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A EVOLUÇÃO HISTÓRICA, O SÍTIO URBANO E AS ÁREAS DE RISCO DE INUNDAÇÕES EM FORTALEZA-CE.
Mario Rodrigues Pinto de Sousa Filho, Universidade Federal do Ceará, [email protected] Maria Elisa Zanella, Universidade Federal do Ceará, [email protected] Gledson Bezerra Magalhães, Universidade Federal do Ceará, [email protected] Resumo: Fortaleza, localizada nas coordenadas 38º 32' 35" W e 3º 43' 02" S, com uma população de 2.431.415, IBGE (2007), passa por vários problemas devido ao uso e ocupação do solo de forma desordenada. Um dos principais deles refere-se às inundações urbanas, que ocorrem principalmente quando da ocorrência de eventos pluviais concentrados ou quando o período da quadra chuvosa é intenso. Como em todas as grandes cidades brasileiras, Fortaleza tem enfrentado inundações, principalmente nas áreas de risco juntos aos principais rios que drenam a cidade. Assim, este estudo analisa a evolução urbana da cidade de Fortaleza, bem como o sítio urbano, objetivando entender como as planícies fluviais foram ocupadas pela população nas últimas décadas, transformando-as em áreas de risco, além de caracterizá-las. Para entender a evolução urbana da cidade, foram utilizados autores como: Costa (1999 e 2005), Dantas (2003) Moura (2008) e Sousa (1978), bem como mapas do Plano Diretor de Fortaleza. O mapeamento da drenagem da cidade, áreas suscetíveis à inundação, deslizamentos e soterramentos, além dos mapas das áreas de risco, foram adaptados do PDDU de Fortaleza de acordo com Costa et al (2008). No tocante à caracterização do sítio urbano, foram utilizados Moura (2008), Moura Fé (2007) e Ribeiro et al. (2006) entre outros. Para outras informações (população, número de migrantes e favelas), foram utilizados dados do IBGE e do IPECE. Assim, essa ocupação desordenada ampliou cada vez mais a ocupação de áreas sujeitas à inundações, principalmente a planície fluvial do Rio Maranguapinho, que é um dos locais mais problemáticos da cidade, ocasionando doenças, perdas materiais e até mortes por ocasião do período chuvoso, pois, tais populações que habitam essas áreas, não estão preparadas para enfrentar os problemas decorrentes das chuvas concentradas, dada a maior vulnerabilidade que apresentam. Palavras chave: evolução urbana, caracterização, áreas de risco. Abstract: Fortaleza, located at coordinates 38 ° 32 '35 "W and 3 º 43' 02" S, with a population of 2,431,415, IBGE (2007), passes by several problems due to the use and occupation of the land so disorganized. A major one relates to urban flooding, which occur especially when the occurrence of concentrated rain events or when the rainy period is intense. As in all major Brazilian cities, Fortaleza has faced floods, mainly in the areas of risk attached to the main rivers that drain the city. Thus, this study examines the urban development of the city of Fortaleza, and the urban site, to understand how the river plains were occupied by the population in recent decades, turning them into areas of risk, and characterized them. To understand the evolution of urban city, were used as authors: Costa (1999 and 2005), Dantas (2003) Moura (2008) and Sousa (1978), as well as maps of the Master Plan of Fortaleza. The mapping of the drainage of the city, areas susceptible to flooding, landslides and burying, and the maps of the areas of risk, have been adapted for the Fortaleza PDDU according to Costa et al (2008). Regarding the characterization of the urban site were used Moura (2008), Moura Fé (2007) and Ribeiro et al. (2006) among others. For further information (population, number of migrants and slums), we used data from the IBGE and the IPECE. Thus, the occupation expanded increasingly chaotic occupation of the areas subject to flooding, mainly the fluvial plain of the River Maranguapinho, which is one of the most problematic of the city, causing illness, loss of property and even death during the rainy season because such populations that inhabit these areas are not prepared to face the problems arising from the concentrated rainfall, given the vulnerability they present. Keywords: urban development, characterization, areas of risk.
