Deste
lugar, acabam por aprisionar a gagueira a duas formas de neurose,
afastando a questão da área da linguagem, deslocando-a ao psiquismo.
Neste sentido, a linguagem permanece no campo da complementaridade
(porque é vista de forma não privilegiada – o foco é a neurose), embora
haja a inclusão do sujeito da psicanálise.
Diante do exposto, podemos afirmar que as publicações em relação à
compreensão da gagueira requerem mais estudos que priorizem a linguagem e o
sujeito em sua abordagem. Há, ainda, muitos trabalhos que apresentam o modelo
organicista/quantitativo como foco, porém há outros que, fundamentados na
Psicanálise e no Materialismo Histórico, como os representados por Cunha; Tassinari
e Friedman, respectivamente, mostram uma perspectiva subjetiva de compreensão
da gagueira e apontam para possibilidades terapêuticas em relação aos sujeitos
gagos.
A seguir, discutiremos as concepções de sujeito-fluente e sujeito-gago,
apontando para relações possíveis entre ambas.
1.3. Sujeito-fluente e sujeito-gago: relações possíveis
O sujeito histórico fluente é uma abstração. A linguagem em uso é faltosa e incompleta – os discursos transitam por outros discursos e quem faz a fluência é o outro. Ester Scarpa
Se considerarmos que a fluência é uma condição utópica, uma vez que ela é
caracterizada por sua negação, como assinala Scarpa (1995), todos nós somos
gagos, já que a disfluência é constituinte do discurso. Todos apresentamos
hesitações, interrupções, pausas silenciosas ou não, prolongamentos de sons,
bloqueios de fonemas, sem que isto nos perturbe, a ponto de passarmos a nos ver
como maus falantes (termo utilizado por Friedman,
1986;1994;1996;1997a;1997b;2001). A diferença é que só percebemos um
momento de gagueira depois que ele acontece na fala. Então, geralmente, rimos
dele, afirmamos que gaguejamos e, assim, corrigimos a falha, ou não.
O sujeito gago, ou aquele que se diz gago, percebe a gagueira bem antes de
ela acontecer, porque ele prevê o seu erro e, quando ocorrem os bloqueios,
repetições ou prolongamentos de sons, não é nenhuma novidade, porque já sabia de
tudo. Com isso, ele passa a prever novos erros e a acrescentar outras palavras e
sons a uma interminável lista de ditos não mais utilizáveis, ou sons/vocábulos
proibidos.
Partindo destas considerações, propomos, neste trabalho, uma nova forma de
compreender a gagueira e a terapia fonoaudiológica para o sujeito-gago, que tome
como ponto de partida a escuta terapêutica e se ancore no ponto de vista discursivo,
como veremos mais adiante.
Ao estudar a fluência (e disfluência) no sujeito, Scarpa (1995) tece relevantes
considerações sobre o tema, compreendendo que ambas dependem da relação do
sujeito com a língua. Na busca de um conceito de fluência nos estudos da área,
conclui que esta noção se dá pelo seu contrário, ou seja, a fluência é o termo não
marcado, ideal, produtivo, enquanto que a disfluência é o problemático, não
produtivo. Analisando os discursos de crianças na faixa etária de vinte e dois meses
a três anos, revela:
Trechos fluentes são os já ajeitados, conhecidos, analisados ou – na maioria dos casos, congelados, vêm em bloco. Os disfluentes são aqueles em construção, instáveis, com tentativas infrutíferas de segmentação em blocos prosódicos; supõem passos mais complexos tanto paradigmática quanto sintagmaticamente na elaboração do enunciado. Autoria vs. não-autoria, discurso próprio vs. discurso do outro parecem ser também traços
que vale a pena levantar enquanto hipótese de elaboração formal dos enunciados nesta faixa etária (Scarpa, 1995, p. 171).
A autora aponta para o fato de que o sujeito fluente é uma abstração, uma vez
que a linguagem apresenta, por sua própria constituição, as características de falta e
incompletude. “Os discursos transitam por outros discursos e quem faz a fluência é o
outro (ouvinte). O interlocutor recompõe as disfluências e imperfeições da fala”
(op.cit.,p.176). Scarpa (1995) encontra um lugar para a disfluência: “prosodicamente,
a disfluência não ocorre nos trechos nucleares, mas nos periféricos e fronteiriços” e,
mais adiante, “subjetivação nas fronteiras da segmentação e nos trechos não-
nucleares: aí ocorre a disfluência” (op.cit., p. 179/180).
A disfluência, então, é o lugar de subjetivação, o lugar onde a língua faz
efeito no sujeito e ele joga com ela, descobre regras e é levado a assemelhar-se à
fala do adulto. Esta disfluência é constituinte do sujeito e permanece até a idade
adulta, uma vez que o conceito de fluência é ideal. Como afirma Merlo (2006, p.
142):
os resultados produzidos com os subsídios teóricos da Lingüística e da Estatística indicaram um fenômeno temporalmente muito bem organizado e que apresenta papéis importantes no processamento textual da língua falada.
A autora discute a propriedade do termo “disfluência” para abandoná-lo na
inclusão de nova possibilidade: hesitação, a partir da compreensão da fluência não
mais como noção de tudo ou nada, mas agora como um contínuo.
Assim, definir fluência não é fácil. Como assinalam Bohnen (2002) e Brandi
(1990), esta se caracteriza pela seqüência (organização temporal dos fonemas
inserida em uma realidade lingüística), pela duração (tempo utilizado para a
articulação do elemento fonético), pela velocidade (rapidez com que os elementos
fonéticos são articulados, considerando-se que cada elemento fonético tem duração
variável) e pelo ritmo (forma da velocidade da fala, ou seja, a prosódia, a cadência, a
duração dos elementos), além do esforço (trabalho mental e físico que um orador faz
ao falar. Desta forma, fluência é uma situação ideal, uma vez que a condição
discursiva é, por si só, caracterizada por imperfeições e falhas. Merlo (2006) articula
um novo conceito para fluência:
Fluência é uma habilidade lingüística que resulta do acoplamento entre fatores que auxiliam a continuidade textual, como: hesitações, reformulações, pausas fluentes, taxa de elocução, facilidade de emissão, habilidade gramatical e complexidade semântica. É um conceito utilizado em língua materna, segunda língua e língua estrangeira. É suscetível a alterações, como ocorre nas gagueiras, taquilalia, taquifemia e afasias (MERLO, 2006, p.31).
Neste sentido, todos nós somos disfluentes; gaguejamos freqüentemente
quando tensos, inseguros, ou sob efeito de uma palavra que não nos é tão familiar, ou
seja, a própria língua nos conduz a repetições, prolongamentos e hesitações na fala.
Vale salientar que esta se trata de uma gagueira natural, conforme atesta Friedman
(2001), inerente à linguagem do sujeito.
Quando, então, a gagueira não é considerada natural e pode ser compreendida
como um distúrbio? Segundo Canguilhem (1966), a fronteira entre o normal e o
patológico é bastante tênue, afirmando:
entre essas duas maneiras de ser (normal e patológica), há apenas diferenças de grau: a exageração, a desproporção, a desarmonia dos fenômenos normais que constituem o estado doentio (CANGUILHEM, 1966, p. 72).
Desta forma, normal e patológico coexistem numa relação quantitativa, na
qual o excesso ou a falta caracterizam o patológico. Por outro lado, o normal constitui
uma “ordem fisiológica”, estabelecida a partir da proporção e harmonia dos
fenômenos. Nesta perspectiva, a patologia seria uma nova ordem, a ser
compreendida a partir da singularidade do sujeito que a porta.
A gagueira é considerada um distúrbio quando há uma queixa sobre ela. Há
um sujeito que sofre e, por este motivo, Friedman (2001) nomeia-a de “gagueira
sofrimento”, em contraposição à gagueira natural, já discutida acima.
Há cinco distúrbios da fluência, de
acordo com Merlo (2006): gagueira do
desenvolvimento, gagueira
neurogênica, gagueira psicogênica,
taquilalia e taquifemia. Neste
momento, é relevante esclarecer que
não falamos de toda e qualquer
manifestação que se caracterize como
gagueira, mas de um distúrbio,
chamado “gagueira do
desenvolvimento”, mais freqüente, que
tem a sua origem na infância e, caso
não haja alguma intervenção
terapêutica, permanece
acompanhando o sujeito por toda a
sua vida.
Ao estudar a fluência e seus distúrbios, Merlo (2006, p.29) elabora um quadro
diferencial entre três diferentes distúrbios, que passamos a inserir abaixo, visando a
uma maior objetividade de suas diferenças.
Características Gagueira do desenvolvimento
Gagueira neurogênica Gagueira psicogênica
Hesitações
Bloqueios, prolongamentos em início de palavra, repetições de fonema ou sílaba e/ou evitação dessas hesitações.
Repetições de fonema ou sílaba são mais freqüentes. Bloqueios e prolongamentos iniciais são mais raros.
Se houver acesso a um modelo de gagueira do desenvolvimento ou neurogênica, as hesitações tipicamente gaguejadas podem ocorrer de maneira bastante convincente; se não houver acesso a um modelo, geralmente ocorrem repetições estereotipadas da sílaba inicial ou da sílaba tônica das palavras.
Comportamentos acessórios, como: piscar de olhos, tremor mandibular, movimentos de cabeça, elevação de ombros, etc.
Freqüentes Infreqüentes Dependem de acesso a um modelo.
Autoconsciência do distúrbio de fluência
Geralmente presente
Geralmente presente
Geralmente ausente: la belle indifférence.
Início
Necessariamente durante a infância, ou seja, até 12/13 anos de idade.
Em qualquer época da vida.
Adolescência, adultícia ou velhice.
Mudança no padrão de fluência
Geralmente gradativa Súbita Súbita
Etiologia
Geralmente multifatorial (herança genética, fatores orgânicos, ambiente familiar e características psicológicas)
Lesão encefálica devido a trauma físico, acidente vascular encefálico, doenças degenerativas, tumores. Não parece haver um sítio lesional específico.
Psicogênica, dado que ocorrem em relação temporal estreita com eventos traumáticos, problemas insolúveis/insuportáveis ou relações interpessoais difíceis. A avaliação de saúde não indica a existência de um transtorno orgânico
conhecido.
Influência de situações específicas, tais como: leitura em uníssono, imitação de personagens, canto e retroalimentação auditiva retardada
Sintomas praticamente desaparecem.
Sintomas continuam praticamente inalterados.
Sintomas continuam praticamente inalterados.
Histórico familiar para distúrbio de fluência
Geralmente positivo ? ?
Comorbidades freqüentemente associadas
Distúrbio fonológico e/ou retardo de linguagem
Afasia Outros transtornos de saúde mental
Sob a perspectiva que procuramos conduzir este trabalho, a gagueira do
desenvolvimento (que chamaremos simplesmente de gagueira) pode ser
compreendida como um distúrbio lingüístico-discursivo, que apresenta como
características a ocorrência de repetições de sons, sílabas, palavras ou frases,
hesitações, prolongamentos de fonemas e/ou bloqueios tensos de sons. Há uma
relação direta entre o sujeito que fala, a presença de um outro-interlocutor e a
ocorrência de situações de gagueira. Se não há ouvinte, ou se este não é
identificado como alguém que julga, não há momentos de gagueira. Se, ao contrário,
este outro-interlocutor é antecipado como alguém que insere o sujeito-gago nesta
posição (de gago), então, há momentos de gagueira.
A gagueira é, ainda, marcada pela previsão do erro iminente. Há uma certeza
a priori deste erro e é, a partir da possibilidade de errar que o sujeito-gago opta por
tentar evitá-lo ou adiá-lo, utilizando estratégias (discursivas ou não-discursivas) que,
em última instância, acabam por mostrá-lo mais gago ao seu interlocutor.
Na revisão dos estudos sobre a gagueira, observa-se que se tem avançado
em muitos pontos, especialmente no que tange à sua descrição. Há, entretanto,
pontos obscuros. Um destes aspectos é a questão da origem deste distúrbio: nada
chama mais atenção nas publicações sobre a gagueira do que as incontáveis
páginas dedicadas à etiologia (cf. VAN RIPER (1972;1973;1982); WINGATE (1960);
PICHON & MAISONNY (1979); PERKINS; KENT; CURLEE (1991); EMERICK;
HAYNES (1986); CURLEE; SIEGEL (1997) e, após a leitura, a sensação de que o
próprio autor se frustrou com o resultado do seu capítulo – o levantamento de
diversas suposições e quase nada de comprovação. Outro aspecto é a atribuição de
um lugar para a gagueira. Os autores pesquisados, em decorrência das visões
teóricas adotadas, constatam que a doença está localizada no sujeito-gago, a
gagueira é dele, porque ele é neurótico, tem invólucros de tensão, etc. Indicam
ainda que a gagueira é um problema de produção de fala, ou uma questão
articulatória, respiratória, rítmica ou corporal.
Nossa experiência terapêutica com sujeitos gagos caminha em direção contrária
à da exposta acima, ou seja, indica que a gagueira não se encontra naquele que fala,
assim como não é um problema do interlocutor, mas relaciona-se às condições de
produção e ao espaço do discurso, em uma relação necessária com a exterioridade.
Sobre este aspecto, encontramos respaldo teórico em Orlandi:
A linguagem tem como condição a incompletude e seu espaço é intervalar.
Intervalar nas duas dimensões: a dos interlocutores e a da seqüência de
segmentos. O sentido é intervalar. Não está em um interlocutor, não está
no outro: está no espaço discursivo (intervalo) criado (constituído) pelos /
nos dois interlocutores. Assim como não está em um segmento, nem em
outro, nem na soma de todos os segmentos que constituem um texto
determinado. Está na unidade a partir da qual os segmentos se organizam
(Orlandi, 1987, p. 160/161).
Tais questões nos encaminharam a propor uma ousadia: a de olhar a gagueira
como um problema lingüístico-discursivo.
Com o objetivo de desenvolver esta forma de compreender a gagueira, iremos,
no próximo capítulo, utilizar construtos teóricos de duas vertentes da Lingüística:
uma que se propõe a estudar a aquisição da linguagem e outra que se debruça
sobre o estudo da ideologia. Ambas se assentam sobre a linguagem. Desta forma,
de um lado recorreremos ao Projeto Interacionista proposto por Lemos e seguidores,
porque acreditamos que ele traz contribuições para iluminar a questão da origem da
gagueira e de seu funcionamento como linguagem; de outro lado, utilizaremos o
arcabouço teórico da Análise de Discurso de linha francesa, na medida em que
compreendemos a gagueira como efetivamente atravessada pelo componente
ideológico e é esta teoria que nos diz que a materialidade da ideologia se encontra
no discursivo. Da mesma forma, recorreremos à Psicanálise, a fim de compreender a
constituição do sujeito-gago. É importante esclarecer que não tomaremos esses
lugares teóricos em sua totalidade, mas enfatizaremos questões que nos interessam
na compreensão do nosso objeto de estudo.
Fizemos, assim, um recorte nestas teorias, procurando uma aproximação com o
nosso objeto de estudo. Para tanto, privilegiamos as concepções de linguagem,
discurso, sujeito e condições de produção do discurso, conforme veremos a seguir.
CAPÍTULO II: ENTRE O SUJEITO E OS DISCURSOS: UMA HISTÓRIA
DA GAGUEIRA
A linguagem violará o corpo ou a linguagem criará um corpo como um lugar de deciframento.
Samira Chalhub
__________________________________________________________________________________
Neste capítulo, procuramos estudar a gagueira, a partir do ponto de vista
lingüístico-discursivo, desenvolvendo três temas, a saber: 2.1. Sujeito e discurso; 2.2.
Condições de Produção e Gagueira; 2.3. A constituição do sujeito-gago na/da
linguagem. Desta forma, procuramos fundamentar nossas reflexões na Análise do
Discurso de linha francesa, na Psicanálise lacaniana e no Projeto Interacionista em
Aquisição de Linguagem, a fim de sustentar a discussão e a análise realizada, mais
adiante, neste trabalho.
2.1. Sujeito e discurso
Que o silêncio restitua uma temporalidade da
palavra que não estamos mais podendo
acolher.
Eni Orlandi
Interessa-nos abordar a proposta desenvolvida pela Análise do Discurso de
linha francesa (AD) por várias razões: em primeiro lugar, porque a AD trabalha com
formação social e ideológica, o que nos permite problematizar a noção de
normal/patológico que atravessa a constituição do sujeito-gago e o discurso
fonoaudiológico. Em segundo lugar, por privilegiar a noção de discurso em
contraposição ao reducionismo da noção de fala. Em terceiro lugar, porque a AD de
linha francesa compreende uma visão psicanalítica do sujeito e nos interessa estudar
a constituição do sujeito-gago, conforme será discutido posteriormente.
Os conceitos de formações ideológicas, imaginárias, discursivas, a idéia de
silenciamento e outras, serão tematizadas a seguir, pela sua validade e papel na
discussão que pretendemos desenvolver sobre a gagueira.
A Análise do Discurso é, segundo Orlandi (1987), uma des-disciplina, uma
vez que é articulada no entremeio de três regiões do conhecimento científico: o
Materialismo Histórico (teoria das formações sociais e suas transformações),
compreendida aí a teoria da ideologia; a Lingüística, (teoria dos mecanismos
sintáticos e dos processos de enunciação) e a teoria do discurso (teoria da
determinação histórica dos processos semânticos), atravessada por uma teoria da
subjetividade, de natureza psicanalítica.
Orlandi (2000) modifica esta concepção, retirando a teoria do discurso,
ampliando a noção da Lingüística e acrescentando a Psicanálise como filiação
teórica. Neste sentido, as regiões seriam: o Materialismo Histórico, mantendo-se a
concepção anterior; a Lingüística, constituída pela afirmação da opacidade da
linguagem, com seu objeto próprio - a língua - que, por sua vez, tem sua ordem
própria e, como terceira região, a Psicanálise, com a interpelação da noção de
indivíduo para a de sujeito8, constituindo-se na relação com o simbólico. A
justificativa para a modificação de filiação teórica da AD, entretanto, não está
determinada em nenhuma das obras da autora.
________________
8 – Althusser (1991) afirma que a noção de sujeito da Psicanálise importa muito, porque é só neste
sujeito que se pode dar o assujeitamento ideológico.
A Análise do Discurso interroga as três regiões pelo que não consideram.
Desta forma, questiona a Lingüística, por deixar de lado a historicidade; o Marxismo,
por não considerar o simbólico e a Psicanálise, por não compreender a ideologia
absorvida pelo inconsciente.
Trabalhando nas confluências desses campos de conhecimento, a AD
“irrompe em suas fronteiras e produz um novo recorte de disciplinas, constituindo um
novo objeto que vai afetar essas formas de conhecimento em seu conjunto: este
novo objeto é o discurso” (ORLANDI, 2000, p. 20).
A Análise do Discurso (AD) toma por base o discurso como acontecimento,
enquanto “efeito de sentidos entre locutores” (Pêcheux, 1990) e propõe a noção de
funcionamento, ou seja, a relação existente entre condições materiais de base
(língua) e processo (discurso). Orlandi (1987) considera a paráfrase e a polissemia,
respectivamente, o mesmo e o diferente, matriz e fonte de sentido, como os dois
grandes processos da linguagem. É importante ressaltar que o funcionamento não é
unicamente lingüístico, já que as condições de produção (situação dos protagonistas)
são o conceito básico para a AD, uma vez que constituem e caracterizam o discurso,
sendo seu objeto de análise. As condições de produção são formações imaginárias,
onde se apresentam:
a relação de forças (os lugares sociais dos interlocutores e sua posição
relativa no discurso), a relação de sentido (o coro de vozes, a
intertextualidade, a relação que existe entre um discurso e os outros), a
antecipação (a maneira como o locutor representa as representações do
seu interlocutor e vice-versa) (ORLANDI, 1987, p. 158, ênfase nossa).
A relação de forças se refere ao lugar de onde fala o sujeito, ao valor de sua
posição no discurso. Como diz Orlandi (2000), nossa sociedade é hierarquizada,
logo, se o sujeito fala do lugar de professor, por exemplo, seu dizer vale mais do que
o de um aluno.
A relação de sentido deriva do fato de que não existe um discurso único,
inédito. Todo discurso tem relação com outros discursos já ditos ou imaginados.
Explicitando melhor a noção de antecipação, presente nas formações
imaginárias, que pretendemos utilizar mais adiante, neste trabalho, Orlandi (1987)
acrescenta:
Pela antecipação, o locutor experimenta o lugar de seu ouvinte, a partir de
seu próprio lugar: é a maneira como o locutor representa as
representações de seu interlocutor e vice-versa... a antecipação do que o
outro vai pensar é constitutiva do discurso, a nível das formações
imaginárias. (ORLANDI, 1987, p. 126).
O sujeito falará de uma forma ou de outra, dependendo do “efeito que possa
produzir em seu ouvinte” (ORLANDI, 2000, p. 39).
A formação discursiva é, “o lugar do sentido, lugar da metáfora, é função da
interpretação, espaço da ideologia” (ORLANDI, 1996, p. 21). Na concepção da AD,
todo discurso tem sujeito, e todo sujeito tem ideologia, tomando por ideologia “o
efeito da relação do sujeito com a língua e história para que se signifique” (op.cit., p.
48). Orlandi (1994) aponta para um deslocamento do conceito sociológico de
ideologia para o conceito discursivo do termo. A autora afirma, então, que a
ideologia:
(...) não se apresenta como ocultação (ou dissimulação) mas como
transposição (simulação) de sentidos em outros pela relação necessária
com o imaginário, que atravessa a relação linguagem/mundo, determinado
pela história num dado estado da formação social. Ou dito de outra forma,
trata-se do necessário apagamento, para o sujeito, de seu movimento de
interpretação, na sua ilusão de dar sentido: a produção do efeito de
evidência (op.cit., p. 296).
Brandão (1996, p. 38) concorda que “o discursivo é uma espécie pertencente
ao gênero ideológico”. A ideologia é inconsciente e materializada no discurso. O
discurso é, portanto, o lugar de confronto entre língua e ideologia.
Orlandi (1996) considera que os sentidos (relações do sujeito com a história)
são abertos e não evidentes, embora tenham a aparência de evidência, além de que
são necessariamente discursivos, sempre sujeitos à interpretação. Esta, por sua
vez, é “o vestígio do possível. É o lugar próprio da ideologia e é materializada pela
história. O gesto da interpretação se dá porque o espaço simbólico é marcado pela
incompletude, pela relação com o silêncio” (Orlandi, 1996, p. 18). A AD compreende
sujeito e sentido constituindo-se ao mesmo tempo. Ambos não são transparentes e
devem ser observados a partir de sua materialidade.
Sobre a tipologia do discurso, Orlandi (2000) diferencia três tipos de discurso:
lúdico, autoritário e polêmico, caracterizando-os, respectivamente, como
predominantemente polissêmico, parafrástico e equilibrado entre ambos os
componentes. O discurso em que melhor se observa o jogo entre o mesmo e o
diferente seria o polêmico.
Outro conceito importante para a compreensão do discurso do sujeito-gago é
o de silenciamento. Orlandi (1993, p. 31) interessa-se pela política do silêncio, que,
no discurso, aparece como “tomar a palavra, tirar a palavra, obrigar a dizer, fazer
calar, silenciar, etc”. A política do silêncio (ou silenciamento) significa que, ao dizer, o
sujeito não diz, ou diz outros sentidos, “como um efeito de discurso que instala o
antiimplícito: se diz x para não (deixar) dizer y, este sendo o sentido a se descartar
do dito" (op.cit. p. 76). O dizer é interditado e, quando isto acontece, constituem-se
discursos autoritários, onde não há reversibilidade. É negada ao sujeito a ocupação
de diferentes posições, permanecendo estanque em um lugar, produzindo sentidos
não proibidos. Caberia aqui a noção de migração de sentidos, com seu efeito de
movimento, de deslocamento de posição. Sempre que há censura, há migração de
sentidos para outros objetos simbólicos, que significarão o que não pôde ser dito.
A AD analisa, em seus primórdios (AD1 e AD2)9 apenas discursos
institucionalmente marcados: jurídicos, políticos, religiosos, pedagógicos. O discurso
que se opera na clínica pode ser configurado como
institucionalmente marcado, uma vez que a clínica trabalha com os conceitos de
normal e patológico, tendendo a normalizar o diferente. Sobre este assunto,
Possenti (2002) critica o corpus estabilizado de arquivo e ressalta que a AD:
permanece no material estrategicamente escolhido em sua origem, para ter segurança do que diz. O resultado é que muitas análises acabam por redizer o dito, confirmando uma das asserções de base da teoria, segundo a qual o enunciado é raro, embora sejam infinitas suas enunciações (Possenti, 2002, p. 31).
Desta forma, o autor enfatiza que a AD deveria voltar-se para o estudo da
linguagem ordinária, uma vez que é este o lugar do inédito.
De acordo com Orlandi (2001), na AD há um dispositivo teórico e há um dispositivo analítico, construído pelo pesquisador, em seu
campo de pesquisa. Para tanto, é necessário destacar alguns conceitos que serão pontos de ancoragem da nossa análise, no próximo capítulo.
_____________ 9- Sobre as três fases da AD, ver GADET, F.;HAK, T. Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1997 e o item “Constituição do sujeito-gago na/da linguagem”, nesta tese.
A noção básica é a de funcionamento da linguagem, enfatizando aqui que a autonomia da linguagem é relativa, uma vez que dela
tomam parte as condições de produção (mecanismo de situar os protagonistas e o objeto do discurso). A relação entre o lingüístico e o
discursivo é a relação existente entre condições materiais de base (língua) e processo (discurso), ou seja, funcionamento. Vista sob este ângulo,
a língua é condição de possibilidade discursiva. Funcionamento discursivo é, pois, “a atividade estruturante de um discurso determinado, por
um falante determinado, para um locutor determinado, com finalidades específicas” (ORLANDI, 1987, p. 125).
Há duas questões básicas relacionadas aos esquecimentos (ideologicamente)
constituintes do sujeito, de que nos fala Pêcheux (1988). Em primeiro lugar, o
sujeito tem a ilusão de que é a origem do seu dizer. “Como os processos discursivos
se realizam necessariamente pelo sujeito, mas não têm sua origem no sujeito, ao
falar o sujeito se divide: as suas palavras são também as palavras dos outros”,
conforme assinala Orlandi, (1993, p.79/80). Em segundo lugar, o sujeito tem a ilusão
de que o que é dito por ele apresenta um sentido único. Esta é uma ilusão no nível
enunciativo, ou seja, “esquecimento que produz no sujeito a impressão da realidade
do pensamento (ilusão referencial): impressão de que aquilo que ele diz só pode ser
aquilo” (op.cit., p. 98).
Outro ponto relevante e que será privilegiado em nosso trabalho é o das
formações discursivas, caracterizadas “pelas marcas estilísticas e tipológicas que se
constituem na relação da linguagem com as condições de produção” (ORLANDI,
1987, p.132), definidas por sua relação com a formação ideológica. A formação
discursiva tem a função de mediação. Porque não há relação direta entre linguagem
e mundo, esta relação é atravessada por formações imaginárias.
Conforme atesta Foucault (1997), as formações discursivas são uma
espessura de sistematicidades, regularidades e relações múltiplas, como podemos
constatar nesta longa, porém necessária, citação do autor:
(...) a análise das formações discursivas se opõe a muitas descrições
habituais. Na verdade, temos o costume de considerar que os discursos e
sua ordenação sistemática não são mais que o estado final, o resultado
em última instância de uma elaboração, há muito tempo sinuosa, em que
estão em jogo a língua e o pensamento, a experiência empírica e as
categorias, o vivido e as necessidades ideais, a contingência dos
acontecimentos e o jogo das coações formais. Atrás da fachada visível do
sistema, supomos a rica incerteza da desordem; e sob a fina superfície do
discurso, toda a massa de um devir em parte silencioso: um “pré-
sistemático”, que não é da ordem do sistema; um “pré-discursivo” que se
apóia em um essencial mutismo. Discurso e sistema só se produziriam – e
conjuntamente – na crista dessa imensa reserva. Ora, o que se analisa
aqui não são, certamente, os estados terminais do discurso, mas sim os
sistemas que tornam possíveis as formas sistemáticas últimas; são as
regularidades pré-terminais em relação às quais o estado final, longe de
constituir o lugar de nascimento do sistema, se define, antes, por suas
variantes. Atrás do sistema acabado, o que a análise das formações
descobre não é a própria vida em efervescência, a vida ainda não
capturada; mas sim uma espessura imensa de sistematicidades, um
conjunto cerrado de relações múltiplas. Além disso, essas relações, por
mais que se esforcem para não serem a própria trama do texto, não são,
por natureza, estranhas ao discurso. Pode-se mesmo qualificá-las de “pré-
discursivas”, mas com a condição de que se admita que esse pré-
discursivo pertence, ainda, ao discursivo, isto é, que elas não especificam
um pensamento, uma consciência ou um conjunto de representações que
seriam, mais tarde, e de uma forma jamais inteiramente necessária,
transcritas em um discurso, mas que caracterizam certos níveis do
discurso, definem regras que ele atualiza enquanto prática singular. Não
procuramos, pois, passar do texto ao pensamento, da conversa ao
silêncio, do exterior ao interior, da dispersão espacial ao puro recolhimento
do instante, da multiplicidade superficial à unidade profunda.
Permanecemos na dimensão do discurso (FOUCAULT, 1997, p. 84/85).
As formações discursivas (FD) e a exterioridade se apóiam no interdiscurso, ou seja, na memória do dizer; outros discursos já ditos
que asseguram e sustentam o dizer, como podemos observar no esquema proposto por Orlandi, (1990, p. 42):
FD1 / FD2
EXTERIORIDADE
INTERDISCURSO
Vale salientar que a exterioridade não tem o sentido de estar fora da
linguagem, mas se encontra na textualidade. Trata-se, assim, de uma exterioridade
discursiva. Além disso, um discurso não corresponde a apenas uma formação
discursiva, uma vez que ele é heterogêneo e disperso, por constituição. É através da
análise das diferenças das FD que observamos a historicidade do discurso. O
procedimento de análise diz respeito, principalmente, à relação de paráfrases,
observação de enunciados, relação com outros discursos, bem como à relação do
discurso com as FD e das FD à ideologia. O ponto de partida é sempre o mesmo: a
compreensão de que o sentido não é único e que o sujeito não tem o controle do que
diz.
É necessário, ainda, estabelecer uma distinção entre propriedade e marca
(traço). A concepção de propriedade discursiva refere-se ao discurso, enquanto
totalidade, na relação do mesmo com a exterioridade. A de marca envolve a
organização discursiva. As marcas (ou traços) “podem derivar de qualquer nível de
análise lingüística (fonológico, morfológico, sintático, semântico) ou de unidades de
qualquer extensão (fonema, morfema, palavra, sintagma, frase, enunciado, parte do
texto, texto)” (Orlandi, 1987,p.259). Estabelecer o funcionamento específico de um
discurso é, pois, determinar a forma de relação entre traços e propriedade (s).
A interpretação na AD está no lugar do efeito metafórico, enquanto deslize de
sentidos, lugar do equívoco, ressaltando-o, e visa compreender o discurso do
sujeito, destacando como um objeto simbólico é fonte de sentidos, determinando os
gestos de interpretação que constituem esse discurso.
Com relação aos procedimentos de análise discursiva, existem muitas
possibilidades descritas, conforme atesta Orlandi (1987;2000). O procedimento
escolhido para a nossa análise foi o de constituir recortes de discursos que tratem de
um mesmo assunto e cotejá-los, através da análise das formações discursivas, com
o objetivo de caracterizar quais funcionamentos discursivos estão sendo mobilizados
pelos sujeitos.
Passamos, agora, a discutir um ponto que nos parece crucial para a
compreensão da gagueira sob o ponto de vista discursivo. Para tal, fundamentamo-
nos em trabalho anterior (AZEVEDO, 2000) e na Análise de Discurso de linha
francesa, tal como delineada nesta tese de doutorado.
2.2. Condições de Produção e gagueira
O sentido escapa a toda redução que tenta alojá-lo numa configuração orgânica ou mecânica. As máquinas ditas inteligentes são máquinas de produzir relações entre os dados que lhe são fornecidos, mas elas não estão em relação ao que o utilizador se propõe a partir das relações que elas engendram para ele. Porque o sentido é relação à, o homem pode jogar com o sentido, desviá-lo, simulá-lo, mentir, armar uma cilada.
G. Canguilhem
Conforme introduzimos, em trabalho anterior (AZEVEDO, 2000), acreditamos que a
gagueira encontra-se situada em um espaço diferente do que, até então, foi proposto pelos
pesquisadores da área.
