Universidade Estadual de Campinas
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Mestrado em História
Jhoyce Póvoa Timóteo
A CIDADE DE SÃO PAULO EM “ESCALA HUMANA”:
LUIZ DE ANHAIA MELLO E SUA PROPOSTA DE
RECREIO ATIVO E ORGANIZADO.
Campinas, janeiro de 2008.
JHOYCE PÓVOA TIMÓTEO
A CIDADE DE SÃO PAULO EM “ESCALA HUMANA”: LUIZ DE
ANHAIA MELLO E SUA PROPOSTA DE RECREIO ATIVO E
ORGANIZADO.
Dissertação de Mestrado apresentada no programa de pós-graduação em História, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - Universidade Estadual de Campinas, realizada sob a orientação da Profa. Dra. Maria Stella Martins Bresciani.
Este exemplar corresponde à redação final da Dissertação defendida e aprovada pela Comissão Julgadora em 29/02/2008. Banca examinadora:
Prof. Dra. Maria Stella Martins Bresciani (orientadora)
Prof. Dra. Josianne Francia Cerasoli (membro)
Prof. Dra. Marisa Varanda T. Carpintéro (membro)
Prof. Dra. Ivone Salgado (suplência)
Prof. Dr. Edgar Salvadori De Decca (suplência)
Campinas, janeiro de 2008.
iv
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP
Título em inglês: The city of São Paulo in “human scale”: Luiz de Anhaia Mello and his proposal of active and organized recreation.
Palavras chaves em inglês (keywords) :
Área de Concentração: Política, Memória e Cidade Titulação: Mestre em História Banca examinadora:
Data da defesa: 29-02-2008 Programa de Pós-Graduação: Mestrado em História
Mello, Luiz de Anhaia Urbanism Leisure – São Paulo (SP)
Maria Stella Martins Bresciani, Josianne Francia Cerasoli, Marisa Varanda T. Carpintéro
Timóteo, Jhoyce Póvoa T489c A cidade de São Paulo em “escala humana”: Luiz de Anhaia
Mello e sua proposta de recreio ativo e organizado / Jhoyce Póvoa Timóteo. - - Campinas, SP : [s. n.], 2008.
Orientador: Maria Stella Martins Bresciani. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
1. Mello, Luiz de Anhaia. 2. Urbanismo. 3. Lazer – São Paulo (SP). I. Bresciani, Maria Stella Martins. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III.Título. (mh/ifch)
v
Resumo
O tema deste trabalho é o sistema de Recreio Ativo e Organizado defendido pelo
engenheiro-arquiteto Luiz Ignácio Romeiro de Anhaia Mello para a cidade de São Paulo,
no início do século XX. Analisa a inserção desta proposta de lazer em seu pensamento
urbanístico, destacando sua representatividade para o projeto político de tornar a capital
paulista uma cidade mais “humanizada”. Problematiza, também, os desdobramentos sociais
objetivados por Anhaia Mello, uma vez que este sistema de recreio estava voltado aos
bairros operários, numa tentativa de educar os trabalhadores para a utilização de seu
“tempo-livre”. Através de artigos publicados em periódicos, entre as décadas de vinte e
setenta, focalizamos seu argumento de que o lazer era um importante aliado na obtenção de
“cidadãos úteis à pátria”, por significar um momento propício à formação de um sentimento
cívico e à valorização da vida em comunidade.
Palavras-chave: Luiz de Anhaia Mello; Urbanismo; São Paulo; lazer
vii
Abstract
The subject of this work is the system of Organized and Active Recreation defended
by the engineer-architect Luiz Ignácio Romeiro de Anhaia Mello for the city of São Paulo,
on the beginning of the XX century. It analyses the insertion of this proposal of leisure in
his urbanistic thought, highlighting its representativity for the political project of
transforming the capital of the state into a more “humanized” city. It problematizes, also,
the social implications aimed by Anhaia Mello, once this system of recreation was directed
to the labour districts, on a tentative of educating the workers for the use of their “free-
time”. Through articles published in periodicals, between the twenties and the seventies, we
focus his argument that the leisure was an important ally on the obtainment of “citizens
useful to the nation”, representing a favorable moment to the formation of a civic sense and
to the valorization of the life in community.
Keywords: Luiz de Anhaia Mello; Urbanism; São Paulo; leisure
ix
Agradecimentos
De modo especial, agradeço a Stella Bresciani pela generosidade e paciência nesta
trajetória que começou em meu segundo ano de graduação e chega a este trabalho de
importante significado profissional. Orientadora dedicada e com um olhar sensível às
dificuldades de uma iniciante em pesquisa científica, uma postura que tornou mais suave a
experiência do mestrado. Stella, obrigada, sempre.
À Cristina Meneguello não apenas por sua participação em meu exame de
qualificação, mas, principalmente, pelo período em que fui sua bolsista trabalho e tive a
sorte de encontrar em meu caminho uma pessoa que me ofereceu interessantes e
importantes oportunidades profissionais.
Agradeço à Marisa Carpintéro e Josianne Cerasoli por terem aceitado participar da
“finalização” deste trabalho, pois foram importantes colaboradoras. Com a Josianne, amiga
querida, aprendi os primeiros passos da pesquisa arquivística e, por acompanhar o processo
de consolidação de sua carreira de historiadora, a tenho como referência de
profissionalismo e amor ao ofício.
Aos colegas de CIEC, pela prazerosa convivência e aos membros do Projeto
Temático Fapesp “Saberes eruditos e técnicos na configuração e reconfiguração do espaço
urbano” - Unicamp/Unesp/PUC-Campinas/IUAV-Veneza expresso meu agradecimento por
participar dos encontros científicos, nos quais aprendi muito. À minha amiga Priscila
Piazentini Vieira, merci beaucoup, porque eu não poderia agradecer de modo convencional
a uma mente tão estimulante e que desde as primeiras semanas de graduação tornou as
aulas de teoria tão envolventes.
A amigos e familiares pela compreensão da renúncia ao convívio durante algumas
fases deste trabalho, o apoio de vocês foi imprescindível. Ao Fábio, meu amor
companheiro, dedico a finalização deste trabalho. Devido a você, e por você, tornei-me
uma pessoa mais otimista e mais confiante em minhas potencialidades.
À minha mãe Eliana, espero que este trabalho simbolize nossa vitória particular
frente às adversidades do passado.
Agradeço à FAPESP pelo apoio financeiro que possibilitou essa pesquisa.
1
Índice
Apresentação ......................................................................................................................03
Parte I: Os “lugares” do recreio ativo e organizado no pensamento urbanístico de Luiz
de Anhaia Mello...................................................................................................................11
I.1. A cidade de São Paulo em “escala humana”.................................................................19
I.2. Os Estados Unidos e sua bem sucedida experiência em Urbanismo.............................37
I.3. O recreio ativo e organizado e sua relação com a “Árvore do Urbanismo”................45
Parte II: Da Polícia ao Playground: a “política expressiva” formando “cidadãos úteis à
pátria”...................................................................................................................................59
II.1. Uma nova concepção de lazer.......................................................................................73
II.2. A formação do “cidadão útil à pátria”........................................................................83
Considerações Finais.........................................................................................................105
Fontes.................................................................................................................................109
Bibliografia........................................................................................................................111
3
Apresentação
Este trabalho iniciou-se em uma pesquisa de iniciação científica, orientada pela
professora Maria Stella Martins Bresciani, que tinha como um dos objetivos a análise de
artigos do Boletim do Instituto de Engenharia. Dentre os vários autores que publicaram
seus trabalhos neste periódico, no início do século XX, Luiz de Anhaia Mello ganhou
especial interesse não só pela quantidade de publicações ou pela diversidade de temas
abordados, mas pelo seu firme propósito em afirmar que de nada adiantaria o conhecimento
técnico ao Urbanismo, se este não contasse com o apoio da opinião pública.
Anhaia Mello não era o único a defender esta idéia. Marisa Carpintéro, em seu
trabalho Em busca da imagem: a cidade e seu figurino (São Paulo 1938-1954)1, afirma que
não existiam diferenças abruptas entre este profissional e seu colega Prestes Maia até a
década de 1950, segundo ela:
“[...] até a década de 50, as diferenças teóricas entre eles eram pequenas, dado que
ambos se prendiam às experiências das cidades norte-americanas [...] apostavam
na eficácia da disciplina urbanismo como responsável pela qualidade de vida na
cidade moderna, na importância do ‘zoning’, na formação da Comissão do Plano
da Cidade e ainda na propaganda como forma de atingir a opinião pública”2.
A interlocução com diversos profissionais de sua área encontra-se representada em
seus artigos, que fazem referência a diversos especialistas, o quais não se restringiam a
estudiosos sobre a cidade, e à defesa da constante atualização do engenheiro-arquiteto
através da leitura de periódicos internacionais. Raquel Rolnik, em A cidade e a lei:
legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo3, destaca a coerência das
propostas de Anhaia Mello com as necessidades de uma nova administração pública que se
configurava ao final da Primeira República.
1 CARPINTÉRO, Marisa Varanda T.. Em busca da imagem: a cidade e seu figurino (São Paulo 1938-1954). Tese (Doutorado em História). Campinas: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, 1998. 2 CARPINTÉRO, Marisa Varanda T. Em busca da imagem: a cidade e seu figurino (São Paulo 1938-1954), p.101. 3 ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. – 2ª edição – São Paulo: Studio Nobel: Fapesp, 1999. – (Coleção cidade aberta)
4
Entretanto, Anhaia Mello acreditava que os problemas da capital paulista só
poderiam ser definitivamente resolvidos se obedecessem aos princípios de um
planejamento urbano “humanizado”. A técnica deveria atender aos interesses da vida em
sociedade, de forma que fosse utilizada pelo urbanista para promover o bem estar da
coletividade. Desta maneira, era dever do urbanista adequar a cidade à “escala humana”,
seja do ponto de vista técnico, reduzindo as distancias entre moradia, trabalho e recreio,
seja através de atitudes humanistas, no desejo de tornar a cidade agradável a todos, ou
mesmo num sentido religioso, em que o aspecto humano estava no exercício de compaixão
para com o próximo.
O sistema de recreio ativo e organizado, tema desta dissertação, constitui um bom
exemplo da tentativa de Anhaia Mello em tornar mais humana a rotina na cidade de São
Paulo. O objetivo desse sistema de lazer era suavizar o impacto emocional decorrente da
adaptação a uma cidade em acelerado processo de crescimento e industrialização. Nesta
proposta de lazer, o prazer decorrente das atividades esportivas, das brincadeiras infantis,
do passeio com a família, é o maior aliado na ação disciplinadora de formar “cidadãos úteis
à pátria”. O estudo esse sistema de lazer permite analisar diversos elementos de sua teoria
urbanística que, como salienta Cláudio Hiro Arasawa, em sua dissertação “A ‘Árvore do
Urbanismo de Luiz de Anhaia Mello”4, “Tratava-se não de oferecer amplos projetos de
intervenção espacial, expressos em croquis, plantas e aquarelas, mas de construir uma
instância de poder capaz de, a um só tempo, educar as massas, interpretar seus desejos e
elaborar um ‘plano da cidade’”5.
A importância de Anhaia Mello para a formação do pensamento urbanístico na
cidade de São Paulo não se deve apenas à sua vasta produção sobre o assunto, mas também
pelos desdobramentos de suas idéias na administração da capital paulista. Cândido Malta
Campos discute em seu livro Os rumos da cidade: urbanismo e modernização em São
Paulo6 a repercussão do pensamento de Anhaia Mello na administração municipal de Fábio
Prado. Além disso, Stella Bresciani, em seu texto A Algaravia das pequenas memórias
4 ARASAWA, Cláudio Hiro. “A ‘Árvore do Urbanismo de Luiz de Anhaia Mello”. Dissertação de Mestrado, orientação de Elias Thomé Saliba. Universidade Estadual de São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Departamento de História, dezembro de 1999. 5 ARASAWA, Cláudio Hiro, op. cit., p.13. 6 CAMPOS. Candido Malta. Os rumos da cidade: urbanismo e modernização em São Paulo. – São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2002.
5
encontrando-se com a linguagem especializada: estética moderna e cidadania em São
Paulo de 1890 a 19407, afirma que no período de 1890 a 1940, é impossível diferenciar, em
termos conceituais, o vocabulário do urbanista e do administrador municipal, seja porque os
governantes, em sua expressiva maioria foram alunos da Escola Politécnica ou porque
recorriam a relatórios desses especialistas. Apesar da sobreposição das carreiras de político,
urbanista e professor universitário, devido ao conjunto de fontes escolhido, a ênfase deste
trabalho recai sobre sua produção acadêmica, em detrimento de sua atuação na
administração pública, durante o período que foi prefeito de São Paulo. Em relação às suas
supostas “influências” nos governos municipais que o sucederam, esta análise se restringe
ao tema do recreio ativo e organizado.
A seleção de artigos trabalhados teve como referência o livro Urbanismo no Brasil,
1895-19658organizado por Maria Cristina Leme, em que a autora faz um levantamento das
publicações de Anhaia Mello, além de fornecer informações sobre sua atuação profissional.
Neste trabalho, Leme afirma que “Anhaia Mello foi o principal teórico sobre o urbanismo
em São Paulo, neste período [primeira metade do século XX]. Seguir a sua produção
intelectual é, também, perceber os rumos do pensamento urbanístico paulistano, pois ele
sinalizava as direções desse caminho”9.
O recorte temático referente à sua proposta de lazer foi feito a partir dos artigos
publicados por Anhaia Mello em periódicos que se dirigiam a um público especializado,
cujos leitores, em grande parte, eram seus colegas engenheiros, engenheiros-arquitetos e
especialistas nos assuntos urbanos. Desta forma, ele se dirige a um leitor que possuía uma
formação acadêmica e que, portanto, partilhava de um campo comum de conhecimentos e
com quem era eficaz dialogar conceitualmente, pois se tratava dos responsáveis pelas
realizações da ciência do Urbanismo na cidade.
Uma característica marcante nas publicações de Anhaia Mello é a repetição dos
temas centrais de sua teoria urbanística. Assuntos como a relação entre legislação e
urbanismo, a importância da regulamentação dos serviços de utilidade pública, a
necessidade de um plano regional para a capital paulista, além de um planejamento urbano
7 BRESCIANI, Maria Stella Martins. A Algaravia das pequenas memórias encontrando-se com a linguagem especializada: estética moderna e cidadania em São Paulo de 1890 a 1940. Relatório à Bolsa Pesquisa CNPq. 8 LEME, Maria Cristina da Silva. Urbanismo no Brasil, 1895-1965. São Paulo: FUBAM: Studio Nobel, 1999. 9 LEME, Maria Cristina da Silva, op. cit., p.479.
6
que trouxesse a cidade para o plano das necessidades humanas, são recorrentes em sua
produção. Muitas vezes explicitava que a repetição tratava-se de uma estratégia de
convencimento sobre a importância do que estava discutindo.
Da mesma forma, Josianne Cerasoli, em A Grande Cruzada: Os Engenheiros e as
Engenharias de Poder na Primeira República10, considera que os formandos da Escola
Politécnica concebiam sua participação política na administração pública de São Paulo
como uma missão, motivada por uma disposição para a ação e resolução dos problemas,
pelo otimismo científico e pela crença no progresso11, Anhaia Mello partilhava do mesmo
sentimento, mas o que o impulsionava eram as conquistas da linha de pensamento que
denominava Urbanismo Moderno. Sendo assim, o tema do sistema de recreio ativo e
organizado não aparece apenas no seu artigo de 1929, “Urbanismo: o recreio ativo e
organizado das cidades modernas”12, mas também quando discute os princípios
urbanísticos da “Cidade-Celular”13, em 1933, ou em seu artigo dedicado às “Cidades-
Jardins”14, publicado em 1945, e, de modo geral, quando abordava assuntos referentes ao
planejamento urbano, quando, por exemplo, chama a atenção para o problema dos
transportes públicos nas cidades modernas, uma vez que o deslocamento entre residência,
trabalho e recreio deveria ser rápido e eficiente.
Anhaia Mello foi prefeito da capital paulista por dois breves períodos entre 1930 e
193115 que somados não contam um ano e como responde a Prestes Maia em 1946, no
artigo “Um Plano Regulador para o Município: elementos constitutivos do plano”16, estas
incursões no governo municipal não lhe possibilitaram, pela brevidade do tempo, implantar
de modo consistente as medidas que tanto defendia para o combate aos problemas
metropolitanos. Sua atuação acadêmica, no entanto, estendeu-se do ano de 1918, quando
10 CERASOLI, Josianne Francia. A Grande Cruzada: Os Engenheiros e as Engenharias de Poder na Primeira República. Dissertação (Mestrado). Campinas: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, 1998. 11 CERASOLI, Josianne Francia, op. cit., p.186. 12 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas. Boletim do Instituto de Engenharia. São Paulo, n.47, p.145-61, abr. 1929. 13 MELLO, L.G.R. de Anhaia. A cidade celular, quadras, superquadras e células residenciais. Boletim do Instituto de Engenharia. São Paulo, n.94, p.131-42, set. 1933. 14 MELLO, L. G. R. de Anhaia. A Cidade Jardim. Digesto Econômico. São Paulo, n.36, p.27-30, nov. 1947. 15 Esses dois períodos foram: de dezembro de 1930 a julho de 1931 e de 14 de novembro a 04 de dezembro de 1931. 16 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Um Plano Regulador para o Município: elementos constitutivos do plano. Engenharia. São Paulo, n.41, p.169-75 e 180, jan. 1946.
7
começou como professor substituto na Escola Politécnica, sendo efetivado apenas em 1922,
até por volta de 1968 no curso de Pós-Graduação desta mesma instituição. Foi vice-diretor
da Escola Politécnica entre 1928 a 1930, retornado ao cargo em 1931. Nos os anos de 1929
e 1930 foi presidente do Instituto de Engenharia, sendo que, no período de 1933 a 1934, foi
membro de sua diretoria, momentos em que suas publicações se concentram no periódico
desta instituição.
Anhaia Mello foi nomeado diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo no ano de sua criação, 1948, permanecendo no cargo até 1951.
Foi um intenso divulgador da ciência do Urbanismo, não apenas por sua numerosa
produção sobre o assunto, mas também devido à defesa calorosa do tema frente a seus
colegas especialistas, sendo um importante articulador da criação de uma faculdade de
arquitetura articulada ao ensino de urbanismo. O urbanista, na concepção de Anhaia Mello,
tinha grande responsabilidade social, pois seu conhecimento técnico, que lhe dava a
capacidade de prever o desenvolvimento urbano, deveria ser posto a serviço dos interesses
da população, viabilizando a vida em comunidade. Fazia uma nítida distinção entre cidade
e comunidade, sendo que a cidade poderia chegar ao status de comunidade se suas
instituições e dispositivos administrativos funcionassem “organicamente” visando o bem
estar da coletividade e o desenvolvimento de uma postura cívica em seus habitantes.
O viés fortemente acadêmico de Anhaia Mello lhe rendeu a característica de teórico
em contraposição à Prestes Maia, que por sua longa atuação frente à prefeitura de São
Paulo, é reconhecido em igual importância para a construção do urbanismo paulista, mas
em termos práticos. Cláudio Hiro Arasawa faz a pergunta “Luís de Anhaia Mello, o
negativo de Prestes Maia?17, afirmando ser recorrente que a participação de Anhaia Mello
na formação do pensamento urbanístico paulista seja interpretada como “planejamento
discurso” e a de Prestes Maia como “planejamento executado”, tendo em vista o seu “Plano
de Avenidas”. Anhaia Mello teria sua atuação fortemente relacionada à formulação teórica
sobre os problemas da cidade de São Paulo, enquanto Prestes Maia materializou seu
pensamento em importantes obras públicas.
Arasawa questiona o papel de teórico atribuído a Anhaia Mello por não acreditar na
dissociação entre teoria e prática, pois mesmo que não tenha executado obras
17 ARASAWA, Cláudio Hiro, op. cit., p.06.
8
representativas para a configuração atual da capital paulista, Anhaia Mello participou da
implementação de vários projetos urbanos, como é caso dos Parques Infantis, na
administração de Fábio Prado. Sua proposta de recreio ativo e organizado encontrou campo
de atuação e este engenheiro-arquiteto pode auxiliar na substituição dos “parques inúteis”,
como chamava os espaços públicos sem uma proposta de lazer dirigido, por “modernas”
áreas de lazer munidas do “arsenal” do recreio ativo e organizado.
Entretanto, é bastante improvável que uma pesquisa dedicada a Anhaia Mello não
esbarre em Prestes Maia e acreditamos que o inverso também ocorra. Anhaia Mello
estabelece um embate direto com Prestes Maia em 1946 cobrando a coerência entre suas
medidas administrativas e suas convicções urbanísticas enquanto prefeito da cidade.
Quando defende, em seu artigo sobre a cidade-jardim, um planejamento urbano adequado à
“escala humana”, destaca que planejamento é mais que um “Plano de Avenidas”. Se
contabilizarmos o número de vezes que suas críticas ao crescimento acelerado da cidade de
São Paulo sugerem uma referência ao seu colega e/ou ao seu plano urbanístico, o diálogo
mostre-se muito mais intenso. Prestes Maia, em contrapartida, era bastante enfático em
relação ao idealismo de Anhaia Mello, alertando para a falta de coerência entre suas
formulações teóricas e a “realidade” dos problemas paulistanos18.
Como Marisa Carpintéro já destacou ao afirmar não haver diferenças tão abruptas
em seus pressupostos de análise, estes dois engenheiros-arquitetos possuíam a mesma
formação acadêmica, ex-alunos da Escola Politécnica, e pertenciam a uma mesma geração
de profissionais, pois Anhaia Mello se formou em 1913 e Prestes Maia em 1917. A
diferença teórica marcante está na opinião sobre o crescimento da capital paulista.
Enquanto Prestes Maia entendia que se deveria organizar o crescimento da cidade, Anhaia
Mello defendia um limite para a expansão urbana. Entretanto, no que se refere à proposta
de recreio ativo e organizado, também houve divergências quanto à utilidade e a quantidade
de área a ser ocupada pelos espaços verdes destinados ao lazer.
A proposta de recreio ativo e organizado é analisada a partir das questões e dos
diálogos presentes no artigo “Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades
modernas”, que se originou de uma palestra, no ano de 1929. O objetivo foi compreender
18 CARPINTÉRO, Marisa Varanda T.. Em busca da imagem: a cidade e seu figurino (São Paulo 1938-1954), p.103.
9
de que forma Anhaia Mello constrói conceitualmente este projeto de intervenção na capital
paulista e qual sua concepção sobre a atuação social desses espaços de recreação, devido a
isso, este trabalho está dividido em duas partes.
Na parte “Os ‘lugares’ do recreio ativo e organizado no pensamento urbanístico de
Luiz de Anhaia Mello” o objetivo foi relacionar esta proposta de lazer com os temas
centrais da teoria do Urbanismo propostos por este engenheiro-arquiteto. Desta forma, em
“A cidade de São Paulo em ‘escala humana’, foi desenvolvida uma análise sobre as
referências teóricas a partir das quais Anhaia Mello fundamenta o seu sistema de recreio
ativo e organizado. Ao falar sobre “Os Estados Unidos e sua bem sucedida experiência em
Urbanismo”, mais que destacar a ligação deste engenheiro-arquiteto com o urbanismo
daquele país, o principal interesse foi demarcar uma posição interpretativa que não
corrobora a idéia de essa relação significava a simples reprodução de um modelo. E, por
último, em “O recreio ativo e organizado e sua relação com a ‘Árvore do Urbanismo’”, foi
especificado de que forma este sistema de recreio se ligava aos fundamentos da “Árvore do
Urbanismo”.
Na segunda parte deste trabalho, “Da Polícia ao Playground: a ‘política expressiva’
formando ‘cidadãos úteis à pátria’, foram abordadas as estratégias de atuação social
contidas nessa proposta urbanística, com a problematização daquilo que Anhaia Mello
chamou de “política expressiva”, um investimento na formação de “cidadãos úteis à pátria”.
Sua posição é clara quando afirma que a promoção de “bons” comportamentos deveria ser
adotada em substituição da estratégia de manutenção da ordem social baseada na punição
ou na repressão a condutas “inadequadas”. A concepção de que os espaços de lazer
deveriam atender às necessidades sociais de educação das camadas populares para o
aproveitamento do “tempo livre”, é o tema de “Uma moderna concepção de lazer”. E, em
“A formação do ‘cidadão útil à pátria’”, o objetivo foi analisar a funcionalidade desses
espaços e sua relação com a prevenção do surgimento dos “maus cidadãos”.
11
Parte I:
Os “lugares” do recreio ativo e organizado no pensamento
urbanístico de Luiz de Anhaia Mello
Desde a publicação de seu primeiro artigo, “Problemas de urbanismo: mais uma
contribuição para o calçamento”19, em 1927, até a póstuma “Considerações a respeito do
Planejamento Regional de São Paulo”20, de 1974, Luiz Ignácio Romeiro de Anhaia Mello
defendeu assiduamente o seu projeto político de cidade. Este não abrangia apenas aspectos
administrativos, legais ou de gerenciamento espacial, mas, principalmente, a formação
moral dos cidadãos.
Seu Urbanismo não era cirúrgico, como costumava referir-se às abruptas
intervenções físicas no espaço urbano, mas poderia ser chamado de medicamentoso, pois
acreditava que suas propostas para a cidade de São Paulo resultariam na resolução de
problemas iminentes e na elaboração de um método eficaz de prevenção de novas mazelas.
Para Anhaia Mello, o papel do urbanista era prever o cenário urbano a longo prazo e, para
isso, era necessário um domínio da situação presente, procurando intervir no espaço da
cidade da melhor maneira, eliminando definitivamente os problemas, quando possível.
O tema do artigo, “Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas”,
publicado no Boletim do Instituto de Engenharia, no ano de 1929, é a implantação de um
sistema geral de lazer nos bairros operários. A intenção de Anhaia Mello era dotar estes
espaços com o embelezamento, através de áreas verdes planejadas, e atividades de lazer,
dotadas de aparelhos, ou como ele gostava de tratar, “arsenais de lazer”, para a prática de
ginástica, brincadeiras infantis. A motivação para este projeto era sua preocupação com a
configuração dos bairros industriais e sua conseqüência sobre os hábitos e a moral dos
moradores desta área, pois declarava:
“Todos os dias contemplo, pelas janelas do meu escritório, do alto da colina
central, o espetáculo grandioso que oferecem os bairros industriais da cidade –
19 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Problemas de urbanismo: mais uma contribuição para o calçamento. Revista Politécnica, São Paulo, n.83, p.343-65, jun. 1927. 20 MELLO, L. G. R. de Anhaia. “Considerações a respeito do Planejamento Regional de São Paulo”. Engenharia Municipal, São Paulo, n.62, p.06-10, jan./mar. 1974.
12
Braz, Mooca, Ipiranga, – alastrados pela planície e lentamente, tentaculares,
galgando os morros que molduram o horizonte. Chaminés esguias e fumegantes
emergem de todo o lado, por entre o casario denso, marcos comemorativos do
progresso da cidade, balisa da marcha triunfal para o futuro.
[...] A edificação desses bairros é compacta, justaposta, sem intervalos; a
população mais densa ainda.
Nem um espaço aberto aproveitável; o ‘playground’ é a rua.
Bordejando-os, o vasto Parque da Várzea do Carmo, de gramados imensos, não
direi inúteis mais inutilizados.
Não será melhor transformar esses canteiros em ‘playgrounds’ ou terrenos para
jogos, com areia, gangorras, barras fixas e todo esse variadíssimo arsenal do
recreio organizado moderno?”21
Anhaia Mello reitera a importância desses espaços afirmando que o
restabelecimento do contato entre o homem e a natureza era um dos princípios
fundamentais do Urbanismo Moderno, naquele momento. Entretanto, para que a natureza
estivesse presente no espaço da cidade, apontava duas direções: os urbanistas partidários da
idéia de levar a cidade para o campo, com a implantação de cidades-jardins ou cidades
regionais, e aqueles que acreditavam que a solução para este dilema seria levar o campo
para a cidade, organizando um sistema de recreio. Por considerar difícil, num futuro
próximo, a adaptação da cidade de São Paulo aos princípios de organização da cidade-
jardim, devido a interesses imobiliários e financeiros já estabelecidos na capital paulista,
defendia a implantação de um sistema de recreio ativo e organizado como uma solução
provisória e rápida para trazer o campo para a cidade.
O estabelecimento destes espaços de lazer não se restringia à disponibilidade de
áreas para sua incorporação no plano geral da cidade, era uma questão que envolvia
distribuição e uso adequado do solo urbano, fatores, segundo Anhaia Mello, fundamentais
para o efetivo sucesso de sua proposta. Desta forma, o acelerado crescimento da capital
paulista constituía tema de grande importância nesta proposta urbanística, que continha, ao
mesmo tempo, a preocupação de trazer espaços verdes para a cidade e o desejo de suavizar
21 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Problemas de Urbanismo: bases para a resolução do problema técnico. Boletim do Instituto de Engenharia, São Paulo, 1929, p.p.24-6.
13
o impacto psicológico causado pela “metrópole tentacular”. Os habitantes das cidades
modernas22 teriam sua rotina afetada pelas cansativas jornadas de trabalho, pela grande
quantidade de tempo dispensada em seu deslocamento na cidade e pela privatização de
serviços básicos para a manutenção da vida urbana, os quais deveriam essencialmente ser
oferecidos pelo Estado.
A cidade de São Paulo para qual Anhaia Mello dedicava seus estudos urbanísticos
era aquela em que o progresso econômico havia levado a uma necessidade ou a um desejo
acrítico de crescimento, o qual se materializava em expansão desordenada. Suas
considerações sobre a capital paulista e outros grandes centros urbanos o levava a
classificá-los como improvisações23, macrocefalia perigosa24, caprichos do individualismo
movido pelo lucro25. Manifestava-se enfaticamente contrário ao crescimento urbano “[...]
por acréscimos desordenados de série de arruamentos desconexos ou ‘pseudo-jardins’,
desprovidos de qualquer equipamento social, mesmo rudimentar”26. Assim, orienta suas
reflexões a partir da idéia de que “[...] só um diagnóstico muito cuidadoso pode autorizar
um prognóstico acertado”27.
Anhaia Mello acreditava que a resolução dos problemas urbanos viria da pesquisa,
da análise de suas causas, pois apenas estudos completos e exaustivos levariam à
“verdadeira” razão de seus surgimentos e á conseqüente elaboração de um plano de
intervenção eficiente. A relação que ele estabelece com o espaço urbano em muitos
aspectos é análoga àquela que o médico mantém com seu paciente: um organismo doente.
