A Espiritualidade da Infância no Ministério Catequético de Jesus.
“Aquele que não receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele.
E abraçando-as, Jesus abençoou e impôs as mãos sobre elas”. Mc 10 13-16.
A Espiritualidade da Infância nos diversos âmbitos da vida eclesial
foi muitas vezes mal interpretada, mal compreendida e em consequência mal vivida. A Catequese partir da Mística da
Infância, fundamentada no ministério de Jesus, busca
resgatar antecedentes históricos para dar voz, vez e lugar à
criança na Espiritualidade Cristã, presença que ao longo do tempo foi sendo esquecida e perdendo
sua força.
Espiritualidade da Infância
A Espiritualidade Cristã sempre apresentou a pessoa de Jesus de Nazaré como um
homem adulto e maduro. Uma pessoa centrada e
completamente formada. A concepção sobre o universo
espiritual foi sempre registrada a partir do olhar do adulto, as crianças não
tinham o direito de interpretar, muito menos
registrar sua própria experiência de fé.
Esta concepção de Espiritualidade apreendida a partir da visão do mundo
dos adultos continua até hoje formando o conceito sobre a Espiritualidade da Infância. A criança não é
vista como agente construtora da sua própria
concepção de espiritualidade, não pode
discursar, defender ou discutir sobre si mesma e
sobre a sua própria experiência de Deus.
A Catequese Renovada busca apresentar a Espiritualidade
da Infância, concebida a partir do olhar, ouvir e sentir de
Jesus. É uma possibilidade de darmos às nossas crianças o
direito delas construírem sua história a partir da sua
própria experiência de Deus. Isso possibilitará que elas relatem suas experiências, situações, sentimentos e
sensações bem diferentes da perspectiva do mundo adulto.
A catequese deve ser um espaço onde a criança seja
contemplada, ouvida e sentida na sua inteireza.
Se esta premissa for respeitada, certamente ficaríamos surpresos ao
ouvirmos histórias agradáveis, sinceras, puras e engraçadas da concepção que as crianças têm sobre
as coisas espirituais.
Mas devemos também estar prontos e sempre
atentos para ouvirmos as histórias de suas vidas,
relatos de incompreensões, rejeições, sofrimentos e tristezas que é fruto da
injustiça, violência moral e física, e total desamparo que
grande número dessas crianças estão geralmente
expostas.
Todos nós nascemos bebês e mais tarde nos tornamos crianças, mas sabemos que
as etapas do nosso desenvolvimento não
acontece da mesma forma e de maneira linear para
todas as crianças. Diante dessa realidade, onde
encontramos uma diversidade de situações
nos perguntamos:
1. Como a Catequese através da Espiritualidade da Infância poderá resgatar valores humanos e experiências divinas na vida de nossas crianças?
2. Atualmente o que é ser criança e qual é o sentido da vida nessa fase tão efêmera da nossa constituição humana?
Ao longo da história da Espiritualidade Cristã, a
infância era somente uma etapa que devia ser superada,
um período específico pelo qual todos passam, mas
muitos se esquecem, que é nesta etapa, que se
sedimenta o fundamento da construção definitiva desse grande edifício que é o ser
humano. Nele encontramos a totalidade da constituição do ser humano na sua plenitude, isto é corpo, alma e espírito.
existência e essência. Ele não foi um Deus que nasceu adulto, mas foi um bebê que cresceu, se tornou criança, adolescente e um jovem que chegou a fase adulta.
A catequese ao trabalhar a Espiritualidade da Infância, busca apresentar às nossas crianças, a pessoa de Jesus de Nazaré no arco total da sua
A teologia por muito tempo focou sua atenção no mistério da Encarnação do Verbo, especialmente no nascimento de Jesus e na vida de seus pais, em seguida ela já se remete à vida pública
de Jesus. Sabemos também que a sagrada Escritura nos apresenta poucos elementos para podermos trabalhar este tema. Sendo assim a infância do Menino Jesus, através da
teologia e da catequese, não tinham muito para enriquecer a Espiritualidade da Infância.