Os sujeitos que fizeram parte de nossa análise identificam a gagueira neles
próprios, na língua, no telefone, no outro. O sujeito se remete à sua gagueira como
dificuldade materializada em uma palavra, em um fonema, ou em um objeto, ou,
ainda, com um ouvinte determinado. Neste sentido, sob o ponto de vista dos sujeitos
em estudo, teríamos:
a) A gagueira está no próprio sujeito-gago – neste caso, o sujeito se coloca na
posição de incapaz de produzir certos fonemas, aos quais, de antemão, atribui a
certeza do erro;
b) A gagueira está no objeto que serve de intermediação (telefone, livro, jornal) –
neste caso, o sujeito é silenciado ou colocado na posição de gago como efeito
deste objeto;
c) A gagueira está no outro – neste caso, há um deslocamento da posição de sujeito
falante para sujeito-gago ou silenciado, como efeito de falar a um certo ouvinte.
Há um desencontro entre onde está a gagueira sob o ponto de vista do
funcionamento da linguagem e sob o ponto de vista do sujeito-gago. No discurso do
sujeito-gago, ele retira do outro (interlocutor) a sua função de intérprete do discurso,
assumindo a visão do outro como a de alguém que é intérprete dele enquanto
sujeito-gago. Orlandi (2001) afirma que na antecipação, o locutor experimenta o
lugar de seu ouvinte, a partir de seu próprio lugar, ou seja, ela é constitutiva do
discurso, no nível das formações imaginárias e significa a maneira como o locutor
representa o seu interlocutor e vice-versa.
Neste caso, o outro (interlocutor) deixa de representar alguém com quem o
sujeito-gago conversa, passando a assumir o lugar daquele que tem por objetivo
apontar seus erros, lembrando-lhe todo o tempo de que é gago. Isto é algo que ele
antecipa do outro, mas que, nem sempre, está no outro.
Precisamos sair desses espaços cindidos, separados, a fim de compreender
que o espaço de constituição do sujeito é sempre uma posição em relação a. Este
conceito não é reconhecido pelo sujeito-gago, uma vez que este se vê sempre como
gago, cristalizado em apenas uma posição.
Existem posições discursivas potencializadoras da gagueira. A língua por si só não desloca o sujeito para a posição de gago, uma
vez que o sujeito-gago diz falar bem quando sozinho. Esta condição de fluência é registrada, largamente, por autores que estudam a gagueira,
como Van Riper (1972;1973;1982).
Logo, para que haja gagueira, é absolutamente fundamental existir um ouvinte, que deve ocupar a posição de intérprete (um
intérprete que se apresente para o gago como aquele que vai censurá-lo, discriminá-lo, ironizá-lo), o que não ocorre quando o interlocutor é
uma criança pequena, porque está claro que o sujeito não a considera capaz de interpretá-lo como gago. Se, nas formações imaginárias do
sujeito, o ouvinte é tomado como hierarquicamente superior, ou como mais crítico, exigindo uma produção discursiva outra, então o sujeito
pode ser colocado em uma posição de gago. Neste caso, o ouvinte é antecipado como sujeito-censurador, o que contribui para o “bloqueio da
fala” – a gagueira.
Desta forma, conforme analisamos em Azevedo (2000), compreender o sujeito
ocupando posição implica em possibilidade terapêutica, uma vez que o problema não
está no sujeito, mas numa posição discursiva na relação com o outro, conforme
veremos detalhadamente na proposta terapêutica fonoaudiológica com enfoque
lingüístico-discursivo para sujeitos-gagos, discutida mais adiante.
Apresentaremos, agora, uma outra questão discursiva, que consideramos
fundamental no estudo do sujeito-gago, uma vez que este traz em sua fala, o
discurso da impossibilidade. Por acreditarmos que, antecipadamente, o sujeito já diz
da sua incapacidade, como se esta estivesse no código lingüístico, onde o erro é
previsto e certo, procuramos discutir este acontecimento, tratando a língua como
espelho da gagueira.
Esta questão nos parece bastante importante, uma vez que a análise
discursiva de sujeitos-gagos, discutida neste trabalho, aponta para um discurso que
já traz a certeza do erro. Nesta perspectiva, o sujeito-gago fala da impossibilidade
de emitir fonemas, como /p/, /b/, /k/, e palavras, como “viaduto”, por exemplo,
enquanto permanece em um discurso circular (que apenas fala da impossibilidade) e
acaba por não fluir.
Este sujeito utiliza estratégias defensivas de evitação ou adiamento da gagueira que, afinal, apenas a ratificam: substitui palavras,
repete, bloqueia sons, realiza movimentos com a cabeça, bate o pé, a mão, conforme afirma Van Riper (1982), desviando-se, ou não, do
discursivo. Estas são estratégias que o identificam como sujeito angustiado por ocupar a posição de sujeito-gago – aquele que é
marginalizado pela censura – valor ideológico que discrimina o sujeito-gago. Ele acaba por identificar o seu ouvinte como censurador.
No discurso de sujeitos-gagos analisados em trabalhos anteriores (AZEVEDO, 2000; AZEVEDO e FREIRE, 2001), algo deve ser
colocado no lugar do possível erro (que ainda não aconteceu no discurso do sujeito, porém que ele já espera a ocorrência). Este algo pode ser
a substituição de uma palavra por outra, ou a fuga do discursivo, com a utilização de uma estratégia corporal, como a inclinação da cabeça
para trás, a protrusão da língua, a batida de mãos ou pés e outras posturas semelhantes, ou ainda desistir de falar. Na certeza, a priori, do erro,
há a necessidade imediata de fazer algo que afaste o sujeito da possível falha, enquanto este permanece cristalizado em um discurso circular
sobre a impossibilidade.
É possível observarmos, conforme descrito em Azevedo (2000), sujeitos-gagos que se reconhecem como gagos, mas que não são
interpretados como tais por nenhum ouvinte, uma vez que não gaguejam efetivamente. Estes sujeitos indicam dificuldades, como a
impossibilidade de emissão de palavras específicas, que surgem várias vezes em suas falas, fluentemente. Contam que no lugar de uma
provável falha, utilizam-se de outras possibilidades discursivas, como um sinônimo ou a descrição da palavra.
“Na teoria da linguagem, desde a alta Idade Média, afirmou-se repetidas vezes, que a palavra, fora do contexto, não tem
significado” (JAKOBSON, 1995, p. 44). Este autor relata o caso de um paciente afásico que, ao ser solicitado a repetir a palavra “não”,
respondeu: “não, não sei como fazê-lo” (op.cit., p.46). Como se pode observar, este paciente era capaz de emitir esta palavra, mas havia
perdido, segundo Jakobson (op.cit.), a metalinguagem, ou seja, a capacidade de denominar. Pensamos ser interessante retomar este autor,
lingüista, estudioso das afasias, esperando realizar uma analogia ao que ocorre no discurso de sujeitos-gagos analisados nesta tese. Explicar o
que acontece na gagueira e indicar impossibilidades de dizer, conduz à fluência, porém a previsão do erro, diretamente vinculada às condições
de produção, remete o sujeito à substituição desta palavra, à sua descrição, ou ainda à palavra gaguejada.
Passaremos a nos deter, no próximo tópico, à constituição do sujeito na/da
linguagem e do sujeito-gago, que, como já foi dito, acontece na infância. Esta
discussão será importante para a reflexão sobre a origem da gagueira que
desenvolveremos, adiante.
2.3. A constituição do sujeito-gago na/da linguagem
Eu sou onde não penso. Eu penso onde não sou.
Lacan Quem é o sujeito gago? Qual a concepção de sujeito que permeia este
trabalho? Na tentativa de responder a estas questões, consideramos importante
aprofundar a concepção de sujeito que norteia e fundamenta esta pesquisa.
As publicações internacionais que tratam do tema “gagueira” associam o
sujeito-gago a alguém com total domínio da linguagem, que, além de ser consciente
do que diz, é capaz de controlar, na busca de uma fluência total, a própria fala10.
Neste sentido, quando acredita que gaguejará em determinada palavra, o sujeito-
gago, prontamente, a substitui por outra, que considera mais simples foneticamente,
ou mesmo deixa de dizê-la, silenciando.
As propostas terapêuticas mais conhecidas propõem o controle da fala
como método de reabilitação, tornando o sujeito dependente (se é que isto é
possível!) de uma nova forma (artificial?) de linguagem, considerada mais fácil,
___________
10 – Sobre este assunto, ver Van Riper (1972;1973;1982); Wingate (1960); Pichon & Maisonny (1979); Perkins; Kent; Curlee (1991); Emerick; Haynes (1986); Curlee; Siegel (1997). que o conduzirá a uma gagueira fluente, de acordo com Van Riper (1982). Assim,
após sessões fonoaudiológicas, o sujeito gago aprenderá a supercontrolar a
linguagem (considerando-se, aqui, que ele já a controla, antes mesmo da terapia),
falando de forma mais lenta, evitando certas palavras perigosas e, desta forma,
mostrando (mostrando-se) ao outro que é fluente. Opomo-nos, com Vitto (1998,
p.76), à concepção de sujeito como “central de controle e processamento, um sujeito
que dirige a linguagem e que, por essa razão, dela toma distância para dar sentido e
coerência ao seu texto. Um sujeito diante da linguagem e fora da lei da linguagem.”
Nesta perspectiva, o sujeito-gago é compreendido como um sujeito capaz de se
vigiar, submetendo-se ao controle da língua e a gagueira é percebida como
comportamento, no sentido skinneriano desta noção.
É importante esclarecer que, para que possamos falar de clínica fonoaudiológica, necessitamos recorrer à Psicanálise, uma vez que
esta é uma ciência que elaborou a sua teoria a partir da prática. E por que optamos por destacar Lacan e não Freud? Porque a Psicanálise
lacaniana reinterpreta a teoria freudiana, privilegiando a linguagem como matriz de significação do sujeito, sujeito este constituído na/pela
linguagem. Esta teoria será articulada ao Projeto Interacionista de Cláudia De Lemos, pela via da Lingüística, à Análise de Discurso de linha
francesa e, finalmente, à Fonoaudiologia, mais adiante, neste trabalho.
Em seus estudos, Lacan retoma a teoria de Jakobson que, por sua vez, reinterpretou Saussure, no que se refere aos eixos
paradigmático e sintagmático da língua, alçando da retórica figuras que os explicam, quais sejam, a metáfora e a metonímia (os dois processos
da linguagem), neste caso visando compreender o funcionamento da linguagem nas Afasias. Lacan (1978) associa a condensação e o
deslocamento de Freud à metáfora e à metonímia, respectivamente, e prioriza a linguagem no sujeito, ou melhor, compreende o sujeito como
constituído na/pela linguagem.
Nosso compromisso com a
Psicanálise lacaniana é o de interpelá-
la, no sentido de recortar o que pode
interessar à Fonoaudiologia, mais
especificamente, nesta tese, o
funcionamento da linguagem em
sujeitos que apresentam gagueira. Ao
abordar a Psicanálise lacaniana,
interessa-nos a constituição do sujeito,
marcada por Lacan do Estádio do
Espelho ao Complexo de Édipo.
Como vimos no Capítulo I, embora a
linguagem e a Gagueira venham
sendo trabalhadas a partir de
referências estruturalistas, há a
possibilidade de considerá-las sob o
olhar lingüístico-discursivo, em que a
linguagem representa também o
sujeito social, sujeito da ideologia.
Apesar de trabalharmos na
Fonoaudiologia com o funcionamento
da linguagem, precisamos considerar
que essa linguagem constitui e é
constituída pelo sujeito.
O sujeito da psicanálise não é definido como ser individual, nem é o sujeito da
fenomenologia que o identifica à consciência. Em seus registros iniciais, Lacan utiliza
o termo sujeito, fazendo-o equivaler a ser humano. Mais tarde, Lacan (1990) assinala
que em diferença do eu, que, para Lacan, é construído desde a imagem do outro, o
sujeito decorre do Outro, que é referência à linguagem enquanto efeito da ordem
simbólica. Por isso, o sujeito é conseqüência do significante, e está regido pelas leis
do simbólico. Para Lacan, portanto, a causa do sujeito é a estrutura do significante.
Para Lacan (1978), o sujeito não é uma sensação consciente, uma ilusão
produzida pelo eu, mas é inconsciente, e, por este motivo, não é o agente da fala,
suporte da estrutura, sendo descentrado, acéfalo, dividido, evanescente.
Para falar da concepção de sujeito da psicanálise lacaniana, é necessário
tomar-se como suporte o conceito de simbólico, tido como condição para a
emergência do ser falante, registro onde o sujeito encontra aquilo que o representa a
partir do seu desejo. Assim, ainda na visão de Lacan (1990), o simbólico é a ordem
que atravessa o sujeito, que dela se serve dos significantes, que o representam
como desejo do Outro. Lacan (1978) acrescenta que esse mesmo sujeito está
condenado a nunca se significar plenamente, estando, portanto, perdido, dividido,
assujeitado à ordem simbólica como condição de significação.
Neste momento, articularemos o Estádio do Espelho, representação da auto-
imagem, ao Complexo de Édipo, fase pela qual passa a criança, do estado de
simbiose com a mãe à entrada da terceira pessoa na relação, o que dá origem ao
assujeitamento pela/na linguagem. Ambas as fases são descritas por Lacan como
fundamentais à constituição do sujeito. Assim, passamos a interpelar a Psicanálise,
servindo-nos dos registros lacanianos sobre a constituição de sujeito/linguagem.
Lacan (1978) articula desejo e castração no complexo de Édipo, onde o falo
será instituído como significante do desejo na triangulação edipiana, necessitando
significar-se o lugar do falo no desejo da mãe, da criança e do pai, na dialética do
“ser” e do “ter”, presentes nos três tempos do Édipo.
O prenúncio do complexo de Édipo é um momento onde a criança passa por
um processo de reconhecimento imaginário, denominado por Lacan (op.cit) de
Estádio do Espelho, experiência que ocorre antes do advento do esquema corporal,
que simboliza a pré-formação do Eu, pressupondo, em sua própria constituição, seu
destino de alienação no imaginário.
Forma-se, neste momento, o desconhecimento crônico que o sujeito
permanece cultivando em relação a si mesmo, por toda a vida, uma vez que, por
questões óticas, o próprio reconhecimento é realizado através de um espelho e a
imagem, necessariamente, invertida simetricamente.
Para Lacan (1978), antes do estádio do espelho, a criança apresenta uma
vivência psíquica de fantasma do corpo esfacelado. Ao passar por este processo,
seu corpo disperso assume a forma de unidade, mesmo que este reconhecimento se
faça no nível do imaginário, uma vez que toda a elaboração se produz no espelho,
na imagem.
Na primeira fase do espelho, a criança vive uma confusão entre si e o outro,
porque é no outro que ela vive e se orienta, até então. Inicialmente, há uma relação
fusional da criança com a mãe. Esta relação de total dependência situa, inclusive, a
sobrevivência da criança, pois a mãe (objeto de satisfação das suas necessidades)
interpreta os significantes da criança, neste momento, doando sentido aos seus
diferentes tipos de choro: fome, sede, dor, frio...
Lacan (1978) nomeia a mãe como Outro primordial, o grande Outro. “A mãe
ocupa esse lugar de Outro, na medida em que é ela quem introduz o campo da
linguagem na relação que estabelece com a criança”, assinala Faria, (1998, p.42) e,
mais adiante, “a mãe é, nesse momento, a transmissora dessa ordem de linguagem”
(op.cit, p. 43).
Faria (1998) relata a experiência realizada, no século XIII, pelo Imperador
Frederico II. Seu objetivo era investigar o que aconteceria às crianças não expostas
a nenhum tipo de linguagem desde que nascessem; ou seja, se elas desenvolveriam
alguma linguagem, sem que ninguém falasse com elas. Ao mesmo tempo, seria
observada a satisfação das necessidades básicas – nada faltaria às crianças, a não
ser a linguagem. Resultado: todas as crianças morreram. Claro que a mãe
provedora é também veículo de um campo simbólico, de interpretações e
significações. Por isso, a mãe serve de espelho à criança. Ao se observar no
espelho, percebe a própria imagem como a de um ser real, de quem se aproxima,
tentando se apropriar. Esta fase marca o assujeitamento da criança ao registro do
imaginário.
Na segunda fase do espelho, conforme assinala Lacan (1978), a criança
descobre que o outro do espelho não é real, mas uma imagem. Neste sentido, não
busca mais se apropriar da imagem, uma vez que passa a distinguir a imagem do
outro da realidade do outro.
A terceira fase do espelho, ainda
segundo este autor (op.cit), é marcada
pela dialética das duas primeiras
fases. A criança descobre que o
reflexo do espelho é uma imagem e,
além disso, a imagem dela própria.
O estádio do espelho recupera a dispersão do corpo esfacelado numa
totalidade unificada – representação do próprio corpo, conduzindo a criança à
identificação primordial, estruturante para a sua identidade de sujeito, como assevera
Lacan (1978).
O término da terceira fase do estádio do espelho marca o início do Complexo
de Édipo, onde, no primeiro momento, a criança permanece em uma relação fusional
com a mãe, assujeitada ao desejo do Outro. Neste sentido, para agradar a mãe, é
necessário ser o falo. Do ponto de vista da mãe, privada do falo no Complexo de
Castração, “a menina percebe-se, desde sempre, castrada em relação ao objeto
valorizado. Para ela, não há ameaça, o que há é a constatação de sua própria
castração” (Faria, 1998, p. 50). Há o desejo da completude, trazida pelo filho, que
ocupa o lugar simbólico do falo. “É em relação ao seu próprio Édipo, à história que o
marca, que esse lugar fálico será oferecido pela mãe a um filho” (op.cit, p. 48). Este
primeiro momento marca a dialética do ser: ser ou não ser o falo.
No segundo momento do Édipo, há a entrada de um terceiro elemento que
mediatiza a identificação fálica da criança com a mãe. A dimensão paterna
desempenha um lugar fundamental, conforme assinala Lacan (1978), intervindo na
relação mãe-criança-falo, sob a forma de privação (o pai priva a mãe do falo que ela
supostamente tem – a criança é seu objeto de desejo).
Sob a perspectiva da criança, a intrusão do pai assume a forma de interdição
e frustração, uma vez que lhe interdita o desejo, frustrando-lhe da mãe (a mãe é do
pai). Neste sentido, o segundo momento do Édipo é marcado pela intrusão do pai –
interditor, frustrador, privador – castrador. A intervenção do pai é vivida pela criança
como frustração (ato imaginário/objeto real, onde a mãe é o objeto de necessidade
para a criança). Diante da intrusão, a criança é “intimada a questionar sua
identificação fálica e, ao mesmo tempo, a renunciar a ser o objeto do desejo da mãe”
(DOR, 1992, p. 85), confrontada todo o tempo com a castração.
A partir daí, a dialética do ter assume o lugar da dialética do ser, porque o
desejo da criança (frustrado) está na dependência do objeto que o pai é suposto ter
ou não ter. A mãe aceita atribuir um lugar simbólico à função do pai, em seu
discurso com a criança. A criança é, então, forçada a aceitar não ser o falo e não ter
o falo. O pai assume o lugar de pai simbólico11, aquele que detém o objeto do
__________________
11. Lacan (1995) atribui ao pai a instância mediadora do desejo. Diferencia três tipos de pai: Pai Real: é o pai, biológico ou não, que o é, na realidade de seu ser (genitor ou não). Lacan considera o Pai Real como secundário, na medida em que não intervém no Complexo de Édipo.
desejo da mãe.
O terceiro momento do Édipo é uma dialética entre os dois primeiros
momentos, representando o declínio do complexo de Édipo e o fim da rivalidade
fálica em volta da mãe. Há a simbolização da lei, com a determinação exata
do lugar do desejo da mãe. Tanto a mãe quanto a criança estão inscritos na
dialética do ter: a mãe não tem o falo, mas pode desejá-lo em quem tem – o pai; a
criança também não tem o falo, porém pode desejá-lo onde ele se encontra e,
conforme atesta Dor (1997, p. 25), “aceitando, então, a castração simbólica, ele
tende a se identificar, seja com o sujeito suposto não tê-lo, seja, pelo contrário, com
aquele suposto tê-lo”.
Esta dialética conduz às necessárias identificações: o menino renuncia a ser o
falo da mãe, engajando-se na dialética do ter; passa a identificar-se com o pai, que
supostamente tem o falo. A menina, além de renunciar a ser o falo da mãe, engaja-
se na dialética do ter, sob a forma do não ter; vai identificar-se com a mãe, que
conhece o lugar do falo e sua busca, ao lado de quem o tem – o pai. “Trata-se de
uma vivência psíquica pressentida e interpretada pela criança” (DOR, 1997, p. 98).
Faria (1998) interpreta que, para a menina, esta questão é bem mais séria.
Como não há possibilidade de perda do órgão valorizado, uma vez que ela não o
tem, há a real constatação da sua castração. Culpa e abandona a mãe por
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Pai Imaginário: representação do pai a partir do discurso da mãe; é o pai que intervém no curso do Complexo de Édipo. Pai Simbólico: o Pai Simbólico é ressaltado, na medida em que o Pai Real se distancia do Pai Imaginário; é a função paterna, aquela que supõe sua intervenção no registro da castração.
Obs: Vale salientar que o pai é falado no discurso da mãe, o que levou Lacan (1995) a nomeá-la mãe simbólica. tê-la gerado castrada, voltando-se para o pai, desejando obter o falo, representado
simbolicamente por bebê. Neste sentido, a menina nunca sairia do Complexo de
Édipo, uma vez que permaneceria demandando falo/ bebês. Por este motivo, a
criança ocupa um espaço fundamental de alienação do desejo da mãe – o de falo.
O último tempo do Édipo marca a significação da metáfora paterna e do
mecanismo intrapsíquico decorrente dela, o recalque originário, ou seja, uma
metaforização do significante fálico pelo significante Nome–do-Pai. A partir daí, de
acordo com a psicanálise lacaniana, a criança constitui-se como sujeito, utilizando
a linguagem para designar sua renúncia a permanecer objeto de desejo da
mãe.
Althusser (1991), interpretando Lacan, afirma a existência da Lei do Simbólico,
que domina e governa dois momentos: o momento do imaginário (pré-edipiano), em
que a criança possui um alter-ego (mãe), confundindo-se com ele, sendo ela própria
o outro; o momento do simbólico (édipo resolvido), onde o pai aparece como um
intruso na simbiose criança/mãe, responsável pelo rompimento desta e introduzindo
a criança na ordem simbólica.
Lacan (1978) esclarece que a falta do objeto, manifestada sob a forma de
frustração, privação e castração tem natureza bastante diferente. A frustração se
registra no âmbito da reivindicação, onde nenhuma possibilidade de satisfação pode
ser encontrada. Na frustração, a falta é um dano imaginário e o objeto é real. Na
privação, a falta é um dano real e o objeto, simbólico. Na castração, o objeto é
imaginário (o falo) e a falta é simbólica (retomando o complexo de Édipo, a
interdição, pelo pai, do incesto, é simbólica. Além disso, é a função paterna que torna
possível o acesso ao simbólico).
No momento em que chegamos, pelo percurso da Psicanálise lacaniana, ao
acesso ao simbólico através da entrada da função paterna, observamos a
determinação da abertura à linguagem. Para melhor compreendermos o nosso
objeto de estudo, o discurso de sujeitos-gagos, necessitamos, agora, estudar os
construtos teóricos do projeto interacionista, no que diz respeito à aquisição da
linguagem infantil. Neste momento, interessa-nos discutir a origem da gagueira,
percorrendo-a pela via lingüístico-discursiva.
Além da Psicanálise, que contribui para os nossos estudos, na medida em que explica a constituição do sujeito, tornando clara a
compreensão do acesso ao simbólico através da Metáfora do Nome-do-Pai, a gagueira pode ser iluminada a partir das reflexões de linguagem
que nos dizem da aquisição de linguagem. Neste sentido, procuramos olhar a questão da gagueira, tomando por base o funcionamento da
linguagem e a concepção de erro.
Com relação ao processo de aquisição
da linguagem, tomamos como ponto
de partida os trabalhos da escola
soviética, por serem estes os que mais
se aproximam dos estudos atuais.
Neste sentido, estabeleceremos o
percurso do Projeto Interacionista de
Lemos até os dias de hoje.
A Escola Soviética, representada por Vygotsky 12, (diferentemente de Piaget, que confere à linguagem um papel secundário à
cognição), estuda a concepção de linguagem e pensamento, que, inicialmente, caminhariam de forma
__________
12. Sobre a concepção Vygotskyana, ver Oliveira, M.K. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento – um processo sócio-histórico. São Paulo: Editora Scipione, 1993.
autônoma, até por volta dos dois anos de idade. A partir daí, haveria um entrelaçamento entre ambos, uma unidade pensamento/linguagem,
quando passaria a existir uma linguagem intelectual e um pensamento verbal, onde um serve/constrói ao/o outro, em uma relação dinâmica.
Interessa-nos discutir o Projeto Interacionista em Aquisição de Linguagem por
dois motivos: em primeiro lugar, porque Lemos (1995.a) , a fundadora deste projeto,
acessa uma Lingüística tocada pela Psicanálise, que permite incorporar o sujeito à
estrutura, ao funcionamento da linguagem. Neste caso, através das análises
discursivas dos sujeitos gagos, pretendemos apontar para um funcionamento
peculiar de linguagem. Em segundo lugar, porque, nele, a autora estuda a aquisição
de linguagem em falantes normais e interessa-nos problematizar a questão da
origem da gagueira.
A primeira manifestação oral da criança é, ao nascer, através do choro. “Grito
orgânico inicial, depressa aprendido na sua provocação da resposta materna: torna-
se signo em algumas semanas” (ANZIEU, 1998, p.149). Pesquisadores de aquisição
de linguagem têm efetuado tabelas, em que situam diferentes fases pelas quais o
bebê/criança passam, em seu processo de fala. Afastando-nos destas propostas,
acreditamos, com Fink (1998), Lemos (1999) e seguidores (FREIRE, 2000) que
antes mesmo de nascer, a criança já tem linguagem, uma vez que é falada pelos
pais. Lacan (1995) afirma que nascemos em um mundo de discurso, que precede o
nosso nascimento e que continuará após a nossa morte. Sobre isto, salienta Fink:
Muito antes de uma criança nascer, um lugar já está preparado para ela
no universo lingüístico dos pais: os pais falam da criança que vai nascer,
tentam escolher o nome perfeito para ela, preparam-lhe um quarto e
começam a imaginar como suas vidas serão com uma pessoa a mais no
lar (FINK, 1998, p. 21)
Neste sentido, ela é personagem do discurso de um outro, até que seja capaz
de assumir os seus próprios turnos de linguagem e se constituir sujeito.
Como assinala Anzieu, (1998, p.152), “a criança chega à fala por meio de toda
a dialética do desejo endereçada à mãe e do desejo no qual a mãe a mantém”,
considerando haver investimentos de mãe e filho que tornam o corpo da criança um
objeto, cujo desfrute é compartilhado. Assim, tudo o que vem do corpo da criança
tem valor, como voz e sons, por exemplo. Como diz Anzieu:
A criança é banhada e penetrada pela voz da mãe, depois pela voz
daqueles que a cercam, do mesmo modo que o é pelo bico da mamadeira,
o leite, os ruídos, os objetos que vê. (...) A linguagem é a finalização,
contanto que certas angústias não tenham emperrado as reviravoltas da
relação objetal. Esse tipo de dificuldade explica a maioria dos distúrbios de
linguagem na criança (ANZIEU, 1998, p.152).
A partir de estudos de corpus13 de diálogos mãe-criança pequena, Lemos
(1995a) estabelece três processos dialógicos, constitutivos da relação
adulto/criança em aquisição de linguagem. São eles: o processo de especularidade,
caracterizado pelo espelhamento da produção vocal da criança e do adulto, pela
díade, num jogo de eco; o processo de complementaridade, onde adulto e, em
seguida, criança, retomam enunciado (ou parte dele) do outro e o
complementam, combinando-o com outro elemento (sintaxe inicial); o processo de
reciprocidade (ou reversibilidade), no qual a criança assume os papéis dialógicos,
que antes eram do adulto, instrumentando-se com/pela linguagem. No processo
de reversibilidade, a criança necessita dessubjetivar o
____________________
13. Referimo-nos a corpus, segundo Vitto, (1995, p. 47) “conjunto de enunciados efetivamente produzidos e assumidos como passíveis de descrição”.
outro, a fim de constituir-se sujeito. Neste momento, ela passa de personagem a
autor de seu próprio processo (LEMOS, 1995a). Desta forma, assim que nasce, a
criança já apresenta linguagem, porque há um outro que fala por ela, que a
interpreta.
A partir dos anos noventa, a autora abandona esta teoria, uma vez que afirma
que “a matriz interativa proposta não exibia um nível de teorização suficientemente
explícito para restringir a classe de teorias lingüísticas capazes de dar minimamente
conta da fala da criança” (LEMOS, 1999, p. 4).
No processo de aquisição da linguagem, os significantes da criança são postos em circulação pelo adulto, que os interpreta,
articulando-os a um texto. A criança cruza situações diferentes de textos, momento em que a língua passa a fazer efeito nela, gerando
auto-correções e o assemelhamento à fala do outro. Assim sendo, inicialmente, a criança fala significantes corretos da língua, não
interpretados por ela, para, enfim, deslocar-se, dessubjetivando o adulto. É quando a criança passa de personagem a autora de seu processo.
Há o efeito reorganizador da linguagem sobre a linguagem, na medida em que a criança ouve e produz enunciados. A própria produção de
um enunciado desencadeia reorganização, como conseqüência de ter sido ouvido e ressignificado. As auto-correções são, portanto, mudanças
da posição de interpretado para intérprete de si mesmo e do outro. “Os significantes apropriados pela criança voltam, pois, pela interpretação,
para o sistema em funcionamento do adulto, sendo postos em novas relações, e sofrendo conseqüente ressignificação” (CASTRO, 1995,
p.31).
Na concepção de Lemos (1995a), fortemente fundamentada nas idéias
estruturalistas de Saussure e Jakobson, falar implica efetuar operações de seleção
(metáforas) e combinação (metonímias), a partir dos eixos paradigmático e
sintagmático.
Os processos metafóricos e metonímicos, ou seja, leis de composição interna da
ordem própria da linguagem e modos de emergência do sujeito no funcionamento da
linguagem, possibilitam a ressignificação dos significantes da criança, que circulam e
devem, portanto, ser significados. Ao serem interpretados, os fragmentos
lingüísticos da criança são limitados em redes de relações e sentido, assevera Vitto
(1995).
Lemos (1999) evidencia duas possibilidades oferecidas pela utilização dos
processos metafóricos e metonímicos como alternativa viável aos processos
reorganizacionais da linguagem, atribuindo-lhes o estatuto de mecanismos de
mudança:
Primeiro, de interpretar os enunciados da criança não como instanciações
de categorias e estruturas lingüísticas, mas como produto de relações
tanto entre os fragmentos não-analisados e os enunciados/textos do
adulto quanto entre esses fragmentos no domínio de um mesmo enunciado
da criança. Segundo, de inferir dessas relações um movimento de
ressignificação desses fragmentos e da própria posição da criança na
língua, enfim, uma mudança estrutural do ponto de vista lingüístico e
subjetivo (LEMOS, 1999, p. 7).
Lemos (1999) aponta para uma solidariedade entre os processos metafóricos
e metonímicos, com dominâncias de um ou de outro, o que conduz a uma nova
perspectiva em relação ao processo de aquisição da linguagem, priorizando a
relação da criança com a fala do outro e com a sua própria língua. Já não está na
fala imediatamente precedente da mãe, mas no próprio enunciado da criança, a
cadeia que move os significantes e que contribui para deslocá-los, ressignificando-
os.
Pesquisadores da Psicologia do Desenvolvimento discutem a questão do erro
no processo de aquisição da linguagem. Carvalho (1995) contradiz esta questão,
enfocando que a noção de erro é aprisionada “a um sujeito que sabe (ou que deve
saber) e que, no entanto, ‘falha’ em relação a este objetivo” (op.cit.,p. 137). Os erros
da criança eram higienizados, uma vez que não eram passíveis de análise e
passavam a ser interpretados, somente, os fragmentos que o pesquisador
considerava próprio da língua. Foi a partir de Bowerman (1982) que os erros
passaram a ser privilegiados na análise e interpretados como novas formas de
linguagem produzidas pela criança. Sobre este aspecto, Lemos (1999) procura
contrapor os processos metafóricos e metonímicos à figura da curva-em-U,
representada empiricamente pela literatura psicológica, onde acertos precedem erros
que, enfim, são reorganizados e transformados em acertos. Com relação a esta
questão, a autora tece algumas considerações, que passamos a estruturar em
tópicos, visando a uma melhor visualização do leitor.
Curva-em-U:
1ª etapa: fase dos acertos iniciais, onde a fala da criança consiste de fragmentos
especulados da fala do adulto, além de depender da interpretação realizada pelo
adulto desses significantes para se manter no diálogo;
2ª etapa: fase dos erros, que marcariam um segundo momento, onde a criança
apresenta-se impermeável à correção dos mesmos pelo adulto;
3ª etapa: fase do desaparecimento dos erros, onde há uma permeabilidade à
correção do outro, o que coincide com a ocorrência de pausas,
reformulações e auto-correções, sempre sob a forma de substituições. Há o
reconhecimento do erro e a opção pela unidade correta.