Philip Gunn e Telma de Barros Correia, em seu artigo “O urbanismo: a medicina e a
biologia nas palavras e imagens da cidade”28, discutindo a forte relação conceitual que o
Urbanismo estabelece com a Biologia e o discurso médico – sendo este empregado na
22 Para Anhaia Mello as expressões “cidades modernas”, “grandes centros urbanos” e “metrópoles” são sinônimos, pois as utiliza para se referir a uma cidade que contempla as mesmas características. 23 MELLO, L. G. R. de Anhaia. A Cidade Jardim. 24 MELLO, L. G. R. de Anhaia. MELLO, L. G. R. de Anhaia. Visão do futuro e realidade do presente. Habitat. São Paulo, n.21, p.1-2, mar./abr. 1955. 25 MELLO, L. G. R. de Anhaia. A Cidade Jardim, p.27. 26 MELLO, L. G. R. de Anhaia. “Os novos moldes da composição urbana” – “TOWN DESIGN”. Digesto Econômico. São Paulo, n.107, p.95-104, 1953, p.103. 27 MELLO, L. G. R. de Anhaia. “Os novos moldes da composição urbana” – “TOWN DESIGN”, p.100. 28 Philip Gunn e Telma de Barros Correia. “O urbanismo: a medicina e a biologia nas palavras e imagens da cidade”. In: Palavras da Cidade. Org. Maria Stella Martins Bresciani. – Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2001.
14
nomeação de partes e componentes da cidade, assim como na designação de técnicas de
análise e intervenção do urbanismo29 – afirmam que:
“As representações negativas da grande cidade – vista como ambiente perigoso do
ponto de vista sanitário, social, moral e político – que se difundem no século XIX
vão recorrer com freqüência a analogias médicas para definir os problemas
atribuídos à cidade – suas ‘doenças’ e ‘taras’ – e explicitar como devem ser
investigados – ‘diagnosticados’ –, prevenidos e equacionados – os ‘remédios’ e
‘cirurgias’.
Os problemas no funcionamento deste organismo urbano são localizados através
de sintomas, que revelam patologias e tendências degenerativas, para as quais
buscam-se remédios. A congestão das ruas e casas, o crescimento e transformação
rápidos, incontroláveis e desordenados, uma tendência à degeneração física e
moral de seus habitantes, são algumas das patologias atribuídas à grande cidade.
Posteriormente, nos procedimentos e técnicas do planejamento urbano no século
XX incorpora-se o termo diagnóstico numa análise da situação existente, capaz de
fundamentar e justificar propostas de intervenção”30.
Desta forma, Anhaia Mello, ao elaborar suas propostas de intervenção na capital
paulista, dentre elas o sistema de recreio ativo e organizado, tem como objetivo sanar o
grande mau desta cidade, o crescimento descontrolado, que desencadeava e/ou agravava
todos os outros problemas. Ele constrói uma imagem da cidade de São Paulo que, assim
como a historiografia sobre a cidade do início do século XX, enfatiza as transformações
ocasionadas pela adaptação desta ao ritmo de uma grande cidade industrial. Ao mesmo
tempo, o diálogo que estabelece com seus colegas especialistas ocasionava divergências
quanto aos benefícios do progresso na configuração da cidade.
Os bairros populares eram os lugares que para ele abrigavam potenciais problemas
de conduta social devido à sua falta de planejamento urbano, o que possibilitava o
adensamento populacional e construtivo, com a conseqüente ausência de espaços verdes.
Estes se faziam necessários como contraponto à cidade, na obtenção do equilíbrio
29 Philip Gunn e Telma de Barros Correia, op. cit., p.232. 30 Philip Gunn e Telma de Barros Correia, op. cit., p.236.
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psicológico de seus habitantes. A capital paulista aparece nos textos de Anhaia Mello como
a “cidade tentacular”31.
Sua análise crítica sobre os desdobramentos “positivos” do progresso alheio às
intervenções governamentais é enfatizada quando, em 1931, no Congresso de Habitação do
Instituto de Engenharia, na condição de prefeito da cidade, afirma que a cidade clandestina
era maior que a oficial, ou seja, que São Paulo escapava de forma preocupante à
regulamentação da administração pública. Entretanto, sua visão de progresso como
produtor de mazelas urbanas e sociais só se efetivava quando o poder público não exercia
controle sobre práticas capitalistas que afetavam diretamente o interesse da população.
Desta forma, Anhaia Mello não se opunha à idéia de modernização ou ao crescimento
urbano, desde que a adaptação da cidade às novas demandas econômicas se fizesse sob a
orientação da regulamentação da administração pública e que tivesse como objetivo a
preservação dos direitos da população e a manutenção ou o aumento da qualidade de vida.
A cidade industrial era uma realidade e o Urbanismo Moderno um importante recurso
teórico e metodológico para pensar esse novo cenário. Segundo Nicolau Sevcenko, em
Orfeu estático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20”32, a
década de 20 é marcada pelo desenraizamento do homem moderno, pois:
“A emergência das grandes metrópoles e seu vértice de efeitos desorientadores,
suas múltiplas faces incongruentes, seus ritmos desconexos, sua escala extra-
humana e seu tempo e espaço fragmentários, sua concentração de tensões,
dissiparam as bases de uma cultura de referências estáveis e contínuas”33.
Pela análise de jornais do ano de 1919, Sevcenko aponta para uma mudança na
sensibilidade do paulistano em relação ao seu cotidiano e à sua cidade, a qual se
conformava a novos padrões de gestão pública decorrentes, em grande parte, da
experimentação de novas tecnologias. Desta forma, a construção imagética da capital
paulista, no momento em que Anhaia Mello propõe seu sistema de lazer, é de uma cidade
que precisava se reformular, pressuposto comum seja entre as opiniões favoráveis à sua
31 Segundo Philip Gunn e Telma de Barros Correia, Patrick Gueddes ao se referir à cidade de Londres do século XIX utilizava as expressões “polvo”, “esqueleto de pedra”, “imensa e envolvente ameba” para ilustrar seu crescimento irregular e implacável. Nos textos de Anhaia Mello, a expressão “cidade tentacular” tem esse mesmo papel, sendo importante destacar que ele era leitor de Gueddes. 32 SEVCENKO, Nicolau. Orfeu estático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. – São Paulo: Companhia das Letras, 1992. 33 SEVCENKO, Nicolau, op. cit., p.32.
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crescente expansão, seja entre aquelas voltadas ao controle dos limites físicos de uma
cidade cuja maior parte inexistia legalmente.
Raquel Rolnik, em seu trabalho A cidade e a lei: legislação, política urbana e
territórios na cidade de São Paulo, afirma que “[...] o período entre 1926 e 1930 foi
marcado pela falência dos métodos políticos e espaciais da cidade da Primeira República
com o surgimento de um Estado intervencionista, com forte apelo nacionalista, que visava
controlar essa cidade ilegal composta por pobres e necessitados”34. Segundo Rolnik, essa
nova cidade tinha como diretrizes:
“[...] o fortalecimento do papel do Estado na regulamentação dos serviços
públicos, a idéia de proteção dos pobres através de tarifas contratadas – que há
muito já estavam sendo objeto de protestos e demonstração –, o estabelecimento de
um critério público e transparente para os cálculos, baseado nos custos reais e na
capacidade de pagar”35.
O urbanismo de Anhaia Mello possuía fortemente o propósito de normatização da
cidade em expansão e de assistencialismo à classe operária. Sendo assim, suas propostas
para a cidade de São Paulo estavam inseridas numa nova configuração administrativa que
já estava sendo reivindicada pelos habitantes36 e que pretendia lidar com uma parcela da
população que começava a tomar conhecimento de sua representatividade. Suas
formulações, portanto, partem não só de uma discussão já estabelecida em relação à
expansão ou não da cidade de São Paulo, mas também de uma concepção administrativa
legitimada socialmente.
Em seu artigo “Melhoramentos entre intervenções e projetos estéticos: São Paulo
(1850-1950)”37, Maria Stella Bresciani afirma que na década de 1920 o enfoque dos planos
de intervenção na cidade de São Paulo deslocou-se da preocupação em dar à capital paulista
um aspecto de cidade moderna para a obtenção de uma solução para a crise de seu
crescimento, representativo da transição ao status de grande metrópole. Num primeiro
momento, a idéia de crise adquire uma representatividade positiva, pois estava associada ao
34 ROLNIK, Raquel, op. cit., p.160. 35 ROLNIK, Raquel, op. cit., p.161. 36 ROLNIK, Raquel, op. cit., p.p.148-9. 37 BRESCIANI, Maria Stella Martins. “Melhoramentos entre intervenções e projetos estéticos: São Paulo (1850-1950)”. In: Palavras da Cidade. Org. Maria Stella Martins Bresciani. – Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2001.
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otimismo da entrada da cidade na “era do industrialismo”38. Entretanto, após citar Anhaia
Mello, com sua idéia de que construir cidades é construir homens, considera que no final
daquele período “[...] a cidade projetada como obra de cooperação coletiva, fruto do
civismo, assume a frente da cena estimulando racional e afetivamente a adesão de
especialistas e da população aos planos”39. Anhaia Mello apresenta sua proposta de lazer
em 1929 e a concebe como um lugar de formação de “cidadãos úteis à pátria”,
conscienciosos de suas obrigações cívicas e dos benefícios de uma cidade bem planejada à
estruturação da vida em comunidade, pois “Afirmar que determinada cidade é a que mais
cresce no mundo não tem urbanisticamente sentido nenhum de excelência, se esse
crescimento fenomenal e a carência de elementos essenciais a uma vida equilibrada e feliz
progridem de mãos dadas”40.
A sua teoria urbanística, que chamou de “Árvore do Urbanismo”41, estrutura-se em
três pontos principais: a administração das cidades, a legislação urbana e a adesão do
público à idéia de boa cidade. Segundo Cláudio Hiro Arasawa, em sua dissertação “A
‘Árvore do Urbanismo de Luiz de Anhaia Mello’”:
“Tratava-se não de oferecer amplos projetos de intervenção espacial, expressos em
croquis, plantas e aquarelas, mas de construir uma instância de poder capaz de, a
um só tempo, educar as massas, interpretar seus desejos e elaborar um ‘plano da
cidade’, ao qual as demais esferas de poder municipais deveriam se subordinar. Os
[...] três temas [...] formariam o ‘ciclo completo e ordenado do desenvolvimento
urbanístico’: ‘conquista da opinião pública’, ‘a comissão do plano da cidade’ e a
criação da ‘legislação necessária’”42.
Sendo assim, as raízes desta árvore seriam a opinião pública, pois somente com o
apoio da população um projeto de cidade poderia efetivar-se. O tronco era a “Comissão do
Plano da Cidade” que, composta por profissionais de diversas áreas e alheia aos jogos de
interesses políticos das administrações públicas, concentraria suas atenções num plano de
desenvolvimento sustentado e, conseqüentemente, viabilizaria a elaboração de uma
38 BRESCIANI, Maria Stella Martins. “Melhoramentos entre intervenções e projetos estéticos: São Paulo (1850-1950)”, p.357. 39 BRESCIANI, Maria Stella Martins. “Melhoramentos entre intervenções e projetos estéticos: São Paulo (1850-1950)”, p.362, grifos da autora. 40 MELLO, L. G. R. de Anhaia. “Os novos moldes da composição urbana” – “TOWN DESIGN”, p.98. 41MELLO, L. G. R. de Anhaia. Problemas de Urbanismo: bases para a resolução do problema técnico. 42 ARASAWA, Cláudio Hiro, op. cit.,p.13.
18
legislação voltada aos interesses do urbanismo, a copa frondosa da árvore. Desta forma, não
só o vigor, mas a existência da “Árvore do Urbanismo” dependia dos habitantes da cidade.
Fazia-se necessário, portanto, trabalhar a compreensão dos cidadãos sobre os benefícios de
uma cidade urbanisticamente planejada, e, além disso, garantir uma assimilação conceitual
sobre qual tipo de planejamento urbano deveria ser adotado.
A proposta de recreio ativo e organizado, desenvolvida para a cidade de São Paulo,
além de representativa da adoção de um determinado projeto de cidade, exerceria um papel
fundamental de cooptação da opinião pública, uma vez que trabalhava a correção de
“desvios” comportamentais e/ou criava novos parâmetros culturais para se viver em
sociedade. O recreio ativo e organizado seria uma fábrica de opiniões favoráveis ao
Urbanismo defendido por Anhaia Mello, um eficiente método para lidar com uma
população, até então, “pouco” capturada pelas normas da cidade moderna, aos olhos do
profissional detentor do conhecimento especializado. De qualquer modo, este sistema de
lazer pretendia atender às expectativas da população dos bairros operários sobre sua
participação no espaço da cidade, através da inclusão no recebimento de serviços públicos,
servindo a uma postura administrativa de cunho assistencialista.
Este sistema de lazer se insere entre os principais temas trabalhados por este
engenheiro-arquiteto no decorrer de suas publicações e oferece importante respaldo à
constituição e manutenção da “Árvore do Urbanismo”. Ora como decorrência de um
posicionamento urbanístico que acreditava implicar em qualidade de vida nas grandes
cidades, ora como ferramenta para a formação de cidadãos mais colaborativos aos ideais do
Urbanismo. Em termos urbanísticos, esta proposta de lazer está atrelada ao desejo de
Anhaia Mello de que a cidade de São Paulo se adequasse à escala humana.
19
I-1. A cidade de São Paulo em “escala humana”.
Anhaia Mello acreditava que, num futuro não tão distante, as cidades-jardins
substituiriam as “supercidades metropolitanas”43, e por considerar o recreio ativo e
organizado uma solução provisória para a meta urbanística de unir a cidade ao campo, esta
proposta de lazer relaciona-se teoricamente com o conceito de cidade-jardim, desenvolvido
por Ebenezer Howard em seu livro Cidades-Jardins de Amanhã44, publicado em 1898.
Em suas publicações, Anhaia Mello associou a proposta de recreio ativo e
organizado à prática do Urbanismo que privilegiava a obtenção de maior qualidade de vida
nas grandes cidades. Devido ao seu desejo de compor um cenário urbano harmônico, que
estivesse voltado às necessidades humanas, a cidade-jardim parecia-lhe a concepção de
cidade mais adequada ao período histórico em que vivia, por ser capaz de lidar de modo
eficiente com os desafiantes problemas dos grandes centros urbanos. Estas cidades
representavam a utopia social do urbanista Anhaia Mello, tanto do ponto de vista teórico,
no que diz respeito às medidas, ao planejamento espacial, à formação de um sentimento de
comunidade, mas também no que se referia à prática45, pois se mostrava factível devido às
cidades inglesas de Letchworth, Welwyn e Wythenshawe46.
Na introdução de seu livro, Ebenezer Howard afirmava a importância de intervir no
acelerado crescimento das cidades modernas com o objetivo de reverter este processo,
reconduzindo as pessoas ao campo. Para ele, as cidades-jardins apresentavam a resposta
mais adequada a este dilema, pois nela se adotava o princípio da união entre as vantagens
da vida na cidade e dos benefícios de se viver no campo.
A opção pela junção dos dois modos de vida, o urbano e o rural, visava descartar os
pontos negativos de cada um deles e, além disso, oferecia uma resposta diferenciada ao
43 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.146. 44 HOWARD, Ebenezer. Cidades-jardins de amanhã. Tradução: Marco Aurélio Lagonegro. Introduação: Dacio Araújo Benedicto Ottoni. – São Paulo: HUCITEC, Estudos Urbanos: Série Arte e Vida Urbana, 1996. 45 A referência a aspectos teóricos e práticos não tem a intenção de diferenciar a teoria da prática, mas de destacar que a proposta de cidade-jardim era ideal em relação à suas formulações conceituais e aos exemplos existentes, pois o método científico adotado por Anhaia Mello baseava-se na empiria, discussão presente no sub-tema que aborda sua relação com o urbanismo norte-americano. 46 Se em seu programa de curso do ano de 1933 a experiência das cidades-jardins ocupa apenas um tópico entre suas discussões, no ano de 1938 Anhaia Mello reserva uma parte do curso ao assunto, destacando seus exemplos atuais. (Programa da Cadeira no. 18: Composição Arquitetônica e Urbanismo. Curso de Composição Arquitetônica, Curso de Engenheiros Arquitetos, 1933 e 1938. – Arquivo Histórico da Escola Politécnica.)
20
problema do congestionamento urbano das cidades modernas. Segundo Howard, até o
momento da apresentação de sua proposta de cidade, havia apenas duas opções: ou as
pessoas permaneciam nas cidades congestionadas e continuavam convivendo com um
ambiente degrado, ou se mudavam para o campo e privavam-se da vida social e cultural das
cidades. A cidade-jardim tinha o mérito de desestruturar essa forma binária de lidar com os
problemas das grandes cidades.
Afim de que o contingente populacional das cidades-jardins não excedesse o seu
limite máximo projetava-se a construção de novas cidades, próximas daquela que precisava
expandir-se. Assim, seriam duas cidades diferentes, em termos administrativos, mas devido
à proximidade, a idéia era formarem uma única comunidade. O objetivo de Howard
constituía-se em que:
“[...] tal princípio de crescimento – sempre preservar um cinturão rural ao redor
de nossas cidades – seria retido em mente até que, com o passar do tempo, tivéssemos uma
rede de cidades, [...] agrupadas em torno de uma Cidade Central, em que cada morador de
todo o grupo, ainda que em certo sentido vivendo numa cidade de pequeno porte, na
realidade viva e desfrute de todas as vantagens de uma grande e belíssima cidade,
mantendo-se a poucos minutos a pé ou de condução, de todas as delícias do campo:
relvados, sebes e bosques e não meramente parques afetados e jardins. E pelo fato de o
povo em sua capacidade coletiva possuir a terra sobre a qual é construído esse belo grupo
de cidades, os edifícios públicos, as igrejas, as escolas, as universidades, as bibliotecas, as
galerias de arte, os teatros seriam de uma escala de magnificência impossível de ser
sustentada por qualquer cidade do mundo que tivesse suas terras penhoradas a indivíduos
privados”47.
Desta forma, sendo o solo propriedade coletiva, os impostos pagos pelos moradores,
devido à utilização da terra urbana e rural, eram investidos na manutenção da cidade e no
oferecimento de serviços públicos. O cinturão rural ao redor da cidade-jardim também
contribuía para sua auto-suficiência, pois a abastecia com produtos agrícolas, que, aliás,
nem sempre se limitavam ao consumo interno.
A proposta de Howard leva Anhaia Mello a afirmar que estas cidades constituíam
um “[...] organismo e como tal é um todo, de tamanho definido e definitivo. É preciso ser
47 HOWARD, Ebenezer, op. cit., p.p.187-9.
21
planejada de início, a fim de haver equilíbrio e harmonia entre as quatro funções urbanas:
residência, trabalho, recreio, comunicação”48. Admirava o impacto positivo do tamanho
restrito das cidades-jardins sobre sua população, pois tornava o espaço da cidade
compatível à “escala humana”; nelas, as distâncias podiam ser percorridas a pé, o que
diminuía a incidência de congestionamentos e facilitava o trajeto residência-trabalho.
O crescimento contido das cidades-jardins também estendia seus benefícios ao
maior contato entre as pessoas, pois Anhaia Mello acreditava que a aglomeração perturbava
a disponibilidade para a associação. Desta maneira, na pequena comunidade ocorria o
inverso da impessoalidade e não havia o suposto ônus de não conhecer aqueles com quem
se compartilhava o mesmo espaço; constituía “[...] um estado de espírito, uma participação
consciente na vida comum. [em contraposição ao ambiente das grandes cidades com] o
metropolita [...] ‘taxpayer’ anônimo, sem obrigações para com a vida coletiva. [onde] O
sentimento cívico não existe, desintegrou-se pela pressão da massa aglomerada [...]”49.
Sendo assim, em 1947, ao discutir o intenso crescimento urbano das cidades modernas e
suas implicações no deslocamento do cidadão, no artigo “O transporte individual e coletivo
na Cidade Moderna”50, Anhaia Mello afirmava a importância em se levar em consideração
a dimensão humana como medida de todos os planos para as cidades, pois, citando Lewis
Mumford, “[...] ou se humaniza a cidade ou se desumaniza o cidadão”51.
Contudo, não só a limitação da população e do crescimento dos núcleos urbanos
caracterizava o interesse de Anhaia Mello pela cidade-jardim, sua atenção incluía,
sobretudo, os desdobramentos positivos do controle sobre essas medidas. Segundo ele:
“[...] É, pois, uma cidade com vida autônoma e quanto possível self-suficiente,
destinada à habitação e trabalho e não simples subúrbio residencial;
organicamente concebida e planejada desde o início; de população que possibilite
vida social completa e não maior, e fixada entre 30 e 50.000 pessoas; envolvida por
uma cinta verde rural permanente, destinada a impedir o crescimento em extensão,
além dos limites determinados; a terra sendo propriedade pública, o que impede a
especulação imobiliária e faz com que o "unearned increment", em vez de ser
48 MELLO, L. G. R. de Anhaia. A Cidade Jardim, p.28. 49 MELLO, L. G. R. de Anhaia. A Cidade Jardim, p.29. 50 MELLO, L. G. R. de Anhaia. O transporte individual e coletivo na Cidade Moderna. Digesto Econômico. São Paulo, n.30, maio 1947. 51 MELLO, L. G. R. de Anhaia. O transporte individual e coletivo na Cidade Moderna, p.39.
22
canalizado para o bolso de uns poucos felizardos, reverta para o bem geral. [...]
Nessas cidades orgânicas, o problema do transporte é de simples solução, pois se
resolve com um quarto de hora de saudável marcha a pé, da residência para o
trabalho, sem necessidade de veículos de uso coletivo, e mesmo o de uso pessoal é
simples conforto e não necessidade. [...] O dinheiro que deveria ser gasto em
transporte coletivo – instalação e uso diário – é empregado na elevação do
“standard” da vida urbana. [...] Esse é o tipo ideal de organização das funções da
vida urbana, pois que elimina o atrito no funcionamento da máquina coletiva
[...]”52 .
Deste modo, o enfoque de Anhaia Mello dirigia-se para a humanização do
planejamento urbano, na obtenção de uma cidade que obedecesse às possibilidades de
desempenho humano. Uma alteração qualitativa no modo de pensar a organização urbana,
que teria como decorrência a sensibilização do urbanista em relação às medidas adotadas,
passando a compreender uma questão considerada essencial, a de que “A escala da vida
humana deve ser a escala humana e não a das possibilidades técnicas, hoje ilimitadas.
Cidade é organismo e não mecanismo. [...] E não há vantagem em livrar-se alguém da
ditadura dos homens para cair na ditadura da máquina, igualmente nefasta”53 . Sendo assim,
considerava que:
“A nossa época deve ter as suas cidades sociais, adequadas ao homem do século
XX, e nas quais seja absoluta a precedência dos valores humanos sobre os
mecânicos e imobiliários. [...] E nenhum preço é demasiado quando se trata de
obter ou preservar os elementos essenciais a uma vida digna de ser vivida”54 .
A “escala humana” desejada e defendida por Anhaia Mello ultrapassava, assim,
uma questão de dimensões territoriais para ganhar um viés de consciência social e
preocupação humanitária. O aspecto social se manifestava na preocupação em conter os
“tentáculos” das grandes cidades que engoliam tudo á sua volta e reduziam as pequenas
comunidades a subúrbios. Em relação aos aspectos humanitários, eles se referiam à
obtenção do bem estar coletivo, tanto no que dizia respeito à “saúde” psicológica de cada
52 MELLO, L. G. R. de Anhaia. O transporte individual e coletivo na Cidade Moderna, p.p.39-0. 53 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Planejamento e governo urbano. Digesto Econômico. São Paulo, n.35, p.17-20, out. 1947, p.18. 54 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Planejamento e governo urbano, p.18.
23
cidadão, mas, principalmente, quanto ao funcionamento organicista da cidade, que se torna
sinônimo de comunidade55.
Anhaia Mello acreditava na sua correta previsão do agravamento dos problemas
metropolitanos, um processo inevitável, cujos efeitos estendiam-se a todos os habitantes
deste espaço desprovido de crescimento orientado. Em seu artigo “Visão do futuro e
realidade do presente”56, de 1955, critica o fato de São Paulo, tendo completado mais de
400 anos, ainda não possuir um Plano Diretor que disciplinasse seu desenvolvimento. Por
ser uma das cidades que mais crescia no mundo, considerava necessário “[...] ‘um poder
diretivo’, que trace os planos fundamentais, que harmonize, em esforço unidirecional, as
forças coletivas, e que ponha em marcha, afinal, uma sociedade que dispõe de uma
55 Essa dupla significação do ato de tornar a cidade compatível com os parâmetros humanos pode ser entendida com o auxílio das reflexões de Françoise Choay, expressas no livro O Urbanismo: Utopias e Realidades. Uma antologia. (CHOAY, Françoise. O Urbanismo: Utopias e Realidades. Uma antologia. São Paulo: Editora Perspectiva S.A, 5ª edição, 2003.) Nele, esta autora propõe a análise da ciência Urbanismo por meio de algumas categorias explicativas que apontam confluências e dissonâncias no modo de pensar a cidade. Com esse intuito, ela contrapõe o modelo progressista, em que predomina o pensamento técnico, ao modelo culturalista, no qual a dimensão cultural da cidade se sobrepõe a seus aspectos materiais. Por sua adesão à noção de comunidade e limitação da área urbana, Anhaia Mello pode ser situado entre os culturalistas. Entretanto, a própria autora salienta a precariedade de uma rígida classificação. Anhaia Mello constrói seu posicionamento urbanístico pautado em várias características culturalistas, mas também podemos estabelecer fortes ligações da sua produção acadêmica com aquilo que Choay denomina “Antropólis: com vistas a um planejamento humanista”. Segundo esta autora, o planejamento humanista “suprime a recorrência ao modelo”, porque não trabalha com a “cidade-tipo” do futuro, mas com tantas cidades quanto forem os casos particulares. A dimensão utópica dos dois modelos, progressista e culturalista, com seu caráter a-histórico em leituras da cidade e deslocamento em relação ao factível no presente, que não é problematizado, é substituída por uma visão singularizada do presente, o qual estabelece com o passado uma continuidade histórica. A cidade do futuro não é utópica, é aquela em que as possibilidades tecnológicas de pesquisa e planejamento solucionarão as causas efetivas dos problemas herdados do passado. Sendo assim, nos dois modelos “O que é expressão de desordem chama sua antítese, a ordem. Assim veremos opor-se, a essa pseudodesordem da cidade industrial, propostas de ordenamentos urbanos livremente construídas por uma reflexão que se desdobra no imaginário. Por não poder dar uma forma prática ao questionamento da sociedade, a reflexão situa-se na dimensão da utopia; orienta-se nela segundo as duas direções fundamentais do tempo, o passado e o futuro, para tomar as formas da nostalgia ou do progressismo” (CHOAY: p.07). Se a idéia principal do progressismo é a modernidade, a qual está associada ao uso da razão em favor, sobretudo, da eficácia, mas também da estética, o culturalismo, para Choay, tem como premissa a idéia de cultura, voltando-se ao passado idealizado com o intuito de resgatar o sentimento de agregação perdido com o surgimento dos grandes centros urbanos. Ambos se estruturam sobre a negação do presente e sua realidade insustentável que deve ser combatida. No entanto, isso se dá através da construção de uma outra realidade sem correlação com a que se deseja eliminar. Sobre a diferenciação entre o culturalismo e o olhar humanista em relação à cidade, Choay afirma que na análise humanista “O ponto de vista da continuidade introduziu uma mutação na reflexão sobre a cidade da era industrial. Transformou de modo irreversível o método do planejamento urbano, mas continua ligado a uma ideologia próxima do culturalismo – cujas soluções ele ordenou em função de um conjunto global e mais realista com a atualidade” (CHOAY: p.43). O intuito não seria propor algo totalmente diferente do existente, mas solucionar os problemas da melhor maneira, na medida em que ocorressem. 56 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Visão do futuro e realidade do presente, p.01.
24
tecnologia magnífica mas que a usa de maneira suicida, contra si mesma”57. O progresso
tecnológico de São Paulo deveria ser utilizado em favor da contenção da formação de uma
megalópole, não no incentivo desta.
O objetivo, portanto, era intervir naquela cidade que se desenvolvia de forma
equivocada. A solução de utilizar os recursos técnicos disponíveis para a obtenção e
gerenciamento da ordem espacial urbana colocava-se em oposição a medidas paliativas que
apostavam em obras que viabilizavam a expansão desmedida. Assim, Anhaia Mello
afirmava que constituía tarefa do poder diretivo criar condições para a administração
pública utilizar a tecnologia criada pelo homem de modo eficiente, pois esta seria a única
porta aberta para escapar do caos social. É importante destacar que, para ele, o melhor era o
menor, e não o maior: o menor crescimento das cidades, a menor altura dos edifícios. Havia
apenas duas opções: escolher o ambiente “risonho” e “confortável” da cidade-jardim ou o
aumento do número de “vítimas” do caos metropolitano.
Para alcançar o ambiente “agradável” das cidades-jardins, fazia-se necessário
colocar os desejos materiais da vida urbana no mesmo plano das aspirações espirituais da
civilização. Anhaia Mello trabalhava com a hipótese de apreensão da vontade comum,
apostando na universalidade dos desejos humanos, pois acreditava numa natureza humana.
Entretanto, essa apreensão de uma espécie de essência humana se faz mais na esfera
pública do que na privada, pois, para ele, os interesses coletivos vêm antes dos interesses
privados e sua teoria do urbanismo estabelecia como finalidade última o cidadão útil à
pátria.
A harmonia entre a prática do urbanismo na cidade e as aspirações dos habitantes só
poderia ocorrer se, como afirma no artigo “A Cidade Jardim”, o planejamento fosse
concebido de forma inteligente. Essa posição pressupunha abandonar o custosíssimo
urbanismo cirúrgico nos centros supercongestionados, forma pela qual se referia às
intervenções na cidade de São Paulo cujo objetivo maior era viabilizar o seu crescimento. O
urbanista, segundo ele, “[...] não pode ignorar os problemas fundamentais do planejamento
regional e limitar a sua ação a remediar males, cujas causas ele pode e deve remover. [Pois]
Querer apenas corrigir os erros, retocando os moldes atuais, agrava condições de vida já
57 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Planejamento e governo urbano, p.p.18-9.
25
intoleráveis”58 .
Anhaia Mello defendia que a época das reformas e remodelações urbanas já havia
passado, e que o mais sensato a fazer seria um Plano Regional de longa base, uma vez que
“[...] o Urbanismo é problema de fundo e não de superfície: problema estratégico e não
tático”59. Na condição de “problema estratégico”, as cidades deveriam ser pensadas como
parte orgânica de um grupo social e não como uma área administrativa arbitrária. Destacava
ainda que o plano constituía meio para um fim, e que o verdadeiro fim, a razão de ser da
cidade, deveria ser o bem estar da população “[...] a liberação das suas energias para o
trabalho criador, um standard de vida elevado, generalizado, seguro. ‘All things for all
men’. ‘Tudo, para todos’”60.