A ideia que cercava este tema é de que era impossível conceber uma espiritualidade séria e engajada a partir de um Jesus
expresso no rosto de uma criança. Se hoje a catequese não se debruçar em conhecer e apresentar Jesus a partir da sua
infância e da sua condição de criança, ela estará em falta com a totalidade de Jesus de Nazaré; findamos por apresentar para
nossas crianças um Deus sem infância, e uma criança sem infância é um ser humano pela metade.
A lacuna que paira sobre este tema não é culpa da
ausência de relatos na sagrada Escritura; creio que ela nos oferece o
essencial e o suficiente para cavarmos esta mina
de ouro que é a Encarnação do Verbo,
Nascimento, Infância e a adolescência do Menino
Jesus.
Para se viver uma espiritualidade encarnada, somente era possível a partir do Cristo adulto, profeta e mártir. Muitos se esqueceram de que Jesus iniciou seu “rabinato mirim” aos doze anos de idade no Templo de Jerusalém, entre grandes doutores versados nas sagradas escrituras que “ouviam e interrogavam” o pequeno Menino e ficavam “extasiados com a sua inteligência e respostas”.Lc 2, 46-47.
Nesta nova perspectiva, a Espiritualidade da Infância começa a ter voz e vez na Igreja dos adultos, pois através de uma nova mentalidade pedagógica na transmissão do conteúdo da fé em nossa catequese, a Igreja se inclina para ver e ouvir o que a criança e o adolescente tem a dizer.
Com esta nova ótica lançada na pessoa de Jesus de Nazaré a partir da sua infância, podemos nos abrir à uma nova práxis de atuação pastoral na catequese, um novo caminho de santidade fundamentado na pequenez da criança.
Se a Igreja não voltar o seu rosto e a sua atenção para dialogar com a
infância, logo se tornará como uma velha encurvada sobre si mesma,
uma Igreja sem futuro e sem esperança.
Sem uma Espiritualidade que nasça da experiência da infância não
haverá a Igreja do amanhã. Disse o Papa João Paulo II na Carta às crianças no Ano da Família: “Jesus e a
sua Mãe escolhem frequentemente as crianças para lhes confiar tarefas grandes para a vida da Igreja e da
humanidade”.
A Espiritualidade da Infância aplicada a catequese é uma excelente via de conversão para a Igreja dos adultos,
principalmente para aqueles que Jesus chamou de “sábios e entendidos”, porque estes afastaram a verdade do amor e a
destituíram da alegria, da brincadeira, do sorriso que é próprio da criança. Lc 10, 21.
A sabedoria de Deus cria brincando, se diverte, é
feliz, é capaz de ser responsável sem perder a
ternura, é o que diz as palavras do homem
sábio: “Eu estava junto com ele como o mestre-de-obras, eu era o seu encanto todos os dias,
todo tempo brincava em sua presença, brincava na
superfície da terra e me alegrava com os homens”
Pr. 8, 30-31.
O Papa Bento XVI no documento sobre a Palavra de Deus disse que “o cristianismo é a religião da Palavra”, uma palavra encarnada, vivida e transubstanciada na vida do cristão.
Atualmente encontramos muitos que como os fariseus no tempo de Jesus, continuam trancafiando a espiritualidade nos livros de nossas estantes e bibliotecas. “O cristianismo não é a religião do livro”, para que somente os sábios e entendidos tenham acesso a verdade.
A Espiritualidade da Infância é um caminho evangélico sólido e seguro, fundamentado na Palavra de Deus:
“Rejeitando toda maldade, toda mentira, todas as formas de hipocrisia e de inveja e toda maledicência, desejai, como crianças recém-nascidas, o leite não adulterado da Palavra, a fim de que por ela cresçais para a salvação, já que provastes que o Senhor é bondoso” .