A conclusão de Lemos (1999), a partir da oposição da curva-em-U aos
processos metafóricos e metonímicos, nos diz da noção de posição, conforme
podemos acompanhar abaixo.
1ª posição: a criança encontra-se circunscrita à fala do outro, em uma primeira
posição de falante;
2ª posição: há um falante submetido ao movimento da língua, considerando os
processos metafóricos e metonímicos como circunscritos a um efeito de semelhança
ou espelhamento entre cadeias que, ainda que originárias do outro, ganhavam seu
estatuto na língua, a saber fora da esfera do outro.
3ª posição: esta terceira posição configura um deslocamento do sujeito falante em
relação à sua fala e à fala do outro. Nesta posição, também se observa o
funcionamento dos processos metafóricos e metonímicos, uma vez que há o
reconhecimento das substituições realizadas. Há um movimento de
assemelhamento à fala do outro.
A Análise de Discurso de linha francesa, a Psicanálise e o Projeto
Interacionista em aquisição de linguagem aproximam-se quanto aos conceitos de
sujeito e linguagem, uma vez que todas supõem um sujeito que é constituído na e
pela linguagem.
As abordagens lingüísticas, entretanto, não dão conta de questões específicas
da gagueira. Obviamente, elas não teriam mesmo que olhar o patológico, uma vez
que não se propõem a isto. No Projeto Interacionista, há pais que interpretam seus
filhos e eles adquirem linguagem, configurando-se falantes ideais. E quando eles
não adquirem? E quando gaguejam? É o que discutiremos a seguir.
2.4. Psicanálise, Aquisição de Linguagem e AD: relações possíveis na
constituição do sujeito-gago
Tudo significa e, contudo, tudo é surpreendente.
Roland Barthes
Neste item, veremos como os três paradigmas, quais sejam, a constituição do
sujeito, o funcionamento de linguagem e a Análise do Discurso, têm relação com o
que pensamos sobre a origem da gagueira.
Na tangência das teorias psicanalítica e lingüística, observa-se que a entrada
no simbólico determina a subjetividade da linguagem, o constituir-se sujeito pela/da
linguagem, a mudança da posição de interpretado a intérprete de seu próprio
discurso. Como já foi dito anteriormente, é a partir da entrada do pai (terceira
pessoa) na relação mãe-bebê, que a criança é introduzida na ordem simbólica e
constitui-se como sujeito.
A concepção de linguagem que norteia a Análise do Discurso de linha
francesa (AD) é a da psicanálise, em que o sujeito não é consciente e não tem
controle sobre o que diz. Salientamos que, nem sempre, o sujeito foi visto desta
forma na AD. Neste sentido, objetivando estabelecer o percurso da concepção de
sujeito, procuramos sintetizar as três fases pelas quais passou a teoria, com
Pêcheux.
A primeira fase da AD mostra uma rigidez em suas noções. Pêcheux (1997)
afirma que um discurso se compõe de um conjunto de enunciados que o tornam
idênticos a si mesmo e diferentes de outros e, desta forma, o que está contido num
discurso, encontra-se excluído de outro. O “sujeito é assujeitado”, como salienta
Pêcheux (1997, p.311-312) e quem fala é uma teoria, uma instituição, uma ideologia
e não indivíduos. Aqui, cada discurso está submetido a regras que ultrapassam a
consciência do indivíduo.
A segunda fase da AD é marcada pela inexistência da unidade interna dos
discursos, com a contribuição de Foucault (1966), que esclarece ser a formação
discursiva uma dispersão de enunciados, o que contraria a rigidez da noção de
regras discursivas da primeira fase. A concepção de sujeito também se modifica, na
medida em que vigora a idéia de sujeito-função de Foucault (1966), em que o sujeito
cumpriria diferentes funções na ordem discursiva.
A terceira fase põe em relevo a noção de polifonia de Bakhtin e a idéia de
heterogeneidade, marcada pela influência deste autor e de Lacan e Foucault. Assim,
a noção que vigora é a de que o Outro (interdiscurso da AD) está sempre presente,
uma vez que ele é constitutivo do discurso, seja de forma mostrada, como na citação
direta, ou de forma constitutiva. O sujeito é visto como assujeitado e marcado pela
ideologia; o sujeito é um efeito, não uma causa. Esta é a noção de sujeito da AD
com a qual trabalhamos nesta pesquisa.
A partir destas considerações, retorna-se à questão original, marcada no início
deste capítulo, ou seja, quem é o sujeito gago? Certamente, a despeito dos estudos
veiculados sobre a gagueira, que insistem no controle do gago sobre a
língua/linguagem, compreendendo-o como um indivíduo centrado, racional e detentor
de uma identidade única, estável e coerente, i.e., como sujeito psicológico, estes
sujeitos permanecem em suas posições de gagos, ou melhor, gagos sob controle,
porém continuam a se declarar “gagos”. São sujeitos que apresentam, de antemão,
a certeza do erro e que, antes de falarem, já estão certos de que gaguejarão.
Submetidos à ordem da língua todos somos/estamos; porém, o sujeito-gago
encontra-se submetido à forma, aos fonemas, a determinadas palavras, mantendo
um discurso circular, que apenas diz da impossibilidade de falar, conforme analisado
em Azevedo (2000) e encaminhado, mais à frente, nas análises desta tese.
E a criança pequena que gagueja? É bastante comum observarmos crianças
de dois, três, quatro anos repetindo palavras, enquanto os pais, surpresos, tentam
ajudá-las, pedindo-lhes que respirem profundamente, falem direito ou mais devagar...
Neste momento, solicitamos a licença do leitor para fazer um recorte a respeito
da gagueira, nomeada, pelos estudos fonoaudiológicos, como fisiológica ou natural,
para, em seguida, retomarmos a nossa fundamentação sobre a origem daquele
transtorno, uma vez que esta discussão depende de um esclarecimento sobre a fase
inicial da gagueira.
A criança pequena passa por uma fase de gagueira, denominada, nas
publicações da área, de gagueira fisiológica (VAN RIPER, (1972;1973;1982);
DINVILLE (1993), ou natural (FRIEDMAN, 1991;1994;1996;2001). Há uma
convergência dos autores em torno do período de aparecimento e manutenção desta
disfluência (entre dois e seis anos de idade), dos sintomas relacionados a ela:
repetições de sílabas e palavras e prolongamentos de sons e, ainda, da causa: o
próprio processo de aquisição de linguagem.
Neste período, a criança já se apropriou de um vasto sistema lexical e a
dificuldade em selecionar palavras do seu repertório lingüístico a conduz à disfluência,
sendo considerada uma etapa esperada da aquisição da linguagem na criança,
conforme assinala Friedman (1994). Parece haver consonância, também, quanto ao
desaparecimento da gagueira fisiológica, que costuma ocorrer de forma espontânea,
sem necessidade de intervenção terapêutica de nenhuma espécie.
Anzieu, (1998) considera ser a gagueira fisiológica um atestado de maturação
da criança pequena, que pode apresentar hesitações tônicas da ordem da gagueira,
durante o processo de aquisição da linguagem. A autora afirma ser esta
manifestação passageira, a não ser em casos em que “a luta entre pulsões violentas
e um superego já muito forte não pode ser resolvido com violência verbal. A não ser
que esta violência irrompa no corpo todo, mas não fora da boca” (ANZIEU, 1998,
p.155)
Nesta perspectiva, podemos inferir que a criança passa por um processo
natural, em sua aquisição de linguagem, em que, na escolha de significantes em sua
rede lingüística, não encontra condições viáveis de seleção/substituição no eixo
metafórico e, enquanto isso se processa, permanece deslizando no eixo metonímico,
repetindo sílabas e palavras, ou prolongando fonemas. É importante salientar que,
neste momento, o que se observa na fala da criança são deslizamentos metonímicos,
enquanto que na gagueira do adolescente e do adulto os bloqueios (metafóricos) são
mais freqüentes, como podemos observar em Van Riper (1972;1973;1982), Andrade
(1999) e Azevedo (2000).
É possível, ainda, realizar uma analogia da gagueira fisiológica ao ato motor.
Quando a criança começa a andar, cai freqüentemente, o que, geralmente, é
compreendido pelos pais como parte integrante do processo de locomoção. Aos
poucos, ela vai dominando o seu corpo e, logo, é capaz de correr, saltar e pular. Já
com relação à linguagem gaguejada, em sua fase considerada natural, a família,
muito comumente, passa a identificar a criança como gaga, angustia-se e cobra dela
uma postura lingüística incompatível para aquele momento, como poderemos
constatar no discurso de mães de crianças nomeadas como gagas, descrito em
Azevedo (2000). Poderia esta gagueira fisiológica deslocar-se para uma gagueira?
Os discursos dos sujeitos gagos e de seus pais, a que temos acesso na clínica
fonoaudiológica nos dizem que sim.
Vimos, até aqui, a concepção de aquisição de linguagem no falante normal.
Na tentativa de lançar um novo olhar sobre a discutida e controversa origem da
gagueira, retomamos a Proposta Interacionista em Aquisição de Linguagem e, logo
em seguida, a AD francesa, agora procurando evidenciar esta discussão.
Retomamos, sinteticamente, a interpretação de Lemos sobre a noção de “erro”
na aquisição de linguagem, a partir da concepção de posições ocupadas pela
criança, agora com o objetivo de discutir a origem da gagueira.
Ao estudar a aquisição da linguagem na criança, Lemos (1999) faz uma
releitura da curva-em-U, partindo da noção de posição, derivada do estruturalismo.
Assim, a autora sustenta que na primeira posição, o fato de que a criança acerta,
mostrando uma fala que contém fragmentos especulados da fala do adulto, atesta
que a criança encontra-se circunscrita à fala do outro, em uma primeira
posição de falante; na segunda posição, o fato de que a criança erra (após
acertar) mostra um falante submetido ao movimento da língua, considerando “os
processos metafóricos e metonímicos como circunscritos a um efeito de
semelhança ou espelhamento entre cadeias que, ainda que originárias do outro,
ganhavam seu estatuto na língua, a saber fora da esfera do outro” (Lemos, 1999, p.
15); na terceira posição, o fato de que há um desaparecimento dos erros, o que
coincide com a ocorrência de pausas, reformulações e auto-correções, com
reconhecimento dos erros, configura um deslocamento do sujeito falante em
relação à sua fala e à fala do outro. Nesta posição também se observa o
funcionamento dos processos metafóricos e metonímicos, uma vez que há o
reconhecimento das substituições realizadas. Há um movimento de
assemelhamento à fala do outro.
É importante esclarecer que nem sempre o assemelhamento à linguagem se
faz conforme o esperado, conforme atesta Freire:
Pode-se pensar que a interpretação da fala da criança pelo outro nem sempre se apresenta com os mesmos efeitos, ou seja, pode caminhar em direções diferentes daquelas observadas pelos estudos em aquisição de linguagem. Quero dizer que a interpretação coloca em cena não qualquer adulto e qualquer criança, mas um certo adulto e uma certa criança (FREIRE, 2000, p. 05).
Acreditamos que a terceira posição da curva-em-U analisada por Lemos
(1999) é um lugar interessante para se pensar a origem da gagueira, porque nela é
observado que as crianças apresentam hesitações, repetições de sílabas e palavras,
prolongamentos de sons, pois estão submetidas ao movimento da língua e da fala do
outro, o que pode gerar um efeito de gagueira.
O adulto, muitas vezes, interpreta a fala da criança, nesta terceira posição,
como gaguejante. É comum, neste caso, um discurso autoritário, que situa a
criança em uma relação de ordem, de cima para baixo. O discurso do adulto é
impregnado de ausência de reversibilidade, ao solicitar que a criança fale devagar,
respire fundo e pense antes de falar. A fala do adulto não situa a criança na direção
do seu erro, mas parece conduzi-la a identificá-lo em qualquer lugar do seu corpo,
nela toda. Assim, quando a criança se desloca em relação à sua fala e à fala do
outro, buscando assemelhar-se ao outro, este outro pode interpretá-la como sujeito
gaguejante.
Neste caso, o efeito do outro-ouvinte na criança pode deslocá-la a recusar-se
a falar, a utilizar estratégias variadas, como bater os pés, as mãos, na boca,
canalizar a tensão trazida pela possibilidade discursiva para outro órgão do corpo, ou
mesmo substituir palavras por outras que considera mais fáceis. A partir daí, de
sujeito falante assemelhado ao outro, depara-se com a diferença, o não-
assemelhamento, podendo passar a sujeito gago, silenciado pelo outro.
Assim, propomos aqui uma nova concepção de sujeito, o sujeito da AD – o
sujeito assujeitado à língua, que o conforma – o efeito-sujeito. Neste sentido, o
sujeito-gago é constituído assim na infância, em suas relações discursivas.
Concordamos com Ferrioli, que afirma ser na “relação com a alteridade que a criança
se constitui como gaga” (FERRIOLI, 2002, p. 70). O sujeito-gago reconhece-se
nesta posição (a de gago), porque aí se constituiu e é a partir desta posição que irá
falar.
Considerando os pressupostos teóricos da AD que vê o sujeito dentro de uma formação social/formação ideológica/formação
discursiva, entendemos que o sujeito-gago ocupa uma função-sujeito em uma formação social na perspectiva de normal/patológico, em que, ao
titubear na fala, é visto social e patologicamente como “anormal”. É a partir deste lugar que ele é discriminado, marginalizado, porque é
identificado como alguém que se atropela pela língua em seu discurso. É uma situação em que esse sujeito vê no outro, no seu interlocutor
social, a censura, a sua “anormalidade”, o que o faz ainda mais gago. Portanto, o sujeito-gago é “medido” a partir de sua relação com o seu
dizer e com o seu censurador: um lugar de onde ele fala e o valor de sua posição de “anormal” diante da sociedade – sua posição no discurso
dentro de uma sociedade hierarquizada, discriminadora. Ao pensar na censura que virá do seu “ouvinte”, o sujeito-gago recusa-se a ser
identificado como tal e titubeia muito mais no uso da fala, reforçando, assim, um discurso da gagueira, que o identifica como portador de uma
patologia que o marginalizará ideologicamente como sujeito-gago, portanto, “doente”.
No próximo capítulo, vamos nos ocupar dos caminhos metodológicos da pesquisa. Neste sentido, passamos a enfocar a AD também
como dispositivo de análise.
CAPÍTULO III: CAMINHOS METODOLÓGICOS PARA ENXERGAR O SUJEITO-GAGO
Uma teoria é como uma caixa de ferramentas.
Nada tem a ver com o significante... é preciso que
sirva, é preciso que funcione. E não para si mesma.
Se não há pessoas para utilizá-la, a começar pelo
próprio teórico que deixa então de ser teórico, é
que ela não vale nada ou que o momento ainda
não chegou.
Gilles Deleuze
____________________________________________________
Este capítulo ocupa-se dos procedimentos metodológicos aplicados à
presente investigação. A primeira seção classifica o estudo. As seguintes tratam
dos aspectos referentes à seleção dos sujeitos, à coleta dos dados e técnicas de
pesquisa, procedimentos de análise e considerações éticas.
3.1. Modelo Conceitual
Propomos o tratamento do nosso objeto de estudo a partir do pressuposto
metodológico da pesquisa qualitativa, pois se concentra na busca da compreensão
da dinâmica das relações sociais em sua complexidade (Ferreira, 1988; Demo,
1995).
Sobre este modelo conceitual, Chizzotti (1991) complementa:
a abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito (CHIZZOTTI, 1991, p. 79).
Este autor (op.cit.) afirma ainda que o sujeito-observador é parte integrante do
processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado.
Na abordagem qualitativa, o objeto não é um dado inerte ou neutro, mas possuído de
significados e relações. Todas as pessoas que participam da pesquisa são
reconhecidas como sujeitos que elaboram conhecimento.
Para a apreensão das formações discursivas do discurso dos sujeitos-
gagos e propormos uma possibilidade terapêutica, optamos por uma tipologia de
análise discursiva. Desta forma, a Análise do Discurso de linha francesa (AD) foi
teoria e dispositivo de análise.
Conduzimos a pesquisa através de uma análise qualitativa da produção discursiva de três sujeitos com queixa e diagnóstico de
gagueira, em processo de terapia fonoaudiológica com a fonoaudióloga-pesquisadora, além da análise das respostas de uma entrevista semi-
estruturada, realizada com trinta sujeitos-gagos, em atendimento fonoaudiológico com terapeutas distintos.
3.2. Seleção dos Sujeitos
- Os trinta sujeitos (Sujeitos A) que participaram da entrevista foram selecionados,
atendendo aos critérios abaixo:
a) Encontrarem-se em atendimento fonoaudiológico, com o diagnóstico de
gagueira;
b) Serem de qualquer gênero, feminino ou masculino;
c) Serem adultos (terem idade acima de 18 anos);
d) Situarem-se em faixa etária de até 60 anos, evitando, com isso, degenerações
neurológicas decorrentes da senilidade;
e) Serem escolhidos de forma aleatória, entre os sujeitos que obedeçam aos
critérios acima descritos.
f) Aceitarem livremente a participação na pesquisa e assinarem o termo de livre
consentimento e aceitação.
- Os três sujeitos participantes das sessões de terapia fonoaudiológica (Sujeitos B e C) com a fonoaudióloga-pesquisadora foram selecionados
de acordo com os seguintes critérios:
a) Encontrarem-se em atendimento fonoaudiológico com a pesquisadora;
b) Apresentarem queixa e diagnóstico fonoaudiológico de gagueira
não orgânica, confirmada a partir de estudo do caso clínico;
c) Serem de ambos os gêneros, mais especificamente, um sujeito do gênero
feminino e dois do gênero masculino;
d) Situarem-se em faixas etárias determinadas, caracterizando uma criança (entre 4
e 10 anos), um adolescente (entre 13 e 19 anos) e um adulto (entre vinte e 50
anos). Desta forma, cada um dos três sujeitos se situou em uma categoria;
e) Serem escolhidos de forma aleatória, entre os sujeitos que obedecerem aos
critérios acima descritos.
f) Aceitarem livremente a participação na pesquisa e assinarem o termo de livre
consentimento e aceitação.
3.3. Coleta de Dados e Técnicas de Pesquisa
Houve dois tipos de técnicas de pesquisa, que passamos a apresentar
adiante: entrevista semi-estruturada e análise discursiva de sujeitos-gagos em
situação de terapia fonoaudiológica.
A entrevista é uma das técnicas de coleta de dados que permite a obtenção
de aspectos relevantes e detalhados sobre as referências e preocupações do
entrevistado, pois supõe uma interlocução entre informante e pesquisador. Optamos
especificamente pela entrevista semi-estruturada porque esta, “ao mesmo tempo em
que valoriza a presença do investigador, oferece todas as perspectivas possíveis
para que o informante alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias,
enriquecendo a investigação” (TRIVINÕS, 1987, p. 146). De acordo com Alves-
Mazzoti; Gewandsznajder (2000), geralmente as entrevistas qualitativas são semi-
estruturadas, em que o entrevistador faz perguntas específicas, porém permite que o
entrevistado as responda em seus próprios termos.
Os procedimentos adotados para a realização das entrevistas seguiram as
seguintes orientações de Richardson et al. (1988): a) inicialmente, foram explicados
o objetivo e a natureza do trabalho, como também, justificaram-se os critérios para a
sua escolha; b) garantiu-se o anonimato do entrevistado; c) orientou-se o
entrevistado sobre o fato de que ele poderia interromper e pedir esclarecimentos
sobre as perguntas apresentadas.
Neste sentido, foi apresentada a cada sujeito uma carta de apresentação da
pesquisa (apêndice I), do termo de livre consentimento e esclarecimento para
participação em estudo clínico (apêndice II) e do termo de compromisso e aceitação
(apêndice III). Os participantes que desejaram responder e que atenderam aos
critérios pontuados no item 2 (seleção dos sujeitos) da metodologia da pesquisa
foram aceitos como sujeitos do estudo (Sujeitos A).
Antes de iniciarmos a entrevista propriamente dita, elaboramos um
primeiro roteiro (piloto) que foi avaliado em quatro sujeitos. A partir dessas primeiras
entrevistas, introduzimos mudanças no roteiro, a fim de permitir uma melhor
compreensão das perguntas por parte dos entrevistados. Após esse processo,
elaboramos, então, o roteiro definitivo da entrevista.
O roteiro (apêndice V) avaliado foi organizado contendo questões semi-
estruturadas sobre temas relacionados à origem, etiologia, sintomatologia,
interpretação da gagueira, entre outros. As entrevistas foram gravadas em gravador
digital, cujo conteúdo foi transcrito de forma literal e analisado discursivamente.
As entrevistas foram realizadas pela pesquisadora e tiveram a duração de
quarenta minutos, aproximadamente, cada uma. Foram realizadas individualmente,
no período de fevereiro a novembro de 2005. Todas as entrevistas foram áudio-
gravadas com a permissão dos participantes e transcritas diretamente para o
computador, respeitando-se a fala dos entrevistados.
As entrevistas semi-estruturadas foram realizadas com trinta sujeitos-gagos,
apresentando idades entre 18 e 50 anos, sendo que 23 (vinte e três) eram do sexo
masculino e 7 (sete) do sexo feminino. Todos os sujeitos entrevistados participavam
de sessões terapêuticas com estagiários de Fonoaudiologia da Clínica-escola
Manuel de Freitas Limeira, da Universidade Católica de Pernambuco ou com
fonoaudiólogos diversos, considerando-se, assim, a submissão destes sujeitos a
diferentes abordagens de intervenções terapêuticas.
A segunda técnica de pesquisa foi a análise discursiva de sessões
terapêuticas. Assim como discutido no item anterior, também com os sujeitos B e C,
inicialmente, foram entregues carta de apresentação da pesquisa (apêndice I),
Termo de livre consentimento e esclarecimento para participação em estudo clínico
(apêndice II) e Termo de compromisso e aceitação (apêndice III) aos três pacientes
ou responsáveis por estes (no caso da criança e adolescente). Ao aceitarem
livremente, foram considerados participantes do estudo (Sujeitos B e C, sendo
considerados sujeitos C a criança e o adolescente, por fazerem parte de grupo
especial, conforme as normas éticas de pesquisa).
Foram coletados dados referentes às sessões (audio-gravadas),
semanalmente, em consultório particular, com duração de trinta minutos cada, por
um período compreendido entre seis meses e dezessete meses. Em seguida,
recortes discursivos foram constituídos de forma longitudinal, a partir do corpus
obtido nestas sessões, de acordo com o conceito de Orlandi:
O recorte é uma unidade discursiva: fragmento correlacionado de
linguagem – e – situação (...) os recortes são feitos na (e pela) situação de
interlocução, aí compreendido um espaço menos imediato, mas também
de interlocução, que é o da ideologia (Orlandi, 1987, p. 139/140).
Sobre este aspecto, Orlandi (2000) afirma que o corpus resulta de uma
construção do próprio analista e que todo discurso é parte de um processo discursivo
mais amplo que o analista recorta. A forma do recorte determina o modo da análise e
o dispositivo teórico da interpretação a ser construída.
3.4. Procedimentos de análise e considerações éticas
Orlandi (2000) afirma que o analista deve construir um dispositivo de análise
que considere ideologia e inconsciente, investindo na opacidade da linguagem, no
descentramento do sujeito e no efeito metafórico, isto é, na falha e na materialidade.
Este dispositivo é chamado, pela autora, de “escuta discursiva” (ORLANDI, 2000, p.
60).
Há dois momentos a considerar até a análise discursiva propriamente dita,
conforme salienta Orlandi (2000):
a) o ponto de partida é o de que a análise discursiva compreende a forma como um
objeto simbólico produz sentidos. Assim, o primeiro passo seria a transformação da
superfície lingüística em um objeto discursivo, configurando o corpus e fazendo
recortes. Neste momento, há um primeiro momento de análise, retomando-se
conceitos teóricos, uma vez que há um procedimento que demanda um ir-e-vir
constante entre teoria, consulta ao corpus e análise.
b) Em um segundo momento, há uma passagem do objeto para o processo
discursivo. Nesta fase, há o delineamento das formações discursivas e sua relação
com a ideologia, o que nos permite compreender como se constituem os sentidos
desse dizer.
A tarefa do analista do discurso é distinguir descrição e interpretação, já que
estas se interrelacionam. Desta forma, de acordo com a autora (ORLANDI, 2000), há
que se considerar, também:
a) a compreensão de que o sujeito que fala também interpreta, leva o analista à
descrição deste gesto de interpretação do sujeito, que se constitui no sentido
submetido à análise;
b) o fato de que não há descrição sem interpretação e, por este motivo, o próprio
analista está envolvido na interpretação e trabalha no entremeio entre a descrição e
interpretação.
Os procedimentos de análise deste trabalho relacionaram-se aos dois tipos de
técnicas de pesquisa e serão contemplados abaixo, considerando-se a mesma
distinção.
Sobre a primeira técnica de pesquisa - entrevista semi-estruturada - as
entrevistas gravadas foram cotejadas, uma a uma, com relação a cada questão
trabalhada. As análises foram realizadas com base no funcionamento discursivo dos
sujeitos e, em seguida, os diversos discursos foram confrontados
(interdiscursividade) pela análise das formações discursivas, em particular. Para
conceituar Formações Discursivas (FD), recorremos a Foucault (1997, p.43):
No caso em que se puder descrever, entre um certo número de
enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os
objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se
puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e
funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata
de uma formação discursiva.
Neste sentido, procuramos considerar a linguagem dos sujeitos, referindo-se à
gagueira, como lugar de debate, de conflito. O procedimento de análise diz respeito,
principalmente, à relação de paráfrases, observação de enunciados, relação com
outros discursos, bem como à relação do discurso com as FD e das FD à ideologia.
O ponto de partida é sempre o mesmo: a compreensão de que o sentido não é único
e que o sujeito não tem o controle do que diz.
As respostas da entrevista nos conduziram a um perfil do sujeito-gago e,
apesar de alguns dos tópicos trabalhados se encontrarem nas publicações
específicas da área, salientamos que nos interessava escutar o sujeito que gagueja e
não apenas o relato do pesquisador a respeito da gagueira. Van Riper (1972),
estudioso da gagueira (sendo, também, gago), afirma que apenas o gago sabe o que
é, realmente, a gagueira. Neste sentido, o material pesquisado foi de suma
importância para a estruturação da proposta terapêutica discutida mais adiante.
Uma formação discursiva identificada serviu, em algumas análises, a uma
questão; em outros casos, uma mesma formação discursiva se relacionava a até
cinco tópicos da entrevista.
Com relação à segunda técnica de pesquisa, a análise discursiva de sessões
terapêuticas, estas terapias fonoaudiológicas, sempre realizadas com a
fonoaudióloga-pesquisadora, foram gravadas em gravador digital, posteriormente
transcritas literalmente, para serem analisadas. Foram constituídos recortes
discursivos, que melhor esclarecem a natureza da análise.
Desta forma, foi realizada uma análise discursiva dos três sujeitos com queixa
de gagueira, em situação de entrevista inicial fonoaudiológica, com a pesquisadora.
Estes sujeitos falaram livremente, a partir de suas próprias reflexões acerca de suas
queixas. Este procedimento é rotineiramente utilizado na clínica fonoaudiológica. A
entrevista inicial foi analisada à luz do quadro teórico e metodológico da Análise de
Discurso de linha francesa.
Em um segundo momento, estes três sujeitos foram analisados em situações
diferentes de processo terapêutico fonoaudiológico e a gagueira foi estudada a partir
da ótica discursiva, tomando-se por base estudos anteriores (AZEVEDO, 2000;
AZEVEDO; FREIRE, 2001), que tiveram um caráter norteador, juntamente com a
Análise de Discurso de linha francesa e fontes de referência tradicionais e atuais
publicadas sobre a gagueira. Neste sentido, foram discutidos aspectos inerentes ao
nosso objeto de estudo, como conceito, etiologia e sintomatologia da gagueira,
partindo de uma perspectiva discursiva, identificando condições de produção do
discurso e analisando estratégias de evitação e adiamento da gagueira, utilizadas
pelos sujeitos gagos.
Há diversos procedimentos da Análise do Discurso, como por exemplo, o
estudo de um texto em sua totalidade, procurando marcas que o caracterizam.
Neste caso, analisam-se palavras ou frases-de-base que determinam a
especificidade do texto (ORLANDI, 1987,p.259). Uma outra possibilidade - escolhida
para a nossa análise – foi a constituição de recortes de discursos que tratem de um
mesmo assunto e a sua confrontação, através da análise das formações discursivas,
com o objetivo de caracterizar quais funcionamentos discursivos estão sendo
mobilizados pelos sujeitos.
Ainda neste estudo, procuramos delinear uma proposta terapêutica
fonoaudiológica, estruturada sob o ponto de vista lingüístico-discursivo. Acreditamos
que o trabalho fonoaudiológico com gagueira, nesta abordagem, gera efeitos de
deslocamento da posição de sujeito-gago para a de sujeito-fluente, cujos momentos
de gagueira são vistos como naturais e não previstos.
Nesta proposta, identificamos os mecanismos geradores e mantenedores da
fluência e da gagueira, apontando para o espaço discursivo como o lugar de
produção da gagueira. Neste momento, trabalhamos com a relação direta entre os
momentos de gagueira e as condições de produção do discurso, procurando registrar
estratégias terapêuticas eficientes, que poderão contribuir para um novo olhar na
terapia de sujeitos gagos – o lingüístico-discursivo.
Quanto às considerações éticas, foram encaminhados, aos sujeitos da
pesquisa, uma carta de informação sobre a pesquisa (apêndice I); o Termo de Livre
Consentimento e Esclarecimento para Participação em Estudo Clínico, observando-
se a resolução 196/96 (apêndice II), que contém os objetivos e a metodologia do
estudo, para que os sujeitos da pesquisa ou os responsáveis pelos participantes
definissem sobre a participação na mesma. Caso concordassem, assinavam o
Termo acima descrito e recebiam o Termo de Compromisso (apêndice III) do
pesquisador para a garantia dos participantes.
O referido projeto foi encaminhado para análise do Comitê Científico e de
Ética da Universidade Católica de Pernambuco, tendo sido aprovada a sua
execução, de acordo com o parecer CEP nº 008/2006 (anexo I).
Até o momento, não estão descritos na bibliografia riscos para a pesquisa com
relação à metodologia adotada - coleta de dados, realizada através de entrevistas e
gravações de sessões fonoaudiológicas. A comunidade científica deverá ser
beneficiada, através da leitura deste trabalho, que realiza uma análise discursiva de
sujeitos gagos na clínica fonoaudiológica. Os sujeitos-gagos foram beneficiados, uma
vez que houve uma devolutiva da análise realizada a estes.
A privacidade dos sujeitos que optaram por participar da pesquisa está
inteiramente garantida, visto que os sujeitos A não foram identificados e os sujeitos B
e C receberam nomes fictícios.
CAPÍTULO IV: A GAGUEIRA NA PERSPECTIVA LINGÜÍSTICO-
DISCURSIVA: UMA PROPOSTA TERAPÊUTICA
Não é suficiente retirar a máscara para que o homem
apareça. Pois, atrás da máscara, há outra máscara, a
que nos permite ver o outro discurso.
J.Chavreul
____________________________________________________
Neste capítulo, passamos a analisar os dados deste trabalho, que serão divididos em
dois momentos distintos e, posteriormente, retomados para a elaboração da proposta
terapêutica, em um terceiro momento.
Desta forma, o primeiro momento (4.1), nomeado “o espelho da gagueira: relatos de
sujeitos-gagos,” considera a análise das trinta entrevistas realizadas com sujeitos-gagos
adultos, que participam de sessões fonoaudiológicas com terapeutas diferentes e que, por este
motivo, mantêm abordagens teóricas distintas. O segundo momento (4.2), intitulado “no
caminho do discurso: um processo de terapia fonoaudiológica,” trata da análise discursiva de
três sujeitos-gagos: uma criança, um adolescente e um adulto, em sessões fonoaudiológicas
com a pesquisadora, constituídos de forma longitudinal, em quatro recortes discursivos que
mostram situações diferentes da terapia, que vão da entrevista inicial ao processo de alta
terapêutica, ou de discussão sobre o desvinculamento do sujeito-gago ao processo
fonoaudiológico. O terceiro momento (4.3), chamado “Fonoaudiologia e discurso:
ressignificando o processo terapêutico”, parte das formações discursivas constituídas nas
entrevistas e da análise das sessões realizadas com sujeitos-gagos para evidenciar uma
proposta terapêutica para o atendimento fonoaudiológico de sujeitos-gagos, sob a perspectiva
lingüístico-discursiva.
4.1. O espelho da gagueira: relatos de sujeitos-gagos
A clínica vista deste lugar implica o fonoaudiólogo defrontar-se com o desconhecido. Implica uma total disponibilidade para enfrentar o inédito. O que significa enfrentar a si mesmo.
Beatriz Millan
As publicações específicas sobre a gagueira contemplam alguns dos tópicos
pesquisados, como o perfil realizado por Faria e Ferriolli (2005), que afirma o surgimento da
gagueira na primeira infância e a maior incidência no sexo masculino, na relação de três para
um, por exemplo. Fazemos, entretanto, três ressalvas a este respeito.
