7/25/2019 A Cincia Da Cincia
1/10
ue cincia ? Conheci-
mento verdadeiro , por
oposio ao conhecimento
errado ou duvidoso? O re-
sultado
de
experincias, em contraste
.com o que sabemos
pelo
senso comum?
Conhecimento medido, quantificado, e
no aquele qu e adquirimos intui-
tivamente? A Verdade, com V maisculo,
em contraste com
as
verdades menores?
Cm
privilgio
dos sbios e
iniciado
s,
nunca acessvel s massas? Cm fatar da
produo,
como
o capital, o trabalho e a
tecn
o logia?
Aquilo que fazem os
cientistas?
Nenhuma dessas respostas sa ti sfa-
tria, e no entanto cada uma delas cor-
responde a noes que vezes en-
contramos
entre
cientistas educadores,
filsofo s e estudiosos dos
fenmenos
cientficos. No existe um conceito
nico
e consensual
sobre
o
que
seja
cincia , mas
noes
que variam ao
longo do tempo e do espao. Alm disso,
existem sociedades e
perod
os histri-
cos que produzem mais e melhor cin-
cia do que outros, ou cincia de um ou
outro tipo. Como explicar essas varia-
es? De
que
elas dependem?
Que
in-
fluncia tem a cincia
no
desenvolvi-
mento ou na mudana das sociedades
Ser e la um simples subproduto de con-
dies econmicas e sociais mais
ge
rais,
ou ter um efeito especfico e prprio?
Finalmente,
como
fazer se queremos ter
mais cincia,
de
melhor qualidade e com
um
impacto social mais s ignificati vo?
Como desenvolver uma poltica cient-
fica adequada?
e
e
len la
imo
n chwartz
m n
Professor do Instituto Universitrio de Pesquisas
do Rio
de Janeiro
Pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentao em Histria Contempornea d
da Fundao Getlio Vargas
Galileu
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2/10
Estas perguntas mostram
que
cin
cia no uma coisa simples, que se pos
sa definir com facilidade recorrendo a
uma boa enciclopdia. Trata-se de um
fe-
nmeno social e humano bastante com
plexo e variado, suficientemente impor
tante para gerar todo um esforo para
compreend-lo e poder
em seguida agir
sobre
ele.
Esta
a origem da cincia da
cincia , e mais especificamente da so
ciologia da cincia, que trata de exami
nar o fenmeno cientfico como um fato
social.
mais antiga das cincias da
cincia a filosofia. Os fil-
sofos de todos os tempos
observam
que
os
homens
conhecem a natureza, mas o fazem de
maneira imperfeita e varivel. Como
possvel, perguntam-se, chegar a conhe
cimentos verdadeiros e indiscutveis? A
tarefa da filosofia consistiu, durante s
culos, em estabelecer o melhor mtodo
do
conhecimento verdadeiro, e depois
aplic-lo para o entendimento do
mundo, da religio e da moral. Nesta tra
dio, o Verdadeiro, o Bom e o Bem
eram quase sempre considerados inse
parveis. Quando Descartes props o
mtodo da enumerao das idias cla
ras e distintas , passou pela prova da
existncia de
Deus
para chegar ao
mundo emprico. Toda a discusso cls
sica sobre a estrutura e
as
origens do sis
tema solar representou, ao
mesmo
tempo, um desenvolvimento de novas
tcnicas de observao e anlise dos
fe-
nmenos, e uma grande especulao de
e
len la
tipo filosfico e religioso. A obra clssica
de
l ewton sobre mecnica celeste se
chamava, em latim, rincpios matemti-
cos da filosofia
natural
e
pretendia
inaugurar tanto uma nova maneira de
conhecer a natureza quanto demonstrar
a harmonia divina do Universo. Os enci
clopedistas e positivistas franceses pre
tendiam chegar, pela cincia, a uma nova
tica e a uma nova religio que substi
tussem as antigas, contaminadas - se
gundo acreditavam - pela superstio e
pela metafsica.
A revoluo mais importante dos lti
mos sculos no campo da filosofia da
cincia talvez tenha sido a obra de Imma
nuel Kant que propunha uma separao
profunda e insupervel entre o conheci
mento emprico e o conhecimento filo
sfico, tratando de estabelecer as condi
es de possibilidade de cada um deles.
Para Kant, a observao emprica, a utili
zao da lgica matemtica e da razo
obedeciam a uma estrutura geral de rela
cionamento entre a percepo e a obser
vao
(ou sensibilidade ) que poderia
ser estabelecida e servir
de
base para
todo o conhecimento cientfico futuro.
Era, no entanto, um conhecimento das
aparncias, dos fenmenos.
As
verdades
morais e religiosas s poderiam ser obti
das por outra
via
a da razo prtica, que
teria como ponto de partida uma atitude
tica
do
homem em relao a si prprio
e a seus semelhantes. Lma das conse
qncias importantes das idias de Kant
foi, assim, separar o estudo das condi
es do conhecimento cientfico (a
l-
gica, a epistemologia, a filosofia crtica)
da discusso das questes ticas, religio-
sas e cosmolgicas que tambm preocu
pavam os filsofos.
A idia kantiana de que seria possvel
estabelecer, no plano lgico, as condi
es mais gerais para o conhecimento
cientfico geraria uma literatura cada vez
mais vasta e especializada, grande parte
da qual englobada, neste sculo, pelos
termos neopositivismo
ou
positi
vismo lgico . Nesta corrente, despon
tam nomes como Camap, Wittgenstein,
Popper e Russell. Hegel, um discpulo de
Kant, tratou de voltar atrs na distino
entre os dois tipos de conhecimento,
dando origem a pelo menos duas linhas
de especulao filosfica, a da busca de
uma nova lgica, a dialtica, e a da busca
de novos fundamentos para o conheci
mento das essncias, a fenomenologia
- da qual surge, entre outras correntes,
o existencialismo. '
Entretanto, enquanto os filsofos es
peculavam sobre as possibilidades da
cincia, os cientistas continuavam seu
trabalho, indiferentes, na maior parte
dos casos, ao que os filsofos pensavam
ou diziam.
Que
fazem, na verdade, os
cientistas? De onde tiram suas idias,
seus mtodos, suas concluses? Como
conseguem convencer os outros de suas
verdades? Para muitos, foi ficando claro
que a cincia s poderia ser realmente
entendida se a ela fossem aplicados os
mesmos mtodos de observao e
in-
ferncia que a cincia emprega para o
conhecimento
de
fenmenos naturais e
sociais. Em
outros termos, se fosse cons
tituda uma cincia emprica da cincia.
