A CONSTRUO SOCIAL DO CONCEITO DE INFNCIA: ALGUMAS INTERLOCUES HISTRICAS E SOCIOLGICAS
1- A ORIGEM DO CONCEITO DE INFNCIA: Introduzindo...A busca pela interpretao das representaes infantis de mundo objeto de estudo relativamente novo.Objetiva entender o complexo e multifacetado processo de construo social da infncia e o papel que a escola vem desempenhando diante desta inveno da modernidade.A anlise da produo existente sobre a histria da infncia permite afirmar que a preocupao com a criana encontra-se presente somente a partir do sculo XIX, tanto no Brasil como em outros lugares do mundo.
At a dcada de 1960, poucos historiadores haviam manifestado algum interesse pelo tema da infncia ou o tinham colocado como objetivo de suas pesquisas.Aris (1973) e De Mause (1991): enfatizaram a simultaneidade no tempo do descobrimento ou reconhecimento da infncia moderna e da apario de instituies protetoras para cuidar e formar a gerao mais jovem.A falta de uma histria da infncia e seu registro historiogrfico tardio so um indcio da incapacidade por parte do adulto de ver a criana em sua perspectiva histrica.Narodowski (1993): infncia um fenmeno histrico e no meramente natural, e as caractersticas da mesma no ocidente moderno podem ser esquematicamente delineadas a partir da heteronomia, da dependncia e da obedincia ao adulto em troca de proteo.
A infncia, tal qual entendida hoje, resulta inexistente antes do sculo XVI.
A vida era relativamente igual para todas as idades, ou seja, no havia muitos estgios e os que existiam no eram to claramente demarcados.Antes do sculo XVI, a conscincia social no admite a existncia autnoma da infncia como uma categoria diferenciada do gnero humano.Durante a Idade Mdia, antes da escolarizao das crianas, estas e os adultos compartilhavam os mesmos lugares e situaes, fossem eles domsticos, de trabalho ou de festa.Na sociedade medieval no havia a diviso territorial e de atividades em funo da idade dos indivduos, no havia o sentimento de infncia ou uma representao elaborada dessa fase da vida (Aris, 1973).
2-O CONCEITO DE INFNCIA NOS SC. XIX E XX No sculo XVII, nas classes dominantes, surge a primeira concepo real de infncia, a partir da observao dos movimentos de dependncia das crianas muito pequenas.O adulto passou, ento, pouco a pouco a preocupar-se com a criana, enquanto ser dependente e fraco. Fato este, que ligou este etapa da vida a ideia de proteo.S ultrapassava esta fase da vida quem sasse da dependncia, ou pelo menos dos graus mais baixos de dependncia, e a palavra infncia passou a designar a primeira idade de vida: a idade da necessidade de proteo, que perdura at os dias de hoje.
At o sculo XVII, a cincia desconhecia a infncia.No havia lugar para as crianas nesta sociedade.Foi, ento, a partir das ideias de proteo, amparo, dependncia, que surge a infncia. As crianas, vistas apenas como seres biolgicos, necessitavam de grandes cuidados e, tambm, de uma rgida disciplina, a fim de transform-las em adultos socialmente aceitos.A primeira preocupao com a infncia ligou-se disciplina e difuso da cultura existente, limitando todo e qualquer movimento infantil destinado ao prazer e ao aprendizado.Passou-se, ento, a submeter o corpo da criana de vrias formas, o que, na poca, era considerado necessrio para evitar os seus movimentos, bem como para exercer um controle efetivo sobre o pequeno ser.
Quem no usa a vara, odeia seu filho. Com mais amor e temor castiga o pai ao filho mais querido. Assim como uma espora aguada faz o cavalo correr, tambm uma vara faz a criana aprender (Levin, 1997, p. 230).