Em primeiro lugar, há estudos sobre a gagueira sob o ponto de vista de estudiosos
sobre o assunto e, como nos afirma Van Riper (1982), a única pessoa que sabe o que é a
gagueira é o próprio gago. Neste sentido, a escuta de sujeitos-gagos sobre vários tópicos
relacionados à gagueira pareceu-nos bastante relevante e oportuna.
Finalmente, para estruturarmos uma proposta terapêutica para a gagueira,
necessitamos conhecer o que o sujeito-gago nos traz sobre queixa, etiologia, sintomas e outros
tópicos relacionados ao problema que apresenta. A perspectiva de análise permanece sendo o
sujeito (gago) e não a gagueira de forma isolada.
Foram realizadas trinta entrevistas, conforme modelo no apêndice V. Os sujeitos
entrevistados participavam de sessões fonoaudiológicas com a pesquisadora e com outros
terapeutas, encontrando-se submetidos a propostas terapêuticas que seguem abordagens
teóricas variadas. Os participantes apresentavam idades entre 18 e 50 anos, sendo que 23
(vinte e três) eram do sexo masculino e 7 (sete) do sexo feminino. As onze questões foram
respondidas por todos os sujeitos e serão discutidas por meio de formações discursivas,
constituídas a partir das paráfrases no interdiscurso.
A seguir, discutiremos as formações discursivas dos sujeitos–gagos
entrevistados, que darão suporte à discussão. Cabe, neste momento, esclarecer o
que entendemos por formações discursivas, uma vez que, neste tópico, pretendemos
destacar as que estão em consonância com o discurso de sujeitos-gagos analisados
neste trabalho. Trata-se, segundo Orlandi (2000), da relação língua-exterioridade, ou
seja, no interdiscurso sobre a gagueira, a forma-material nos permitiu a conjugação
de formações discursivas, que passamos a analisar.
No confronto dos discursos dos sujeitos entrevistados, através da análise da
interdiscursividade, procuramos realizar uma análise das formações discursivas,
recortando as semelhanças, diretamente relacionadas à exterioridade. Identificamos
seis formações discursivas, que passamos a explorar mais adiante, já as
relacionando à discussão das respostas das entrevistas realizadas com os trinta
sujeitos-gagos.
Formações Discursivas:
1) A gagueira é vista como algo do corpo.
2) Há previsão e certeza do erro.
3) Há algo que deve ser colocado no lugar do erro iminente (previsto e certo)
antes que ele ganhe visibilidade na interpretação.
4) Há fonemas e palavras considerados difíceis ou impossíveis de serem ditos.
5) Há posições discursivas geradoras de gagueira.
6) Há posições discursivas geradoras de fluência.
Neste momento, passamos a confrontar os discursos dos trinta sujeitos
entrevistados, pela via da interdiscursividade, a partir da análise das suas formações
discursivas.
Formação Discursiva 1
A gagueira é vista como algo do corpo
Esta formação discursiva foi identificada em cinco questões trabalhadas nas
entrevistas: queixa em relação à fala, conceitos, causas, sintomas e lugar da gagueira. Como
nos cinco tópicos abordados, as respostas da maioria dos sujeitos mantiveram-se no corpo,
constituímos uma formação discursiva e passamos a discutir as cinco questões juntas, embora
organizadas numericamente abaixo.
1. Queixa em relação à fala
Questão: Qual a sua queixa em relação à fala?
(Formação Discursiva 1 - a gagueira é vista como algo do corpo)
Esta pergunta tinha a intenção de conhecer o que o sujeito gago dizia a respeito de sua
queixa, ou seja, se ele indicava pontualmente a gagueira, ou se desviava o foco, apontando
para um problema articulatório ou uma outra dificuldade não nomeada.
Dos trinta sujeitos pesquisados, dezenove responderam ser a gagueira, a sua queixa
principal. Entre estes dezenove, oito afirmaram ser “a minha gagueira”, o problema. Entre os
onze que não enfatizaram a gagueira como queixa, seis disseram ser uma disfluência, quatro
descreveram o seu problema como “uma fala rápida”, “embolada”, “uma falha na fala”, “fala
rápida com paradas” e um alegou ser uma “disfemia”. (nome científico para gagueira, de
acordo com Van Riper, (1972;1973;1982), Pereira, 2003).
Laufer (2001) afirma que na entrevista inicial com um sujeito gago,
independentemente de idade, sexo ou estágio do problema, o profissional assume uma posição
de curiosidade, “de um não saber a respeito do que cada um conta de si” (op.cit., p.39). Isto é
fundamentado no fato de que o que se sabe a respeito do outro ou da sua patologia é sempre
insuficiente. A entrada da família, ou não, na sala de terapia, também é discutida em sessões,
que se configuram como “espaços de conversação” (op.cit. p, 40). Neste sentido, o dizer do
sujeito sobre sua queixa é sempre inédito e precisa ser escutado assim, no processo
terapêutico.
Grande parte dos sujeitos da pesquisa identificou a gagueira como queixa principal e,
entre estes, oito a tomam para si: a gagueira é deles. Este é um dado relevante, uma vez que a
gagueira é um distúrbio da/na linguagem e que necessita ser escutado em toda a sua
singularidade. Sobre este aspecto, encontramos respaldo teórico em Tassinari (2001), que
assinala que, embora a gagueira não se inclua na categoria de seus atos como sujeito, ele,
muitas vezes, refere-se à mesma, como sua, quando diz “meu problema é a minha gagueira”
(op.cit., 78). A autora afirma, ainda, que a partir desta formulação de queixa, é iniciado o
processo terapêutico do sujeito.
Podemos inferir destas respostas que o sujeito-gago que apresenta uma demanda para a
clínica fonoaudiológica pode dizer da sua queixa – a gagueira é falada e, muitas vezes, tomada
como sua.
2. Conceito de Gagueira
Questão: Qual o seu conceito de “gagueira”?
(Formação Discursiva 1 - a gagueira é vista como algo do corpo)
Esta pergunta teve como objetivo analisar o discurso dos entrevistados a
respeito da gagueira, procurando determinar a ideologia materializada nos discursos.
A formação discursiva permanece a mesma: a gagueira é vista como algo do corpo.
Os conceitos se distanciaram bastante entre si e se mantiveram, em sua maioria, no
senso comum, apesar de todos os sujeitos pesquisados estarem realizando terapias
fonoaudiológicas. Desta forma, passamos a destacar algumas respostas, cotejando-as por
aproximação ideológica, ou seja, procurando identificar categorias, elaboradas a posteriori.
a) Conceitos relacionados à vinculação entre nervosismo/gagueira
“Uma disfluência causada por nervosismo (...) pela pessoa parar para pensar (...)”
“Quando estou nervoso, gaguejo muito (...)”
“Eu sou muito ansioso, por isso falo rápido (...)”
“É o nervosismo”
“É a ansiedade na hora de falar”
“É um problema nos nervos”
“É um problema de nervosismo”
b) Conceitos relacionados à localização de um espaço corporal
“É uma bola na garganta que trava tudo”
“É um distúrbio na fala (...) uma falha, digamos assim”
“É uma tensão no meu pescoço”
“É uma coisa aqui (pescoço) que faz parar”
“É uma dificuldade na língua (órgão)”
“É a língua presa (freio lingual curto)”
“É um problema aqui, na garganta (órgãos fonoarticulatórios)”
c) Conceitos relacionados à velocidade da fala
“É ficar empancado. Por falar muito rápido, atropelo tudo e, aí, não articulo direito”
“Eu falo muito rápido e, aí, dá aquela parada”
“É a velocidade da fala, que é rápida”
“É atropelar a fala”
“É falar muito ligeiro”
d) Conceitos relacionados às características lingüísticas da gagueira
“É repetir sílaba, prolongar sílaba”
“É prender tudo (...) acabou!”
“É um tipo de interrupção na fala”
“É quando a gente prolonga e repete as palavras”
“É travar a fala”
“É um problema na articulação das palavras”
d) Conceitos relacionados a questões emocionais
“Gaguejar é sofrer... sofrer muito”
“Gaguejar é o fim do mundo”
“Gaguejar é querer falar e não conseguir”
“É não conseguir falar” (duas respostas)
Nas publicações específicas da área, os conceitos de gagueira são bastante variados e
seguem a concepção ideológica do autor. Com o intuito de discutir os conceitos relacionados
pelos sujeitos da pesquisa, remetemo-nos à teoria e passamos a destacar alguns, na relação
com as respostas a esta questão.
Sete sujeitos destacaram a tensão e o nervosismo para conceituar a gagueira, o que
aponta para a relação de causalidade nervosismo/gagueira que se estabelece nesta concepção.
Em algumas linhas teóricas, como a de Van Riper (1972/1973/1982), a tensão corporal é
trabalhada através de técnicas relaxamento e o sujeito é estimulado a realizar auto-
observações, a fim de manter constante descontração muscular, uma vez que é este estado
corporal o gerador da fluência na fala. Por outro lado, o paciente afirma gaguejar, mesmo em
estado de relaxamento corporal, o que negaria esse vínculo.
Sete sujeitos enfatizaram a localização de um espaço corporal para conceituar a
gagueira, como o pescoço, a garganta, a língua e mesmo o freio lingual encurtado, indicando
que o problema estaria nestes órgãos. Friedman (1994) afirma que existe uma integridade nos
órgãos fonoarticulatórios do sujeito gago e, conforme foi discutido no parágrafo anterior, a
tensão existente nos órgãos de fala é real, porém não é ela que determina o aparecimento da
fala gaguejada.
Cinco sujeitos atribuíram a velocidade da fala à gagueira. É bastante freqüente a
velocidade rápida de fala (taquilalia) em um quadro de gagueira, conforme atesta Dinville
(1993), porém, geralmente, ela surge como uma estratégia discursiva, no intuito de livrar-se
rapidamente de um discurso incômodo.
Seis sujeitos estabeleceram uma relação entre conceito de gagueira e características
lingüísticas da gagueira, como repetição de sílabas e palavras, prolongamentos de sons e
bloqueios. De acordo com Van Riper (1982), Jakubovicz (1980), Dinville (1993), as principais
características lingüísticas da gagueira são repetições de sílabas, palavras, frases,
prolongamentos de sons, bloqueios de fonemas, hesitações. Já Spinelli (1994) refere-se aos
atos falhos como criativos, passíveis de uma análise mais aprofundada. No nível prosódico,
“o gaguejar é exemplar: no processo terapêutico é freqüente que o sujeito se dê conta de que o
bloqueio, a repetição, a hesitação aparecem no momento em que o sentido mais verdadeiro é
reprimido” (op.cit., p. 173).
Cinco sujeitos apoiaram-se em outras questões para conceituar a gagueira. Desta
forma, as respostas “gaguejar é sofrer... sofrer muito”, “é o fim do mundo”, “é querer falar e
não conseguir” e “é não conseguir falar” (duas respostas) sugerem uma valorização do aspecto
emocional da gagueira, que encontra respaldo em Friedman (2001), ao fazer referência ao
estado de sofrimento causado por este distúrbio, a ponto de nomeá-lo como “gagueira
sofrimento”.
Nesta questão, interessava-nos conhecer a representação que o sujeito-gago faz da
gagueira e poderíamos concluir esta discussão, afirmando que os sujeitos da pesquisa
responderam a questão “qual o seu conceito de gagueira” de forma fragmentada, indicando
apenas o sintoma mais imediato (talvez mais incômodo), como o nervosismo, a repetição, o
sofrimento. As respostas, entretanto, mostram um sujeito que se arrisca a definir a gagueira e
que salienta o que, em seu discurso, é mais visível.
Na perspectiva que procuramos encaminhar este trabalho, conceituamos a gagueira
como sendo um distúrbio da linguagem, diretamente relacionado às condições de produção do
discurso, caracterizado pela previsão e certeza a priori do erro.
3. Causa da gagueira
Questão: Qual a causa do seu problema?
(Formação Discursiva 1 - a gagueira é vista como algo do corpo)
Esta questão, assim como as duas anteriores e as próximas duas, foram analisadas
inseridas na primeira formação discursiva: a gagueira é vista como algo do corpo.
Nosso objetivo nesta questão foi determinar a concepção etiológica da gagueira trazida
pelos sujeitos-gagos, uma vez que esta é uma área bastante controversa no estudo da gagueira.
Há uma série de teorias e quase nada de comprovação científica. Neste sentido, escutar o
sujeito-gago sobre o que, em sua opinião, gerou o seu problema, é o caminho para novas
discussões a este respeito.
Com relação à causa da gagueira, tivemos respostas bastante diferentes, que passamos
a incluir abaixo, procurando estabelecer categorias que refletem a posição ideológica
(concepção de doença) dos sujeitos pesquisados.
a) Causas orgânicas ou genéticas/hereditárias
A1) Causa orgânica (neurológica)
“Caí da rede e bati a cabeça... já fiz exame, mas sempre foi normal... mas minha mãe diz que
foi disso”
“Levei um choque na tomada quando era pequeno. Pode ser isso? Mainha e painho acham que
depois do choque comecei a gaguejar”.
“Eu caí muito quando era pequena”
a2) Causa genética/hereditária
“Meu pai também é gago”
“ Lá em casa é todo mundo gago... meu pai, meus dois tios e meu avô”
“Se for genético, então a causa é essa, porque tem muito gago na família”.
“Tem caso de gagueira na família”.
b) Causas psico-emocionais
”Mudança de bairro; uma perda enorme do meu irmão; a falta do meu pai (tenho pai e não
tenho); separação da esposa; brigas com o irmão”
“Tenho pânico a bola de festa e fogos... acho que estourou alguma... o que eu sei é isso,
porque me falaram”
“A causa é a ansiedade... é a surpresa”
“Eu sou muito ansioso, nervoso”
“O nervosismo e o nascimento do meu irmão”
“O medo de falar”
c) Causas sociais
c1) Imitação
“Foi pelo fato de eu imitar um personagem gago que falava assim como eu. Eu tinha uns dez
anos e não tinha a noção do que era isso”
“Eu tinha um colega gago e fiquei imitando ele”
c2) Temperamento + Previsão do erro
“Sou tímido e toda vez que vou falar, paro para pensar no que vou falar”.
d) Causas lingüísticas
d1) Velocidade da fala
“A causa da minha gagueira é fala rápida. Quando falo devagar, sai bem direitinho”.
Dos trinta sujeitos pesquisados, sete relacionam a causa da gagueira a aspectos orgânicos
ou genéticos/hereditários. Três apontam para questões orgânicas/neurológicas, que poderiam
ser conseqüência de quedas e choque elétrico e quatro associam o problema a casos de
gagueira na família.
Nos estudos sobre a gagueira, desde os tempos mais remotos, há tentativas de associação
do distúrbio a causas orgânicas. Aristóteles já atribuía a causa da gagueira a anomalias da
língua, conforme assinala Meira (1983). Os principais representantes desta corrente são Boyer
(1982), que refere a mielinização patologicamente retardada das regiões centrais da linguagem
como a causa primeira da gagueira. Pichon; Maisonny (1979) relatam uma série de transtornos
neurológicos relacionados à gagueira. As síndromes cerebelares originam, por assinergia,
transtornos manifestos da fala, onde esta se faz penosa e entrecortada.
Van Riper (1982) associa a gagueira a uma desordem na sincronização do cérebro, o que
leva a uma ruptura na programação dos movimentos musculares exigidos pela fala.
Ainda hoje, a corrente neurológica caminha no sentido de investigar, por esta via, a
causa da gagueira. É possível inferir, entretanto, que há gagueiras e não gagueira, conforme
assinala Rocha (2003) e, procuramos esclarecer, anteriormente, que tratamos, aqui, da
gagueira que poderia ser chamada “gagueira de desenvolvimento”, uma vez que tem a sua
origem na infância.
Seis sujeitos relacionam a gagueira a aspectos psico-emocionais, como mudança de
bairro; perdas de parentes, brigas, susto (“tenho pânico à bola de festa e fogos... acho que
estourou alguma... ), ansiedade, surpresa, nervosismo e medo.
As teorias psicológicas descrevem a gagueira como sintoma de problemas
intrapsíquicos, quais sejam: conflitos de tendências antagônicas, onde motivos
inconscientes impedem a verbalização, em contraposição ao desejo de falar;
conflitos de padrões afetivos; necessidades sexuais inconscientes não resolvidas
(fixação oral ou anal), entre outras, conforme assevera Perkins (1992), afirmando
ainda que a criança, cuja aquisição de linguagem se dá ao redor de uma imagem
negativa de manifestação lingüística, será sempre insegura quanto às suas
possibilidades de linguagem.
Pichon e Maisonny (1979) relatam três tipos de gagueira relacionadas ao aspecto psicológico: a gagueira esquizóide,
diretamente engendrada por um conflito afetivo de origem familiar, a gagueira por insuficiência intelectual global, que afetaria a
inteligência lingüística, podendo ser conduzida à gagueira e, ao contrário, a gagueira por superatividade intelectual que, no caso, seria muito
mais rápida do que a possibilidade de elaboração da linguagem. Os autores destacam o último tipo como bastante freqüente e respaldado por
colegas.
Barbosa; Chiari (1998) discutem a proposição, que está no senso comum, de
que o susto pode gerar e curar a gagueira, afirmando que, cientificamente, o susto
nem origina nem resolve o problema da gagueira.
Johnson (1959) sugere ser o medo o principal agente desencadeador da gagueira. Neste sentido, afirma que o medo de sons,
palavras e situações acabam por encaminhar o sujeito à gagueira, ou mesmo à fuga, quando opta pelo silêncio, ou por substituir uma palavra
por outra considerada mais simples.
Muitos gagos, especialmente adultos, adquirem um sentimento negativo sobre
seu problema, podendo-se afirmar a existência de uma gagueira neurótica ou
histérica (EMERICK; HAYNES, 1986).
Boyer (1982) estuda o discurso na gagueira, relacionando-o às neuroses,
encontrando dados de narrativas com comprimento médio, detalhes descritivos e
redução de emprego de primeira pessoa, na histeria de conversão e maior
comprimento narrativo na neurose de angústia.
Sobre este aspecto, Irwin (1983) relata que os gagos são mais ansiosos com
relação à linguagem que a maioria das pessoas que não gaguejam, mas nem por
isso mais neuróticos, procurando desconsiderar esta causa em seu estudo.
Entre os sujeitos entrevistados, um acrescenta ser o nervosismo e o
nascimento de um irmão os responsáveis pela gagueira. Observações realizadas por
Mannoni (1980, p. 31) revelam um adulto como parte integrante da tensão emocional
por que passa uma criança, quando do nascimento de um irmão caçula. Em dois
casos relatados, o sintoma foi a gagueira, que desapareceu, no primeiro caso, com
o linchamento de uma boneca, que passou a ter o nome do irmão pela criança,
diante da mãe, que participa, assim, como cúmplice do “homicídio (simbólico) do
irmão que veio tomar-lhe o lugar” . A segunda criança deitou-se no berço do bebê
em um ato de regressão, desejando a mãe perto, o que também leva ao
desaparecimento do sintoma. “A palavra verdadeira que se exprimia sob o disfarce
do sintoma era fantasma homicida, mas não intenção homicida”. Mannoni (1980, p.
33) aponta o conflito pelo qual passa a criança, quando do nascimento de um irmão,
como um sintoma a ser compreendido. “No nascimento de um irmão mais novo, a
criança não sabe se pode continuar a crescer ou se lhe cumpre ficar pequeno para
ser conforme ao desejo do adulto”. A autora acrescenta: “se a criança tem a
impressão de que todo acesso a uma palavra verdadeira lhe é vedado, pode, em
certos casos, procurar na doença uma possibilidade de expressão” (MANNONI,
1980, p. 65). Sobre este assunto, Spinelli (1994, p. 177) relata que a gagueira infantil
é “praticamente sempre um sintoma psicanalítico”, sintoma do recalque, de
problemas familiares, segredos que não podem ser revelados, mentiras...
Três sujeitos destacam o social como possibilidade causal da gagueira. Entre os três,
dois enfatizam a imitação do outro, quando dizem que a causa se refere ao “fato de eu imitar
um personagem gago que falava assim como eu. Eu tinha uns dez anos e não tinha a noção do
que era isso” e outro que afirma: “eu tinha um colega gago e fiquei imitando ele”. Ainda na
questão social, um sujeito associa a timidez e a previsão do erro como geradoras da sua
gagueira, ao constatar: “sou tímido e, toda vez que vou falar, paro para pensar no que vou
falar”.
É consenso nas publicações específicas da área que a imitação de alguém com gagueira
não sustenta o aparecimento de um quadro de gagueira, conforme afirmam Dinville (1993),
Van Riper (1982), Jakubovicz (1980), Friedman (1994), Meira (1983). A criança pode
permanecer um tempo gaguejando, mas logo volta a ter a fluência esperada.
Quando uma criança imagina que irá gaguejar, desenvolve-se um conflito
entre o seu desejo de falar e o seu desejo de evitar a gagueira. A satisfação
encontrada, quando finalmente consegue falar, gera nova gagueira, pois,
inconscientemente, ela deseja repetir a situação, é o que sustenta Irwin (1983), a
partir de um olhar psico-social.
Ainda sob a ótica psico-social, a não aceitação da fala da criança pelos pais,
na fase de gagueira natural da criança, se configura como um paradoxo, uma vez
que sugere uma dupla vinculação com a realidade, segundo afirma Friedman (1994).
Na gagueira, a partir da situação paradoxal imposta pelo adulto, a criança mantém a
dupla vinculação com a realidade, na medida em que o contexto de fala não pode ser
abandonado e o indivíduo não pode falar do seu modo. A gagueira pode ser definida,
portanto, como “o produto ideológico da história das relações de comunicação
vividas, de onde emerge a crença na incapacidade articulatória, que determina todo
o processo de produção de sua manifestação externa” (FRIEDMAN, 1986, p. 129).
Ainda com relação à causa, um sujeito indica a velocidade da fala como a geradora da
gagueira. Esta resposta se refere a um paciente com queixa exclusiva de fala rápida e,
posteriormente, diagnosticado como taquifêmico. Já treze sujeitos referem desconhecer a
causa de seu problema.
Segundo Dinville (1993), taquifemia é um distúrbio do ritmo, que se caracteriza pela
rapidez de elocução variável, que pode ser intercalada por períodos de auto-controle, durante
os quais a fala volta ao normal. A linguagem e o pensamento são bem elaborados, porém este
último é bem mais rápido do que a fala. O sujeito taquifêmico, freqüentemente, é impulsivo e
fala em uma velocidade bastante acelerada, tornando sua linguagem difícil de ser
compreendida. Este sujeito não possui, segundo Dinville (1993, p.14), “fobia das palavras”,
diferenciando-se do sujeito-gago, também por este fato. Já a taquilalia, fala rápida, mas
desorganizada, é freqüentemente encontrada nos casos de gagueira, como distúrbios
associados, ainda conforme a autora.
Sobre a questão etiológica da gagueira, muitas são as teorias, conforme podemos
constatar nesta discussão, mas, ainda hoje, há poucas constatações científicas.
Procurando marcar nosso ponto de vista sobre a questão etiológica da gagueira,
remetemo-nos a trabalho anterior (AZEVEDO, 2000), em que analisamos o discurso de mães
de crianças ditas gagas em situação de entrevista fonoaudiológica e comprovamos a existência
de discursos autoritários, porque não permitem reversibilidade discursiva, no que tange à
gagueira. Passamos a delinear, neste momento, a concepção de origem da gagueira em que
acreditamos e defendemos, neste trabalho.
Afirmamos, anteriormente, que a terceira posição de falante, analisada por
Lemos (1999) é um lugar apropriado para pensarmos a origem da gagueira, já que,
nela, a criança apresenta repetições de sílabas e palavras, prolongamentos de sons,
pois está submetida ao movimento da língua e da fala do outro, o que pode gerar um
efeito de gagueira. Neste momento, em que a criança está assujeitada pela
linguagem e pelo outro, há erros, hesitações e pausas na posição de interpretado
para intérprete de si mesmo. É quando a criança gagueja, naturalmente.
Os processos intersubjetivos regulados pelo adulto (mediadores da aquisição
da linguagem e do conhecimento por parte da criança) agem de forma equivocada
no caso da gagueira. Podem existir, neste caso, discursos autoritários, que situam a
criança em uma relação de ordem de cima para baixo. A criança, em
desenvolvimento de linguagem, encontra dificuldade natural no contato com a língua,
relacionada à seleção de palavras, necessidade de relatar algo em um pequeno
espaço de tempo, apresentando conseqüentes repetições, prolongamentos ou
hesitações. O discurso do adulto é impregnado de elementos parafrásticos,
solicitando que a criança fale direito, respire fundo ou pense antes de falar, o que
não permite reversibilidade. Neste caso, o efeito do outro na criança pode deslocá-la
a recusar-se a falar, a utilizar estratégias variadas, como bater os pés, as mãos, na
boca, ou canalizar a tensão trazida pela possibilidade discursiva para outro órgão do
corpo, ou mesmo substituir palavras por outras que considera mais fáceis. A partir
daí, de sujeito falante assemelhado ao outro, depara-se com a diferença, o não-
assemelhamento, podendo passar a sujeito-gago, silenciado pelo outro. Assim, a
criança pode passar a se identificar como um mal falante, com uma ideologia
estigmatizada de Falante.14.
e) Sintomas da Gagueira
Questão: Que sintomas estão associados à gagueira?
(Formação Discursiva 1 - a gagueira é vista como algo do corpo)
Esta questão também foi discutida e analisada relacionada à primeira formação
discursiva: a gagueira é vista como algo do corpo. Nossa intenção nesta questão foi identificar
que sintomas relacionados à gagueira seriam apontados pelo sujeito-gago.
Em resposta a esta questão, foram identificados mais de um sintoma por sujeito pesquisado.
Desta forma, foram sugeridos como associados ao quadro da gagueira os seguintes registros:
falar rápido; querer falar tudo de uma vez; vergonha; frio interno; medo de falar; medo de
gaguejar; piscar fortemente os olhos; utilizar apoios lingüísticos, como “tá”, “né”, “comé”;
segurar algo (como um lápis) para falar; timidez; falar pouco; não falar; substituir palavras
por outras consideradas mais fáceis; falar pela metade; repetição de sílabas; respiração
forçada; dificuldade de se expressar; balançar os pés e as mãos; desviar o olhar.
Os estudos sobre a gagueira determinam um conjunto de sinais e sintomas
freqüentemente encontrados no sujeito gago. Van Riper (1982) utiliza, em sua
____________________
14. Termos utilizados por Friedman (1986,1994,1996,2001).
obra original, overt behaviors e covert behaviors, traduzidos por comportamentos expressos e
encobertos, respectivamente.
Desta forma, Van Riper (1982), precursor destes estudos, estabelece uma série de
comportamentos comuns ao sujeito-gago. Assim, ao falar em comportamentos expressos,
refere-se às repetições, aos bloqueios e prolongamentos. Nesta categoria, encontram-se ainda
os comportamentos acessórios ou secundários, que podem ou não estar presentes como
sintomas no gago. São eles: tensão, tremor, reações de perseveração, fixação tensa da glote,
utilização de ar residual, fala inspirada, medo de gaguejar, comportamento de evitação,
estratégias para ganhar tempo (como utilização de palavras desnecessárias), gestos faciais e
manuais, além de outros. Quanto aos comportamentos encobertos, que descreve como os
“sentimentos, reações e atitudes de quem gagueja” (op.cit., p. 144), considera-os de difícil
registro, uma vez que, por se encontrarem ocultos, depende-se da palavra do gago. Ainda
assim, insere nesta mesma categoria o medo e seus precipitantes, como o medo de falar com
autoridades, pessoas com cargos hierarquicamente superiores, empresários prósperos,
professores, bem como o medo de sentir-se ridículo, de que as pessoas riam, da inabilidade na
comunicação, da pressão do tempo, medo de embaraçar o ouvinte, de impaciência ou rejeição,
de que o ouvinte sinta pena dele, entre outros. O autor indica, ainda, locais desencadeadores
de medo, como o telefone, que pode agravar a gagueira pelo medo antecipado de seu uso,
consultórios médicos, lojas, pontos de ônibus, aeroportos e até igrejas. Há ainda o medo de
determinadas palavras e fonemas, bastante freqüente em seus pacientes. Outros
comportamentos encobertos são: frustração, hostilidade e culpa, como afirmam, ainda,
Sheehan (1958) e Johnson (1959).
O olhar organicista sobre o sintoma parte do pressuposto de que o mesmo é algo já
decifrado, descrito a priori pela nosologia, um grupo de comportamentos ou sinais que
indicaria a doença, independente do sujeito que a apresenta. Sob a ótica psicanalítica,
Guarneri (2002), afirma que o sintoma é inconsciente e o que há de singular nele é o que
deverá ser decifrado pela escuta. Saber sobre o sentido do sintoma gagueira naquele paciente,
o terapeuta não tem a priori e isto faz toda a diferença.
Desta forma, o sintoma é compreendido pela proposta teórica lingüístico-discursiva como
uma metáfora, que deve ser compreendida, um significante que pede leitura, ou seja, o sintoma
é sempre inédito e deve ser escutado na sua singularidade.
5. Interpretação da Gagueira
Questão: Onde está localizada a gagueira?
(Formação Discursiva 1 - a gagueira é vista como algo do corpo)
Em primeiro lugar, enfatizamos, mais uma vez, que esta é a quinta e última análise
considerada na primeira formação discursiva: a gagueira é vista como algo do corpo.
As respostas a esta questão podem ser analisadas sob três perspectivas: o corpo, o
objeto que serve de intermediação e o outro, ocupando a posição de ouvinte.
Sob a primeira perspectiva, os trinta sujeitos indicaram alguma região do corpo como
responsável pela produção da gagueira, ou seja, “o sistema nervoso”; “a fala”; “determinadas
letras que eu não consigo falar”; “palavras difíceis”; “o pescoço”; “a garganta”; “o cérebro”;
“o psicológico do falante”; “a boca”; “a mente do falante”; ”a língua”; ou mesmo “o freio
lingual”.
Dos trinta sujeitos que afirmaram ser o corpo o lugar de onde a gagueira irrompe, seis
ainda apontaram o telefone e o interfone como objetos responsáveis pela sua produção, o que
se configura como o objeto que serve de intermediação
Finalmente, na terceira perspectiva, o outro ocupando a posição de ouvinte, do total de
sujeitos pesquisados, treze identificaram pessoas geradoras de gagueira, como a mãe, o pai,
ambos os pais, irmãos, amigos, professores.
De acordo com o que foi trabalhado no capítulo teórico, acreditamos que a gagueira
encontra-se situada em um espaço diferente do que, até então, foi proposto pelos
pesquisadores da área. A gagueira não está no sujeito, nem no ouvinte, mas se encontra no
espaço intervalar – no discurso.
Os sujeitos que fizeram parte de nossa análise identificam a gagueira neles
próprios, na língua, no telefone, no outro. O sujeito se remete à sua gagueira como
dificuldade materializada em um fonema ou palavra, ou em um objeto, ou com um
ouvinte determinado. Neste sentido, sob o ponto de vista dos sujeitos em estudo,
teríamos que a gagueira estaria no próprio sujeito, que, neste caso, se colocaria na
posição de incapaz de produzir certos fonemas, aos quais, de antemão, atribuiria a
certeza do erro; a gagueira estaria no objeto que serviria de intermediação (telefone,
interfone) e, neste caso, o sujeito seria silenciado ou colocado na posição de gago
como efeito deste objeto, ou ainda, a gagueira estaria no outro, no interlocutor,
havendo um deslocamento da posição de sujeito falante para a de sujeito-gago ou
silenciado, como efeito de falar a um certo ouvinte.
Compreendemos que o espaço de constituição do sujeito é sempre uma
posição em relação a. Este conceito não é reconhecido pelo sujeito-gago, uma vez
que este se vê sempre como gago, cristalizado em apenas um lugar, imutável.
Neste sentido, o sujeito vê a si mesmo ocupando, apenas e tão somente, o lugar de
gago (sujeito-para-sempre-gago), sem mudança de posição para sujeito-fluente.
Entender o sujeito como posição implica em possibilidade terapêutica, uma
vez que o distúrbio não se encontra no sujeito, mas numa posição discursiva na
relação com o outro.
Formação Discursiva 2
Há previsão e certeza do erro
Esta é a segunda formação discursiva, constituída a partir das respostas a duas questões: o
que o mantém gaguejando? e quando você percebe um momento de gagueira? Antes de
acontecer, no momento em que acontece ou depois de gaguejar?
Em quase todos os sujeitos da pesquisa, observamos a previsão do erro, a
certeza a priori de que o sujeito falhará, antes do momento de gagueira acontecer. A
maioria dos sujeitos entrevistados percebe a gagueira antes mesmo que ela
aconteça.