“Felizes os pobres no espírito, porque deles é o
Reino dos Céus”, esta não é uma espiritualidade da letra
e do conceito, mas uma espiritualidade encarnada na
vida dos pobres e simples, para todos que estão
sedentos de Deus.
A Espiritualidade da Infância é a riqueza de Deus concedida aos pobres na primeira bem-aventurança proclamada por Jesus:
Ela “traquinamente”, como fez o Menino Jesus em sua peregrinação à Jerusalém, foi “brincar com os homens sobre a face da terra”, foi correndo ao encontro dos corações simples e humildes, sinceros e retos.
A Espiritualidade da Infância é a sabedoria dos pequenos, ela nasceu, cresceu e amadureceu sem deixar a pureza, a beleza e a alegria da infância.
Assim como fez Jesus aos seus discípulos,
apresentando as crianças como modelo para se
entrar no Reino dos Céus, hoje Jesus se dirige a nós com as mesmas palavras:
“Se não vos converterdes e não vos tornardes como as crianças, não entrareis no
Reino dos Céus”.
A conversão é a capacidade de recuperar em nós a primado da graça do nosso batismo, é viver a bem-aventurança proclamada por Jesus que disse: “Felizes os puros de coração, porque verão
a Deus” . A vida afastada de Deus é uma vida sem graça, sem
alegria, por isso vivemos prostrados, tristes, cabisbaixos e
deprimidos. O mundo sofre e caminha sem destino, porque
perdeu o sentido da presença e da companhia do Deus da vida.
A Espiritualidade da Infância nos ensina que precisamos fazer uma conversão dos nossos pensamentos para podermos retornar ao caminho do Senhor, e para retomar o caminho certo, é necessário fazer uma mudança de sentido e direcionamento do nosso caminhar. Para isso devemos fazer uma conversão, pois teimosamente insistimos em nossos caminhos nos afastando da meta que é Jesus: “Caminho, Verdade e Vida”.
I
É necessário começar de novo, começar do zero, começar por um novo nascimento: “Quem não nascer de novo não pode
ver o reino de Deus” disse Jesus a Nicodemos. Atualmente a
nossa pergunta continua sendo a mesma de Nicodemos: “Como
podemos nascer de novo já sendo velhos?” . Como
podemos recuperar em nós o primado da graça e nascer de
novo?
A Espiritualidade da Infância nos lança para a maturidade da vida em Cristo a fim de atingirmos a estatura do homem perfeito. Ela possui dinâmica própria: renascimento, crescimento e maturação.
O renascimento é o momento em que a Espiritualidade da Infância nos atrai ao centro da alma, isto é, ao centro de nós mesmos, para a intimidade com o Senhor. Somos gerados no “útero” divino, ele nos faz nascer e renascer para uma nova criação.
O segundo momento, o crescimento, nos lança em
outro movimento, para fora do corpo de nós mesmos,
para o mundo; nos lança em missão, no compromisso
com a luta na defesa da vida e na instauração do projeto do Reino de Deus. Em Cristo
nós não nascemos para morrer. Em Cristo nos
tornamos eternos.
O terceiro momento é a maturação. O apóstolo Paulo também vai comparar os seus sentimentos com os sentimentos de uma mãe. Para Paulo, fundar uma comunidade é como a gerar um filho, ao qual ele chega dizer: ”Meus filhos, por quem sofro de novo as dores de parto, até que Cristo seja formado em vós”. Como uma mãe ele alimenta as comunidades na vida e doutrina da verdade de Cristo e chama atenção quanto a nossa responsabilidade para atingirmos a maturidade da vida cristã:
“Assim não seremos mais como crianças (imaturos), joguetes das ondas, agitadas por todo vento de doutrina, presos pelas artimanhas dos homens e pela astucia daqueles que nos conduzem ao erro. Mas, seguindo a verdade no amor, cresceremos em tudo em direção àquele que é a Cabeça, Cristo”
A catequese tem a capacidade de fazer crescer nossas crianças
“em estatura e graça” diante dos olhos do bom Deus, mas é a família, a Igreja doméstica, que tendo como exemplo e modelo a família de Nazaré deve preparar os filhos de
Deus, desde a mais tenra idade, para os enfrentamentos da vida humana e as exigências da vida
cristã.