Nas cidades-jardins, o limite ao crescimento faria com que as pessoas se
familiarizassem com os outros habitantes, tanto no sentido de saber com quem conviviam,
quanto no de desenvolver “bons sentimentos” em relação ao próximo. Para ele, o cinturão
verde que contornava estas cidades era o responsável pela manutenção da pequena
comunidade, pois, além de não permitir o desenvolvimento urbano “em fita”, ao longo das
vias de comunicação, impedia que as cidades-jardins fossem “engolidas” pelo crescimento
desenfreado do centro metropolitano mais próximo.
Pela impossibilidade de se implantar um cinturão verde na cidade de São Paulo,
conseqüência de suas dimensões físicas e dos interesses econômicos envolvidos no
estímulo ao crescimento desta cidade, Anhaia Mello acreditava que o sistema de recreio
ativo e organizado estimularia a vida em comunidade. O objetivo de incentivar os cidadãos
a gastarem seu “tempo livre” de forma eficiente baseava-se na premissa de que o recreio
ativo e organizado atuaria “positivamente” em sua constituição moral e psíquica e,
conseqüentemente, suavizaria os conflitos emocionais causados pelo recente surgimento
das cidades industriais modernas.
O ideal de cidade voltava-se para a cidade-jardim de Howard, mas o recreio ativo e
organizado significava a concretização do mais próximo que dela ele conseguiria chegar,
em um curto espaço de tempo. Sua proposta de lazer é, ao mesmo tempo, a possibilidade de
experimentação de um dos elementos da cidade idealizada e a crítica a uma São Paulo que
58 MELLO, L. G. R. de Anhaia. A Cidade Jardim, p.27. 59 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Visão do futuro e realidade do presente, p.01 60 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Visão do futuro e realidade do presente, p.02.
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havia se rendido às relações impessoais por se tratar de uma grande aglomeração urbana.
Sua intenção visava resgatar nesta cidade a vida em comunidade, cujo significado adquire
diferentes níveis simbólicos, ora pensada como um conjunto de relações sociais mais
intimistas, ora atravessada pelo apelo religioso, mas que adquire caráter universal quando
argumento de harmonia e felicidade coletiva, sua utopia social. A cidade-jardim é sua
utopia, o sistema de recreio ativo e organizado o factível diante da realidade construída por
Anhaia Mello, entretanto, na passagem da idealização para as condições restritivas do
presente, manteve-se o referencial teórico da humanização da vida urbana, que significava
adequar o planejamento urbano à “escala humana”.
Entretanto, se cabia ao sistema de recreio ativo e organizado o incentivo da vida em
comunidade, através do lazer, e a instalação de espaços verdes na cidade, esta proposta é
decorrência não apenas de um diálogo teórico com Howard e com as experiências das
cidades inglesas concebidas como cidades-jardins, mas também das realizações na própria
cidade de São Paulo, que neste momento, 1929, já possuía bairros residenciais jardins. A
presença do arquiteto inglês Barry Parker em São Paulo, entre os anos de 1917 e 1919, e
seus planos para a cidade, concebidos a partir de sua adesão ao movimento pela cidade-
jardim, é tema do trabalho de Carlos Roberto Monteiro de Andrade, em sua tese Barry
Parker: um arquiteto inglês na cidade de São Paulo61.
Ao discutir as ressonâncias do projeto de cidade-jardim no Brasil e o impacto das
propostas de Barry Parker entre os urbanistas paulistanos, Monteiro de Andrade destaca a
adesão de Victor Freire a princípios do urbanismo norte-americano em relação às moradias
operárias e às cidades-jardins, que cumpria os requisitos de uma vida moralmente sã e com
as vantagens da existência ao ar livre62. Além de Anhaia Mello, o autor também faz
referência à Prestes Maia, afirmando que:
“Prestes Maia, em sua proposta para um plano de avenidas para a cidade, de
1930, revelando sua filiação, mas também suas diferenças, faz referência à
proposta de ‘Park Ring’ formulada por Parker, e afirma a respeito: ‘O nosso
traçado aproxima-se do indicado por Barry Parker, o célebre town-planner que
61 ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de. Barry Parker: um arquiteto inglês na cidade de São Paulo. Tese de Doutorado, orientação de Murillo de Azevedo Marx. Universidade Estadual de São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, junho de 1998. 62 ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de, op.cit., p.358.
27
esteve entre nós. Mas este, se não nos enganamos desejava ampla faixa de verdura
[...] ao passo que nós nos limitamos a uma largura menor e preocupamo-nos mais
com a circulação’. De qualquer modo, o circuito de avenidas e parques que propõe
para a cidade, retoma a concepção de Parker”63.
Desta forma, Prestes Maia também concebe a existência de espaços verdes na forma
de parques em seu plano para a capital paulista, embora a estes fosse atribuída uma menor
importância do que entre os irrestritos partidários da cidade-jardim. Este era o caso de
Anhaia Mello, para o qual esta concepção inglesa, como já foi dito, representava “a porta
de saída para o caos metropolitano”. Para falar do comprometimento de Anhaia Mello com
a idéia de cidade-jardim e, ao mesmo tempo, remeter suas propostas aos projetos de Barry
Parker, Carlos Roberto Monteiro de Andrade faz referência ao artigo “A cidade celular,
quadras, superquadras e células residenciais”, publicado em 1933 no Boletim do Instituto de
Engenharia.
Neste artigo, Anhaia Mello, assim como Prestes Maia em seu Plano de Avenidas,
também se mostrava preocupado com a circulação na cidade, mas seu enfoque concentrava-
se na diminuição do tráfego nas zonas residenciais, para evitar o “massacre de crianças
pelos automóveis”64. Assim, ele defende a célula residencial concebida como um todo
orgânico, contendo todos os elementos necessários ao pleno desenvolvimento da vida
urbana, para que desta forma o tráfego pesado fosse deslocado para vias rápidas distantes
da movimentação cotidiana dos habitantes. É uma proposta de agenciamento do espaço
urbano que não deixa de contemplar os princípios das cidades-jardins. Desta forma
Monteiro de Andrade considera que:
“A proposta de ‘unidade de vizinhança’, presente nas formulações de Anhaia Melo,
também indicam a influência de Parker em outro urbanista que teve uma atuação
decisiva no planejamento da cidade. Sua concepção de ‘Cidade Celular’, de 1933,
revelava uma forte presença das concepções dos urbanistas norte-americanos que
tinham elaborado o primeiro plano regional de Nova York e arredores, como
Thomas Adams, um dos pioneiros do movimento pela cidade-jardim [...]. Tendo sua
origem nas primeiras realizações de Parker & Unwin para Letchworth e
63 ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de, op. cit., p.360. 64 MELLO, L.G.R. de Anhaia. A cidade celular, quadras, superquadras e células residenciais, p.131.
28
Hampstead, a idéia de unidade de vizinhança era apropriada por Melo como sendo
uma célula de cidade. Dizia ele: ‘É essa malha entre vias principais, que deve ser
tratada como unidade, célula completa, de vida autônoma, o quanto possível,
chamada pelos urbanistas americanos: neighborhood unit cell” [...]. As propostas
que Melo apresentava para o traçado de áreas residenciais, em que destacava as
vantagens do sistema hexagonal do urbanista canadense Noulan Couchon – o qual
também influenciaria o plano de Parker para Wythenshawe – era reduzir a largura
das ruas circundantes, aumentar o comprimento das quadras e aumentar a
profundidade da quadra. As duas primeiras já haviam sido feitas por Parker, em
seus planos para o Pacaembú e Alto da Lapa, daí Melo ilustrar seu artigo com um
trecho deste último loteamento, em que anota: ‘quadras alongadas com ‘foot-
walks’. Cia. City – Barry Parker’”65.
Sendo assim, ao falar das reservas de Prestes Maia frente às propostas de Parker e
da insistente defesa de Anhaia Mello em relação ao planejamento nos padrões cidades-
jardins, o autor destaca, como outros estudos que remetem à atuação destes dois
profissionais, as discordâncias entre eles, mesmo quando pareciam demonstrar interesse por
uma mesma concepção teórica. Carlos Monteiro de Andrade considera que:
“Na polêmica entre as propostas para a cidade dos engenheiros, professores da
Escola Politécnica e políticos, Prestes Maia e Luís de Anhaia Melo, as influências
de Parker também não deixaram de estar implícitas. Ao discutir as formas de
descentralização das cidades, em seu livro de 1930, Prestes Maia retoma a
concepção de cidade satélite conforme foi formulada por Howard, afirmando: ‘As
cidades satélites consistem essencialmente em aglomerações afastadas, de
grandeza limitada, mas em si completas. Elas recebem de preferência o caráter de
cidade-jardim, o que o preço do terreno permite’. Dá como exemplo Santo Amaro e
São Bernardo, mas não as considera cidades-jardins ‘por faltar-lhes a organização
característica’ e sugere que tal concepção ‘é inegavelmente sedutora’.
Até aqui seu raciocínio parece coincidir com as idéias de Melo, que marca sua
posição urbanística apontando os inconvenientes do crescimento contínuo e
desmesurado das cidades, bem como criticando uma concentração e centralização
65 ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de, op. cit., p.p.360-1.
29
excessivas. Mas, em continuação, Maia chama a atenção para o reverso daquela
concepção, passando a defender a centralização como uma das razões de ser das
grandes metrópoles. Desfia, então, suas críticas à cidade-jardim, considerando que
‘a dispersão representa um aumento considerável de despesas gerais, a cujo
cálculo foge o urbanista’, e conclui afirmando que ‘as cidades-jardins são
apreciadas apenas pelos intelectuais’”66.
Apesar da proximidade conceitual de Anhaia Mello com as propostas de Parker, um
dos diferenciais da proposta de recreio ativo e organizado, em relação aos princípios
organizacionais de cidade-jardim trazidos por aquele arquiteto inglês para a capital paulista,
era o público para o qual ela destinava-se. O sistema de lazer proposto em 1929 visava
trazer para a cidade o ambiente encontrado nas cidades-jardins, com a presença de áreas
verdes e a organização das células de vizinhança, adequando o espaço à “escala humana”,
no entanto, uma das preocupações centrais de Anhaia Mello é a formação e/ou correção
moral da classe operária, que habitava bairros sem nenhum planejamento urbano. Sua
proposta certamente engloba referências da atuação de Barry Parker em São Paulo,
contudo, um dos mais importantes objetivos de Anhaia Mello era implantar uma reforma
social na periferia da cidade, composta por uma população não só economicamente
desfavorecida, mas necessitada de orientação moral em sua trajetória de adaptação à vida
metropolitana.
A questão da adaptação humana a essa nova cidade surgida a partir do crescimento
da atividade industrial e a preocupação em restabelecer nos grandes centros urbanos a
pessoalidade nas relações cotidianas constituíram o elo entre Anhaia Mello e a Sociologia
Urbana norte-americana. Segundo Otávio Guilherme Velho, em seu livro O Fenômeno
Urbano :
“[...] a idéia de uma Sociologia Urbana teria surgido não de uma preocupação
acentuada de elaboração teórica, o que exigia um extremo rigor lógico na
definição da ciência, mas da necessidade de enfrentar certos problemas ‘práticos’
urgentes ligados ao enorme crescimento das grandes cidades que acompanha a
industrialização e o desenvolvimento capitalista, especialmente nos Estados
Unidos, com o imigração em massa de contingentes europeus em fins do século XIX
66 ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de, op. cit., p.361.
30
e início do século XX.
Esse crescimento traz consigo uma série de fenômenos desconhecidos até então,
pelo menos em tal escala, inclusive manifestações de ‘patologia social’ tais como
sub-habitação, delinqüência, marginalismo e choque cultural, bem como problemas
de planejamento urbano em geral. É em resposta a esses desafios que se desenvolve
a Sociologia Urbana”67 .
Anhaia Mello, no decorrer de sua produção sobre Urbanismo, assim como em sua
proposta de sistema de lazer, recorre a autores norte-americanos que no início do século
vinte estavam discutindo os problemas urbanos na perspectiva da Sociologia Urbana e
procuravam soluções que não se restringiam às explicações “puramente” técnicas.
Referências a autores como Robert Park e Louis Wirth, os quais George Velho considera
representantes da chamada “Escola de Chicago”, caracterizam tentativas de apreensão dos
aspectos psicológicos afetados pela rotina no ambiente das cidades industriais.
A Sociologia Urbana norte-americana tem uma base teórica que se aproxima àquela
trabalhada pela proposta de cidade-jardim, uma vez que também está preocupada com a
humanização das cidades modernas, indagando-se sobre os motivos do surgimento de uma
nova sensibilidade aplicada aos relacionamentos sociais. Desta forma, assim como o recreio
ativo e organizado representava para Anhaia Mello a possibilidade de atuação imediata no
espaço urbano, a Sociologia Urbana oferecia análises sobre o comportamento humano que
complementava o conhecimento técnico na busca pela eficiente intervenção urbanística. O
sistema de recreio, além de sua composição espacial, constituía-se como mecanismo de
controle social voltado, em especial, às classes operárias. Os sociólogos norte-americanos,
com destaque para Robert Park, exaustivamente citado por Anhaia Mello, estavam
preocupados com a forma como os códigos de relação social estavam se estabelecendo nas
metrópoles do início do século XX.
Na Sociologia Urbana dos autores encontrados nos artigos de Anhaia Mello a
constituição psicológica do homem da metrópole está relacionada com o grau de ruptura
que ele estabeleceu com o modo de vida rural. É interessante ressaltar que a dicotomia
campo-cidade está presente na cidade-jardim, embora nesta proposta a intenção seja unir os
dois modos de vida, mesmo procedimento aplicado por Anhaia Mello em relação à sua
67 VELHO, Otávio Guilherme (Org.). “Introdução”. In: O Fenômeno Urbano. RJ: Zahar, 1976, p.p.07-8.
31
proposta de lazer. Outro aspecto convergente é a definição de cidade, cuja significação
ultrapassa a materialidade e estende-se a aspectos culturais.
O filósofo alemão Georg Simmel, referência teórica para Robert Park, Louis Wirth
e também de Anhaia Mello68, em “A metrópole e a vida mental”69, afirmou que a vida na
metrópole exige do homem uma consciência diferente daquela pedida pelo meio rural,
assim:
“A metrópole extrai do homem, enquanto criatura que procede a discriminações,
uma quantidade de consciência diferente da que a vida rural extrai. Nesta, o ritmo
da vida e do conjunto sensorial de imagens mentais flui mais lentamente, de modo
mais habitual e mais uniforme. É precisamente nesta conexão que o caráter
sofisticado da vida psíquica metropolitana se torna compreensível – enquanto
oposição à vida de pequena cidade, que descansa mais sobre relacionamentos
profundamente sentidos e emocionais”70.
Sendo assim, Simmel acreditava que o homem das grandes cidades tende a reagir
racionalmente em relação aos contatos sociais porque vive num ambiente que obedece aos
ideais das ciências naturais, que tendem a transformar o mundo em um problema
aritmético71. A vida, portanto, submete-se à exatidão das horas, aos prazos dos calendários,
num esforço direcionado de agenciar as relações e atividades de pessoas com interesses
diferenciados em um organismo altamente complexo72.
Entretanto, para o autor norte-americano Louis Wirth, em “O Urbanismo como
modo de vida”73, não se podia esperar diferenças abruptas entre os relacionamentos vividos
no campo e aqueles presentes nas cidade, já que esta não surgiu espontaneamente. Segundo
este autor:
“Já que a cidade é produto do crescimento e não da criação instantânea, deve-se
esperar que as influências que ela exerce sobre os modos de vida não sejam
68 Embora Anhaia Mello não cite diretamente Georg Simmel nos textos que foram utilizados para a elaboração deste trabalho, há trechos em alguns de seus artigos que de certa forma se assemelham a discussões do texto “A metrópole e a vida mental”. 69 SIMMEL, Georg. “A metrópole e a vida mental”. In: VELHO, Otávio Guilherme (Org.) O Fenômeno Urbano. RJ: Zahar, 1976. 70 SIMMEL, Georg, op. cit., p.12. 71 SIMMEL, Georg, op. cit., p.14. 72 SIMMEL, Georg, op. cit. , p.15. 73 WIRTH, Louis. “O urbanismo como modo de vida”. In: VELHO, Otávio Guilherme (Org.) O Fenômeno Urbano. RJ: Zahar, 1976.
32
capazes de eliminar completamente os modos de associação humana que
predominavam anteriormente.
[...] Conseqüentemente não devemos esperar encontrar variação abrupta e
descontínua entre tipos de personalidades urbana e rural. A cidade e o campo
podem ser encarados como dois pólos em relação aos quais todos os aglomerados
urbanos tendem a se dispor”74.
A despeito do impasse sobre a ruptura psíquica ocorrida no movimento de
deslocamento do campo para a cidade, Anhaia Mello acreditava que o restabelecimento do
contato com alguns aspectos da vida campestre, como o envolvimento com a natureza e os
relacionamentos mais estreitos entre vizinhos, num estilo de vida em comunidade,
constituía-se fundamental para a “saúde mental” do cidadão metropolitano. Embora seja
importante destacar que partilhava da idéia de Simmel sobre o processo de racionalização
das relações entre as pessoas nas grandes cidades, empreendia esforços para reivindicar a
volta do envolvimento emocional.
Em seus estudos sobre os impasses e/ou conflitos emocionais do cidadão
metropolitano, a Sociologia Urbana norte-americana discute a importância de se substituir
as relações secundárias pelas relações primárias. As relações secundárias seriam
superficiais, sem laços de intimidade. Simmel acreditava que isso se devia ao fato de que os
habitantes das grandes cidades, apesar de dependerem de muitas pessoas para atenderem às
suas necessidades cotidianas, não as reconheciam como pertencentes à sua rede de
relacionamentos, o que levava à impessoalidade. Segundo Anhaia Mello, “As populações
das grandes cidades se cruzam, se encontram, se reúnem, mas não se conhecem”75. As
relações primárias, ao contrário, pressupõem um envolvimento emocional entre os
habitantes da cidade, no seu dia-a-dia.
A substituição do contato mais próximo pelos relacionamentos sem envolvimento
emocional foi para Simmel uma questão de adaptação ou até mesmo de sobrevivência.
Segundo este autor, a racionalização da vida humana através da lógica do capital originou
um novo tipo de sensibilidade para se viver em grupo. O homem precisou proteger-se das
características da vida em comunidade porque suas relações com as pessoas aumentaram de
74 WIRTH, Louis, op. cit., p.p.91-2. 75 MELLO, L. G. R. de Anhaia. A Cidade Jardim, p.29.
33
tal forma que, caso se envolvesse emocionalmente, entraria em colapso psíquico. Ao
mesmo tempo, teve que se voltar para uma individualidade profunda numa tentativa de se
diferenciar em meio à multidão. Para o cidadão metropolitano as relações primárias se
restringiam a um pequeno número de pessoas, como estratégia de auto-defesa. Anhaia
Mello critica esse homem introspectivo, afirmando que o estilo de vida metropolitano “[...]
transformou o "homo sapiens" em nova e esquisita espécie de ser humano, o ‘homo
sporogènes’, que se fecha, que se protege com uma membrana ou carapuça para poder viver
ou sobreviver”76.
Robert Park e Louis Wirth, entretanto, consideram que o restabelecimento da vida
em comunidade significava uma reação à proliferação dos “desvios comportamentais”
produzidos em decorrência da vida nas grandes cidades. Segundo Wirth:
“Os traços característicos do modo de vida urbano têm sido descritos
sociologicamente como consistindo na substituição de contatos primários por
secundários, no enfraquecimento dos laços de parentesco e no declínio da
significação social da família, no desaparecimento da vizinhança e na corrosão da
base tradicional da solidariedade social”77.
Para estes dois autores, assim como para Anhaia Mello, essa mudança no modo de
se relacionar levou à perda dos referenciais morais dos habitantes das grandes cidades,
gerando um ambiente propício para o aumento do vício e da criminalidade. Desta forma,
Anhaia Mello concorda com Park quando este afirma que um dos meios para se controlar
esta situação e impedir que a cidade se torne um lugar de degeneração social é:
“[...] renovar vizinhanças ruins pela construção de pátios de recreio e pela
introdução da prática supervisionada de esportes de vários tipos [...] Estas e outras
atitudes, destinadas em primeiro lugar a elevar o tom moral das populações
segregadas das grandes cidades, devem ser estudadas em conexão com a
investigação da vizinhança em geral. Devem [...] ser estudadas não apenas em seu
próprio benefício, mas pelo que nos podem revelar do comportamento humano e da
natureza humana em geral”78 .
76 MELLO, L. G. R. de Anhaia. “Os novos moldes da composição urbana” – “TOWN DESIGN”, p.96. 77 WIRTH, Louis, op. cit., p.109. 78 PARK, Robert Ezra. “A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no meio urbano”. In: VELHO, Otávio Guilherme (Org.) O Fenômeno Urbano. RJ: Zahar, 1976, p.33.
34
O sistema de recreio ativo e organizado também comporta esse viés sociológico de
experimentação no combate a “comportamentos desviantes”. No artigo sobre esta proposta
de lazer, relaciona o aumento das áreas de recreio à diminuição dos índices de
criminalidade, tema da segunda parte deste trabalho, uma vez que, segundo ele, “Os nossos
difíceis problemas sociais [...] têm sua origem no fato de não se basearem mais nas relações
primárias de grupos, mas em relações secundárias frouxas, ocasionais, sem controle”79.
Para definir os objetivos sociais de sua proposta de lazer, Anhaia Mello recorre às
idéias de Robert Park. No que se refere às camadas pobres da população, estes espaços de
lazer, pensados para integrar o planejamento urbano dos bairros industriais, estabelecia
como uma de suas finalidades o controle sobre o comportamento desses habitantes. Sendo
assim, ele corrobora a afirmação de Park de que “Provavelmente é a ruptura das uniões
locais e o enfraquecimento das restrições e inibições do grupo primário, sob a influência do
meio urbano, que são grandemente responsáveis pelo aumento do vício e do crime nas
grandes cidades”80. Desta forma, as relações primárias exerceriam controle sobre os
comportamentos humanos por se basearem no comprometimento com o outro e/ou com as
convenções morais, ao passo que as relações secundárias não comportam esse mecanismo
de controle dado ao pouco peso atribuído à opinião alheia.
A importância da manutenção da cidade de pequenas dimensões, em aspectos
sociológicos tem como importante finalidade esse auto-controle do grupo, pois para Park
“[...] o problema de toda sociedade é prático: como assegurar os máximos valores da
competição, ou seja, liberdade pessoal, iniciativa e originalidade, e, ao mesmo tempo,
controlar as energias que a competição libertou no interesse da comunidade”81. Para este
autor, “[...] a comunidade pode ser caracterizada, em um dos seus aspectos, como uma
divisão de trabalho e uma forma de cooperação competitiva, ela é caracterizada, por outro
lado, pelo consenso e por uma ordem moral”82.
Ao adotar como categoria de análise o conceito de Ecologia Humana desenvolvido
por Park, Anhaia Mello postula que a cidade não é apenas materialidade mas uma relação
79 MELLO, L. G. R. de Anhaia. A Cidade, Base Material de Relações Sociais, Sociologia Urbana, Ecologia Humana e o Plano de Londres. Engenharia. São Paulo, n.31, p.269-77, mar. 1945, p.272. 80 PARK, Robert Ezra, op. cit., p.48. 81 EUFRASIO, Mário A.. Estrutura Urbana e Ecologia Humana: A escola sociológica de Chicago (1915-1940). – São Paulo: Curso de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo. Editora 34, 1999, p.107. 82 EUFRASIO, Mário A., op. cit., p.123.
35
entre distribuição espacial e relações sociais. Como cita em um de seus artigos:
“Cidade – define um sociólogo, Roberto Park – é um mecanismo psico-físico, um
estado de espírito, um corpo de costumes e tradições, de atitudes organizadas e
sentimentos que decorrem dos costumes e são transmitidos pela tradição. E há uma
entrosagem perfeita entre a parte material e os processos vitais da população”83.
Para ele, a Ecologia Humana consiste em uma ciência que isola e descreve
agrupamentos tipificados de pessoas e instituições através da análise de inúmeras forças
atuantes nas comunidades urbanas, pois “Há forças invisíveis puxando os cordéis das
marionetes urbanas”84. Uma vez que a lógica de funcionamento social de um determinado
grupo fosse desvendada e trabalhada tornava possível manipular a resultante das “forças
invisíveis” levando a um menor atrito social. Desta forma, o meio controlado formaria
homens adaptados à disciplina da vida em comunidade. Esse princípio alicerçava a idéia de
Park, assim como de Anhaia Mello, de que o lazer orientado e organizado combateria a
proliferação da criminalidade e do vício entre as camadas populares, que necessitavam de
tutela para que suas forças invisíveis não entrassem em colapso. A organização moral e
física de uma cidade interagem moldando e modificando uma a outra
Ambos trabalhavam, pois, com a idéia de que através de um meio controlado se
poderia atuar sobre a formação do homem que nele viveria. Se o espaço urbano fosse
pensado com o intuito de propiciar o desenvolvimento de atividades que estimulassem os
bons hábitos, a boa sociabilidade, ficaria difícil para quem o habitasse romper com estes
propósitos. Logo, a cidade seria campo experimental para a formação de uma sociedade
cada vez melhor.
Ao afirmar que a cidade-jardim era estilo de arquitetura urbana que deveria ser
adotado com o intuito de combater os males do crescimento desordenado, Anhaia Mello
corrobora a importância do estabelecimento do contato primário entre os habitantes da
cidade. No detalhamento das características da cidade-jardim, menciona as pequenas
distâncias entre residência, trabalho e recreio e cita a frase de Robert Park, em que diz que a
83 MELLO, L. G. R. de Anhaia. A Cidade, Base Material de Relações Sociais, Sociologia Urbana, Ecologia Humana e o Plano de Londres, p.271. 84 MELLO, L. G. R. de Anhaia. A Cidade, Base Material de Relações Sociais, Sociologia Urbana, Ecologia Humana e o Plano de Londres, p.271.
36
metrópole era “um mosaico de pequenos mundos que se tocam mas não se interpenetram”85
, para evidenciar que a aglomeração excessiva perturbava a associação entre as pessoas,
pois estabeleceria com forma de relacionamento o contato secundário.
No artigo em que fala sobre o recreio ativo e organizado, Anhaia Mello propõe um
“Programa para o futuro”86 , no qual pede que se inicie, no Brasil, uma política dos parques
e reservas naturais e faz um apelo para que se organize “[...] como parte integrante do plano
geral da cidade de S. Paulo, a produção e o consumo do nosso lazer, pois o futuro, “[...]
depende também mais do que fizermos nas horas de descanso do que daquilo que naquilo
que fizermos naquelas em que trabalharmos”87. Sendo o urbanismo um fator de
transformação social, atuando na formação do caráter dos cidadãos, a sociedade brasileira,
na concepção de Anhaia Mello, estaria por se formar. Para ele, as cidades brasileiras não
haviam experimentado a ação de um urbanismo inteligente.
85 MELLO, L. G. R. de Anhaia. A Cidade Jardim, p.28. 86 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.159. 87 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.161.
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I.2. Os Estados Unidos e sua bem sucedida experiência em Urbanismo.
Apesar de utilizar diversificada referência bibliográfica em seus artigos, Anhaia
Mello recorre freqüentemente à experiência norte-americana em Urbanismo, sempre
destacando o exemplo bem sucedido deste país na área. Os Estados Unidos seriam, para
este engenheiro-arquiteto, o país que aplicava da melhor forma os verdadeiros princípios do
urbanismo moderno por terem desenvolvido bons dispositivos administrativos e possuírem
uma população com espírito cívico bastante acentuado.
Entretanto, o olhar de simpatia para com os métodos norte-americanos não
caracterizava um desejo de reprodução do “urbanismo norte-americano” no Brasil, como
ele mesmo destaca ao afirmar que “Examinemos como os outros os resolveram [seus
problemas] e procuremos aplicar, com inteligência e não servilmente ou por mero espírito
de imitação, os métodos e processos que se adaptem às nossas condições locais”88.
Uma questão freqüentemente retomada por Anhaia Mello, em seus artigos, era a
importância de se adaptar as soluções urbanísticas às especificidades locais. Quando discute
a relação entre legislação e urbanismo, em “A Cidade, problema de governo”89, afirma que:
“Nos Estados Unidos, porém, terra da standardização, não há um tipo standard de
governo de cidade.
Nem há mesmo sequer um tipo estadual, Californiano ou Novaiorquino.
[...] Esta política é muitíssimo inteligente porque não deve haver uniformidade de
organização municipal onde não haja igualdade de condições e de problemas e não
há duas cidades que se possam dizer iguais, física, econômica ou socialmente.
E se essas condições mudam, a forma de governo também muda”90.
Portanto, as leis, consideradas por este engenheiro-arquiteto um fator de realização
do urbanismo, deviam adequar-se às condições locais, sendo elaboradas para melhor
atender aos problemas que deveriam solucionar. As diretrizes do urbanismo norte-
americano teriam, assim, que se ajustar às questões das cidades brasileiras, o que
descaracterizaria a simples transposição de um modelo.
88 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Problemas de Urbanismo: bases para a resolução do problema técnico, p.13. 89 MELLO, L. G. R. de Anhaia. A cidade, problema de governo. Boletim do Instituto de Engenharia. São Paulo, n.43, p.278-87, dez. 1928. 90 MELLO, L. G. R. de Anhaia. A cidade, problema de governo, p.279.
38
O urbanismo norte-americano representava, para Anhaia Mello, mais um exemplo
de procedimento a ser seguido, do que um esquema administrativo a ser implantado
mimeticamente neste país. Se o Brasil deveria seguir o modelo adotado pelas cidades norte-
americanas para resolver seus problemas, seria mais no sentido de garantir maior
investimento financeiro e técnico por parte dos governos, de adotar princípios que levassem
a uma cidade mais orgânica, pautados no projeto das cidades-jardins, do que na direção de
aplicar no país o urbanismo praticado nas cidades norte-americanas.
Ao discutir o problema da habitação nos Estados Unidos, Anhaia Mello compara a
situação norte-americana e a brasileira em termos governamentais, e destaca que, além dos
norte-americanos desenvolverem pesquisa na área, para conhecer com detalhes a situação
de seu país, estavam empenhados em criar um plano definitivo para acabar com o problema
da habitação para as camadas populares. No Brasil, eram oferecidas apenas medidas
paliativas para este setor. A utilização de métodos ineficientes e a escolha de caminhos
errados eram as falhas brasileiras.
Não havia, portanto, a intenção de que os exemplos norte-americanos fossem
simplesmente imitados. O que ocorria era o desejo do urbanismo ser encarado, no Brasil, a
partir da perspectiva daquele país, e que se desenvolvesse aqui um sentimento cívico de
intensidade semelhante. As estratégias de atuação poderiam ser as mesmas, pois os fins do
Urbanismo eram universais, mas deveriam se adequar às particularidades de cada cidade.
