UNIVERSIDADE DE BRASLIA
CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL
A Expanso da Produo Canavieira e as Transformaes Socioeconmicas e Ambientais em Rio Brilhante/MS: Diferentes
Olhares
Fernanda Goulart Duarte
Orientadora: Vanessa Maria de Castro Co-Orientador: Joo Nildo de Souza Vianna
Dissertao de Mestrado
Braslia DF, 08 de setembro de 2011.
Ficha Catalogrfica
concedida Universidade de Braslia permisso para reproduzir cpias desta dissertao e emprestar ou vender tais cpias, somente para propsitos acadmicos e cientficos. O (a) autor (a) reserva outros direitos de publicao e nenhuma parte desta dissertao de mestrado pode ser reproduzida sem a autorizao por escrito do (a) autor (a).
Fernanda Goulart Duarte
Duarte, Fernanda Goulart A Expanso da Produo Canavieira e as Transformaes Socioeconmicas e Ambientais em Rio Brilhante/MS: Diferentes Olhares./ Fernanda Goulart Duarte. Braslia, 2011. 182p. : il. Dissertao de Mestrado. Centro de Desenvolvimento Sustentvel. Universidade de Braslia, Braslia - DF. 1. Produo de cana-de-acar. 2. Transformaes socioeconmicas e ambientais. 3. Percepo. 4. Atores locais I. Universidade de Braslia. CDS.
UNIVERSIDADE DE BRASLIA
CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL
A Expanso da Produo Canavieira e as Transformaes Socioeconmicas e Ambientais em Rio Brilhante/MS: Diferentes
Olhares
Fernanda Goulart Duarte Dissertao de Mestrado submetida ao Centro de Desenvolvimento Sustentvel da Universidade de Braslia, como parte dos requisitos necessrios para a obteno do Grau de Mestre em Desenvolvimento Sustentvel, rea de concentrao Gesto e Poltica Ambiental, opo Acadmico. Aprovado por: _____________________________________ Vanessa Maria de Castro, Doutora (Centro de Desenvolvimento Sustentvel UnB) (Orientadora) _____________________________________ Antnio Csar Pinho Brasil Jnior, Doutor (Faculdade de Tecnologia UnB) (Examinador Interno) _____________________________________ Magda Eva S. de F. Wehrmann, Doutora (Centro de Desenvolvimento Sustentvel UnB) (Suplente) Braslia DF, 08 de setembro de 2011.
Dedico este trabalho de forma especial a minha av Cleyr e ao meu eterno amor Pequeno, que j no se fazem presentes, mas que foram fundamentais na minha vida, frutificando inspirao e fora para a realizao e trmino desse trabalho. Aos meus pais, pilares de meus valores e de minha formao, que com imensurvel torcida, apoio, carinho e amor participaram dessa jornada; s minhas irms pelo intenso amor, unio e compreenso pelos momentos de ausncia. Aos meus sobrinhos que alegraram e iluminaram os intensos dias de trabalho.
AGRADECIMENTOS
DEUS, pela constante demonstrao de amor, graa e de inabalvel fortaleza.
minha tia Nana e prima Laurinha, por todo amor e exemplos de vida.
Aos meus tios Teta, Lula e Ivone pela dedicao e considerao.
Ao meu chefe de trabalho Eliando por toda compreenso e amizade despendida durante o perodo de
realizao da pesquisa.
Aos meus amigos Breno, Dani, Dina, Hayla, Hlen, Jaque, Pedro, Kaka, Kauryna, Lipe, Lourdinha,
Lindamrcia, Sandra, Rafa, R, Serginho e Thiago, por todo carinho, compreenso e apoio durante
esta caminhada, mas, sobretudo, pela demonstrao de profunda e inabalvel amizade.
Dona Sete, por toda diretriz, pacincia e ajuda espiritual.
professora doutora Vanessa Maria de Castro que, alm de externar extrema competncia, soube
compreender os percalos com que me deparei para a concretizao desta pesquisa.
Ao professor doutor Joo Nildo de Souza Vianna pelos ensinamentos e ateno despendida.
professora doutora Rosa Asmus pelo carinho, compreenso e sugestes.
Ao meu colega de estudo Arnoldo pelas intensas discusses, pela concretizao de trabalhos e pelo
imenso companheirismo, o que o transformou em um querido amigo.
A populao de Rio Brilhante pela hospitalidade e carinho com que me receberam e se dispuseram a
participar deste trabalho.
HUM!
Acordei cedinho Abri a janela
Cad o canto do passarinho?
O passarinho voou Foi embora
Aqui no mais voltou.
Que cheiro esquisito esse? De couro? Ah, o progresso
O curtume ali se instalou.
Dia de chuva Cad o Passarinho?
Que cheiro esquisito esse? Azedo. Hum... a usina ali se
instalou.
Que barulho esse? A cidade cresceu
E o movimento gerou Hum! Muito barulho
Atchim! Atchim! Que atchim esse?
a fumaa da cana
o p de arroz do secador o emprego do meu pai
Hum... atchim!
(Vnia Nogueira de Lara)
RESUMO
O objetivo geral desta dissertao analisar a percepo de diferentes atores locais a respeito das transformaes socioeconmicas e ambientais em funo da expanso da produo canavieira no municpio de Rio Brilhante/MS, a partir de 2005. O estudo conta com trs objetivos especficos: (i) apresentar o contexto da discusso sobre a produo de cana-de-acar no Brasil; (ii) diagnosticar a expanso da produo canavieira no estado do Mato Grosso do Sul e analisar as transformaes socioeconmicas e ambientais ocorridas no municpio de Rio Brilhante/MS a partir de 2005; (iii) identificar e analisar como os atores locais de Rio Brilhante/MS, ligados produo canavieira, percebem essas transformaes. Trs questes norteiam a pesquisa: (a) como se deu e quais foram os fatores que motivaram a expanso da produo da cana-de-acar no Brasil, no estado do MS e no municpio de Rio Brilhante/MS?; (b) quais foram as principais transformaes socioeconmicas e ambientais ocorridas no municpio de Rio Brilhante/MS a partir de 2005?; (c) como os atores locais, ligados produo canavieira, percebem as transformaes ocorridas em funo da expanso da produo da cana-de-acar? O municpio de Rio Brilhante foi escolhido para o estudo de caso visto que apresentou um aumento substancial de 244% na produo de cana-de-acar durante o perodo de 2005 a 2009, possui trs usinas instaladas e configura-se atualmente como o maior produtor de cana-de-acar do estado do Mato Grosso do Sul, sendo responsvel por 25% da produo estadual. Para responder s questes e atingir os objetivos propostos, a pesquisa adotou uma abordagem metodolgica qualitativa e quantitativa, a partir dos seguintes procedimentos: pesquisa bibliogrfica relativa aos principais marcos tericos e conceituais relativos ao tema; pesquisa documental para busca de dados secundrios em fontes oficiais e bancos de informaes disponveis em nvel local, regional e nacional, assim como de dados primrios junto s instituies e organizaes locais, e entrevistas semi-estruturadas realizadas com representantes dos atores locais ligados produo canavieira. Este trabalho se justifica pela relevncia das recentes discusses a respeito das transformaes socioeconmicas e ambientais decorrentes da expanso da produo canavieira; pela importncia da anlise a respeito dessas transformaes em municpios e regies em expanso; assim como, pela importncia de se revelar a forma como os diversos atores envolvidos percebem essas transformaes em um contexto especfico, como o caso do municpio de Rio Brilhante. Palavras-chave: produo de cana-de-acar, transformaes socioeconmicas e ambientais, percepo, atores locais, Rio Brilhante
ABSTRACT
The overall objective of this dissertation is to analyze the perception of different local actors about the environmental and socioeconomic changes resulting from the expansion of sugar cane production in Rio Brilhante/MS county, from 2005. The study has three objectives: (i) provide the context of the discussion on the production of sugar cane in Brazil; (ii) to diagnose the expansion of sugarcane production in the state of Mato Grosso do Sul and to analyze the environmental and socioeconomic changes that occurred in Rio Brilhante/MS county since 2005; (iii) to identify and analyze how Rio Brilhantes local actors related to sugar cane production perceive these changes. Three questions guide the research: (a) how and what were the factors that led to the expansion of production of cane sugar in Brazil in the state of MS and in Rio Brilhante/MS county?; (b) what were the main environmental and socioeconomic changes that occurred in Rio Brilhante/MS county from 2005?; (c) how local actors linked to the production of sugarcane perceive the changes occurring due to the expansion of production of cane sugar? The Rio Brilhante county was chosen for the study because it had seen a substantial increase of 244% in the production of cane sugar during the period 2005 to 2009, has three plants installed and configures itself today as the largest producer of cane sugar in the state of Mato Grosso do Sul, accounting for 25% of the state production. To answer the questions and achieve the objectives proposed, the research adopted a qualitative and quantitative methodological approach, from the following procedures: literature on the main theoretical and conceptual approach to the subject; documentary research to search for secondary data from official sources and banks of information available at the local, regional and national levels, as well as primary data with institutions and local organizations, and semi-structured interviews with local actorss representatives linked to the sugar cane production. This work is justified by the relevance of recent discussions about the environmental and socioeconomic changes resulting from the expansion of sugar cane production; by the importance of the analysis about these transformations in cities and regions in expansion; as well as the importance of revealing how the various local actors perceive these changes in a specific context, like Rio Brilhante county. Keywords: production of cane sugar, socioeconomic and environmental transformations, perception, local actors, Rio Brilhante.
RESUM
L'objectif global de ce travail est d'analyser la perception des diffrents acteurs locaux sur les changements socio-conomiques et environnementaux, rsultats de l'expansion de la production de canne sucre Rio Brilhante/MS. L'tude a trois objectifs spcifiques: (i) prsenter le contexte de la discussion sur la production de canne sucre au Brsil, (ii) diagnostiquer l'expansion de la production de canne sucre dans l'tat du Mato Grosso do Sul, et analyser les changements socio-conomiques et les impacts environnementaux rsults de cette expansion Rio Brilhante/MS depuis 2005, (iii) identifier et analyser comment les acteurs locaux lis la production de canne sucre peroivent ces changements. Trois questions cls ont guid la recherche: (a) Quels ont t les facteurs qui ont conduit l'expansion de la production de canne sucre au Brsil, dans l'tat du Mato Grosso do Sul et Rio Brilhante? (b) quels ont t les principaux changements causs par cette expansion en Brilhante depuis 2005? (c) comment les acteurs locaux, lis la production de canne sucre, peroivent ces changements? Le choix par la municipalit de Rio Brilhante est lie l'augmentation substantielle de sa production de canne sucre pendant la priode de 2005 2009 (244%); par ailleurs il a trois usines dj installes et se configure aujourd'hui comme le plus grand producteur de canne sucre du Mato Grosso do Sul, reprsentant 25% de la production de l'tat. Afin de rpondre aux questions et d'atteindre les objectifs proposs, la recherche a adopt une approche mthodologique qualitative et quantitative, base sur les points suivants: la recherche de la littrature sur les principaux approches thoriques; la recherche des documents partir de sources officielles et des banques d'informations disponibles. Les donnes primaires dcoulent directament du travail de terrain excut partir dentretiens semi-structurs avec les reprsentants des acteurs locaux lis la production de canne sucre. Ce travail se justifie par la pertinence des rcentes discussions sur les changements environnementaux et socio-conomiques rsultants de l'expansion de la production de canne sucre; par l'importance de l'analyse de ces changements dans les villes et les rgions dexpansion; ainsi que par l'importance de rvler la manire dont les divers acteurs locaux les peroivent dans un contexte spcifique, comme c'est le cas de Rio Brilhante. Mots-cls: production de canne sucre, changements socio-conomiques et environnementaux, perception des acteurs locaux, Rio Brilhante.