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INTRODUÇÃO Fortaleza (capital do estado do Ceará e de coordenadas 3º 45’47”S e 38º
37’35”W) é uma metrópole que, assim como todas as outras, cresce desordenadamente.
Tal desorganização no crescimento da cidade tem contribuído para ampliar inúmeros
problemas como: violência, desemprego, falta de moradia, além de problemas
sócioambientais, a exemplo das inundações ou deslizamentos das áreas de risco. Estas
são de alta fragilidade ambiental, dado que a dinâmica geomorfológica ainda é intensa
(leito dos rios, faixas de praia e dunas, por exemplo), podendo estar sujeitos a danos
humanos e materiais. Assim, uma área de risco baseia-se numa área passível de ser
atingida por fenômenos ou processos naturais e/ou induzidos pelo homem que cause
efeitos adversos (danos físicos, materiais e patrimoniais).
Assim sendo, o estudo da expansão da cidade e do seu sítio urbano é de
fundamental importância para o entendimento dos problemas socioambientais que
ocorrem na cidade, em especial nas áreas de risco sujeitas a inundações periódicas.
Assim, é por meio da localização, mapeamento dessas áreas de maior fragilidade
ambiental e conscientização dos principais problemas enfrentados pela população que as
ocupam, que se pode contribuir com propostas para uma melhor qualidade de vida
dessas pessoas, além de diminuir a pressão sobre os recursos naturais. E é nessa
perspectiva que o trabalho será feito. Primeiramente se tratará da expansão urbana da
cidade de Fortaleza e da ocupando das atuais áreas de risco. Em seguida, saber quais são
as principais áreas de risco de Fortaleza, caracterizá-las, e identificar os principais
problemas causados pelos eventos naturais e finalmente, sugerir soluções para a
melhoria da qualidade de vida da população.
METODOLOGIA
Para o desenvolvimento desse estudo o referencial metodológico consta de:
- Levantamento bibliográfico entre obras e artigos publicados para analisar a
produção espacial e evolução urbana de Fortaleza, com base nos principais autores:
Costa et. al (2008), Costa (1999), Costa (2005), Dantas (2003), Moura (2008).
- Espacialização da evolução urbana e das áreas de risco de Fortaleza com base
no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) de Fortaleza, Moura (2008)
além de mapas confeccionados por outros autores. As características do sítio urbano
também serão consideradas.
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- Utilização de dados referentes à população com base no IBGE.
Primeiramente serão feitas algumas considerações sobre a expansão urbana da
cidade no sentido de compreender a instalação da população em áreas de risco, logo
após espacializá-las, caracterizá-las com bases nos mapas do plano diretor e outros
autores, e, por fim, abordar os principais problemas enfrentados pela população e
sugerir algumas soluções.
CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPANSÃO URBANA E O SÍTIO DE
FORTALEZA
Para compreender como a população ocupou os leitos dos rios de Fortaleza, é
necessário que se faça um recorte histórico desde a ascensão da cidade no cenário
estadual e nacional até os dias atuais. É preciso entender o processo de expansão da
cidade para se chegar aos locais ocupados desordenadamente.
A cidade de Fortaleza tem sua origem no início do século XVII (1612), no
Fortim de São Tiago no atual bairro Barra do Ceará. Fundado pelo português Pero
Coelho, tal forte servia apenas como função estratégico-militar na defesa do território
contra piratas estrangeiros. No mesmo ano (1612) o forte é substituído pelo Forte São
Sebastião por Martim Soares Moreno. Em 1649 os holandeses liderados por Matias
Beck invadem a região e estabelecem um forte denominado de Schoonenborch próximo
às margens do rio Pajeú. Assim, no entorno do forte Schoonenborch, surge um pequeno
núcleo e que vai dar origem à cidade de Fortaleza (COSTA, 2005).