A Espiritualidade da Infância quer antes de tudo, nos levar a um maior comprometimento com as crianças de nossas comunidades
eclesiais, principalmente para com as mais desvalidas do nosso país, onde escandalosamente lhes são
negados os direitos básicos da vida humana, isto é: a própria
existência, o direito a terem uma família, casa, lazer, estudo, direito
a cultura, a arte, em suma, a própria dignidade.
A Espiritualidade da Infância deseja primeiramente,
comprometer-se com as palavras do evangelho de Jesus Cristo que disse: “Deixai as crianças virem a
mim. Não as impeçais, pois delas é o Reino de Deus”, pois queremos
que todos tenham direito à promessa realizada pela
humanização do Verbo, o Filho de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo
que disse: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham com
abundância”
A espiritualidade da Infância é uma forma de inclusão das nossas crianças nas prioridades evangelizadoras de
nossas comunidades eclesiais, pois uma Igreja sem crianças é uma Igreja sem esperança, sem elas não há
revitalização da fé.
Sem a participação ativa da infância na liturgia das
nossas missas dominicais, na catequese, nas pastorais e
movimentos, a Igreja rapidamente se tornará
envelhecida. Diante do apelo de Jesus que disse: “Deixai virem a mim as crianças e não as impeçais”, vamos
cuidar do cristão do amanhã, elas são a Igreja do futuro.
II. Antecedentes históricos do contexto social, religioso e cultural Judaico.
O judaísmo não permite a prática do enjeitamento nem a morte de crianças recém-nascidas. Contudo, o pai judeu podia
vender ou penhorar suas crianças. A criança especialmente do sexo masculino era considerada como benção de Deus.
No que se refere à educação dos filhos e filhas, há sinais de muito rigor no judaísmo. É certamente extremado
o que consta na legislação deuteronômica sobre a punição de um filho rebelde: o apedrejamento até a
morte. No entanto, esta severidade dos pais se inspira num único mandamento
da Torá que determina a vida da criança e do jovem: “honra teu pai e a tua mãe”. A autoridade deles está logo abaixo da autoridade de Deus, e essa
autoridade é exercida na força do chicote.
(Dt. 21.18.21; Ex 20,12; Dt 5,16)
1. Situação social da Infância na época de Jesus.
A situação social da criança na época de Jesus não era das melhores, elas eram vítimas de um sistema patriarcal
fundamentado no poder e força da dominação, estavam sujeitas a autoridade dos pais e dos senhores aos quais eles
eram servos.
Na cultura judaica quando há contagem de pessoas, as
crianças são contabilizadas sempre junto com as
mulheres. Certamente Mateus não foi o único judeu que não
contou as mulheres e as crianças quando relatou a
multiplicação dos pães dizendo que Jesus alimentou
cinco mil homens “sem contar mulheres e crianças”.
Mt. 14.21.
Na época de Jesus, há reflexos de menosprezo pelas crianças.
Para um homem erudito, conversar ou ocupar-se com uma criança era considerado perda de
tempo. O evangelista Lucas, lança seu olhar sobre esta
problemática quando coloca o Menino Jesus no meio dos
doutores. Para Lucas as crianças tem algo a ensinar aos adultos. A partir da ação do Menino Jesus
no templo o evangelista nos ensina que devemos voltar nosso
olhar e ouvidos à infância.Lc 2, 46-50.
A fome era o maior problema da criança na sociedade judaico-palestinense do início da era cristã. A carência de alimentação da parte dos mais empobrecidos era
muito comum. A situação de miséria era extrema, ficava difícil aceitar o nascimento de uma criança como uma
benção de Deus como pedia a sagrada Escritura. A criança quando nascida era aceita, mas isto não quer
dizer que ela era bem vinda. Muitos nascimentos eram interpretados como um “fardo” para os pais. O
nascimento de mais uma criança significava que havia uma boca a mais para comer, era um “flagelo”, numa
sociedade em que os próprios pais não tinham como se alimentar.
