DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
189
Acidadevividanosespaçosdeartepelaperspectivadaleveza
Thecitylivedinartspacesfromtheperspectiveoflightness
PauloCelsoSilvaProfessordoPPGComunicacãoeCulturadaUniso
CássiaPérezdaSilvaMestrandapeloProgramadePós-GraduaçãoInterunidadesemEstéticaeHistóriadaArte(PGEHA)daUniversidadedeSãoPaulo(USP)
Artigosubmetidoem30dejunhode2019Artigoaceitoem25denovembrode2019
RESUMONesteartigo,paratratardasrelaçõesurbanas,recorremosàsobrasdelandartdaartistaAgnesDenes, cujaestéticaremeteaumengajamentosociopolítico.Foramescolhidos, para análise, três de seus trabalhos, apresentados em Nova York:Rice/Tree/Burial;Wheatfield - A Confrontation; eA forest forNewYork - A peacepark for mind and soul. Ao intervir no cotidiano da cidade, a artista permite aotranseunte refletir sobreos territóriosemqueoviveracontece.Elepodebuscarem um campo de trigo a leveza que o homem contemporâneo experimenta emaparatos tecnológicos de comunicação (os quais, inclusive, carrega consigo pararegistrarmomentos fugidios na e da cidade). Em relação ao conceito de leveza,recorremos ao filósofo francês Gilles Lipovetsky, para quem, nacontemporaneidade,a levezaescorredaordemdo imaginárioparaadorealpormeio de um processo de miniaturização. Contrariando essa perspectiva, AgnesDenesocupagrandespedaçosdosespaçosdereservadocapitalparatrazeràtonaa leveza. Este artigo pensa, ainda, o cotidiano e a necessidade de superá-lo dopontodevistadeHeller,AmorimSoareseSantos.PALAVRAS-CHAVE:Cidade;Arte;AgnesDenes;Comunicação.
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
190
ABSTRACTInthisarticle,todiscussurbanrelations,weanalyzeworksoflandartbytheartistAgnes Denes, whose aesthetics refer to a socio-political engagement. Threeinterventionswerechosenforthatpurpose,alloftheminNewYork:Rice/Tree/Burial;Wheatfield -AConfrontation;andA forest forNewYork -Apeacepark formind and soul. By intervening in the daily life of the city, the artist allows thepasserbytoreflectontheterritoriesinwhichlivinghappens.Itcanseekinawheatfield the lightness that contemporary people experience in technologicalcommunicationdevices(whichtheycanevencarrytorecordfleetingmomentsinand of the city). For the concept of lightness, we use the approach of FrenchphilosopherGillesLipovetsky, forwhoma lightnessnowflows fromtheorderofthe imaginary to the order of the real through a process of miniaturization.Contrary to this expectation, Agnes Denes occupies acres of spaces of capitalreserve to bring out lightness. The article also thinks about daily life and thenecessitytoovercomeitfromtheperspectiveofHeller,AmorimSoaresandSantos.KEYWORDS:City;Art;AgnesDenes;Communication.
Eu encontrei a terra das fadas bem aqui aomeu lado.Quando eu morava em South Jersey, não havia tempoparaodevaneio,eavidaeramaissimples.Vocênãoeraincomodado,vocênãotinhapessoastentandoteprenderou coisas doidas assim… Mas isso era tudo que havia.Nãohaviachancedeextensão,nãohaviachancedeserdestruído ou de realmente ser criado lá… Era apenasviver.E issoéokparaalgumaspessoas,maseusempresenti algo diferente semovimentando emmim, e é porisso que eu vim para cá. Porque eu sabia que haviacoisasdentrodemimquepoderiamflorescer.Talvezeumearruinasse.Talvezeumesentissepéssima.Maspelomenos isso sairia demim. Se não, não havia como issochegar à superfície. Nova York foi o que me seduziu.NovaYorkfoioquemeformou.NovaYorkfoioquemedeformou.NovaYorkfoioquemeperverteu.NovaYorkfoioquemeconverteu.ENovaYorkéoqueeuamo.EssaéminhapequenaoraçãoporNovaYork.
PattiSmith,1969.
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
191
Introdução
Parece acertado reconhecerque amaterialidadedas cidades está ligada a
momentosemqueoimaginárioéfatorpreponderante.Estenãoagesolitário,mas
estimuladoporimagensediscursosveiculadosemváriossuportes,fixosemóveis.
Carregandoum smartphone, podemosproduzir fotos e vídeosdosprocessosnos
quais estamos inseridos naquele momento e distribuí-los para outros usuários
destaoudequaisquercidades,porexemplo.
Asmarcas deixadas pelo pesado concreto com que pontes e edifícios são
construídos tornam-se levesquandodistribuídasnosmilharesdepontosdeuma
tela. Esses pontos podem mesmo ser considerados um discurso da cidade,
construído, desconstruído e reconstruído como materialidade imediata e
arquivável, para ser apagada, retomada, acreditada com o status de “verdade”,
graçasaoregistroerastrodeixadosporeles.
Assim, pode-se dizer que uma dasmarcas da cultura contemporânea é a
leveza,eumaoutra,relacionadaaela,éaminiaturizaçãodosprodutoseserviços,a
qualpermitecarregá-lospelosespaços.