Contudo, a cidade se manteve apenas com função administrativa e militar, pois
não fazia parte do ciclo econômico do século XVIII: a comercialização de carne seca
(charque). Outras cidades como Icó, Aracati, Sobral, Crato, Camocim e Acaraú,
dominavam a economia do estado nessa época. Fortaleza estava isolada e estagnada
durante o período colonial, sem ferrovias e estradas que a ligasse aos principais centros
da época.
Esse quadro irá mudar a partir da primeira metade do séc. XIX devido à
decadência da comercialização do charque e advento do algodão, em que Fortaleza
começa a se revelar para o comércio internacional.
Devido à Guerra da Secessão, os Estados Unidos entram em crise, causando o
não fornecimento de algodão para as indústrias têxteis inglesas. Assim, a produção de
algodão é intensificada na província, tendo Fortaleza como função de concentrar a
produção para a exportação. Isso gera uma ampliação de seu papel político e
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administrativo, além do comercial, em relação ao que foi até o século XVIII. Essa
ascensão tanto econômica, administrativa e política da cidade, faz com que a infra-
estrutura seja melhorada, como afirma Sousa (1978):
O progresso de Fortaleza foi acentuado a partir de 1866, com o estabelecimento de uma linha de navios diretamente para capital, e ao mesmo tempo que ocorriam melhorias das vias de comunicação com o interior cearense. Fator fundamental foi a implantação da estrada de ferro que partindo de Fortaleza atingia Sobral em 1882, Quixadá em 1891, Iguatu em 1910, Crateús em 1912 e o Crato em 1926, interagindo a maior parte do sertão à influencia da capital. Assim, a ampliação da função comercial da capital nessa época deve-se à expansão da cultura do algodão, nas serras e no sertão, e à implantação do sistema ferrviário. (p. 99).
Tal crescimento inicia um planejamento de organização da cidade, como o feito
por Adolfo Herbster (1875) em que as ruas são paralelas umas às outras em forma de
um tabuleiro de xadrez (figura 1):
Figura 1: planta feita por Adolfo Herbster em que as ruas são paralelas umas às outras em formato de xadrez. Fonte: PDDU Fortaleza 2009.
Como podemos observar na figura 1, no séc. XIX, Fortaleza tinha uma
arquitetura harmoniosa quando se trata da disposição e estrutura das ruas, mas, devido o
aumento do número de migrantes vindos do interior em busca de melhores
oportunidades de vida, a cidade cresceu (e cresce) desordenadamente.
Já na primeira metade do séc. XX Fortaleza começa a receber uma leva de
migrantes muito maior do que no fim do século anterior devido à problemas de terras no
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interior e às secas. Entre 1900 e 1920, a população aumenta em 62,2% ficando em torno
de 80 mil habitantes. Entre 1920 e 1940 há um aumento de 129,4% em que a população
de Fortaleza supera os 180 mil habitantes (IBGE 2006).
Nesse período a cidade já se dividia em alguns bairros como Jacarecanga,
Benfica, Alagadiço e Praia de Iracema. A figura 2 representa a cidade no final da
década de 1950.
Figura 2: mapa da cidade de Fortaleza após meados de 1950. Período de grande crescimento populacional. Fonte: PDDU Fortaleza 2006.
Esse grande número de pessoas começa a ocupar áreas próximas à ferrovias,
indústrias, zonas de praia e às margens dos rios (a partir de 1950). Tais moradores se
alojam em barracos e são principalmente migrantes vindos do interior, pois o mercado
não podia absorver toda essa mão de obra. Assim surgem as primeiras favelas na
capital. Na década de 1980, a cidade rompe a barreira de um milhão de habitantes
(1.307.611) de acordo com dados do IBGE (2006) aumentando ainda mais os problemas
sociais.
Dessa forma, é nesse período que iniciam os problemas relacionados às áreas de
risco, principalmente na margem dos rios principais que banham a cidade. A população
inicia a retirada da mata ciliar e passa a construir as suas moradias. Ocorre o aumento
do assoreamento nos canais e quando as chuvas apresentam totais mais representativos,
a população passa a ser submetidas a inundações cada vez mais freqüentes. Não só nas
áreas de risco acontecerão problemas, pois o uso e ocupação do solo,
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impermeabilizando a cidade, trará problemas em vários bairros da capital. Tais
problemas irão se intensificar na década de 90 e no início do século XXI, quando a
cidade ultrapassa a barreira dos dois milhões de habitantes (2.401.402) de acordo com
dados do IBGE 2006.