Por causa dessa situação, as crianças tinham que muito cedo ajudar os pais no trabalho e assim contribuir para a
subsistência familiar. Esta situação fazia crescer a exploração dos
chamados servos diaristas e isto se estendia até as crianças. A miséria da
população da Palestina no início da era cristã era tanta que isso nos permite
deduzir que muitas crianças precederam seus pais na morte na luta contra a fome, já que em situação de extrema pobreza, as crianças são as
mais vulneráveis e sempre as primeiras vítimas.
Jesus encontrou as crianças de sua época numa situação de
exclusão e abandono. No mundo greco-romano,
imperava o desprezo e a violência sem limites contra as
crianças recém-nascidas, principalmente as do sexo feminino, como também a exploração impiedosa das
crianças que sobreviviam. No judaísmo Jesus também
encontrou crianças em situação semelhante.
Nas duas realidades socioculturais da época de Jesus (greco-romana), predominava péssimas condições
socioeconômicas da maioria da população. As crianças eram vítimas da miséria dos pais, que por sua vez
estava ligada a uma conjuntura política, econômica e religiosa de concentração do poder e renda nas mãos
de uma minoria, essa conjuntura de situações se desdobrava na exploração do trabalho servil; o
endividamento dos agricultores, o êxodo rural, a escravização, a fome, a mendicância e as doenças etc.
Falar de crianças nessas circunstâncias na época de
Jesus é uma forma também de lermos e interpretarmos o
hoje da nossa história. Recordar as crianças
abandonadas, sujeitas ao tráfico de drogas e de órgãos, o trabalho escravo, as crianças de rua, ou seja, abandonadas,
pobres, famintas, doentes, desassistidas e não amadas.
A reação de Jesus diante da situação da criança do seu
tempo é exemplar, ele busca incluir a criança nas prioridades da sua
comunidade rabínica. Encontramos esta sua atitude,
de maneira especial no chamado: “Evangelho das
Crianças”. Esta situação torna-se uma preocupação presente em todos os três evangelhos
sinóticos.
1.A formação religiosa das crianças na época de Jesus.
Enquanto a criança era menor de 12 anos, ela pertencia a uma
categoria inferior e era considerada incapaz no que se referia à religião e não podia tomar decisão alguma que a
comprometesse.
Há textos que revelam que a criança era menosprezada e equiparada aos surdos, mudos, cegos, deficientes mentais, pagãos, mulheres e escravos. Tanto assim, que entre os essênios, as crianças eram excluídas da assembleia da comunidade: “as pessoas tolas, os loucos, as crianças menores, nenhum desses entrará no seio da comunidade, pois os santos anjos permanecem no meio dela”.
Não podiam decidir por conta própria e eram representados diante da justiça, pelo pai. A filha, quando deflorada, era indenizada e o dinheiro ficava com o pai. As meninas eram educadas pela mãe.
As crianças, tanto meninos e meninas deviam respeito ao pai e aos irmãos. Pertenciam ao pai, que podia fazer deles escravos (as).
Os meninos, depois de receber a primeira educação materna, aprendiam do pai o conhecimento da profissão e os fundamentos da religião. Segundo a sabedoria bíblica e judaica, as crianças não eram consideradas inocentes, mas vistas como símbolo da fragilidade e discriminadas até por causa da sua tagarelice. Os rabinos e mestres se interessavam pelas crianças, porque via nelas o potencial do futuro do povo de Israel, seus alunos eram todos sujeitos à Lei.