Alevezadosfenômenoscomunicacionaiscontemporâneosemqueestamos
imersosepelosquaissomosmoldadosseestendetambémparaoutrossetoresdo
vivido e do imaginado. Entretanto, na imensidão dos possíveis, também se
relacionaàproduçãoderesíduoseaodescartedelixo.
Combase nessas experiências de produção e consumo na cidade, artistas
vêmutilizandoos territóriosvividosparanãosóproporalternativasaodescarte
de produtos,mas, a partir de ações e reflexões, propor amudança de hábitos e
ideias que atinjam o meio ambiente. Espécie de micro-utopia na qual o apelo
estético e o ativismo social transformam o território imediatamente próximo,
familiar a um grupo ou a umamaioria da população, que sente a suspensão do
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
192
cotidiano. Por isso, nesses casos, a escala é da ordemdomicro: não pode e não
quertransformartodosossegmentosdosocial.Nessesentido,atotalidadeganha
nova dimensão e distancia-se dos discursos ou utopias coletivas. Como sugere
Lipovetsky(2016,p.11):“Vivemossemgrandesutopiascoletivas.Aúltimautopia
éadosecologistas,emborasejaumtipoparticulardeutopiabaseadanomedo,no
terror.Diz-seotempotodoqueseascoisascontinuaremcomoestãooplanetavai
explodir.Asutopiasclássicasfalavamdeesperança”.
Este artigo pretende abordar a questão da cidade tendo como ponto de
partida o trabalho da artistaAgnesDenes, estabelecida nos EstadosUnidos.Nas
propostasdessaartistacontemporânea,podemosverificarcomoaleveza,aplicada
àculturadascidades,podelevar-nosparaoutradimensãodacríticaedaprodução
deespaçosurbanosreflexivos.
Avidacotidianaesuasuspensão
Aindaquea totalidade, segundoLipovetsky (2016), sedistanciedautopia
coletivanacontemporaneidade,avidacotidianamigraparaocentrodaprodução
midiática e é explorada e veiculada à exaustão, podendo mesmo “viralizar” nas
redes sociais. Em consequência, ela pode ganhar destaque nos meios de
comunicação tradicionais, mesmo que não simultaneamente ao acontecimento,
comoaconteceucomafotoomeninosírioAlanKurdi,mortotentandoatravessaro
MarMediterrâneo,quecomoveuasredessociaiseveículosdemídiatrêsanosapós
oacontecido.
Contudo, nas mídias, essa relação dialética entre totalidade(s) e
fragmento(s)nãoénova.Pode-seconsiderarum jornaldiáriocomoumacoleção
de retalhos, flashes e/ou fragmentos do cotidiano, com poucas matérias e fatos
sendo oferecidos ao leitor até o seu desfecho final (talvez as novelas publicadas
nos diários chegassem a esse ponto de totalidade, mas, ainda assim, estavam
fragmentadasnaspáginasimpressas).Comocontraponto,oleitorparticipadavida
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
193
cotidianacomo“homeminteiro,ouseja,ohomemparticipadavidacotidianacom
todososaspectosdesua individualidade,desuapersonalidade” (Heller,2000,p.
17) para validar ações e fatos pela sua funcionalidade. Eis a característica do
cotidiano:seéútil,éverdadeiro.
Nessadimensãopragmática,ultrapassarousairdacondiçãoimediatadeixa
desercotidianoepassaaconstituirumestadodesuspensão,eosergenérico,que
participadogênerohumano,vive,potencialmente,umaexperienciação,aqual
é sentida ao invés de pensada, sabida ou verbalizada. Experienciaçãoocorrenopresenteimediato.Nãosetratadeatributosgeneralizadosdeuma pessoa como traços, complexos ou disposições. Em lugar disso, aExperienciaçãoéoqueumapessoasenteaquieagora,nestemomento.Experienciaçãoéumfluxoconstantementemutáveldesentimentosquetornapossívelparaqualquerindivíduosentiralgumacoisaemqualquerdadomomento(GENDLIN,1961,p.233)
Aexperienciaçãoapresenta-secomoumaetapadoprocessodesuspensão
do cotidiano. É como ter um impacto ao mesmo tempo inicial e definitivo dos
fluxos dialéticos de objetivação/subjetivação gerados pelo efeito estético. Para
Agnes Heller (2000, p. 26), “as formas de elevação acima da vida cotidiana que
produzemobjetivaçõesduradorassãoaarteeaciência”.Elacitaaindaotrabalho
eamoralcomoduasoutrasformasdesuspenderocotidiano;destas,porém,não
trataremosaqui.
Éimportanteressaltaratemporalidadeeaespacialidadedasobrasdearte
edos/dasartistase,ainda,ofatodeeles/elasestareminseridosemumcotidiano,
poiséexatamenteessecotidianoquepermiteoenfrentamentodeproblemasque
culminamnas obras propostas. O “artista [...] tem sua particularidade individual
enquanto [mulheres e] homens na cotidianidade; essa particularidade pode se
manter em suspenso durante a produção artística [...],mas intervém na própria
objetivação através de determinadasmediações” (Heller, 2000, p. 27), ou seja, a
atividadecriadoraocorreemprocessomarcadopelohistóricoeosocial.