LISTA DE ILUSTRAES
ESQUEMAS
Esquema 1 - Procedimento metodolgico para realizao da pesquisa. 20
Esquema 2.1 - Principais perodos que marcaram o desenvolvimento do municpio de Rio Brilhante/MS.
87
Esquema 3.1 - Dimenses e atores locais presentes no desenvolvimento do setor canavieiro de Rio Brilhante/MS.
133
FOTOS
Foto 2.1 - Usinas instaladas no municpio de Rio Brilhante/MS. 88
Foto 3.1 - Praa central da cidade de Rio Brilhante/MS. 137
Foto 3.2 - Prefeitura Municipal e Secretarias Municipais de Rio Brilhante/MS. 137
Foto 3.3 - Centro de Educao Infantil Elisa Nantes Flores Creche construda em parceira Prefeitura/LDC-SEV.
147
Foto 3.4 - Posto de Sade em construo no municpio de Rio Brilhante/MS. 149
Foto 3.5 - rea destinada a loteamento a ser realizado pela Prefeitura de Rio Brilhante/MS.
150
Foto 3.6 - Casas a serem doadas pela Prefeitura de Rio Brilhante/MS. 150
Foto 3.7 - rea destinada construo de casas pelo projeto Minha Casa Minha Vida em Rio Brilhante/MS.
151
MAPAS
Mapa 1.1 - Trajetria da cana-de-acar no Brasil, de 1930 a 2005. 57
Mapa 2.1 - Bacias e sub-bacias hidrogrficas de Mato Grosso do Sul. 79
Mapa 2.2 - Biomas do estado do Mato Grosso do Sul. 80
Mapa 2.3 - reas aptas ao cultivo da cana-de-acar com aptido agrcola, atualmente utilizadas com pastagens, agropecuria ou agricultura, ano base 2002.
82
Mapa 2.4 - Quantidade de cana-de-acar produzida no estado do Mato Grosso do Sul, em 2009.
84
Mapa 2.5 - Localizao do Municpio de Rio Brilhante/MS. 85
Mapa 2.6 - Usinas instaladas e rea urbana do municpio de Rio Brilhante/MS. 89
Mapa 2.7 - reas com declividade maior que 12% no Brasil. 92
Mapa 2.8 - Unidades hidrogeologias do estado do Mato Grosso do Sul. 93
Mapa 2.9 - Aqfero Guarani e a sub-bacia do rio Ivinhema. 94
Mapa 2.10 - Demanda e disponibilidade de gua nas sub-bacias do estado do Mato Grosso do Sul.
95
Mapa 2.11 - Qualidade da gua nas sub-bacias do estado do Mato Grosso do Sul. 96
Mapa 2.12 - Origem da gua para abastecimento humano no estado do Mato Grosso do Sul. 98
Mapa 2.13 - reas protegidas no estado do Mato Grosso do Sul. 102
Mapa 2.14 - Terras indgenas e terras indgenas em estudo no estado do Mato Grosso do Sul. 103
Mapa 2.15 - ndice vulnerabilidade natural do estado do Mato Grosso do Sul. 105
Mapa 2.16 - ndice de potencialidade socioeconmica do estado do Mato Grosso do Sul. 107
Mapa 2.17 - Sobreposio dos ndices de potencialidade socioeconmica com ndices de vulnerabilidade natura do estado do Mato Grosso do Sul.
107
Mapa 2.18 - reas de consolidao do estado do Mato Grosso do Sul. 108
Mapa 2.19 - Impactos ambientais no municpio de Rio Brilhante/MS. 109
Mapa 2.20 - reas aptas ao cultivo da cana-de-acar no Brasil, por classe de aptido agrcola.
110
Mapa 2.21 - reas aptas ao cultivo da cana-de-acar no Brasil, por tipos de solo. 111
Mapa 2.22 - Correlao das reas cultivadas com cana-de-acar e o grau de vulnerabilidade natural no Municpio de Rio Brilhante/MS - safra de 2007.
113
Mapa 2.23 - reas destinadas ao cultivo da cana-de-acar em Rio Brilhante/MS na safra de 2010.
114
LISTA DE TABELAS
Tabela 1.1 - Produo brasileira de cana-de-acar, de 1975 a 2008. 54
Tabela 1.2 - Produo de cana-de-acar no Brasil, nas regies e no estado do Mato Grosso do Sul, de 2004 a 2009.
59
Tabela 1.3 - Focos de Calor, no Brasil, na regio centro-oeste no estado do MS, de 2005 a 2009 .
64
Tabela 2.1 - Produo de cana-de-acar no estado do Mato Grosso do Sul e no municpio de Rio Brilhante/MS, de 2005 a 2009.
84
Tabela 2.2 - Populao residente por situao do domiclio no municpio de Rio Brilhante nos anos de 1991, 2000, 2007, 2010.
116
Tabela 2.3 - ndice de desenvolvimento Humano segundo o IPEA. 117
Tabela 2.4 - ndices FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM. 118
Tabela 2.5 - Nmero de funcionrios nas usinas Passa Tempo e Rio Brilhante em 2011. 120
Tabela 2.6 - Nmero de trabalhadores formais no setor canavieiro de Rio Brilhante/MS, entre os anos de 2000 e 2008.
122
Tabela 2.7 - Salrio mdio na admisso dos trabalhadores agroindustriais em Rio Brilhante/MS, entre os anos de 2010 e 2011.
122
Tabela 2.8 - rea plantada da soja e cana-de-acar em Rio Brilhante/MS, nos anos de 2006 e 2009.
124
Tabela 2.9 - rea destina pecuria em Rio Brilhante/MS, nos anos de 1995 e 2006. 124
Tabela 2.10 - Transferncia de recursos federais para Rio Brilhante/MS FPM e ITR, nos anos de 2005, 2007, 2009 e 2010.
127
Tabela 2.11 - Valor Arrecadado com o ISS em Rio Brilhante/MS nos anos de 2005 a 2010. 127
Tabela 2.12 - Receitas oramentrias realizadas em Rio Brilhante/MS, divididas por transferncia de recursos federais e arrecadao municipal, nos anos de 2006 e 2008.
129
Tabela 2.13 - Distribuio per capita das receitas oramentrias realizadas no ano de 2008 em Rio Brilhante/MS.
129
Tabela 2.14 - Produto interno bruto a preos correntes de Rio Brilhante/MS nos anos de 2005 e 2008 e Produto interno bruto per capita em 2008.
130
Tabela 2.15 - Valor adicionado bruto a preos correntes em Rio Brilhante/MS, nos anos de 2005 e 2008.
130
LISTA DE QUADROS
Quadro 2.1 - Usinas de acar e lcool no estado do Mato Grosso do Sul 78
Quadro 3.1 - Atores locais entrevistados em Rio Brilhante/MS. 135
Quadro 3.2 - Forma de identificao dos atores locais de Rio Brilhante/MS. 136
LISTA DE GRFICOS
Grfico 2.1 - Carga total gerada por efluentes industriais e esgotos domsticos no estado do Mato Grosso do Sul
Grfico 2.2 - Demanda de gua na bacia do rio Paran. 99
Grfico 2.3 - Instruo dos trabalhadores formais no setor canavieiro de Rio Brilhante/MS, entre os anos de 2000 e 2008.
119
Grfico 2.4 - Nmero de trabalhadores formais no setor canavieiro de Rio Brilhante/MS, entre os anos de 2000 e 2008.
121
Grfico 2.5 - ISS arrecadado, ISS arrecadado das usinas canavieiras e a participao das mesmas no total arrecadado.