Desta forma, se os estudos realizados nos Estados Unidos pretendiam descobrir a
solução para o problema das habitações das massas de baixos salários, estas pesquisas
serviriam, na opinião de Anhaia Mello, para todos os países de crescimento rápido, onde os
problemas sociais se agravavam, como o caso do Brasil. Os norte-americanos estavam a
caminho de assegurar ao cidadão um padrão mínimo de moradia, para que ele pudesse vir a
ser útil à sociedade, pois “Tão necessária como a educação é a habitação salubre e digna,
porque um padrão mínimo de lar para todas as famílias não é apenas indispensável para a
higiene das comunidades mas também para a estabilidade social e econômica das
nações”91. Anhaia Mello acreditava que, assim como o sistema de recreio ativo e
91 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Um Programa de Habitação para os Estados Unidos. Revista Politécnica. São Paulo, n.121, p.161-4, jan./mar. 1936, p.162.
39
organizado atuaria no combate à criminalidade urbana, o fim da moradia precária era
fundamental à erradicação da “criminal culture”92, a herança social do morador do cortiço.
Ainda em relação ao problema da habitação popular, Anhaia Mello retoma a idéia
de que as soluções urbanísticas precisavam se adaptar às necessidades locais. De acordo
com este engenheiro-arquiteto, “A habitação é essencialmente um problema local, pois que
depende de condições locais que variam largamente, de estado a estado, e de cidade; tais
como o clima, hábitos de vida, caráter e composição das populações e respectivas
ocupações, crescimento urbano e seu controle pelo urbanismo”93.
Desta forma, ao adotar como referencial o urbanismo norte-americano, Anhaia
Mello não deixava de considerar como fator relevante as diferenças culturais e políticas
existentes entre os dois povos e os dois países. Ao salientar, portanto, no decorrer de toda
sua produção, a necessidade da propaganda para conseguir formar na população uma
consciência cívica, apostava que, apesar de se tratarem de países distintos, a mensagem do
“verdadeiro urbanismo” seria capaz de apaziguar eventuais conflitos culturais. Sua
referência aos métodos norte-americanos não se fundamentava na imposição de um
modelo, mas na crença de haver uma “verdadeira” solução dos problemas da cidade
moderna. Para Anhaia Mello, os Estados Unidos haviam descoberto o caminho antes do
Brasil.
Assim, em “Os parques estaduais americanos”94, Anhaia Mello volta ao tema do
recreio ativo e organizado para destacar a importância dos espaços de recreação e o
empenho dos estados norte-americanos em disponibilizar áreas para este fim, demonstrando
a diferença de abordagem no Brasil. Desta forma, seu principal argumento sobre esta
questão era que, “Quando, em futuro não remoto, se adensarem as populações, estas áreas
prestarão ainda maiores serviços, reservadas que estão, ao uso e gozo das futuras
gerações”95. O Brasil estava, portanto, muito aquém da preocupação norte-americana com
os espaços de lazer.
92 MELLO, L. G. R. de Anhaia. A Cidade Jardim, p.27. 93 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Um Programa de Habitação para os Estados Unidos. Revista Politécnica, n.122, p.119-24, abr./dez. 1936, p.119. 94 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Os parques estaduais americanos. Ilustração Brasileira. Rio de Janeiro, n.109, set.1929, spn. 95 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Os parques estaduais americanos, s.n.p.
40
Os urbanistas brasileiros, assim como os norte-americanos, deveriam tratar os
problemas referentes aos parques e às áreas de recreio com o mesmo empenho, tornando-o
tema de discussão nacional, pois se tratava de uma questão que não dizia respeito somente
às autoridades municipais. Essa seria mais uma das lições que o urbanismo praticado nos
Estados Unidos teria a ensinar sobre o recreio ativo e organizado. O sistema de recreio
merecia atenção nacional, de acordo com Anhaia Mello, devido à sua capacidade de repor
as energias gastas durante o dia de trabalho, o que o tornava tão importante para a cidade
quanto o sistema de ruas, o sistema de distribuição de água, o sistema de transporte
coletivo.
Além disso, sua referência ao Urbanismo norte-americano tinha relação com
método de pesquisa adotado por ele, que considerava que “[...] o urbanismo, mais que
qualquer ciência é ‘um saber de experiência feito’”96. Desta maneira, Anhaia Mello
indicava que suas formulações teóricas pautavam-se no empirismo, ou seja, no factível,
naquilo que já fora provado possível de realizar. Os Estados Unidos haviam superado, em
um passado não muito distante, dificuldades de crescimento parecidas com as enfrentadas
pelo Brasil, naquele momento. Anhaia Mello, portanto, embasava suas argumentações em
defesa do exemplo norte-americano no recente processo de industrialização deste país em
comparação com a Europa, assim como nas suas “jovens” cidades se pensadas em relação
às existentes no “Velho Mundo”.
Suas avaliações positivas dos exemplos norte-americanos mereceram críticas da
arquiteta Sarah Feldman, em seu livro Planejamento e Zoneamento. São Paulo: 1947-
197297. Na parte intitulada “Anhaia Mello e a Americanização do Setor de Urbanismo”, a
autora aponta alguns equívocos de Anhaia Mello em sua defesa da “americanização” do
urbanismo brasileiro, entre eles a sugestão de implantação da Comissão do Plano da Cidade
na administração da capital paulista.
Esta comissão seria, para a autora, um dos princípios de organização das cidades
norte-americanas que Anhaia Mello defendia para o urbanismo em São Paulo sem que,
necessariamente, tivesse coerência com as práticas de governo até então praticadas na
cidade. Composta por um conselho consultivo e comissões voluntárias, a Comissão do
96 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Problemas de Urbanismo: bases para a resolução do problema técnico, p.43. 97 FELDMAN, Sarah. Planejamento e Zoneamento. São Paulo: 1947- 1972. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/Fapesp, 2005.
41
Plano da Cidade pressuporia um exercício político estranho aos brasileiros, pois o conselho
consultivo nomeado não era remunerado e contava com a participação voluntária de
membros da sociedade. Segundo Feldman:
“A criação de uma Comissão nos moldes pretendidos por Anhaia Mello, nos anos
de 1920 e 1930, ou seja, portadora de amplos poderes sobre a realização de um
plano e com participação minoritária do executivo, constitui uma proposta que vai
contra a mentalidade vigente no setor de urbanismo e desqualifica os engenheiros
municipais. A constituição de comissões para introduzir novas questões emergentes
na cidade, e sua posterior incorporação na estrutura administrativa, era recurso
amplamente utilizado na administração municipal. Mas a Comissão do Plano tinha
um caráter diferente, uma vez que era pensada numa estância de caráter definitivo
e não transitório, com poderes de interferir no trabalho dos engenheiros-
municipais”98.
Desta forma, Feldman indaga sobre até que ponto os exemplos norte-americanos
mantinham sua coerência quando pensados na perspectiva da administração brasileira.
Nesse sentido, é interessante estabelecermos uma relação entre a interpretação de Feldman
e a indagação de Marisa Carpintéro frente a Prestes Maia. Carpintéro, em sua tese de
doutorado, cujo enfoque é o Plano de Avenidas de Prestes Maia, pergunta na parte
intitulada “O principal interlocutor: Anhaia Mello”99 se havia coerência entre a metrópole
idealizada pelo urbanista Prestes Maia e a dinâmica da cidade100, fazendo pensar sobre o
difícil trânsito entre o papel de político e o de técnico.
Embora Anhaia Mello também tivesse trilhado o caminho da política, a questão que
se coloca seria referente à distância entre o acadêmico e o urbanista. Em que medida o
detalhado conhecimento conceitual sobre o Urbanismo não o levava a uma crença otimista
de que havia “desvendado” as causas dos problemas das grandes cidades e, em
conseqüência disso, possuía a formulação de sua solução? As possíveis inadequações entre
uma concepção teórica e sua viabilidade de aplicação constitui um problema que Anhaia
Mello se dedica a resolver a partir de seus conhecimentos sobre a maquinaria da
98 FELDMAN, Sarah, op. cit., p.65. 99 CARPINTÉRO, Marisa Varanda T.. Em busca da imagem: a cidade e seu figurino (São Paulo 1938-1954), p.100. 100 CARPINTÉRO, Marisa Varanda T.. Em busca da imagem: a cidade e seu figurino (São Paulo 1938-1954), p.107.
42
administração municipal, mas que, certamente, nem sempre obteve sucesso. A retomada de
suas propostas em administrações posteriores à sua indica, por outro lado, algum êxito em
tornar factíveis suas reflexões acadêmicas. Marisa Carpintéro destaca, entretanto, que “Para
Prestes Maia, havia nas propostas de Anhaia Mello uma certa insistência em fincar seus
argumentos teóricos, calcado em situações e modelos ‘ideais’ distante da cidade
paulistana”101.
Contudo, a elaboração de propostas pautadas em experiências realizadas não era
característica exclusiva de Anhaia Mello, mas fazia parte do método científico vigente em
sua época. Para ele era contundente que:
“Nada poderá progredir se pretendermos sempre recomeçar o caminho já por
outros percorrido e, em vez de tomarmos por marco inicial das nossas pesquisas a
alheia experiência, avançarmos ás tontas, varejando atalhos em busca de soluções
que outros, mais velhos ou mais sagazes, já encontraram. Esta é a norma geral da
pesquisa científica à qual devemos prestar obediência no caso particular do estudo
dos nossos problemas urbanos”102.
O apreço pela análise das “experiências alheias” também constitui método de
elaboração teórica de Victor da Silva Freire que, tal como Anhaia Mello, destacava a
recente inserção do Brasil entre os países “apreciados” pelo fenômeno das grandes cidades.
Em seu artigo Melhoramentos de S. Paulo103, publicado na Revista Politécnica no ano de
1911, afirmava que:
“A era do industrialismo foi que criou este estado de coisas, e nós somos dos
últimos a sentir-lhe as conseqüências. Aproveitemos dessa circunstância para
utilizarmos a experiência dos que nos precederam. Na mesma ordem de idéias
manda o bom censo que observemos os que melhor resolveram os seus problemas e
aqueles cujas condições mais se assemelham às nossas”104.
Embora este engenheiro considerasse que São Paulo encontraria na Europa seus
problemas em termos idênticos, não nos Estados Unidos, várias de suas idéias são
reencontradas nos artigos de Anhaia Mello, como a importância do “urbanismo preventivo”
101 CARPINTÉRO, Marisa Varanda T.. Em busca da imagem: a cidade e seu figurino (São Paulo 1938-1954), p.102-3. 102 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Problemas de Urbanismo: bases para a resolução do problema técnico, p.13. 103 FREIRE, Victor da Silva. Melhoramentos de S. Paulo. Revista Politécnica, fevereiro/março, 1911. 104 FREIRE, Victor da Silva, op. cit., p.93.
43
em contraposição ao “urbanismo cirúrgico”, a necessidade do Governo Municipal não ser
afetado por disputas políticas, a adequação das leis às necessidades das cidades modernas,
destacando o papel das taxas de melhoria. Entretanto, sobre estes impostos, Victor da Silva
Freire sugere que:
“Poderia o Congresso tomar uma medida excessivamente simples, inspirando-se
na orientação norte-americana. Práticos como são, os nossos grandes amigos não
se resignaram facilmente a uma situação que dava em conseqüência pagarem todos
para que um fosse beneficiado. Isso é bom para nós”105.
A valorização dos sistemas de parques e recreio e seus benefícios para a formação
do cidadão útil à pátria também é um tema comum entre estes dois profissionais e também
neste assunto Victor da Silva Freire faz referência à experiência norte-americana, pois, a
seu ver, este país havia compreendido a verdadeira importância desses espaços para a vida
nas grandes cidades.
Além das áreas de engenharia e arquitetura, as experiências norte-americanas
também encontravam seu espaço em outras ciências como a higiene pública e o
sanitarismo. Cristina Campos, em seu livro São Paulo pela lente da higiene: as propostas
de Horácio de Paula e Souza para a cidade (1925-1945)106, identifica o que considera a
forte relação das propostas de Paula e Souza no Código Sanitário para a cidade de São
Paulo, do ano de 1925, e sua pós-graduação nos Estados Unidos, além do patrocínio da
Fundação Rockefeller às iniciativas do setor de higiene por todo o estado paulista. Segundo
a autora:
“Em 1922, assume a direção do serviço sanitário o médico sanitarista Geraldo
Horácio Paula Souza, recomendado ao secretário dos Negócios do Interior pela
fundação Rockefeller. Ao retornar dos Estados Unidos, em 1922, após a conclusão
de seu curso de doutorado na Johns Hopkins University, assumiria também a
direção do Instituto de Higiene e do Serviço Sanitário”.
Geraldo Paula Souza retornou ao Brasil com novos ideais e metodologias na área
da higiene e da saúde pública, e estes ficaram patentes em seu primeiro relatório
como diretor do Serviço Sanitário ao secretário dos Negócios do Interior. Nesse
105 FREIRE, Victor da Silva, op. cit., p.p.142-3. 106 CAMPOS, Cristina de. São Paulo pela lente da higiene: as propostas de Horácio de Paula e Souza para a cidade (1925-1945). São Carlos: RiMa, 2002.
44
relatório, [...] o médico expõe todas as suas doutrinas, bem como sua aversão ao
modelo de saúde baseado no policiamento e nas campanhas sanitárias. O novo
problema da saúde pública, para o médico, [...] [é] ‘a vida moderna, urbana, (...) o
nosso principal objeto, por ter conseqüências trágicas para a nossa sociedade em
termos do processo saúde/doença’. As críticas também estão direcionadas ‘(...)
para o atraso em que nos encontramos em relação à aplicação da ciência, em
particular a Higiene, para a melhoria das condições de vida das pessoas. Ressaltou
as experiências dos serviços de Saúde Pública em outros países, em particular nos
Estados Unidos”107
Cristina Campos afirma que muitas vezes a ligação com os propósitos sanitários
norte-americanos causava problemas com profissionais que mantinham posturas mais
tradicionais, originadas da Europa. Entretanto, considera que “Historiar a trajetória do
Instituto de Higiene na sociedade paulista é interessante porque nos permite identificar a
presença de experiências norte-americanas no campo da saúde pública”108.
É importante ressaltar, no entanto, que Anhaia Mello não acreditava que os
americanos haviam resolvido todos os problemas do urbanismo, pois, segundo ele, “Não se
pode dizer que os complexos problemas do moderno urbanismo tenham tido, em qualquer
parte, solução perfeita e integral, porque não são equações que se armem definitivas, mas
questões multifárias e multiformes, que surgem a toda a hora, se entretecem e entrosam
nesse caleidoscópio caprichoso que é a cidade moderna”109. Sendo assim, comprova sua
percepção do Urbanismo como um processo e, de certa forma, nos ajuda a entender a
referência a autores de diversas nacionalidades em sua bibliografia, ainda que sobrelevem
os autores norte-americanos.
107 CAMPOS, Cristina de, op. cit., p.p.50-1. 108 CAMPOS, Cristina de, op. cit., p.59. 109 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Problemas de Urbanismo: bases para a resolução do problema técnico, p.13.
45
I.3. O recreio ativo e organizado e sua relação com a “Árvore do
Urbanismo”.
A preocupação de Anhaia Mello com as origens conceituais do Urbanismo o levou
à elaboração de sua própria teoria, que chamou de “Árvore do Urbanismo”. Como já foi
dito, ela não trazia projetos que visassem a reestruturação do espaço da cidade de São Paulo
através de obras específicas, mas pretendia combater as “causas” dos problemas urbanos.
Sendo assim, a “Árvore do Urbanismo” reúne temas que Anhaia Mello retoma ao longo de
toda a sua produção, porque acreditava serem pontos de partida para a resolução dos
problemas da capital paulista e, devido a isso, tomou para si a missão de convencer seus
colegas de profissão sobre a importância das medidas que estava defendendo.
A construção de seu método de análise sobre os problemas da cidade de São Paulo
sistematiza todas as suas crenças sobre o Urbanismo, sendo assim, sua finalidade seria
adequar esta cidade à “escala humana”. Baseado nos pressupostos de Ebenezer Howard,
nas reflexões a respeito da Sociologia Urbana e no “bem sucedido” Urbanismo norte-
americano, referenciais de seu pensamento urbanístico, constrói os alicerces da proposta de
recreio ativo e organizado. Este sistema de lazer não está entre as partes da árvore teórica
de Anhaia Mello – raízes, tronco, copa e, como conseqüência benéfica de seu
desenvolvimento, a sombra – mas todas elas trabalham para a sua efetivação no espaço da
cidade.
A relação entre a proposta de recreio ativo e organizado e a legislação, a copa da
“Árvore do Urbanismo”, era de cooperação. Para se efetivar socialmente, este sistema de
lazer necessitava do respaldo legal, que deveria sublinhar sua importância na melhoria da
qualidade de vida nos grandes centros urbanos e, ao mesmo tempo, disponibilizar espaço
para a sua implantação. As leis, desta forma, existiam não apenas para zelar pela
manutenção da harmonia social, mas para representar as prioridades para se alcançar o bem
estar geral.
A legislação urbana e o sistema de recreio ativo e organizado agiam conjuntamente
na preservação da estabilidade social, as leis garantindo a igualdade de direitos e deveres e
o recreio ativo e organizado promovendo a renovação das energias para o trabalho. Sendo
assim, no ano de 1929, o mesmo da publicação do artigo sobre o recreio ativo e
46
organizado, Anhaia Mello, em “Urbanismo: Os problemas sociais e econômicos da lei”110,
traduz e resume um estudo norte-americano sobre a necessidade de uma nova orientação
legal para o Urbanismo Moderno. Ao discutir o papel social da lei, afirma que “[...] a
ordem legal é uma instituição social e uma forma altamente especializada de controle
social”111. A mensagem que desejava passar ao seu leitor era de que as leis só adquiriam
sentido se postas a serviço da sociedade, atuando no equilíbrio das forças existentes em
seu interior. A sociedade, mesmo civilizada, necessitava das leis para administrar os
diferentes anseios, desejos e exigências em conflito na vida em coletividade,
proporcionando o máximo de satisfação e o mínimo de conflito, sempre visando o
progresso coletivo.
Concomitantemente às suas conclusões sobre as aspirações essenciais dos seres
humanos, pautadas em análises bastante amplas e padronizadoras, acreditava que as leis
deveriam se especializar. Anhaia Mello defendia que, ao contrário do que havia acontecido
no século XIX, em que uma legislação generalizadamente atendia às aspirações sociais, o
momento em que vivia exigia individualização, desta forma as leis deveriam adequar-se a
cada caso. Critica, portanto, a aplicação indiscriminada de leis sem antes verificar sua
coerência em relação ao problema a ser solucionado.
O controle sobre a vida em sociedade servia para alcançar um ideal,
significando mais que um simples agregado de regras. Segundo Anhaia Mello, a lei
deveria ser um dispositivo para a formação de indivíduos adequados à sociedade em
que viviam e aos ideais de seu tempo. Recorre a uma metáfora que enfatiza as leis
como decorrentes de seu tempo, ajustadas ao momento vivido, sem se aprisionarem
ao passado e as considera “flores” e não “raízes” da civilização. Esse pensamento
justificaria a atuação legal em favor do recreio ativo e organizado por seu trabalho na
formação de “cidadãos úteis à pátria”, um objetivo que atendia ao desejo de estender
a vida em comunidade à escala nacional e, ao mesmo tempo, solucionava questões
mais imediatas, como a redução da criminalidade urbana.
110 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: Os problemas sociais e econômicos da lei. Por Roscoe Pound, decano da Faculdade de Direito da Universidade de Havard. Resumo e tradução pelo eng. arquiteto Luiz de ANHAIA MELLO. Boletim do Instituto de Engenharia. São Paulo, p.235-38, maio 1929. 111 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: Os problemas sociais e econômicos da lei, p.236.
47
A atualização das leis às necessidades modernas significava para Anhaia
Mello que elas seriam repensadas em relação ao binômio poder público e poder
privado. Ao fazer apologia à cidade celular, em seu artigo “A cidade celular, quadras,
superquadras e células residenciais”, destaca dois lados da atuação legal. Um deles – o
negativo – seria a inflexibilidade dos padrões das leis municipais, que traziam
grandes despesas aos proprietários de lotes isolados, no caso de desejarem se
integrar ao sistema viário. O outro – o positivo – tratava da necessidade de controle
dos loteamentos da cidade, afim de que fossem preservadas as belezas naturais desse
espaço. Estas belezas naturais estavam ligadas a fins residenciais, pois, “Um grupo
de velhas árvores, uma encosta pedregosa, uma gruta sombria, a água corrente, são
ativos residenciais de imenso valor”112, demonstrando seu apreço pela manutenção
de áreas verdes nas cidades. Evidencia, portanto, a necessidade do poder público,
com sua legislação urbana, não se tornar um empecilho ao desenvolvimento da
cidade. Ao mesmo tempo, destaca a importância da intervenção pública para a
manutenção das características de um planejamento urbano, atuando no espaço
privado quando este não respeitasse as prioridades de uma configuração geral.
Na discussão sobre a legislação, o objetivo central de Anhaia Mello era tornar as
leis mecanismos que garantissem a realização de uma nova concepção de urbanismo, que
precisava de meios legitimados para reconfigurar o espaço da cidade. Para isso, no entanto,
elas deveriam se adequar às necessidades do urbanismo moderno, que, por sua vez, já
estava adaptado aos anseios da sociedade moderna daquele período.
Ao considerar o Urbanismo uma intervenção inteligente, refletida e ordenada da
vontade humana nas leis naturais de existência e crescimento das aglomerações urbanas,
defende, em seu primeiro artigo, “Problemas de urbanismo: mais uma contribuição para o
calçamento”, publicado em 1927, a idéia de que o urbanismo precisava ser amparado por
uma legislação que oferecesse à cidade uma estrutura racional de funcionamento dos seus
diversos setores. A ausência de uma legislação adequada ao exercício do urbanismo
impossibilitava o progresso das cidades, entretanto, era tarefa do urbanista transformar a
“flora urbana selvagem” em “flora selecionada”, de rendimento social máximo, através de
uma legislação adequada. As leis, se compatíveis com os interesses do urbanismo,
112 MELLO, L. G. R. de Anhaia. A cidade celular, quadras, superquadras e células residenciais, p.141.
48
possibilitaria o planejamento urbano, único capaz de contornar os problemas de
gerenciamento anteriores ao seu advento. No atendimento às necessidades do Urbanismo
Moderno, as leis viabilizariam o funcionamento orgânico da cidade, que para Anhaia Mello
significava um eficiente funcionamento das funções trabalho, recreio e moradia.
As leis como fatores de realização do urbanismo moderno também eram, por
conseqüência, facilitadoras do progresso técnico, pois a técnica era inerente ao urbanismo,
mesmo para um profissional como Anhaia Mello, questionador da supervalorização da
técnica como método infalível de intervenção bem sucedida. Em seu artigo
“Urbanismo”113, publicado em 1928, afirma que uma legislação adequada aos interesses do
urbanismo permitiria transformar em realidade os benefícios da técnica, modificando para
melhor a vida da comunidade. Contudo, a pertinência e a imparcialidade dos procedimentos
técnicos estavam subordinadas ao trabalho conjunto, praticado por economistas, juristas,
governantes, legisladores, com o apoio da população. Esta precisava desejar se submeter de
bom grado a alguns sacrifícios de sua própria comodidade em benefício do bem estar geral.
No artigo “O Governo das cidades”114, de 1929, se propõe a detalhar a importância
das leis para a administração municipal, dedicando parte de seu texto ao “progresso da lei”,
ao destacar a importância das leis se adaptarem às novas condições da vida social e
econômica. Nesse sentido, precisavam lidar com a escassez de espaços verdes disponíveis
na cidade de São Paulo, devido ao avanço da urbanização, viabilizando a implantação dos
sistemas de recreio organizado. Para Anhaia Mello, “Ou as leis progridem, se ajustam ao
progresso e às novas condições sociais ou, elas que são a máxima garantia desse progresso,
tornam-se barreiras intransponíveis às iniciativas pelo bem comum”115. Desta forma, “Leis
antigas não podem pretender dar solução a problemas de cuja existência nem se suspeitava,
na ocasião em que foram elaboradas”116.
Para uma objetiva contribuição ao planejamento urbano, além de não se tornarem
anacrônicas em relação aos avanços tecnológicos do início do século XX, as leis deveriam
atender, como já foi dito, às especificidades dos problemas de cada localidade. Como
113 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo. Boletim do Instituto de Engenharia. São Paulo, n.42, p.235-40, nov. 1928. 114 MELLO, L. G. R. de Anhaia. O Governo das cidades. Boletim do Instituto de Engenharia. São Paulo, n.44, p.03-10 jan. 1929. 115 MELLO, L. G. R. de Anhaia. O Governo das cidades, p.05. 116 MELLO, L. G. R. de Anhaia. O Governo das cidades, p.06.
49
maneira de tornar coerente seu argumento, Anhaia Mello utiliza o exemplo da legislação
norte-americana, cuja recusa à padronização das leis urbanas teria possibilitado a este país
diversas formas de atuação na administração de suas cidades, desencadeando um
importante progresso legislativo.
Num desdobramento dessa flexibilidade, em 1936, no artigo “Um programa
de habitação para os Estados Unidos?”117, Anhaia Mello destaca o sucesso dos
Estados Unidos e de alguns países europeus em seus esforços na implantação de um
padrão mínimo de moradia, e considera fundamental para tal resultado a distribuição
das responsabilidades. O Governo Federal, os Estados e os Governos Locais destes
países cooperaram entre si para tornar possível esta realidade e fizeram isso através
de um mecanismo legislativo que se particularizava e se distribuía financeiramente.
Desta forma, a responsabilidade e os deveres foram repartidos com o intuito de
evitar excessiva centralização, dado o caráter local do problema da habitação.
Sugere, então, que tal método deveria ser adotado pela administração brasileira, uma
vez que se mostrou eficiente na resolução de um problema de tamanha
complexidade.
O exercício de colaboração entre a legislação e o urbanismo viabilizaria efetivas
“melhorias” no espaço da cidade, o que significava, para Anhaia Mello, que ambos
passariam a desfrutar da aprovação pública, um passo que para ele representava um alto
grau de desenvolvimento social devido ao bom funcionamento entre a opinião pública e a
administração municipal. Em 1929, ano em que publica sua proposta de lazer, Anhaia
Mello discute, em “A verdadeira finalidade do Urbanismo”118, o quanto era importante as
leis terem o respaldo da “simpatia geral e calorosa do público”. No caso da legislação
adequada ao “bom urbanismo”, a aceitação pública representava também a aprovação da
metodologia utilizada para administrar o espaço da cidade.
Anhaia Mello elege a taxa de melhoria como ponto ótimo nesta relação de
cooperação. Tratava-se de um imposto a ser cobrado dos cidadãos que tivessem se
beneficiado de intervenções públicas no espaço urbano. Este mecanismo, se aplicado com
117 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Um Programa de Habitação para os Estados Unidos. Revista Politécnica. São Paulo, n.122, p.161-4, jan./mar. 1936. 118 MELLO, L. G. R. de Anhaia. A Verdadeira Finalidade do Urbanismo. Boletim do Instituto de Engenharia. São Paulo, n.51, p.106-12, ago. 1929.
50
seriedade, sem os desgastes de eventuais corrupções governamentais, tornaria possível
planejar o espaço físico da cidade e formar habitantes com espírito cívico e mais
colaborativos. A taxa de melhoria levaria à concretização do recreio ativo e organizado,
pois seria fonte de recursos financeiros à sua implantação.
Desta forma, para que o urbanista conseguisse exercer suas funções, fazia-se
indispensável que os proprietários beneficiados pelos melhoramentos urbanos, efetuados
pela administração pública, contribuíssem para as despesas ocasionadas por tais
intervenções, através da taxa de melhoria, a seu ver “O mais popular e o mais perfeito [...]
dos métodos de custear melhoramentos [...]”119. O fato de, no Brasil, esse imposto ainda
não ter sido aplicado, não justificava deixar de praticá-lo no futuro. Um precedente como a
não utilização desse procedimento administrativo não poderia se transformar em barreira ao
desenvolvimento da cidade e à defesa dos interesses da população.
A necessidade da cobrança da taxa de melhoria fazia-se imprescindível, no ponto de
vista de Anhaia Mello, já que o município de São Paulo não dispunha de orçamento
suficiente para financiar sozinho o calçamento da cidade, problema discutido no artigo
sobre o calçamento urbano, de 1927. Alegava que a taxa de melhoria constituía um
procedimento universalmente reconhecido como justo e indispensável ao progresso das
cidades. Desta maneira, a legislação brasileira estava muito atrasada em relação aos padrões
internacionais, fazendo-se necessário que os poderes públicos repensassem a legislação,
atualizando-a e introduzindo novos dispositivos, caso necessário.
Em 1946, em “Um Plano Regulador para o Município: elementos constitutivos do
plano”120, no qual destaca a importância de um plano que possibilitasse o
crescimento controlado da capital paulista, retoma a discussão a respeito da
implantação da taxa de melhoria. No entanto, direciona a discussão para o debate
com Prestes Maia, prefeito naquela ocasião, que alegava fortes argumentos para a
não aplicação da taxa, no município de São Paulo.
119 2 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Problemas de urbanismo: mais uma contribuição para o calçamento, p.p.348-9. 120 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Um Plano Regulador para o Município: elementos constitutivos do plano. Engenharia. São Paulo, n.41, p.169-75 e 180, jan. 1946.
51
O seu Plano Regulador era formado por elementos de três ordens: “[...] traçados
gerais ou plantas, legislação complementar, programa financeiro”121. Ao referir-se ao
programa financeiro, Anhaia Mello afirmava que “O que se requer é plano geral e não
apenas plano de avenidas; programa financeiro e não apenas reserva de determinadas
sobras de verbas nos orçamentos anuais”122. Acrescentou também ser de interesse da
população, responsável por fornecer dinheiro para a realização das obras, saber seus custos,
além de detalhes como a movimentação do dinheiro público.
Anhaia Mello relembrou que, ao referir-se aos recursos financeiros para a
realização de seu “Plano de Avenidas” para a cidade de São Paulo, Prestes Maia julgava
ser a taxa de melhoria, “[...] a mais apropriada e satisfatória quando se intentam
melhoramentos urbanos, e desde que não seja transformada em panacéia para todas as
dificuldades municipais"123. Contudo, oito anos depois, teria mudado de idéia, declarando
ser inexeqüível a aplicação desta “velharia”. Defendendo este imposto público, Anhaia
Mello declarou não acreditar:
“[...] que a Prefeitura da Metrópole Paulista, que tem uma ‘Divisão de Taxas de
Melhoria e Avaliações’, com profissionais dos mais competentes e verdadeiros
mestres na matéria, não seja capaz de lançar essa taxa. [...] Há qualquer coisa
impedindo que eles hajam, por certo”124.