Nesse percurso de experienciação, “compreender o contexto em que o
sujeito se insere, assim como sua história de vida e a história da atividade, é
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
194
fundamentalparaacompreensãodassignificaçõesdequeseapropriouosujeitoe
dasnecessidadesqueomovemacriar”(Zanellaetal.,2000,p.540).Issoporque,
no extremo da suspensão do cotidiano, ter-se-á atingido a homogeneização, que
“significa, por um lado, que concentramos toda nossa atenção sobre uma única
questão e ‘suspenderemos’ qualquer atividade durante a execução da anterior
tarefa; e, por outro lado, que empregamos nossa individualidade humana na
resoluçãodessatarefa”(Heller,2000,p.27).
A autora vai ressaltar, entretanto, que essa “suspensão radical” não
acontece para todas as pessoas, sendo algo excepcional para amaioria, uma vez
que o caminho da homogeneização para o humano genérico – “produto e
expressão de suas relações sociais, herdeiro e preservador do desenvolvimento
humano” (Heller, 2000, p. 21) – não é uma prática comum. Artistas, cientistas,
moralistasetrabalhadoresnãoalienadosseriamosmaisindicadosaexperienciar
essa“suspensãoradical”.
AsobrasdeAgnesDenes,comintervençõesnocotidianodacidadedeNova
York, podem representar um momento de suspensão. Faz-se necessário, nesse
caso,adescrição,paralocalizaroleitoremseusprocessossocioespaciais.
AgnesDenesnocampodetrigourbano
Nascida emBudapeste emmaio de 1938, AgnesDenes é conhecida como
uma das principais artistas conceituais contemporâneas, com trabalhos que
envolvemvárioscamposcientíficos,comofilosofia,geografia,históriaeliteratura,
e nos quais a estética remete a um engajamento sociopolítico. Seu primeiro
trabalho de land art em grande escala e compreocupações ecológicas foiRice /
Tree/Burial,realizadoem1968,emSullivanCounty,NovaYork.Compunha-sede
três elementos interligados: um campo de arroz, árvores acorrentadas e uma
cápsula do tempo para ser aberta em 2979, contendo umhaiku, poema japonês
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
195
cujaelaboraçãosegueformaserituaisespecíficos,commétricasexatas(ocorteé,
aqui,aessênciadopoema,umavezque“haiku”querdizer“corte”).
Como a própria artista definiu sua obra: “Foi um ‘evento’ simbólico e
anuncioumeu compromisso com questões ambientais e preocupações humanas.
Foi tambémoprimeiroexercícioemeco-logic–umatoemeco-filosofia [...].Este
trabalho é considerado a primeira realização ecológica na arte pública”1 (Denes,
1968).
Nasimagensabaixo,vemosoprocessodeproduçãodaobra,oqualaautora
também qualificou como filosofia visual que desafia o status quo: “um processo
complexo que explora as essências como formas de comunicação. Encontra
métodos para colocar proposições analíticas em forma visual, define processos
ilusóriosecriaanalogiasentrecamposdivergenteseprocessosdepensamento”2
(Denes,1968).Considerandoqueaartistaseutilizadalandartcomosuportepara
a composição da obra, o efêmero faz-se necessário para a contemplação e
participaçãonaobraenosconceitospropostosporela.Essacaracterísticadaland
artpermitequeoespectadorobtenhasuaexperiênciaapartirdosmaisdiversos
meios, inserindo-setantonoprocessodecriaçãoquantonoresultadofinal,enão
se limitando a uma participação física no interior da obra. Segundo Cauquelin
(2005, p. 141) “os trabalhos de land art fazem do espectador não mais um
observador-autor (...) mas uma testemunha de quem se exige a crença”; o
espectador, então, participa como testemunha conceitual da obra e usufrui
esteticamentedopoderenvolver-seemtodasasetapasdela.
1Nooriginal:“Itwasasymbolic‘event’andannouncedmycommitmenttoenvironmentalissuesandhumanconcerns.ItwasalsothefirstexerciseinEco-Logic–anactineco-philosophy.Icoinedthewordstobeused2Nooriginal:“acomplexprocesswhichexploresessencesasformsofcommunication.Itfindsmethodstoputanalytical propositions into visual form, defines elusive processes and creates analogies among divergentfields and thought processes. It challenges the status quo and tests its own validity.” Denes, A. (1968).“Rice/Tree/BurialwithTimeCapsule”.Disponívelem:<http://www.agnesdenesstudio.com/works2.html>.
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
196
Figuras1,2,3e4-“Rice/Tree/BurialwithTimeCapsule”.©byAgnesDenes.Disponívelem:<http://www.agnesdenesstudio.com/works2.html>.
Rice/Tree/BurialpreparouAgnesDenesconceitualmenteparaoutraobra
demaiorenvergaduraedestaquenacidadedeNovaYork,em1982:Wheatfield-A
Confrontation:BatteryParkLandfill,DowntownManhattan,aqualo“acadêmicoe
curador Jeffrey Weiss chamou de ‘perpetuamente surpreendente... uma das
grandesobras-primastransgressorasdalandart’”3(ArtForum,2008).