Na figura 3, podemos observar a configuração atual da cidade de Fortaleza.
Figura 3: configuração urbana entre 2000 (em amarelo) e 2005 (em rosa). Fonte: PDDU Fortaleza 2006.
Pode-se observar que a expansão urbana da cidade, em menos de dois séculos,
foi intensa. Isso vem ampliando os problemas já evidenciados há várias décadas como:
falta de hospitais e postos de saúde, falta de segurança, falta de moradia para as
populações mais carentes, falta de saneamento básico adequado e ocupação, cada vez
mais crescente, das áreas sujeitas a riscos de inundação.
Assim, Fortaleza atualmente se apresenta como uma cidade com vários locais
considerados de risco de inundação tendo em vista a ocupação feita por migrantes
vindos do interior do estado nas décadas de 50, 60, 70 e 80 intensificados pela migração
urbana-urbana que vem ocorrendo principalmente a partir da década de 90. Tais locais
considerados de risco pela Defesa Civil serão mostradas no próximo tópico abordado.
O estudo do sítio urbano da cidade é de fundamental importância para o
entendimento das inundações que ocorrem nas áreas de risco, já que, sua análise trata de
questões relacionadas ao comportamento climático, aos processos de infiltração e
escoamento das águas pluviais e fluviais, ao comportamento e disposição da rede de
drenagem, à importância da cobertura vegetal, dos solos e da ocupação dos solos nos
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processos de infiltração e escoamento superficial. Assim sendo, esses elementos que
fazem parte da natureza, já alterados pelo uso urbano, serão aqui tratados.
Para o entendimento das inundações que ocorrem em uma cidade, é importante
compreender o comportamento climático, mais especificamente o pluviométrico, da
região onde a mesma se encontra inserida.
A propósito da precipitação, merecem destaque os eventos pluviométricos
intensos e de curta duração, característicos de regiões tropicais, que, ao interagirem com
os demais elementos da paisagem, contribuem para agravar ou não a ocorrência das
inundações nas cidades. Portanto, para uma melhor compreensão do fato climático,
independentemente de seu grau de intervenção antropogênica, torna-se necessário,
inicialmente, o conhecimento da dinâmica atmosférica da região onde se insere o local
em análise.
No Estado do Ceará e no município em estudo, vários são os sistemas
atmosféricos que atuam no tempo e no clima, sendo o de maior importância a Zona de
Convergência Intertropical (ZCIT), responsável pelo estabelecimento da quadra
chuvosa. Ela atua de modo mais expressivo a partir de meados do verão e atinge sua
posição mais meridional no outono. No Hemisfério Sul chega a aproximadamente 2 à 5º
de latitude Sul, entre fevereiro a abril, ocasionando chuvas abundantes para toda a
região. Conforme mencionam Ferreira e Mello (2005), o deslocamento da ZCIT está
relacionado aos padrões de Temperatura da Superfície do Mar (TSM) sobre o Oceano
Atlântico Tropical. Quando as temperaturas estão mais elevadas no Atlântico Sul a
ZCIT se desloca para posições mais meridionais e se posiciona nas áreas onde as águas
encontram-se mais aquecidas. Em maio, a ZCIT inicia seu retorno em direção ao
Hemisfério Norte, quando então entra em declínio o período chuvoso.