128
LISTA DE ABREVIATURAS
ABC - Agricultura de Baixo Carbono
Agrisul - Companhia Brasileira de Acar e Etanol
ANP - Agncia Nacional de Petrleo
APA - rea de Proteo Ambiental
Bacen - Banco Central do Brasil
Basa - Banco da Amaznia
BB - Banco do Brasil
BNB - Banco do Nordeste
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social
BNDES - Banco Nacional do Desenvolvimento Econmico e Social
CANASAT - Mapeamento da cana via imagens de satlite de observao da Terra
CAND - Colnia Agrcola Nacional de Dourados
CMDR - Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural
CMDR - Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentvel
COMPARA - Conselho Municipal de Proteo, Manejo e Conservao de Recursos
Ambientais
CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento
COP-3 - Conferncia das Partes da Conveno sobre Mudanas Climticas - 3
DBO - Demanda biolgica de oxignio
ECO-92 - Conferncia das Naes Unidas Sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
ESF - Estratgia de Sade Familiar
FIRJAN - Federao da Indstria do Estado do Rio de Janeiro
FPM - Fundo de Participao dos Municpios
IAA - Instituto do Acar e do lcool
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IDH-M - ndice de Desenvolvimento Humano Municipal
IFDM - ndices FIRJAN de Desenvolvimento Municipal
ILPF - Sistema de Integrao Lavoura-Pecuria-Floresta
IMASUL - Instituto do Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul
INCRA - Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria
INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
IPCC - Painel Intergovernamental para as Alteraes Climticas
IPEA - Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada
IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano
IQA - ndice de Qualidade da gua
IRS - ndice de Responsabilidade Social
ISS - Imposto Sobre Servios de Qualquer Natureza
ITR - Imposto Territorial Rural
MAPA - Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento
MDA - Ministrio do Desenvolvimento Agrrio
MTE - Ministrio do Trabalho e Emprego
OIT - Organizao Internacional do Trabalho
ONU - Organizao das Naes Unidas
PDRB - Plano Diretor do Municpio de Rio Brilhante
PIB - Produto Interno Bruto
PMMA - Poltica Municipal de Meio Ambiente
PNA - Plano Nacional de Agroenergia
PNUD - Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento
POLOCENTRO - Programa de Desenvolvimento dos Cerrados
Prolcool - Programa Nacional do lcool
PRODEGRAN - Programa de Desenvolvimento da Regio da Grande Dourados
PRODEPAN - Programa de Desenvolvimento do Pantanal
PRODOESTE - Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste
PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PROSUL - Programa de Desenvolvimento do Estado do Mato Grosso do Sul
RAIS - Relao Anual de Informaes Sociais
SAG - Sistema Aqfero Guarani
SIG - Sistema de Informaes Geogrficas
SITI - Informaes sobre Focos de Trabalho Infantil
SNCR - Sistema Nacional de Crdito Rural
SUDAM - Superintendncia do Desenvolvimento da Amaznia
SUDECO - Superintendncia para o Desenvolvimento do Centro-Oeste
SUDENE - Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste
UINC - Unio Internacional para a Conservao da Natureza
UNICA - Unio das Indstrias Canavieiras
UPGs - Unidades de Planejamento e Gerenciamento
UTB - Unidade Territorial Bsica
ZAE Cana - Zoneamento Agroecolgico da Cana-de-acar
ZEE/MS - Zoneamento Ecolgico-Econmico do Estado de Mato Grosso do Sul
SUMRIO LISTA DE ILUSTRAES
LISTA DE TABELAS
LISTA DE QUADROS
LISTA DE GRFICOS
LISTA DE ABREVIATURAS
INTRODUO...........................................................................................................17
1 O CONTEXTO DA DISCUSSO SOBRE A PRODUO DE CANA-DE ACAR
E O DESENVOLVIMENTO RURAL NO BRASIL......................................................21
1.1 DA MODERNIZAO DA AGRICULTURA PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO
RURAL SUSTENTVEL..................................................................................................21
1.1.1 Os primrdios: do Brasil Colnia Repblica........................................................21
1.1.2 Desenvolvimento rural e modernizao da agricultura..........................................30
1.1.3 Sustentabilidade e Desenvolvimento Rural Sustentvel........................................47
1.2 A PRODUO CONTEMPORNEA DE CANA-DE-ACAR NO BRASIL............51
1.2.1 A atuao do Estado na expanso da cana-de-acar a partir do sculo XX e o
Prolcool.........................................................................................................................51
1.2.2 A produo dos biocombustveis e o etanol brasileiro...........................................57
1.3 OS EFEITOS SOCIOECONMICOS E AMBIENTAIS DA EXPANSO DA PRODUO
DE CANA-DE-ACAR..................................................................................................59
2 O TERCEIRO PROCESSO EXPANSIONISTA DA PRODUO CANAVIEIRA NO
BRASIL: Uma anlise das transformaes socioeconmicas e ambientais em
Rio Brilhante/MS a partir de 2005...........................................................................75
2.1 A EXPANSO CANAVIEIRA NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL.............75
2.2 A EXPANSO DA PRODUO DE CANA-DE-ACAR NO MUNICPIO DE RIO
BRILHANTE/MS..............................................................................................................84
2.2.1 Caracterizao do municpio de Rio Brilhante/MS.................................................84
2.2.2 Transformaes Ambientais...................................................................................89
2.2.2.1 Desmatamento....................................................................................................90
2.2.2.2 Uso da gua........................................................................................................92
2.2.2.3 Uso do solo........................................................................................................102
2.2.3 Transformaes Socioeconmicas.......................................................................115
2.2.3.1 Populao..........................................................................................................115
2.2.3.2 Gerao de emprego e renda............................................................................119
2.2.3.3 Economia e Atividades Produtivas....................................................................123
2.2.3.4 Finanas Pblicas..............................................................................................126
3 ESTUDO DE CASO: DIFERENTES OLHARES SOBRE AS TRANSFORMAES
SOCIOECONMICAS E AMBIENTAIS EM RIO
BRILHANTE/MS......................................................................................................132
3.1 OS PASSOS PARA A DESCOBERTA DOS ATORES LOCAIS DE RIO BRILHANTE: A
PESQUISA DE CAMPO.................................................................................................132
3.2 DIFERENTES OLHARES: A PERCEPO DOS ATORES LOCAIS......................137
3.2.1 Conhecendo a cidade de Rio Brilhante: um relato do dirio de campo................137
3.2.2 Dimenso poltica..................................................................................................142
3.2.2.1 A Percepo dos representantes do Governo Municipal...................................142
3.2.3 Dimenso Econmica............................................................................................152
3.2.3.1 A Percepo dos proprietrios rurais.................................................................152
3.2.4 Dimenso Social....................................................................................................156
3.2.4.1 A Percepo dos representantes das organizaes da sociedade civil e dos
trabalhadores..................................................................................................................156
3.2.5 Olhares que se cruzam..........................................................................................163
CONCLUSO..........................................................................................................165
BIBLIOGRAFIA........................................................................................................175
APNDICES.............................................................................................................184
INTRODUO
Este estudo trata da recente expanso da produo de cana-de-acar no Brasil,
buscando compreender como os atores locais percebem as transformaes
socioeconmicas e ambientais dela decorrentes.
A expanso da produo de cana de acar intensificou-se no Brasil a partir de
2005, apresentando-se de forma marcante na regio Centro-Oeste que passou, a partir de
ento, a configurar-se como parte integrante da nova fronteira canavieira.
O municpio de Rio Brilhante, localizado no estado do Mato Grosso do Sul (MS),
objeto de estudo desta dissertao, apresentou um aumento de 244% na produo de cana-
de-acar entre o perodo de 2005 a 2009. O municpio possui trs usinas instaladas e
configura-se atualmente como o maior produtor do estado do MS, sendo responsvel por
25% da produo estadual.
A expanso canavieira vem suscitando acirradas discusses e debates calorosos a
respeito de seus efeitos socioeconmicos e ambientais. Apesar dos vrios estudos j
realizados sobre o tema (ABRAMOVAY e MAGALHES, 2007; DIEESE, 2007; DUARTE et
al, 2009; FAO, 2008; MORAES, 2007; NORONHA, 2006; VIAN e BELIK, 2003; VIANNA et
al, 2008, dentre outros) e sobre as transformaes socioeconmicas e ambientais ocorridas
em municpios das regies de fronteira canavieira, ficou evidente haver uma lacuna no que
se refere percepo os atores locais sobre essas transformaes. Apenas poucos
trabalhos se aproximam desse tipo de anlise, dentre os quais, Gonalves (2005); Valari et
al (2008); Assato (2010); Sousa e Borges (2009a, 2009b); Sousa (2010).
A escolha do municpio de Rio Brilhante como objeto da investigao significa
reconhec-lo como um contexto que apresenta elementos significativos e reveladores do
problema estudado. A compreenso da percepo dos atores locais em um contexto
especfico poder contribuir para uma viso mais ampla sobre as dinmicas dessas
transformaes e de sua percepo em outros contextos similares.
Nesse sentido, alm de preencher a lacuna existente na literatura, este trabalho se
justifica pela relevncia das recentes discusses a respeito do tema e pela importncia da
anlise da percepo dos diversos atores envolvidos em contextos especficos.
A dissertao tem por objetivo geral analisar a percepo de diferentes atores
locais a respeito das transformaes socioeconmicas e ambientais em funo da expanso
da produo canavieira no municpio de Rio Brilhante/MS, a partir de 2005.
18
So trs os objetivos especficos:
1. Apresentar o contexto da discusso sobre a produo de cana-de-acar no Brasil;
2. Diagnosticar a expanso da produo canavieira no estado do Mato Grosso do Sul e
analisar as transformaes socioeconmicas e ambientais ocorridas no municpio de
Rio Brilhante/MS a partir do ano de 2005;
3. Identificar e analisar como os atores locais de Rio Brilhante/MS, ligados produo
canavieira, percebem essas transformaes.
Trs questes norteiam a pesquisa:
1. Como se deu e quais foram os fatores que motivaram a expanso da produo da cana-
de-acar no Brasil, no estado do MS e no municpio de Rio Brilhante/MS?
2. Quais foram as principais transformaes socioeconmicas e ambientais ocorridas no
municpio de Rio Brilhante/MS a partir do ano de 2005?
3. Como os atores locais, ligados produo canavieira, percebem as transformaes
ocorridas em funo da expanso da produo da cana-de-acar?
Esta dissertao adotou uma abordagem metodolgica interdisciplinar. A escolha
est relacionada tanto necessidade de um olhar que agregue elementos disciplinares
diferentes e complementares sobre a problemtica estudada, quanto importncia da
interao entre o mtodo quantitativo e o qualitativo, uma vez que o primeiro permite maior
preciso no processo de mensurao dos resultados e anlise dos indicadores e dados
objetivos, enquanto que o segundo possibilita aprofundar a compreenso e anlise dos
indicadores e informaes de carter subjetivo.
O estudo de caso se justifica pela importncia de se investigar em profundidade uma
unidade significativa do todo, de tal forma que a mesma possa ser considerada como um
marco de referncia da problemtica, objeto de estudo, retratando tanto uma realidade nica
quanto a multiplicidade de aspectos globais (CHIZZOTTI, 1995).
Ressalta-se, entretanto, que a anlise e os resultados da pesquisa no podero ser
generalizados a todos os municpios cuja produo canavieira se encontra em expanso.
Considerando as especificidades de cada caso, esse processo de generalizao sempre
encontrar limites, mesmo que feito para casos similares. Assim sendo, os resultados
obtidos podero ser vistos apenas como hipteses a serem colocadas prova em
investigaes posteriores.
19
Para responder s questes norteadoras da pesquisa e atingir os objetivos
propostos, esta dissertao est estruturada em trs grandes Captulos, alm da Introduo
e da Concluso.
No Captulo 01 apresentado o contexto da discusso sobre a produo de cana-
de-acar e o desenvolvimento rural no Brasil, correspondente ao primeiro objetivo
especfico proposto. Realizou-se uma pesquisa bibliogrfica sobre os principais marcos
histricos, tericos e conceituais, e sobre os principais pontos hoje em discusso a respeito
dos efeitos socioeconmicos e ambientais da atual expanso canavieira. Essas referncias
foram fundamentais para embasar as anlises realizadas nos captulos posteriores.