AobraWheatfield-AConfrontationdialogacomacidadedeNewYork,seus
habitantes,valoresecomaproduçãoereproduçãodoespaço.Antesdequalquer
3Nooriginal:“scholarandcuratorJeffreyWeiss,hascalled‘perpetuallyastonishing...oneofLandArt’sgreattransgressivemasterpieces’”(ArtForum,2008).
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
197
análisemais detida, apresentamos as imagens feitas a partir da visão/leitura da
própriaautora:
Figura5-VistaaéreadeBatteryParknopreparodocampodetrigo.
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
198
Figura6-EntulhoerestosdeconstruçãodoWorldTradeCenter.
Figura7-Voluntáriosantesdoiníciodostrabalhos.
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
199
Figura8-Preparandoaterradepoisdaretiradadoentulhoecolocaçãodeterrafértil.
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
200
Figura9-Otrigoemcrescimento.
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
201
Figura10-OtrigocomoWorldTradeCenteremdestaque.
Figura11-Campodetrigoemprimeiroplano,navioeEstátuadaLiberdadeaofundo.
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
202
Figura12-AgnesDenesfotografadanocampodetrigo.Photo:JohnMcGrail.Type-CPrint,16x20",1982.
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
203
Figura13-Campodetrigocomestátuadaliberdadeaofundo.
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
204
Figura14-CampodetrigocomWorldTradeCenteraofundo.
Figura15-CampodetrigocomWorldTradeCenteraofundo.
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
205
Figura16-Colheitadotrigo.
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
206
Figura17-Aáreaemseuaspectoatual.BatteryPark,NovaYork.RenatoBonomini(https://www.flickr.com/photos/renatobo)
À épocada intervenção artística urbana,AgnesDenes escreveuumartigo
em que explicava a metodologia e as motivações para executarWheatfield - A
Confrontation,assimcomosuarepercussão:
DoisacresdetrigoplantadosecolhidospelaartistanoaterroBatteryPark,
Manhattan,verãode1982.
Apósmeses de preparativos, emmaio de 1982, um campo de trigo de 2
acres foi plantado em um aterro sanitário na parte baixa deManhattan, a duas
quadrasdeWallStreetedoWorldTradeCenter,emfrenteàEstátuadaLiberdade.
Duzentoscaminhõesdeterraforamtrazidose285sulcosforamcavadosàmãoe
limposdepedraselixo.Assementesforamsemeadasàmãoeossulcoscobertos
deterra.Ocampofoimantidoporquatromeses,limpodefenodetrigo,capinado,
fertilizado e pulverizado contra fungos demíldio, e um sistema de irrigação foi
instalado.Acolheitafoirealizadaem16deagostoerendeumaisde1000librasde
trigodouradosaudável.
Oplantioeacolheitadeumcampode trigoemterrasnovalordeUS$4,5
bilhões criaram um poderoso paradoxo. O campo de trigo era um símbolo, um
conceito universal; representava comida, energia, comércio, comérciomundial e
economia. Referia-se a má gestão, desperdício, fome no mundo e preocupações
ecológicas. Chamou a atenção para nossas prioridades mal colocadas. O grão
colhido viajou para vinte e oito cidades ao redor do mundo em uma exposição
chamada“OSalãoInternacionaldeArteparaoFimdaFomeMundial”,organizado
pelo Museu de Arte de Minnesota (1987-90). As sementes foram levadas por
pessoasqueasplantaramemmuitaspartesdoglobo.
O questionário era composto por questões existenciais sobre os valores
humanos, a qualidade de vida e o futuro da humanidade. As respostas foram
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
207
principalmente de estudantes universitários em vários países onde eu falava ou
tinha exposições do meu trabalho. Dentro do contexto da cápsula do tempo, o
questionáriofuncionavacomoumsistemaabertodecomunicação,permitindoque
nossosdescendentesnosavaliassemnãotantopelosobjetosquecriamos–comoé
habitual nas cápsulas do tempo –, mas pelas perguntas que fazemos e como
respondemosaelas.
Omicrofilme foi dissecado e colocado em uma cápsula de aço dentro de
umapesadacaixadechumboemnovepésdeconcreto.Umaplacamarcao local:
nabordadaflorestaindígena,cercadaporarbustosdeamora.Acápsuladotempo
deveserabertaem2979,noséculoXXX,amilanosdaépocadoenterro.
Existem, ainda dentro do quadro deste projeto, várias cápsulas do tempo
planejadasnaTerraenoespaço,destinadasaváriosprazosnofuturo.
Postscript: O texto acima, que foi escrito em 1982, ganha agora pungência e
relevânciaapós11/09/2001.
(Denes,1982)
ONew York Times, em 2 de agosto de 1982, repercutiu em suas páginas
Wheatfield-AConfrontation,destacandoavisãosurrealdocampodetrigoquando
avistadopelosusuáriosdosbarcos:
Ondasurbanasdegrão
DoisacresdetrigodaDakotadoNorteficaramâmbar,ondulandonabrisa
do mar no aterro de Battery Park City, perto das torres de Wall Street, do
DowntownAthleticClubedoWorldTradeCenter.Olharatravésdestecampode
trigoéveraEstátuadaLiberdade,Ellis Islandeo tráfegodebarcoscomonuma
ilusãosurreal.