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ociologia do
conhec
i
mento, quase
toda ela de
senvolvida a partir
do
mar
xismo, foi uma das grandes
tentativas de estabelecer uma cincia da
cincia. Para
:vtarx
a vida social
se
orga
nizaria a partir
do
trabalho e da apropria
o social de seu produto, feita freqen
temente
de
forma conflitiva e alienante.
Esta
seria a infra-estrutura sobre a qual
as
outras criaes humanas - a religio, a
arte, a moral, o direito, o
conhecimento
-
se apoiariam.
Para entender o ju
dasmo, dizia Marx, no interessa o
que
o
judeu
faz
nos sbados, e sim o
que faz
nos dias
de
semana. Para
entender
uma
lei , h que ver a quais interesses ela
serve. Para
entender
a cincia moderna,
necessrio ver que ela
faz
parte do
ca
pitalismo, e
tem por
objetivo garantir
seu crescimento e sua continuidade.
Era uma maneira totalmente revolu
cionria
de
ver
as
coisas. De fato, im
possvel negar,
em
termos amplos, que a
cincia
moderna
e o capitalismo cres
ceram juntos. Agora, seria possvel olhar
para trs e ver a oposio entre a Igreja
Catlica e Galileu como uma manifesta
o
do
conflito
entre
o feudalismo me
dieval e o capitalismo nasce nte ; atribuir
ao sistema
de
Newton a funo
de ju
st
ifi-
Newton
car a nova
ordem
burguesa; tratar de ex
plicar o crescimento da cinc
ia
e da tc
nica na
Alemanha
, na
Inglaterra
e
na
Frana do scu lo
XIX
pela fora do capi
talismo nesses pases; e at me
smo
su
gerir que as noes
de
relatividade e in
determinismo, introduzidas na
f
sica do
sculo
XX
tm a ver com a decadncia
do capitalismo e com o surgimento
de
uma
nova
ordem
socialis ta,
que
traria
consigo, presumiveJmente, uma cincia
mais
profundamente verdadeira.
lo faltou
quem propusesse
estas e
muitas outras teses semelhantes. 11m dos
grandes problemas da soc iologia do co
nhecimento foi ter ido muito alm
do
es
tudo
e da observao dos fatores sociais
que
condicionam a atividade cie ntfica e
outras formas de conhecimento hu
mano, e ter tentado,
como
uma nova filo
sofia,
estabelecer
aprioris ticamente as
condies, os limites e a
prpria
vali
dade
tica e cientfica
deste
conheci-
mento. Engels o amigo e protetor de
Marx,
escrev
eu
uma
Dialtica da na-
tureza com a qual pretendia fundar uma
nova cincia natural
que
, liberta da l
gica formal burguesa , se ria prpria
do
mundo
socialista a
ser
implantado. Dca
das depois foi a vez de Lnin, com seu
lViaterialismo e empirocriticismo onde
denunciava
os
desvios ideolgicos
da
cincia agnstica do capitalismo.
Se nas ci
ncia
s naturais a tentativa
de
distinguir um conhecimento soc ialista
de
um conhec
imento burgus no
avanou, nas cincias sociais ela foi mui
to mais longe, e ainda hoje tem seus de
fensores. Para o filsofo hngaro
Georg
Lukc
s por
exemplo, haveria
um
limi te
do
que
a cincia social burguesa pudes
se conhecer, dado pelos interesses dessa
classe;
s um
a cincia proletria
poderia
realmente entender as contradies do
capitalismo e prever sua transformao e
queda. Difundidas na Frana na dcada
de 50 por
Lu
cien Goldmann, essas idias
levaram a cons
iderar
todas as diferenas
de
opinio ou
de
metodologia na anlise
dos fatos sociais como formas disfar
a
das
de
luta
de
classes -
de
um lado os
empiristas, funcionalistas, defensores
dos conhecimentos
limitados e da
or
dem socia l, e do
outro
os dialticos ho
li
stas,
preocupados com
a totalidade, a
mudana soc ial e o futuro.
Em ge ral, os cientistas dedicaram so
ciologia
do conhec
imento a mesma indi
ferena
que
haviam dedicado aos episte
mlogos, criando novos mtodos, ultra
passando os limites e
as
camisas-de-fora
que os filsofos e socilogos do conhe
cimento tratavam
de
lhes imputar.
Mais
srio que os eventuais equvocos provo
cados por extrapo laes extremas da
in
tuio
orig
in a l
marxista,
entretanto,
foram os efeitos da politizao introdu
zida
3
rea cientfica pela traduo au
tomtica
de
diferenas
de
teoria, percep
o e opin io
em
conflitos ideolgicos
partidrios ou c1assistas. Ficou clebre o
tri
ste destino
da
pesquisa
gentica na
URSS
quando a questo da transmisso
dos caracteres
adquiridos
se transfor
mou em dogma poltico-partidrio, le
vando seus opositores a
serem
tratados
como inimigos do socialismo e vitima
dos
pelo
ostraci
smo
ou
pelo
exlio.
As
cincias socia
is
tambm fenecem
quando demas iadamente prximas de
partidos ou regimes polticos preocupa
dos em utiliz-Ias para seus fins imedia
tos. O
prprio
marxismo tem hoje seus
grandes centros nas universidades da
Europa oc
identa
l
e
no, como
pen-
sariam Lukcs e seus seguidores, junto
aos grandes partidos comunistas ou nos
pases do bloco soc ialista. Da
mesma
forma, falhou
nos EUA
a tentativa
de
criar, s custas
de fortes subvenes,
uma nova teoria
do
desenvolvimento e
da
moderni
zao
social
que
tivesse
como ponto culminante a internacio-
nalizao do american way
o
ife
7/25/2019 A Cincia Da Cincia
4/10
A
Sociologia da cincia
de
nossos dias no abandonou
a idia
de
que a atividade
cientfica, como qualquer
atividade humana, depende de condicio
nantes sociais. Mas isto agora feito com
muito mais cuidado, com uma compre
enso bem mais aguda das caractersti
cas
mais prprias do trabalho cientfico,
e com a utilizao intensa da observao
emprica, se ja de tipo histrico, se
ja
de
tipo quantitativo e sistemtico.
Qualquer
tentativa de resumir as principais con
cluses da sociologia da cincia hoje de
veria incluir pelo
menos
os seguintes
itens.
Primeiro, a atividade cientfica no
uma simples decorrncia de caractersti
cas muito gerais do sistema econmico e
social, mas
depende
de estruturas e sis
temas sociais muito mais delicados e es
pecficos. O trabalho cientfico exige
grupos de pessoas dedicadas profissio
nalmente a ele ; uma tica
que
valorize o
conhecimento, e prestigie aqueles
que
o
busquem; um sistema de incentivos para
o trabalho cientfico que lhe permita
atrair os melhores talentos, e uma cul
tura que lugar ao surgimento de no
vos conhecimentos pela observao e a
anlise racional , em contraste com aque
las onde predominam os conhecimen-
Kant
tos ritualizados e carregados de afetivi
dade. O trabalho cientfico necessita,
ainda,
que
os cientistas sejam os princi
pais valiadores e juzes de seu trabalho,
e que no
tenham
que submeter suas
concluses aprovao de outras instn
cias, religiosas, polticas
ou
institucio
nais.