No Captulo 02, respondendo ao segundo objetivo especfico, a expanso da
produo canavieira no estado do Mato Grosso do Sul diagnosticada e so analisadas as
principais transformaes socioeconmicas e ambientais ocorridas no municpio de Rio
Brilhante/MS a partir de 2005. Para a elaborao desse Captulo realizou-se pesquisa
bibliogrfica; pesquisa documental e de dados secundrios em fontes oficiais e bancos de
informaes disponveis em nvel local, regional e nacional; assim como de dados primrios
coletados junto s instituies e organizaes locais. Foram trabalhados indicadores sociais
e dados referentes populao, gerao de emprego e renda, economia e atividades
produtivas e finanas pblicas. No que se refere s transformaes ambientais buscou-se
analisar dados referentes ao desmatamento e ao uso da gua e do solo.
A partir da identificao e anlise dos principais marcos conceituais e fatuais que
definiram a dinmica de expanso da produo canavieira e das transformaes
socioeconmicas e ambientais ocorridas em Rio Brilhante, dirigiu-se a ateno para a
percepo dos atores locais sobre essas transformaes dando forma ao Captulo 3, que se
refere ao terceiro objetivo especfico. Para tanto, realizaram-se entrevistas semi-
estruturadas com representantes dos atores locais considerados como atores-chave,
representativos das diferentes categorias envolvidas na produo de cana-de-acar no
municpio.
Nas concluses, em um processo de sntese, foram retomadas as discusses
tericas e factuais dos dois primeiros Captulos; evidenciados e analisados os elementos
fundamentais sobre a percepo dos diferentes atores locais apresentados no terceiro
Captulo, e respondidas s perguntas norteadoras da pesquisa.
O Esquema 1 sintetiza os procedimentos adotados para o desenvolvimento da
pesquisa.
20
Sobre o tema:
Reviso bibliogrfica sobre o tema de estudo.
Levantamento de dados gerais sobre a recente expanso da produo de cana-de-
acar no Brasil.
Participao em Seminrios e Congressos sobre o tema.
Elaborao e apresentao de artigos sobre o tema
Sobre o municpio:
Seleo do estado e do municpio a ser estudado.
Esquema Metodolgico
Estudo Exploratrio
Pesquisa de campo
Anlise e Resultados
Em Braslia:
Elaborao de roteiros de entrevistas.
Primeiros contados, por telefone e internet, com os atores locais de Rio Brilhante.
Viagem Rio Brilhante (20 28 de maio de 2011):
Reconhecimento do municpio;
Contatos e visitas institucionais;
Realizao de entrevistas semi-estruturadas com os atores locais considerados
como atores-chave, representativos das diferentes categorias envolvidas na
produo da cana-de-acar no municpio;
Sistematizao das informaes coletadas.
Anlise e organizao grfica dos dados.
Retorno s questes tericas e s principais questes norteadoras da pesquisa.
Concluses.
Pesquisa
bibliogrfica e
documental
Sobre o tema:
Reviso bibliogrfica sobre a histria da produo canavieira e sobre a recente
produo de etanol no Brasil.
Formulao das principais questes norteadoras do trabalho.
Sobre o municpio:
Pesquisa em documentos, livros e artigos sobre a histria do municpio.
Levantamento de dados secundrios sobre o municpio e sobre os atores locais.
Esquema 1 Procedimento metodolgico para realizao da pesquisa. Fonte: Criado pela autora.
21
1 O CONTEXTO DA DISCUSSO SOBRE A PRODUO DE CANA-DE ACAR
E O DESENVOLVIMENTO RURAL NO BRASIL
1.1 DA MODERNIZAO DA AGRICULTURA PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO
RURAL SUSTENTVEL
1.1.1 Os primrdios: do Brasil Colnia Repblica
O incio da ocupao econmica do territrio brasileiro se deu, principalmente, pela
iminncia da perda de suas terras por Portugal. A ameaa vinha das naes europias em
mais rpida expanso comercial na poca, dentre as quais a Holanda, a Frana e a
Inglaterra. Foi, sobretudo, a organizao de uma expedio de povoamento para as terras
americanas, efetivada pelos franceses, que impulsionou um maior esforo de Portugal em
conserv-las.
No incio da colonizao, o interesse de Portugal estava centrado no comrcio de
objetos valiosos que eram obtidos no Oriente. Assim, as terras brasileiras eram vistas como
de escassa ou nenhuma utilizao econmica, uma vez que no dispunham de riqueza
organizada para o comrcio. A viso predominante sobre a Amrica era a de um territrio
primitivo, habitado por uma populao indgena incapaz de fornecer qualquer coisa
realmente aproveitvel (PRADO JNIOR, 2006 p. 16).
Foi com o intuito inicial de cobrir os gastos com a defesa das terras que a produo
agrcola no Brasil foi cogitada e implantada (FURTADO, 2003; PRADO JNIOR, 2000;
2006; FREYRE, 2005).
Para iniciar o processo de povoamento e colonizao era necessrio encontrar
portugueses dispostos a investir em tal empreitada. Entretanto, as novas terras no eram
cobiadas e os nicos interessados eram traficantes de madeira, cuja atividade j se
encontrava em declnio nos outros pases. Com vistas a superar esse obstculo, o Reino
portugus ofereceu inmeras vantagens para aqueles que se dispusessem a organizar a
produo de gneros no Brasil, dentre as quais os poderes soberanos sobre as terras
parece ser a mais importante. Apesar das vantagens oferecidas, foram apenas doze os
candidatos que se apresentaram. Assim sendo, a costa foi dividida em doze lineares
extenses de terras que passaram a se chamar de Capitanias (PRADO JNIOR, 2000;
2006; FREYRE, 2005).
Esses candidatos por sua vez, no vieram dispostos a desenvolver um trabalho
rduo; ao contrrio, a literatura aponta a busca de riqueza fcil. De acordo com Prado Jnior
(2000; 2006), os pioneiros recrutados aspiravam, no uma posio de modestos
22
camponeses, mas sim a de grandes senhores e latifundirios. Segundo Holanda (1977
p.15), o que o portugus vinha buscar era, sem dvida, a riqueza, mas a riqueza que custa
ousadia, no riqueza que custa trabalho. A mesma, em suma, que se tinha acostumado a
alcanar na ndia com as especiarias e os metais preciosos. Ainda de acordo com esse
autor, esta uma caracterstica dos povos ibricos, dentre os quais os portugueses, que
apresentavam pouca disposio para o trabalho, ao menos para o trabalho sem
compensao prxima. Dessa forma, os colonos vieram em busca de prosperidade sem
custo, de ttulos honorficos, de posies e riquezas fceis (HOLANDA, 1977 p.15).
A cultura da cana-de-acar e a produo de acar foram implantadas nesse
contexto. A escolha baseou-se na particular experincia de Portugal com a produo de
acar nas ilhas do Atlntico, o que garantia domnio tcnico, assim como o espao
comercial j conhecido (OHLWEILER, 1986; FREYRE, 2005).
Para o incio da economia aucareira no Brasil, a experincia dos portugueses foi
preponderante. No entanto, para o xito da expanso da produo e comercializao do
acar a contribuio holandesa foi fundamental. A exportao da produo de acar do
Brasil tornara-se bastante lucrativa para a Holanda, pois esta se fez intermediria na
distribuio do produto na Europa. Alm de contribuir com sua experincia comercial, a
Holanda disponibilizou recursos para financiar o refino e a comercializao do produto, as
instalaes produtivas, bem como a importao da mo-de-obra escrava (FURTADO, 2003).
Para que os portugueses pudessem desenvolver a produo aucareira tornou-se
necessria a apropriao das terras indgenas, o desmatamento, a construo de engenhos
e a montagem da estrutura para a exportao do produto (ANDRADE, 1994).
A cana-de-acar foi cultivada, inicialmente, na Zona da Mata nordestina, em
especial nos atuais estados de Pernambuco e Bahia. A boa qualidade das terras do
Nordeste para o cultivo fez com que essa regio se tornasse a principal regio produtora do
pas, durante os trs primeiros sculos de colonizao (HOLANDA, 1977; PRADO JNIOR,
2006).
A produo se desenvolveu em grandes latifndios, isso no s pela disposio
espacial das capitanias, mas, e especialmente, porque para que o cultivo da cana-de-acar
se tornasse economicamente vivel eram necessrias grandes plantaes (PRADO
JNIOR, 2006), de forma que a pequena propriedade no encontrou terreno favorvel para
se desenvolver na economia da colnia (PRADO JNIOR, 1975 p. 19).
As plantaes se desenvolveram no sistema de plantation criado pelos
colonizadores portugueses, franceses e espanhis, onde o cultivo se dava em grandes
fazendas de monoculturas, por meio do trabalho escravo. Completam-se assim os trs
elementos constitutivos da organizao agrria do Brasil colonial: a grande propriedade, a
monocultura e o trabalho escravo (PRADO JNIOR, 2000 p. 121); como tambm formou-
23
se o primeiro antagonismo profundo da formao brasileira: a relao entre o senhor e o
escravo (FREYRE, 2005).
Aps uma tentativa fracassada de utilizao de mo-de-obra indgena nativa, a
utilizao da mo-de-obra africana escrava foi a alternativa encontrada para tornar a
atividade economicamente lucrativa (HOLANDA, 1977; BURBACH e FLYN, 1982;
OHLWEILER, 1986; GARCIA Jr, 2002; FREYRE, 2005; PRADO JNIOR, 2000; FURTADO,
2003).
A migrao de europeus para suprir a necessidade de mo-de-obra foi descartada
por inmeros fatores, dentre eles: as precrias condies de trabalho, de forma que para
atrair a mo-de-obra os salrios pagos deveriam ser mais elevados do que na Europa; as
terras eram pouco atrativas aos imigrantes por seu baixo valor econmico; a escassez de
oferta de mo-de-obra em Portugal, etapa de florescimento da empresa das ndias Orientais
(FURTADO, 2003).
O elemento central da organizao das propriedades aucareiras era o engenho, ou
seja, o local onde se processa a manipulao da cana e o preparo do acar. Entretanto, no
Brasil o engenho foi bem mais do que somente o local de produo, uma vez que abarcava
o conjunto da propriedade canavieira. Dessa forma, engenho e propriedade canavieira se
tornaram sinnimos (PRADO JNIOR, 2006 p.37).
Segundo Holanda (1977 p. 48), o engenho constitua um organismo completo e que,
tanto quanto possvel, se bastava a si mesmo. Alm da casa grande (morada do senhor e
familiares) e da senzala (habitao dos escravos), as propriedades contavam, em sua
maioria, com instalaes acessrias como serralherias, estrebarias, estabelecimentos
religiosos, de culto aos mortos, assim como as culturas alimentares necessrias aos seus
moradores. A fbrica em si compreendia vrias construes e instrumentos mecnicos: em
geral, a moenda (onde se espreme a cana), a caldeira (que proporciona o calor para o
processo de purificao do caldo) e a casa de purgar (onde se termina o processo de
purificao) (FREYRE, 2005; PRADO JNIOR, 2006).
