A ATUAÇÃO DO TRADUTOR E INTERPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS E A IMPORTÂNCIA DA PEDAGOGIA VISUAL NA INCLUSÃO DE ALUNOS SURDOS
Liliam Herminia Ramos1
Elisabeth Rossetto2
Resumo: A pedagogia visual e a educação bilíngue constituem estratégias fundamentais na escolarização de alunos surdos. Para o processo de inclusão escolar contamos com diversos profissionais como: professores, agentes educacionais, pedagogos e os tradutores e intérpretes da língua de sinais (TILS). Com base na experiência da autora desse texto como TILS foi desenvolvido o projeto de intervenção pedagógica de formação continuada elaborado a partir dos requisitos do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), com o objetivo de contribuir com meios alternativos que auxiliem a inclusão de alunos surdos. Esta intervenção foi desenvolvida com agentes educacionais, professores e pedagogo do Colégio Estadual Bartolomeu Mitre, em Foz do Iguaçu. Como resultado deste trabalho pode-se perceber a importância da articulação entre estes diversos profissionais para a consolidação de uma escola inclusiva. Palavras-chave: Tradutor intérprete de língua de sinais; educação bilíngue; pedagogia visual.
THE EXPERTISE THE TRANSLATOR AND INTERPRET THE LANGUAGE OF SINGS AND THE IMPORTANCE OF PEDAGOGY IN VISUAL INCLUSION OF DEAF STUDENTES Abstract: The visual pedagogy and bilingual education are key strategies in the educability of deaf students. For effectiveness in school enrollment, are added, the work of education of deaf children, many professional as: teachers, educational agents, professional of pedagogy and translators and interpreters of sing language (TILS). Based on the author´s experience as a project was developed TILS intervention continuing education drawn from the requirements of the Educational Development Program (PDE), in order to contribute to alternative means to assist the inclusion of deaf students. This intervention was developed with educational institutions, teaches and teacher in State College Bartolomeu Mitre, in Foz do Iguaçu. As a result of this work, we can realize the importance of coordination among these professionals for the consolidation of an inclusive school. Keywords: translator and interpreter of sing language, bilingual education, visual pedagogy.
1Professora PDE
2Orientadora PDE, Professora Efetiva da UNIOESTE campus de Cascavel, formação em psicologia com
mestrado e doutorado em educação/educação especial.
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo expor os resultados e as reflexões
advindos do projeto de intervenção pedagógica elaborado para atender os
requisitos do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) do Estado do
Paraná. A experiência a ser relatada é oriunda do trabalho realizado como
Tradutora e Intérprete de Língua de Sinais (TILS) com professores, equipe
pedagógica e funcionários de uma escola na rede estadual da cidade de Foz
do Iguaçu, Colégio Estadual Bartolomeu Mitre, em parceria com o Núcleo
Regional de Educação e a Federação Nacional de Educação e Integração dos
Surdos (FENEIS), no contexto do programa de formação continuada
desenvolvido pela Secretaria de Estado da Educação (SEED). Esta intervenção
adotou como referencial teórico autores que se ocuparam a debater a
educação de surdos em uma perspectiva sócio-historica, dos quais
destacamos Rosetto (2009) Fernandes (2007), Quadros e Karnopp (2004),
Campelo (2008) e Skliar (1999), entre outros. Foram realizadas um conjunto de
atividades como: grupo de estudo, debates, pesquisas, leitura de textos,
palestras, depoimentos e análise de filmes, a fim de desmistificar concepções
sobre a surdez, aprofundar os conhecimentos dos participantes sobre a
educação bilíngüe para surdos e enriquecer a prática pedagógica dos
professores por meio de alternativas teórico-metodológicas, como a Pedagogia
Visual, para a inclusão de alunos surdos.
UM CAMINHO À INCLUSÃO DE ALUNOS SURDOS
A educação das crianças surdas nem sempre foi realizada nos
parâmetros da inclusão escolar, a educabilidade dessas crianças foi sempre
considerada historicamente caracterizada por um processo em que esses
sujeitos foram considerados incapazes e destituídos de racionalidade em
função de seu impedimento de ouvir e, consequentemente se apropriar da
linguagem oral.
A ausência da audição e da fala foram associadas à falta de inteligência,
sendo assim, a educação de surdos foi resumida ao treinamento da fala e da
leitura labial, na perspectiva que Sánchez (1990) denominou medicalização da
surdez.
Em suas palavras:
medicalizar a surdez significa orientar toda a atenção à cura do problema auditivo, à correção de defeitos da fala, ao treinamento de certas habilidades menores, como a leitura labial e a articulação, mais que a interiorização de instrumentos culturais significativos, como a língua de sinais (SÁNCHEZ, 1990, p. 75).