A partir dessa idade, o menino era considerado maior,
tornava-se obrigado a cumprir a Lei, podia fazer a leitura na
sinagoga e mais tarde receber o nome de Bar-Mitzvá, que
significa: “filho do mandamento”. Ele recebia o
tefilin e era incentivado a dedicar-se a algum
trabalho. Porém, segundo o costume judaico o menino “deve em primeiro lugar
construir a sua casa, depois plantar uma vinha e depois se
casar”.
A idade preferida para o casamento entre os meninos
era entre os 16 a 22 anos. Enquanto a menina, entre os 12 anos ou 12 e meio, uma
criança entrando na adolescência. O pai tem o dever de entregá-la a um
noivo escolhido por ele no meio dos parentes, para
evitar a dispersão dos bens da família.
Na perspectiva das ações de Jesus, a criança terá sempre
grande importância. Este gesto é para nós uma oportunidade para
refletirmos alguns dados históricos concretos sobre realidade das crianças na
Palestina do I século onde Jesus viveu, bem como aprofundar a
percepção dos seus gestos e atitudes solidárias do assim chamado, “Evangelhos das
Crianças”.
3. A realidade da criança no contexto da atividade de Jesus.
Jesus em seu ministério publico acolhe as crianças e diz que o Reino de Deus pertence a elas. Algumas
mães levaram suas crianças para que Jesus as tocasse e as abençoasse,
mas os discípulos procuravam afastá-las. Eles
eram movidos pela mentalidade de exclusão
da época.
Este gesto revela uma realidade de exclusão das crianças da vida social e comunitária no tempo do evangelista Marcos:
“Traziam-lhe crianças para que as tocasse, mas os discípulos as
repreendiam. Vendo isso, Jesus ficou indignado e disse: “Deixai as crianças virem a mim. Não as
impeçais, pois delas é o Reino de Deus. Em verdade vos digo: aquele
que não receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará
nele”. Então, abraçando-as, abençoou-as, impondo as mãos
sobre elas”
Com gestos e cheios de amor e de ternura, Jesus toca a
situação existencial daquelas crianças que estão carentes, doentes e em total exclusão.
Jesus tira as crianças da invisibilidade social e as apresenta como parte
integrante da sua comunidade e pede
prioridade nas ações de inclusão dessas crianças. Ele
as apresenta como um exemplo essencial para se conquistar a cidadania do
reino do céu.
“Tomou uma criança, colocou-a no meio
deles”, esta atitude tira da marginalidade a
situação da criança e coloca-a no centro da
atenção da comunidade. Os discípulos são
desafiados a assumir a tarefa do acolhimento
como Jesus fez.
O “Evangelho das crianças” serve para os adultos construírem um
novo tipo de relação com as crianças. Esta mudança de mentalidade possibilitará uma maior abertura das portas do Reino de Deus
como afirma Jesus: “aquele que não receber o Reino de Deus como uma criancinha,
não entrará nele” .
.O gesto de Jesus ao colocar a criança no centro do grupo dos discípulos, revela que ele está promovendo a inclusão da criança na sua comunidade; e mais que isto, ele está invertendo a lógica das prioridades na sua relação com os “grandes” da comunidade. Se
antes os discípulos discutiam pelo caminho quem era o maior dentro da comunidade, agora eles ouvem da
boca do próprio mestre um ensinamento novo e inesperado - o maior é aquele que cede o seu lugar ao menor – aquele que está à margem da comunidade.
Jesus ensina que em sua comunidade, o maior é aquele que tendo a liderança, serve os menores, as
crianças, que são as grandes vítimas de uma doentia exclusão.
A atitude dos discípulos, que queriam impedir o acesso das crianças ao centro do grupo onde Jesus estava, serve de
método para avaliarmos as atitudes e posturas de lideranças pastorais que
agem com total indiferença em relação as
nossas crianças.
Para as lideranças que tentam afastar as crianças da posse do Reino, Jesus anuncia que “não
herdarão o reino dos céus”, mas se alguém receber uma criança,
especialmente as pobres, órfãos, doentes e abandonadas, estará
recebendo ele próprio e com ele o Pai: “Aquele que receber uma
destas crianças por causa do meu nome, a mim recebe; e
aquele que me recebe, não é a mim que recebe, mas sim aquele
que me enviou” . Mc 9, 37.