Alguns senhores de engenhos cediam parte de suas lavouras a lavradores que
produziam a cana e moam a produo em seus prprios engenhos, ficando com a metade
do acar produzido. Essas fazendas eram chamadas de fazendas obrigadas. Existiam
tambm os lavradores livres que possuam terras e moam a cana em diversos engenhos.
Os lavradores, embora estivessem socialmente abaixo dos senhores de engenho, eram
donos de escravos e suas lavouras, sejam em terras arrendadas ou prprias, formavam
grandes unidades como os engenhos (PRADO JNIOR, 2000; 2006).
O engenho, como um sistema autnomo de produo e de vida, centralizava a vida
social da colnia, constituindo-se mais do que uma simples unidade produtiva; na verdade, o
engenho tornou-se desde o incio o ncleo da sociedade colonial e da grande famlia
patriarcal brasileira.
24
Os senhores de engenho estabeleceram-se no topo da organizao patriarcal e
tornaram-se aristocratas que dispunham de autoridade e prestgio (PRADO JNIOR, 2000;
FREYRE, 2005). Segundo Holanda (1977), as relaes sociais na organizao patriarcal
eram de afeto e de sangue e concentravam-se em si mesmas. Para esse autor (1977 p. 50),
o quadro familiar torna-se to poderoso e exigente [...] que a entidade privada precede
sempre, neles, a entidade pblica [...] Uma invaso do pblico pelo privado, do Estado pela
famlia patriarcal. Para Freyre (2005 p. 81), a famlia patriarcal e no o indivduo, nem
tampouco o Estado nem nenhuma companhia de comrcio [...] o grande fator colonizador do
Brasil que constituiu a aristocracia colonial.
A renda com a produo de acar se concentrava nas mos dos proprietrios de
engenho, em mdia 90% da renda gerada. Os gastos com o engenho se davam poca
principalmente com a compra de gado para trao e de lenha para as fornalhas. Eram esses
gastos que fomentavam a interligao entre a economia aucareira e os povoamentos
existentes no pas (FURTADO, 2003).
As propriedades agrcolas eram a tradicional morada dos grandes proprietrios. Nos
pequenos centros citadinos residiam apenas funcionrios da administrao colonial e
mercadores em geral. Os grandes proprietrios se dirigiam a esses centros no intuito
apenas de adquirirem mercadorias variadas, ou em pocas de festejos e solenidades. O
incremento das cidades durante o perodo colonial, e at mesmo imperial, foi precrio
caracterizando uma situao de dependncia das cidades em relao aos domnios agrrios
e ao trabalho servil (HOLANDA, 1977).
A dinmica ocupacional e econmica brasileira apresentou-se como uma contra-
regra, uma vez que na maior parte das sociedades mundiais a dinmica se deu de forma
contrria, onde a prosperidade dos meios urbanos se fez a custa dos centros de produo
agrcola e a construo de cidades foi o mais decisivo instrumento de dominao
(HOLANDA, 1977 p. 61). De acordo com Holanda (1997), a lgica brasileira apenas
comeou a mudar com a vinda da Corte Portuguesa para o Brasil.
A agricultura de subsistncia teve, desde o incio da colnia, uma forma
problemtica. Considerando o alto preo do acar, poucos eram os que se dispunham a
cultivar gneros alimentares. No eram raros os casos da falta de alimentos, inclusive para
a sobrevivncia dos escravos. Como salienta Prado Jnior (2006 p. 43), A populao
colonial, com exceo apenas das classes mais abastadas, viveu sempre num crnico
estado de subnutrio. Os citadinos eram naturalmente os que mais sofriam. Conforme
salientado pela literatura, esse problema existe desde o incio da colonizao e agravar-se-
ia no sculo XVIII, com o aumento crescente dos centros urbanos (FREYRE, 2005;
FURTADO, 2003).
A criao de gado apresentou-se, naquela poca, no s como uma alternativa de
abastecimento da economia aucareira, como tambm como de fornecimento de matria-
25
prima (o couro) e, sobretudo, como uma atividade de subsistncia alimentcia (FURTADO,
2003).
Superadas as dificuldades da etapa inicial, a produo canavieira se desenvolveu
intensamente e, ao terminar o sculo XVI, j existiam 120 engenhos no Brasil (FURTADO,
2003).
O alto preo do acar no mercado europeu nas primeiras dcadas do perodo
colonial propiciou a recuperao do capital inicial e permitiu a criao de uma infraestrutura,
com a criao de portos, abertura de estradas, desenvolvimento da navegao
transocenica e de cabotagem. Com a substituio de escravos indgenas por negros
africanos foi possvel no apenas aumentar a produo, como tambm exportar o produto
para lugares mais distantes (HOLANDA, 1977; ANDRADE, 1994).
O desmatamento das reas de fcil acesso da Mata Atlntica, a construo de
engenhos, de estradas e de cidades porturias, a introduo de animais domsticos, a
concentrao fundiria e a formao de uma sociedade patriarcal, com uma diviso de
classe baseada em distines econmicas e tnicas, foram algumas das transformaes
promovidas pelo processo inicial da cultura da cana-de-acar (ANDRADE, 1994), que se
tornou a primeira atividade econmica desenvolvida e partcipe do processo de formao e
consolidao socioeconmica e cultural do pas (HOLANDA, 1977; SZMRECECSNYI,
1979; ANDRADE, 1994; FURTADO, 2003).
Durante os dois sculos aps o descobrimento no houve grandes transformaes
tecnolgicas, perodo no qual se cultivava uma mesma variedade de cana, chamada de
crioula. (ANDRADE, 1994; PRADO JNIOR, 2006).
As plantaes se deram durante todo este perodo por mtodos rudimentares. As
tcnicas utilizadas no Brasil quando comparadas com as utilizadas na Europa
representavam um retrocesso, em muitos casos, milenar (HOLANDA, 1977). Como
exemplo, pode-se destacar o escasso emprego do arado, o carter itinerante da atividade e
a utilizao das queimadas para o desbravamento das terras.
Holanda (1977) destaca, todavia, que no somente a inrcia e a passividade dos
colonos representaram um obstculo implantao de mtodos mais modernos, mas
tambm a dificuldade que a vegetao tropical apresentava para a utilizao de algumas
tcnicas, dificuldade que s seria superada com um empenho paciente e sistemtico.
A economia aucareira brasileira manteve-se com xito durante os sculos XVI e
primeira metade do sculo XVII. A partir da segunda metade do sculo XVII, as exportaes
atingiram apenas cinqenta por cento do volume alcanado em 1650 e tm os preos
reduzidos pela metade. Naquele perodo, o contexto poltico-econmico em que nasceu e
progrediu a produo de cana-de-acar foi profundamente alterado. A mudana foi
conseqncia da guerra promovida pela Holanda contra a Espanha, perodo no qual
Portugal havia sido absorvido por essa ltima (OHLWEILER, 1986; FURTADO, 2003).
26
A luta pelo controle do acar brasileiro tornou-se uma das razes da guerra
promovida pela Holanda, uma vez que os holandeses no pretendiam renunciar parte
lucrativa que tinham no negcio, cujo xito se devia em grande parte aos seus investimentos
(OHLWEILER, 1986; FURTADO, 2003).
Para a economia brasileira, as conseqncias da ruptura do sistema de cooperao
entre Portugal e Holanda foram muito mais expressivas e duradouras do que a guerra em si
mesmo. O rompimento da identidade de interesses entre os dois pases culminou na perda
do monoplio brasileiro da produo aucareira. Inicialmente, o impacto se deu pela
impraticvel distribuio do acar sem a cooperao dos comerciantes holandeses que
controlavam o comrcio martimo europeu. Mas foi com o advento da produo de cana-de-
acar nas Antilhas, impulsionada pela Holanda, que a crise aucareira se agravou e se
perpetuou. Durante a guerra, a Holanda instalou-se no Brasil, especialmente na capitania de
Pernambuco (FURTADO, 2003).
A colonizao holandesa marcou profundamente os aspectos sociais, econmicos e
culturais da regio (HOLANDA, 1977). Vale destacar, dentre outros, a mudana da lgica de
sobreposio do domnio do rural pelo urbano, ocorrida em Pernambuco, o que tornou esse
estado um centro urbano densamente povoado.
Durante o perodo em que estiveram no Brasil, os holandeses absorveram os
aspectos tcnicos e organizacionais da produo, criando a base para a implantao e
desenvolvimento da produo de acar nas Antilhas (OHLWEILER, 1986; FURTADO,
2003).
De acordo com Holanda (1977 p. 32), o esprito de empreendimento metdico e
coordenado, em capacidade de trabalho e em coeso social apresentado pelos
holandeses, diferentemente dos povos de herana ibrica, foi preponderante para a
empreitada.
Assim, em menos de dez anos aps a expulso dos holandeses do Brasil, operava
nas Antilhas uma economia aucareira de considervel proporo, com equipamentos
novos e com uma favorvel posio geogrfica (FURTADO, 2003).
Ao recuperar a independncia, perdido o comrcio oriental e desorganizado o
mercado do acar, Portugal no dispunha de meios para defender o que lhe sobrara da
colnia num perodo cada vez mais imperialista. Foi assim que Portugal compreendeu a
impraticabilidade da neutralidade perante as grandes potncias da poca e, no intuito de
sobreviver como metrpole colonial, aliou-se Inglaterra (OHLWEILER, 1986; FURTADO,
2003).
A aliana entre Portugal e Inglaterra, estruturada pelos acordos de 1642, 1654 e
1661, marcaria substancialmente a poltica e a economia de Portugal e do Brasil, nos dois
sculos seguintes (FURTADO, 2003).
27
Os acordos possibilitaram que Portugal, apesar de empobrecido, mantivesse sua
soberania e o controle da colnia brasileira na segunda metade do sculo XVII, como
tambm recuperasse sua economia no sculo XVIII. Em contrapartida, os privilgios
concedidos aos comerciantes ingleses perpassavam pela extensa jurisdio extraterritorial,
liberdade de comrcio com as colnias e controle sobre as tarifas de mercadorias
importadas da Inglaterra. Ou seja, "Portugal fazia concesses econmicas e a Inglaterra
pagava com promessas e garantias polticas" (FURTADO, 2003 p. 39).
A garantia de sobrevivncia fornecida pela Inglaterra no solucionava o problema
econmico decorrente da desorganizao do mercado do acar. No incio do sculo XVIII,
o desenvolvimento da produo de ouro no Brasil apenas modificou os termos do problema.
O acordo celebrado com a Inglaterra, em 1703, significou para Portugal a renncia ao
desenvolvimento manufatureiro e a transferncia do impulso dinmico da produo de ouro
para a Inglaterra. Foi, entretanto, por meio desse acordo que Portugal conservou sua
posio poltica e consolidou definitivamente o territrio de sua colnia (FURTADO, 2003).