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
208
“Caramba!”,exclamouumamulher,parandoontemenquantoseugrupose
dirigiaparaasbalsasdaexcursão.Masaanomaliapassadespercebidapormuitos,
quedificilmenteparamparadarumaolhada.
AgnesDenes,umaartistadoSoHo,plantouseisalqueiresdetrigo,emmaio,
comaajudadeumtratorealgunsvoluntários,incluindooPublicArtFund.Aideia,
disseela,era fazer“umaintromissãodocamponametrópole,osetor imobiliário
maisricodomundo”.
Catando “lixo,pneuse sobretudosvelhos”do lixão, segundaaartista, eles
adicionaramterraecavaram285sulcosparacriarumoásisde“existênciasimples
e natural, sem estresse”. Removendo ervas daninha e regando enquanto
trabalhadoresdeescritórioobservavamdasjanelasou“faziamvisitasnahorado
almoçoemtrajesdetrêspeças”,oscultivadoresapreciaram“osinsetos,delouva-
a-deusapirilampos,doprópriocampo”,disseDenes.
Maso trigourbanoestá,de fato, sob tamanho “estresse”que teráque ser
colhido um mês antes, de acordo com John Ameroso, o agente de extensão do
condadodeKingsqueéoconsultoragrícoladeDenes.
“Ele pegou fungo cedo demais, e eu odeio vê-lo partir”, disse ela,
preparando-separaumacelebraçãopré-colheitaem11deagosto.“Estouaquisete
diasporsemana-éomeuloftagora.”
(Haberman&Johnston,1982)
Aapanhadoranocampodetrigourbano
O vento na Upper New York Bay balança um campo dourado de trigo. O
local é um dosmais valorizados pelomercado imobiliário internacional e a cor
douradatrazumasimbologiadaostentaçãodesereestaremNovaYork,enãosó
emNovaYork,masnosterritóriosfinanceirosdeNovaYork.
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
209
Oterrenolimpodepedras,sobretudoserestosdecidadeserveparaarare
semearoutrasmaneirasdeverocotidiano,novas formasdo fazernão-cotidiano,
quenosrelembraMartinsquandoesteafirmavao“modocapitalistadepensar”:
Enquanto modo de produção de ideias, marca tanto o senso comum quanto oconhecimento científico.Define aproduçãodasdiferentesmodalidadesde ideiasnecessáriasàproduçãodemercadoriasnascondiçõesdeexploraçãocapitalista,dacoisificação das relações sociais e da desumanização do homem. Não se refereestritamenteaomodocomopensaocapitalista,masaomododepensarnecessárioàreproduçãocapitalista(1978,p.11).
Assim,énocotidianoqueasatençõessãocentradasnaproduçãocapitalista
dosbensdeconsumoe,portanto,emumpensar-agir-reproduzirbaseadonomodo
capitalista de existência. Vê-se por que o editorialista do New York Times
prontamentechamaaatençãodeseusleitoresparaa“ilusãosurreal”docampode
trigonewyorker,quefazatranseunteexclamar:“Caramba!”
A representação fotográficamais consumida e famosadeAgnesDenes foi
registradaporJohnMcGrail,masaartistanãoaaprovou:“Eufizamaiorparteda
fotografia, a propósito, para Wheatfield (...) Eu estou em uma delas; foi um
fotógrafodaLifequeveio.Eledisse:‘Segureobastãoemsuamão’.Eudisse:‘Issoé
ridículo’.Eledisse:‘Apenassegure-o(…)Sim,essaéaúnica[fotoqueapareceem
todos os veículos].’”4. (Pollack, 2015, p. 44). Esse registro é constantemente
reproduzido comoum íconepara ser consumado/consumido em sites e revistas
pelomundo.
A proposta de Agnes Denes era refletir a respeito de uma “existência
simples e natural, sem estresse” na/da cidade; uma leveza que dialogasse
dialeticamente com a leveza indicada por Lipovestsky (2016), a qual, pelo
contrário, traz mal-estar e ansiedade por sua imediatez. Dessa forma, as
4Nooriginal:“DENES:Ididmostofthephotographymyself,bytheway,forWheatfield.POLLACK:Well,you’reinoneofthem.DENES: I’m inoneof them; thatwasaLifephotographerwhocame.Hesaid, ‘Hold thestaff inyourhand.’ Isaid,‘That’sridiculous.’Hesaid,‘Justholdit.’POLLACK:Andthat’stheonethatgetsprintedeverywhere.DENES:Yeah,that’stheonlyone.”
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
210
possibilidades são reabertas por Denes, uma vez que “a transformação do
cotidiano vem pelo indivíduo que pode alargar fissuras, passar pelos vãos,
encontrarintervalos”(Soares,2001,p.132).
As fissurasabertasdiariamenteaoconsumireserconsumidopelacidade,
seja pela mistura química de oxigênio, nitrogênio, gás carbônico, gases nobres
inaladosemtrajetosdemarcadosporindicaçõesnuméricasdasruaseedificações;
seja pelos caminhos percorridos graças aos mapas mentais configurados pela
existência nos territórios permitidos pelas experiências vividas e imaginadas. “O
domíniodarealidadechegaatravésdovigorestruturanteentreoconhecereoagir
(teoria e práxis) canalizado pelo discurso geográfico” (Soares, 2001, p. 146).