Cma segunda constatao a de que
no tem sentido falar, a no
ser
em ter
mos muito gerais, de cincia
,
e muito
menos de cincia e tecnologia
,
como
de uma coisa nica. muito distinto, por
exemplo, o trabalho cientfico em fsica
terica, parasitologia, qumica analtica
ou teoria econmica. Alm das bvias di
ferenas de contedo, existem verdadei
ras subculturas cientficas, cada qual
com seus procedimentos de verificao
e demonstrao, seus padres de traba
lho, suas formas de comunicao, e a ma
neira de se relacionarem com outras dis
ciplinas e instituies de trabalho cient
fico. A pesquisa tecnolgica, por sua vez,
obedece freqentemente a uma lgica e
a condicionamentos totalmente diferen
tes dos da pesquisa cientfica. Ela tende a
responder de maneira muito mais
ime-
diata a incentivos econmicos e mili
tares, mais suscetvel a sistemas de pla
nejamento e a con troles externos e
tende a ter custos muito mais altos.
Terceiro
, as ligaes entre pesquisa
cientfica, pesquisa tecnolgica, industri
alizao, educao superior etc. so mui
to mais complexas e imprevisveis do
que muitas vezes se supe. De maneira
geral, um bom desenvolvimento cient-
fico e tecnolgico necessita de todas es
sas coisas ao mesmo tempo - uma
in-
dstria desenvo lvida, um
bom
sistema
universitrio, instituies de pesquisa
bem constitudas etc. No entanto, exis
tem variaes importantes e espaos
para
inovao e mudana. No parece
haver dvidas, por exemplo, de que a In-
glaterra, a Alemanha e o Japo desenvol
veram seus sistemas educacionais muito
antes de suas indstrias; existem pases,
como a ndia, que desenvolveram sua
cincia sem maior impacto em sua
in-
dustrializao, e outros, como a Blgica,
que se moderniza ram e industrializaram
com sistemas cientficos e tecnolgicos
bastante modestos. Nos ltimos anos, os
EUA vm reduzindo sua liderana ab
soluta na pesquisa cientfica internacio
nal, sem que isso esteja relacionado com
uma
reduo efetiva de
seu
potencial
econmico.
Finalmente, a atividade cientfica e tec
nolgica no responde muito bem a ten
tativas de planej-la e orient-la para ob
jetivos politicamente definidos. A partir
da Segunda Guerra Mundial, principal
mente, desenvolveu-se em todo
mundo
a idia de que a pesquisa cientficapreci
sava ser incentivada , planejada e utili
zada como fator de desenvolvimento
econmico e soc ial. Em muitos pases,
foram criados ministrios, conselhos e
centros nacionais de cincia e tecnolo
gia. Era um objetivo que j vinha sendo
buscado pela Unio Sovitica desde os
anos 20 e que ganhou grande aceitao
no
Ocidente
graas,
pelo menos
em
parte, ao trabalho incansvel de]. D. Ber
nal, cientista ingls que foi autor de texto
famoso,
funo social da cincia
pu
blicado nos anos 30, e liderou o envolvi
mento dos cientistas ingleses no esforo
de guerra de seu pas.
No entanto, parece haver' uma certa
correlao inversa entre o
poder
dessas
instituies de poltica cientfica e a qua
lidade e relevncia dos trabalhos cientfi
cos produzidos nos diversos pases.
Uma
ra zo
bvia
para isto que quando
existe forte demanda econmica para a
pesquisa tecnolgica, quando o sistema
educacional de boa qualidade e as ins
tituies cientficas so prestigiadas e
bem
constitudas
o planejamento da
cincia e da tecnologia torna-se na reali
dade
pouco
necessrio - e vice-versa.
Menos trivialmente, as tentativas de sub
meter a pesquisa cientfica a mecanis
mos de planejamento podem muitas ve-
zes violar uma das condies essenciais
para o trabalho cientfico bem-sucedido,
que so a
sua
autonomia e
sua
auto-
7/25/2019 A Cincia Da Cincia
5/10
Hegel
regulao. Por outra parte, l1o h dvida
de que certos objetivos tecnolgicos de
grande porte, da viagem Lua
implan
tao de uma indstria
de
computa-
dores, s podem ser atingidos se busca
dos por meio de um planejamento cui
dadoso e detalhado.
lm de
generaliza
es
como as feitas acima, a mo
derna sociologia da cincia
tem podido desenvolver
conhecimentos bastante especficos so
bre diferentes pases, reas de con heci
mento, tipos de instituio e
perodos
hi stricos . Isto tem sido possvel, em
grande parte, graas
utilizao interna
dos mais diferentes mtodos de observa
o e anlise, da histria observao de
tipo antropolgico, chegando utiliza
o cada vez mais complexa de mtodos
estatsticos
por
computador.
A histria da cincia hoje um campo
de pesquisa bem estabelecido, que tem
como objetivo conhecer em profundi
dade as diversas formas e os diversos
contextos em que a atividade dita cien
tfica
se desenvolveu
em diferentes
tempos e pases.
atravs da histria da
cincia que possvel observar, em deta
lhe, o relacionamento entre o conheci
mento cientfico, a filosofia, o desenvol-
natureza necessariamente aberta da pes
quisa cientfica quanto
sobre
os poss
veis efeitos da estagnao
ou
da reduo
de seu crescimento. A anlise das redes
de citaes nos artigos cientficos, poss
vel graas aos grandes bancos de dados
bibliogrficos
que
esto sendo formados
em todo o mundo, permite determinar
o
as
comunidades
invisveis formadas
pelos cientistas a estruturao
e
novas
reas interdisciplinares de pesquisa, e
vimento da educao e as transforma
es econmicas e sociais.
ela
que
mostra a complexidade do surgimento
de novas idias e teor ias
que
so sempre
uma combinao, geralmente difcil de
antever, entre a necessidade intelectual
de compatibilizar informaes aparente
mente dspares com motivaes, preo
cupaes e vises de mundo de determi
nada poca ou de determinado setor da
sociedade. Seus
temas
vo desde as
questes mais internas atividade
cientfica - o surgimento da fsica new
toniana,o evolucionismo e sua implanta
o, o surgimento da psicologia experi
mentai, a histria da qumica - at as
mais externas - a formao das socie
dades e academias cientficas,
as
trans
formaes das universidades, as condi
es de surgimento e crescimento das
comunidades cientficas etc.