Outros sistemas secundários se manifestam na região e são importantes na
produção de chuvas para o município. Os Vórtices Ciclônicos de Altos Níveis (VCAN)
atuam principalmente na pré-estação chuvosa e se estendem até março, com maior
intensidade nos meses de janeiro e fevereiro (GAN e KOUSKY, 1982). As Linhas de
Instabilidade geram chuvas principalmente em fevereiro e março, sendo que a
proximidade da ZCIT contribui para o incremento das mesmas. Os Processos
Convectivos de Meso-escala atuam no período chuvoso e ocorrem de forma isolada,
estando geralmente associados a dias de chuvas extremas. As Ondas de Leste provocam
chuvas principalmente nos meses de junho e julho. Além desses sistemas, as brisas
também podem influenciar na formação de chuvas na área costeira. Assim sendo, os
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maiores índices pluviométricos de Fortaleza ocorrem no primeiro semestre do ano
(fevereiro a maio), quando também se registram em muitas ocasiões, chuvas diárias
intensas, causadoras de alagamentos e inundações e muitos transtornos à população da
cidade, principalmente aquela localizada nas planícies fluviais.
Com relação às características da hidrografia, Fortaleza é banhada por três
bacias importantes, cujas nascentes de seus rios principais encontram-se localizadas no
próprio município ou em sua Região Metropolitana. São elas: Bacias do rio Cocó,
Maranguapinho e Bacia Vertente Marítima, esta última formada principalmente pelos
Riachos Jacarecanga, Pajeú e Maceió-Papicu que drenam áreas totalmente urbanizadas.
O município apresenta ainda, inúmeras lagoas, muitas das quais com ocupação urbana
em suas margens.
As bacias do rio Cocó e Maranguapinho, têm seus altos cursos localizados em
áreas de Maciços Residuais (vertentes úmidas das Serras da Aratanha e de
Maranguape), onde se desenvolvem solos relativamente espessos (Argissolos), que
sustentam uma cobertura vegetal do tipo arbórea (Mata Úmida e Mata Seca). Após
descerem as serras, os rios de referidas bacias adentram áreas aplainadas da Depressão
Sertaneja, onde os solos apresentam-se mais rasos, tendo-se como cobertura vegetal
dominante a caatinga arbórea, atualmente descaracterizada. Em seus médios e baixos
cursos drenam sobre os Tabuleiros Costeiros da Formação Barreiras, onde a presença de
Argissolos e Neossolos Quartzarênicos sustentam a Mata de Tabuleiro, hoje ocupada
pela urbanização. Finalmente drenam sobre a Planície litorânea, cujas formas são
representadas pelo Campo de Dunas e Praias, também ocupadas pelo uso urbano.
Em suas margens, principalmente em seus médios e baixos cursos, os rios
Maranguapinho e Cocó, desenvolvem extensas áreas planas que são submetidas a
inundações periódicas. Essas planícies, formadas por sedimentos fluviais e por solos
com presença acentuada de matéria orgânica (neossolos flúvicos), sustentam uma
cobertura vegetal ciliar, predominando em sua composição florística a carnaúba.
Atualmente, essas planícies encontram-se ocupadas pela população de baixa renda que,
por ocasião de eventos pluviométricos mais intensos, é submetida às adversidades desse
ambiente.
Nas desembocaduras dos rios, influenciados pelas marés, forma-se as planícies
flúvio-marinhas, cuja vegetação é caracterizada pelos mangues. Essas áreas também se
encontram ocupadas e a população que lá reside enfrenta os impactos causados pelas
inundações que ocorrem por ocasião do período chuvoso.
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É importante considerar, ainda, que a quase totalidade do solo do Município de
Fortaleza encontra-se impermeabilizada pela construção de casas, edifícios,
revestimento asfáltico etc, não permitindo a infiltração da água das chuvas. Isso facilita
um aumento significativo do escoamento das águas pluviais e a ocorrência de
inundações, principalmente onde a infra-estrutura de drenagem pluvial não tem
capacidade de escoar a quantidade de água produzida, ou onde ocorrem problemas de
outra ordem, tais como o entupimento de galerias, lixo, entre outros. Toda a cidade
enfrenta inúmeros problemas frente aos eventos pluviométricos extremos apesar dos
mais graves serem constatados às margens dos rios Maranguapinho e Cocó que foram
ocupadas pela população mais carente no processo de expansão da cidade.