Com Rousseau (1995): considerado um dos primeiros pedagogos da Histria, a criana comeou a ser vista de maneira diferenciada do que at ento existia.Props uma educao infantil sem juzes, sem prises e sem exrcitos.A partir da Revoluo Francesa, em 1789, modificou-se a funo do Estado e, com isso, a responsabilidade para com a criana e o interesse por ela. Segundo Levin (1997), os governos comearam a se preocupar com o bem-estar e com a educao das crianas.
Durkheim (1978): foi quem primeiro buscou tecer os fios da infncia aos fios da escola com objetivos de "moralizar" e disciplinar a criana. Segundo Durkheim (1978,), a criana alm de questionadora, passa de uma impresso para outra, de um sentimento para outro, de uma ocupao para outra, com a mais extraordinria rapidez.Para controlar "os humores endoidecidos" das crianas, props trs elementos fundamentais para desenvolver a educao moral das novas geraes, que devero ser capazes de adequar-se s regras do jogo social, poltico e econmico.Explica o referido autor que educar inscrever na subjetividade da criana os trs elementos da moralidade: o esprito de disciplina, o esprito de abnegao e a autonomia da vontade.
3- O CONCEITO DE INFNCIA CONTEMPORNEOApenas com a institucionalizao da escola que o conceito de infncia comea lentamente a ser alterado, atravs da escolarizao das crianas.Podemos ento, a partir do desenvolvimento de uma pedagogia para as crianas, falar em uma construo social da infncia.A construo social da infncia se concretiza pelo estabelecimento de valores morais e expectativas de conduta para ela.Podemos falar de uma inveno social da infncia a partir do sculo XVIII, em que h uma fundao de um estatuto para essa faixa etria, assim como a inveno da adolescncia no fim do sculo XIX
Mudanas na sociedade...As crianas atualmente escolarizadas logo cedo, e muitas, inclusive, desde os primeiros meses, passam todo o dia em creches ou em instituies assemelhadas, porque pais e mes trabalham durante todo o perodo.A passagem de uma sociedade agrria para uma sociedade industrializada caracterizou-se por importantes alteraes no grupamento familiar.Essas mudanas na estrutura da famlia tm contribudo para um maior distanciamento entre as geraes.Assim, a criana, j neste sculo, viu-se integrada em uma noo de desenvolvimento, a qual passou a mostr-la como um ser cujo crescimento um desdobrar-se numa sucesso de fases intelectuais e emocionais.
Para muito alm das questes escolares, especialistas em crianas e vida familiar perguntam se as mudanas no modo como os adultos contemporneos trabalham, vivem e recebem informaes no estariam transformando a infncia em algo obsoleto, numa relquia cultural antiquada.As fronteiras entre a infncia e a fase adulta esto cada vez mais tnues.
Em seu livro, Aris (1978) mostra que na maior parte da histria, crianas com mais de sete anos foram tratadas como pequenos adultos. Vestiam-se como eles, faziam os mesmos trabalhos e ingressavam na comunidade sexual dos adultos quando tinham idade inferior dos garotos e garotas de hoje.Aris (1978) afirmou que a noo sobre um perodo de inocncia infantil se firmou pela primeira vez com o Iluminismo do sculo XVIII. Ele provavelmente chegou ao apogeu, nos Estados Unidos, no incio do sculo XX.Durante grande parte da histria, as crianas no foram excludas dos conhecimentos e da participao no mundo dos adultos. Depois, foram excludas de ambos. Agora, tentamos exclu-las da participao, mas no conseguimos exclu-las dos conhecimentos, situao muito mais anormal.
4- POR UMA SOCIOLOGIA DA INFNCIA: A guisa de conclusesA viso da infncia como uma construo social foi iniciada pelo trabalho de Aris, a partir do qual um grande nmero de trabalhos comeou a surgir.Assim, ver e ouvir a criana fundamental em qualquer estudo que realmente deseja estudar a infncia. preciso levar em considerao uma concepo modificada da mente infantil, uma mente criando sentido, buscando sentido, preservando sentido e usando sentido; numa palavra construtora do mundo (Geertz, 2001, p. 186).
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