No
outro extremo, a atividade cient
fica traduzida em nmeros,
que
depois
so
examinados em
suas
tendncias
mais globais: quantidade de artigos pu
blicados,
doutores
formados, patentes,
citaes, recursos
in
vestidos. Derek de
Solla Price, um pioneiro nesses estudos,
foi capaz de mostrar
que
a cincia tem
uma tendncia histrica ao crescimento
exponencial,'
duplicand
o suas dimen
ses a cada dez ou vinte anos, o que leva
a inferncias significativas tanto sobre a
desenvolver indicadores da atualizao,
provincianismo, hegemonia
ou
endoge
nia dos diversos centros ou ncleos de
trabalho cientifico. A
publicao,
em
1979, do livro Vida de laboratrio - a
construo social dos fatos cientficos
de Bruno Latour eSteve Woolgar, provo
cou uma pequena revoluo na sociolo
gia da cincia, ao buscar
reconstruir,
pela observao quotidiana do trabalho
dos cientistas,
as
formas pelas quais o co
nhecimento cientfico de fato pesqui
sado e constitudo.
A cincia da cincia hoje uma
ativi-
dade multidisciplinar, com muitas abor
dagens distintas das
que
apresentamos
aqui. Existe todo um campo para os estu-
dos econmicos da cincia e da tecno
lo-
gia,
que
engloba desde a anlise dos me
canismos de financiamento da pesquisa
at o processo de difuso de novas tec-
nologias na indstria e seu impacto na
atividade econmica. Psiclogos e edu
cadores se dedicam
compreenso dos
processos mais individuais de de
se
nvo l-
vimento da capacidade criativa e seus
condicionantes sociais, culturais e insti
tucionais. Cientistas polticos se debru
am sobre
as
instituies governamen
tais
voltadas
para o
financiament
o e
eventual controle da atividade cientfica,
suas caractersticas, seu
poder
efetivo,
seu impacto e seu processo de tomada
de decises. Os cientistas, como um gru
po social importante, dotado de aspira
es , ideologias e pretenses de influn
cia e poder, so objeto de outros tipos de
estudo sociolgico.
Ao mesmo
tempo,
a
epistemologia
no desapareceu, e nem a preocupao
com
as
eventuais relaes entre
as
idias
desenvolvidas pelos cientistas e seu
am-
biente cultural, social e econmico. S
que, hoje, a epistemologia e a sociologia
do con hecimento j no se fazem mais
de forma vaz ia e especulativa, mas se
utilizando tanto quanto possvel da ri-
queza de informaes proporcionada
pela histria, pela sociologia, pela eco
nomia e
as
demais disciplinas que, em
seu conjunto, do forma nova incia
da
cincia.
7/25/2019 A Cincia Da Cincia
6/10
s cincias da cincia so um
campo de
estudo
relativa
mente novo e
de
desenvol-
vimento bastante desigual
em nosso meio.
No
passado, eram os
prprios cientistas que se dedicavam,
muitas vezes, a escrever a histria de
suas disciplinas. A coleo de trabalhos
reunidos em 1955
por
Fernando
de
Aze-
vedo
As
cinciasno Brasil) at hoje
in-
supervel pela riqueza, abrangncia e
profundidade de muitos dos trabalhos
que contm. Estudos que tratem
de
exa
minar os condicionamentos culturais,
sociais e polticos da pesquisa cientfica
so mais
recentes.
O
trabalho
mais
abrangente nessa linha talvez tenha sido
o realizado nos anos 70 atravs do setor
de estudos e pesquisas da Financiadora
de Estudos e Projetos (Finep): orm -
o d
comunid de
cientfica no Brasil.
As
entrevistas realizadas para este estudo
com cerca de setenta entre os cientistas
brasileiros mais importantes esto depo
sitadas no Centro
de
Pesquisa e Docu
mentao
em
Histria Contempornea
(Cpdoc) da Fundao Getlio Vargas,
para servirem
de
referncia a estudos fu-
turos.
A Finep tambm deu
origem
a toda
uma linha
de
trabalhos sobre demanda,
difuso, adoo e produo
de
pesquisa
tecnolgica, que hoje continuam a ser
desenvolvidos no Instituto de Economia
Industrial da
UFR]
e
em
uma srie de ou
tras instituies. A anlise econ6mica da
tecnologia
em
seus diferentes aspectos
hoje uma rea de conhecimentos bas
tante desenvolvida internacionalmente,
e bastante forte
em
nosso meio. A Uni-
versidade
de
So Paulo tem um ncleo
de estudos
de
histria da cincia, e existe
um programa de administrao para a
pesquisa cientfica e tecnolgica junto
Faculdade de Economia e Administrao
da
USP.
A partir dos anos 80, o Conselho Na-
cional de Desenvolvimento Cientfico e
Tecnolgico (CNPq) deu incio a um
programa de apoio aos centros
de
en
sino e pesquisa sobre poltica cientfica e
tecnolgica
em
todo o pas, reunindo
cerca
de
15 ncleos
em
diversos estados.
O apoio do
CNPq
tem consistido
no
fi-
nanciamento de projetas de pesquisa,
difuso de informaes bibliogrficas,
promoo de encontros, vinda de pro
fessores visitantes et
c.
Um
exame
dos
projetos
de
pesquisa desenvolvidos por
esses ncleos mOStra a predominncia
de
temas econ6micos - ligados ao pro
cesso de adoo e difuso
de
novas tec
nologias - e sociais, relacionados aos
possveis impactos de novas tecnologias
sobre o emprego e a organizao social
. do trabalho. Existem ainda alguns estu
dos sobre poltica tecnolgica, mas mui
to poucos voltados para a organizao da
atividade cientfica enquanto
tal.
Finalmente, quase no existem traba
lhos sobre a histria interna e os con
dicionamentos dos prprios contedos
da pesquisa cientfica e tecnolgica, in-
cluindo
os fluxos
de conhecimento
e
know-how entre o Brasil e o exterior e
seu impacto em nosso meio. Por outro
lado, embora a maior parte da pesquisa
cientfica brasileira se desenvolva nas
universidades, ainda se sabe muito pou
co sobre a verdadeira repercusso
que
a
pesquisa tem no ensino,
ou
sobre a in
fluncia que tem o ambiente universi
trio sobre a pesquisa que nele se faz.
H, pois, um longo caminho a percorrer
para que a cincia da cincia se consoli
de
no Brasil e comece a contribuir
de
forma efetiva para o
melhor
encaminha
mento da pesquisa cientfica brasileira.