No debate entre os dois engenheiros-arquitetos125, Prestes Maia criticava Anhaia
Mello, o maior propagandista da taxa de melhoria, por não ter aplicado o imposto durante
as duas vezes que esteve à frente da prefeitura de São Paulo. Anhaia Mello, por sua vez,
argumentava que suas atuações na prefeitura haviam sido extremamente breves e que,
como destacou o colega no “Plano de Avenidas”, o sucesso da taxa de melhoria dependia
121 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Um Plano Regulador para o Município: elementos constitutivos do plano, p.169. 122 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Um Plano Regulador para o Município: elementos constitutivos do plano, p.169. 123 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Um Plano Regulador para o Município: elementos constitutivos do plano, p.170. 124 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Um Plano Regulador para o Município: elementos constitutivos do plano, p.172. 125 Anhaia Mello foi o único aluno que se formou engenheiro-arquiteto no ano de 1913, na Escola Politécnica de São Paulo. Prestes Maia obteve o diploma quatro anos depois, sendo também o único aluno de seu ano a graduar-se como engenheiro-arquiteto. Desta forma, ambos passaram pelo mesmo processo de formação profissional, administraram a cidade de São Paulo, mas desenvolveram posicionamento políticos distintos no decorrer de suas carreiras, como o caso da taxa de melhoria, entre outros.
52
de uma base legal sólida, o que não fora possível proporcionar em tão pouco tempo de
administração.
Em dezenove anos126, Anhaia Mello manteve sua opinião sobre a taxa de melhoria,
imposto que seria, segundo ele, indispensável para garantir o progresso da cidade. Da
mesma forma que Prestes Maia acreditava que as taxas de melhoria seriam fonte de
recursos para a implementação de seu “Plano de Avenidas”, Anhaia Mello trabalhava com
a mesma hipótese em relação à sua proposta de recreio ativo e organizado para a cidade de
São Paulo. Segundo afirma em seu artigo sobre este sistema de lazer:
“Uma vez que não haja cidadãos ricos, de espírito cívico suficiente, para doar às
municipalidades áreas para recreio, e também não tendo, em regra, as
municipalidades, recursos ordinários suficientes para aquisição dessa ordem, essas
aquisições devem ser custeadas por empréstimos especiais, pela expropriação
marginal e por taxas de benefício”127.
Desta forma, cabia ao Estado exercer seu poder de intervenção sobre a propriedade
particular no intuito de estender os benefícios de uma cidade planejada a todos os cidadãos.
As leis deveriam responder às necessidades de seu tempo, assim como se adequar às
especificidades dos problemas municipais, de modo que criassem um ambiente propício ao
exercício do Urbanismo Moderno que, com salientava Anhaia Mello, alertava sobre a
urgência da criação de espaços verdes na cidade.
O legislativo, através da taxa de melhoria, deveria disponibilizar recursos para que
se tornasse possível a concretização da proposta de recreio ativo e organizado, porque era
função do Estado construir, manter e administrar esses espaços. Anhaia Mello classificava
seu sistema de lazer como serviço de utilidade pública por enquadrá-lo entre as
necessidades básicas da população. O oferecimento destes serviços públicos à sociedade era
tema que lhe despertava grande preocupação.
A importância da regulamentação dos serviços de utilidade pública, assim como a
adequação dos dispositivos legais aos interesses do Urbanismo Moderno, constitui tema de
grande relevância entre as publicações de Anhaia Mello. Durante a década de 30, publica,
126 Período compreendido entre 1927, com defesa do calçamento das ruas da capital paulista através da cobrança da taxa de melhoria, uma vez que a prefeitura não possui recursos financeiros para tal fim, até 1946, quando Anhaia Mello cobra da administração de Prestes Maia o uso dessa medida. 127 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.158.
53
no Boletim do Instituto de Engenharia, três conferências128 que havia feito sobre o tema e,
em 1940, no livro O problema econômico dos serviços de utilidade pública129, aprofunda as
discussões já iniciadas nestes artigos. No prefácio deste trabalho, afirma que pretende
abordar esta questão pelos seus aspectos econômicos, pois sobre a abordagem técnica já
havia estudos conhecidos.
Por serem serviços que afetavam diretamente as necessidades básicas da população,
como o transporte urbano, a rede de esgoto, a rede elétrica e o sistema de lazer, deveriam
passar por um processo de regulamentação e considerava ser tarefa do poder público
estabelecer quais os direitos e deveres das empresas que os prestavam. No ano de 1934, no
artigo “Novos subsídios para a regulamentação dos Serviços de Utilidade Pública”130,
Anhaia Mello afirmava que “NÃO SE PODE ABSOLUTAMENTE CONSENTIR QUE A
PROPRIEDADE DEGENERE EM INSTRUMENTO DE OPRESSÃO”131. Para ele, o
setor de serviços de utilidade pública, no Brasil, representava o campo de maior risco nesse
sentido.
Situando os serviços de utilidade pública entre as diversificadas atividades
econômicas presentes na cidade moderna, Anhaia Mello defendia que os serviços essenciais
para a vida em sociedade deveriam ser controlados pelo Estado, os demais ficariam sob a
responsabilidade da iniciativa privada. Devido a isso, considerava seu posicionamento
político um meio termo entre a política socialista, em que cabia ao poder público organizar
os meios de produção e de distribuição de riqueza, e a política laissez-faire, na qual o poder
público não tinha controle sobre esses serviços.
Anhaia Mello admitia não ser fácil esse posicionamento administrativo. Afirmava
que embora quase toda atividade econômica estivesse ligada ao interesse público, apenas
128 Os textos são: Novos subsídios para a regulamentação dos Serviços de Utilidade Pública (1ª Conferência). Boletim do Instituto de Engenharia. São Paulo, n.102, p.283-9, maio 1934; Novos subsídios para a regulamentação dos Serviços de Utilidade Pública (2ª Conferência). Boletim do Instituto de Engenharia. São Paulo, n.103, p.357-67, jun. 1934; e Novos subsídios para a regulamentação dos Serviços de Utilidade Pública (3ª Conferência). Boletim do Instituto de Engenharia. São Paulo, n.104, p.03-12, jul. 1934. Além do artigo Natureza, classificação, característicos econômicos dos serviços de utilidade pública. Boletim do Instituto de Engenharia. São Paulo. n.58, p.117-27, mar. 1930. 129 MELLO, L. G. R. de Anhaia. O problema econômico dos serviços de utilidade pública. São Paulo: Prefeitura Municipal, 1940. 130 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Novos subsídios para a regulamentação dos Serviços de Utilidade Pública (1ª Conferência). Boletim do Instituto de Engenharia. São Paulo, n.102, p.283-9, maio 1934. 131 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Novos subsídios para a regulamentação dos Serviços de Utilidade Pública (1ª Conferência), p.284.
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isso não justificava o controle estatal. As empresas que desempenhavam funções públicas,
entretanto, teriam obrigação legal e moral de se submeter ao controle do Estado, a bem do
interesse público. Sendo assim, por serem fundamentais à coletividade, os serviços de
utilidade pública deveriam sujeitar-se a um regime administrativo especial, pois em todo
“mundo civilizado” eles se submetiam ao controle do público, representado pelo poder
público, para o bem comum. Sobre a forma de regulamentar, Anhaia Mello retoma duas
possibilidades já apresentadas no artigo “Natureza, classificação, característicos
econômicos dos serviços de utilidade pública”132, no ano de 1930. Uma delas era o
exercício direto do Estado na prestação dos serviços, a outra constituía a delegação desse
direito a particulares, mandatários do Estado, mas ambas, segundo ele, continham defeitos e
larga margem para melhorias.
Contudo, independentemente de quem fosse se responsabilizar pela prestação desses
serviços, o Estado deveria desenvolver mecanismos de regulamentação, sob a pena de ser
ineficaz na proteção dos interesses da coletividade. Anhaia Mello era bastante enfático em
relação a esse pressuposto administrativo, pois acreditava que de outra maneira o Estado se
tornaria “[...] criatura e não criador dos seus próprios agentes, permitindo, tolerando, que se
subordinem melhoria de standards sociais, bem estar público e a própria soberania, a cobiça
de mandatários e delegados, para enriquecimento privado e empobrecimento coletivo”133.
O Estado, portanto, representava o lugar da imparcialidade administrativa, tomado
de uma unidade de interesses que visava apenas o favorecimento da maioria. Anhaia Mello
trabalhava com uma visão idealizada da administração pública, desconsiderando o fato de
que esta era formada pela junção de vários interesses pessoais que, mesmo regidos por
normas controladoras da sobreposição do particular ao geral, garantiam a presença das
diferenças nessa suposta massa administrativa uniforme. Essa idéia fundamenta e permeia
toda a sua reflexão sobre os serviços de utilidade pública.
Sendo assim, em sua terceira conferência, “Novos subsídios para a regulamentação
dos Serviços de Utilidade Pública”134, discute aspectos referentes à regulamentação,
132 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Natureza, classificação, característicos econômicos dos serviços de utilidade pública. Boletim do Instituto de Engenharia. São Paulo. n.58, p.117-27, mar. 1930. 133 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Novos subsídios para a regulamentação dos Serviços de Utilidade Pública (1ª Conferência), p.286 134 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Novos subsídios para a regulamentação dos Serviços de Utilidade Pública (3ª Conferência). Boletim do Instituto de Engenharia. São Paulo, n.104, p.03-12, jul. 1934.
55
afirmando, mais uma vez, o papel do Estado em limitar as ações de empresas que
prestadoras desses serviços, caso delegue sua administração. Os direitos de atuação dados
ao Estado proporcionava-lhe condições de fixar padrões para os serviços, tarifas razoáveis,
lucros moderados e dispor de ampla autorização para esmiuçar o funcionamento dessas
empresas, seja técnica, financeira ou administrativamente. A função da regulamentação era
obrigar o mandatário da função pública a prestar um bom serviço a preço razoável. Desta
forma, ressaltava a necessidade de eliminar, no Brasil, o sistema anacrônico de concessão
sem regulamentação, pois “[...] se não houver um controle social crescente para atender ao
aumento de complexidade social ninguém espere futuro mais feliz para a humanidade”135.
Sobre a competição, “motor da sociedade industrial moderna”, como costumava analisar
criticamente, considerava que não poderia ocorrer nos serviços de utilidade pública sem
que houvesse prejuízo para o público, pois daria lugar a disputas para oferecer serviços
mais baratos, acarretando a redução da qualidade.
No artigo “O serviço de transportes coletivos da Cidade de São Paulo”136, publicado
em 1951, Anhaia Mello discute o aspecto social dos serviços de utilidade pública, em
particular o caso dos transportes coletivos urbanos, que não poderiam ser pensados a partir
da exploração comercial. Ele associa, em seus textos, a humanização da vida nas grandes
cidades a um transporte público de qualidade, em especial no atendimento aos bairros
populares, uma vez que “[...] o suburbano, pobre diabo, criação típica metropolitana, [...] é
transportado diariamente de lugares onde não quer nem pode viver para outros longínquos
lugares onde não quer nem pode trabalhar. É transportado, Deus sabe de que jeito ...”137.
Desta forma, se elogiava a facilidade de locomoção nas cidades-jardins, referia-se à
situação do transporte urbano dos grandes centros metropolitanos como trágica.
Mencionava o excessivo tempo gasto no deslocamento entre residência, trabalho e recreio,
destacando que em conseqüência do crescimento desordenado das grandes cidades, o
transporte coletivo ou mesmo individual rendiam o mesmo tempo que a marcha a pé. Sendo
assim, aborda a necessidade da regulamentação desses serviços públicos e afirmava que o
135 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Novos subsídios para a regulamentação dos Serviços de Utilidade Pública (3ª Conferência), p.12. 136 MELLO, L. G. R. de Anhaia. O serviço de transportes coletivos da Cidade de São Paulo. Engenharia. São Paulo, n.106, p.385-8, jun. 1951. 137 MELLO, L. G. R. de Anhaia. A Cidade, Base Material de Relações Sociais, Sociologia Urbana, Ecologia Humana e o Plano de Londres, p.272.
56
Estado poderia delegar sua prestação, mas nunca abandonar sua autoridade. Enfrenta a
questão da exploração comercial a partir da idéia de que os lucros dessas empresas deviam
ser controlados para que a relação entre menor custo e maior qualidade de serviço fosse
mantida. De acordo com Anhaia Mello, “Transporte coletivo seguro, rápido, cômodo e
barato é condição essencial para o bem estar das populações urbanas, porque é o elo de
ligação das funções de Residência, Trabalho e Recreio”138.
A única justificativa para a delegação dessa função pública, ressaltava Anhaia
Mello, ficava com o possível rebaixamento do custo ou com o padrão mais alto do serviço.
Caso contrário, a alternativa residia no controle direto pelo Estado. Nesse caso, uma das
vantagens seria a “[...] ausência de lucros na operação, ‘overhead’ muito menores, capital a
juros mínimos, ausência de inflação de valores, facilidades para coordenação e unificação,
equilíbrio com o plano das cidades, não haver drenagem da economia local nem exportação
dos lucros”139. Esses fatores o levariam a afirmar que o Estado, ao prestar esses serviços
não estaria invadindo o campo da iniciativa privada.
Entretanto, a classificação do que seriam os serviços de utilidade pública não se
restringia apenas às atividades com finalidade lucrativa, como no caso dos transportes
urbanos, da distribuição de água ou energia elétrica. Havia a tarefa de implantar sistemas de
recreação nas cidades, cuja responsabilidade recaia nos poderes públicos, como discute no
artigo “Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas”.
A comunidade deveria oferecer ao cidadão subsídios para lidar com os problemas
da vida nos grandes cidades modernas. Problemas que não seriam apenas estruturais, como
o empilhamento urbano, como costumava referir-se à construção de altos edifícios, ou a
falta de contato com a natureza. Tratava-se também de problemas de aspectos psicológicos,
como a especialização do trabalho industrial, que anulava os impulsos criadores da
individualidade. Em 1929, Anhaia Mello apóia-se na declaração Herbert Hoover,
presidente dos Estados Unidos, para destacar a importância da regulamentação pública da
produção e do consumo do lazer nas cidades industriais modernas. Uma vez que a jornada
de trabalho havia sido reduzida, era preciso, dizia Hoover, melhorar as horas de descanso,
momentos em que as virtudes morais e espirituais do país poderiam se perder. A garantia
138 MELLO, L. G. R. de Anhaia. O serviço de transportes coletivos da Cidade de São Paulo, p.386. 139 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Novos subsídios para a regulamentação dos Serviços de Utilidade Pública (2ª Conferência), p.367.
57
do uso democrático desse sistema de recreio apontava outra razão para se configurar como
tarefa do poder público de modo que todos tivessem “[...] iguais direitos ao gozo integral da
vida, portanto a um emprego são, honesto eficiente, do tempo de descanso e recreio”140.
O sistema de recreio ativo e organizado também se relacionava aos serviços de
utilidade pública na medida que dependia da prioridade do uso público do solo urbano. No
artigo “A Cidade Jardim”141, toma como referencial de planejamento urbano a cidade-
jardim e destaca que, em relação a forma de organização urbana, “O dispositivo
fundamental é que a terra seja mantida como propriedade pública”142. Com essa medida
acreditava impedir a especulação imobiliária e permitir ao Estado exercer controle sobre o
crescimento das cidades, pois as construções só poderiam avançar até o limite imposto pelo
interesse público.
Se a legislação constituía a copa da “Árvore do Urbanismo”, podemos pensar os
serviços de utilidade pública como componentes do tronco, pois recaía também na
Comissão do Plano de Cidade a responsabilidade de sua regulamentação já que, composta
por profissionais competentes e de diversas áreas do conhecimento, tinha o compromisso
de orientar os legisladores na elaboração das leis. Cabia a esta Comissão atuar diretamente
na subordinação da administração pública aos interesses do Urbanismo Moderno, a seu ver,
método científico de intervenção urbana e base de sua concepção teórica.
O recreio ativo e organizado seria um dos elementos da raiz dessa árvore, devido ao
seu imbricamento na opinião pública. Esta proposta de lazer obedecia ao intuito de formar
uma nova cultura de experiência de vida na cidade de São Paulo do início do século XX,
acometida por um acelerado crescimento urbano. Deveria, portanto, estimular
comportamentos que atendessem aos princípios de constituição do Urbanismo Moderno.
Em sua teoria do urbanismo, este sistema de lazer se torna um espaço que possibilita dois
importantes elementos de sua teoria: formar cidadãos úteis à pátria, cônscios/conscientes da
importância da vida em coletividade, princípio considerado por Anhaia Mello fundamental
para a vida na cidade, e o acesso irrestrito aos benefícios de uma cidade planejada em
“escala humana”.
140 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.p.149-50. 141 MELLO, L. G. R. de Anhaia. A Cidade Jardim. Digesto Econômico. São Paulo, n.36, p.27-30, nov. 1947. 142 MELLO, L. G. R. de Anhaia. A Cidade Jardim, p.30.
59
Parte II:
Da Polícia ao Playground: a “política expressiva” formando
“cidadãos úteis à pátria”
Anhaia Mello, em seu livro Problemas de Urbanismo: bases para a resolução do
problema técnico, expõe suas impressões sobre os bairros industriais da cidade de São
Paulo143. Ironiza o acelerado processo de desenvolvimento econômico da capital paulista
que presenteava a cidade com bairros industriais que se alastravam desordenadamente, mas
acreditava no poder da ciência do Urbanismo na obtenção do bem estar social. Os bairros,
de edificações adensadas e chaminés que emolduravam o horizonte144, necessitavam de um
espaço de lazer diferente das brincadeiras de rua. O sistema de recreio ativo e organizado
amenizaria a vida nos bairros operários oferecendo um lazer “saudável” para todas as
idades, mas em especial para as crianças.
Do alto da janela de seu escritório, este engenheiro-arquiteto consegue
“diagnosticar” que se tratavam de lugares carentes em relação ao vastíssimo “arsenal” do
recreio ativo e organizado. Arasawa, analisando o modo como Anhaia Mello constrói seu
cenário nesta fala, afirma que a imagem evoca um discurso elitista em relação ao
operariado, contendo a representação de um domínio sobre o “outro”, mesmo que isso se dê
apenas no imaginário. Além disso, destaca que, ao mesmo tempo que a imagem do
engenheiro-arquiteto no alto da colina reforça uma “identidade” de classe entre estes
especialistas, os chama para ação de intervir sobre aquele espaço e seus moradores,
podendo até mesmo caracterizar uma lembrança do fardo das elites145.
Desta maneira, Arasawa interpreta Anhaia Mello como um especialista que
desejava aplicar sua ciência em benefício daqueles que não acessavam a especificidade de
143 Citação número 21, página 12, na qual ele conclui que os bairros operários, com seu adensamento construtivo devido à falta de planejamento urbano, necessitavam de áreas verdes e da implantação do recreio ativo e organizado, o qual substituiria a rua como espaço de lazer das crianças, em especial. 144 A descrição que Anhaia Mello faz dos bairros operários da cidade de São Paulo se assemelha bastante com aquela feita por Charles Dickens, em seu livro Tempos Difíceis, da cidade de Coketown, uma referência à Londres do século XIX, em acelerado processo de industrialização. DICKENS, Charles. Tempos Difíceis. Tradução especial para o “clube do livro”, nota explicativa de José Maria Machado. – São Paulo: Clube do Livro, 1969. 145 ARASAWA, Cláudio Hiro, op. cit., p.27.
60
seu conhecimento e, portanto, eram ignorantes em relação à sua própria melhoria de
condições de vida. Caberia, assim, à elite, em especial aos especialistas em assuntos
urbanos, conduzir a classe pobre pelos caminhos da “boa conduta moral”, do
comportamento higiênico e da “saudável” vida em sociedade. No artigo sobre seu sistema
de lazer, Anhaia Mello manifesta preocupação com os malefícios que as horas de lazer
poderiam acarretar à sociedade se fossem deixadas à disposição dos próprios operários.
Sendo assim, transcreve a declaração de Herbert Hoover, presidente dos Estados Unidos,
no ano de 1929:
“Nossa civilização atual depende mais do que fazemos nas horas de recreio e
descanso do que daquilo que fazemos nas horas de trabalho. As grandes forças
morais e espirituais do nosso país, não perdem terrenos nas horas em que
trabalhamos, mas naquelas em que descansamos.
Organizemos pois também, a produção e o consumo do lazer.
Dedicamos tanto esforço, tanta ciência, tanto aparato para diminuir as horas de
trabalho e não nos lembramos de melhorar as horas de descanso.
Eu, por exemplo, gosto de pescar; a pesca não é apanhar peixes, mas um estado de
espírito, uma fuga da alma humana para a solidão”146.
Anhaia Mello deixa claro, portanto, sua postura em relação ao lazer, que se constitui
num controle público sobre a esfera privada, sobre o tempo passado longe da supervisão
institucional das fábricas, no caso dos adultos, ou das escolas, em se tratando das crianças.
O “tempo livre”147 do trabalhador urbano passa a integrar os interesses do saber
especializado por significar um momento propício ao estímulo de novos hábitos culturais,
que deveriam se adequar aos projetos de “melhoria” social, um exercício do domínio sobre
o “outro”.
146 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.149. O argumento de que a civilização dependia mais de como eram gastas as horas de recreio do que daquilo que era feito durante o período do trabalho aparece freqüentemente na documentação do Departamento de Cultura, dirigido por Mário de Andrade, um indício que corrobora o argumento da forte presença das idéias de Anhaia Mello no projeto de lazer desta gestão. 147 O surgimento das idéias de “tempo livre” e “lazer orientado” será discutido na parte “Uma nova concepção de lazer”.
61
Sendo assim, Maria Auxiliadora Guzzo Decca, em seu livro A vida fora das
fábricas: cotidiano operário em São Paulo (1920-1934)148, destaca a forma como o lazer
operário era analisado socialmente por uma elite intelectualizada. Segundo ela:
“Os meios operários eram vistos por instituições e grupos dirigentes como
extremamente perniciosos para a ‘moral e disciplina do trabalho’, focos de
agitação e revolta social. Hábitos operários no escasso tempo de lazer eram
considerados vícios, e a recreação do operário era considerada ‘improdutiva’. O
trabalho do menor nas fábricas foi muitas vezes justificado social e moralmente
pela intenção de retirá-los dos meios ‘malsãos’ e viciados”149 .
A figura do operário, construída a partir do avesso da moralidade que se desejava
difundir no espaço urbano, representava a presença permanente do desconhecido para
aqueles que desejavam fortemente mapear e adquirir domínio sobre as diferenças. A
recreação operária era considerada improdutiva pelos grupos dirigentes porque não atendia
aos interesses da produtividade disciplinadora das fábricas, que na sociedade industrial se
estendia a diversas instituições, como a escola, o hospital, e aos códigos de conduta da vida
social e privada. Quando Anhaia Mello afirmava que “Construir cidades é construir
homens. [e que] O ambiente urbano é que plasma o caráter humano, de acordo com a
própria feição, para a fealdade ou para a beleza”150, manifestava o seu desejo de, através da
atuação do conhecimento especializado no espaço da cidade, conseguir internalizar hábitos
sociais e uma conduta moral entre aqueles que não acessavam culturalmente os
“verdadeiros” valores da vida em comunidade.
O investimento dos especialistas em relação à classe operária precisava ser mais
intenso, demonstrando a necessidade de priorizar a instalação dos sistemas de recreio ativo
e organizado nos bairros industriais, pois, segundo este engenheiro-arquiteto:
“Uma cidade terciária, residencial, cujas habitações têm largos jardins e os
habitantes, gente rica, são sócios de clubes recreativos e esportivos, não pode ser
148 DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo. A vida fora das fábricas: cotidiano operário em São Paulo (1920-1934). – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 149 DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo, op. cit., p.89. 150 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Problemas de Urbanismo: bases para a resolução do problema técnico, p.17.
62
comparada com uma cidade primária, intensamente industrial, habitada por
grande número de operários e classes pobres”151 .
O direcionamento desta proposta de lazer para os bairros operários, ainda que
alegados fatores urbanísticos, como a distribuição de áreas verdes na cidade ou a maior
acessibilidade às atividades recreativas, estabelecia estreita relação com teorias sociais de
degradação física e moral das classes populares. Para Maria Auxiliadora Decca, na década
de vinte do século passado, a tentativa dos especialistas como médicos, engenheiros,
sanitaristas, de disciplinar o lazer das camadas sociais mais pobres tinha um intuito
específico e um alvo prioritário. Segundo a autora:
“A disciplina do lazer, em função de uma maior adequação ao trabalho e à vida em
um centro urbano que se industrializava e expandia de maneira crescente, foi
buscada pelos poderes públicos de forma ‘idealizada’ nos cuidados formativos com
a criança, principalmente a dos meios proletários. As pretensões eugênicas que
acompanhavam os programas de saúde pública, em particular aos destinados aos
meios pobres – ‘degenerados física e moralmente’ –, tiveram seu lugar nos intuitos
de preparação e preservação da criança pobre através de um meio ambiente
sadio”152 .
Desta forma, o lazer direcionado objetivava, além de adaptar o trabalhador para a
vida nas grandes cidades e à rotina fabril, formar física e moralmente um indivíduo “útil”
para a vida em sociedade, e para isso centralizava suas investidas nas crianças. Entretanto,
as iniciativas na área do lazer eram acompanhadas pelas intervenções sanitárias, de modo
que os projetos de recreio organizado chegaram a coexistir com a assistência médica, como
o caso dos Parques Infantis implantados em São Paulo pelo Departamento de Cultura, na
administração de Fábio Prado, os quais deviam muito ao sistema de lazer de Anhaia Mello,
chegando este a ser um dos colaboradores desta iniciativa administrativa.
Havia, assim, uma confluência entre os discursos dos engenheiros-arquitetos e dos
médicos sanitaristas, pois ambos haviam deslocado suas atenções, da intervenção no meio
para a atuação no indivíduo, trabalhando com a importância da assimilação da disciplina ao
invés de sua imposição. Carmen Lúcia Soares, em seu livro Educação Física: Raízes
151 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.155. 152 DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo, op. cit., p.91.
63
Européias e Brasil153 , ao discutir o papel dos médicos higienistas na consolidação da
disciplina de Educação Física no Brasil, também problematiza essa mudança de enfoque.
Segundo esta autora:
"Essa mudança de direção que assumem os médicos higienistas em seu discurso e
sua prática, voltando-se as 'cuidados com a infância' e para com a educação
higiênica do povo, traduz-se em diferentes formas de intervenção na sociedade, as
quais passaram a ser implementadas ao longo da década de 20 [...].
Não são mais formas violentas, coercitivas. Agora são formas sutis, 'educativas',
através das quais, os médicos denunciam as condições de trabalho nas indústrias,
passam a fazer propostas sobre medidas higiênicas a serem tomadas para o bom
funcionamento das fábricas, das escolas e dos locais públicos em geral [. . .]”154 .
Em relação a essa mudança de direção na postura intervencionista da fala
especializada, Cristina de Campos afirma que, no caso do médico Paula Souza, o abandono
da prática de policiamento sanitário, que dava ao sanitarista poderes de intervir
forçadamente no ambiente em que as pessoas viviam, para a adoção de campanhas
educativas, era conseqüência de suas referências norte-americanas. No caso de Anhaia
Mello também podemos relacionar seu projeto de recreio à sua ligação com o urbanismo
norte-americano e suas propostas de reforma social. Esta autora afirma que o código
sanitário de Geraldo Paula Souza, de 1925, “[...] trazia medidas até então inovadoras, nunca
utilizadas em São Paulo e no Brasil, pois era dado destaque ao indivíduo. [...] trouxe
inovações à legislação trabalhista para crianças e mulheres, atingindo áreas até então fora
do alcance do Serviço Sanitário, como a assistência social”155.
Cristina de Campos considera que, apesar da mudança de abordagem em relação às
classes populares, os preconceitos que fundamentavam a intervenção especializada no
mundo do pobre ainda permaneciam. Assim, afirma que “Um óbvio preconceito de classe
está subentendido na descrição da ignorância popular quanto à higiene na fala de Geraldo
Paula Souza”156. Destaca uma fala deste especialista em que afirma:
153 SOARES, Carmen Lúcia. Educação Física: Raízes Européias e Brasil. Prefácio de Dulce Maria Pompêo de Camargo. – Campinas, SP: Autores Associados, 1994. (Coleção Educação Contemporânea). 154 SOARES, Carmen Lúcia, op. cit., p.127. 155 CAMPOS, Cristina de, op. cit., p.53. 156 CAMPOS, Cristina de, op. cit., p.53.
64
“Coloquemos o caboclo ignorante na casa do patrão e este, instruído, na choça do
caboclo; ou o proprietário de Higienópolis no cortiço do Brás, a família inculta no
palácio do primeiro, e observe o acerto do que afirmo. Rápida seria a
transformação da choça e do mocambo em locais compatíveis com a vida digna de
viver, bem como a da ‘casa grande’ e do palácio nos mais perigosos antros da
doença e da miséria”157 .
A valorização da internalização de hábitos disciplinares, combinada com a crença
da influência do meio na formação do cidadão, constituem a fala especializada do período
que Anhaia Mello propõe o sistema de recreio ativo e organizado. O pensamento de Paula
Souza, de que o pobre transformava o ambiente salubre em “antro” porque não sabia
acessar seus recursos e, portanto, aplicava naquele espaço seus maus hábitos higiênicos,
não era uma exclusividade deste médico. Da mesma forma, não era singularidade da
proposta de lazer de Anhaia Mello formar cidadãos intervindo em sua constituição
psicológica através de um controle do meio. Cristina de Campos, ao falar sobre o projeto de
Paula Souza de implantação de centros de saúde, cita trechos das normas de atuação destas
instituições, nas quais consta que:
“Quanto à educação sanitária presente no centro de saúde:
[...] O serviço de educação sanitária visará de modo especial à higiene individual,
a pré-natal, a infantil e a da idade escolar [...]; aproveitará na infância e na
mocidade para imprimir ou desenvolver hábitos de higiene e, sempre que operar o
serviço fora do centro, fará propaganda intensiva das vantagens da população em
freqüentá-los ”158.
Esse posicionamento intervencionista das elites intelectuais em relação às camadas
populares representava a crença na incapacidade do trabalhador em gerenciar sua própria
vida, necessitando de amparo e orientação, o que para Carmen Soares caracteriza um
discurso paternalista. Ao falar sobre a definição dos hábitos da família moderna, esta autora
ressalta a importância do discurso dos médicos higienistas na construção destes
comportamentos, o que evidenciava o papel “protecionista” exercido pelos especialistas.