Assim se cumpre a promessa de Jesus: “o Reino de Deus é recebido quando se acolhe
uma criança”. Cabe, portanto às lideranças das nossas
comunidades buscar o serviço aos mais pequeninos. O exemplo de Jesus é um compromisso de toda
comunidade: “Se alguém quiser ser o primeiro seja o último de todos e servo de
todos”. Mc 9, 33-35.
Portanto o “Evangelho das crianças” registra a ação amorosa de Jesus em relação à Infância, a elas promete o
Reino de Deus e acolhendo-as e colocando-as carinhosamente no
centro das atenções e das prioridades da comunidade. Jesus nos ensina que: “os últimos” para a sociedade, serão os
primeiros no Reino de Deus. É o princípio da inversão presente na
ordem fundamental que Jesus ensinou às pessoas que o seguiam: “Eis que há
últimos que serão primeiros, e primeiros que serão últimos”
O abraço de Jesus às crianças ensina os
discípulos a valorizar e a defender esses
pequeninos, equivale a um protesto silencioso
contra as causas dos seus sofrimentos.
Profeticamente Jesus revela um estado de injustiça contra uma
atitude condenável da sociedade palestinense.
A acolhida através do abraço mostra um sentimento de
comunhão e solidariedade com esta situação. Com esse gesto,
Jesus nos aponta para uma realidade nova de transformação possível, sem a exclusão dos mais
fracos.
A solidariedade de Jesus para com as crianças tem o seu ápice no alto da cruz, quando na
solidão e abandono ele confia o pequeno João à sua Mãe. Esse agir solidário e inclusivo de Jesus
tem uma forte ressonância na vida da comunidade. A criança desamparada torna-se
um desafio a ser enfrentado nas novas comunidades e suas lideranças. O trato do tema de inclusão da criança na comunidade de Jesus
passa a ter caráter ministerial
1. Jesus defende a vida e condena aqueles que escandalizam os pequeninos.Na terra de Jesus, a criança era o símbolo de pequenez, fragilidade,
pobreza e humildade. Os pequenos, pobres, fracos e humildes do povo, são chamados de “anawin”, isto é, os “Pobres de Javé”. Para Lucas o anawin, eram os prediletos e
amados de Jesus. Segundo o seu evangelho, eles eram os primeiros destinatários do Reino de Deus. Os pobres também trazem consigo
como sinônimo da sua condição o nome de “pequeninos Lc 6, 20-26.
Jesus é forte e incisivo ao defendê-los: “Quem escandalizar um destes pequeninos que acreditam em mim, melhor seria para ele, pendurar uma pedra de
moinho ao pescoço e ser jogado no fundo do mar. Ai do mundo por causa dos escândalos!”. Jesus adverte seus
discípulos sobre o perigo da ambição, do poder e da riqueza que escandaliza os pequeninos, os fracos, os
simples e os pobres. Ele observa que o contratestemunho por parte dos adultos e daqueles
que têm responsabilidade sobre o povo, está levando muitos dos humildes e “pequeninos” a perderem a fé e
a esperança em Deus.
Esta também é uma realidade muito presente em nossos dias. Quanta gente do povo simples, de boa fé e de
todas as idades, sobretudo os adolescentes e jovens, se
afastam dos valores da fé que lhes foram transmitidos, se
decepcionam e não acreditam mais em nada,
perdem o encanto pela vida, por causa do mau exemplo de uma sociedade e de uma
Igreja incoerente e irresponsável com seus atos?
Isso nos deve inquietar e nos incomodar muito, deve nos levar a uma
profunda revisão e auto avaliação dos nossos
conceitos e nos perguntar: Qual é o mundo, família,
sociedade e Igreja que estamos legando às novas
gerações? Em quem nossas crianças estão
buscando exemplo para pautar as suas vidas?
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