Para Portugal, o ciclo do ouro, que teve sua decadncia iniciada no ltimo quartel do
sculo XVIII, proporcionou apenas uma aparncia de riqueza: ao Brasil, permitiu financiar
uma grande expanso demogrfica; e, Inglaterra, fortaleceu o desenvolvimento
manufatureiro e a capacidade de importar, assim como aumentou a concentrao de
reservas. A acumulao de capitais foi determinante para que a Inglaterra se tornasse o
principal centro financeiro da Europa e o bero da revoluo industrial (FURTADO, 2003).
Para as manufaturas, produzidas em escalas cada vez maiores devido ao processo
de mecanizao, a abertura de novos grandes mercados era fundamental, o que veio a
estimular a eliminao das ataduras da era mercantilista e o abandono progressivo dos
princpios protecionistas. De acordo com Prado Jnior (2006 p. 124), o progresso do
capitalismo industrial voltar-se- assim contra todos os monoplios e a destruio completa
destes parece cada vez mais como condio necessria do seu desenvolvimento.
O final do sculo XVIII caracterizou-se como um perodo de progresso da agricultura
brasileira. As regies produtoras de cana-de-acar da Bahia e de Pernambuco, decadentes
desde o princpio do sculo, se renovaram. Outros focos da produo de cana-de-acar
iniciam-se no Rio de Janeiro e em So Paulo. No Maranho o progresso da agricultura se
deu com a produo de algodo, partcipe do surto do comrcio internacional algodoeiro
(PRADO JNIOR, 2000).
No ano de 1808, o Governo portugus transferiu-se para o Brasil sob a proteo
inglesa. A independncia brasileira, em 1822, operou-se sem uma descontinuidade na
composio do governo. Sendo assim, os privilgios econmicos que a Inglaterra tinha
sobre Portugal passaram automaticamente para o Brasil. A Inglaterra, em posio
exponencialmente mais forte, articulou a independncia da colnia de forma a no perder os
privilgios obtidos na poca da colnia. Nessa perspectiva, o governo brasileiro, por meio do
28
tratado de 1827, reconheceu a Inglaterra como potncia privilegiada, mantendo limitada sua
independncia econmica (FURTADO, 2003).
Foram vrias as dificuldades econmicas criadas pelos privilgios concedidos
Inglaterra. Dentre outras, pode-se citar a escassez de recursos financeiros do Governo
Central, que reduzia sua capacidade de ao e criava focos de desagregao territorial, em
virtude do clima de insatisfao em praticamente todas as regies do pas (FURTADO,
2003).
Para os ingleses no era vantajoso abrir mercados aos produtos brasileiros que
competiam com os das Antilhas, em especial o acar. A progressiva suspenso da
importao de escravos africanos, imposta pela Inglaterra e impulsionada pelos interesses
antilhanos que viam na escravatura brasileira o principal fator de depresso do mercado do
acar, tambm vinha dificultando a produo agrcola no Brasil e tornou-se um dos fatores
de tenso entre o governo britnico e a classe dominante brasileira. Segundo o acordo
firmado com Inglaterra, o trfico negreiro deveria cessar no ano de 1830 (FURTADO, 2003).
A ascenso dos centros urbanos, precipitada pela vinda da Corte Portuguesa e
acelerada pela Independncia, assim como o declnio da produo agrcola para exportao
principiaram a perda do poder e da posio privilegiada perpetuada pela oligarquia rural
(HOLANDA, 1977) e pelo sistema patriarcal.
Ocupaes citadinas como a atividade poltica, a burocracia e as profisses liberais
passaram a apresentar singular valor e iniciou-se o deslocamento da centralidade dos
domnios rurais para os centros urbanos (HOLANDA, 1977).
No incio do sculo XIX, engenhos a vapor passaram a ser instalados e foi importada
a cana caiana, variedade originria da ilha de Taiti que chegou ao Brasil entre 1790 e
1803, e cujo rendimento era superior ao da crioula. Entretanto, o mercado do acar
tornava-se cada vez menos prspero. A produo do acar de beterraba, que teve seu
cultivo iniciado no continente europeu durante as guerras napolenicas, ganhou tradicionais
mercados; as colnias antilhanas permaneceram abastecendo o mercado ingls; e Cuba se
constituiu como principal supridor do mercado norte-americano (FURTADO, 2003; PRADO
JNIOR, 2000; 2006).
Em suma, a produo de acar passou no apenas por grandes momentos de
apogeu, especialmente no fim do sculo XVI e no comeo do sculo XVII, como tambm por
grandes crises. Essas crises ocorreram com a entrada no mercado europeu da produo de
cana-de-acar das Antilhas, na segunda metade do sculo XVII, e com a concorrncia do
acar cubano e do acar de beterraba, produzida na Europa, no sculo XIX, momento em
que a produo do acar no Brasil tornou-se extremamente difcil.
A situao se agravou no s pela concorrncia e pelo alto custo da produo, mas
tambm pela desvantagem da posio geogrfica do Brasil e, sobretudo, pela m qualidade
do produto, em conseqncia do baixo nvel tcnico da produo. Assim, a participao do
29
produto brasileiro no comrcio internacional do acar declina a quantidades nfimas,
situao que se prolongaria at a Segunda Guerra Mundial (ANDRADE, 1994; PRADO
JNIOR, 2006).
O Governo Imperial, no intuito de estimular a produo de acar de qualidade
competitiva, financiou a implantao de modernas fbricas, chamadas de engenhos
centrais, concedendo sua explorao a empresas nacionais e estrangeiras. O primeiro
engenho central foi instalado no estado do Rio de Janeiro e comeou a funcionar em 1877.
Muitas foram as concesses e instalaes de engenhos centrais ocorridas at 1889. O
engenho central no podia possuir terras nem cultiv-las, podendo, apenas, tratar as canas
compradas de fornecedores. No podia, tambm, utilizar mo-de-obra escrava.
Considerando que os fornecedores nem sempre cumpriam os contratos e os prazos
firmados, e que a indstria trabalhava com uma grande capacidade ociosa, a filosofia de se
separar as atividades agrcolas da industrial, que norteou a fundao dos engenhos
centrais, fracassou e os engenhos centrais passaram a enfrentar grandes dificuldades
(ANDRADE, 1994, p. 20).
Assim, considerando o declnio das exportaes, a exceo do caf, que nesse
perodo iniciava seu perodo de ascenso, no s a exportao do acar se encontrava em
declnio, como de todos os demais produtos da pauta de exportao brasileira. No contexto
da primeira metade do sculo XIX, em funo das dificuldades decorrentes dos privilgios
concedidos Inglaterra, a probabilidade de que as exportaes tradicionais brasileiras
voltassem a se tornar expressivas eram remotas. Todavia, foi a partir de ento que o caf
surgiu como potencial fonte de riqueza do pas, firmando-se como produto para exportao
j na dcada de 1830 (FURTADO, 2003).
Na primeira dcada aps a independncia, a produo de caf j representava
dezoito por cento das exportaes do Brasil, apresentando-se em terceiro lugar, atrs
apenas do acar e do algodo (FURTADO, 2003). O acar, apesar das crises,
permaneceu como principal produto de exportao agrcola do pas at a segunda metade
do sculo XIX, quando se firmou, definitivamente o ciclo do caf (SZMRECSANYI, 1979).
Foi a partir da dcada de 1840, medida que o caf aumentava sua importncia
dentro da economia brasileira, que o pas passou definitivamente a consolidar-se. Alm de
os Estados Unidos passarem, naquele perodo, a se configurar como o principal mercado
importador de caf do Brasil, a ideologia de solidariedade entre as Amricas contribuiu para
a resistncia brasileira forte presso do governo ingls para dar continuidade ao disposto
no tratado iniciado em 1827 e expirado em 1842 (FURTADO, 2003).
A alta dos preos do produto, motivada pela desorganizao da produo de caf no
Haiti, ento colnia francesa, foi outro fator preponderante para a expanso da produo e
exportao do caf brasileiro (FURTADO, 2003).
30
Abria-se assim, segundo Furtado (2003), o caminho para o aumento da tarifa e do
poder financeiro e de deciso do Governo Central. Contudo, apesar da passividade poltica
do perodo anterior j ter sido superada, a estrutura econmica do Brasil na primeira metade
do sculo XIX no se distanciava do que fora nos trs sculos anteriores. A decadncia das
lavouras tradicionais, como a cana-de-acar e o algodo, e a transferncia da regio de
concentrao econmica do Nordeste para o Centro-Sul, em especial, para o Rio de Janeiro
e So Paulo, foram os novos elementos daquele perodo (PRADO JNIOR, 2006).
De acordo com Furtado (2003), essa transferncia se deu principalmente pela
abundante mo-de-obra existente nessa regio, conseqncia da desagregao da
economia mineira, e pela proximidade do porto, o que permitia solucionar o problema do
transporte. Nesse sentido, a primeira fase da expanso cafeeira se realizou aproveitando os
recursos preexistentes e subutilizados.
Somente na segunda metade do sculo XIX, perodo de exponencial expanso
cafeeira, que as bases do sistema econmico so modificadas, constituindo-se em uma
etapa de transio econmica (FURTADO, 2003).
1.1.2 Desenvolvimento rural e modernizao da agricultura
A produo de caf se dava, em sua maioria, nos moldes tradicionais da lavoura
canavieira, de forma que tambm no apresentou progresso tcnico significativo, assim
como continuara com os mesmo processos que datavam do incio da colonizao [...]
realizara o processo brutal e primitivo das queimadas, para o problema do esgotamento do
solo outra soluo no se descobrira ainda que o abandono puro e simples (PRADO
JNIOR, 2006 p. 87).
Exigiam-se grandes extenses de terra e grandes capitais, como tambm se
mantiveram as mesmas caractersticas de organizao da produo e do trabalho escravo,
da concentrao de riqueza e dos objetivos de atender aos anseios do comrcio exterior
(HOLANDA, 1977; PRADO JNIOR, 2000; FREYRE, 2005).
Entretanto, comparando a economia aucareira, at a metade do sculo XIX, com a
cafeeira, a partir de 1850, essas se diferenciam substancialmente em trs aspectos.
O primeiro refere-se formao da classe dominante. Na economia aucareira, as
atividades comerciais eram monoplio de comerciantes de Portugal e Holanda. J na
economia cafeeira, a nova classe dirigente era formada por brasileiros que haviam adquirido
capital e experincia comercial.