Sendo assim, afirma que:
157 CAMPOS, Cristina de, op. cit.,, p.53. 158 CAMPOS, Cristina de, op. cit., p.111.
65
"O discurso higienista [...] veiculava a idéia de que as classes populares viviam
mal por possuírem um espírito vicioso, uma vida imoral, liberada de regras e que,
portanto, era premente a necessidade de garantir-lhes não somente a saúde, mas
fundamentalmente a educação higiênica e os bons hábitos morais. Poderíamos
afirmar que o pensamento médico higienista, elegendo a família como locus
privilegiado de intervenção, ‘auxilia’ o Estado num processo de reorganização
disciplinar da classe trabalhadora [. . .]”159.
A intervenção social do higienista não se distanciava muito daquela pretendida pelo
sistema de recreio ativo e organizado, pois ambas desejavam educar as classes populares
tomando-as como ignorantes em relação ao modo “correto” de conduzir suas vidas, mas
conhecedoras de como “corrompê-las”. O discurso higienista atuava sobre os hábitos
familiares, pois “São esses hábitos a ‘fonte de toda miséria’ da classe operária. É preciso
reorganizar suas vidas, alterar radicalmente seus hábitos ... redefinir o seu espaço de
vida”160. O discurso presente no sistema de recreio ativo e organizado desejava que a
eficiência da disciplina das fábricas ampliasse o seu campo de atuação, exercendo um
domínio sobre o “tempo livre” dos operários, período em que não estavam nos limites das
fábricas, orientando-lhes sobre o que fazer em suas horas de descanso.
Os médicos higienistas e os engenheiros-arquitetos possuíam projetos de
intervenção social bastante parecidos. Aliaram ao controle das práticas sociais e dos hábitos
cotidianos a tentativa de interferir sobre aspectos culturais da formação individual do
trabalhador. Este deixou de buscar a “felicidade” na bebida e na “promiscuidade”, e passou
a valorizar, como forma de obtenção de bem estar, o lazer dirigido. O recreio ativo e
organizado, segundo Anhaia Mello, fecharia a “porta larga do crime”, escancarada após a
diminuição da jornada de trabalho161 .
O território de intervenção deixava de ser exclusivamente o espaço urbano e o
ambiente doméstico, passando ao campo da subjetividade. O discurso sobre o recreio ativo
e organizado, além de se preocupar com o controle do meio, queria restabelecer o contato
do homem com a natureza, numa preocupação com a saúde psíquica do cidadão, e
promover a “boa sociabilidade’ através da democratização dos parques públicos,
159 SOARES, Carmen Lúcia, op. cit., p.34. 160 SOARES, Carmen Lúcia, op. cit., p.38. 161 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.150.
66
oferecendo lazer para todas as idades e classes sociais. Anhaia Mello considerava que
apenas o controle do meio ambiente não era suficiente para atuar positivamente sobre o
comportamento dos habitantes das cidades, sendo necessário auxiliá-los a respeito do
controle psicológico dos impulsos humanos. Desta forma, a punição não era mais tão
eficiente aos propósitos da disciplina. O recreio ativo e organizado visava os mesmos
objetivo da educação higiênica que, segundo Carmen Soares:
“[...] Em nome da saúde, [...] consegue incutir uma tal disciplina corporal cujos
princípios da moral burguesa figuram através das noções de bem e de mal, de certo
e errado, contribuindo, assim, para uma aceitação 'pacífica' ao modo de ser e viver
burguês; e a disciplina corporal, através das normas higiênicas, é tratada como a
grande responsável pela pátria de amanhã”162 .
A proposta de lazer de Anhaia Mello trabalhava com a internalização da disciplina
corporal entre as camadas populares e a naturalização dos princípios morais burgueses, sob
a justificativa do bem-estar social e da formação do “país de amanhã”, através do “cidadão
útil à pátria”. Procurava combater os “maus hábitos” dessa parcela da população
disseminando o modo de ser e viver burguês por meio de “práticas positivas”, ou seja,
tornando os operários produtivos para o trabalho e para a vida em sociedade, passando-lhes
a idéia de melhoria em sua qualidade de vida.
Do mesmo modo que a educação higiênica tinha como propósito prolongar a “vida
útil” dos trabalhadores, o recreio ativo e organizado também atuava nesse sentido, seja
através da produção dos corpos, por meio de atividades esportivas, ou da internalização de
hábitos comportamentais, derivados da formação educacional oferecida nesses espaços.
Este sistema de lazer pode ser analisado a partir do conceito de “corpos dóceis”,
desenvolvido por Michel Foucault, em que “[...] a noção de ‘docilidade’ [...] une ao corpo
analisável o corpo manipulável. É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser
utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”163. A classe operária e as camadas
pobres da população constituíam-se locus de experimentação da ciência moderna, passíveis
de se adequarem não apenas às lógicas do discurso médico, do discurso higienista e
sanitário, mas também às análises sociológicas do Urbanismo Moderno.
162 SOARES, Carmen Lúcia, op. cit., p.p.137-8. 163 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Ligia M. Pondé Vassallo. Petrópolis: Vozes, 1977, p.126.
67
Entretanto, se o discurso dos especialistas tinha como um de seus objetivos mapear
e desestimular hábitos culturais que lhes eram estranhos, não podiam controlar as diversas
formas de assimilação desses novos saberes entre as camadas populares. A documentação
do Departamento de Cultura, durante o período que esteve sob a presidência de Mário de
Andrade, na década de 30, referente à autorização para a promoção de atividades de lazer,
aponta para um relativo sucesso da fala especializada. Há pedidos para a realização de
bailes na cidade, para a instalação de circos e oferecimento de quermesses, o que demonstra
a regulamentação do divertimento popular. Muitas reivindicações vinham da própria classe
operária, como no caso deste pedido da “Juventude Operária Católica”:
“São Paulo, 9 de novembro de 1935.
A ‘Juventude Operária Católica’, pela sua dirigente infra-assinada, vem
respeitosamente solicitar de V. Excia. Que lhe seja cedido, no dia 29 do corrente,
entre 12 e 17 horas, o Parque Infantil do Ypiranga, para que nele seja realizada a
Festa de Natal da Juventude Operária. A suplicante responsabiliza-se pelas
instalações ali existentes”164 .
Este documento é bastante representativo da assimilação da classe operária em
relação aos espaços de lazer dirigido, como os Parques Infantis, considerados por Carlos
Augusto da Costa Niemeyer, em seu trabalho A criação de espaços públicos de lazer
organizado como expressão de cidadania: o caso dos Parques Infantis em São Paulo
(1934-1954)165, um desdobramento do projeto modernista de recreação popular. Estes
espaços de lazer haviam atingido seu público alvo, a juventude, e conseguiram, em certa
medida, exercer a funcionalidade desejada por seus idealizadores, entre eles Anhaia Mello,
pois suas instalações eram um dos motivos da realização da festa naquele local. A
responsabilidade pela conservação das instalações só fazia sentido se estas fossem
utilizadas durante o evento.
Contudo, no início do século XX, o discurso do lazer dirigido não foi o único a
ganhar legitimidade entre as camadas sociais mais desfavorecidas econômica e
politicamente. Marisa Carpintéro, em seu livro “A Construção de um Sonho: Os
164 Documentação pertencente ao acervo do Departamento de Cultura, Arquivo Municipal Washington Luís. 165 NIEMEYER, Carlos Augusto da Costa. A criação de espaços públicos de lazer organizado como expressão de cidadania: o caso dos Parques Infantis em São Paulo (1934-1954). Dissertação de Mestrado, orientação de Maria Lucia Caira Gitahy. Universidade Estadual de São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, abril de 2001.
68
engenheiros-arquitetos e a formação da política habitacional no Brasil”166, afirma que
“Assim como os técnicos, os operários viviam denunciando os problemas urbanos. A falta
de transporte, a ausência dos serviços de saneamento e limpeza das ruas tornara-se motivos
de revolta para os moradores dos bairros operários”167 . Sendo assim, eles reivindicavam
melhores condições de vida, as quais estavam bastante relacionadas a uma ampla aceitação
do discurso da técnica. Lutar pelo direito a uma condição de vida melhor implicava pleitear
o que o discurso técnico havia estabelecido como padrão para uma vida higiênica,
confortável e moralmente saudável.
As reivindicações operárias se enquadravam dentro dos padrões urbanísticos
estipulados pela fala especializada, pois era cobrado aquilo que François Béguin chamou de
“maquinarias do conforto”168 , ou seja, a rede de esgoto, a rede elétrica, a água encanada, o
sistema de transporte, o recreio. Por outro lado, devido à intensa preocupação com a
divulgação dos hábitos de vida burgueses, como problematiza Carmen Soares,
provavelmente os especialistas haviam construído uma imagem da classe operária um
pouco distante daquela que os próprios operários escolheram para si mesmos.
Entretanto, independentemente da coerência interpretativa de Anhaia Mello em
relação ao público para o qual destinava seu sistema de lazer, sua estratégia de atuação
social já estava formulada. O recreio ativo e organizado contava com o respaldo
metodológico da “política expressiva”. Expressiva porque desejava se contrapor a uma
política repressiva, diferenciando-se desta quanto aos métodos utilizados para a obtenção da
ordem pública. Os hábitos comportamentais dos habitantes da cidade deveriam se adequar
aos propósitos do bem-estar da coletividade, num processo auto-reflexivo, no qual o “bom”
comportamento social não estava vinculado ao medo da punição.
A “política expressiva” deveria produzir os “cidadãos úteis à pátria”, pois, segundo
Anhaia Mello:
“A verdadeira política de supressão do crime não deve ser repressiva mas
expressiva, isto é, deve-se procurar tomar normais e equilibrados os impulsos
humanos.
166 CARPINTÉRO, Marisa Varanda T.. A Construção de um Sonho: Os engenheiros-arquitetos e a formação da política habitacional no Brasil. – Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1997. 167 CARPINTÉRO, Marisa Varanda T.. A Construção de um Sonho: Os engenheiros-arquitetos e a formação da política habitacional no Brasil, p.173. 168 BÉGUIN, François. “As maquinarias inglesas do conforto”. In: Espaço e Debates, n.34, NERU, 1991.
69
No trabalho? Não, no recreio”169.
Assim, pretendia diminuir os fatores de desagregação social, como o caso da
criminalidade, através de uma política afirmativa em relação a comportamentos
socialmente desejáveis, uma vez que o recreio ativo e organizado era preventivo de “maus
cidadãos”. Para Anhaia Mello, os mecanismos de repressão atrelados à “medidas brutais”
como a condenação à morte, a tortura, além de estimularem comportamentos sociais
violentos, combatiam a causa e não a origem do problema. Desta forma, a solução estaria
na formação da opinião pública, por meio da “política expressiva”. O controle, não apenas
da criminalidade, mas também daqueles comportamentos sociais que considerava
incompatíveis com uma vida “moralmente sadia”, dependia de um ajustamento social em
que todos respeitassem os direitos alheios. Esse trabalho de “conscientização”, para que
fosse eficaz, deveria atuar no âmbito privado, que compreendia os momentos de recreio,
nos quais se poderia atuar mais diretamente na constituição física e moral do indivíduo.
O discurso de estímulo à intervenção dos especialistas entre as camadas populares,
no deslocamento de uma tutela punitiva para a atuação sobre a formação cultural dos
habitantes da cidade, não era uma exclusividade do Urbanismo. Houve, de certa forma,
uma popularização da idéia de que a punição e/ou a repressão não eram tão eficiente aos
propósitos da ordem quanto, até então, parecia. Combater a criminalidade através da
consciência dos possíveis criminosos passaria a atingir maiores resultados do que as
punições previstas em lei. A sutileza do sistema de recreio ativo e organizado, no combate
ao crime e aos “maus hábitos” higiênicos, sanitários e morais do operariado, estava
justamente, nesse sofisticado mecanismo de controle social.
É interessante notar similaridades entre a “política expressiva” de Anhaia Mello e
o projeto de cidade de Ebenezer Howard, referência em termos de planejamento urbano
para este engenheiro-arquiteto. Ao tratar das singularidades administrativas das cidades-
jardins, Howard, faz referência à participação popular em trabalhos em favor da
comunidade, assim como à possibilidade da implementação de empresas semimunicipais, –
nem municipal, nem particular, – e trabalha com o termo “opção local”, vinculando-o à
questão da abstinência do álcool.
169 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.150.
70
Tomando como princípio a municipalidade ser a única proprietária das terras da
cidade-jardim, afirmava que esta teria meios de intervir drasticamente na proibição do
comércio de bebidas alcoólicas. No entanto, ele não considerava esta medida a melhor a ser
adotada porque:
“[...] tal restrição manteria afastada uma classe muito grande e crescente de
moderados em uso do álcool, e também manteria afastados os bebedores pouco
moderados, os que os reformadores estariam ansiosíssimos por trazer para as
influências saudáveis que os envolveriam na Cidade-Jardim”170.
Assim, a cidade-jardim seria um ambiente de regeneração dos maus hábitos
causados pelo uso excessivo de bebidas alcoólicas, oferecendo maiores atrativos ao
restabelecimento de uma vida “saudável”, por meio de oportunidades de lazer “baratas e
racionais”, o que dificultaria o caminho a ser feito até a taberna. Desta forma, a melhor
solução seria permitir o comércio controlado de bebidas, porque não afastaria estes
consumidores do ambiente propício à abstinência do álcool. Com a proibição, o problema
do alcoolismo apenas se afastaria dos limites da cidade-jardim, que tinha como um de seus
atributos o desenvolvimento de uma vida feliz e saudável, longe das patologias da cidade
industrial moderna.
Entretanto, Howard destacava que a comunidade teria que se precaver contra a
proliferação indevida de tabernas licenciadas. Essa prevenção poderia ocorrer tanto no
controle da municipalidade sobre esse comércio, empregando os lucros destes
estabelecimentos na diminuição dos impostos pagos pelos cidadãos, ou aplicando o
dinheiro, ganho com a venda de bebidas alcoólicas, em mecanismos que amenizassem seus
efeitos maléficos, como centros de recuperação de alcoólatras.
Anhaia Mello utiliza o mesmo mecanismo de Howard, que ao invés de proibir a
venda de bebidas alcoólicas nas cidades-jardins sugeria o seu comércio controlado, para
manter por perto os mais necessitados das influências “benéficas” deste espaço propenso a
uma “vida saudável”. Ele recorre à mesma estratégia argumentativa do inglês Howard; de
que seria mais eficiente permitir, e dessa forma controlar as variáveis do problema, do que
proibir e colocar-se alheio ao conhecimento sobre o modo de atuação daquilo que se
170 HOWARD, Ebenezer, op. cit., p.157.
71
desejava combater. Assim se constituía a “política expressiva”, uma estratégia de atuação
social que teoricamente obedece à formulação de Fançois Béguin de que a intervenção na
vida das camadas populares é mais eficiente quando age no intuito de “[...] não proibir
nada, mas substituir o que servia de suporte aos maus hábitos por um ambiente que
consolide os bons hábitos”171.
O desejo de tornar normais e equilibrados os impulsos humanos, grande propósito
da “política expressiva” do recreio ativo e organizado, além de servir, de modo eficiente, à
promoção de um discurso médico sobre a normalidade, também atuava na valorização do
modo de vida burguês. Uma vez preocupado em formar “cidadãos melhores”, esse sistema
de lazer auxiliava na construção da definição dos “maus cidadãos”. O sistema de recreio de
Anhaia Mello, que procurava combater a criminalidade através de hábitos de vida
saudáveis, do contato com a natureza e do aumento da sociabilidade entre os habitantes da
cidade, disseminava o modo de ser e viver burguês por meio de “práticas positivas”, que
visavam tornar os operários produtivos no trabalho e socialmente, através da idéia de
melhoria em sua qualidade de vida. Do mesmo modo como a educação higiênica tinha
como um de seus propósitos prolongar a vida útil dos trabalhadores, Anhaia Mello, que
desejava proporcionar à população uma vida mais “saudável”, também objetivava este fim.
171 BÉGUIN, François, op. cit., p.48.
73
II.1. Uma nova concepção de lazer
“A ociosidade nega o trabalho, o lazer o supõe”.
Joffre Dumazedier172
Anhaia Mello, quando defendia a idéia de que as cidades modernas necessitavam de
um sistema de recreio ativo e organizado, referia-se a uma breve análise da história dos
parques urbanos, afirmando que:
“O conceito de 'parque' tem evoluído muito.
Antes de 1900 era considerado como luxo, espaço perdido.
Passou depois a ser problema estético, de paisagismo [...] ou de jardim formal.
[...] Eram destinados ao recreio passivo, contemplativo, da população.
Isso é hoje uma velha idéia. Hoje, em regra, são os parques áreas de recreio ativo e
organizado para todas as idades e classes da população”173 .
O modo como descreve o percurso evolutivo dos parques urbanos até sua adequação
aos objetivos do lazer dirigido é bastante representativo do conteúdo da proposta de sistema
de lazer que desejava implantar na cidade de São Paulo. Apenas no século XX os parques
urbanos passaram a ter uma utilidade no espaço da cidade, de acordo com Anhaia Mello,
embora ainda estivessem conceitualmente ligados a preocupações estéticas. A
modernização dos espaços urbanos seria responsável por uma mudança de postura nesses
espaços públicos, que significava o emprego “útil” do período de descanso da jornada de
trabalho. Freqüentar os parques não garantia o aproveitamento desta experiência, fazia-se
necessário que ela se ligasse a propósitos definidos, como a prática de atividades físicas, o
desenvolvimento de atividades educativas, no caso desses lugares abrigarem a função de
zoológico ou reserva florestal.
Entretanto, a defesa da presença da funcionalidade nesses espaços verdes antecede
Anhaia Mello nas discussões do urbanismo paulistano. No ano de 1911, em seu artigo
“Melhoramentos de S. Paulo”, Victor da Silva Freire manifesta sua preocupação com a
172 DUMAZEDIER, Joffre. “Sociologia do Lazer”. In: Sociologia Empírica do Lazer. Tradução Silvia Mazza e J. Guinsburg. – São Paulo: Perspectiva: SESC, 1999. – (Debates; 164). 173 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.147.
74
distribuição de espaços verdes na cidade, salientando a experiência inglesa das cidades-
jardins. Devido a isso, afirma que:
“[...] nasceu a noção atual dos ‘sistemas de parques’, denominação técnica já
consagrada e que exprime para cada cidade, a forma por que ela satisfaz a
necessidade da distribuição de ar puro, luz, repouso e recreio ao melhor das suas
forças vivas, as suas crianças. E não é só. É a salubridade moral que se procura
também obter”174 .
Freire atribui pertinência aos sistemas de parques não somente por propiciarem
restabelecimento do contato com a natureza, mas a obtenção da salubridade moral,
objetivos presentes na proposta de lazer de Anhaia Mello. Em certa medida, Freire já
esboçava os objetivos dos espaços verdes na sociedade industrial moderna, apontando para
o restabelecimento das “forças vivas” dos citadinos, fator necessário para restabelecer o
desgaste físico e emocional durante as jornadas de trabalho.
Entretanto, o que para Anhaia Mello significava “espaço perdido” poderia ser
bastante útil às formas de sociabilidade de seu período histórico, que estavam voltadas a
outras finalidades, diferentes daquelas entendidas como úteis no começo do século vinte.
Em seu livro, Ao amor do público: jardins no Brasil175, Hugo Segawa analisa a história dos
jardins públicos, falando sobre as possíveis razões de sua origem e do início de sua
implantação no Brasil, destacando as ressignificações culturais e sociais ocorridas neste
espaço.
Ao sugerir que o jardim era o antídoto da praça, este autor trabalha com as
mudanças no comportamento social das pessoas que freqüentavam as praças medievais
para aquelas que passaram a usufruir dos jardins públicos do século XVIII, afirmando que
“[...] da concentração complexa e caótica da praça [medieval] buscou-se a concentração
organizada e elegante dos jardins”176. Na análise de Segawa a existência de um processo
disciplinador do público freqüentador dos jardins, já caracterizava sua finalidade social, o
que se contrapõe à argumentação de Anhaia Mello, quando este se refere ao jardim como
“espaço perdido”.
174 FREIRE, Victor da Silva, op. cit., p.132. 175 SEGAWA, Hugo. Ao amor do público: jardins no Brasil. – São Paulo: Studio Nobel: FAPESP, 1996. 176 SEGAWA, Hugo, op. cit., p.49.
75
Para Segawa a história dos espaços verdes destinados ao lazer seria representativa
das mudanças culturais ocorridas na cidade no decorrer do tempo. Sendo assim, o que para
Anhaia Mello eram atividades contemplativas, em que contemplação adquire um sentido
pejorativo por estar vinculado à idéia de inutilidade, o que justificava afirmar que o recreio
havia progredido do estado contemplativo ao ativo, para Segawa significavam formas
bastante ativas de expressão de regras de sociabilidade.
Ao afirmar que “Em fins do século 18: A natureza não era só bela [contemplativa],
era moralmente benéfica”177, Segawa atribui aos espaços verdes deste século uma das
funcionalidades presentes na proposta de lazer de Anhaia Mello e também no artigo de
Victor da Silva Freire, destacando que já naquele período a natureza constituía um remédio
para a regeneração moral. A sociabilidade configurava outra finalidade social dos jardins:
"Reunir-se: fazer-se público de sua presença, exibir pompa, ver homens e mulheres
bem-vestidos e bonitos, contar e ouvir as novidades [...] mostrar filhas a procura de
maridos, homens finos admirando e fazendo corte a cortesãs. Os jogos sociais e
sexuais - com tácita concordância entre seus praticantes - [...] tinham um palco
magnífico nos jardins públicos”178 .
Desta forma, as atividades que Anhaia Mello considerava recreio passivo, os jogos
sociais de “ver e ser visto”, abrigavam uma série de códigos de sociabilidade que, em certas
ocasiões, poderiam aparentar passividade, como no caso das moças à procura de maridos.
No entanto, a aparente falta de ação dessas moças, uma vez que o que elas faziam era
apenas se exibir para que fossem notadas pelos futuros pretendentes, desconsidera a
intencionalidade do exibir-se, da seleção dos rapazes através do modo como se vestiam, se
comportavam e até mesmo do jardim que freqüentavam. Richard Sennett, em seu livro O
declínio do homem público: as tiranias da intimidade179, considera que tais espaços
públicos eram como um palco, onde os cidadãos urbanos atuavam. Sendo assim, para
Anhaia Mello, os parques eram inúteis ou espaços de recreio passivo se não objetivassem o
preparo para a vida nos grandes centros urbanos industriais.
177 SEGAWA, Hugo, op. cit., p.24. 178 SEGAWA, Hugo, op. cit., p.46. 179 SENNETT, Richard. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade.Tradução de Lygia Araújo Watanabe. – São Paulo, Companhia das Letras, 1988.
76
A idéia de inutilidade também poderia derivar da diferença em relação ao público
freqüentador desses espaços. Segawa discute como o jardim historicamente foi se tornando
um espaço público elitizado, na medida em que se desvinculou da concepção medieval de
praça. Segundo ele:
“A praça pública no fim da Idade Média e no Renascimento era o ponto de
convergência de tudo o que não era oficial, de certa forma gozava de um direito de
extraterritorialidade no mundo da ordem e da ideologia oficiais, e o povo tinha
sempre a última palavra”180 .
Destaca que a praça medieval e a renascentista eram locais em que o povo se reunia,
onde variadas formas de conduta social eram aceitas. Sendo assim, ao passo que o jardim
tornou-se antítese da praça, este espaço se “sofisticou”, iniciando um processo de
elitização. Seja através dos códigos de conduta moral, necessários para se relacionar
socialmente nas dependências do jardim, seja pelo esforço em disciplinar o comportamento
de seus usuários, com um “Regulamento para o serviço e polícia no Bosque”181, estes locais
deixaram de abrigar todas as idades e classes sociais. Com o tempo, foi necessário aos seus
freqüentadores o acesso a todo um conjunto de saberes para que ficassem aptos a
decodificar os jogos de sociabilidade ali presentes. Contudo, a preocupação demonstrada
por Anhaia Mello em garantir que a população freqüentasse os espaços públicos de
recreação, viabilizando o acesso a esses locais, não estava pautada em um retorno à
concepção da praça medieval e renascentista, pois o recreio ativo e organizado não
compreendia variadas formas de sociabilidade, ao contrário, desejava a padronização dos
hábitos culturais.
O dispositivo disciplinador das áreas verdes destinadas ao lazer também tiveram
relação com o processo de urbanização, é o que afirma Richard Sennett ao analisar os casos
de Paris e Londres. Estas cidades ganharam uma nova organização espacial decorrentes de
um grande incêndio no século XVII, em Londres no ano de 1666 e em Paris em 1680.
Sennett considera que a partir desses incidentes estas cidades reformularam seus espaços
públicos. As novas praças parisienses não foram concebidas para agregar uma multidão;
180 SEGAWA, Hugo, op. cit., p.33. 181 SEGAWA, Hugo, op. cit., p.200.
77
proibiu-se nesses espaços barracas, comércio de rua, acrobatas, as estalagens182. Sennett
considera essas medidas como parte da refuncionalização desses espaços públicos:
“As praças medievais e renascentistas eram zonas livres em Paris, em oposição à
zonas controladas das casas. As praças monumentais do princípio do século XVIII,
ao restaurarem a aglomeração populacional na cidade, reestruturaram também a
função da massa, pois mudou a liberdade com que as pessoas podiam se reunir. A
reunião de uma multidão se tornou uma atividade especializada; acontecia em três
locais: no café, no parque para pedestres e no teatro”183.
Desta forma, considera que a praça como antigo local de encontro, de múltiplos
usos, havia sido substituída em Paris por um espaço tomado como monumento em si
mesmo e em Londres como um museu da natureza. A possibilidade de uma reestruturação
na organização espacial da cidade propiciou a ressignificação dos espaços de lazer, um
processo que em certa medida se assemelha à lógica de planejamento do lazer moderno,
que não se baseava em intervenções em espaços desenvolvidos na cidade para este fim, mas
objetivava criá-los e, assim como as praças parisienses e londrinas, abrigavam tipos
determinados de sociabilidade.
A escassez de áreas urbanas com disponibilidade para se tomarem parques e lugares
de recreio, questão relevante ao projeto de recreio ativo e organizado, relacionava-se com o
acelerado processo de urbanização das cidades industriais modernas. No artigo sobre sua
proposta de lazer, Anhaia Mello ressaltava que:
“Não há mais terreno ao lado das habitações, não há mais campos, bosques
naturais ao alcance do urbanita.
As cidades são ruas empedradas [...].
[...] O problema do recreio, da reserva de espaços livres, é pois, um problema
nacional [...] assim devemos considerá-lo”184 .
O adensamento populacional devido ao processo de industrialização e a falta de
controle sobre o crescimento das cidades, problemas que, como já foi dito, fundamentam o
pensamento urbanístico de Anhaia Mello, são característicos da cidade moderna, ao menos
na proporção que se apresentavam nas análises deste engenheiro-arquiteto. Segundo
182 SENNETT, Richard, op. cit., p.75. 183 SENNETT, Richard, op. cit., p.76. 184 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.147.
78
Segawa, fosse devido a um incêndio, como o que ocorreu com as "squars" inglesas, fruto
das áreas ocupadas após o incêndio de 1666 e representativas de um novo tipo londrino de
praça, ou em decorrência de uma reforma urbana, a questão da disponibilidade de espaço
não era tão significativa, na Idade Média ou no Renascimento. O mesmo não se pode dizer
para o período em que Anhaia Mello deseja implantar seu sistema de lazer, preocupado
com a falta de áreas livres até mesmo nos limites das habitações. Desta forma, as áreas de
recreio precisavam ser cirurgicamente implantadas para atender às necessidades da
população quanto ao contato com a natureza e ao convívio social harmônico, daí a
preocupação com sua organização.
Havia, portanto, uma ligação entre o surgimento das cidades industriais modernas e
a necessidade de se pensar formas de lazer organizadas pelo poder público. Os sistemas de
recreio deveriam ser envolventes em relação às atividades que ofereciam, pois precisavam
atrair a população para as suas dependências, numa tentativa de obter sucesso em seus
propósitos sociais. Seja pela falta de disponibilidade espacial ou de hábitos culturais que
valorizassem formas “adequadas” de lazer, distantes de comportamentos que incitassem ao
desvio da “boa conduta”, era importante a implementação planejada de um sistema de
recreio. A reserva de espaços para as atividades de lazer era considerada, por Anhaia Mello,
um problema nacional devido à sua responsabilidade futura, pois, “Quando, em futuro não
remoto, se adensarem as populações, essas áreas prestarão ainda maiores serviços,
reservadas que estão ao uso e gozo das futuras gerações”185 . Devido a isso, a artificialidade
da implantação desse sistema de lazer necessitava de políticas de estímulo à utilização de
seus espaços.
A inutilidade dos espaços de lazer que antecederam sua concepção moderna é
decorrente de um olhar que não reconhece no passado uma lógica de funcionamento social
diferente da existente no presente. Anhaia Mello não dissociava a idéia de utilidade desses
espaços verdes da sua proposta de reforma social. Sendo assim, os jardins públicos
destinam-se ao lazer contemplativo porque, entre outros motivos, não tinham uma “missão
social” definida, ao contrário do lazer dirigido, que se voltava à manutenção da estabilidade
social através da inclusão das camadas pobres no espaço da cidade e de seu ajustamento ao
funcionamento da sociedade industrial.
185 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.149.
79
A concepção de lazer de Anhaia Mello atende à significação moderna da palavra
lazer, a qual coincide com a formação da sociedade industrial moderna. O lazer possui
traços específicos, característicos da civilização nascida da Revolução Industrial186, conclui
o sociólogo francês Joffre Dumazedier. Para este autor, o tempo “fora-do-trabalho” sempre
existiu historicamente, mas o que o diferencia do “tempo livre” da sociedade industrial é
seu desligamento dos rituais sociais, passando a obedecer a lógica do trabalho nas fábricas.
Em seu livro Sociologia Empírica do Lazer, afirma que desde o surgimento da sociedade
industrial, os pensadores sociais do século XIX previram a importância do lazer ou, antes,
do “tempo liberado” pela redução da jornada de trabalho. Sendo assim, ele afirma que:
“Em certos textos, Karl Marx, considera o trabalho em si como a necessidade
primeira do homem. Ele especifica, alhures, que somente a apropriação coletiva da
máquina possibilitará a conquista de um tempo livre, ‘espaço do desenvolvimento
humano’, que findará por humanizar o trabalho. Segundo ele, é este tempo liberado
do trabalho que deveria possibilitar a superação da atual antinomia do trabalho e
do lazer com vistas à realização do Homem Total. [...] Sabe-se que A. Comte e C.
Proudhon diferem de K. Marx em sua concepção da sociedade futura, porém todos
atribuíram a mesma importância à conquista do lazer pelo progresso técnico e pela
emancipação social. Todos associaram o desenvolvimento do lazer ao progresso da
cultura intelectual dos trabalhadores e ao aumento de sua participação nos
negócios da cidade”187.