É interessante notar que gaguejar é algo inerente à linguagem/sujeito e
acontece pela incompletude e falta que a/o caracterizam. Os momentos de gagueira,
entretanto, ocorrem sem que haja uma previsão dos mesmos e o sujeito-dito-fluente
(uma vez que a fluência é uma condição ideal e, portanto, não existente) só os
percebe após a gagueira acontecer. Esta formação discursiva, portanto, marca a
condição sujeito-gago, que prevê a gagueira. Neste sentido, podemos afirmar que o
sujeito-gago sempre percebe um momento de gagueira antes que ele aconteça, o
que o diferencia do sujeito com uma gagueira natural, identificada apenas após ter
acontecido.
Assim, o sujeito-gago aguarda a situação de locução como um momento de
grande dificuldade e, porque faz previsões do erro, realiza ensaios silenciosos, não
fala ou mesmo insere algo no lugar da suposta dificuldade.
Assim, como já dissemos, esta formação discursiva foi evidenciada após a
análise de dois tópicos abordados nas entrevistas dos trinta sujeitos-gagos:
manutenção da gagueira e percepção do momento de gagueira, que passamos a
analisar.
6. Manutenção da Gagueira
Questão: O que o mantém gaguejando?
(Formação Discursiva 2 - há previsão e certeza do erro)
Esta questão teve a intenção de identificar, no discurso do sujeito-gago, indícios
de dados responsáveis pela manutenção da gagueira e foi analisada a partir da
formação discursiva 2 - há previsão e certeza do erro.
A maioria dos sujeitos pesquisados (vinte) indica a ansiedade, o nervosismo e a fala
rápida como mantenedores da gagueira. Os outros dez sujeitos indicam situações específicas,
como a fala ao telefone, a preocupação com a situação da gagueira, a voz presa, o medo de
falar, as pessoas conhecidas, as situações de surpresa, medo de deboche, a ansiedade dos
outros em relação à sua fala, as palavras difíceis e a articulação travada. No discurso destes
sujeitos, estas situações são as responsáveis pela manutenção da gagueira.
De acordo com Van Riper (1982) e Johnson (1959), a gagueira pode ser mais ou menos
intensa, conforme a pressão social exercida pelo interlocutor. Desta forma, pessoas
hierarquicamente superiores ou familiares costumam dificultar a fluidez da fala do gago e, ao
contrário, pessoas desconhecidas ou pouco conhecidas são geradoras de menos gagueira.
Com relação ao nervosismo e à ansiedade, Wingate (1960) se contrapõe às idéias de
autores clássicos, como Van Riper (1972) e Johnson (1959), que afirmam ser a gagueira uma
desordem funcional, cuja mola mestre é a emoção, para considerar que a criança não informa
que gagueja por conta de fatores emocionais. Além disso, assinala que, se a gagueira encontra-
se associada a emoções negativas, como o medo, o embaraço, a hostilidade e o estresse, da
mesma forma, relaciona-se a emoções positivas, como a excitação e a euforia, podendo
acontecer sem alterações fisiológicas, na ausência da ansiedade, em qualquer faixa etária.
É importante considerar que a maioria dos sujeitos entrevistados relaciona gagueira à
emoção, estabelecendo entre as duas um vínculo de causa/efeito. A nossa experiência clínica
nos mostra que o paciente gago, sob efeito de uma atividade de relaxamento, não deixa de
gaguejar, ao mesmo tempo em que uma situação de extrema tensão nem sempre o torna mais
disfluente. Podemos concluir que as emoções estão relacionadas à gagueira, porém não a
causam ou a mantêm, mas podem estar associadas à conseqüência de momentos de gagueira.
Já a preocupação com a situação da gagueira, o medo de deboche e a ansiedade dos
outros em relação à sua fala, enfatizadas nesta questão, podem ser compreendidas como a
antecipação, ou seja, a representação do discurso do interlocutor e a previsão do erro, que
marca o dizer do sujeito-gago, uma vez que antes de falar, ele já tem a certeza de que
gaguejará. Assim sendo, são estes dois pontos – antecipação e previsão do erro - que merecem
maior atenção no processo terapêutico com o sujeito-gago, porque, de fato, eles mantêm a
posição do sujeito como falante-gago.
7. Percepção do momento de gagueira
Questão: Quando você percebe um momento de gagueira? Antes de acontecer, no
momento em que acontece ou depois de gaguejar?
(Formação Discursiva 2 - há previsão e certeza do erro)
O objetivo desta questão foi identificar a temporalidade da percepção do
momento de gagueira, o que é essencial para o próprio diagnóstico fonoaudiológico
da gagueira. Este tópico também foi analisado a partir da formação discursiva 2 - há
previsão e certeza do erro.
Dos trinta sujeitos pesquisados, um relata que a fala sai no impulso, que não há
controle e que as pessoas estranham, perguntando “o quê?”. Vale salientar que este
sujeito apresenta um quadro diagnosticado, posteriormente, como “taquifemia”, com
ritmo bastante acelerado da fala, porém sem queixa de gagueira. Outro sujeito
afirma que já percebeu o erro antes que ele acontecesse, porém, como atualmente
se encontra em processo de alta fonoaudiológica, percebe o erro, apenas após o
momento de gagueira acontecer. Os outros vinte e oito sujeitos entrevistados
percebem a gagueira antes que ela aconteça.
Os autores, de uma maneira geral, indicam a existência de um tempo de
espera, denominado “antecipação”, que coincide com a planificação da linguagem
por parte do sujeito-gago. Assim, Van Riper (1972;1973;1982) e Johnson (1959)
concordam que a antecipação pode vir acompanhada de fortes emoções e do
julgamento de que a palavra a ser dita deve ser emitida com muito cuidado.
Jakubovicz (1980) afirma que a gagueira pode ser precedida de manifestações
fisiológicas, como aceleração de batimentos cardíacos, movimentos anormais dos
olhos, transpiração excessiva, irregularidades na respiração e tensão muscular
exacerbada na laringe, o que sugere que os gagos quando falam ou se preparam
para a fala, “não se concentram no que estão fazendo, mas no que estão sentindo”
(idem, p. 63).
De acordo com Friedman (1986, 1994, 2001), a antecipação pressupõe a
ocorrência de novas falhas, tensão ao falar, além da busca de mecanismos para
evitá-las, como troca de palavras, interposição de palavras desnecessárias,
movimentos associados ao corpo etc., compondo a imagem estigmatizada de falante
que o gago carrega consigo. Diz Friedman:
Tentar o espontâneo coloca a fala numa situação paradoxal, porque fazer por meio de tentativas algo que em si é espontâneo não permite que se obtenha o comportamento desejado e dispara comportamentos não planejados nem desejados (no caso, as tensões da fala) (FRIEDMAN, 1996, p. 85).
Sobre este aspecto, concordamos com Friedman e esclarecemos que
nomeamos o mesmo fenômeno de “previsão do erro” e não “antecipação”, uma vez
que esta, para uma proposta discursiva, pretende se referir à representação que o
locutor faz do seu interlocutor, no discurso, termo que também foi utilizado por nós
para discutir as condições de produção na gagueira.
O sujeito que apresenta gagueira relaciona-se com uma sociedade que,
por conceitos culturalmente15 adquiridos, rejeita esta produção lingüística e o
marginaliza, estigmatizando-o, ou negando a sua linguagem. Sheehan (1975) se
refere a um conflito de aproximação e evitação, que se materializa no desejo de
falar e não falar, complementado por Friedman (1986) como falar e falhar, ou não
falar, referindo-se à dúvida pela qual passa o indivíduo, sempre que há a
possibilidade de utilizar a linguagem. Desta forma, há, por parte do sujeito-gago, um
evidente conflito em todas as situações de discurso: falar (e preocupar-se com a
forma da fala), expondo-se à falha)16 ou não falar (e assumir a posterior frustração
pelo insucesso).
Ambas as situações causam (e reforçam) a insatisfação/inabilidade no
discurso. A presença da gagueira na linguagem também caminha para uma imediata
frustração, uma vez que abala o discurso. Desta forma, o conflito no discurso do
sujeito gago, nos remete, em Azevedo (2000b), a uma nova análise:
falar/falhar/frustrar-se x não falar/frustrar-se. O que é calado, poderia ter
sido dito, é desejo. A frustração, enquanto finalização única deste conflito, seria
então a seqüela da evidência da inabilidade para a linguagem, fruto do resultado
(qualquer um que seja – falar/não falar) conflituoso da situação de (preparação
________________ 15. Na visão de Lacan, citado em Henry (1992), o conceito de “cultura” seria reduzido à “linguagem”, uma vez que esta é o que distingue a sociedade humana das animais. 16. Analisando os monólogos na criança pequena, Vitto (1995) refere-se ao erro como responsável pela promoção do entrelaçamento entre língua e discurso. Pensamos que na gagueira, a presença do erro aponta a inabilidade, não entrelaça, afasta o sujeito do discurso possível.
para) linguagem.
Assim, em última instância, analisando o discurso dos nossos sujeitos
pesquisados, consideramos que o sujeito-gago, antes de gaguejar, já está certo do
seu fracasso, porque prevê o erro e, então tem três possibilidades:
a) fala e falha (gagueja);
b) fala e não falha (mas utiliza alguma estratégia discursiva ou não discursiva
no lugar da palavra que sairia gaguejada, como a troca por outra considerada mais
fácil ou o aperto dos olhos, na tentativa de liberar a palavra);
c) silencia (deixa de falar, por considerar que gaguejará).
Formação Discursiva 3
Há algo que deve ser colocado no lugar do erro iminente (previsto e certo)
antes que ele ganhe visibilidade na interpretação
Esta é a terceira formação discursiva e foi constituída a partir da discussão da próxima
questão analisada nas entrevistas: O que faz para evitar ou adiar a gagueira?
8. Evitação ou Adiamento da Gagueira
Questão: O que faz para evitar ou adiar a gagueira?
(Formação Discursiva 3 - há algo que deve ser colocado no lugar do erro
iminente - previsto e certo - antes que ele ganhe visibilidade na interpretação)
Quase todos os sujeitos pesquisados (vinte e seis) indicam fazer algo com a intenção de
evitar ou adiar a gagueira. Neste sentido, relatam falar mais devagar ou mais depressa,
substituir a palavra a ser dita, antes de iniciá-la, ou mesmo durante a percepção do seu
impedimento; controlar a fala; permanecer em estado de vigília da fala; gaguejar, parar e
repetir a palavra mais lentamente; tentar falar menos; tentar ter menos afinidade com as
pessoas; utilizar apoio lingüístico que auxilie a emissão de palavras perigosas; sair de perto
das pessoas com as quais estão falando.
Dos quatro sujeitos restantes, dois afirmam não fazer nada para impedir a gagueira e
outros dois não sabem o que fazem neste sentido, porque depende do momento.
Van Riper (1982) descreve os truques disparadores e adiadores como duas classes
genéricas que englobam todos os comportamentos manifestos da gagueira. Neste sentido, ao
prever que gaguejará, o sujeito pode optar por duas situações:
a) Truques disparadores: forçar a emissão da fala, utilizando um tique corporal, como
estalar a língua, apertar os olhos, bater a mão na mesa, deglutir fortemente, inspirar
rapidamente, substituir a palavra perigosa por outra que considera mais simples, entre
outros.
b) Truques adiadores: acrescentar palavras, como “é que”, “aí”, “então”, “como é que é”,
“ã”, “é” e mesmo sons sem sentido, como “op”, “at”; fingir pensar...
Para o autor (op.cit, 1982), os truques podem ter caráter adiador para uma pessoa e
disparador para outra e, apenas o próprio sujeito, pode esclarecer a intenção que existe por
trás do truque.
Sob este aspecto, procuramos ir adiante, buscando uma classificação baseada nesta
proposta discursiva. Neste sentido, afirmamos que o sujeito-gago utiliza estratégias
discursivas e não-discursivas com o intuito de adiar ou evitar o discurso gago. As
estratégias discursivas são aquelas que procuram adiar ou evitar a gagueira, em que o
sujeito age sobre o discurso. Encontram-se nesta categoria as substituições de palavras
(palavras previstas como possivelmente gaguejadas) por outras consideradas mais
simples17 e, portanto, mais facilmente articuladas. As estratégias não-discursivas também
objetivam evitar ou adiar o discurso gaguejado, com a diferença que, nestas, há uma fuga
do discursivo. O sujeito age no corpo, utilizando um artifício corporal, como piscar
fortemente os olhos, bater os pés, as mãos, mexer a cabeça, sempre evitando gaguejar, ou
tentando falar bem.
Formação Discursiva 4
Há fonemas e palavras considerados difíceis ou impossíveis de serem ditos
Esta quarta formação discursiva constituiu-se em função das respostas à questão: há
sons (letras) e palavras que você considera mais difíceis de falar?
Os sujeitos-gagos entrevistados indicam a existência de sons difíceis. Estes fonemas
podem ser listados e, em geral, representam sons plosivos, como o /p/, /t/ e /k/, embora haja a
inclusão também de vogais e fonemas fricativos, como /s/ e /f/, por exemplo.
____________________
17 – A substituição de uma palavra prevista como erro por outra considerada mais fácil não segue uma lógica lingüística. Sobre este assunto, ver, a seguir, a discussão da quarta formação discursiva: há fonemas e palavras considerados difíceis ou impossíveis de serem ditos...
A maioria dos sujeitos pesquisados indicou uma ou mais palavras que evita emitir
durante a fala, porque considera que esta (s) os leva (m) a uma fala gaguejada. Os sujeitos
restantes relatam não haver palavra que, de antemão, gere a gagueira, porém relatam perceber,
em determinada palavra, antes mesmo de dizê-la, que haverá um momento de gagueira.
Sob a ótica que temos desenvolvido neste trabalho, podemos apontar para as
condições de produção do discurso e não para o significante (sons, palavras) o
estatuto da gagueira, uma vez que, ao contar a alguém que gagueja em determinado
fonema ou palavra, geralmente, o sintoma não aparece. Isto marca, também, a
garantia de que não há alteração articulatória que justifique a dita dificuldade
fonológica ou lexical.
9. Fonemas e palavras considerados difíceis
Questão: Há sons (letras) e palavras que você considera mais difíceis de falar?
(Formação Discursiva 4 - há fonemas e palavras considerados difíceis ou
impossíveis de serem ditos)
Nossa intenção, ao discutir este tópico, foi realizar um levantamento de fonemas e
palavras consideradas de difícil emissão pelo sujeito-gago.
Dos trinta sujeitos pesquisados, apenas seis relataram não haver sons considerados
difíceis. Três sujeitos indicaram um único fonema, respectivamente, /k/ (dois sujeitos) e /p/,
um sujeito. Vinte e um sujeitos organizaram uma pequena lista de fonemas (no mínimo três e
no máximo, quinze sons) que acreditam ser um obstáculo a suas falas. Considerando que
houve mais de três respostas para os vinte e um sujeitos, os fonemas pontuados como difíceis
foram os seguintes, da maior indicação para a menor: /k/; /p/; /t/; /s/; /d/; /f/; /n/; /m/; /b/; /g/;
/v/; /R/; /cl/; /tr/; /pr/; /pl/; /cl/; /br/; /a/; /o/.
Vinte e dois sujeitos, entre os trinta pesquisados, indicaram uma ou mais palavras que
evitam emitir durante a fala, porque consideram que esta (s) os leva (m) a uma fala gaguejada.
Os oito sujeitos restantes relatam não haver palavra que, de antemão, gere a gagueira, porém
afirmam perceber, em determinada palavra, antes mesmo de dizê-la, que haverá um momento
de gagueira. Entre as palavras, ditas “difíceis,” indicadas, foram apontadas: o próprio nome,
em treze casos, palavras que tenham o fonema inicial do nome, em seis casos, palavras de
extensão considerada grande, como trissílabos e polissílabos, em três casos; palavras cujos
fonemas iniciais são considerados difíceis, em dez casos; além de palavras variadas, como:
bicicleta (para evitar esta palavra, o sujeito diz bike); administração (o sujeito faz este curso na
graduação); gaguejar, gagueira e gaguejo; três, trezentos, trinta; noventa (o sujeito acrescenta
que ao emitir esta palavra, sente como se o “n” balançasse por detrás dos dentes); sonorização
(o sujeito relata que se encontrava em um táxi e, ao tentar falar “pare antes do sonorizador”,
não pôde emitir esta palavra e disse apenas “pare aqui”).
Jakubovicz (1980) afirma que os gagos apresentam maiores dificuldades em estímulos
muito longos, como a emissão de polissílabos, com palavras pouco freqüentes na língua, com
o discurso encadeado (a palavra isolada seria mais fácil do que a frase) e com a velocidade
rápida de fala. A autora (op.cit. p. 60) considera que a gagueira é uma “desordem
sociomotora” e que, pela dificuldade com algumas palavras, conforme descrito acima, o
sujeito adota uma postura anormal, antes mesmo que a corrente aérea saia dos pulmões,
resultando em uma performance silenciosa do som ou a fragmentação da palavra. Da mesma
forma, Jakubovicz (1980), ao se referir aos fonemas geradores de gagueira, indica que sons
iniciais costumam ser de difícil emissão para o gago, enfatizando que, geralmente, a
dificuldade ocorre na consoante, uma vez que esta é articulada com uma interrupção da
corrente de ar, o que exige tensão articulatória maior.
Curlee; Siegel (1997) e Perkins; Kent; Curlee (1991) afirmam que a gagueira ocorre,
especialmente, em consoantes iniciais e menos em vogais, além de ser mais evidente em
vocábulos de maior extensão. Por este motivo, consideram que a gagueira deve envolver
planejamento da produção fonológica e que codificações sintática e semântica, possivelmente,
contribuem para a sua ocorrência.
Friedman (1994) afirma existir uma integridade articulatória nos pacientes gagos e que,
faz parte do processo terapêutico, a propriocepção deste estado, uma vez que o sujeito
considera haver uma inabilidade no funcionamento da articulação.
Neste sentido, concordamos com Friedman (1994) e salientamos a inexistência real de
fonemas ou palavras difíceis, já que o sujeito pode emitir fluentemente a palavra ou som
indicado por ele como sendo de impossível emissão em qualquer outra situação de fala.
Podemos exemplificar a afirmação, relatando o caso do paciente que declarou não poder dizer
“viaduto”, mas nos trouxe a palavra, enquanto relatava a sua impossibilidade, em uma única
frase, quatro vezes, sem momentos de gagueira. Outro exemplo é o da paciente que relata não
poder emitir “alô” e, ao atender ao telefone, substitui esta palavra por “pronto”. Se
analisarmos fonologicamente os dois vocábulos, constataremos que o segundo apresenta maior
complexidade do que o primeiro. Acreditamos que estes dois exemplos ilustram o fato de que
não é a palavra que traz a gagueira, mas as condições de produção do discurso.
Formação Discursiva 5
Há posições discursivas geradoras de gagueira
A quinta formação discursiva foi constituída a partir da discussão da questão: que
situações ou pessoas o conduzem a mais gagueira?
10. Condições de Produção geradoras de Gagueira
Questão: Que situações ou pessoas o conduzem a mais gagueira?
(Formação Discursiva 5 - Há posições discursivas geradoras de gagueira)
Esta questão foi trabalhada para conhecer posições discursivas geradoras de gagueira
no sujeito-gago, considerando a ótica lingüístico-discursiva e, portanto, acreditando que o
sujeito ocupa posições discursivas diferentes, dependendo das condições de produção.
Com relação às pessoas que conduzem os sujeitos a mais gagueira, os familiares
representam a maioria registrada, seguidos de amigos, colegas da escola, professores,
desconhecidos.
Quanto às situações geradoras de gagueira, houve as seguintes respostas: falar ao
telefone, falar no interfone, falar com interlocutores hierarquicamente superiores, como
professores, diretores, chefes, médicos, fonoaudiólogos, contar
histórias, falar frases longas, deparar-se com situações de surpresa, não conseguir controlar a
fala, conviver com pessoas que gaguejam, estar nervoso, falar em público, ter medo de
gaguejar e gaguejar mais por isto, falar rapidamente o que deseja, dar informação a alguém,
apresentar um trabalho ou participar de um seminário, submeter-se a entrevista de emprego,
responder a exigências formais da família (cobrança autoritária dos pais), sair com os amigos,
falar com um interlocutor que deboche da fala do sujeito gago.
Van Riper (1972;1973;1982) considera que existem certas situações causadoras de
medo nas pessoas gagas, que acabam por gerar episódios de gagueira. São elas: o conteúdo da
mensagem a ser transmitida (quanto maior for a responsabilidade em relação à fala, maior o
medo); medo de certas situações sociais e medo de pessoas investidas de autoridade, em geral,
como professores e chefes. Para Van Riper (1972;1973;1982) o medo de falar gera tensão, que
leva à gagueira, que, por sua vez, conduz à mais medo, mais tensão e mais gagueira. Este se
configura o círculo da gagueira, descrito em suas publicações.
Consideramos que o “medo”, descrito pelo autor, pode ser interpretado, a partir do
enfoque lingüístico-discursivo, como as condições de produção presentes em toda situação
discursiva. Nelas estão contempladas a situação dos protagonistas, a relação de sentido e a
antecipação. Mais uma vez, as condições de produção geradoras de gagueira devem ser
compreendidas na sua singularidade e escutadas terapeuticamente.
Formação Discursiva 6
Há posições discursivas geradoras de fluência
A sexta e última formação discursiva foi constituída a partir da discussão da questão:
que situações ou pessoas o conduzem a uma fala sem gagueira?
11. Condições de Produção Geradoras de Fluência
Questão: Que situações ou pessoas o conduzem a uma fala sem gagueira?
(Formação Discursiva 6 - Há posições discursivas geradoras de fluência)
O objetivo desta questão foi identificar posições discursivas de fluência, ou seja,
situações e pessoas que conduzem o sujeito-gago a um discurso fluente.
Com relação às pessoas, o interlocutor desconhecido parece o principal agente
desencadeador de fluência. Houve outras respostas, como falar com familiares, pessoas
conhecidas, pessoas que já sabem do seu problema, colegas da escola, interlocutores que não
julgam a fala do sujeito gago, como crianças pequenas e bebês, ou mesmo, bons ouvintes (no
sentido de que sabem escutar sem interferências, pessoas que o deixam à vontade) e, mesmo,
fonoaudiólogos e pessoas que trabalham em clínicas fonoaudiológicas.
Quanto às situações geradoras de fluência, as respostas foram bastante variadas e serão
descritas a partir da quantidade de referências. Cantar, contar, falar com animais ou crianças
pequenas, falar sozinho, ler ou estudar sozinho, lentificar a velocidade da fala (falar devagar,
pausadamente), falar rapidamente o que precisa ser dito, dominar o assunto da conversa e se
esquecer da gagueira, estar calmo, falar expressões curtas (frases pequenas), estar confiante.
Com relação às condições de fluência na gagueira, os estudos da área, como os
publicados por Van Riper (1971;1982), Johnson (1959), Sheehan (1958) descrevem várias
situações que, no gago, promovem fluência. Blodstein (1949) elabora uma lista destas
condições, procurando explicá-las pela facilitação de alguns fatores, como ritmo, modificação
de maneiras de falar, baixa proposicionalidade, em que a pessoa fala de modo simples, breve,
estereotipado e rotineiro e, ainda, a relaxação, em que ocorrem alterações fisiológicas no
indivíduo, com conseqüente modificação no ato de fala. Desta forma, Blodstein (op.cit.)
identifica as seguintes condições de maior fluência em gagos, considerando-se a quantidade de
registros (de maior para menor), em pesquisa realizada pelo autor: ler em coro o mesmo
material, falar com um animal, cantar, falar com crianças, falar e escrever ao mesmo tempo,
fazer juras, falar sozinho, falar com o ritmo de balançar o corpo, ler alto sozinho, imitar um
dialeto regional, falar sentindo-se calmo e relaxado, imitar a maneira dos outros falarem, falar
e andar ao mesmo tempo, imitar um dialeto estrangeiro, falar e bater o ritmo com o pé, fazer
uma observação inconseqüente, falar em uma situação jocosa, falar com os dentes trincados,
falar cantarolando, falar em tom mais baixo, falar e ao mesmo tempo dar a mensagem por
escrito, falar sentindo-se confiante, falar enquanto pratica esporte e falar com o (a) namorado
(a).
Consideramos que a justificativa para a fluência seria a ausência de ouvinte
ou a impossibilidade de se sentir nomeado de “gago” por eles, no caso de falar com
crianças pequenas ou animais. Já nos casos de cantar, recitar poesias, imitar um
dialeto regional ou estrangeiro, o ritmo favorece a fluência, uma vez que leva o
sujeito a um efeito de distração da fala (não é a sua linguagem). Quanto a emitir
linguagem automática, como seriações, interjeições ou falar palavrões,
salientamos que a linguagem elaborada é que conduz o sujeito à posição de gago,
porque o insere na ordem do discurso.
Para existir gagueira é necessário um ouvinte. O indivíduo sozinho nunca
gagueja, assim como é fluente quando fala com uma criança pequena, ou com um
animal, ouvintes não críticos. Acreditamos que se houvesse algum dano neurológico
no sujeito-gago, haveria um caráter de permanência no distúrbio.
Os momentos de fluência ocorrem em todos os casos, mesmo nos mais
severos, além de serem grandes indicadores de que, de fato, ela advém de uma
situação discursiva. Além disso, a fluência também ocorre sempre que o ritmo
favorece a emissão, seja no canto, na fala cantarolada, imitação de dialeto regional
ou estrangeiro, ou através da utilização do metrônomo, uma vez que há, nesses
casos, modificação na entonação, na melodia da comunicação, transformando o
padrão natural da mesma.
Sobre este aspecto, gostaríamos de enfatizar que, apesar de a maioria dos
sujeitos-gagos relatar algumas destas situações como condições de fluência, a
escuta singular é fundamental para que se possa conhecer o sujeito da linguagem.
No próximo tópico, passamos a realizar uma análise do discurso de três
sujeitos-gagos, em situação de terapia fonoaudiológica com a pesquisadora.
4.2. No caminho do discurso: um processo de terapia fonoaudiológica
As coisas se apresentam a mim não pelas
raízes, mas por um ponto qualquer situado
no meio.
Kafka
Neste momento, passamos a analisar o discurso de três sujeitos-gagos (uma
criança, um adolescente e um adulto) em processo de terapia fonoaudiológica com a
pesquisadora.
Foram constituídos recortes discursivos de sessões fonoaudiológicas,
representativas de quatro momentos do processo terapêutico: a entrevista inicial e
três recortes de sessões posteriores, em que se poderá acompanhar, de forma
longitudinal, o desenvolvimento do discurso dos sujeitos até o processo de alta
fonoaudiológica, ou o momento terapêutico em que se poderia discutir o
desvinculamento do paciente das sessões fonoaudiológicas.
A História do Sujeito Bernardo18
Bernardo é uma criança de cinco anos de idade, que chegou ao nosso
consultório trazida pelos pais, que indicavam queixa de gagueira desde os três
anos. A família conta que uma fonoaudióloga conhecida aconselhou-a a aguardar
que a criança completasse cinco anos de idade para submeter-se a uma terapia.
Desta forma, tão logo o menino completou a idade indicada, os pais nos
____________________________ 18. Com o objetivo de preservar as identidades dos sujeitos, todos os nomes são fictícios.
Na entrevista com os pais de Bernardo, as letras M e P, correspondem à mãe e pai, respectivamente e T, à terapeuta.
procuraram em busca de um trabalho fonoaudiológico.
Marcamos a primeira sessão por telefone e mantivemos um primeiro contato
com a criança, antes de conversarmos com os pais. Este procedimento, apesar de
contrariar as normas de rotina da clínica fonoaudiológica, em que a anamnese vem
antes da avaliação, marca uma possibilidade de escuta terapêutica sem interferência
do discurso da família, permitindo o acesso à linguagem/sujeito em toda a sua
singularidade. No primeiro encontro com o paciente não há intenção avaliativa, mas
conhecimento mútuo.
Inicialmente, Bernardo não falava sobre a gagueira, apesar de agir sobre ela,
utilizando recursos para adiar ou evitar que essa aparecesse para o interlocutor,
como bater fortemente com os dedos na testa e dobrar a língua, pressionando-a
contra o palato duro. Havia muitos bloqueios de fonemas, a tal ponto que
comprometia a escuta terapêutica.
Bernardo compareceu pela primeira vez ao nosso consultório em agosto de
2005, participando de sessões fonoaudiológicas semanais por um período de seis
meses (não consecutivos, pois houve um mês de férias solicitado pela família) e teve
alta terapêutica. Salientamos que os pais de Bernardo também compareciam um
outro dia na semana às sessões.
Sujeito 1 – Bernardo – 5 Anos
Entrevista Fonoaudiológica Inicial (realizada entre pesquisadora e os pais de
Bernardo)
T1: Como eu posso ajudar vocês? M1: É que o nosso filho gagueja muito. Gagueja tanto que a gente chega a ficar com vergonha, quando vai à casa dos primos, a uma padaria, porque as pessoas notam e perguntam assim: ele é gago, é? Agora, de repente, da noite para o dia, ele pára de gaguejar e fala bem. De uma hora para outra, volta a gaguejar. T2: Vergonha? Vergonha por quê? M2: Não é nem vergonha... é mais medo, porque as pessoas ficam perguntando, criticando... e ele fica chateado. T3: Ele percebe a gagueira? M3: Percebe. P1: Agora, ele é assim: quando ele está no lazer, gagueja menos. A gente nota isso. Quando a gente vai para Serrambi (praia do litoral pernambucano), ele brinca muito e não gagueja. A gente passou vinte dias lá e ele nem parecia que gaguejava. Quando a gente voltou para o Recife, ele voltou a gaguejar. Agora, a gagueira está pior, porque há uns dois meses atrás, ele ia dizer que queria brincar com o cachorro e ficou “ca...” e não saía de jeito nenhum “cachorro”, porque ele não gagueja assim “ca ca ca ca ca”, ele gagueja prendendo, sabe? Aí ele disse: eu nunca vou falar direito! Eu disse: vai, meu filho, você vai falar direito. Deu uma pena que eu chorei, porque eu sou mole pra chorar... quer dizer, alguma coisa ele já está percebendo... T4: É. Ele já está percebendo... M4: E ele pediu uma ajuda para aprender a falar melhor. T5: Quando eu conversei com ele, ele me disse que não sabia o que estava fazendo aqui... mas eu notei que ele está fazendo muito esforço para falar... P2: Ele faz mesmo muito esforço... quando a gente voltou de Serrambi, uns oito dias depois, ele já estava gaguejando muito. Agora, tem semana que ele gagueja menos.
T6: E o que vocês fazem quando o Bernardo gagueja? Como vocês agem? P3: Eu tenho mais paciência e deixo ele falar. Digo a ele para ir mais devagar, ajudo ele a respirar... T7: Ajuda o Bernardo a respirar? Como? P4: Não... assim... digo a ele: “respire melhor para falar, porque você vai falar mais devagar e aí, não gagueja”. T8: E você (mãe)? M5: Eu também faço isso. P5: Mas você não tem paciência com ele... fica logo nervosa. T9: Fica nervosa? M6: Fico mesmo. Mas não bato nele, porque ele é um menino muito bom, mas comigo acho que ele gagueja mais. Será que é porque eu fico nervosa? T10: Sem dúvida, ele percebe isso, né? Mas olha, a gente vai trabalhar no sentido de fortalecer a compreensão do que está acontecendo com ele e, certamente, vocês poderão ajudá-lo a sair desta fase. T11: E quando a irmãzinha nasceu? Como foi? M7: Ele não piorou não. Ele é um menino ótimo. Ele é calmo, ele é obediente, ele nunca faz nada errado. A gente não briga com ele... raramente, ele faz coisa errada. Agora, ele começou a falar quando ia fazer três anos e a gente já estava preocupado... depois, começou a falar e falava errado e logo iniciou essa gagueira. Até a professora chamou a gente pra dizer que quando perguntava a ele: Bernardo, quanto é dois mais dois? Ele mostrava nos dedos e não falava. A professora brigava com ele: Bernardo, eu quero que você fale e não mostre nos dedos. Aí, ele começou a bater na mesa pra falar tudo o que queria. A gente dizia: Bernardo, não pode falar assim e ele deixou. P6: E ele começou a dividir as sílabas. Quando ele não conseguia dizer, ele falava “ca-dei-ra”. M8: É. Ele fazia isso mesmo. Às vezes, ele fazia: “eu/ quero/ coca/cola” (lentificado). Eu conversei com uma amiga nossa que é fono e ela disse: até os cinco anos, ele vai falar normal e, como ele já tem cinco anos, a gente trouxe ele aqui pra ver o que a senhora pode fazer por ele. T12: Vamos trabalhar. A gente precisa ver também como é a relação da escola com ele, com essa gagueira... M9: Eu acho eles muito rigorosos. T13: Eu percebi, conversando com ele, que ele conta estórias, conversa, ou seja, ele não foge das situações de linguagem, mas ele já faz força e tem muitos bloqueios, o som fica muito preso... isso chama a atenção, porque já não é tão natural como quando a gagueira vem no início da palavra e da frase, com repetições ou prolongamentos... P7: É isso mesmo. Ele conversa muito mesmo... T14: Vocês podem fazer assim: quando ele estiver mais fluente, como aconteceu em Serrambi, por exemplo, vocês podem conversar mais com ele, perguntar mais, porque ele vai se sentir confiante em responder fluentemente. Ao contrário, nos momentos de disfluência, quando ele estiver gaguejando mais, deixem-no mais livre para falar, sem cobrar tanto. Uma questão importantíssima é ter escuta para ele, ou seja, realmente, ouvi-lo com atenção, procurando não estar atento somente às palavras gaguejadas, mas ao sentido do que ele fala. Isso é fundamental no processo. Na verdade, esse é um trabalho que precisa ser feito com a participação
de vocês, porque, sem querer, se passa ansiedade, mesmo sem intervir diretamente... P8: É verdade. Principalmente ela (a mãe). Eu sou menos ansioso. M10: E outra coisa. Quando ele era pequeno, eu sempre falei muito alto. Gritava para chamar ele e hoje eu vejo que ele ficou uma criança assustada. Se eu falo um pouco mais alto, ele já se assusta. Se a televisão sair fora do ar, ele já se assusta. Ele também levou muita queda, mas isso não tem nada a ver não, né? T15: Eu não acredito, mas a gente pode investigar se estas quedas deixaram alguma seqüela...