De acordo com Prado Jnior (2006 p. 167), o caf deu origem, cronologicamente,
ltima das trs aristocracias do pas, depois dos senhores de engenho e dos grandes
mineradores, os fazendeiros de caf se tornaram a elite social brasileira.
31
Esse aspecto faz retomar a anlise a respeito da herana dos povos ibricos
realizada por Holanda. De acordo com esse autor, a falta de coeso em nossa vida social
no representa um fenmeno moderno (1977 p.5), uma vez que nos povos ibricos os
privilgios hereditrios, to presentes na maior parte das naes europias, nas quais se
perpetuou o feudalismo, no se fizeram influentes. A caracterstica fundamental para se
firmar o princpio das competies individuais nesses povos foi a possibilidade de
mobilidade social, ou seja, de qualquer indivduo ascender socialmente e tornar-se baro.
Com a autarquia do indivduo, eram precrias as idias de solidariedade e renunciava-se ao
bem maior (coletivo), formando-se uma classe privilegiada (HOLANDA, 1997).
O segundo aspecto diferenciador diz respeito interrelao das diferentes fases da
cadeia da produo. Na economia aucareira, a produo e a comercializao se davam de
forma isolada. Considerando que as decises eram tomadas em funo da fase comercial,
os homens que dirigiam a produo careciam de uma perspectiva de conjunto de toda a
cadeia, assim como no desenvolviam uma conscincia ntida de seus prprios interesses.
Na economia cafeeira, os interesses da produo e do comrcio eram entrelaados, o que
favorecia a compreenso e busca dos interesses prprios (FURTADO, 2003).
O terceiro aspecto est ligado utilizao da mo-de-obra. A partir da segunda
metade do sculo XIX, perodo no qual se processou a supresso do trfico negreiro, a
economia brasileira sofreu profundas transformaes. O pas reintegrou-se ao processo
expansionista do comrcio mundial, a economia cafeeira passou a se auto-financiar e
formou-se a classe dirigente da economia emergente, restando por resolver a questo da
mo-de-obra. Naquele perodo, segundo Furtado (2003), a oferta de mo-de-obra constitua-
se como a chave para a soluo dos problemas econmicos do pas.
Eliminada a imigrao africana, nica fonte considervel de mo-de-obra, a fora de
trabalho ficou constituda, na metade do sculo XIX, por no mais de dois milhes de
escravos. A situao foi agravada pela intensa procura por escravos para suprir as
plantaes de caf, o que estimulou o trfico interno, especialmente da regio Nordeste
para So Paulo; assim como pela alta taxa de mortalidade da populao escrava, resultante
do deficiente regime alimentar e da intensificao do trabalho induzida pela diminuio do
volume de escravos (PRADO JNIOR, 2006).
A partir da dcada de 1860 a dificuldade de obteno de mo-de-obra aprofundou-
se. Alm da melhora dos preos do caf fomentar a expanso da cultura, o intenso aumento
dos preos do algodo, provocado pela Guerra de Sucesso nos Estados Unidos, favoreceu
a expanso dessa cultura nos estados do Nordeste, o que, conseqentemente, restringiu o
trfico de escravos para as regies do sul (FURTADO, 2003).
A alternativa encontrada para solucionar o problema foi a imigrao de mo-de-obra
europia. Durante os primeiros anos desse processo o custo real da imigrao ficava a
cargo do imigrante. O Estado financiava a operao e os gastos eram hipotecados aos
32
colonos que, por meio de contratos, eram obrigados a permanecer na fazenda at o
pagamento total da dvida, cabendo ao fazendeiro todas as vantagens da produo.
O fazendeiro tornou-se, assim, praticamente a nica fonte de poder. As condies de
isolamento e de explorao impostas aos colonos, inclusive no que se refere ao
abastecimento para sua sobrevivncia, aumentavam constantemente suas dvidas. A reao
da Europa no tardou. Declarava-se que os colonos emigrados para as fazendas de caf no
Brasil eram submetidos a um sistema de escravido disfarada (FURTADO, 2003 p. 132).
Segundo Prado Jnior (2006) essa primeira tentativa de imigrao europia fracassou, o
que explicado por Holanda (1977 p. 46):
Como esperar transformaes profundas em pas onde eram mantidos os fundamentos tradicionais da situao que se pretendia ultrapassar? Enquanto perdurassem intactos e, apesar de tudo, poderosos, os padres econmicos e sociais herdados da era colonial e expressivos principalmente na grande lavoura servida pelo brao escravo, as transformaes mais ousadas teriam de ser superficiais.
De acordo com esse autor, a crise foi o desfecho normal de uma situao
rigorosamente insustentvel nascida da ambio de vestir um pas ainda preso economia
escravocrata e patriarcal, com trajes modernos de uma grande democracia burguesa,
apresentando-se como indcio eloqente da radical incompatibilidade entre as formas de
vida copiadas de naes socialmente mais avanadas (HOLANDA, 1977 p. 46-47). Furtado
(2003 p. 147) ao observar a abolio de uma perspectiva ampla, salienta:
verifica-se que a mesma constitui uma medida de carter mais poltico que econmico. A escravido tinha mais importncia como base de um sistema regional de poder que como forma de organizao da produo. Abolido o trabalho escravo, praticamente em nenhuma parte houve modificaes de real significao na forma de organizao da produo e mesmo na distribuio da renda.
Foi necessrio um conjunto de condies favorveis para que a imigrao de mo-
de-obra europia alcanasse um nvel mais elevado. A primeira alternativa baseou-se no
regime de parceria, em que era pago ao colono parte da renda obtida com a colheita, o que
tornava incerta a renda dos colonos. Dada a precria situao financeira dos mesmos, a
perda de uma colheita poderia acarretar a misria. Assim, essa alternativa no foi suficiente
para estimular o aumento da imigrao. No incio da dcada de 1870, foi introduzido um
sistema misto, no qual o colono tinha como garantia um salrio fixo anual, fruto de seu
trabalho na lavoura. No momento da colheita, esse era complementado por outro salrio
varivel, em funo do volume da produo. Essa segunda alternativa tambm no obteve
grandes xitos. Aos colonos, ainda se fazia obrigatria a indenizao dos gastos com a
viagem, o que suscitava o temor de que a liberdade futura ficaria comprometida (FURTADO,
2003).
Cogitara-se a possibilidade de ficar a cargo dos fazendeiros o pagamento dos gastos
com o transporte dos colonos, uma vez que eram os mais interessados na imigrao.
33
Entretanto, se essa alternativa fosse adotada somente os fazendeiros mais abastados
poderiam promover a imigrao. Outro ponto negativo seria a probabilidade de que
fazendeiros viessem a pagar o transporte de um imigrante que porventura serviria a outro
fazendeiro, tendo em vista que j no era obrigatria a permanncia dos colonos em uma
determinada fazenda (FURTADO, 2003).
A soluo se deu ainda na dcada de 1870, quando o Governo Imperial passou a se
responsabilizar pelos gastos com o transporte dos imigrantes destinados lavoura cafeeira.
Aos fazendeiros caberiam os gastos com os imigrantes durante o primeiro ano de trabalho,
como tambm a disponibilizao de terras em que os mesmos pudessem cultivar os
gneros necessrios sobrevivncia de sua famlia.
Vale destacar que essa dinmica marcou profundamente a agricultura brasileira, uma
vez que, at ento, a produo para subsistncia se dava basicamente dentro das grandes
propriedades monocultoras. Essa produo camponesa para subsistncia familiar, chamada
recentemente de agricultura familiar, apresenta-se historicamente como parte integrante e
necessria produo de alimentos no Brasil.
Segundo Ianni (1978 p. 132), baseado nas definies de Caio Prado Jnior e Juarez
Lopes, o campesinato se compe de trabalhadores e pequenos produtores autnomos que,
ocupando embora a terra a ttulos diferentes proprietrios, arrendatrios, parceiros [...]
exercem sua atividade por conta prpria. Ainda de acordo com esse autor, as unidades
camponesas so constitudas pelas exploraes de pequenos proprietrios, arrendatrios,
parceiros ou posseiros, voltados basicamente, com o trabalho familiar, para a sua
reproduo como camponeses e as atividades so na essncia de subsistncia,
vendendo-se no mercado os excedentes de produo de auto-consumo.
Salienta-se que nas ltimas dcadas do sculo XX a questo da agricultura familiar
ganhou destaque e a literatura sobre o tema extremamente rica, dentre os estudos esto
Queiroz (1973; 1978), Amin e Vergopoulos (1977), Costa; Flexor; Santos (2008), Wanderley
(1996), Sabourin (2009).
Retomando a produo cafeeira, foi o conjunto de medidas e de condies
favorveis disponibilizadas pelo Governo Imperial que, pela primeira vez na histria
brasileira, promoveu-se uma corrente imigratria de origem europia de grande escala. Foi
esta corrente que tornou possvel a expanso da lavoura cafeeira no estado de So Paulo
(FURTADO, 2003).
A partir de ento, o nmero de imigrantes europeus dirigidos para aquele estado
cresceu exponencialmente, passando de treze mil, em 1870, para 184 mil em 1880, e
chegando a 609 mil na ltima dcada do sculo (FURTADO, 2003). Entretanto, conforme
aponta Prado Jnior (2006), foram vrias as dificuldades de adaptao e de manuteno
dos colonos europeus nas propriedades.
34
Alm da corrente migratria de origem europia para a regio produtora de caf, um
grande movimento da populao e de trabalhadores assalariados se deu da regio
nordestina para a amaznica. Esse movimento migratrio pode ser explicado pelo
substancial reservatrio de mo-de-obra nordestina, que se tornou excedente disponvel
aps a grande imigrao europia para a lavoura de caf, e passou a ser utilizado para a
produo da borracha que, a partir da dcada de 1860, registrou um significativo aumento
de preo no mercado internacional. A borracha, segundo Furtado (2003), tornou-se, nos fins
do sculo XIX e comeo do sculo XX, a matria-prima de maior procura do mercado
mundial, em virtude da eminncia da indstria de veculos terrestres.
Cabe salientar que as especiarias extradas da floresta sempre foram a base da
economia amaznica. O cacau manteve-se com destaque, todavia sem que alcanasse
grande significao econmica. O algodo e o arroz tambm ensaiaram prosperidade na
regio durante as guerras napolenicas, entretanto, tambm no foram significativas para o
Pas. O desenvolvimento das extraes ou produo agrcola deparava-se sempre com o
problema de mo-de-obra, especialmente pela pequena populao existente na Amaznia e
pela dificuldade de se organizar a produo utilizando como mo-de-obra a populao
indgena local. Esse tambm foi o caso da produo de borracha (FURTADO, 2003).