ÁREAS DE RISCO DE FORTALEZA: MAPEAMENTO, CARACTERIZAÇÃO
E PROBLEMAS ENFRENTADOS.
Na cidade de Fortaleza existem vários pontos sujeitos a deslizamentos,
soterramentos e inundações, como se pode visualizar na figura 4:
Figura 4: Áreas sujeitas a inundações, deslizamentos e soterramentos. Fonte: COSTA et. al, 2008.
Tais locais são vulneráveis a eventos que causam danos à população por serem
ambientes em que a dinâmica geomorfológica ainda é intensa por sua formação mais
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recente, e inconsolidada, do período quaternário. Na parte leste da cidade, que se
estende desde a ponta do Mucuripe até a foz do rio Ceará, encontram-se campos de
dunas móveis e fixas, que foram ocupadas indevidamente e que por ocasião de anos
muito chuvosos são submetidas a desmoronamentos, deslizamentos e soterramentos de
moradias, (como ocorre no litoral leste, na Barra do Ceará). A faixa de praia está sujeita
ao avanço e recuo da maré, que em determinados períodos do ano, em virtude da
ocorrência da chamada “ressaca” do mar (em toda faixa litorânea de Fortaleza), causa
prejuízos a quem ocupa esses locais.
Já em relação às planícies fluviais e fluviomarinhas dos rios Cocó e
Maranguapinho, os problemas são marcadamente sérios. A ocupação por parte da
população é o que gera maiores preocupações, pois áreas consideráveis de mata ciliar e
manguezais são retiradas, ocasionando riscos cada vez maiores às populações lá
instaladas. Conforme aponta Costa et al (2008), essas áreas correspondem as de maior
vulnerabilidade social dentro do município de Fortaleza, sendo consideradas também as
de maior fragilidade ambiental, por se constituírem em áreas de risco. A figura 5 mostra
as áreas consideradas de risco dentro do município de Fortaleza.
Figura 5: áreas de risco de Fortaleza. Fonte: COSTA et. al, 2008.
Na figura 5, na porção oeste, acompanhando o rio Maranguapinho, toda a
planície do rio que corta a cidade é considerada de risco, tendo inúmeras favelas aí
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instaladas. Essa região é composta por moradores de vulnerabilidade social muito alta
(COSTA et al, 2008). De acordo com Guimarães (1993), se enquadram dentro da
vulnerabilidade “aquelas pessoas cujas condições sociais, culturais, étnicas, políticas,
econômicas, educacionais e de saúde apresentam-se com diferenças estabelecidas entre
elas e a sociedade na qual se inserem transformadas em desigualdade”. Como o
Maranguapinho, o rio Cocó também se apresenta nessa mesma condição, na porção Sul
e leste de Fortaleza.
Assim, durante o período chuvoso, os moradores enfrentam problemas de
inundação, principalmente quando ocorrem eventos pluviométricos mais intensos, como
o episódio do dia 29/01/2004 que atingiu 250 mm, e considerado o evento extremo
ocorrido para a série histórica de 1974-2006 e já analisado por Zanella (2006).
O evento do dia 29 foi causado pela combinação de um VCAN (Vórtice
Ciclônico de Altos Níveis), que já vinha atuando nos dias 27 e 28 (provocando chuvas
que acumularam mais de 100mm nesses dois dias), combinado com a atuação da Zona
de Convergência Intertropical. Somente em referido dia choveu 250mm, causando
vários problemas para os moradores dos leitos dos rios como perdas materiais, doenças
como a leptospirose , desabamento de barracos com pessoas desabrigadas e mortes.
Com relação aos casos de leptospirose, apenas para exemplificar, a tabela 2
registra os números de casos para os anos de 2004, 2005, 2006 e 2007. Há que se
destacar o mês de fevereiro de 2004 que apresentou um número mais elevado de casos
(9) em relação aos mesmos meses dos demais anos, muito provavelmente devido ao
episódio ocorrido no dia 29 de janeiro, onde inundações ocorreram em toda a cidade de
Fortaleza, principalmente nas áreas junto ao rio Maranguapinho e Cocó.