Conforme procuramos delinear, na descrição da história de Bernardo,
conversamos, inicialmente, com a criança e, só após, convidamos os pais para uma
entrevista. Durante esta sessão inicial, Bernardo pareceu-nos assustado com o que
estava acontecendo a ele. Assim, percebia o “erro” e se esforçava para acertar,
tensionando os órgãos fonoarticulatórios e utilizando estratégias corporais que
liberassem a gagueira.
No discurso dos pais de Bernardo, a ansiedade, a vergonha e o medo marcam
a inabilidade em lidar com o problema que desconhecem, como podemos identificar
em M1 e M2, no discurso da mãe:
é que o nosso filho gagueja muito. Gagueja tanto que a gente chega a ficar com vergonha, quando vai à casa dos primos, a uma padaria, porque as pessoas notam e perguntam assim: ele é gago, é? Agora, de repente, da noite para o dia, ele pára de gaguejar e fala bem. De uma hora para outra, volta a gaguejar. (...) Não é nem vergonha... é mais medo, porque as pessoas ficam perguntando, criticando... e ele fica chateado.
Mais do que a dificuldade em lidar com a gagueira do filho, a vergonha e o
medo originários do efeito que essa pode causar no discurso do interlocutor do filho,
que pergunta e critica, ocupam um lugar de destaque na fala da mãe, porque fazem
parte de formações discursivas existentes em lugares sociais. Estas formações
censuram, criticam, discriminam, uma vez que são indicadoras de um sujeito
patológico, “doente”.
A mãe afirma que a criança percebe a gagueira (M3) e que pediu ajuda para
“aprender a falar melhor” (M4). O pai concorda que ele já se preocupa com o
problema, trazendo, como exemplo, a fala do filho “eu nunca vou falar direito” e
complementa que o lazer parece ser uma condição favorável à fluência de Bernardo
(P1).
O discurso dos pais de Bernardo mostra o efeito que a gagueira da criança
gera neles, sinalizando vergonha (M2), medo (M1), pena (P1), nervosismo (M6),
ansiedade (P6) e preocupação (M7). A afirmação de que a criança melhora durante
o lazer (aproxima-se da mãe) e piora na rotina escolar (distancia-se da mãe) aponta
para as condições de produção, uma vez que há situações e interlocutores
diferentes.
O discurso dos pais é de interferência e atitudes inadequadas frente à fala da
criança, descrevendo intervenções diretas, com solicitações de que respire e fale
mais devagar (P3, P4, M5, P5 e M6) e nervosismo, impaciência e ansiedade por
parte da mãe (P5, M6 e P8). Talvez este discurso possa nos remeter à afirmação de
que “se a criança tem a impressão de que todo acesso a uma palavra verdadeira lhe
é vedado, pode em certos casos procurar na doença uma possibilidade de
expressão” (MANNONI, 1980, p. 65). A crença dos pais é de que, ao insistirem para
que ele fale devagar e que respire antes de falar (o que é evidente que ele já faz),
terá como efeito a sua fluência.
O discurso da família reproduz uma censura já instaurada no dizer de
formações discursivas sobre a censura. Neste sentido, os pais o silenciam e não
doam sentido ao discurso de Bernardo, não falam sobre o quê Bernardo fala, mas de
como ele fala, como se pode analisar em M1, M2, P1, P2, P6 e M8. Assim, a mãe
não se coloca na posição de interlocutora de Bernardo, mas daquele que o julga,
com um deslocamento da posição de ouvinte para a de inspetora, que analisa o que
ele diz, sob o ponto de vista do código lingüístico, com um predomínio da forma
sobre o sentido. O que acontece com a família de Bernardo é uma reprodução de
um dizer que está na sociedade: um dizer censurador e inspetor em referência ao
sujeito-gago. Por ser uma fala identificada socialmente como “anormal”, em que o
sujeito titubeia nas palavras, o sujeito-ouvinte-interlocutor do sujeito-gago passa a
vê-lo como um sujeito que vacila e “assassina” as palavras, portanto, um sujeito
patológico. Os pais reproduzem um dizer que está na formação discursivo-ideológica
daqueles que censuram e inspecionam a gagueira.
A família identifica um atraso na aquisição da linguagem de Bernardo, que
iniciou a fala aos três anos de idade, quando já existia preocupação dos pais, que
consideravam muito lento o processo. O início da linguagem trouxe o erro e a
gagueira, segundo a mãe, em M7, com conseqüente preocupação, também, da
professora da escola, que não aceitava que Bernardo utilizasse gestos no lugar da
fala. Ao detectar as falhas na linguagem de Bernardo, a família passa a reproduzir o
dizer das formações discursivas da aquisição de linguagem, um dizer também
reproduzido pela Escola. Ao apresentar o distúrbio de linguagem – a gagueira – a
criança passa a ser vista de forma diferente. As críticas, as correções, a ironia, a
discriminação, são valores que estão na sociedade e são reproduzidas pelos
aparelhos ideológicos, como a família e a escola, através de suas formações
discursivas.
Bernardo passou a utilizar estratégias discursivas, atuando diretamente no
discursivo, falando de forma lentificada, como relatado em M8, e não-discursivas
(bater na mesa para falar o que queria), como indicado em M7. Conforme descrito
anteriormente, neste trabalho, o sujeito-gago costuma utilizar estratégias, discursivas
ou não, que escondam ou disfarcem a gagueira, com o intuito de adiar ou evitar um
momento de gagueira. Desta forma, a substituição de uma palavra, que,
possivelmente, seria gaguejada, por outra, considerada mais fácil, poderia não
mostrar um momento de gagueira ao interlocutor, da mesma maneira que a tensão
utilizada para piscar fortemente os olhos canalizaria a tensão gerada nos órgãos
fonoarticulatórios por um possível gaguejar, para os olhos. Ambas as atitudes serão
consideradas, para efeito desta pesquisa, como estratégias discursivas e não
discursivas, respectivamente.
Em T14, a família foi orientada a como agir com Bernardo, procurando escutá-
lo, em seu discurso. Salientamos, entretanto, que a intervenção fonoaudiológica com
a criança gaga deve vir acompanhada de um trabalho sistemático com a família
desta criança, que necessita ser escutada na sua singularidade. Assim, a partir
deste momento, foram propostas terapias fonoaudiológicas semanais, com a família,
além de sessões semanais com a criança e terapeuta.
Recorte Discursivo 1 – Bernardo – 5 Anos19 T1: Eu já contei uma estória. Agora, você vai me contar a estória do seu desenho, ta? B1: E_ra uma vez um leão muito poderoso (estratégia de bater na testa). Ele tinha um filho... T2: Ah! Olha ele aqui, né? (mostro, no desenho dele, o que parecia ser o filhote de leão). B2: É. Aí, chegou Batman e pulou (estratégia de bater na testa) em cima do filho dele. T3: Batman pulou no leãozinho? Por quê?
B3: Batman era do m_al e queria (estratégia de bater na testa) magoar o filho (estratégia de dobrar a língua) dele. O leão (estratégia de dobrar a língua) ficou zangado e aí/aí/aí/aí pulou em cima de Batman e matou ele. T4: Nossa! O leão matou o Batman? Por quê? B4: É. Porque (estratégia de bater na testa) ele tinha que proteger o f_ilho dele. E acabou a estória. T5: Puxa! Essa é uma estória triste? B5: N_ão, porque (estratégia de bater na testa) o leãozinho (estratégia de dobrar a língua) foi f_eliz para s_empre com o papai dele. __________________ 19. Para a transcrição dos recortes discursivos, foram utilizadas algumas notações gráficas, com a finalidade de explicitar aspectos lingüísticos importantes à compreensão da dimensão temporal dos discursos. Notações gráficas: letra em negrito /sublinhada - bloqueio do som, acompanhado de tensão muscular. ___ - prolongamento do som. / - repetição de sílabas, palavras ou frases. T6: Com o papai? B6: É. T7: Bernardo, você percebeu que às vezes você fala fazendo força? B7: Já. Papai é sem força. Às vezes, eu falo papai. T8: E o que é mais fácil? Falar papai ou papai? B8: Papai. T9: Então, vamos brincar dessa brincadeira? Falar difícil e falar fácil? B9: V_amos... aí/aí/aí mas às v_ezes eu só sei f_alar difícil... T10: Difícil? B10: Difícil. Só às vezes. T11: Eu não acho. Eu vejo que você fala o tempo inteiro bem fácil, mas às vezes, faz força e fala difícil. A gente pode falar sem fazer força, não é? Aí sai fácil!
No recorte discursivo 1, Bernardo contava uma estória e, de vez em quando,
bloqueava fonemas, sempre acompanhados de esforço muscular nos órgãos
fonoarticulatórios responsáveis por aquela produção. Nitidamente, havia um esforço
trazido pela previsão de um erro que a criança acreditava que viria.
Em T6, procuramos utilizar a técnica do estranhamento, descrita em Lemos
(2002) e Freire (1995,1996), a partir de fundamentação teórica do Projeto
Interacionista em Aquisição de Linguagem, devolvendo a fala bloqueada de
Bernardo, oferecendo-nos como um espelho para que a criança pudesse identificar a
sua falha. Na base teórica, a formação discursiva é a especularidade da primeira
posição de falante, em que a mãe se oferece como espelho à criança. Em B7,
Bernardo percebe o erro, recupera a palavra sem qualquer esforço muscular e,
agora, mostra-nos a palavra com a força que fazia, quando afirma Já. Papai é sem
força. Às vezes, eu falo papai. Nesta última palavra, o bloqueio realizado não foi um
momento de gagueira, mas uma imitação da mesma, o que é um efeito terapêutico.
______________________ Letra maiúscula. - inicial do nome do sujeito em estudo. T. - Terapeuta.
Bernardo aceita brincar de falar fácil e difícil, que tem a intenção de levá-lo a
perceber a diferença entre tensão e descontração, procurando marcar a fluidez da
linguagem. Ainda em B9, o discurso de Bernardo aponta para a fixação na forma da
fala, quando ele diz que fala, freqüentemente, difícil.
Recorte Discursivo 2 – Bernardo – 5 Anos
T12: Você já está aprendendo a ler? Nossa, não acredito! B11: E_u já t_o aprendendo (estratégia de bater na testa) a ler. E_u j_á sei ler na escola (estratégia de bater na testa). T13: (Bato na testa como Bernardo). Você acha que isso ajuda? B12: É. E_u acho que/que/que ajuda, porque quando eu faço assim (bate com os dedos na testa) eu não gaguejo. T14: E por que será que quando você bate com os dedos na testa você não gagueja? B13: sei não... T15: Acho que você não gagueja, porque quando você faz assim (bato com os dedos na testa) você não fica preocupado com a gagueira. Você se esquece dela, não é?
B14: É, mas à_s vezes e_u bato na testa e também gaguejo T16: Eu acho que bater com os dedos na testa e mexer a língua não adiantam nada... o que adianta é nem ligar para a gagueira... é deixar para lá... é falar bem facilzinho, porque não precisa fazer esforço para falar, né? B15: É. É porque eu falo difícil T17: Agora você não falou difícil... falou bem fácil. Você percebeu? B16: Foi. Mas às vezes eu falo difícil. T18: Eu também falo difícil às vezes. Todo mundo fala. O papai, a mamãe, a professora da escola, às vezes, falam difícil, sabia? B17: Não. T19: Mas quando a gente fala difícil, a gente nem liga. Depois, fica falando fácil de novo. Mas bater na testa e enrolar a língua não ajudam mesmo a falar fácil.
No recorte discursivo 2, procuramos, através da técnica do estranhamento,
devolver a estratégia corporal, bater com os dedos na testa, com o objetivo de levar
a criança a observar, como num espelho, o que faz com o corpo no momento da
gagueira. Esta técnica gera um efeito imediato na linguagem de Bernardo, uma vez
que ele passa a falar sobre a estratégia não-discursiva (B12), percebe que às vezes
utiliza-a e gagueja ainda assim (B14) e, neste recorte discursivo, deixa de utilizar
esta estratégia.
Em B15, Bernardo retoma o discurso que marca a impossibilidade de fluidez
na fala, assumindo que fala difícil. Falar difícil, para Bernardo, é ser gago, visto por
ele como algo imutável, rígido, que não leva à mudança de posição. Procuramos
deslocá-lo desta posição de sujeito-gago, mostrando-lhe a fluência de sua fala no
próprio segmento. Ele percebe a fluência, porém recupera momentos de dificuldade
na linguagem. Neste sentido, enfatizamos a gagueira natural existente nos sujeitos
não gagos, que não se preocupam com as falhas e imperfeições da linguagem.
Recorte Discursivo 3 – Bernardo – 5 Anos B18: Eu vi um DVD muito massa com o meu amigo.
T20: É mesmo? Um filme? B19: É um filme de um tubarão bonzinho. Ele não queria comer ninguém. T21: É mesmo? B20: É. O pai dele queria que ele fosse bravo, mas/mas ele não gostava de comer peixinhos, porque ele era amigo dos peixes. T22: Que engraçado, né? B21: É engraçado. O tubarão era amigo de todo mundo e/e nem comia os peixes. T23: Mas na vida real tubarão come peixes, né? B22: É. Tubarão é muito feroz, mas o do filme era bonzinho. T24: Você já notou, Bernardo, como você está falando fácil? B23: Já. Eu falo bem fácil agora. É que eu não estou mais preocupado. T25: Pois é, Bernardo. Não precisa se preocupar com a fala, mesmo, né?
O recorte discursivo 3 mostra um discurso bastante fluido, que traz apenas
poucas repetições de palavras, que, certamente, não diferenciariam Bernardo de um
falante considerado fluente. O processo de mudança de posição de sujeito-gago para
sujeito-fluente ocorreu após seis meses de terapias fonoaudiológicas semanais e, a
partir daí, a criança entrou em alta fonoaudiológica, isto é, um processo de
desligamento do vínculo terapêutico. Salientamos que, juntamente com a terapia
direta com Bernardo, houve um trabalho sistemático semanal com sua família – mãe
e pai.
Foi realizada também uma entrevista na escola de Bernardo, onde estavam
presentes a coordenadora pedagógica, a psicóloga e a professora da criança.
Houve escuta das profissionais a respeito da criança e da gagueira que apresentava.
Pudemos notar que há uma desinformação acerca do problema, pois a conduta
mantida pela direção e informada ao corpo docente é a da interferência na linguagem
da criança, com solicitações de que fale com calma e respire profundamente. Neste
sentido, acreditando que a orientação fonoaudiológica constitui um discurso
autoritário, conforme Passos (1996) e Orlandi (1987), uma vez que não permite
reversibilidade, este recurso foi excluído e, em seu lugar, foi realizado um trabalho de
escuta discursiva, com análise interpretativa. O mesmo enfoque foi trabalhado com a
família (pai e mãe) de Bernardo, desta vez, semanalmente, para que pudessem ter
melhores possibilidades de lidar com a linguagem da criança, compreendendo a
gagueira como um evento discursivo, diretamente relacionado às condições de
produção.
Com o trabalho terapêutico direto com a criança, e indireto, com a
família/escola, Bernardo foi, pouco a pouco, deslocando-se da posição de sujeito-
gago para a de sujeito falante capaz de falar bem. Os momentos de gagueira que
permaneceram apresentam características esperadas de disfluências naturais da fala
e não são mais previstos como erros, por ele.
A História do Sujeito Fernando
Fernando é um adolescente de 15 anos de idade que, a despeito do relato
posterior sobre a dificuldade na utilização do telefone, procurou-nos ele próprio, por
esta via (telefonou-nos). Desta forma, como foi Fernando quem nos procurou,
consideramos desnecessário convidar seus pais para uma entrevista. Assim, o
trabalho fonoaudiológico foi realizado apenas com ele e a família foi falada a partir do
que era trazido em seu discurso, mas não esteve representada diretamente.
Fernando cursa o segundo ano do ensino médio de uma escola particular e
tradicional do Recife. É um excelente aluno e está inserido na primeira turma de uma
série de classes do mesmo ano, classificada por coeficiente mensal, ou seja, de
forma quantitativa, a partir de nota originada de avaliação. Neste sentido, o aluno
pode mudar de classe a cada mês, caso esteja abaixo da média indicada para
aquela turma. Apesar de afirmar ter receio de mudar de turma, o que derivaria da
possibilidade de ter uma nota baixa, salienta que isto nunca aconteceu. Em seu
discurso, o adolescente afirma ser perfeccionista e organizado.
Com relação à possível causa do seu problema, Fernando cogita ter iniciado
na infância e apresentar probabilidade genética, uma vez que o avô paterno é gago.
Fernando dizia necessitar muito de terapia e deixava claro fazer o que fosse
necessário para comparecer e ser pontual às sessões.
O adolescente iniciou o processo terapêutico em fevereiro de 2005 e
permaneceu em atendimento por quatorze meses, não consecutivos, com férias
quinzenais nos meses de julho e janeiro. Participou de sessões fonoaudiológicas
semanais e, durante todo o período, nunca faltou, demonstrando grande empenho e
interesse.
Sujeito 2 – Fernando – 15 Anos
Entrevista Fonoaudiológica Inicial (realizada entre a terapeuta e Fernando)
T1: Qual a sua queixa? Por que você me procurou? F1: É que e_u sou gago desde pequeno. A_ntes não me incomodava não, mas agora, é dif_ícil namorar, f_alar com uma menina, no colégio também... T2: No colégio? F2: É que eu gaguejo muito com os meus colegas, porque eles tiram onda, visse? Aí, eu f_ico nerv_oso, ansioso e gaguejo. Com painho, eu também ga_guejo muito, é porque ele fica brigando comigo, “fale direito, Fernando!”, mas já com mainha, eu quase não gaguejo. T3: Com a sua mãe, você gagueja pouco... F3: Com o meu irmão mais velho, eu também gaguejo muito, mas com a minha irmã mais nova do que eu, eu me dou muito bem e quase não gaguejo. T4: São três irmãos? F4: Não. São dois: um mais v_elho e uma mais nova... T5: Três, com você. F5: É, comigo três. T6: E por que você acha que gagueja, Fernando?
F6: Por que eu gaguejo? Sei não... eu sou muito tímido e também f_alo muito rápido, visse? Sou m_uito nervoso também... acho que é isso. T7: Os seus pais dizem o quê? Quando iniciou a gagueira? Você sabe? F7: Meu avô, pai de painho, é gago. Eles dizem que desde pequeno eu gaguejo, mas era menos... agora, está pior do que v_oinho... está muito forte. T8: Forte? F8: É. Forte, po_rque tem horas que eu não consigo falar nada... trava tudo... a voz fica presa. T9: Presa onde? F9: Fica presa no pescoço... e não sai som, visse? T10: Quando acontece isso? Da sua voz ficar travada? F10: No telefone, sempre. Eu odeio falar no telefone. Não atendo nunca... o meu c_elular é quase virgem. S_abe por que ele é só quase virgem? Po_rque às vezes, eu ligo pra operadora, que é grátis e fico ens_aiando minha f_ala com eles. Inv_ento que estou com um problema e eles f_icam falando. Quando eu preciso falar, f_injo que estou pensando e me_xendo no aparelho... T11: Puxa! Isso é bem interessante! Você me falava que o telefone é uma condição de mais gagueira para você. Há outras situações assim? Que parecem levá-lo a gaguejar mais? F11: F_alar no interfone, que é a m_esma coisa... f_alar com os professores, dar inf_ormação... é o elemento surpresa. Apresentar um trabalho no colégio... eu nem vou lá na frente... posso até tirar zero que eu não apresento. T12: Existem palavras que você já sabe que vai gaguejar? F12: Muitas palavras que eu nem f_alo, porque já sei que vai travar. Se começar com “p”, com “c”, “q” ou com “t” eu não falo mesmo. Tem também o “s”, o “tr” , o “pr” e o “br”... T13: Me dê alguns exemplos... F13: Sei não... eu s_ei que essas letras me fazem gaguejar. Ó... gaguejar... tem o “g” também... toda vez que eu falo essa palavra também trava. T14: Sei. Na palavra “gaguejar”. E aí, o que você faz para não falar a palavra que você já sabe que irá gaguejar? F14: Ah, aí, eu troco a pa_lavra por outra mais fácil. Se eu tiver que atender o telefone, não falo alô... f_alo “pronto”, ou então “oi”. Eu também tenho um bizu, que é bater na perna e piscar os olhos com força... acho que ajuda também... T15: Ajuda? F15: Não? Tu acha que não? Às vezes, parece que ajuda, visse? T16: Bom, a gente vai poder discutir, bastante, tudo a respeito da gagueira nas próximas sessões...
Fernando é um adolescente que se depara com mais um problema em uma
fase tão conturbada. A gagueira na adolescência se exacerba e, geralmente, conduz
o jovem a um grande sofrimento20 e a procurar ajuda terapêutica. A criança gaga
chega à terapia fonoaudiológica trazida pelos pais; já o adulto, na maior parte das
vezes, procura ele mesmo a terapia. O adolescente chega trazido pelos pais, que
nos procuram e passam por uma entrevista, ou, algumas vezes, vem só e diz ele
mesmo do seu problema, como foi o caso de Fernando.
Em F1, Fernando relata que se identifica como gago desde pequeno e deixa
clara a dificuldade nos relacionamentos sociais, que parece estar atrelada à
gagueira: não pode namorar ou conversar.
O pai e a escola parecem ser condições de produção do discurso que geram
mais efeito de gagueira (F2). Ambos são explicados por Fernando: o
_______________
20. Termo utilizado por Friedman (1996).
discurso autoritário do pai e a antecipação no discurso dos colegas da escola (tiram
onda). O irmão mais velho parece ocupar a posição de gerador de gagueira, em
função da representação do pai, pelo lugar social em que está inserido.
Fernando considera que a gagueira é mantida por três fatores: timidez,
velocidade rápida da fala e nervosismo, como afirma em F6.
Em F7, a hereditariedade vem à tona, quando o adolescente identifica o avô
paterno como sendo gago. Este é um discurso que está nas formações discursivas
da família: a gagueira é hereditária, geneticamente herdada. Fernando utiliza o
mesmo discurso que focaliza a concepção genética da gagueira. Neste momento,
existe o estigma inevitável: é gago como o avô (e será sempre gago). A questão
genética na gagueira apresenta vários estudos, conforme discutido na seção anterior
desta pesquisa. Salientamos que, neste segmento, há uma referência a estar pior do
que o avô.
Fernando localiza a gagueira no seu corpo e, em seu dizer, há um domínio da
mesma sobre o sujeito. A gagueira o aprisiona e ele diz não conseguir falar. Ele é
silenciado por esta submissão a uma tensão no pescoço, como assinala em F8 e F9
– (...) tem horas que eu não consigo falar nada... trava tudo... a voz fica presa (...) no
pescoço... e não sai som (...). Ao assumir a gagueira como algo do corpo, este
sujeito assume também, como aceitação, a sua submissão.
O telefone é outra condição de produção geradora de gagueira, que o
encaminha ao silenciamento, como podemos confirmar em F10. Há o desejo de
liberar a fala e Fernando ensaia algumas possibilidades com a operadora. Apesar
disto, ele manipula o seu discurso, fingindo que não é gago. O “alô” é substituído por
“pronto”, ou por “oi”, para que seja liberado. Entendemos que, no nível fonológico,
inclusive, “alô” é uma palavra mais simples do que “pronto”, que apresenta um grupo
consonantal, identificado por ele, inclusive, em F12, como uma possibilidade de
gagueira. Ao dizer “pronto” ou “oi”, no lugar de “alô”, o sujeito-gago se distancia do
sujeito-censurador que se coloca do outro lado da linha. O que, na verdade, é
significativo de gagueira não é a palavra “alô”, mas a condição de produção: falar ao
telefone. Ao pensar em se “expor” ao telefone reproduzindo o “alô,” que é da
formação discursiva da comunicação por telefone, o sujeito antecipa a presença do
outro (ouvinte/interlocutor) que o vai censurar. É uma situação semelhante a que o
leva a gaguejar diante do pai e do irmão mais velho. Observemos que, diante da mãe
e da irmã, onde há não-censura, o sujeito não se apresenta como gago. O que o faz
gaguejar diante do pai e do irmão é a relação de forças entre eles, considerando-se
aí as condições de produção do discurso. Onde há não-censura, não há gagueira.
Onde há censura ou possibilidade de censura, há gagueira.
Fernando relata ainda, em F11, outras condições de produção que o
encaminham a mais gagueira, como utilizar o interfone, apresentar trabalhos, falar
com professores (relação de força – o professor é hierarquicamente superior) e dar
informações a alguém. Há o que ele chama de “elemento surpresa”, ou algo
inesperado que impossibilita a sua fala, como podemos inferir de sua afirmação: “(...)
falar no interfone, que é a mesma coisa... falar com os professores, dar informação...
é o elemento surpresa. Apresentar um trabalho no colégio... eu nem vou lá na
frente... posso até tirar zero que eu não apresento”.
Além disso, afirma não conseguir apresentar trabalhos na escola. Salientamos
que a escola já é marcada como geradora de gagueira, pelo fato de os colegas
“tirarem onda”, como podemos constatar em F2. Ao mesmo tempo, a escola é a
instituição representante da correção, formação, com valor ideológico de censura
pela presença do professor-censurador, tal como afirma Foucault (1996, p. 44): “todo
sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a
apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo”.
Em F12, F13 e F14, há o discurso da impossibilidade de dizer. Fernando lista
várias letras que, a priori, está certo do fracasso e permanece aprisionado na
previsibilidade. Em F14, ele conta o que faz para manipular a certeza do erro:
substitui palavras consideradas difíceis, como alô (que troca por “pronto”, na ilusão
de que é mais fácil) ou utiliza estratégias que o levam a fugir do discursivo, como
bater na perna e piscar os olhos com força, acreditando que estas o ajudam a liberar
a fala. Fernando não está tão certo desta facilitação, uma vez que a nossa
interferência, em T15, o desloca para a negativa do seu ato, no segmento posterior.
Assim, ao questionarmos a sua afirmação de que estratégias são facilitadoras do
discurso, demonstramos estranhamento, através da devolutiva do seu dito - ajuda?
Imediatamente, o paciente se desestabiliza, nega a afirmação, já não parecendo tão
seguro da utilização, em F15: não? Tu acha que não? Às vezes, parece que ajuda
(...).
Recorte Discursivo 1 – Fernando – 15 Anos
F16: Telefonar ainda não dá. Eu penso assim: “alô... eu quero falar com tal pessoa e tal, tal, tal...”, mas na hora, eu não ligo. T17: Mas por que você precisa planejar o que quer dizer? F17: Sei não... a_cho que pra me dar s_egurança mesmo. T18: E planejar te dá segurança? F18: Planejar? Não, visse, porque eu nem consigo ligar... T19: Então, por que você não tenta telefonar para alguém, sem planejar o que vai ser dito? A fala é espontânea. Ela precisa ser espontânea. F19: É, eu vou tentar. Sabe outra coisa? Tem uma m_enina da minha sala que eu estou a fim e estou pensando em chegar junto, né, pra v_er se rola... T20: E por que não faz isso? F20: Tu acha? E o medo? T21: Medo? Medo de quê? F21: Medo de gaguejar. M_edo de querer falar e não s_air nada e a menina ficar tirando onda da minha cara... T22: Essa antecipação da situação é que complica, né? Ter medo, ensaiar o que vai falar, não ajuda nada... tente permitir a sua fluidez... deixe sair a sua fala... sem previsão de que vai errar, de que não vai conseguir... a grande questão é: LIBERE a sua fala! E aí, você se libera também...
O recorte discursivo 1 é marcado pelo dizer da impossibilidade: telefonar e
aproximar-se de uma menina são atos submetidos ao medo de gaguejar (F21).
Fernando aprisiona-se na previsão do erro e no planejamento da sua fala, no
intuito de ter segurança no dizer, ao mesmo tempo em que, ao ser confrontado com
o próprio discurso, em T18 e F18, nega a necessidade da programação prévia.
Fernando está aprisionado ao discurso que “padroniza” a gagueira como uma
doença e que por ser censurado, criticado, discriminado, faz o sujeito-gago pensar
que pode prever o seu erro, o que o faz mais gago ainda. Portanto, podemos ver que
são as condições de produção que fazem do sujeito um sujeito-gago. Ele é visto,
assim, como um sujeito que atropela a linguagem no ato do seu uso. Ao fazer a
linguagem funcionar, dependendo da situação de sua produção, o sujeito pode
“atropelá-la” e se mostrar como gago. A gagueira é, portanto, um distúrbio de
linguagem, em que o discurso da doença pode ser trabalhado pelas vias discursivas.
O fato de desejar conversar com a menina e evitar a aproximação,
considerando que gaguejará e ela “tirará onda” dele, configura-se como a
antecipação, presente nas condições de produção do discurso, que se intensifica no
discurso do sujeito gago. Antes que aconteça, o sujeito já antecipa que os outros
rirão da sua gagueira, conforme discutido anteriormente.
Recorte Discursivo 2 – Fernando – 15 Anos
F22: Agora, uma coisa que eu gosto é de contar piada. E eu nunca gaguejo contando piada, visse? Acho que é porque eu tenho uma boa memória e sempre interpreto bem a piada. Sei não, eles dizem, visse? Meus amigos dizem que eu devia ser ator comediante. T23: É mesmo? Olha aí, que coisa boa! F23: É, mas conversar normal é que eu gaguejo muito, visse? Quer/quer/quer ver o que é pior? Contar história. Se eu for contar alguma estória, um caso que aconteceu, eu nem começo, porque eu gaguejo muito e, aí, fica todo mundo rindo. T24: Mas sabe de uma coisa, Fernando? Todo mundo gagueja quando conta um caso, uma estória... você nunca notou? F24: Não, não. É diferente. Tu já falasse isso, mas eu/eu/eu só v_ejo todo mundo f_alando bem que só e eu gaguejando... T25: Claro que não, Fernando! O problema é que você só tem atenção para a sua fala e para ver as suas falhas. Acontece que a fala de todo mundo é repleta de imperfeições e deslizes. Quando a gente escuta uma gravação, que a gente pode até ouvir daqui a pouco, a gente vê como existem repetições, hesitações, assim, é/é/é/é, hum... tropeços na fala... isso é super natural e faz parte da fala de todo mundo.
Contar piadas é uma condição de produção geradora de fluência, no discurso
de Fernando, conforme a sua afirmação, em F22. Os seus interlocutores lhe
oferecem a condição de comediante, o que atesta a possibilidade do discurso.
Já narrar uma estória é condição que traz como efeito a gagueira e a
antecipação da risada do outro, em F23, quando afirma que (...) Se eu for contar
alguma estória, um caso que aconteceu, eu nem começo, porque eu gaguejo muito
e, aí, fica todo mundo rindo...
As situações de narrativas levam-no a prever que se tornará motivo de pilhéria. Na verdade, é a interpretação que o sujeito-gago
faz do lugar que o outro lhe coloca que o submete ao silenciamento, que no discurso de Fernando, tem um sentido de proteção, de
acolhimento. Fernando escolhe o silêncio. Defende-se das possíveis risadas dos amigos, não dizendo. Prefere não ocupar o lugar de falante,
escondendo deles as tantas estórias e casos e manter-se em uma posição de quem desconhece (e apenas escuta).
Ao ser questionado sobre as imperfeições naturais da linguagem,
especialmente em atividades narrativas (T24), há uma negação da observação da
disfluência do outro-ouvinte, que é visto como “aquele que fala sempre muito bem” e
uma constatação da sua gagueira, em F24.