A possibilidade de aumentar a produo extrativista da borracha na Amaznia para
atender a crescente procura mundial no era muito grande. O estoque de rvores, que
produziam a matria-prima, concentrava-se na Bacia Amaznica, tornando difcil a sua
extrao. Apesar de demonstrada a possibilidade de as plantas se adaptarem a outras
regies de clima semelhante, os problemas se acentuavam. Havia dificuldade de suprimento
da mo-de-obra em outras localidades e de recursos para financiar o seu longo perodo de
gestao. Assim, a borracha brasileira foi substituda pela borracha oriental, que se
apresentou de forma regular no mercado, depois da Primeira Guerra Mundial (FURTADO,
2003).
Na ltima dcada do sculo XIX foi criada uma situao extremamente favorvel
cultura cafeeira brasileira. Isto se deu no s pela soluo do problema de mo-de-obra,
mas, sobretudo, pela diminuio da concorrncia internacional com a queda da produo
asitica, o que possibilitou ao caf brasileiro controlar praticamente toda a oferta mundial.
Considerando a vantagem da ento exportao do caf, a maior parte dos capitais formados
no pas voltava-se para a sua produo.
A produo brasileira de caf em 1880/81 foi de 3,7 milhes de sacas, passando
para 5,5 em 1890/91, chegando a 16,3 milhes em 1901/02 (FURTADO, 2003). Segundo
Prado Jnior (2006), com o sucesso das exportaes de caf diminuram os investimentos
em outras atividades. Conseqentemente, a produo de gneros de consumo interno caiu
e eles se tornaram cada vez mais insuficientes para suprir as necessidades do pas,
tornando-se obrigatria a importao de muitos produtos, inclusive de gneros alimentcios,
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que chegaram a compor cerca de trinta por cento das importaes brasileiras. Essa situao
apresentou uma realidade contraditria: o Brasil, um pas exclusivamente agrcola,
necessitou importar grande parte dos produtos que compunham a cesta bsica de sua
populao.
Outro problema levantado por Prado Jnior (2006 p. 211) a vulnerabilidade
histrica das produes brasileiras destinadas exportao, segundo o qual,
a concentrao cada vez maior das atividades na produo de uns poucos gneros exportveis, e a estruturao de toda a vida do pas sobre a base to precria e dependente das reaes longnquas de mercados internacionais fora do seu alcance, tornavam aquele sistema essencialmente frgil e vulnervel. E, paradoxalmente, cada passo no sentindo de ampli-lo mais o comprometia porque o tornava mais dependente.
Em outras palavras, as produes continuam at o esgotamento final ou dos
recursos naturais disponveis, ou da conjuntura econmica favorvel. Depois abandona-se
tudo em demanda de outras empresas, outras terras, novas perspectivas. O que fica atrs
so restos, farrapos de uma pequena parcela de humanidade em decomposio (PRADO
JNIOR, 2000 p. 126-127).
Considerando o substancial aumento de produtores de caf, que visavam aproveitar
das vantagens que o produto apresentava poca, sem que houvesse um significativo
crescimento da procura pelo produto, sucessivas crises de superproduo foram
desencadeadas (FURTADO, 2003; PRADO JNIOR, 2006). A primeira, j nos primeiros
anos do sculo XX, foi aparentemente solucionada pela reteno de parte da produo,
contrariando artificialmente a oferta. Os estoques serviriam para momentos de maior oferta,
de preos mais altos ou, ainda, para cobrir as possveis ms colheitas. Entretanto, com a
crise prolongada nos Estados Unidos, iniciada em 1893, os preos mantiveram-se em
declnio (FURTADO, 2003).
A soluo por meio do controle da oferta tornou-se insuficiente. Os estoques que se
avolumavam ano aps ano fortaleceram a depreciao dos preos e perda de renda para os
produtores e para o pas. Firmou-se ento um convnio, em 1906, que tinha como objetivo
colocar em prtica uma poltica de valorizao do caf. No intuito de restabelecer o
equilbrio entre a oferta e a procura, caberia aos estados comprar os excedentes, assim
como desencorajar a expanso das plantaes.
O servio dar-se-ia por meio de emprstimos estrangeiros, que seriam cobertos por
um novo imposto cobrado sobre cada saca exportada. O plano foi bem sucedido no que se
refere primeira meta. Mantendo-se estveis os preos, mantiveram-se tambm os lucros
dos empresrios do caf. No havendo outra atividade no Brasil to lucrativa, os lucros
foram reinvestidos na prpria produo de caf, de forma que a segunda meta no foi
36
alcanada. A soluo para a superproduo foi, dessa forma, apenas adiada, o que tornaria
o problema cada vez mais grave (FURTADO, 2003).
O mecanismo de defesa da economia cafeeira, apesar das falhas, manteve-se at o
final da segunda dcada do sculo XX. Foi a partir da crise mundial, deflagrada em 1929,
que a sua extrema vulnerabilidade foi evidenciada. Em poucos meses, as reservas
adquiridas por meio dos emprstimos externos foram absorvidas pelos capitais em fuga do
Pas. Para Furtado (2003 p. 195)
A grande acumulao de estoques de 1929, a rpida liquidao das reservas metlicas brasileiras e as precrias perspectivas de financiamento das grandes safras previstas para o futuro aceleraram a queda do preo internacional do caf iniciada conjuntamente com a de todos os produtos primrios em fins de 1929.
O problema ganhava grandes propores medida que o preo do caf caa em
ritmo acelerado. Apesar de o consumo de caf no ter apresentado baixa durante o perodo
de depresso nos pases de maiores rendas, manteve-se a queda nos preos durante a
dcada de 1930. Para Furtado (2003), ficou evidente que o preo do caf foi condicionado,
sobretudo, pelos fatores relativos oferta, apresentando-se de forma secundria os fatores
referentes procura.
A depreciao dos preos do caf e as perdas das reservas acarretaram a queda do
valor externo da moeda e a conseqente alta da taxa cambial. Esse fato representou a
diminuio da probabilidade de perda de rendas para a economia cafeeira, uma vez que, a
partir de ento, as perdas poderiam ser transferidas para a coletividade por meio da alta dos
preos das importaes. A queda do valor da moeda atenuou a baixa do preo internacional
e permitiu a continuidade da cafeicultura. Isso provocou nova baixa nos preos e nova
diminuio do valor da moeda, o que agravou a situao. Percebeu-se, ento, que o
mecanismo do cmbio, como instrumento de defesa, era insuficiente considerando a
gravidade da crise (FURTADO, 2003; PRADO JNIOR 2006).
A partir de 1934, a recuperao da crise j se fazia ntida nos pases industrializados.
Todavia, o preo do caf, induzido pela permanente oferta, mostrou-se indiferente e
atravessou a dcada de trinta em declnio. Foi, a partir de ento, que o preo do acar
ascendeu, subindo 140%, entre os anos de 1933 a 1937 (FURTADO, 2003).
J na ltima dcada do sculo XIX a produo de acar ocupava o terceiro lugar na
pauta da exportao brasileira, ficando atrs do caf e da borracha. Durante a Primeira
Guerra Mundial, a exportao de acar voltou a crescer, alcanando em 1921 o segundo
lugar na pauta da exportao nacional, ainda que muito distanciada do caf (FARINHA e
SYLBERSZTAJN, 1998).
As tendncias de aumento dos preos do acar, a partir do final dos anos 1930,
fomentaram a expanso da produo de cana-de-acar para reas antes cultivadas com o
caf, levando muitos cafeicultores a cultivar a cana-de-acar (BACKES, 2008). Vrios
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foram os empresrios cafeeiros seduzidos pelo aumento no preo do acar; contudo,
muitos ainda mantinham-se vinculados economia cafeeira, o que ocasionou conflitos entre
os produtores. O processo levou o Governo Federal a intervir na economia do setor
(ANDRADE, 1994).
Com a situao cambial agravada e, em especial, com a forte baixa do poder
aquisitivo da moeda brasileira, as importaes tornaram-se praticamente inviveis.
Considerando a manuteno da renda dos assalariados, como tambm os lucros mantidos
aos produtores, a renda que deveria ser destinada s importaes ficou represada no pas.
A procura interna de produtos passou a se dar com maior intensidade que a externa. Foi
dessa maneira que o setor econmico ligado ao mercado interno passou a ser
preponderante no processo de formao de capital do pas (FURTADO, 2003).
Apesar da depresso mundial, da crise de oferta e do declnio dos preos, a
produo cafeeira manteve-se crescendo, o que permitiu a manuteno do nvel de
emprego na economia exportadora e, indiretamente, evitou que a renda monetria se
contrasse. Em outras palavras, a poltica de defesa do setor cafeeiro nos anos da grande
depresso concretiza-se num verdadeiro programa de fomento da renda nacional
(FURTADO, 2003 p. 200).
Esse perodo tornou-se um marco na economia brasileira que, pela primeira vez em
sua histria, teve o seu foco redirecionado, de uma economia baseada na exportao e
dependente da dinmica do comrcio exterior, para o mercado interno, criando capacidade
produtiva para substituir produtos anteriormente importados. Para Prado Jnior (2006 p. 23),
o Brasil foi constitudo para
fornecer acar, tabaco, alguns outros gneros; mais tarde, ouro e diamante; depois algodo, e em seguida caf, para o comrcio europeu. Nada mais que isto. com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do pas e sem ateno a consideraes que no fossem o interesse daquele comrcio, que se organizaro a sociedade e a economia brasileira. Tudo se dispor naquele sentido: a estrutura social, bem como as atividades do pas.
Em outras palavras, a grave crise cafeeira conduziu ao progresso de uma nova
economia, propriamente nacional, voltada para o pas e para as necessidades prprias de
sua populao (PRADO JNIOR, 2006).
Esse fato explica a restaurao do crescimento da renda nacional j em 1933. A
produo industrial no s superou com rapidez os efeitos da crise, como cresceu
impulsionada por maiores lucros e pela atrao de novos capitais, que haviam se formado
ou, ainda, de capitais que vinham se desvinculando do setor de exportao (FURTADO,
2003).
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O processo da industrializao brasileira iniciou-se concomitantemente em quase
todas as regies. As primeiras manufaturas txteis modernas foram instaladas no Nordeste
em 1844. Todavia, aps a primeira etapa, especialmente durante a Primeira Guerra Mundial,
perodo da primeira fase de acelerao industrial, o processo de industrializao tendeu-se
a se concentrar na regio Sudeste.
A participao do Nordeste no produto industrial passou a ser decrescente nos anos
que se seguiram, chegando a representar 9,6% no ano de 1955. No mesmo perodo, a
participao de So Paulo era de 45,3%. De acordo com Prado Jnior (2006), a
concentrao industrial em So Paulo foi decorrente de inmeros fatores favorveis que l
existiam, destacando-se o progresso geral do estado,
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