Discursos de textos em vários formatos: sintético-ideográficos, analítico-
discursivos,físico-mentais.
AssimcomooadolescenteHoldenCaulfield,5quesevêcomoumguardião,
umsalvador,umapanhadordecriançasquecorremlivrementenograndecampo
decenteio,despreocupadasqueocampoestejalocalizadonabeiradeumabismo,
ocampodetrigodeAgnesDenesnosconvidaalançar-nospelos8093,71m²,livres
paraconsumi-losensorialmente.Eleéanovidadenão-efêmeraacadainstante,um
combateà levezapesadadoconsumismomedianteassensaçõesetecnologiasdo
nossointerior,mudandonossavida(Lipovetsky,2016,p.12).
De-compor,semderrubaroterritóriodomercadofinanceiro,éumexercício
diário para muitos dos moradores de Nova York que passaram pelo campo de
trigo...
Proporção-Nemfloresta,nemcampodetrigo.
5HoldenCaulfieldéoprotagonistaenarradordaobrade1951TheCatcherintheRye(noBrasil,"Oapanhadornocampodecenteio"),deautoriadonorte-americanoJ.D.Salinger.
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
211
Figura18-JamaicaBay-NovaYork.GoogleMaps
Figura19-IlustraçãodeumafasedoprojetoAforestforNewYork—apeaceparkformindandsoul
- AProjectfortheEdgemereLandfill,Queens,NewYork2014
Figura20-AforestforNewYork—apeaceparkformindandsoul.
Queens,NovaYork,2014.
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
212
Desde 2013, Agnes Denes tem um projeto com um título que pode ser
traduzidocomo“UmaflorestaparaNewYork–umparquedepazparaamenteea
alma”, no qual propõe o plantio de 100.000 árvores com total adaptação ao
ambientedoaterro,assimquetiverpreparadoosoloparareceberassementes.
Até2019,oprojetonãofoipostoemação,apesardesuaaplicabilidadeesua
preocupaçãonãoapenasestética,mascomasaúde,“atravésdosefeitospositivos
deumaflorestapararemoverodióxidodecarbonodoar,purificando-o,limpando
a água subterrânea e criando um ecossistema saudável através de processos
biológicosnaturaisparatodaacidadeeseusarredores”(Denes,2014).
Caso seja efetivado, ele será um local de visitação aberto, contando ainda
com centro de visitantes, café, salas de descanso, um local para celebrações
importantes,exposições, concertos,estacionamentoao longodeseusperímetros.
Maisimportante:pertenceráàspessoasdomundo.Umprodutoleveparaapazna
menteealma.
ANaturezaemseuespaçourbano
Oqueéanatureza?Oinfernodacidadeoudacultura.
Olugarondeoreifoibanido:exatamenteolugar(lieu)dodesterro(ban),Aopédaletra,osubúrbio.
MichelSerres,OContratoNatural.
Ametrópoleéumpatamaravançadodaurbanização,o locusdaprodução
civilizatória, o lugar em que se pode viver com sofisticação. Conforme Santos
(2007),nãoéotamanhoqueadefine,masofatodeoferecera“sofisticação”como
amplapossibilidadeparaseusmoradores.Éa limitaçãodessasofisticaçãoparaa
grande maioria da população o que diferencia metrópoles como Nova York,
LondreseParisdeoutrascomoSãoPauloouCidadedoMéxico(Santos,2007).
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
213
O campo de trigo da metrópole quer trazer também a leveza do mundo
comoumvaloroferecidopelaartistaaosmoradoresdacidadeemseucotidiano.
Pode-seconsiderarqueessaofertaéumaformadepensarocotidianodesdeuma
experiência e uma proposta territorial, pelo fato de apresentar um trabalho da
artista,eotrabalhoé“umadassedesdocotidiano”(Santos,2007,p.94).
Háumacontradiçãoentreovalordometroquadradodasáreasdacidade,o
ícone globalizado doWorld Trade Center ou das ilhas, e a leveza conceitual da
plantação urbana de trigo, em diálogo com a apropriação do solo pelo capital
financeiro,especialmentenocasodeBatteryPark.
Nocentrodadiscussãoentreoartísticoe financeiroglobalizado,pensara
emoção como comunicação coloca o artista mais perto do homem comum do
cotidiano,pois “ograndeartistaé livreesabeque, senãoháemoção,elenãose
aproximadaverdade[...]Oexistircomocondiçãoparaveromundo.Eissoinclui,
emprimeirolugar,aemoção.Porquearazãoreduzaforçadedescobrir,porquesó
aemoçãonoslevaaseroriginais”(Santos,2002,p.62-4).
Aemoçãoaliadaàleveza,ealiadatambémàrazão,podeserpensadacomo
“emoraçãoleve”,paraaproveitaraindaasugestãodeSantos,paraquema“noção
deemoraçãoencontraseufundamentonessastrocassimbólicasqueunememoção
erazão”(Santos,1996,p.256).
Assim,emnossocotidianotecnologizado,alevezadosaparatosportáteis–
ou, aomenos,partedeles–, se encontra coma levezadeumcampode trigo,no
lugarondeanteriormente estavampesados escombrosde concreto, entreoutros
materiaisdescartadospeloscitadinos:éoencontrodatecnosferacomapsicosfera.