DJ
SUGESTES PARA LElruRA
sto traduzidos para o portugus alguns
dos textos clssicos da
moderna
cincia
da
cincia : Derek de Solla Price, O desenvolvi
mento
d
cincia (Rio, Livros TcniCOS e
Cientficos, 1976; trad. Simo Mathias), Tho
mas S. Khun,A estrutura
lS
revoluescien
tificas (So Paulo, Perspectiva, 1975), e Jo
seph Ben-David,
Opapel do cientista
n
so
ciedade (So Paulo, PioneiraJEDUSP, 1974;
trad. Dante Moreira Leite).
Sobre o desenvolvimento da atividade
cientfica
no
Brasil, veja
Fernando
de Aze
vedo (editor),
As
cincias no Brasil (So Pau
lo, Melhoramentos, 1955,2 vaIs., Nancy Ste
pan,
Gnese e evoluo da cincia brasileira
(Rio, Artenava, 1976), Vanya Sant 'Anna,
Cin
cia e sociedade no Brasil
(So Paulo, Sm
bolo
1976), Regina Lcia
Maraes
MoreI,
Cincia e Estado: a poltica cientifica no Bra
sil (So Paulo, T
A.
Queiroz 1979), Simon
Schwartzman e outros, Formao da comu
nidade cientifica
no
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(So Paulo e Rio,
Cia. Editora NacionallFinep, 1979), Mrio
Ferri e Shozo Motoyama, Hist6ria da cincia
no
Brasil
(So Paulo e Braslia, EDUSPIEPU/
CNPq, 1979-81,3 vols.).
Dois clssicas
sobre
o tema no foram tra
duzidos: John
D.
Bernal,
Social Function
of
Sciences Nova York, Macmillan, 1973), e Bru
no Latour
eSteve
Woolgar,
Laboratory Life:
The Social Construction of Scientific Facts
(Beverly Hills Sage Publications, 1979).
Para
uma
reviso
geral desta
literatura,
com nfase nos estudos
de
tipo econmico,
no vistos aqui, veja Fbio
E.
Erber,
Poltica
cientifica e tecnolgica no Brasil.- um revi
so da literatura,
in
Resenhas de economia
brasileira Joo Sayad (So Paulo, Saraiva,
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A Cincia da Cincia
Simon Schwartzman
Publicado em Cincia Hoje(Rio de Janeiro, SBPC), vol 2, 11, Maro-Abril, 1984, 54-59.
O que "cincia"? Conhecimento verdadeiro por oposio ao conhecimento errado ou duvidoso? O resultado deexperincias. em contraste com o que sabemos pelo senso comum? Conhecimento medido, quantificado, e no aquele queadquirimos intuitivamente? A Verdade, com V maisculo. em contraste com as verdades menores? Um privilgio dos sbiose iniciados, nunca acessvel s massas? Um fator da produo, como o capital, o trabalho e a tecnologia? Aquilo que fazemos cientistas?
Nenhuma dessas respostas satisfatria, e no entanto cada uma delas corresponde a noes que muitas vezesencontramos entre cientistas, educadores. filsofos e estudiosos dos fenmenos cientficos. No existe um conceito nico econsensual sobre o que seja "cincia", mas noes que variam ao longo do tempo e do espao. Alm disso, existemsociedades e perodos histricos que produzem mais e melhor "cincia" do que outros, ou cincia de um ou outro tipo.Como explicar essas variaes? De que elas dependem? Que influncia tem a cincia no desenvolvimento ou na mudanadas sociedades? Ser ela um simples subproduto de condies econmicas e sociais mais gerais, ou ter um efeitoespecfico e prprio? Finalmente, como fazer se queremos ter mais cincia, de melhor qualidade e com um impacto socialmais significativo? Como desenvolver uma poltica cientfica adequada?
Estas perguntas mostram que "cincia" no uma coisa simples, que se possa definir com facilidade recorrendo a uma boaenciclopdia. Trata-se de um fenmeno social e humano bastante complexo e variado, suficientemente importante paragerar todo um esforo para compreend-lo e poder em seguida agir sobre ele. Esta a origem da "cincia da cincia", emais especificamente da sociologia da cincia, que trata de examinar o fenmeno cientifico como um fato social.
A mais antiga das cincias da cincia a filosofia. Os filsofos de todos os tempos observam que os homens conhecem anatureza, mas o fazem de maneira imperfeita e varivel. Como possvel, perguntam-se, chegar a conhecimentosverdadeiros e indiscutveis? A tarefa da filosofia consistiu. durante sculos. em estabelecer o melhor mtodo doconhecimento verdadeiro, e depois aplic-lo para o entendimento do mundo, da religio e da moral. Nesta tradio, oVerdadeiro, o Bom e o Bem eram quase sempre considerados inseparveis. Quando Descartes props o mtodo daenumerao das "idias claras e distintas", passou pela prova da existncia de Deus para chegar ao mundo emprico. Todaa discusso clssica sobre a estrutura e as origens do sistema solar representou, ao mesmo tempo. um desenvolvimento denovas tcnicas de observao e anlise dos fenmenos e uma grande especulao de tipo filosfico e religioso. A obraclssica de Newton sobre mecnica celeste se chamava, em latim,Princpios matemticos da filosofia natural, e pretendia
inaugurar tanto uma nova maneira de conhecer a natureza quanto demonstrar a harmonia divina do Universo. Osenciclopedistas e positivistas franceses pretendiam chegar, pela cincia, a uma nova tica e a uma nova religio quesubstitussem as antigas, contaminadas - segundo acreditavam - pela superstio e pela metafsica.
A revoluo mais importante dos ltimos sculos no campo da filosofia da cincia talvez tenha sido a obra de EmmanuelKant, que propunha uma separao profunda e insupervel entre o conhecimento emprico e o conhecimento filosfico,tratando de estabelecer as condies de possibilidade de cada um deles. Para Kant, a observao emprica, a utilizao dalgica matemtica e da razo obedeciam a uma estrutura geral de relacionamento entre a percepo e a observao (ou"sensibilidade") que poderia ser estabelecida e servir de base para todo o conhecimento cientfico futuro. Era, no entanto,um conhecimento das aparncias dos fenmenos. As verdades morais e religiosas s poderiam ser obtidas por outra via, ada razo prtica, que teria como ponto de partida uma atitude tica do homem em relao a si prprio e a seussemelhantes. Uma das conseqncias importantes das idias de Kant foi, assim, separar o estudo das condies doconhecimento cientfico (a lgica, a epistemologia, a filosofia crtica) da discusso das questes ticas, religiosas ecosmolgicas que tambm preocupavam os filsofos.
A idia kantiana de que seria possvel estabelecer, no plano lgico, as condies mais gerais para o conhecimento cientfico,geraria uma literatura cada vez mais vasta e especializada, grande parte da qual englobada. neste sculo, pelos termos"neopositivismo" ou "positivismo lgico". Nesta corrente, despontam nomes como Carnap, Wittgenstein, Popper e Russell.Hegel, um discpulo de Kant, tratou de voltar atrs na distino entre os dois tipos de conhecimento. dando origem a pelomenos duas linhas de especulao filosfica, a da busca de uma nova lgica, a dialtica. e a da busca de novosfundamentos para o conhecimento das essncias, a fenomenologia, da qual surge, entre outras correntes, oexistencialismo.