A valorização do lazer na sociedade moderna está estritamente ligada à diminuição
da jornada de trabalho, porque estabelece um paralelo entre o “tempo disponível” e a
ociosidade. Ao mesmo tempo que era discutida a importância do “tempo livre” para a
construção moral e social do trabalhador, o lazer passa a constituir, juntamente com o
trabalho, um componente de realização do “Homem Total”. Segundo Dumazedier, os
reformadores sociais se perguntavam sobre as conseqüências da obtenção do “tempo livre”,
se seria “[...] utilizado para florescimento ou para a degradação da personalidade”188 .
O “florescimento” da sociedade estava relacionado com a manutenção e/ou
incentivo do funcionamento da sociedade industrial. No período histórico em que Anhaia
186 DUMAZEDIER, Joffre, op. cit., p.26. 187 DUMAZEDIER, Joffre, op. cit., p.21. 188 DUMAZEDIER, Joffre, op. cit., p.21.
80
Mello propõe o recreio ativo e organizado, os trabalhadores das fábricas já haviam
conquistado alguns benefícios em relação à redução da jornada de trabalho, assim como
alguns direitos trabalhistas como o pagamento das horas extras, saindo então de um regime
que monopolizava suas energias vitais. Paralelamente à “humanização” das jornadas de
trabalho, iniciou-se um processo de controle sobre sua capacidade produtiva. Hannah
Arendt, em seu livro A Condição Humana189, considera que a intenção do homem em atuar
sobre os processos da natureza, numa escala em que esta não é apropriada apenas para
suprir suas necessidades de sobrevivência, faz com que o trabalho exija um empenho que
supera a capacidade de realização humana. O trabalho consome o ser humano a partir do
momento em que ele passa a ser a sua vida, deixando de apenas fazer parte dela. Assim,
esta autora acredita que:
“[...] a luta que o corpo humano trava diariamente para manter limpo o mundo e
evitar-lhe o declínio tem pouca semelhança com feitos heróicos; a persistência que
ela requer para que se reparem, dia a dia, os danos de ontem, não é coragem, e o
que torna o esforço tão doloroso não é o perigo, mas a implacável repetição”190.
Os diferentes processos de especialização do trabalho humano e a adequação à idéia
que o tempo equivale a dinheiro fizeram com que o homem deixasse de ter controle sobre
sua vida produtiva. Edward Thompson, em seu livro Costumes em Comum191, no capítulo
“Tempo, disciplina de trabalho e capital industrial”, afirma que, quando os homens tinham
controle sobre sua vida produtiva, aliavam ao trabalho momentos de ociosidade, entretanto,
“Numa sociedade capitalista madura, todo o tempo deve ser consumido, negociado,
utilizado; é uma ofensa que a força de trabalho meramente ‘passe o tempo’”192.
Concomitante à questão da melhoria das condições de trabalho, ocorria a discussão
sobre os problemas ambientais decorrentes do funcionamento das fábricas e os parques
urbanos passaram a representar o “pulmão” da cidade por possibilitarem o controle dos
elevados índices de enfermidade entre trabalhadores urbanos, evitando custos econômicos
ocasionados pela perda temporária ou definitiva da força de trabalho. Como uma primeira
189 ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução de Roberto Raposo; posfácio de Celso Lafer. – 7.ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. 190 ARENDT, Hannah, op. cit., .112. 191 THOMPSON, E. P.. Costumes em Comum. Revisão técnica Antonio Negro, Cristina Meneguello, Paulo Fontes. – São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 192 THOMPSON, E. P., op. cit., p.298.
81
função dos parques para a cidade industrial moderna, Camilo Sitte, em seu artigo “O verde
na metrópole”193 chama a atenção para o fato de que “Sem recorrer à natureza, a cidade
seria uma calabouço fétido, e sob esse ponto de vista o sentimento popular tem toda a
razão: ‘Quanto mais melhor’”194. O verde supera sua importância estética, na leitura deste
autor, estendendo seus benefícios à obtenção da boa saúde e ao “êxtase do espírito”. Sendo
assim, estes espaços verdes em meio à cidade exerceram um importante papel no processo
de obtenção de um controle político e científico do meio, organizado pelo poder público, no
século XIX, que visava, segundo Michel Foucault, a medicalização da sociedade.
Segundo este autor, “A medicina urbana não é verdadeiramente uma medicina dos
homens, corpos e organismos, mas uma medicina das coisas: ar, água, decomposições,
fermentos; uma medicina das condições de vida e do meio de existência”195. Assim
Foucault desconstrói o percurso da fala especializada destacando que a formação de um
saber científico sobre a cidade partiu da análise da repercussão dos efeitos do meio sobre
seus habitantes, ao contrário do que seria esperado, uma conformação do meio ao bem estar
de quem nele vive. A presença do verde nas cidades industriais modernas fez parte da
constituição do discurso sanitário não devido à “descoberta” de sua atuação benéfica à
saúde dos citadinos, mas tornou-se objeto de estudo a partir do olhar desse campo de
conhecimento em formação.
Devido a isso, desenvolveu-se um conjunto de saberes que fundamentavam o
estímulo aos hábitos higiênicos, em especial entre a classe operária. Segundo Foucault,
“[...] a medicina dos pobres, da força de trabalho, do operário não foi o primeiro alvo da
medicina social, mas o último. Em primeiro lugar o Estado, em seguida a cidade e
finalmente os pobres e trabalhadores foram objetos da medicalização”196. Com o
desenvolvimento da psicologia, os métodos de higiene ganham reforço científico e passam
a ser aplicados no corpo, atingindo a mente, para garantir a preservação da normalidade do
convívio social.
193 SITTE, Camillo. “O verde na metrópole”. In: A construção das cidades segundo seus princípios artísticos. Organização e apresentação de Carlos Roberto Monteiro de Andrade, tradução de Ricardo Ferreira Henrique. São Paulo – Editora Ática S.A., 1992. Este ensaio foi anexado ao livro, na forma de apêndice, no ano de 1908. 194 SITTE, Camillo, op. cit., p,167. 195 FOUCAULT, Michel. “O nascimento da medicina social”. In: Microfísica do Poder. Organizado e traduzido por Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1979, p.92. 196 FOUCAULT, Michel. “O nascimento da medicina social”, p.93.
82
Os parques urbanos passam a atender a essa nova proposta de controle social,
adequando-se aos ideais do Reform Park, definição utilizada por Galen Cranz, em seu livro
The Politics of Park Design: A History of Urban Parks in America197, para espaços
públicos, que através do discurso de “humanização” da vida nas grandes cidades, atuavam
no controle dos hábitos comportamentais das camadas pobres da população. Estes espaços
eram dedicados ao lazer operário e faziam parte de uma estratégia de intervenção social
originada no século XIX que desejava formar homens totalmente previsíveis, como destaca
Stella Bresciani, em seu artigo “Lógica e Dissonância. Sociedade de Trabalho: Lei, Ciência,
Disciplina e Resistência Operária”198:
“A higienização dos bairros operários, a vigilância de suas casas e de seus hábitos,
a edificação da família nuclear enclausurada no lar, protegida da presença de
pessoas estranhas; o trabalhador constante e dedicado na fábrica, [...] um percurso
de casa ao trabalho, e vice-versa, sem interrupções no bar e no cabaré; o tempo de
folga bem utilizado nos afazeres domésticos, nos esportes saudáveis, na igreja, na
escola dominical ... Tal é a projeção do fantástico trabalhador infatigável
requerido pelo sistema produtivo ininterrupto na sociedade do trabalho”199.
O Reform Park atendia não apenas a esse desejo de padronização cultural das
camadas populares desfavorecidas economicamente, mas fazia parte do projeto
assistencialista do governo norte-americano em decorrência da política inclusiva do “New
Deal”, por se voltar ao lazer das massas. A proposta de Anhaia Mello é um desdobramento
desta experiência, tanto no aspecto assistencialista, quanto na organização espacial.
Com o propósito de oferecer a oportunidade do trabalhador gastar adequadamente o
seu “tempo para o lazer”, expressão que segundo Granz surgiu no Estados Unidos pela
primeira vez na Recreation Magazine, em 1907, Anhaia Mello inaugura, no bairro Ipiranga,
o primeiro Parque Infantil da cidade de São Paulo, durante o breve período que esteve no
governo municipal. Repetiu a mesma iniciativa no bairro da Lapa, explicitando seu
interesse pelos bairros operários. Suas novas incursões em relação ao recreio ativo e
197 CRANZ, Galen. The Politics of Park Design: A History of Urban Parks in América. Cambrigde: The Mit Press, 1982. 198 BRESCIANI, Maria Stella Martins. “Lógica e Dissonância. Sociedade de Trabalho: Lei, Ciência, Disciplina e Resistência Operária”. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v.6 no. 11, set.1985/fev.1986. 199 BRESCIANI, Maria Stella Martins. “Lógica e Dissonância. Sociedade de Trabalho: Lei, Ciência, Disciplina e Resistência Operária”, p.30.
83
organizado aconteceram na administração municipal de Fábio Prado, devido à sua
participação no Departamento de Cultura, como destaca Carlos Augusto da Costa
Niemeyer, em seu artigo “Do Velódromo aos Parques Infantis – Paradigmas e Contradições
na Produção Social dos Espaços Lúdicos em São Paulo”200. Desta forma, Anhaia Mello
obteve considerável sucesso quanto à implantação de sua proposta de lazer e pode realizar
sua vontade de tornar mais humana a vida na capital paulista.
II.2. A formação do “cidadão útil à pátria”
A concepção de espaço útil estava ligada ao seu aproveitamento para fins
produtivos, no caso, tornar os trabalhadores urbanos mais dispostos para o trabalho nas
fábricas. O lazer renovaria as energias gastas durante a jornada de trabalho através de
atividades lúdicas, que estivessem diretamente associadas ao prazer. Assim, os parques
idealizados por Anhaia Mello compreendiam uma infra-estrutura pensada para este fim,
com os equipamentos que ele costumava chamar de “arsenal do recreio ativo e organizado”.
No artigo sobre sua proposta de lazer, Anhaia Mello não utiliza croquis para definir
a organização desses espaços, uma postura habitual, mas deixa bem clara sua concepção
sobre como eles deveriam se constituir, uma vez pertencentes à cidade. Mais uma vez
recorre aos Estados Unidos, referindo-se à “perfeita” organização dos sistemas de recreio
municipal deste país, e apresenta a estrutura que considerava ideal aos espaços de lazer
dirigido. Desta forma, detalha o funcionamento das unidades dos sistemas norte-
americanos:
“I. Playgrounds (áreas de brinquedo), que são de dois tipos principais:
a) - o" play-lot" ou "kindergarten playground", para crianças até 5 anos de idade;
b) - "neighborhood playground" ou área de brinquedo distrital, para crianças até
12 ou 14 anos de idade.
200 NIEMEYER, Carlos Augusto da Costa. “Do Velódromo aos Parques Infantis – Paradigmas e Contradições na Produção Social dos Espaços Lúdicos em São Paulo”. In: Desenhando a Cidade do Século XX. Maria Lucia Caira Gitaby (org.). Fapesp – RiMa, 2005.
84
[...] II. O Playfield, ou área de jogos organizados, para idades superiores a 14
anos.
III. Tipos diversos de recreio ativo:
a) Margens de rios e lagos ou praias;
b) Campos de golf;
c) Campos de atletismo e estádios
d) Acampamentos municipais [...];
e) Piscinas de vários tipos;
f) Comunity club houses;
g) Teatros ao ar livre e outros.[...]
IV. Áreas em que a paisagem é característica dominante:
a) Ovais, triângulos, círculos e mais jardinetes centrais;
b) Neighborhood Parks ou Parques urbanos;
c) Grandes parques de periferia;
d) Parques exteriores e reservas florestais, Estaduais e Nacionais.
V. Áreas de paisagem dominantes, mas de fins educativos:
a) Jardins botânicos e zoológicos.
VI. Áreas de ligação dessas unidades:
a) “Parkways” e “Plesure-drives”.
Essas unidades do sistema estão quase sempre associadas, afim de oferecer recreio,
num mesmo sítio, a pais e filhos, de diferentes idades”201.
Anhaia Mello salienta, no decorrer de sua exposição, a diferença entre a palavra
“neighborhood” e “comunity”. A primeira significava um grupo de famílias vivendo
próximas e em harmonia, uma extensão social da personalidade, a última referia-se a um
grupo social auto-suficiente, em que os indivíduos estavam ligados por interesses comuns e
sujeitos às mesmas leis. Desta forma, as estruturas do sistema de recreio ativo e organizado
obedeciam a estas duas escalas de formação social, algumas delas dedicadas a um grupo
menor de pessoas, a vizinhança, outras abrangendo a escala comunitária.
Há a preocupação de especificar todas as áreas de lazer pertencentes ao sistema de
recreio ativo e organizado, ressaltando o público para qual cada uma delas se destinava,
201 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.148.
85
com uma nítida separação entre as atividades infantis e aquelas direcionadas aos adultos.
Num procedimento mais sofisticado, a separação etária segmentava estes dois grupos de
usuários. O desejo de unir todos os membros da família operária se transfigurava numa
diversificada opção de cenários que, em certos momentos obedeciam a fins educativos, ou
mesmo a fins “contemplativos”, no qual a bela paisagem é o elemento dominante, embora o
contato com a natureza, neste caso, tenha o firme propósito de elevar os ânimos para o
cotidiano na cidade industrial.
O lazer dirigido se estabelece na cidade com propósitos muito bem definidos,
motivo pelo qual Galen Cranz o chamou de Reform Park. Este autor afirma que seu
interesse pela pesquisa da história dos parques urbanos dos Estados Unidos foi motivado
pelo estado de abandono que eles se encontravam na década de 60. Sendo assim, percorre
uma trajetória mapeando os diversos usos destes espaços urbanos em diferentes momentos
da História dos Estados Unidos e considera que o sistema de lazer dirigido existente neste
país durante a década de 30 do século passado voltava-se para a Reforma Social. Sua
análise sobre os Reform Parks baseia-se no contraste com aquilo que define como Pleasure
Grounds, os “parques inúteis” de Anhaia Mello. Assim, destaca que os Reform Parks
diferenciavam-se dos Pleasure Grounds devido ao propósito de organização do lazer, mas
se assemelhavam a estes por manter em paralelo as funções de preservar o ar puro e os
benefícios da paisagem para a fluição do pensamento202, as quais Anhaia Mello costumava
responsabilizar por manter “normais” os “impulsos humanos”.
Os Reform Parks descritos por Galen Cranz são os citados por Anhaia Mello em seu
artigo sobre o recreio ativo e organizado não apenas pela aproximação entre suas estruturas,
mas, principalmente, no que se refere à idéia fundante desses espaços, direcionados para o
combate à ociosidade, que com a diminuição da jornada de trabalho passou a representar
uma ameaça para a sociedade. Além disso, possuíam o mesmo público alvo, as crianças e
os adultos da classe trabalhadora. Granz destaca que o discurso que estruturava esta forma
de lazer apoiava-se na idéia de satisfação plena do ser humano. Para homens trabalhadores,
esportes organizados garantiriam seu acesso a um complemento necessário para uma
experiência humana plena, pois o trabalho dos escritórios e fabricas era percebido como
rotineiro e repetitivo. Afirma que, ironicamente, o substituto para a perda da satisfação com
202 CRANZ, Galen, op. cit., p.61.
86
o trabalho criativo foi especializar a recreação da mesma forma que o trabalho, ao invés de
tentar valorizar os aspectos humanos das atividades. Da mesma forma, as escolas infantis
eram moldadas à imagem das instituições econômicas, e a brincadeira era igualmente
rotinizada203.
Tanto os Reform Parks quanto o sistema de lazer de Anhaia Mello, deveriam ser
financiados pelo poder público, pois constituíam uma forma de lazer que atendia as
“massas”, abrangendo um público diversificado, mas direcionado às camadas
economicamente menos favorecidas. As aproximações não cessam, Granz destaca que
crianças não supervisionadas prometiam riscos à sociedade, assim, muitos reformadores
norte-americanos usaram a vulnerabilidade infantil como argumento para a implantação
desses sistemas de recreio. Eles apontavam para as taxas de morte de crianças na estação
quente para chocar o público e conseguir apoio. Pela primeira vez, segundo este autor, as
crianças se tornaram um foco distinto e importante para o planejamento de parques. O
movimento dos Reform Parks originava-se, em parte, do movimento dos playgrounds do
fim do século XIX204, equipamentos de lazer para a faixa etária de até 14 anos, de acordo
com as especificações de Anhaia Mello. Este, como já foi dito, tem como uma de suas
maiores preocupações as crianças; é por elas que se lamenta ao olhar para a falta de espaços
verdes de recreação nos bairros industriais de São Paulo e são a causa da separação das vias
da “cidade celular”, entre rápidas e internas ao núcleo residencial, numa tentativa de
diminuir o índice de atropelamentos. Segundo Granz, os reformadores sociais norte-
americanos se referiam às ruas em relação às crianças da mesma forma que falavam da
ação do álcool e do jogo na vida do adulto, alertando que a cada ano sua atração crescia de
forma mais forte, seu fascínio se tornava irresistível e a vida era sugada por eles”205.
Outro aspecto que caracterizaria a proposta de lazer de Anhaia Mello como Reform
Park era a convicção de que as brincadeiras deveriam ser orientadas. Este engenheiro-
arquiteto afirma em seu artigo sobre o recreio ativo e organizado:
“É preciso dirigir, com inteligência e carinho, essa arma poderosa de educação,
para que produza todos os seus efeitos.
203 CRANZ, Galen, op. cit., p.62. 204 CRANZ, Galen, op. cit., p.p.62-3. 205 CRANZ, Galen, op. cit., p.80.
87
Assim como não basta dar um livro a uma criança, para que aprenda a ler, não se
pode abandoná-la no playground, para que aprenda a brincar.
E não é apenas uma questão de fiscalização, mas de orientação.
Não é portanto serviço para guardas, de boné e bastão, mas para especialistas.
Há nos Estados Unidos, escolas de recreio para a formação de diretoras e
diretores de recreio, os “playground leaders”.
Chicago, que é a primeira cidade americana em matéria de recreio mundial,
estabeleceu no “Chicago Normal College” um curso especial, de três anos de
estudos, para formar diretores de recreio.
Esse curso consta de uma série de estudos teóricos sobre psicologia, pedagogia,
música e arte dramática e uma parte prática de jogos, ginástica, danças e trabalhos
manuais.
Não basta ainda que cada playground tenha seu diretor; é preciso criar um
departamento centralizador dessas atividades, dirigido também por um perito,
apaixonado por esses problemas da moderna sociologia urbana206.
Anhaia Mello faz referência à formação de profissionais de recreação na cidade de
Chicago e Cranz estuda os Reform Parks desta cidade. A orientação durante as atividades
de lazer não tinha o intuito de caracterizar vigilância, mas segue a linha da “política
expressiva”, atuando no estímulo a atividades que promovessem comportamentos
socialmente desejáveis. Em relação à Chicago, Granz afirma que houve pouco debate sobre
o propósito deste novo tipo de parque. Aqueles que acreditavam que era, primeiramente,
um lugar diferente das ruas, onde as crianças iriam para brincar ou praticar atividades
físicas espontâneas, deram lugar a uma opinião majoritária de que esses parques deveriam
ser lugares para brincadeiras organizadas.
Ao invés de debate, houve a mudança de foco da brincadeira para a organização em
si mesma207. Líderes de parques consideravam a brincadeira, seja espontânea ou
supervisionada, como um instinto natural que, se bloqueado, encontraria escape num
“comportamento desviante”. Profissionais concordavam que brincar era instintivo, mas
sustentavam que os jogos deviam ser ensinados. O “playground” então provia não só um
206 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.159. 207 CRANZ, Galen, op. cit., p.p.65-6.
88
espaço para o instinto de brincar, mas também um lugar para a aprendizagem e o
ensinamento de conteúdo social através dos jogos208. Sendo assim, eles procuravam
garantir uma completa expressão da vida em comunidade e a socialização dos seus
freqüentadores, residentes em um núcleo comum, os “neighborhoods”, difundindo os
valores norte-americanos209.
Anhaia Mello descreve os “playgrounds” como espaços que deveriam conter:
“[...] grandes caixas de areia, gangorras, trapézios, barras fixas, balanços de toda
a ordem, os bancos giratórios, os deslizadores e esse variadíssimo arsenal de
brinquedos que qualquer catálogo das casas especialistas no assunto, a Everwear,
a American Playground Device, a Laman, a Mitchell e outras, traz descrito com
detalhes”210.
Além de reforçar seu grande investimento nas crianças, oferecendo-lhes um espaço
tão equipado, demonstra seu acesso a periódicos norte-americanos especializados em lazer.
Desta forma, o recreio ativo e organizado se constrói como proposta urbanística a partir de
toda uma carga de discussão, que não somente define o público do lazer dirigido, através de
uma política assistencialista fundamentada numa atitude paternalista frente às camadas
pobres da população, mas também divulga a configuração para tornar os espaços de lazer
mais atraentes e, conseqüentemente, mais populares. Esses são uns dos motivos pelos quais
Anhaia Mello dedica toda uma parte do seu artigo para as “piscinas públicas”, que se
destacavam na preferência do público dos “playgrounds”. Assim, afirma que:
“Uma das unidades mais atraentes, e mais eficientes, do sistema de recreio, é a
piscina.
A natação é um dos exercícios mais saudáveis.
Uma piscina, porém, não é um simples tanque cheio d’água, mas requer cuidados
especiais. Se não for usada com precauções, não há meio mais adequado para a
transmissão de certas enfermidades”211.
Como forma de evitar os inconvenientes do mau uso desse equipamento do recreio
ativo e organizado, Anhaia Mello recorre à experiência norte-americana, citando um estudo
208 CRANZ, Galen, op. cit., p.66. 209 CRANZ, Galen, op. cit., p.68. 210 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.159. 211 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.158.
89
de 1925 da American Public Health Association, que definiu normas para a utilização nas
piscinas públicas naquele país. Este regulamento previa “[...] carga limite de banhistas – 20
pessoas por 100 galões de água – a freqüência da desinfecção, a cloração, a acidez ou a
alcalinidade da água, a temperatura, a quantidade de bactérias [...] e outras disposições”212.
Em seu artigo, destaca apenas a popularidade das piscinas e o benefício da natação
como um exercício físico completo, embora manifeste sua preocupação com os aspectos
higiênicos envolvidos nessa atividade. Por sua vez, ao analisar o papel das piscinas no
Reform Park, Granz afirma que elas foram introduzidas para encorajar pessoas da classe
trabalhadora, muitas sem banheiros privados, a se manterem limpas. Destaca que chuveiros
faziam parte do equipamento de ginástica, mas também serviam como sistemas públicos de
banho. Instrutores de ginástica estimulavam o uso de chuveiros como parte do treinamento
e como hábito higiênico. A importância dada à higiene estava também evidente na
meticulosa limpeza e esterilização das roupas de banho nas lavanderias dos parques, e no
cuidado de verificar se cada banhista havia tomado um banho completo antes de entrar na
piscina213. Por volta de 1911, segundo Granz, as piscinas de Chicago eram tão populares
que grupos tinham que ser admitidos hora a hora, e cada um tinha uma hora para o processo
de entrar, receber roupas de banho e toalha, trocar de roupa, tomar banho, nadar, se vestir, e
abrir espaço para o próximo grupo214.
O “arsenal” do recreio ativo e organizado atuava na construção dos “corpos dóceis”,
uma vez que eram métodos de intervenção direta na constituição física da população pobre,
que passava por uma processo higienização e tinham seus corpos moldados pelos exercícios
físicos. No entanto, Mônica Raisa Schpun, em seu livro Beleza em jogo. Cultura Física e
Comportamento em São Paulo nos anos 20215, localiza essa estratégia de ação do discurso
sobre o lazer também entre a elite, no que se referia à higiene e na formação de corpos
atléticos, através de diversos dispositivos sociais.
Segundo esta autora, na década de 20 do século passado, introduz-se na cultura
urbana da capital paulista novas formas de sociabilidade e novos equipamentos de lazer.
Num momento em que a cidade é pensada para atender as necessidades da elite, que se
212 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.158. 213 CRANZ, Galen, op. cit., p.70. 214 CRANZ, Galen, op. cit., p.72. 215 SCHPUN, Mônica Raisa. Beleza em jogo. Cultura Física e Comportamento em São Paulo nos anos 20. Prefácio: Michelle Perrot. – São Paulo: Editora SENAC, 1999.
90
distanciava da parcela pobre da população morando afastada desta e criando códigos de
sociabilidade não compartilhados, as práticas de lazer dirigido entram na cidade de São
Paulo para atender a poucos. Assim, mapeia a entrada de vários esportes organizados na
sociedade paulistana como o tênis, o hipismo e o futebol, além de atividades coletivas como
a ginástica e a dança. Desta forma:
“Os eventos esportivos assumem dimensão central na vida urbana. Na forma de
espetáculos, esses eventos envolvem não somente os atletas, mas também o público,
os corpos e as emoções coletivamente expressas nos estádios. Eles fazem parte do
processo generalizado de difusão e de organização da prática esportiva.
Mas os esportes não estão sozinhos nessa mobilização coletiva dos corpos: a
dança, predileção da década, associada à industria fonográfica nascente, é outra
faceta desse fenômeno de múltiplas dimensões, em que os indivíduos são
constantemente chamados à ação”216.
As atividades de lazer da elite paulistana da década de vinte têm grande semelhança
com as oferecidas pelo Reform Park e pelo projeto de lazer modernista da administração
municipal de Fábio Prado que, de certa forma, pode ser considerado um desdobramento do
recreio ativo e organizado de Anhaia Mello. Com exceção de esportes organizados que até
hoje se mantêm elitizados, como o hipismo e, em menor medida, o tênis, estes sistemas de
lazer previam campeonatos de dança, a prática da ginástica, da natação, do futebol. Esses
espaços populares de lazer, concebidos já no final da década de vinte e início dos anos 30,
nada mais faziam do que estender uma concepção de lazer às camadas pobres da
população, pois a elite já havia incorporado a lógica do lazer produtivo. Schpun considera
que:
“De modo geral, a educação física e a prática esportiva são consideradas na época
como medidas de higiene destinadas a combater o ócio e os hábitos mundanos da
juventude. A disciplina que constitui o exercício do corpo, praticado sob a
vigilância de um treinador, e sem mistura entre os sexos, funciona como
profilaxia”217
216 SCHPUN, Mônica Raisa, op. cit., p.27. 217 SCHPUN, Mônica Raisa, op. cit., p.34.
91
O sistema de lazer de Anhaia Mello era preventivo do “mau cidadão”, já o lazer
dirigido aplicado às elites era “gestador” da “pátria do amanhã”. Schpun aponta duas
diretrizes do discurso da disciplina corporal dirigido à parcela abastada da população.
Segundo ela, uma delas tinha relação com o discurso sobre o progresso, com sua idéia de
que o “melhor” ainda estaria por vir, daí a necessidade de preparar o brasileiro para lidar de
forma “inteligente” com as oportunidades vindouras, ensinando-lhe o controle sobre seus
impulsos emocionais. A outra vertente discursiva provinha do impacto das impressões
sobre a Primeira Guerra Mundial. O conflito alertava para a importância da sobrevivência,
discurso atrelado à idéia da superioridade das raças, evidenciando a necessidade de
trabalhar a constituição física dos jovens. Assim, ao falar sobre a disseminação da prática
da ginástica na sociedade paulistana, Schpun destaca que:
“[...] o instrutor de ginástica do Club Athletico Paulistano define as vantagens
dessas práticas para os jovens. Além da manutenção da forma física básica que ela
oferece e de sua importância na conservação da saúde, a ginástica dá mais
segurança pessoal, espírito de decisão, forma o caráter e educa a vontade para o
controle das tendências corporais e psíquicas”218.
O discurso do lazer dirigido dedicado à classe trabalhadora e à parcela elitizada da
população da capital paulista é o mesmo, ambos obedecem aos princípios da eugenia e
recorrem ao respaldo teórico da psicanálise. A diferença estava na função social para a qual
se destinava, se no caso da elite o objetivo era formar os mentores de uma nação bem
sucedida, em relação à população pobre a intenção era combater patologias sociais.
O pobre, se não educado para responder aos anseios do progresso, contribuindo
produtivamente para o seu avanço, representava a ameaça a um “futuro glorioso”.
Entretanto, não se pode perder de vista que a inclusão desta parcela da população nas
atividades de lazer até então só acessadas pela elite representava, para especialistas como
Anhaia Mello, a humanização das condições de vida dessas pessoas.
O esforço das elites em se apropriar dos hábitos culturais da classe trabalhadora
vinha desde o século XIX, mas não é interessante pensarmos essa relação de forças como o
pobre sempre sendo o dominado, atendendo aos desejos de controle de um saber científico
construído pelas elites. Não é este o objetivo desta análise sobre o recreio ativo e
218 SCHPUN, Mônica Raisa, op. cit., p.40.
92
organizado. Ao longo deste trabalho apontamos a apropriação do conhecimento técnico
sobre a cidade feita pela classe operária, o que viabilizava suas reivindicações de inclusão
no espaço da cidade. Da mesma forma destacamos o olhar desfocado dos especialistas, que
nem sempre conseguiam reconhecer o grau de assimilação de seu discurso entre o seu
público alvo. O estudo de Schpun, mapeando o discurso disciplinador do lazer entre os
componentes da elite, destacando os conflitos de gênero existentes no processo de
promoção destas atividades, é bastante representativo da ausência de clareza em relação ao
exercício do poder. O lazer dirigido aplicado às camadas pobres da população, ao mesmo
tempo que objetivava discipliná-las para o trabalho fabril, acreditava na humanização da
rotina da vida nas cidades industrias.
Desta forma, o sistema de recreio de Anhaia Mello obedecia ao propósito de
adequar a vida nas cidades industriais à “escala humana”, interferindo positivamente na
qualidade de vida; do mesmo modo caracterizava-se como medida de assistência social,
que atendia a uma organização sanitária voltada à manutenção e/ou obtenção da higiene
entre as camadas pobres da população, atuando no campo da prevenção de “maus
comportamentos”. Em relação ao início do século XX, Maria Auxiliadora Decca considera
que “[...] há uma retórica que se mantém em grande parte inalterada quanto à necessidade
de um ‘lazer mais saudável e produtivo’ para o operariado no sentido de torná-lo mais
‘disciplinado e ordeiro’, esboçam-se iniciativas, até certo ponto freqüentes, de disciplinar
seu lazer”219. A criminalidade era conseqüência de um desvio de conduta, derivado da falta
de “boas” referências morais e da privação da vida em comunidade, e constitui-se uma
importante temática da proposta de lazer de Anhaia Mello.