Para Santos (1996, 2007), essas duas instâncias de análise estão
interligadas.Atecnosferavistacomoaartificializaçãodomeioambientepelaação
dotrabalhosobreotrabalhoeo“espaçogeográfico[…][que]servedebaseauma
vidaeconômicaesocialcrescentementeintelectualizada,graçasàcomplexidadeda
produçãoeaopapelquenelaexercemosserviçoseainformação”(Santos,1996,p.
204).Mas,aomesmotempoemqueessainstânciasevêdependentedaciênciae
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
214
da técnica, cria-se a psicosfera, que resulta das crenças, desejos e hábitos que
inspiramecompõemumafilosofiaesuaspráticas.“Apsicosferaéesseconjuntode
crençaseideias,essaesferadamente,muitomaisfácildeserartificializadatalvez
que o território porque, através do consumo e damídia, eu a altero commuita
rapidezegrandebrutalidade”(Santos,2007,p.94).Eessacargadeinformaçãono
território–redessemfio,InternetdasCoisas,rádio,TV–participamdocotidiano
renovado,baseadonospapéisdaciência,tecnologiaeinformação.
Em sintonia com as propostas indicadas, Lipovetsky vai afirmar que “nos
governaumaculturacotidianadaleveza‘dosmeios’,poisouniversodoconsumo
nãocessadeexaltarsistemasdereferênciahedonistaselúdicos”(2016,p.10).
Contudo, faz-senecessário indicarqueSantosanalisa a sociedadedesdea
perspectiva moderna. Conceitos como pós-moderno, hipermodernidade,
modernidadelíquida,entreoutrasdefiniçõesdomomentovivenciadonosséculos
XX e XXI, não se mostravam relevantes para ele. Isso porque sua proposta de
trabalho se colocava em favor da empirização, da busca de coerência na
caracterização do momento, considerando que a totalidade se tornou empírica,
permitindoateorização(Santos,2007,p.83).
Pareceapropriadopensara“emoraçãoleve”paracompreenderasrelações
e os arranjos espaciais, expressos nas unidades paisagísticas da cidade de Nova
YorkcomaocupaçãovegetaldeBatteryPark.PelametodologiaexpostaporAgnes
Denes, pode-seperceber suapreocupação tecno-científica. Aomesmo tempo, ela
indicaesugereumdesfrutardacidade,equeBatteryParknãoquerserumcampo,
nãoalmejasetornarumaNovaYorkrural.Almejaacomunicaçãonacidade,pois
ela,acidade,é “o lugar ideal,porqueéo lugarondetodoomundosecomunica”
(Santos,2007,p.113).Eissosedivisaemsuaobra.
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
215
Ilação
Este artigo buscou tratar da relação entre a cidade e a arte no espaço,
ressaltando a leveza de um campo de trigo na paisagem urbana, propondo uma
temporalidade diferente na reconstrução dos usos mais comuns da construção
civil,dispostosemgrandesedifíciosesuasviasdeacessoepraças,naicônicaNova
York,cidadeglobalporexcelência.
Amparadobibliograficamenteemfontesinterdisciplinares,oartigocolocou
possibilidadesdeanálisevisandonãoapenasadescriçãodaobradeAgnesDenes,
masuma tentativadepensá-ladentrodeumcontextomaisdenso, envolvendoa
cidadeeoespaço.
A leveza conceitual do campo de trigo no espaço urbano contradiz
diretamente as propostas capitalistas do uso do solo urbano pelo mercado
financeiroglobal.ColhertrigoemNovaYork,observandooWorldTradeCenter,é
um modo de questionar a hegemonia do capital financeiro na cidade. A
efemeridade do tempo e do espaço dessa ocupação suspende por alguns
momentosocotidianodoscitadinosedosturistas.Otempodeincorporaçãodessa
paisagem no cotidiano, meses depois, é suspenso também durante a colheita,
motivada pelo aparecimento de mofo no trigal. Ao fim, dando continuidade ao
diálogoentreaobraeosmovimentosdocapital financeiro,aocupaçãoterminou
coma construçãode áreas residenciais, parques, cais e centros culturais em seu
lugar, assumindo o papel corriqueiro da urbanização com base no valor
imobiliário. Nada diferente do que o que a própria artista imaginava que
aconteceria.