Entretanto, enquanto os filsofos especulavam sobre as possibilidades da cincia. os cientistas continuavam seu trabalho,indiferentes na maior parte dos casos. ao que os filsofos pensavam ou diziam. Que fazem, na verdade, os cientistas? Deonde tiram suas idias, seus mtodos, suas concluses? Como conseguem convencer os outros de suas verdades? Paramuitos, foi ficando claro que a cincia s poderia sei realmente entendida se a ela fossem aplicados os mesmos mtodos de
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observao e inferncia que a cincia emprega para o conhecimento de fenmenos naturais e sociais. Em outros termos, sefosse constituda uma cincia emprica da cincia.
A sociologia do conhecimento, quase toda ela desenvolvida a partir do marxismo, foi uma das grandes tentativas deestabelecer uma cincia da cincia. Para Marx. a vida social se organizaria a partir do trabalho e da apropriao social deseu produto, feita. freqentemente de forma conflitiva e alienante. Esta seria a infra-estrutura sobre a qual as outrascriaes humanas - a religio, a arte, a moral, o direito, o conhecimento - se apoiariam. Para entender o judasmo, diziaMarx. no interessa o que o judeu faz nos sbados, e sim o que faz nos dias de semana. Para entender uma lei, h que vera quais interesses ela serve. Para entender a cincia moderna necessrio ver que ela faz parte do capitalismo, e tem porobjetivo garantir seu crescimento e sua continuidade.
Era uma maneira totalmente revolucionria de ver as coisas. De fato, impossvel negar, em termos amplos, que a cinciamoderna e o capitalismo cresceram juntos. Agora, seria possvel olhar para trs e ver a oposio entre a Igreja Catlica eGalileu como uma manifestao do conflito entre o feudalismo medieval e o capitalismo nascente; atribuir ao sistema deNewton a funo de justificar a nova ordem burguesa; tratar de explicar o crescimento da cincia e da tcnica naAlemanha, na Inglaterra e na Frana do sculo XIX pela fora do capitalismo nesses pases; e at mesmo sugerir que asnoes de relatividade e indeterminismo, introduzidas na fsica do sculo XX, tm a ver com a decadncia do capitalismo ecom o surgimento de uma nova ordem socialista, que traria consigo, presumivelmente, uma cincia mais profundamenteverdadeira.
No faltou quem propusesse estas e muitas outras teses semelhantes. Um dos grandes problemas da sociologia doconhecimento foi ter ido muito alm do estudo e da observao dos fatores sociais que condicionam a atividade cientfica eoutras formas de conhecimento humano, e ter tentado, como uma nova filosofia, estabelecer aprioristicamente ascondies, os limites e a prpria validade tica e cientfica deste conhecimento. Engels, o amigo e protetor de Marx,
escreveu uma Dialtica da Natureza, com a qual pretendia fundar uma nova cincia natural que, liberta da lgica formalburguesa, sria prpria do mundo socialista a ser implantado . Dcadas depois foi a vez de Lnin- com seu Materialismo eEmpiro-criticismo, onde denunciava os desvios ideolgicos da cincia "agnstica" do capitalismo.
Se nas cincias naturais a tentativa de distinguir um conhecimento "socialista" de um conhecimento "burgus" noavanou, nas cincias sociais ela foi muito mais longe, e ainda hoje tem seus defensores. Para o filsofo hngaro GeorgLukcs, por exemplo, haveria um limite do que a cincia social burguesa pudesse conhecer, dado pelos interesses dessaclasse: s uma cincia proletria poderia realmente entender as contradies do capitalismo e prever sua transformao equeda. Difundidas na Frana na dcada de 50 por Lucien Goldmann, essas idias levaram a considerar todas as diferenasde opinio ou de metodologia na anlise do os fatos sociais como formas disfaradas de luta de classes - de um lado osempiristas, funcionalistas, defensores dos conhecimentos limitados e da ordem social, e do outro os dialticos, holistas,preocupados com a totalidade, a mudana social e o futuro.
Em geral, os cientistas dedicaram sociologia do conhecimento a mesma indiferena que haviam dedicado aos
epistemlogos, criando novos mtodos, ultrapassando os limites e as camisas-de-fora que os filsofos e socilogos doconhecimento tratavam de lhes imputar. Mais srio que os eventuais equvocos provocados por extrapolaes extremas daintuio original marxista, entretanto, foram os efeitos da politizao introduzida na rea cientfica pela traduoautomtica de diferenas de teoria. percepo e opinio em conflitos ideolgicos partidrios ou classistas. Ficou clebre otriste destino da pesquisa gentica na URSS, quando a questo da transmisso dos caracteres adquiridos se transformouem dogma poltico-partidrio, levando seus propositores a serem tratados como inimigos do socialismo e vitimados peloostracismo ou pelo exlio. As cincias sociais tambm fenecem quando demasiadamente prximas de partidos ou regimespolticos preocupados em utiliz-las para seus fins imediatos. O prprio marxismo tem hoje seus grandes centros nasuniversidades da Europa Ocidental, e no, como pensariam Lukcs e seus seguidores, junto aos grandes partidoscomunistas ou nos pases do bloco socialista. Da mesma forma, falhou nos EUA a tentativa de criar, s custas de fortessubvenes, uma nova teoria do desenvolvimento e da modernizao social que tivesse como ponto culminante ainternacionalizao doAmerican way of life.
A sociologia da cincia de nossos dias no abandonou a idia de que a atividade cientfica, como qualquer atividade
humana depende de condicionantes sociais Mas isto agora feito com muito mais cuidado, com uma compreenso bemmais aguda das caractersticas mais prprias do trabalho cientfico, e com utilizao intensa da observao emprica, sejade tipo histrico, seja de tipo quantitativo e sistemtico. Qualquer tentativa de resumir as principais concluses dasociologia da cincia hoje deveria incluir pelo menos os seguintes itens.
Primeiro, a atividade cientfica no uma simples decorrncia de caractersticas muito gerais do sistema econmico esocial, mas depende de estruturas e sistemas sociais muito mais delicados e especficos. O trabalho cientfico exige gruposde pessoas dedicadas profissionalmente a ele; uma tica que valorize o conhecimento e prestigie aqueles que o busquem;um sistema de incentivos para o trabalho cientfico que lhe permita atrair os melhores talentos, e uma cultura que d lugarao surgimento de novos conhecimentos pela observao e a anlise racional. em contraste com aquelas onde predominamos conhecimentos ritualizados e carregados de afetividade. O trabalho cientfico necessita, ainda, que os cientistas sejam osprincipais avaliadores e juzes de seu trabalho, e que no tenham que submeter suas concluses aprovao de outrasinstncias, religiosas, polticas ou institucionais.