Para Anhaia Mello, uma vez organizado de forma adequada, o sistema de recreio
seria capaz de reduzir os índices de criminalidade urbana. Seu artigo tem um importante
objetivo: convencer seus colegas especialistas sobre a eficiência do recreio ativo e
organizado na manutenção da ordem pública e na economia que representava para as
despesas da administração pública, pois reduziria os gasto com o sistema carcerário.
Uma das evidências, apontadas por Anhaia Mello, de que o recreio ativo e
organizado representava a solução à criminalidade está em sua afirmação de que “A justiça
social exige que toda a comunidade tenha recreio organizado. O bom recreio é o preventivo
219 DECCA, Maria Auxiliadora, op. cit., p.p.89-0.
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do mau cidadão”220. Recorre ao poder deste sistema de recreio quanto à formação do
caráter dos habitantes da cidade, pois servia como prevenção à proliferação de cidadãos
indesejáveis ao convívio social. Assim, ao falar sobre a eficácia de tal constatação, afirma
que “Sim. [ ... ] o aumento de ‘playgrounds’ corresponde a uma diminuição sensível da
delinqüência juvenil, diminuição essa acentuadíssima dentro da zona de acessibilidade do
playground”221; ou seja, além de interferir moralmente sobre os cidadãos, o sistema de
recreio ativo e organizado também alterava, positivamente, o cotidiano nas cidades,
diminuindo a incidência de crimes em sua área de cobertura.
Outra estratégia utilizada por Anhaia Mello para atestar a eficiência do recreio ativo
e organizado frente à criminalidade, foi a transcrição de um estudo norte-americano,
realizado pelo Dr. Charles Pratt, então diretor da Comissão de Problemas Penais da cidade
de Filadélfia, intitulado "Recreio, causa ou cura de crimes?", no qual afirma-se que:
“O tempo para descanso e recreio aumentou com o dia de trabalho mais curto e
com a semana mais curta.
Esse aumento trará mais maldade para mãos ociosas ou oportunidade melhor para
o desenvolvimento de uma melhor ordem social?
Tudo depende da organização do recreio.
A sociedade moderna tem muitos problemas para resolver, mas o maior de todos é
ensinar como usar nossas horas de lazer.
A porta larga do crime está escancarada.
[...] A vida é tão complexa que não há, nem pode haver, fórmulas simples para a
cura de males.
Quantas fórmulas já experimentamos: castigos, ameaças, torturas, morte até do
criminoso.
A morte resolve o problema individual, eliminando o criminoso; como medida
social e preventiva, nada vale.
Creio mesmo que, procurando corrigir a sociedade por métodos brutais, tornemo-
la, por isso mesmo, ainda mais brutal, recaleitante, indiferente.
220 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.150. 221 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.150.
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[...] Autocracias e aristocracias, foram substituídas por democracias, tentativas de
socialismo, de anarquismo, e sua regressão, necessária e histórica, à autocracia,
ao fascismo, ao despotismo.
O que isso significa? Que nós procuramos fórmulas para melhorar a sociedade,
sem procurar melhorarmos a nós mesmos.
Queremos tornar a sociedade um melhor lugar para vivermos, sem começar por
corrigir as nossas próprias faltas.
É fútil a tentativa.
O crime é resultado de um ajustamento social imperfeito, a expressão de um ‘ego’
inflexível, conseqüência da tentativa de guiar a vida do grupo numa base
individual, sem respeito dos direitos alheios.
Todos nós nascemos egoístas absolutos, e temos que aprender, dura aprendizagem,
a sermos sociáveis.
Essa aprendizagem se faz na escola e no recreio.
O recreio é pois uma responsabilidade social tão grande quanto a escola.
Se a escola desenvolve o lado intelectual o recreio desenvolve o lado social e
moral.
Há limites naturais para a conquista do intelecto; não os há para as conquistas
sociais e morais.
O nosso maior dever social, portanto, é o estabelecimento de um sistema de recreio
de valor social, isto é, recreio ativo e organizado, para todas as classes e todas as
idades”222.
Este estudo tem como indagação inicial o questionamento sobre se o aumento das
horas disponíveis após a jornada de trabalho traria prejuízos à ordem social. Uma
problemática que, segundo Joffre Dumazedier, já era preocupação dos reformadores sociais
no final do século XIX, início das primeiras conquistas trabalhistas. Desta forma, ainda na
década de 20 do século seguinte, as mudanças na dinâmica da vida urbana decorrentes do
intenso processo de industrialização não haviam sido inteiramente decodificadas pelo saber
científico, mantendo-se o “medo” da não assimilação da concepção de “tempo produtivo”.
222 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.p.150 e 153.
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Isso leva o autor do estudo afirmar que o maior problema da modernidade era ensinar como
utilizar as horas de lazer, corroborando a idéia já expressa por Anhaia Mello em seu artigo,
de que o tempo destituído de uma utilidade pré-determinada representava uma ameaça à
construção de uma cultura social condizente com a vida nas grandes cidades modernas.
O sistema de recreio ativo e organizado, segundo o estudo feito na Filadélfia, é
“cura” para a criminalidade porque forma “cidadãos úteis à pátria”, educando seus
freqüentadores para o convívio em sociedade. O lazer dirigido é pensado por Anhaia Mello,
não apenas como complementar à atuação da escola; atuava na constituição física dos
indivíduos, mas também na formação da subjetividade. Os corpos se adequavam à rotina
pedida pela disciplina e tal comportamento passava a ser culturalmente natural, e faziam
parte de como as pessoas se definiam socialmente. Por se tratar antes de tudo de um
mecanismo de formação de hábitos culturais, Anhaia Mello acreditava que a escola e o
recreio organizado deveriam cooperar estreitamente.
Alicerçado no pressuposto da “política expressiva”, de que a prevenção a
“patologias” sociais deveria ser feita a partir de políticas afirmativas de comportamentos
socialmente desejáveis, Anhaia Mello conclui que o recreio ativo e organizado constituía
um poderoso agente de manutenção da ordem social. Transcreve a conclusão do “American
Prision Congress”, realizado nos Estados Unidos em 1926, para reforçar sua defesa sobre a
eficácia do sistema de lazer dirigido em relação à criminalidade. Segundo ele:
“O Congresso exprime sua convicção de que o valor do recreio, ativo e organizado
precisa ser melhor compreendido por aqueles a quem incumbe o estudo dos
problemas da criminalidade, e que, se toda a cidade oferecesse meios adequados de
recreio à mocidade, muitas de suas tendências más poderiam ser corrigidas e ao
mesmo tempo se formaria o bom cidadão, são, moralizado e alegre”223.
Esta declaração reforça a idéia de que seria possível intervir na “má índole” do
indivíduo, combatendo seus “instintos” negativos através do emprego de suas energias em
atividades que estimulassem suas “boas” potencialidades. Assim, ao analisar a figura do
delinqüente na sociedade moderna, Priscila Piazentini Viera, em sua monografia Michel
Foucault e a História Genealógica em Vigiara e Punir224, afirma que os discursos penal e
223 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.150. 224 VIEIRA, Priscila Piazentini. Michel Foucault e a História Genealógica em Vigiara e Punir. Monografia IFCH/UNICAMP, 2006.
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psiquiátrico se fundem na análise de um crime, e o delinqüente passa a ser visto não apenas
como autor de seu crime, mas está ligado ao seu delito pelos seus instintos, pulsões,
tendências, temperamento225. Uma vez que o crime é considerado conseqüência e, ao
mesmo tempo, parte da constituição subjetiva do infrator, justificava-se uma medida social
que se propunha a atuar na “origem” dos problemas, transformando em sã uma
personalidade que tendia a comportamentos sociais patológicos. O valor desta declaração
do “American Prision Congress” é imenso na justificativa a favor da implantação do recreio
ativo e organizado, pois o próprio sistema carcerário o reivindicava no espaço da cidade.
Não havia melhor argumento para comprovar a existência de uma relação entre a
necessidade de se controlar o lazer e o combate à criminalidade urbana.
Além disso, as conclusões a que chegou este Congresso fundamentavam o
investimento econômico nas áreas destinadas ao recreio, o que leva Anhaia Mello a afirmar
que caso faltasse convicção sobre os efeitos benéficos da prática do lazer para as camadas
populares, os dados econômicos justificavam o investimento público em sua proposta
urbanística. Desta forma, destaca que “As estatísticas mostram que, com o dinheiro gasto
para manter um condenado nas prisões, pode-se dar recreio ativo e organizado a 86
crianças”226. Era melhor, portanto, investir no sistema de recreio, que promoveria a
diminuição da população carcerária e, ao mesmo tempo, cuidaria da formação moral das
crianças. Mostrava-se mais eficiente aplicar o dinheiro público no lazer dirigido do que no
sistema prisional, pois afastaria o trabalhador daquilo que poderia interferir, de maneira
negativa, em sua produtividade e cuidaria da construção da pátria do futuro.
A punição carcerária diminuía o número de indivíduos economicamente produtivos,
enquanto o recreio ativo e organizado formava os cidadãos para o trabalho nas fábricas,
oferecendo-lhes práticas de lazer que estimulavam sua disposição para o comportamento
disciplinado. O mecanismo do sistema de recreio organizado funcionava da mesma forma
que a disciplina corporal imposta pela educação higiênica, na qual, segundo Carmen Lúcia
Soares:
“Impõem-se uma disciplina corporal que seria, evidentemente, mais adequada ao
trabalho fabril, que pudesse tornar os corpos mais dóceis e submissos sob a ótica
225 VIEIRA, Priscila Piazentini, op. cit., p.69. 226 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.150.
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do poder e, ao mesmo tempo (e por isso mesmo), mais ágeis, fortes e robustos sob a
ótica da produção enquanto expressão do poder e da ordem. Esta disciplina
corporal foi elemento constitutivo da educação higiênica do trabalhador, a qual
deveria se dar na escola, caso ele viesse a freqüentá-la. E freqüentar a escola
tornava-se necessário para o tipo de desenvolvimento que se encaminha a jovem
sociedade republicana”227.
Mais uma vez os objetivos da educação higiênica se confundem com os do recreio
ativo e organizado, pois um dos interesses que moviam a implementação deste sistema de
lazer também prezava pela “produção enquanto expressão do poder e da ordem”. Anhaia
Mello, quando traz para o seu texto esse conjunto de estudos que endossavam seu
argumento de que o recreio ativo e organizado era preventivo do “mau cidadão” e, desta
maneira, diminuiria a incidência dos problemas de sociabilidade, define a posição de sua
proposta de lazer, cuja principal intenção era bem orientar a formação dos cidadãos, para
que não fosse preciso o uso social de métodos punitivos, que poderiam atuar contra o
conjunto de valores que desejava assimilados. Sendo assim, destacava que:
“Os objetivos do recreio são uns imediatos, como a atividade; outros
intermediatos, como a formação de hábitos e atitudes e afinal remotos alguns,
como a formação do caráter e do cidadão útil à pátria.
O recreio não é uma atividade inútil; é, pelo contrário, uma coisa séria para todos,
mormente para a criança.
A criança brinca; o brinquedo cria, faz. Recreio é termo que se deve reservar para
o adulto porque recrear é refazer as energias gastas.
‘O recreio – diz Joseph Lee, pai do ‘playground’ – é o grande antídoto da
civilização’”228.
É importante destacar o conceito, utilizado recorrentemente por Anhaia Mello, de
“cidadão útil à pátria”, que seria o cidadão disciplinado para o trabalho, pois já passou pelo
processo de normalização de seus impulsos humanos, adequando seu comportamento às
exigências de um convívio social harmônico. O cidadão de impulsos descompassados traria
227 SOARES, Carmen Lúcia, op. cit., p.121. 228 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.149.
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problemas à sociedade, fosse por praticar atos de criminalidade, ou possuir hábitos
“inadequados” moralmente, como a bebida, a promiscuidade.
Entretanto, o recreio ativo e organizado só cumpriria eficientemente o seu papel
social se a ele se aliassem políticas habitacionais que garantissem padrões mínimos de
salubridade nas moradias populares. A habitação oferecida à classe operária deveria ser
higiênica e confortável, constituindo, na opinião de Anhaia Mello, um serviço de utilidade
pública. Os cortiços custavam dinheiro, sendo o tipo mais caro de habitação para a
sociedade, por promoverem o comportamento promíscuo e estimularem a criminalidade.
Sobre a tendência de considerar os cortiços um problema sociológico ou filantropo,
Anhaia Mello ressalta que dar habitação digna às classes pobres não constitui caridade,
afinal estas seriam pagas com os impostos e taxas para serviços públicos. Para ele, “[...] a
acomodação decente das massas operárias corresponde a uma melhora social, superior a
qualquer outro esforço nesse mesmo sentido”229. No artigo “A Cidade Jardim”, analisa as
conseqüências do urbanismo puramente técnico para as grandes cidades e para a vida
urbana, apontando o cortiço como seu resultado e a “criminal culture” como herança social
oferecida aos moradores destes locais. Para comprovar o que diz, afirma que:
“Um estudo feito em 1934, nas áreas deterioradas da cidade de Cleveland, nos
Estados Unidos, demonstrou que em relação à área urbana total, a porcentagem de
incêndios era 7 vezes maior; de assassínios era 8,5 vezes maior; de vícios sociais
era 10,5 vezes maior; de delinqüência juvenil era 2,7 vezes maior; de filhos
ilegítimos era 4,2 vezes maior; de tuberculosos era 5,0 vezes maior!”230 .
Marisa Carpintéro, em seu livro A Construção de um Sonho: Os engenheiros-
arquitetos e a formação da política habitacional no Brasil, discute o tema da habitação
operária problematizando os discursos dos engenheiros-arquitetos a respeito de tal questão.
No capítulo, “O Direito de Habitar”, trabalha com o processo de naturalização de uma nova
forma de habitação operária, a casa própria, tentando pontuar a origem daquilo que veio a
se tornar um sonho. Essa assimilação do discurso técnico, que ganhou status de sonho e se
internalizou em seu público alvo, é bastante semelhante àquela desejada pela proposta de
229 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Um Programa de Habitação para os Estados Unidos, jan./mar. 1936, p.162. 230 MELLO, L. G. R. de Anhaia. A Cidade Jardim, p.p.27-8.
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recreio ativo e organizado, pois saiu do domínio técnico e passou a ser aceita de maneira
contundente.
O desejo de aceitação contido na fala especializada é evidenciado por Carpintéro
quando afirma que, de acordo com os engenheiros-arquitetos, “[...] uma vez conquistada a
propriedade de um lar, os valores morais e religiosos estarão garantidos e transmitidos para
as futuras gerações”231. Assim, a autora destaca a formação de uma nova sensibilidade
voltada ao espaço doméstico, cuja ênfase recaia sobre a vida privada da população pobre,
uma vez que era afirmado pela imprensa que “Estar entre suas paredes [da “casa própria”] é
para o operário, antes de tudo, não estar entre as paredes dos outros e em sua casa pode ser
ele mesmo”232. Havia, portanto, uma certa clareza, por parte dos engenheiros-arquitetos,
quanto ao que deveria ser culturalmente assimilado pela classe operária, desde valores
morais e religiosos, até uma percepção psicológica a respeito de si mesma.
Desta forma, este projeto de habitação e a proposta de recreio ativo e organizado
tinham projetos de intervenção social semelhantes e complementares, intervindo
individualmente sobre os habitantes das cidades e ensinando-lhes hábitos de higiene,
condutas morais. Como ressalta Marisa Carpintéro, “Os trabalhadores urbanos viviam, até a
década de 20, a maior parte do tempo fora de suas moradias. Quando não estavam
trabalhando, entregavam-se a bate-papos com os amigos nos botequins, ou na conversa
diária com os vizinhos nas calçadas”233. Fazia-se necessário aos propósitos de formação de
“cidadãos úteis à pátria” interferir na eliminação de uma rotina que não obedecesse aos
princípios de uma vida economicamente produtiva.
Nesse sentido, Anhaia Mello alerta sobre a importância de investir em propostas de
intervenção social comprovadamente eficientes, afirmando que:
“Esta palestra não tem outro intuito se não contribuir modestamente para esse fim
em que todos estamos empenhados. Qual o caminho a seguir? Aquele que os trinta
anos de experiência dos melhores urbanistas americanos, estão indicando. As
diferentes etapas desse percurso são as seguintes:
231 CARPINTÉRO, Marisa Varanda T.. A Construção de um Sonho: Os engenheiros-arquitetos e a formação da política habitacional no Brasil, p.189. 232 CARPINTÉRO, Marisa Varanda T.. A Construção de um Sonho: Os engenheiros-arquitetos e a formação da política habitacional no Brasil, p.193. 233 CARPINTÉRO, Marisa Varanda T.. A Construção de um Sonho: Os engenheiros-arquitetos e a formação da política habitacional no Brasil, p.180.
100
1º.)Um inquérito (survey) preliminar.
Nós, em regra, pretendemos realizar tudo sem estudos preliminares; com um
simples ‘fiat’ poderoso. Não é possível.
É preciso verificar o que existe, depois estudar as necessidades de cada bairro, que
são absolutamente diversas, para concluir das necessidades atuais e das futuras.
Podem ser aproveitados não só os parques atuais, mas também aquelas áreas de
recreio das escolas, de tamanho suficiente, que devem ser equipadas e franqueadas
ao público.
2º.) Estabelecer um plano de ação, escalando as aquisições de acordo com as
necessidades, mais ou menos prementes, dos diversos bairros.
3º.) O uso dos principais parques precisa ser alterado.
Podemos e devemos localizar playgrounds nos gramados inúteis e dispendiosos dos
jardins do Parque D. Pedro 2º., da Luz, das Praças da República, Buenos Aires e
outras.
[...] 5º.) Criar um Departamento de Recreio Municipal, cuja direção seja entregue
a um especialista nesses assuntos, e que centralize, promova e coordene todos os
problemas do Recreio”234.
Além de reafirmar sua confiança no urbanismo norte-americano, estabelece uma
estratégia de implantação do sistema de recreio ativo e organizado cuja base era o estudo
sobre os bairros, concluindo sobre as futuras necessidades desses espaços de lazer. Devido
a isso, sugere a criação de um órgão público especializado em recreação. Com o
Departamento de Cultura da administração de Fábio Prado, Anhaia Mello pôde acompanhar
e participar de um investimento municipal na área do lazer dirigido.
Os parques concebidos a partir dos propósitos políticos do Reform Park se
efetivaram nesta administração através do empenho do Departamento de Cultura, presidido
por Mário de Andrade. No período em que foi prefeito, Anhaia Mello, inaugurou o
primeiro Parque Infantil da cidade de São Paulo, no bairro do Ipiranga, mas devido à
brevidade de seu governo, viu sua proposta de lazer ganhar força na administração
seguinte. Participou da fundação do Departamento de Cultura e pôde colaborar com o
projeto social modernista de popularização da cultura nacional que contava com a
234 MELLO, L. G. R. de Anhaia. Urbanismo: o recreio ativo e organizado das cidades modernas, p.160.
101
implantação dos Parques Infantis, uma das metas do Recreio Ativo e organizado. Segundo
Candido Malta Campos, em seu livro Os rumos da cidade: urbanismo e modernização em
São Paulo, não foi apenas na área do lazer que Anhaia Mello integrou a administração de
Fabio Prado, segundo ele:
“O papel de Anhaia Melo na gestão Fábio Prado foi decisivo. Maior representante
do urbanismo moderno em São Paulo, Melo tornou-se consultor oficioso da
prefeitura para questões urbanísticas, colaborando em iniciativas socialmente
integradoras, como os parques infantis, levando à formalização de instrumentos
como a taxa de melhoria e impondo diretrizes reguladoras nas negociações entre o
poder público e o setor imobiliário. Garantidos pelo renome acadêmico e
conhecimento técnico, seus pareceres ‘não seriam contestados pela política’. Em
diversas disputas com proprietários, a municipalidade recorreu a Anhaia Melo
para reforçar suas posições, evitando abusos em processos de desapropriação e
outros”235 .
Candido Malta Campos afirma que “Por meio de sua atuação com Fábio Prado,
Melo buscava impor, extra-oficialmente, o princípio da taxa de melhoria, ou seja, a
recuperação, pelo poder público, da valorização da propriedade imobiliária resultante de
melhoramentos urbanos”236 , sendo este imposto um fatores que, segundo Anhaia Mello,
possibilitaram financeiramente seu projeto de lazer para a cidade de São Paulo.
Em relação à participação de Anhaia Mello no Departamento de Cultura, as
propostas modernistas de intervenção social vinham ao encontro do projeto de lazer deste
engenheiro-arquiteto. Segundo Carlos Augusto da Costa Niemeyer, em sua dissertação A
criação de espaços públicos de lazer organizado como expressão de cidadania: o caso dos
Parques Infantis em São Paulo (1934-1954), “o Departamento de Cultura transformará o
sonho modernista em realidade, iniciando uma tentativa de integração cultural das massas,
jamais vista no município”237 . O objetivo do Departamento de Cultura, segundo este autor,
era não apenas popularizar a cultura, o esporte e o lazer, mas arrancá-los das camadas
privilegiadas, socializando seus benefícios para as parcelas menos favorecidas da
235 CAMPOS. Candido Malta, op. cit., p.502. 236 CAMPOS. Candido Malta, op. cit., p.503. 237 NIEMEYER, Carlos Augusto da Costa, op. cit., p.97.
102
população. Anhaia Mello defendia, em seu artigo sobre o recreio ativo e organizado, a
democratização do lazer que deveria se estender a todas as classes e todas as idades.
No projeto modernista, lazer e cultura deveriam servir como instrumentos de
humanização, elemento fundamental à transformação social, que contribuiria para a
formação de uma “cultura nacional”. Carlos Niemeyer afirma que Mário de Andrade não
vinculava seus parques a políticas higiênicas e eugenizadoras, sua preocupação era apenas a
universalização do acesso à cultura. A proposta de Anhaia Mello também visava em última
análise o bem estar da comunidade, que para ele estava vinculada à formação de um
cidadão útil à pátria.
Este autor também data o “golpe político” de 1937 como o fim do projeto
modernista, pois o inicio do Estado Novo colocou fim à administração municipal de Fábio
Prado e, conseqüentemente à liderança de Mário de Andrade no Departamento de Cultura.
Getúlio Vargas substitui Fabio Prado por Prestes Maia, e, para Carlos Augusto Niemeyer,
um projeto social humanista foi substituído pela reverência ao pensamento técnico, pois
Prestes Maia passaria a atuar como um gerente de obras. Neste governo municipal houve,
desta maneira, uma submissão da técnica à política, correspondente ao posicionamento
subalterno de Prestes Maia frente ao regime do Estado Novo, limitando-se em termos
administrativos à execução do “Plano de Avenidas”.
Segundo Niemeyer, o lazer deixa de exercer um papel gratuito e desinteressado para
atender aos propósitos de um regime político que objetivava a disciplina moral e o
adestramento físico. Assim:
“A concepção anterior de promoção cultural através de atividades lúdicas, dá
lugar no Estado Novo à sobrevalorização do corpo físico, através da pedagogia da
Educação Física, e sua meta de formar, entreter e estimular as massas. Nesse
contexto, os Parques Infantis, Praças e Centros Esportivos dirigidos servirão para
atender a tais designos, estimulando o culto ao corpo físico, responsável por dar
suporte ao discurso de construção eugênica da sociedade. [...] uma notória
aproximação ideológica com a Alemanha nazista e o governo fascista italiano,
pelos ideólogos do regime dará o exemplo do modelo de sociedade que buscavam.
[...] adotará o modelo de propaganda nazista, de culto a personalidade e ao corpo
103
físico, provocando êxtase em multidões com eventos coletivos de grande apelo
cívico e emocional”238 .
A partir da oposição feita por Carlos Augusto Niemeyer entre o projeto modernista
que visava, apenas a democratização da cultura no país e o projeto de sociedade do Estado
Novo, no qual os parques serviam aos propósitos da obediência ao regime autoritário, pode-
se estabelecer uma oposição entre o projeto político de cidade de Anhaia Mello e Prestes
Maia. Segundo este autor:
“[...] a forte interferência sofrida pela administração municipal por parte de um
regime autoritário que determinará prioridades de investimento, onde o lazer de
massas adquire um outro objetivo. Um lazer visto do ponto de vista estratégico;
como disciplina moral e adestramento físico, e não gratuito e desinteressado. Daí a
ênfase disciplinar e utilitária, e não lúdica e cultural [...]”239 .
Ambas as propostas de lazer objetivavam algum tipo de comportamento
disciplinador, pois se no Estado Novo o interesse estava voltado ao regime político, na
administração de Fábio Prado direcionava-se à formação de cidadãos úteis à pátria e que
legitimassem uma cultura “essencialmente” brasileira. Além disso, os dois projetos de lazer
partiam do princípio de que detinham o conhecimento sobre a melhor forma de lidar com o
tempo livre das camadas populares. O que mudava eram as formas de abordagem que, no
caso modernista vinha revestida de uma preocupação com o bem estar social e com a boa
saúde física e mental do cidadão, e, num segundo momento, com o estabelecimento do
Estado Novo, aparece como um caminho para a legitimação de um regime político com o
estímulo desvelado à disciplina e ao culto ao corpo.
238 NIEMEYER, Carlos Augusto da Costa, op. cit., p.p.146-7. 239 NIEMEYER, Carlos Augusto da Costa, op. cit., p.p.150-1.
105
Considerações Finais
Jane Jacobs, em seu livro Morte e Vida de Grandes Cidades240, publicado em 1961,
oferece uma visão crítica do urbanismo norte-americano que, em certa medida, pode ser um
bom contraponto à leitura desenvolvida neste trabalho sobre a proposta de recreio ativo e
organizado de Luiz de Anhaia Mello. Jacobs analisa aspectos do urbanismo norte-
americano dentre os quais alguns estão presentes na proposta de lazer de Anhaia Mello e,
praticamente 30 anos depois, não enxerga como bem sucedida a experiência de seu país na
área do urbanismo.
Os parques urbanos deixaram de cumprir seu papel na prevenção de crimes, um dos
objetivos do lazer dirigido, para se tornarem, de acordo com esta autora, lugares propícios à
criação e circulação de uma cultura criminosa. Ao contrário das ruas, cheias de pessoas e
movimentação, os parques, vazios na década de 60, passaram a ser lugares em que os
jovens não sofriam nenhum tipo de supervisão. Desta forma, ela critica os urbanistas que
viam nas ruas um espaço propício para o desenvolvimento de patologias sociais.
A crítica do urbanismo adepto a trazer a natureza para o espaço da cidade é ainda
mais contundente. Em relação à teoria urbanística de Ebenezer Howard, considera que ele
abordou o planejamento urbano “[...] como um cientista de ciências físicas analisando um
problema simples de duas variáveis [a moradia e o emprego]. A cidade como um todo era
mais uma vez considerada entre duas variáveis numa relação simples e direta entre cidade e
cinturão verde”241. Sobre a convivência dos norte-americanos com a natureza, acredita que
se trata de um relacionamento esquizofrênico, pois da mesma forma como a sacralizam no
espaço urbano, os Estados Unidos é um dos países que menos prezam pela preservação
ambiental no mundo. Sendo assim, considera que, no caso norte-americano, “A natureza,
sentimentalizada e considerada antítese das cidades, parece ser vista como constituída de
mato, ar fresco e pouca coisa mais, e o descaso absurdo resulta na devastação da natureza
mesmo que ela seja formal e publicamente preservada como objeto de estimação”242.
240 JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. Tradução Carlos S. Mendes Rosa; revisão da tradução Maria Estela Heider Cavalheiro; revisão técnica Cheila Aparecida Gomes Bailão. – São Paulo: Martins Fontes, 2000. – (Coleção a) 241 JACOBS, Jane, op. cit., p.484. 242 JACOBS, Jane, op. cit., p.496.
106
As constatações de Jacobs sobre o urbanismo norte-americano em nada se
assemelham aos objetivos humanistas acalentados por Anhaia Mello quando recorre a
experiências urbanísticas implantadas naquele país para construção dos pontos centrais de
sua proposta de lazer. Mesmo que a interpretação de Jacobs soe um pouco simplificadora,
uma vez que reduz o projeto de cidade-jardim a uma análise de variáveis, não deixa de
sinalizar os perigos e equívocos de um discurso universalizante sobre as necessidades
humanas. É importante destacar que, ao contrário de Jacobs, que escreveu num momento
em que o discurso sobre a verdade científica estava sendo problematizado, a formação
acadêmica de Anhaia Mello o guiava pelos caminhos do empirismo e da apreensão da
essência das “aspirações humanas” e dos problemas urbanos. É essa construção teórica que
estrutura um pensamento, que acreditava nas verdadeiras soluções urbanísticas e que estas
eram adaptáveis a diferentes realidades, pois as origens das questões urbanas eram as
mesmas, independentemente das diferenças culturais existentes entre a cidade que
propunha a solução e a que necessitava de ajuda.
A visão de Anhaia Mello, com suas expectativas quanto ao papel regenerador da
natureza no espaço urbano e dos efeitos do planejamento urbano na formação cultural do
indivíduo, esteve sempre recoberta de um tom otimista no que se referia às potencialidades
humanas. Esse sentimento de necessidade da valorização dos aspectos humanos da vida nas
grandes cidades industriais o aproximou da Sociologia Urbana norte-americana, com suas
discussões sobre os impasses da sensibilidade do homem metropolitano frente a seu
cotidiano, e o fez defender a adequação do espaço urbano às necessidades humanas, com o
planejamento urbano pensado a partir de uma de “escala humana”.
Em contrapartida, esse discurso de socialização dos efeitos do “bom urbanismo” a
todas as áreas da cidade, principalmente aos bairros industriais, se embasava em uma
política assistencialista que tomava as camadas populares como incapazes de conduzir suas
próprias vidas. O sistema de lazer preventivo do “mau cidadão” é bastante representativo de
um pensamento, ao mesmo tempo, sensibilizado diante de uma construção imagética da
cidade que escapava à lógica racional da ciência, e voltado a todo um campo de discussão
conceitual sobre como lidar com problemas, cujos aspectos, em maior ou menor medida,
eram caracterizados como inéditos e/ou ameaçadores em projeção futura.
107
Anhaia Mello, em todos artigos analisados neste trabalho, mostrou seu empenho em
manter-se atualizado em sua área de conhecimento, afirmou enfaticamente seu recurso
metodológico de recorrer a escolhas urbanísticas já experimentadas e “bem sucedidas” e
tomou para si a missão de defender, entre os especialistas brasileiros, as lições do
urbanismo em “escala humana”. Acreditava que o bom urbanista deveria ter a capacidade
de prever o agravamento de problemas urbanos, devido a isso, considerava que os espaços
verdes dedicados ao lazer organizado aumentariam sua importância social num futuro
cenário de agravamento do crescimento populacional das grandes cidades.
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