Jáaflorestapensadaerepensadaemseusprojetosaindanãoconseguiuser
efetivada.Entretanto,emabrilde2019,na impossibilidadedeparticipardeuma
conferênciaparaaqualforaconvidadapelaHarvardUniversityGraduateSchoolof
Design, Denes enviou ummanifesto escrito e uma obra plástica com indicações
parasuavida-obra.Entreasafirmaçõesfeitasporela,destaca-se:
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
216
Quando comeceiminha jornada, quismudaromundo, reavaliar todooconhecimento e colocá-lo em forma visual para melhor compreensão.Quandotrabalhei,percebiqueminhatarefaeraumpoucomaiscomplexadoqueoquepoderiaseralcançadoporumaúnicamentesemajudaoufundos.Issonãomeabalounemumpouco,eeucontinueiestabelecendoe atingindo metas. Querer mudar o mundo se transformou em umaproduçãoartísticaúnicadeumavidainteiradecriaçãoevisualizaçãodeprocessosinvisíveis,comomatemática, lógica,processosderaciocínioeassimpordiante.Este processo de reavaliação e visualização tornou-se um processo deoferecer à humanidade soluções benignas para alguns de seusproblemas,eenvolveuumainfinidadededisciplinas.Então, agora, pergunte a si mesmo: onde você está na sua idade dequerermudarascoisas?Quemontanharestasubir,moveroueliminar?Não pretendo contar-lhes verdades ou objetivos últimos, apenas quevocêsdevemprocurá-los.Éessabuscaqueéajornada,eétãopreciosaquantoodestino.Questionartudo.Nãoapenasporquevocêdeveria,masporque você pode aprimorar sua capacidade de fazê-lo. A melhorcriatividadevemdoquestionamentodo statusquo. Suamente será suasalvaçãoemummundoconturbado,enuncahaveráumtempoemquenossomundonãoestejaconturbado.(DENES,2019).
Deoutubrode2019ajaneirode2020aconteceaprimeiraretrospectivada
obra de Agnes Denes em Nova York, intitulada Agnes Denes: Absolutes and
Intermediates.
A leveza de uma obra de arte no espaço urbano contrasta com seu uso
correntenocapitalismo,principalmenteemumacidadeglobalcomoNovaYork.Ao
possibilitarasuspensãodocotidianoparaoscitadinos,Denesadicionaaosespaços
dacidadenovasdimensõespotenciaiseagenciamentosatéentãonãoimaginados.
Questionartudo:eisoquenosresta.
Referênciasbibliográficas
CAUQUELIN,Anne.ArteContemporânea:Umaintrodução.SãoPaulo:MartinsFontes,2005.
DENES,Agnes.“Rice/Tree/BurialwithTimeCapsule(1968)”.Disponívelem:<http://www.agnesdenesstudio.com/works2.html>.Acessoem:17jul.2019.
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
217
______.“TwoacresofwheatplantedandharvestedbytheartistontheBatteryParklandfill,Manhattan,Summer1982”.Disponívelem:<http://www.agnesdenesstudio.com/works7.html>.Acessoem:17jul.2019.
______.“AforestforNewYork–Apeaceparkformindandsoul.APojectfortheEdgemereLandfill,Queens,NewYork,2014”.Disponívelem<http://www.agnesdenesstudio.com/works1.html>.Acessoem:17jul.2019.
______.“PioneeringconceptualartistAgnesDenesaddressesthestudentsoftheHarvardGraduateSchoolofDesign”.Disponívelem:<https://bit.ly/2YqNrE4>.Acessoem:20jul.2019.
GENDLIN,EugeneT.“Experiencing:Avariableintheprocessoftherapeuticchange”.AmericanJournalofPsychotherapy,vol.15,p.233-245.1961.Disponívelem:<https://focusing.org/gendlin/docs/gol-2082>.Acessoem:17jul.2019.
HABERMAN,Clyde.&JOHNSTON,Laurie.“UrbanWavesofGrain”.NewYorkTimes,1982,Aug.2.Disponívelem:<https://nyti.ms/29KeEXQ>.Acessoem:17jul.2019.
HELLER,Agnes.Ocotidianoeahistória.SãoPaulo:PazeTerra,2000.
LIPOVETSKY,G.Daleveza:Rumoaumacivilizaçãosempes.Trad.IdalinaLopes.Barueri:Manole,2016.
MARTINS,JosédeSouza.Sobreomodocapitalistadepensar.SãoPaulo:Hucitec,1982.
POLLACK,Maika.“AgnesDenes”.InterviewMagazine.p.44-45;146-148.2015.Disponívelem<https://www.interviewmagazine.com/art/agnes-denes>.Acessoem:17jul.2019.
SANTOS,Milton.AnaturezadoEspaço:Técnicaetempo,razãoeemoção.SãoPaulo:Hucitec,1996.
______.Opaísdistorcido.SãoPaulo:PubliFolha,2002.
______.Encontros.Org.MariaAngelaP.Leite.RiodeJaneiro:BecodoAzougue,2007.
SERRES,Michel.Ocontratonatural.RiodeJaneiro:NovaFronteira,1991.
SMITH,Patti.“onnewyorkcity”(1969).(1min15s).Youtube.2011.Disponívelem:<https://youtu.be/ZpSYIzxtoTs>.Acessoem:17jul.2019.
SOARES,MariaLúciadeAmorim.GirassóisouHeliantos:Maneirascriadorasparaoconhecergeográfico.Sorocaba:Teaser/LINC,2001.
DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019
DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417
218
WEISS,Jeffrey.“LandArt”.ArtForumMagazine,47,#1.2008.Disponívelem:<https://www.artforum.com/print/200807/land-art-20912>.Acessoem:17jul.2019.
ZANELLA,AndréaVieira;BALBINOT,Gabriela;PEREIRA,RenataSusan.“Recriara(na)rendadebilro:analisandoanovatramatecida”.Psicologia:ReflexãoeCrítica,3(13),p.539-547.2000.Disponívelem:<http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722000000300021>.Acessoem:17jul.2019.
Top Related