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Uma segunda constatao a de que no tem sentido falar, a no ser em termos muito gerais, de "cincia", e muito menosde "cincia e tecnologia", como de uma coisa nica. muito distinto, por exemplo, o trabalho cientfico em fsica terica,parasitologia, qumica analtica ou teoria econmica. Alm das bvias diferenas de contedo, existem verdadeiras"sub-culturas" cientficas, cada qual com seus procedimentos de verificao e demonstrao, seus padres d trabalho,suas formas de comunicao, e a maneira de se relacionarem com outras disciplinas e instituies de trabalho cientfico. Apesquisa tecnolgica, por sua vez, obedece freqentemente a uma lgica e a condicionamentos totalmente diferentes dosda pesquisa cientfica. Ela tende a responder de maneira muito mais imediata a incentivos econmicos e militares, maissuscetvel a sistemas de planejamento e a controles externos, e tende a ter custos muito mais altos.
Terceiro, as ligaes entre pesquisa cientfica, pesquisa tecnolgica, industrializao, educao superior, etc. so muitomais complexas e imprevisveis do que muitas vezes se supe. De maneira geral, um bom desenvolvimento cientfico etecnolgico necessita de todas essas coisas ao mesmo tempo - uma indstria desenvolvida, um bom sistema universitrio,instituies de pesquisa bem constitudas etc, No entanto, existem variaes importantes e espaos para inovao emudana. No parece haver dvidas, por exemplo, de que a Inglaterra, a Alemanha e o Japo desenvolveram seussistemas educacionais muito antes de suas indstrias; existem pases, como a ndia, que desenvolveram sua cincia semmaior impacto em sua industrializao, e outros, como a Blgica, que se modernizaram e industrializaram com sistemascientficos e tecnolgicos bastante modestos. Nos ltimos anos, os EUA vm reduzindo sua liderana absoluta na pesquisacientfica internacional, sem que isso esteja relacionado com uma reduo efetiva de seu potencial econmico.
Finalmente, a atividade cientfica e tecnolgica no responde muito bem a tentativas de planej-la e orient-la paraobjetivos politicamente definidos. A partir da Segunda Guerra Mundial, principalmente, desenvolveu-se em todo mundo aidia de que a pesquisa cientfica precisava ser incentivada, planejada e utilizada como fator de desenvolvimentoeconmico e social. Em muitos pases, foram criados ministrios, conselhos e centros nacionais de cincia e tecnologia. Era
um objetivo que j vinha sendo buscado pela Unio Sovitica desde os anos 20 e que ganhou grande aceitao no Ocidentegraas, pelo menos em parte, ao trabalho incansvel de J. D. Bernal, cientista ingls que foi autor de texto famoso,Afuno social da cincia,publicado nos anos 30, e liderou o envolvimento dos cientistas ingleses no esforo de guerra deseu pas.
No entanto, parece haver uma certa correlao inversa entre o poder dessas instituies de poltica cientfica e a qualidadee relevncia dos trabalhos cientficos produzidos nos diversos pases. Uma razo bvia para isto que, quando existe fortedemanda econmica para a pesquisa tecnolgica, quando o sistema educacional de boa qualidade e as instituiescientficas so prestigiadas e bem constitudas, o planejamento da cincia e da tecnologia torna-se na realidade pouconecessrio - e vice-versa. Menos trivialmente, as tentativas de submeter a pesquisa cientfica a mecanismos deplanejamento podem muitas vezes violar duas das condies essenciais para o trabalho cientfico bem-sucedido, que so asua autonomia e sua auto-regulao. Por outra parte, no h dvida de que certos objetivos tecnolgicos de grande porte,da viagem Lua implantao de uma indstria de computadores, s podem ser atingidos se buscados por meio de umplanejamento cuidadoso e detalhado.
Alm de generalizaes como as feitas acima. a moderna sociologia da cincia tem podido desenvolver conhecimentosbastante especficos sobre diferentes pases, reas de conhecimento, tipos de instituio e perodos histricos. Isto tem sidopossvel. em grande parte graas utilizao intensa dos mais diferentes mtodos de observao e analise, da histria observao de tipo antropolgico, chegando utilizao cada vez mais complexa de mtodos estatsticos por computador.A histria da cincia hoje um campo de pesquisa bem estabelecido, que tem como objetivo conhecer em profundidade asdiversas formas e os diversos contextos em que a atividade dita "cientfica" se desenvolveu em diferentes tempos e pases. atravs da histria da cincia que possvel observar, em detalhe, o relacionamento entre o conhecimento cientfico, afilosofia, o desenvolvimento da educao e as transformaes econmicas e sociais. ela que mostra a complexidade dosurgimento de novas idias e teorias, que so sempre uma combinao, geralmente difcil de antever, entre a necessidadeintelectual d compatibilizar informaes aparentemente dspares com motivaes. preocupaes e vises de mundo dedeterminada poca ou de determinado setor da sociedade. Seus temas vo desde as questes mais "internas" atividadecientfica - o surgimento da fsica newtoniana, o evolucionismo e sua implantao, o surgimento da psicologia experimental,a histria da qumica - at as mais "externas" - a formao das sociedades e academias cientficas, as transformaes das
universidades, as condies de surgimento e crescimento das comunidades cientficas, etc.
No outro extremo, a atividade cientfica traduzida em nmeros, que depois so examinados em suas tendncias maisglobais: quantidade de artigos publicados, doutores formados, patentes, citaes. recursos investidos. Derek de Solla Price,um pioneiro nesses estudos, foi capaz de mostrar qu a cincia tem uma tendncia histrica ao crescimento exponencial,duplicando suas dimenses a cada dez ou vinte anos, o que leva a inferncias significativas tanto sobre a naturezanecessariamente aberta da pesquisa cientfica quanto sobre os possveis efeitos da estagnao ou da reduo de seucrescimento. A anlise das redes de citaes nos artigos cientficos, possvel graas aos grandes bancos de dadosbibliogrficos que esto sendo formados em todo o mundo, permite determinar as "comunidades invisveis" formadas peloscientistas, a estruturao de novas reas interdisciplinares de pesquisa, e desenvolver indicadores da atualizao,provincianismo, hegemonia ou endogenia dos diversos centros ou ncleos de trabalho cientfico. A publicao, em 1979, dolivro Vida de laboratrio -a construo social dos fatos cientficos, de Bruno Latour e Steve Woolgar, provocou uma pequenarevoluo na sociologia da cincia. ao buscar reconstruir, pela observao quotidiana do trabalho dos cientistas, as formas
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pelas quais o conhecimento cientfico de fato pesquisado e constitudo.