Recorte Discursivo 3 – Fernando – 15 Anos T26: O que você tem para me contar sobre esta semana? F25: Eu estou muito bem, visse? Meu pai veio conversar comigo e disse que_ todo mundo está me achando muito bem... f_alando bem e tal. T27: É mesmo? E você, o que acha? F26: Eu também acho isso. Eu/eu não estou mais me preocupando com a minha fala e/e nem planejo mais nada. Falo e pronto. Outro dia, eu tinha que ligar para um amigo meu. Comecei a ensaiar... “alô, quem está falando?...” . Desisti e pensei “não vou ensaiar nada!” Peguei o telefone, liguei e falei super bem. T28: Que ótimo, Fernando! É isso mesmo... o caminho é esse! F27: É. E também, contei o meu assalto lá em casa e pros meus amigos e quase não gaguejei. T29: Eu me lembro que você dizia ser difícil contar um caso... que era mais difícil, né? F28: Agora, nada está mais difícil, porque eu estou parando de ficar prevendo, com medo das palavras, com medo de gaguejar...
Após quatorze meses de terapias fonoaudiológicas semanais, não
consecutivas, com um intervalo de dois meses de férias, em janeiro e julho,
Fernando está vivenciando um processo de mudança da posição de sujeito gago
para a de sujeito fluente.
Em seu discurso, o planejamento da fala está se esvaindo e dando lugar a
uma linguagem bem mais espontânea e confiante.
O pai, grande gerador de gagueira no discurso de Fernando, anteriormente, é
agora colocado na posição de quem lhe traz boas notícias sobre a sua fala, conforme
podemos constatar em F25, ao anunciar que é o pai quem lhe diz que todos estão
percebendo a sua evolução na linguagem.
Os ensaios, tão freqüentes outrora, vêm sendo abandonados com
determinação, como relatado em F26. Além disso, contar histórias, condição de
produção geradora de gagueira anteriormente, não impede mais a sua linguagem,
que vem fluindo, sem previsões.
A História do Sujeito Amélia
Amélia é uma mulher de 28 anos, com história de gagueira desde a infância. É
formada em Administração de Empresas e atualmente, cursa uma pós-graduação na
área. Trabalha em um escritório e realiza funções relacionadas à sua formação,
porém esquiva-se de reuniões, onde necessite falar (e mostrar-se sujeito do seu
dizer).
Em seu relato, submeteu-se à terapia fonoaudiológica por duas vezes: uma na
adolescência e outra, já na fase adulta. O processo terapêutico, no entanto, não lhe
foi favorável, uma vez que surtiu em um abandono, no primeiro caso e em uma “alta
terapêutica” no segundo. Esclarecemos que, no segundo caso, parece ter existido
uma finalização da terapia de forma unilateral, ou seja, apenas a fonoaudióloga
considerou encerrado o processo, uma vez que a paciente, após três anos de
terapia, relata não acreditar (e não ter nunca acreditado) no controle de fala, enfoque
terapêutico comportamental, oriundo de Van Riper e seguidores, abordado naquele
momento por sua terapeuta.
O início da terapia se deu em agosto de 2004. Após dezessete meses de
terapia semanal, com dois períodos de férias quinzenais, Amélia vem observando,
juntamente com a sua nova terapeuta, uma linguagem mais solta e espontânea.
Apesar disto, ainda não discute a alta terapêutica, o que procuramos respeitar,
acreditando que esta discussão deve ser iniciada por ela. Amélia percebe que vem
crescendo no processo terapêutico e que não faz tantas previsões de erro na
linguagem.
Sujeito 3 – Amélia – 28 Anos
Entrevista Fonoaudiológica Inicial (realizada entre a terapeuta e Amélia) T1: Como eu posso ajudá-la? A1: O meu problema é/é/é/é a minha gagueira. Eu gaguejo muito e is_so me atrapalha muito. T2: Atrapalha? A2: Atrapalha. Atrapalha muito. É/é/é atrapalha no meu trabalho, nas minhas relações/relações com os amigos também... atrapalha em tudo... eu fiz faculdade de é/é/é Administração de Empresas e trabalho em uma firma, mas eu acho que sempre passo insegurança nas reuniões por causa da gagueira. E já/já tem algumas palavras que eu já/já sei que vou gaguejar... meu nome também eu nunca consigo dizer. Administração, eu nunca consigo dizer também...
T3: Agora, você não gaguejou nesta palavra. A3: Foi, mas/mas eu sempre gaguejo e já procuro evitar, tudinho... T4: Como? A4: Como? U_sando tiques, substituindo por outra, mas às vezes, não dá para evitar, né? Administração mesmo, não dá... T5: Desde quando você gagueja? A5: Ah! Desde que eu me entendo por gente... desde/desde criança. Mainha diz que eu já comecei a falar gaguejando: ma-ma-ma-ma; pa-pa-pa-pa. Ela/ela mandava eu falar devagar, respirar e me_lhorava quando eu era criança. Eu já procurei fono duas vezes, uma com quatorze anos, fiz os exercícios e acabei deixando e outra, com vinte e três anos. A última fono, eu/eu/eu fiquei três anos e tive alta e/e/e aprendi a controlar a gagueira. A fono me disse que eu estava ótima e tudo. Mas/mas eu não acredito nesse controle não, porque eu acho que a gente não consegue controlar a fala quando está nervosa. E eu/eu/eu também tenho muitos tiques, tudinho. Minha perna não pára de se mexer, aperto muito os olhos e/e/e/e fecho as mãos com força. T6: E por que você precisa fazer isso? A6: Por quê? É/é/é/é que dá uma sensação de ajuda na fala, tudinho. A minha fono é/é/é dizia que ajudava a falar, mas ela também não gostava que eu usasse não... ficava batendo palmas para eu deixar de usar tudo. T7: É um condicionamento... A7: É, mas não adianta nada. Quando vem o nervosismo, aí, pronto... T8: E você já fez algum outro tipo de terapia? A8: Terapia? Fiz é/é/é Psicologia desde criança. Depois, parei e fiz mais duas vezes, mais duas vezes, mas cansei, porque a gente fica falando sozinha lá. Eu não gosto não. Acho uma perda de tempo, perda de tempo... T9: E o que você quer, agora? A9: O quê? Eu é/é/é quero melhorar dessa é/é/é gagueira. Eu não estou esperando ficar curada, porque eu não acredito que tenha cura, mas eu é/é/é preciso melhorar, é, falar melhor... T10: Você diz que não acredita em cura. O que é a gagueira, para você? É uma doença? A10: Doença? Acho. Acho que é uma é/é/é doença incurável, mas que pode é/é/é melhorar com exercícios. T11: É? Que tipo de exercícios? A11: Que tipo? É... exercícios de é/é/é respiração, que ajudem a dar mais profundidade respiratória, exercícios de língua, tem o de lábios... T12: Então, você acha que tem dificuldade respiratória? E alguma alteração na estrutura da língua, dos lábios? A12: Se eu acho? Não. Quer dizer, é/é/é a respiração, pode ser, porque eu sinto que falta ar, falta ar, quando eu falo, mas os é/é/é exercícios de estalar a língua, vibrar, colocar para um lado e para o outro, esses eu nunca é/é/é achei que adiantavam não... mas fazia, visse? Fazia bem certinho na fono e em casa... T13: Bom, eu sigo uma proposta bastante diferente desta a que você vem sendo submetida. Eu acredito que alguns exercícios podem ser interessantes, apenas para você perceber que não tem qualquer problema respiratório, articulatório etc, ou seja, eu não vejo a gagueira como doença, como algo instalado no seu corpo, mas como uma questão do discurso, da linguagem. Assim, a gagueira acontece em determinadas condições de produção (o que é isso: quem fala, sobre o quê fala, de que lugar fala... são formações imaginárias), que dependem de cada sujeito e não
acontece em outras, como quando você canta, declama, fala sozinha, fala com animais e outras situações. A13: É. Quando eu leio, eu também não gaguejo... eu adorava ler na faculdade, no meio de todo mundo, porque eu leio muito bem. T14: É mesmo? E você sabe que muitas pessoas, quando lêem, gaguejam? Muitas vezes, até mais do que quando falam? A14: É? Pois para mim, acontece é/é/é o oposto. Eu leio muito bem. Eu adoro ler, desde pequena. T15: Provavelmente, você estudou em uma escola que valorizava a sua leitura... A15: Foi. Eu estudei em uma escola muito é/é/é aberta, daquelas que ensinam o aluno a ser crítico. A gente lia os livros que a gente queria e depois fazia teatrinho sobre os livros. Era muito boa a escola. Só era difícil falar com os amigos, com os professores... ler, não. Ler sempre foi fácil. T16: E por que era difícil falar com os amigos e professores? A16: Ah! O de sempre, tá? A gozação é/é/é inevitável depois da gagueira. T17: Que talvez você já antecipasse que aconteceria... mesmo que não acontecesse... A17: Não sei...talvez... mas a discriminação é grande mesmo...
Amélia já fez outros tipos de terapia fonoaudiológica e psicológica, como
indica nos segmentos A5 e A8, em que afirma não terem gerado o efeito esperado.
A proposta terapêutica associada à Psicologia da Aprendizagem, cujo maior
representante é Van Riper (1972;1973;1982), nos ofereceu uma melhor
compreensão do distúrbio “gagueira”, na medida em que o autor descreveu as
possibilidades etiológicas e semiológicas. Por outro lado, as condutas terapêuticas
que derivam desta abordagem têm, no condicionamento operante, seu principal pilar
e, no caso da gagueira, esta permanece no estatuto do treinamento, enquanto o
sujeito - neste caso, Amélia - considera-se insatisfeita com a sua fala, como relata
em A5 “eu não acredito nesse controle (...) a gente não consegue controlar a fala
quando está nervosa.” Da mesma forma, em A9, “eu tive alta” (...) “a fono disse que
eu estava ótima” (...) “eu quero melhorar dessa gagueira”. Este é o discurso de
Amélia sobre a sua fala “doente”. Este discurso reproduz o que os sujeitos-gagos
pesquisados dizem: “eu gaguejo quando estou nervoso, quando sei que vou ser
censurado, eu não falo bem”. Este discurso vem das formações discursivas número
1: a gagueira é vista como algo do corpo (nervosismo e tensão corporal) e número 5:
há posições discursivas geradoras de gagueira (prever que será censurado traz
como efeito uma fala gaguejada).
Sobre o aspecto da alta fonoaudiológica, esta necessita ser discutida no
processo terapêutico pela díade envolvida nele e precisa haver uma demanda do
paciente, sem a qual não é possível, naquele momento, a finalização do processo.
No seu discurso, Amélia assume a gagueira como sua, quando diz “minha gagueira”, e
o fato de compreender a gagueira como uma máscara supõe um sujeito que se vê por trás desta
marca sintomática em sua linguagem, conforme assinala Tassinari (2001). Ao discutir a clínica
fonoaudiológica, Millan (1993, p. 63) realiza uma analogia da doença a uma máscara,
conforme podemos apreender:
A máscara pode ser entendida como era no teatro grego, onde sua função seria representar uma realidade. A pessoa que portava a máscara, na representação teatral, não existia no sentido de uma realidade dissociada daquela indicada pelo adorno. Em outras palavras, a pessoa mesma inexistia, já que era irrelevante como fonte de significação. O que entrava em cena eram máscaras. Isso posto, na clínica, o que entra em cena, numa perspectiva como esta, são doenças e não pessoas. Reconhece-se uma aparência, são vistos sintomas. O sintoma pode ser observável, classificável e, portanto, traz a marca da previsibilidade. Pela máscara, pelo sintoma, a audiência já sabe do que se trata. A pessoa em si fica fatalmente anulada.
Neste sentido, na clínica fonoaudiológica, retirar a máscara significa redimensionar o
sintoma e o sujeito. Embora a gagueira não se inclua na categoria de seus atos como sujeito,
ele, muitas vezes, refere-se à mesma, como sua, quando diz “meu problema é a minha
gagueira” (op.cit., 78). Neste sentido, a gagueira é algo que apresenta o sujeito antes mesmo
que ele o faça (a sua gagueira, a sua máscara, enquanto ele permanece estático por trás dela).
Amélia gagueja desde muito pequena e, em seu discurso, a mãe interferia
diretamente, solicitando que ela falasse devagar e respirasse. Este tipo de atuação
constitui, segundo discutimos anteriormente, um discurso autoritário, de acordo com
os fundamentos de Orlandi (2000), uma vez que não há reversibilidade possível, já
que a criança não tem meios de contradizer a mãe ou de localizar o que está errado
na sua fala. Desta forma, não tendo possibilidades de se deslocar para a posição
sugerida, a criança pode passar a fazer tentativas de modificação da sua fala,
passando a utilizar estratégias, na tentativa de falar melhor ou adiar o aparecimento
da gagueira. Esta seria a possibilidade etiológica da gagueira com a qual
trabalhamos, o que começa a ser significativo, segundo o discurso de Amélia.
Em A2 e A3, Amélia afirma existirem palavras proibidas, uma vez que, nelas,
já há a certeza prévia do erro. Identifica duas rapidamente: seu nome e a palavra
“administração”, que se refere ao seu curso concluído e, hoje, sua profissão.
Geralmente, o sujeito gago diz ter dificuldades com as palavras mais usuais no dia-a-
dia.
No segmento A5, Amélia afirma apresentar “tiques” corporais (estratégias não-
discursivas), que considera oferecerem uma ajuda na liberação da fala (A6). Na
verdade, ela utiliza recursos corporais para esconder a gagueira, porém eles a fazem
mostrar-se mais gaga, na medida em que eles são visíveis ao interlocutor e
interpretados como características de insegurança e tensão corporal, como atesta
Friedman (1994).
Acredita que a gagueira seja uma doença incurável, que pode melhorar com
exercícios (A10), porém afirma não confiar nos mesmos.
Em T13, procuramos esclarecer a nossa proposta de trabalho, diferente da
que ela vinha sendo submetida, marcando a ótica discursiva como possibilidade
terapêutica. Assim, afirmamos que esta nova forma de ver a gagueira não trabalha
com o controle de fala, na medida em que prever a fala e tentar corrigi-la antes que
ela aconteça, já é algo que o sujeito-gago realiza antes da terapia (e sem a
necessidade dela). A proposta lingüístico-discursiva pretende levar o sujeito à
mudança efetiva na posição de sujeito-gago à de sujeito-fluente, considerando-se,
naturalmente, a fluência como limitada e não-ideal, sujeita a falhas, conforme
discutido anteriormente.
O discurso sobre condições de fluência gerou o efeito de intervenção de
Amélia, em A13, que nos trouxe um novo dado: na leitura, ela não gagueja. Amélia
se percebe como leitora eficaz, que lê muito bem. Vemos que o tipo de escola que
freqüentou, valorizava a criticidade dos alunos, o que auxiliou na formação de uma
auto-imagem de boa leitora, conforme atesta Menezes (2003). Estes argumentos
podem ser inferidos a partir de Friedman (1994) que considera existir uma ideologia
do bem falar, na sociedade. Assim, é esperado que todas as pessoas falem bem e
corretamente. Quando o sujeito gagueja, carrega consigo uma auto-imagem de mal
falante, formada ainda na infância, considerado um estigma socialmente marcado.
Ainda em relação à questão social, Amélia identifica, em A16 e A17, a
discriminação e a gozação inevitável como impedimentos à sua fala com amigos e
professores. Este também é um discurso que se repete na clínica fonoaudiológica
com sujeitos-gagos. A antecipação, presente nas condições de produção do discurso
pode ser introduzida, neste momento, como um forte argumento ao silenciamento do
sujeito, que elabora representações imaginárias do discurso do seu interlocutor.
Recorte Discursivo 1 – Amélia – 28 Anos
A18: Eu é/é/é fui falar no telefone é/é/é com uma amiga e gaguejei muito. T18: Por quê? Falar ao telefone é uma condição de produção que gera gagueira? A19: É. Se/se/se alguém ligar pra mim, eu atendo e/e/e falo bem, mas eu acho que ligar é pior, porque se não ensaiar, tem que ficar gaguejando e/e/e a pessoa fica chateada de ficar ouvindo a gente gaguejar... T19: Bom, eu vejo duas coisas do seu discurso. A primeira é: por que ensaiar a fala? Precisa ensaiar? A segunda é... como é que você sabe que a pessoa fica chateada por ouvi-la gaguejar? A20: Porque/porque gaguejar é hilário para quem ouve... T20: Bom, isso é o que você acha e a projeção que você faz do seu interlocutor. Não é fato, não acha? E por que é necessário o ensaio? A21: Dá mais segurança, eu acho. Éé/é/é o medo de falar errado. T21: Mas falar precisa ser espontâneo, não acha? Não se pode ensaiar uma fala, a não ser em situações de apresentação, que, mesmo assim, muitas vezes, não ficam naturais... tente simplesmente, falar... sem planejar. O medo de falar errado está levando você a prever. O que é o erro na fala? A gente erra sempre... é natural. A previsão do erro leva à gagueira. Você não acha? A22: E também, é/é/é essa semana, eu conversei com a minha professora do MBA e, antes, é/é/é eu passei um tempão ensaiando o que eu iria perguntar a ela. Resultado: eu analiso é/é/é essa conversa como “muito gaguejada”. Fiquei foi triste! T22: E como você analisa a etapa anterior à conversa? Aquela em que você ensaiou o que iria dizer? A23: Não. Talvez tenha sido por isso é/é/é que a conversa não foi boa. Mas já é/é/é/é um hábito, tá? Eu é/é/é estava observando uma colega minha do curso e vendo que é/é/é ela também gagueja, mas só que é/é/é ela não está nem aí para a gagueira dela e fala muito, com todo mundo, faz pergunta na sala, tudinho. T23: Pois é. É aquela estória que a gente já conversou da gagueira natural. Todo mundo gagueja, né? E o que faz a gente gaguejar? Muitas vezes, a própria língua, no sentido de código lingüístico, faz a gente tropeçar na fala. Uma palavra extensa, pouco usual, em um contexto diferente, por exemplo, leva a hesitações, a repetições, a inabilidade com aquela palavra. A diferença é que na gagueira natural, não há previsão e o sujeito só percebe a gagueira depois que ela acontece, entendeu? Na verdade, falar é um ato complexo, porque veja bem... junto com a combinação de sons em palavras, você também faz a seleção de palavras, ou seja, você tem possibilidades de sinônimos para uma palavra e, inconscientemente, você seleciona um, que vai funcionar naquele contexto. O que acontece? Muitas vezes, há um erro nesta seleção, ou você quer uma palavra diferente e, aparentemente, ela não chega, e por aí, vai... No discurso de Amélia (A18 e A19), telefonar a alguém é uma condição de
produção geradora de silenciamento, a não ser que haja um ensaio. Já receber um
telefonema representa uma condição mais possível, uma vez que dispensa o
planejamento. Novamente, a antecipação do interlocutor aparece como impedimento
para a fluidez, uma vez que ela afirma que o ouvinte se aborrece ao ouvi-la gaguejar
e, ainda, em A20, atesta que “gaguejar é hilário para quem ouve”. Isto é o que ela
antecipa do outro, mas que nem sempre está no outro-interlocutor.
Com relação ao planejamento, Amélia considera que necessita estar
submetida a ele, porque lhe dá mais segurança, em A21 e A22. Ao mesmo tempo,
ao refletir sobre a conversa com a professora, em que fez uso da fala ensaiada,
analisa como um discurso muito gaguejado, que lhe trouxe uma conseqüente
tristeza. Neste momento, ela interpreta que não há uma relação direta entre
planejamento do discurso e fala fluente e, ao contrário, o ensaio conduz ao
aprisionamento à forma da fala.
Em A23, Amélia relata a observação de uma colega do curso, que enfrenta as
mais diferentes situações, sem se preocupar com a gagueira que apresenta. No
segmento T23, enfatizamos a gagueira natural, descrita por Friedman (1996), como
sendo algo bastante freqüente, efeito das falhas e imperfeições da própria fala.
Recorte Discursivo 2 – Amélia – 28 Anos A24: Engraçado, muita gente tem me dito que eu estou falando bem melhor, mas é/é/é a minha família não. A minha família sempre é/é/é diz que eu estou ga_guejando do mesmo jeito. T24: Na verdade, a sua família já tem um olhar diferente sobre você: Amélia tem um problema de fala. Então, um deslize passa a ser um erro, um momento de gagueira que precisa ser identificado, marcado como tal. Mas e você, o que acha? A25: Eu não sei. Eu estou me lembrando de uma coisa. Ontem, eu estava saindo de casa e é/é/é mainha me disse: é/é/é Amélia, diga à moça da limpeza que ela suba, porque eu já tenho o dinheiro dela. Eu desci, a moça estava é/é/é lá embaixo e eu fiquei achando que se eu falasse, gaguejaria. Resultado: não falei. T25: Não falou? A26: Não falei. Fui embora e deixei ela lá. T26: Porque você já sabia que iria gaguejar, né? E por que você já sabia? A27: Eu não sei. Mas já sabia e não falei. T27: E como é que você fez com a sua mãe? A28: Ah! Eu nem sei... acho que ela subiu, é/é/é depois... não sei... T28: E isso acontece freqüentemente? Você silenciar para não gaguejar?
A29: De vez em quando. Eu acho que não é tão comum. É mais comum eu substituir por uma palavra mais fácil. T29: O que também é uma ilusão, né? Será que existem palavras mais fáceis ou mais difíceis? Uma outra questão é que você substituindo, aquela que foi substituída será inserida no rol das palavras proibidas, ou seja, você marca a impossibilidade dela, não acha? A30: É isso. T30: Você tem que tentar não substituir, porque para quem ouve, você conseguiu falar, mas para você... você sabe que trocou. No segmento A24, Amélia registra a impossibilidade de a família perceber
mudanças na sua fala, o que é interpretado por nós, em T24, como sendo
conseqüência do estigma da gagueira. Os pais observam, especialmente, a forma da
fala e menos o sentido do dizer, conforme analisado em Azevedo (2000).
A proposta terapêutica para o trabalho fonoaudiológico com sujeitos-gagos
sob a ótica lingüístico-discursiva sugere que o paciente discuta, nas sessões,
situações de linguagem que tenha vivenciado e, em A25, Amélia nos conta um
momento de silenciamento ocorrido, ao receber uma solicitação de um recado da
mãe. Ao se deparar com a pessoa para a qual teria que dar a informação, considerou
que, se falasse, gaguejaria e optou por não falar, indo embora. Neste momento, ela
fez uma previsão do possível erro, o que a conduziu ao silenciamento.
Em A29, Amélia afirma substituir palavras por outras consideradas mais
fáceis, o que foi questionado como ilusão, na medida em que não existem palavras
difíceis, já que há integridade articulatória no sujeito-gago, conforme assinala
Friedman (1994). Neste sentido, pode-se afirmar que o sujeito-gago não apresenta
dificuldade na articulação de um fonema alveolar ou bilabial, por exemplo, mas está
claro que esta é a sua interpretação, ao evitar dizer uma palavra que tenha um /r/ ou
que comece com /p/. A crença na incapacidade articulatória se dá porque em
determinado momento, ao emitir a palavra Paulo (seu nome), o sujeito gaguejou. Isto
se repete, uma vez que todas as vezes em que ele for dizer o seu nome, acreditará
que irá gaguejar – haverá uma previsão do erro – e ele procurará evitar dizê-lo. Logo,
haverá uma generalização para palavras com /p/ e sempre que houver esta
possibilidade, existirá a previsão do erro e, então, uma estratégia (substituição da
palavra, tique facial e outras) será posta no lugar do possível erro e ele tentará não
gaguejar. Ao mesmo tempo, (re) afirma para si mesmo que é gago, que não
consegue falar palavras com /p/, o que já está instalado nas formações discursivas
dos sujeitos-gagos: um já-diz que identifica estes sujeitos e a gagueira.
Ainda sobre este aspecto, em T30, foi discutido que, ao substituir palavras, o
outro (interlocutor) pode identificar aquele momento como fluência, porém, para o
próprio sujeito-gago, este é um marcador de impossibilidade, já que a palavra
substituída entra no rol das palavras proibidas, ou seja, novamente há uma (re)
afirmação da gagueira por parte do sujeito-gago.
Recorte Discursivo 3 – Amélia – 28 Anos
A31: Uma coisa boa... eu fui pegar um DVD numa locadora e o cara disse que eu estava devendo cinco reais. Eu disse que não estava devendo e defendi o meu ponto de vista, sem gaguejar. Eu fiquei nervosa, mas não fiz previsão do erro e falei muito bem. T31: Não teve tempo de fazer previsão... A32: Não. Até poderia ter feito previsão, mas eu não fiz e falei muito bem. T32: Isso é ótimo, porque mostra para você mesma que você fala bem, sem problema e que não é preciso ficar submetida à forma da fala... ao contrário, se você se prende à forma, gagueja, porque a fala deixa de ser algo natural... A33: Isso foi muito bom mesmo. Agora, tem outra coisa... eu estava com umas amigas ontem e eu vi que eu gaguejei. Eu não estava fazendo previsão, mas gaguejei um pouco.
T33: Mas a gente gagueja mesmo. O que eu acho que você precisa diferenciar é o que é a gagueira da previsão, ou seja, aquela que vem da certeza do erro, vista previamente... aquela que antes de você falar, já tem certeza de que vai gaguejar, daquela gagueira que é natural, que você só percebe depois de ela acontecer. Essa última ocorre porque a fluência é relativa, a língua nos prega peças, faz a gente tropeçar... todo mundo gagueja, né? A34: Foi essa mesmo: a natural. Eu não previ e, simplesmente, gaguejei. Acho até que ninguém notou... só eu. Após dezessete meses de terapia semanal, com dois períodos de férias
mensais, Amélia vem apresentando uma linguagem mais solta e espontânea. Ainda
não discute a alta terapêutica e afirma necessitar dos encontros semanais, porque
lhe transmitem segurança e bem-estar. Já percebe os seus avanços na linguagem e
enfrenta situações, antes consideradas proibidas, como “defender o seu ponto de
vista”, em A31. Significa dizer que o sujeito Amélia usa agora de outra FD, que não a
vê como “doente”, mas como um “sujeito normal”, que usa a língua como outro
qualquer. Nesta FD não há a presença de um censurador e a relação entre os dois
sujeitos é de normalidade. Não há um sujeito censurador sobre a sua fala, sua
linguagem.
Sobre a previsão do erro na linguagem, Amélia registra dois momentos em
que essa poderia ter ocorrido, mas não aconteceu, como os relatados em A31 e A33.
Em A34, Amélia já antecipa do outro a observação da sua fluência, o que registra um
grande avanço em sua história de linguagem.
Na próxima seção, refletiremos sobre uma proposta terapêutica
fonoaudiológica para o atendimento de sujeitos-gagos, que parte dos pressupostos
teóricos da teoria lingüístico-discursiva.
4.3. Fonoaudiologia e discurso: ressignificando o processo terapêutico
Absurdo da tábula rasa, onde se
instalariam os conhecimentos; não que não
haja conhecimentos antes dos
conhecimentos, mas porque existe o
campo. O problema eu-outro, problema
ocidental.
Merleau-Ponti
A gagueira pode ser prevenida, na medida em que consideramos,
fundamentadas em autores como Van Riper (1972;1973;1982); Dinville (1986) e
Friedman (1991;1994;1996;2001), que o seu início é na infância. Além disso, a
concepção etiológica em que acreditamos, já discutida no segundo capítulo e na
análise das entrevistas, questiona o discurso autoritário da família e da escola.
Tomamos a expressão discurso autoritário no sentido discursivo do termo, referente
à tipologia discursiva que apresenta excesso de elementos parafrásticos, uma vez
que a polissemia é contida (tende para a monossemia) e o locutor se coloca como
agente exclusivo, apagando a sua relação com o interlocutor, discutida em Orlandi
(1982; 2000).
Neste sentido, considerando a instituição como a que outorga os dizeres e
exerce o poder, segundo as concepções foucaultianas, compreendemos a instituição
“escola” e a instituição “família” como elementos possíveis de atuação significativa no
desenvolver contínuo e agravante da gagueira.
A criança pequena passa por um processo natural de gagueira, em que
selecionar palavras em um (já vasto) repertório lexical conduz a repetições de
sílabas e palavras e hesitações. A família e a escola interpretam a fala gaguejada
natural como sendo uma gagueira e, na tentativa de ajudar a criança a falar,
solicitam-na que fale devagar, que respire profundamente, que pense antes de falar,
o que se configura em discurso autoritário, de acordo com a perspectiva da AD, no
sentido de que ele não traz reversibilidade e, neste caso, a criança pode não
compreender o lugar do “erro,” passando a modificar a sua fala, utilizando estratégias
discursivas e/ou não-discursivas e começando a prever possíveis erros.
A partir desta consideração, é importante atuar, preventivamente, junto a
famílias e escolas de educação infantil, no sentido de discutir a aquisição de
linguagem e compreender as hesitações e repetições iniciais que a criança
apresenta na linguagem como naturais e inerentes ao processo de aquisição.
A discriminação da gagueira está sedimentada no seio da sociedade e da
cultura e o sujeito-gago é significado como o engraçado, o descoordenado, o
inseguro, como podemos acompanhar em novelas e filmes veiculados na mídia. Por
outro lado, a classe fonoaudiológica internacional se contrapõe a esta ideologia
discriminatória, ao participar de esclarecimentos sobre o tema à população, como a
Campanha do Dia Internacional da Gagueira, em comemoração ao dia vinte e
dois de outubro, consagrado como o Dia
Internacional de Atenção à Gagueira21.
Discutiremos, a seguir, possibilidades terapêuticas que possam gerar efeitos
de mudança na posição de sujeito-gago para a de sujeito-fluente.
Neste sentido, é importante recuperar a noção de fluência como incompleta,
uma vez que esta não é ideal, mas se constitui por falta e incompletude, inerentes à
linguagem. Assim, o sujeito-fluente-ideal é uma abstração e estamos tratando, aqui,
do sujeito-fluente que traz falhas e imperfeições em sua fala.
Partindo deste pressuposto, a terapia fonoaudiológica deve ressignificar a
concepção de fluência, procurando compreender a disfluência/hesitação como
constituinte do sujeito/linguagem, conforme discutido no segundo capítulo e
respaldado em Scarpa (1995) e Merlo (2006). É necessário esclarecer o conceito
de disfluência, uma vez que as expectativas da finalização do processo terapêutico
têm relação com a noção de fluência/disfluência. Desta forma, a questão da “cura
da gagueira”, freqüentemente trazida para discussão pelo paciente e família, precisa
ser compreendida como um significante que pede leitura. Assim, gagueira não é uma
doença e, portanto, passível de cura. Neste trabalho, a gagueira é compreendida
como um distúrbio da linguagem, diretamente relacionado às condições de produção
do discurso, caracterizado pela previsão e certeza a priori do erro. A partir
desta premissa, há, nesta
________________ 21. Sobre o Dia Internacional de Atenção à Gagueira, de 2006, em Recife, tivemos um evento de uma semana, onde atingimos cerca de trinta mil pessoas. A programação da semana foi coordenada por nós e organizada por fonoaudiólogos, professores da graduação e pós-graduação das quatro instituições que oferecem o curso de Fonoaudiologia em Pernambuco, com participação efetiva, ainda, de cerca de cento e vinte alunos dos cursos de graduação em Fonoaudiologia de todas as instituições do estado de Pernambuco. Tivemos acesso a três tipos de mídia: rádio, revista e Internet, com entrevistas na capital e em cidades do interior do estado de Pernambuco. No último dia da campanha, organizamos uma mesa redonda sobre a gagueira, com participação oral de ex-alunos da Universidade Católica de Pernambuco, que haviam realizado perspectiva lingüístico-discursiva, condições terapêuticas de trabalho fonoaudiológico
com o sujeito-gago, que o encaminham a um discurso bem mais fluido, com pouca
ou nenhuma previsão de erro, mas sempre haverá momentos de gagueira ou
disfluência natural em sua linguagem, uma vez que ela é inerente ao
sujeito/linguagem.
Procuraremos expor, a seguir, uma proposta terapêutica para o trabalho
fonoaudiológico com sujeitos-gagos, fundamentado no aporte teórico lingüístico-
discursivo, procurando facilitar a visualização do leitor, porém esclarecemos que não
há qualquer tentativa de hierarquizar passos, ou mesmo de apontá-los, rigidamente.
A proposta terapêutica para o trabalho do fonoaudiólogo com sujeitos-gagos,
que será apresentada, tem como pressupostos teóricos a Análise do Discurso de
linha francesa e o Interacionismo, com a concepção de sujeito ideologicamente
marcado. Estas teorias nos oferecem instâncias que devem orientar o trabalho
terapêutico do fonoaudiólogo sob a perspectiva lingüístico-discursiva. Salientamos
que estas instâncias estão aqui separadas, para efeito deste trabalho, porém entre
elas existe uma forte inter-relação:
a) a instância do discurso – compreendido como efeito de sentidos entre
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monografias sobre o assunto, depoimento de pessoas com gagueira e avaliação geral do evento. Foram realizados trabalhos de divulgação da atenção à gagueira, através da distribuição de vinte e sete mil e quinhentos panfletos, orientações a pessoas gagas, a professores, a famílias de crianças e comunidade em geral. Várias escolas do Recife e do interior foram visitadas e realizaram-se trabalhos de esclarecimentos sobre a gagueira no ensino fundamental e médio e terceiro grau. Houve, ainda, esclarecimentos sobre a gagueira em hospitais, clínicas, estações de Metrô, praia, praças, centros de compras e supermercados da cidade. Houve, ainda, um evento nos dois maiores parques da cidade: Parque Treze de Maio e Parque da Jaqueira, com oficinas de linguagem para as crianças, distribuição de brindes, apresentação de peças teatrais (onde foram enfatizadas as diferenças, incluindo-se a gagueira) e trabalho de orientação aos adultos. Finalmente, consideramos que a Campanha de Atenção à Gagueira foi um sucesso em nosso estado, uma vez que atingimos uma fatia expressiva da população, incluindo algumas cidades do interior de Pernambuco. locutores;
b) a instância do sujeito – concebido como sujeito social, constituído na/pela
linguagem, ideologicamente marcado; sujeito que ocupa diferentes posições.
c) as condições de produção do discurso – formações imaginárias, incluídas aí
as relações de força (situações dos protagonistas), relação de sentido (interdiscurso)
e antecipação (representação social do outro-interlocutor).
d) a instância do sintoma – compreendido aqui como significante que pede
leitura. Neste sentido, não há sintoma a priori, ou transparente, mas este necessita
ser escutado e interpretado na sua singularidade.