Ainda de acordo com a tabela, observa-se uma maior incidência da doença
principalmente na quadra chuvosa (fevereiro a maio), quando as precipitações, em
maior quantidade, geram inundações nas margens dos rios da cidade, os quais
concentram um grande numero de famílias, predominantemente de baixo poder
aquisitivo.
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Tabela 02 – Número de casos de leptospirose
ano/mês 2004 2005 2006 2007
Janeiro 1 3 2 5
Fevereiro 9 2 2 2
Março 9 1 8 15
Abril 8 3 8 10
Maio 2 3 19 6
Junho 4 5 10 1
Julho 7 4 0 1
Agosto 8 2 5 0
Setembro 2 1 1 1
Outubro 0 0 1 0
Novembro 0 0 1 0
Dezembro 1 0 2 0
TOTAL 51 24 59 41 Fonte: MAGALHÃES e ZANELLA (2008).
Para solucionar os problemas das inundações enfrentados pelos moradores que
ocupam os leitos dos rios, são feitas dragagens do leito, retirada do lixo e a construção
de canais, sendo apenas correções amenizadoras, pois a população ainda continua a
poluir o rio, assoreando-o, fazendo com haja um ciclo vicioso entre a limpeza do rio e a
sua poluição.
Outra saída para minimizar o problema nessas áreas é o remanejamento da
população para conjuntos habitacionais ou casas populares. Geralmente esse recurso
gera problemas, pois nem todas as pessoas concordam em sair do local em que
nasceram, cresceram e criaram vínculos afetivos, mesmo que enfrentem sérias situações
de risco e perigo.
Sendo assim, o problema é muito complexo e exige pessoas que procurem as
soluções necessárias para o melhor planejamento e gestão desses locais.
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CONCLUSÕES
O processo de uso e ocupação do solo de Fortaleza de forma desordenada, tanto
com a impermeabilização, quanto com a ocupação humana desordenada de locais
considerados impróprios, gera inúmeros problemas, principalmente no período chuvoso,
sendo as áreas de risco as mais afetadas. Doenças, perdas materiais e até de vidas (em
alguns casos) são cada vez mais freqüentes a cada ano, pois, a população lá instalada
pela sua vulnerabilidade social não é capaz de enfrentar os problemas decorrentes dos
episódios de chuvas mais intensas.
Dessa forma, a ocupação de locais em que a dinâmica geomorfológica ainda é
muito intensa (como a zona costeira), além da ocupação da planície fluvial
(principalmente dos rios Cocó e Maranguapinho), que no período chuvoso inunda as
moradias devido às enchentes, faz com que medidas sejam tomadas, tanto na questão da
remoção da atual população que já se instalou nas áreas de risco, como também, a
educação por parte da população que ainda não ocupou tais áreas. Lógico que o
remanejamento da população tem que ser de uma forma na qual a população fique em
um lugar digno, seguro e que tenha pelo menos as condições de uma moradia adequada.
Mas isso não se faz, à grosso modo, da noite para o dia, pois a questão do
remanejamento da população para outras áreas, é bastante complexo, pois, existe a
questão do apego ao local, a casa que foi construída de uma forma em que a pessoa se
sentisse à vontade, além das relações com a vizinhança e com os familiares que moram
próximos.
Existe ainda a questão de pessoas que são remanejadas, mas que vendem sua
moradia e voltam para o local de origem. Quanto à essa questão, exige-se uma
fiscalização maior, para que não seja mais ocupada tal local de risco, mas para isso, é
necessário dar todas as condições para que a população se sinta à vontade no novo local.
Educar a população, no que tange à proteção do ambiente físico, deve ser feita.
Isso poderá diminuir os níveis de ocupação das áreas de risco e consequentemente os
problemas enfrentados todos os anos, mas, essas medidas só surtirão efeito com o
empenho das autoridades e que podem amenizar os problemas das enchentes,
desmoronamentos, deslizamentos, além das perdas materiais e de vidas.
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