A cincia da cincia hoje uma atividade multi-disciplinar, com muitas abordagens distintas das que apresentamos aqui.Existe todo um campo para os estudos econmicos da cincia e da tecnologia, que engloba desde a anlise dosmecanismos de financiamento da pesquisa at o processo de difuso de novas tecnologias na indstria e seu impacto naatividade econmica. Psiclogos e educadores se dedicam compreenso dos processos mais individuais dedesenvolvimento da capacidade criativa e seus condicionantes sociais, culturais e institucionais. Cientistas polticos sedebruam sobre as instituies governamentais voltadas para o financiamento e eventual controle da atividade cientfica,suas caractersticas, seu poder efetivo, seu impacto e seu processo de tomada de decises. Os cientistas, como um gruposocial importante, dotado de aspiraes, ideologias e pretenses de influncia poder, so objeto de outros tipos de estudo
sociolgico.
Ao mesmo tempo, a epistemologia no desapareceu, e nem a preocupao com as eventuais relaes entre as idiasdesenvolvidas pelos cientistas e seu ambiente cultural, social e econmico. S que, hoje, a epistemologia e a sociologia doconhecimento j no se fazem mais de forma vazia e especulativa, mas se utilizando tanto quanto possvel da riqueza deinformaes proporcionada pela histria, pela sociologia, pela economia e as demais disciplinas que, em seu conjunto, doforma nova cincia da cincia.
As cincias da cincia so um campo de estudo relativamente novo e de desenvolvimento bastante desigual em nossomeio. No passado, eram os prprios cientistas que se dedicavam, muitas vezes, a escrever a histria de suas disciplinas. Acoleo de trabalhos reunidos em 1955 por Fernando de Azevedo (As Cincias no Brasil) at hoje insupervel pelariqueza, abrangncia e profundidade de muitos dos trabalhos que contm. Estudos que tratam de examinar oscondicionamentos culturais, sociais e polticos da pesquisa cientfica so mais recentes. O trabalho mais abrangente nessalinha talvez tenha sido o realizado nos anos 70 atravs do setor de estudos e pesquisas da Financiadora de Estudos e
Projetos (FINEP),Formao da Comunidade Cientifica no Brasil. As entrevistas realizadas para este estudo com cerca desetenta entre os cientistas brasileiros mais importantes esto depositadas no Centro de Pesquisa e Documentao emHistria Contempornea do Brasil (CPDOC) da Fundao Getlio Vargas, para servirem de referncia a estudos futuros. AFINEP tambm deu origem a toda uma linha de trabalhos sobre demanda, difuso adoo e produo de pesquisatecnolgica, que hoje continuam a ser desenvolvidos no Instituto de Economia Industrial da UFRJ e em uma srie de outrasinstituies. A analise econmica da tecnologia em seus diferentes aspectos hoje uma rea de conhecimentos bastantedesenvolvida internacionalmente, e bastante forte em nosso meio. A Universidade de So Paulo tem um ncleo de estudosde histria da cincia, e existe um programa de administrao para a pesquisa cientfica e tecnolgica junto Faculdade deEconomia e Administrao da USP.
A partir dos anos 80, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq) deu incio a um programa deapoio aos centros de ensino e pesquisa sobre poltica cientfica e tecnolgica em todo o pas, reunindo cerca de 15 ncleosem diversos estados. O apoio do CNPq tem consistido no financiamento de projetos de pesquisa, difuso de informaesbibliogrficas, promoo de encontros, vinda de professores visitantes etc. Um exame dos projetos de pesquisa
desenvolvidos por esses ncleos mostra a predominncia de temas econmicos - ligados ao processo de adoo e difusode novas tecnologias - e sociais, relacionados aos possveis impactos de novas tecnologias sobre o emprego e aorganizao social do trabalho. Existem ainda alguns estudos sobre poltica tecnolgica, mas muito poucos voltados para aorganizao da atividade cientfica enquanto tal.
Finalmente, quase no existem trabalhos sobre a histria "interna" e os condicionamentos dos prprios contedos dapesquisa cientfica e tecnolgica, incluindo os fluxos de conhecimento e know-howentre o Brasil e o exterior e seu impactoem nosso meio. Por outro lado, embora a maior parte da pesquisa cientifica brasileira se desenvolva nas universidades,ainda se sabe muito pouco sobre a verdadeira repercusso que a pesquisa tem no ensino, ou sobre a influncia que tem oambiente universitrio sobre a pesquisa que nele se faz. H, pois, um longo caminho a percorrer para que a cincia dacincia se consolide no Brasil e comece a contribuir de forma efetiva para o melhor encaminhamento da pesquisa cientficabrasileira.
SUGESTES PARA LEITURAEsto traduzidos para o portugus alguns dos textos clssicos da moderna "cincia da cincia": Derek de Solla Price, O desenvolvimento dacincia(Rio, Livros Tcnicos e Cientficos, 1976; trad. Simo Mathias), Thomas S. Khun, A estrutura das revolues cientficas(So Paulo,Perspectiva, 1975, e Joseph Ben-David, O papel do cientista na sociedade(So Paulo, Pioneira / EDUSP, 1974; traduo de Dante MoreiraLeite). Sobre o desenvolvimento da atividade cientfica no Brasil, veja Fernando de Azevedo (editor), As cincias no Brasil (So Paulo,Melhoramentos, 1955,2 vols.), Nancy Stepan, Gnese e evoluo da cincia brasileira (Rio, Artenova, 1976); Vanya Sant'Anna, Cincia esociedade no Brasil (So Paulo, Smbolo, 1976); Regina Lcia Moraes Morel, Cincia e Estado: a poltica cientfica no Brasil(So Paulo, T. AQueiroz, 1979); Simon Schwartzman e outros, Formao da comunidade cientfica no Brasil(So Paulo e Rio, Cia. Editora Nacional / FINEP,1979); e Mrio Ferri e Shozo Motoyama, Histria da cincia no Brasil(So Paulo e Braslia, EDUSP / EPU / CNPq, 1979-81, 3 vols.). Doisclssicos sobre o tema no foram traduzidos: John D. Bernal, Social Function of Science(Nova York, MacMillan, 1973, e Bruno Latour eSteve woolgar, Laboratory Life: The Social Construction of Scientfic Facts(Beverly Hills, Sage Publications, 1979). Para uma reviso geraldesta literatura, com nfase nos estudos de tipo econmico, no vistos aqui, veja Fbio E. Erber, "Poltica cientifica e tecnolgica no Brasil:uma reviso da literatura," em Resenhas de economia brasileira, Joo Sayad, editor (So Paulo, Saraiva, 1979).
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