Vale ressaltar que compreendemos a terapêutica com sujeitos-gagos não
como um procedimento de estímulo-resposta gerador de controle de fala, mas como
um processo, onde o sujeito tem que ser considerado a partir de sua história, de sua
construção/elaboração lingüístico-discursiva. Neste sentido, é fundamental que o
fonoaudiólogo entre em contato com suas referências, a fim de afirmá-las, negá-las
ou revê-las. Desta forma, consideramos que a proposta terapêutica só é possível se
o profissional tiver acatado estas instâncias e compreendido as teorias que lhe dão
sustentação.
Outra questão importante é a particularização que deve caracterizar a
terapêutica. “Singularizar um paciente é conseqüência de uma atitude de ignorância
tomada frente a ele”, afirma Millan (1993, p.67). Neste sentido, há um ineditismo
fundamental e necessário em cada processo terapêutico, em cada relação
construída, em cada sujeito-gago, em cada fonoaudiólogo. Há um processo de
descoberta completamente único.
A proposta terapêutica pretende gerar efeitos de mudança na posição de
sujeito-gago para a de sujeito-fluente, considerando-se a posição sujeito-fluente
como aquela já discutida, em que hesitações, pausas e repetições são inerentes à
linguagem. Nesta nova posição, o sujeito realiza menos previsões de erro e passa a
identificar um momento de gagueira durante ou após o seu aparecimento (e não
mais antes).
O trabalho fonoaudiológico nesta perspectiva pretende levar o sujeito-gago a
identificar e analisar a previsão do erro na sua fala, refletindo sobre questões acerca
da gagueira, como a origem e o lugar. Além disso, o sujeito deverá reconhecer
situações discursivas de silenciamento e identificar e analisar condições de produção
geradoras de fluência e de gagueira, estratégias discursivas e não-discursivas de
evitação e adiamento da gagueira e mecanismos geradores e mantenedores do
discurso gago.
Alguns conteúdos são privilegiados neste enfoque, como a determinação do
espaço discursivo como o lugar da gagueira, a ressignificação da concepção de
fluência e disfluência, o reconhecimento de situações discursivas de silenciamento e
a identificação e análise das condições de produção do discurso, das situações de
previsão e certeza do erro, bem como das estratégias discursivas e não-discursivas
utilizadas com o intuito de adiar ou evitar a gagueira. Além disso, deverão ser
trabalhadas a identificação e análise de fonemas e palavras considerados difíceis ou
impossíveis de serem ditos, de posições discursivas geradoras de gagueira e de
fluência.
Diversas atividades podem ser realizadas nas sessões terapêuticas com o
sujeito-gago. Entre elas, o próprio discurso sobre gagueira (trazido pelo sujeito-
gago), relato de situações de linguagem ocorridas extra-terapia, leitura e discussão
de textos sobre gagueira (selecionados pelo terapeuta ou paciente), discussão de
recortes discursivos de sujeitos-gagos (sugeridos pelo terapeuta) e mesmo a
discussão de recortes discursivos do próprio sujeito em atendimento (constituídos a
partir das transcrições de gravações das sessões terapêuticas).
Neste momento, passamos a discutir a nossa proposta de trabalho
fonoaudiológico com sujeitos-gagos, sob o enfoque lingüístico-discursivo.
Como ponto inicial, afirmamos que o processo terapêutico deve privilegiar a
escuta terapêutica, como singular e necessária. Salientamos que a escuta é
determinada, conforme a Psicanálise, como interpretativa e vai muito além do
simples ouvir. Cada sujeito-gago é único e traz questões singulares à clínica da
linguagem, que devem ser escutadas e ressignificadas. A proposta terapêutica visa
a promover efeitos de mudança na relação do sujeito-gago com as suas formas de
produzir sentidos na linguagem e no sintoma da linguagem, incidindo também nas
marcas corporais e lingüísticas do sintoma.
Com relação ao atendimento de sujeitos-gagos em idade infantil,
consideramos, de fundamental importância, o trabalho sistemático com a família.
Para tanto, destacamos a escuta familiar como possibilidade de deslocamento da
posição dos discursos autoritários dos pais em relação à gagueira, para a de
discursos polêmicos, que permitem a reversibilidade discursiva. A orientação familiar,
largamente utilizada na clínica fonoaudiológica, em que os pais se sentam diante do
terapeuta e ouvem informações sobre o que podem, ou não, falar a seus filhos,
também apresenta um caráter puramente autoritário, conforme atesta Passos (1996)
uma vez que configura um discurso unilateral.
A nosso ver, numa perspectiva discursiva, os pais são trabalhados em
reuniões semanais, onde falarão sobre as suas expectativas e atitudes, com relação
à linguagem de seu filho e às suas próprias (possíveis) dificuldades em encaminhar,
com naturalidade, o processo da gagueira do filho, frente à criança e aos outros
ouvintes.
Além da proposta de trabalho com a família, que, muitas vezes, é suficiente
para a mudança de posição de sujeito-gago para a de sujeito-fluente, pela criança,
pode ser realizado o trabalho direto com a criança, também, semanalmente, em que
esta terá acesso a atividades lúdicas e ficará livre para falar o que quiser.
O resgate da queixa da criança, que pode ser feito, acessando, por exemplo,
uma questão como “você sabe o porquê de estar aqui?” é importante, uma vez que,
ao responder que deseja cuidar da gagueira, por exemplo, faz notar, ao terapeuta, a
criação de uma demanda terapêutica, endereçada ao processo fonoaudiológico.
Nem sempre, porém, a queixa é verbalizada, mas pode ser identificada através de
condutas que mostram o incômodo pela gagueira. Neste caso, o fonoaudiólogo pode
analisar a utilização de estratégias discursivas, como a substituição de uma palavra
por outra considerada mais fácil, por exemplo, e não-discursivas: piscar fortemente
os olhos, bater na boca, pressionar lábios, ou apertar as mãos, com o objetivo de
facilitar a fala, adiar ou evitar a gagueira e, mesmo o silenciamento da criança.
Caso não exista a queixa da criança, presença de estratégias, ou esforço
motor e o único sinal sejam as repetições de sílabas ou palavras em posição inicial
de frases, é bastante provável que esta criança esteja passando pela fase de
gagueira natural, já discutida anteriormente. Neste caso, apenas o trabalho semanal
com a família, além de uma reunião com os profissionais que atuam junto à criança,
na escola, pode ser suficiente para que haja uma regressão do quadro. Ainda assim,
esta criança necessita ser reavaliada pelo fonoaudiólogo mensalmente, para que
exista um acompanhamento mais próximo, uma vez que houve uma queixa da
família.
Quanto à questão da gagueira na criança, podemos afirmar que, sob a
perspectiva que encaminhamos o trabalho, há dois tipos de interferência
fonoaudiológica direta possíveis. A primeira seria o estranhamento de um momento
gaguejado, em que o terapeuta se oferece como um espelho à fala da criança,
permitindo mudança de posição para uma linguagem mais fluente. A segunda
interferência direta é o estranhamento dos sintomas corporais, que segue a mesma
proposta, desta vez em relação ao uso da estratégia não-discursiva (tiques
corporais) e que tem efeito semelhante.
A técnica do estranhamento encontra-se descrita em Lemos (2002) e Freire
(1995;1996) e, portanto, fundamentada teoricamente no Projeto Interacionista em
Aquisição de Linguagem, tendo por base teórica a especularidade da primeira
posição de falante, em que a mãe se oferece como espelho à criança. Salientamos
que esta técnica não pode ser reduzida à mera imitação do sujeito-gago, uma vez
que ela é terapêutica e contribui para novos efeitos de sentido da gagueira,
conduzindo o sujeito para uma fala mais suave, com menos restrições.
Na terapia com a criança-gaga, a técnica de percepção da fala fácil, em
confronto com a fala difícil, indicada por Irwin (1983), parece ser um recurso que,
juntamente com outras perspectivas, conduz a criança a uma mudança de posição
de sujeito-gago para a de sujeito-fluente. Neste sentido, auxiliada pelo terapeuta, a
criança pode brincar de gaguejar fácil e difícil, ao descontrair ou tensionar os órgãos
fonoarticulatórios responsáveis pela produção do fonema emitido. Salientamos,
entretanto, que a autora (op.cit) utiliza esta técnica como um contraponto às falhas
existentes na fala do sujeito e observa que a saída para o impedimento seria esta
técnica como forma de controle de fala. Não acreditamos no fim a que se destina
Irwin (1983), mas no meio. É importante enfatizar que a criança, na proposta do
nosso trabalho, não é conduzida à percepção de uma fala com erros, mas, ao
contrário, pode observar a gagueira como um evento circunstancial natural, que pode
ser manipulado, tocado, encarado de forma lúdica.
Ao lado disso, conforme proposta de Friedman (1994), a criança é capaz de
observar situações de fluência, em si, e de disfluência nos interlocutores. Assim, ela
pode perceber a sua fluência, a partir das condições de produção geradoras de um
discurso fluente, como cantar, falar com animais ou crianças pequenas, contar em
seqüência, recitar poesias. Da mesma forma, é possível perceber momentos de
disfluência nas outras pessoas, como os pais, professores, fonoaudióloga, atores e
personagens de desenhos animados, por exemplo, o que faz ver que existe um outro
dizer sobre o titubear nas palavras na hora de usá-las. Este dizer não é
discriminatório e não o discrimina, não o vê como um sujeito doente, portador de
uma patologia. Assim, ele se vê como sujeito fluente e seguro do seu dizer.
Com sujeitos adolescentes e adultos, a entrevista inicial fonoaudiológica pode
ser realizada com aquele que procura a terapia; no caso do adulto, com o próprio e,
em se tratando de adolescente, com ele mesmo, se vier por conta própria, ou com os
seus pais, se estes nos procuram. Ainda assim, o adolescente é sujeito do seu
discurso e também deve ser escutado de forma singular.
Na primeira formação discursiva constituída, “a gagueira é vista como algo do
corpo”, podemos considerar que o sujeito se vê em apenas um lugar – o de sujeito-
para-sempre-gago. Por ser uma questão de linguagem, a gagueira precisa ser
considerada como um efeito de mudança, que levará o sujeito à ocupação de
diferentes posições, inclusive a de sujeito-fluente. Para tanto, é importante que, no
processo terapêutico, haja a observação de momentos de fluência, em diferentes
condições de produção do discurso.
Outra formação discursiva nos diz que há algo que deve ser colocado no lugar do
erro iminente (previsto e certo) antes que ele ganhe visibilidade na interpretação. Ao
prever o possível momento de gagueira, o sujeito-gago tenta fazer algo que não o
apresente como gago. Desta forma, escapa pela via da linguagem (estratégia
discursiva), substituindo a palavra por uma outra considerada mais viável naquele
momento, por exemplo; ou, ainda, utiliza um artifício corporal (estratégia não-
discursiva), como um tique (apertar as mãos, os olhos, bater os pés). Assim, pode,
algumas vezes, evitar o momento de gagueira. É importante registrar, porém, que
nem sempre o sujeito deixa de gaguejar ao utilizar tais estratégias e, muito pelo
contrário, esta reafirma a gagueira, levando-o a mostrar-se ao outro (interlocutor), e a
ele mesmo, como sujeito-gago. Em nossa proposta terapêutica, trabalhamos a
necessidade de não utilização destas estratégias. O sujeito-gago precisa entender
que elas se constituem uma falsa ajuda e que, na verdade, apenas ratificam a
gagueira, conforme atesta Friedman (1994).
Uma das formações discursivas constituídas após as respostas às entrevistas
realizadas com os trinta sujeitos-gagos é a de que há fonemas e palavras
considerados difíceis ou impossíveis de serem ditos. Concordamos com Friedman
(1994), quando salienta que é importante levar o sujeito a perceber padrões
corporais e articulatórios, a partir do trabalho proprioceptivo com corpo
(tensão/relaxamento), respiração (exercícios respiratórios), movimentos articulatórios
(exercícios de língua, lábios, palato, bochechas, mandíbula) e fonação (percepção da
emissão de todos os fonemas). A autora salienta que este recurso é utilizado com o
objetivo de levar o paciente a perceber a integridade corporal e articulatória que já
existe nele e não como tentativa de adequação de padrões alterados.
Na verdade, o sujeito-gago mantém íntegros o sistema muscular corporal,
respiratório e articulatório (a não ser que exista algum distúrbio associado, o que não
é esperado). O trabalho proprioceptivo gera um efeito de constatação da
possibilidade de dizer, quando ele observa, por exemplo, que pode emitir todos os
fonemas da língua, sem dificuldade. De fato, ele sempre pôde falar sem problema,
mesmo antes da terapia, porém, como considera ter algum impedimento orgânico
(problemas articulatórios ou respiratórios, por exemplo) é surpreendente e bastante
positiva a auto-observação.
O sujeito-gago é assim constituído na infância e, em suas formações
imaginárias, antecipa do outro-ouvinte a posição de gago em que acredita ser
colocado. Em condições de produção geradoras de gagueira, o outro-ouvinte é
sempre apontado como o censurador, aquele que observa e critica as falhas do
sujeito-gago. Esta questão necessita estar presente no processo terapêutico, a fim
de que seja possível um novo sentido para o discurso deste sujeito.
Na perspectiva lingüístico-discursiva, podemos apontar como possibilidades
terapêuticas a determinação do espaço discursivo como o lugar da gagueira, levando
o sujeito a identificar as condições de produção do discurso gaguejado e do discurso
fluente, pela análise das relações de força, de sentido e da antecipação do seu
discurso. Este conteúdo pode ser trabalhado através da discussão de situações
discursivas, pelas quais o sujeito em atendimento tenha passado, seja há um longo
tempo, ou mesmo na semana atual. O trabalho com esta discussão é o foco da
terapia e principal atividade desde o início. Assim, o sujeito pode, por exemplo,
sendo médico, discutir o porquê de gaguejar com os colegas, em estudos de casos
clínicos e não apresentar gagueira na relação com os seus pacientes. Neste caso, a
relação de forças, ou a situação dos protagonistas se encarregariam de explicar,
porque está claro que a posição discursiva assumida nas duas situações é bastante
diferente. A questão da antecipação do outro (ouvinte) também precisa ser
compreendida e interpretada, porque este pode ser representado como censurador,
ou não, gerando efeito de gagueira ou de fluência. Da mesma forma, o sujeito-gago
poderá reconhecer condições de silenciamento e estratégias discursivas e não-
discursivas utilizadas para evitar ou adiar a linguagem, além da identificação de
mecanismos geradores e mantenedores do discurso gago.
A previsão do discurso gago, ou seja, a certeza a priori de que falhará,
também é bastante enfocada nesta proposta, ressaltando-se que esta reafirma a
gagueira, por se constituir como um obstáculo à espontaneidade do funcionamento
discursivo. Assim, o sujeito em atendimento necessitará perceber a previsão do erro,
constatada na discussão das entrevistas como formação discursiva da gagueira, e
trabalhar no sentido de evitá-la, assegurando um discurso mais fluido.
Da mesma forma que no trabalho com a criança, também com o adolescente
e adulto pode haver o estranhamento de determinado momento de gagueira
(espelho), que gera efeito de deslocamento de posição no sujeito-gago. É
necessário esclarecer que o foco terapêutico está na escuta interpretativa, ou seja, é
a partir da devolução do dito do sujeito que ele pode deslocar-se e abrir as metáforas
relacionadas ao discurso gago. Esclarecendo melhor, trazemos um recorte discursivo
de uma sessão terapêutica, em que a escuta interpretativa é realizada21.
SG – Enfim, eu gaguejo muito falando três, trezentos e trinta e três. O “tr” é o problema. Não consigo dizer esta_ letra junto do erre. F – Não consegue dizer o “tr”? SG – Não, não, não consigo dizer. Toda vez/toda vez eu ga_guejo, prende, trava, não sai. F – Não consegue dizer o tr. E agora, o que aconteceu?
SG – É. Eu sei... eu vi que eu falei trezentos sem gaguejar, mas eu não consigo. F – Isso mesmo. Na verdade, você me trouxe várias palavras com “tr”... “trava”, por exemplo, e não gaguejou em nenhuma delas. Você notou? SG – É. Você tem razão. Eu sei que isso é da minha cabeça. É cisma. Às vezes, eu consigo dizer três, trinta e três e trezentos. Tá vendo agora?
Assim, todas as sessões são áudio-gravadas, transcritas e analisadas, o que
contribui para a recuperação de situações discursivas nas sessões seguintes. Desta
forma, muitas vezes, através da escuta da gravação de uma terapia, podemos
observar discursos “fechados”22 que não foram devolvidos para análise do paciente.
Não há problema em recuperar isso na sessão seguinte. Neste sentido,
pretendemos estabelecer um novo sentido para as marcas corporais e para o
sintoma na linguagem, ressignificando a linguagem e o sujeito.
_______________ 21. Legenda do recorte discursivo: SG – sujeito-gago F – fonoaudióloga As demais notações gráficas permanecem as mesmas da análise discursiva já realizada. 22. Chamamos de “discursos fechados” os que apresentam formações discursivas da gagueira, como por exemplo, “há fonemas ou palavras impossíveis de se dizer”. Estas FD estão sempre presentes nas sessões terapêuticas e necessitam ser escutadas na sua singularidade e devolvidas ao paciente, que deve transformá-las, “abrindo” o seu dizer.
Com relação às atividades que podem ser trabalhadas na terapia, estas são
situações discursivas trazidas pelo sujeito para a sessão. Desta forma, o sujeito-gago
pode falar, livremente, sobre condições de produção geradoras de mais fluência ou
mais gagueira, naquela semana, por exemplo, e ele mesmo passa a analisar o que
está mantendo-o na posição de sujeito-gago. Paralelamente, pode haver discussões
sobre recortes discursivos de sujeitos-gagos, ou dos seus próprios discursos, já
transcritos. Desta forma, o sujeito passa a produzir efeitos de sentido sobre o seu
próprio material simbólico (os textos produzidos a partir dos recortes discursivos das
sessões terapêuticas entre o sujeito e o fonoaudiólogo).
A alta terapêutica nunca é oferecida, unilateralmente, pelo terapeuta, mas
compreendida como uma demanda do sujeito e bastante trabalhada no processo. A
alta é uma possibilidade de desvinculação com o processo terapêutico, em face da
satisfação com a sua linguagem, com o seu discurso, com a sua nova posição de
sujeito-fluente. Esta desvinculação do processo terapêutico acontece quando o
sujeito adquire nova formação discursiva sobre a gagueira: compreender que as
situações em que se mostrava como gago podem fazê-lo sujeito-não-gago. A partir
de uma nova formação social/formação ideológica/formação discursiva tem-se um
novo sujeito, que não prevê o erro, que não se preocupa com o ouvinte-censurador,
que não utiliza estratégias, que não atropela a linguagem. Isto porque ele ocupa
agora uma nova função-sujeito: sujeito-fluente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O novo não está no que é dito, mas no
acontecimento de sua volta.
Michel Foucault
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Vivemos em uma sociedade de relações. Como nos diz Foucault (1997), as
relações entre sujeitos se efetivam por meio das relações de poder. Pensar numa
sociedade de divisão de classes, de divisão de dominadores e dominados, é
enxergar relações de poder onde se colocam os sujeitos sociais.
Numa sociedade pautada em divisões de poder, há que se pensar em
determinadas posições ocupadas pelos mais diversos sujeitos que compõem esta
sociedade.
E onde se coloca o gago? Como sujeito integrante desta sociedade, ele ocupa
também o seu lugar de marginalizado, por ser visto como “doente”. A partir daí,
estabelece-se com ele uma relação de poder: os que são “normais” (fluentes) e os
que são “anormais” (gagos). Segundo esta ideologia, há um lugar discriminado para
o gago, já que ele é este sujeito “anormal”, patológico. Neste sentido, as suas
relações com outros sujeitos pautam-se entre dominado/dominador, o que já é uma
condição de produção.
Pensar este sujeito, como fonoaudióloga, é pensar numa proposta terapêutica
que o tire deste lugar e o insira em outra situação de integração social: a de sujeito-
falante-fluente, não marginalizado, não discriminado, considerando a fluência como
relativa, uma vez que não há fluência linear, pois todos nós somos disfluentes.
Pensamos poder inseri-lo neste lugar, longe de sua gagueira, ocupando uma
nova posição: a de sujeito-fluente.
O estudo da gagueira, tal como é significada no discurso de sujeitos-gagos de
nossa análise, nos conduziu a uma série de reflexões, uma vez que objetivamos,
neste trabalho, analisar o processo terapêutico de sujeitos-gagos, a partir da
consideração da concepção lingüístico-discursiva e sistematizar os fundamentos
teórico-metodológicos desta terapêutica. De forma específica, buscamos
compreender as queixas dos sujeitos-gagos em relação à etiologia, à interpretação
da gagueira e os seus sintomas, analisar condições de produção geradoras de
gagueira ou fluência, fonemas e palavras considerados difíceis no discurso,
estratégias de evitação e adiamento da gagueira, além de apresentar as
possibilidades de intervenção do fonoaudiólogo na terapêutica de sujeitos-gagos em
atendimento fonoaudiológico.
Na análise de trinta sujeitos-gagos, em atendimento fonoaudiológico com
terapeutas variados, identificamos e analisamos formações discursivas. São elas: a)
a gagueira é vista como algo do corpo; b) há previsão e certeza do erro; c) há algo
que deve ser colocado no lugar do erro iminente (previsto e certo), antes que ele
ganhe visibilidade na interpretação; d) há fonemas e palavras considerados difíceis
ou impossíveis de serem ditos; e) há posições discursivas geradoras de gagueira; f)
há posições discursivas geradoras de fluência.
Estas formações discursivas estão materializadas no discurso dos sujeitos em
estudo e representam possibilidades teóricas e terapêuticas ao estudo da gagueira.
Desta forma, a maioria dos sujeitos-gagos pesquisados informa sobre a
gagueira como queixa principal e muitos a tomam como sua, como na afirmação:
“meu problema é a minha gagueira”. Já os conceitos sobre a gagueira são
vinculados à relação entre nervosismo e gagueira, à localização de um espaço
corporal, à velocidade da fala, a características lingüísticas da gagueira, a questões
emocionais.
Ao discutir as causas da gagueira, os sujeitos-gagos entrevistados apontam
para possibilidades orgânicas, genéticas, psico-sociais, sociais e lingüísticas.
Recorrendo à Análise do Discurso de linha francesa (AD), à Psicanálise
lacaniana e ao Projeto Interacionista em aquisição de linguagem, procuramos
estudar a constituição e situação do gago como sujeito-social.
Desta forma, sobre a origem da gagueira, recorremos à Psicanálise, com o
intuito de estudar a constituição do sujeito e poder realizar inferências sobre a
constituição do sujeito-gago. A teoria Interacionista em aquisição de linguagem
procura contrapor os processos metafóricos e metonímicos à visão
desenvolvimentista da Psicologia. Observamos que na primeira posição, a criança
encontra-se circunscrita à fala do outro; na segunda posição, a criança já é um
falante submetido ao movimento da língua (é quando ela fala brinqui, porque existe
caí, por exemplo); na terceira posição, configura-se um deslocamento do sujeito
falante em relação à sua fala e à do outro - é o momento das auto-correções,
substituições e do seu efeito no outro, que a toma como gagueira. Procuramos
marcar a terceira posição de falante da curva-em-U como a da origem da gagueira,
uma vez que o adulto, ao interpretar a fala da criança como gaguejada, pode utilizar
um discurso predominantemente autoritário, com solicitações de que fale devagar e
respire, ou seja, que não a situam em direção à superação. Este tipo de discurso
(autoritário, porque não oferece reversibilidade) impede a criança de identificar o erro
em sua fala, ou seja, a criança reconhece a existência do erro, mas como não o
identifica, é incapaz de movimentá-lo em sua linguagem. Afirmamos que se o
estranhamento da família em relação à linguagem da criança fosse significado e
circunscrito pontualmente, ela poderia reconhecer o erro, deslocar-se e, finalmente,
assemelhar-se à fala do outro.
Quanto à interpretação da gagueira, os sujeitos-gagos analisados por nós
identificam a gagueira como estando neles próprios, no outro, na língua, ou no
telefone. Compreendendo a gagueira como um problema lingüístico-discursivo, ela
não estará em nenhum destes lugares, mas no espaço intervalar, no espaço do
discurso, em uma relação direta com as condições de produção e a exterioridade.
Neste espaço, a gagueira acontece pelas formações imaginárias, onde se
apresentam a relação de forças (o lugar a partir do qual o sujeito fala constitui o seu
dizer), a relação de sentido (interdiscursividade) e a antecipação (capacidade de
colocar-se no lugar do seu ouvinte). A antecipação, especificamente, é nitidamente
observada nos discursos analisados, uma vez que o sujeito-gago relata acreditar que
o outro espera pela sua gagueira, critica a sua fala, ou ri da sua falha.
Quando descrevem os sintomas da gagueira, os sujeitos analisados sugerem a
existência de vários sintomas possíveis, entre eles, falar rápido; vergonha; frio interno;
medo de falar; medo de gaguejar; piscar fortemente os olhos; utilizar apoios lingüísticos;
timidez; falar pouco; não falar; substituir palavras por outras consideradas mais fáceis;
repetição de sílabas; respiração forçada; dificuldade de se expressar.
Em todos estes tópicos, há uma formação discursiva que é constituída: a gagueira é
vista como algo do corpo.
Os sujeitos pesquisados identificam como fatores mantenedores da gagueira:
ansiedade, nervosismo, fala rápida, fala ao telefone, preocupação com a situação da
gagueira, voz presa, medo de falar, entre outros.
Ao serem questionados sobre o momento de percepção da gagueira, a grande maioria
dos sujeitos analisados respondeu que percebe a gagueira antes mesmo que ela aconteça, o que
gera nova formação discursiva: há previsão e certeza do erro.
Este é um ponto que consideramos importante retomar, nestas considerações
finais. Falar implica sempre na possibilidade de errar, gaguejar, selecionar um
fonema ou palavra inesperado, uma vez que a linguagem é constituída por falta e
incompletude. Como a fala só faz sentido no dizer do outro (ouvinte), é este quem
reorganiza o dizer do sujeito-falante. No sujeito-gago, a tensão na linguagem parece
transformar-se em previsão, algo que domina o sujeito/linguagem. Não
compreendendo esta dinâmica fundante, antes de falar, ele já percebe o seu erro e,
nas tentativas de falar bem o “p”, o “f”, o “m”, planeja a fala e acaba por utilizar
estratégias discursivas (substituição de palavras, por exemplo), ou não-discursivas
(tiques corporais, como bater as mãos ou pés, por exemplo), objetivando adiar ou
evitar o momento de gagueira.
A próxima formação discursiva - há algo que deve ser colocado no lugar do
erro iminente - previsto e certo - antes que ele ganhe visibilidade na interpretação –
refere-se ao fato de que quase todos os sujeitos pesquisados indicam fazer algo com
a intenção de evitar ou adiar a gagueira. Neste sentido, relatam falar mais devagar
ou mais depressa, substituir a palavra a ser dita, antes de iniciá-la, ou mesmo
durante a percepção do seu impedimento, entre outras condutas que mantêm esta
função.
Há fonemas e palavras considerados difíceis ou impossíveis de serem ditos.
Esta é uma formação discursiva que se origina do discurso dos sujeitos-gagos, ao
apontarem listas de fonemas e palavras que impossibilitam o seu dizer. É importante
considerar que não há uma inabilidade ou incapacidade articulatória nestes sujeitos e
que são as condições de produção do discurso que conduzem a uma fala com
momentos de mais ou menos gagueira.
A formação discursiva: há posições discursivas geradoras de gagueira foi delineada, a
partir das muitas referências a estas situações: falar ao telefone, falar no interfone, falar com
interlocutores hierarquicamente superiores, como professores, diretores, chefes, médicos,
fonoaudiólogos, contar histórias, falar frases longas, entre várias outras respostas.
Da mesma forma, houve diversas respostas às posições discursivas geradoras de
fluência, como cantar, contar, falar com animais ou crianças pequenas, falar sozinho, ler ou
estudar sozinho, lentificar a velocidade da fala (falar devagar, pausadamente), falar
rapidamente o que precisa ser dito, dominar o assunto da conversa e se esquecer da gagueira,
estar calmo, falar expressões curtas (frases pequenas), estar confiante.
Neste sentido, a partir do nosso estudo, afirmamos um novo conceito para a
gagueira, ancorado na perspectiva deste trabalho. Sob a ótica lingüístico-discursiva,
a gagueira pode ser compreendida como um distúrbio dessa ordem, que apresenta
uma relação direta com as condições de produção do discurso (relação de forças, de
sentido e antecipação), caracterizada pela ocorrência de repetições de sons, sílabas,
palavras ou frases, hesitações, prolongamentos de fonemas e/ou bloqueios tensos
de sons. Há uma ordem direta entre o sujeito que fala, a presença de um outro-
interlocutor e a ocorrência de situações de gagueira. Se não há ouvinte ou se este
não é identificado como alguém que julga, não há momentos de gagueira. Se, ao
contrário, este outro-interlocutor é antecipado como alguém que insere o sujeito
falante na posição de gago, então, há momentos de gagueira. A gagueira é, ainda,
marcada pela previsão do erro iminente. Há uma certeza a priori deste erro e é a
partir da possibilidade de errar que o sujeito-gago opta por tentar evitá-lo ou adiá-lo.
Desta forma, substitui palavras “perigosas”, ou seja, consideradas como sendo de
difícil emissão, por outras compreendidas como sendo mais fáceis (estratégias
discursivas), ou, ainda, escapa da fala gaguejada, utilizando estratégias não-
discursivas, isto é, apertar os olhos, as mãos, bater os pés, e outros artifícios
corporais, que, em última instância, acabam por mostrá-lo mais gago ao seu
interlocutor.
A análise discursiva de três sujeitos-gagos: uma criança, um adolescente e um
adulto, em situação de entrevista inicial fonoaudiológica e outros três recortes de
sessões terapêuticas com a pesquisadora, mostrou evidente mudança de posição de
sujeito-gago para sujeito-fluente.
Com relação à tipologia discursiva lúdica, polêmica ou autoritária, de acordo
com os fundamentos de Orlandi (1987; 2000), os discursos dos sujeitos analisados
sobre suas situações de linguagem com seus interlocutores indicam a predominância
do discurso autoritário, onde há uma contenção da polissemia, com o apagamento
do referente. O locutor é o único agente, o que conduz ao silenciamento do
interlocutor/sujeito gago. Este é o funcionamento discursivo dos sujeitos gagos
analisados nesta tese, em relação a suas determinações sócio-históricas e
ideológicas.
Por fim, indicamos uma proposta terapêutica para o trabalho com sujeitos-
gagos, sob a ótica lingüístico-discursiva. A partir dos estudos da AD,
compreendemos que a sociedade marginaliza o sujeito-gago, uma vez que este é
visto como “doente”. Há um censurador que reproduz a ideologia de segregação.
Esta compreensão é a ancoragem do nosso trabalho. Neste sentido, discutimos e
analisamos alguns conteúdos, como a determinação do espaço discursivo enquanto
lugar da gagueira, a ressignificação da concepção de fluência e disfluência e o
reconhecimento de situações discursivas de silenciamento. Além disso, enfatizamos
a identificação e análise das condições de produção do discurso, de situações de
previsão e certeza do erro, das estratégias discursivas e não-discursivas utilizadas
com o intuito de adiar ou evitar a gagueira, de fonemas e palavras considerados
difíceis ou impossíveis de serem ditos e, ainda, a identificação e análise de posições
discursivas geradoras de gagueira e de fluência. Esta é a base terapêutica para o
trabalho fonoaudiológico com sujeitos-gagos sob a perspectiva lingüístico-discursiva.
Não tivemos a intenção de concluir este trabalho, porque não o consideramos
acabado, mas de esclarecer que ele está aberto a novos olhares, a diferentes
leituras, a questionamentos e discussões. Esperamos que produza reflexões e
contribuições para o estudo da gagueira.
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