A filosofia educacional que enfatizou essa perspectiva foi o Oralismo,
que fortaleceu suas bases durante os séculos XVIII e XIX, por meio de práticas
individuais de reabilitação oral de surdos herdeiros da nobreza, com o objetivo
de perpetuar o poder político e econômico de classe dominante. Nesse
contexto, foram aperfeiçoadas técnicas e metodologias de oralização dos
surdos e o emprego de tecnologias para reabilitação da audição, as quais
foram proibidas qualquer forma de comunicação visual/gestual, chegando a
ocorrer a amarração ou mutilação das mãos, perfuração de ouvidos e criação
de instrumentos tecnológicos que pretendiam interligar o ouvido às cordas
vocais.
Nesse período, a relação educação especial/educação regular se
materializava nas orientações em que os professores recebiam para ensinar
crianças surdas em suas turmas que se baseavam numa crença equivocada de
que todos os surdos poderiam fazer a leitura labial com facilidade, acreditando
que os conteúdos eram plenamente assimilados. O Oralismo perdurou como
filosofia educacional predominante desde 1880 a meados de 1960, fazendo
com que toda a escolarização dos surdos, bem como o acesso ao
conhecimento (informal ou científico) fosse dependente de sua capacidade de
oralização, o que, na maioria dos casos, não acontecia.
Apesar de todos os esforços empreendidos, o Oralismo não respondeu
de forma satisfatória às necessidades das pessoas surdas e, no final do século
XX, não conseguiu sustentar por mais tempo a infinidade de fracassos de seus
fundamentos, atitudes e procedimentos. O maciço fracasso educacional dos
surdos e a impossibilidade de inserção real na sociedade, de forma ativa, foram
alguns dos fatores que desestabilizaram esse modelo de atendimento
(SÁNCHEZ, 1990).
Em função desse fracasso generalizado, a partir da década de 1980,
estudos antropológicos, (psico) lingüísticos e da pressão dos movimentos
sociais, sobretudo nos Estados Unidos, houve uma mudança de perspectiva
nas políticas educacionais para surdos.
Nossa argumentação, para o desenvolvimento do referido trabalho,
fundamenta-se nas reflexões desenvolvidas por Vigotski nas décadas de 1920-
1930, quando o pesquisador soviético desenvolve o conceito de compensação
social, segundo o qual, a deficiência pode ser superada através de estimulação
adequada.
Vigotski (1983 apud ROSSETTO, 2009) afirmava que o defeito é o ponto
de partida que impulsiona a compensação. Assim, entendemos que a
deficiência não deve ser vista apenas como um impedimento, mas também
como desencadeadora do desenvolvimento. Obviamente, para que isso
aconteça, o grupo social em que está inserido o sujeito deve proporcionar
alternativas para o sujeito compensar suas dificuldades.
[...] entende-se que o mecanismo de compensação não é uma relação de substituição das funções comprometidas por outras, mas caracteriza-se como uma possibilidade encontrada pelo sujeito de percorrer outros caminhos para conviver consigo mesmo e com a sociedade. O princípio da compensação pode ser explicado como aquele no qual o sujeito envolve-se na vida social, coletiva e em processos que favorecem o desenvolvimento das atividades cognitivas superiores, independentemente dos problemas primários que marcam sua história (ROSSETTO, 2009, p.48)
O fato de possuir uma deficiência gera uma incapacidade real, mas não
necessariamente um impedimento para realizar atividades comuns a qualquer
sujeito, desde que a sociedade organize e disponibilize suportes e apoios para
superar os limites impostos por essa condição inicial.
O conceito de deficiência, portanto, é contingencial e decorre de normas
e expectativas oriundas de condições econômicas, arquitetônicas, materiais e,
sobretudo, atitudinais (valores éticos e morais) presentes no grupo ao qual
pertence esse sujeito, oferecendo-lhe, ou não, igualdade de condições para a
aprendizagem e participação (FERREIRA; GUIMARÃES, 2003).
No que se refere às políticas educacionais para surdos, a partir da
década de 1990, os sistemas educacionais buscam reparar a dívida histórica
com a comunidade surda, em que suas diferenças foram ignoradas, para o
resgate de direitos humanos e o reconhecimento da diversidade que
caracteriza sua situação lingüística: a identificação com a comunicação visual e
a língua de sinais.
A política de inclusão, neste contexto, passa a compreender a escola
como uma instituição que assegura o direito à educação para todos e
reconhece que esse direito é fundamental para a aprendizagem e participação
na vida comunitária. Desse modo, explicitar os fundamentos dos direitos
humanos e conceitos de cidadania expostos na atual política educacional
inclusiva deve pautar a nossa reflexão.
Desde a década de 1990, a escola regular passa a incorporar as
preocupações próprias do atendimento educacional especializado, buscando
alternativas para atender alunos com necessidades educacionais especiais,
dentre eles, os surdos.
Na década de 2000, a educação especial foi regulamentada, entre
outros documentos publicados anteriormente, pelas Diretrizes Nacionais de
Educação Especial para a Educação Básica (BRASIL, 2001), na qual se
reafirmou a tendência para que alunos com necessidades educacionais
especiais estudem, preferencialmente, na escola comum, com mudanças nos
projetos político-pedagógicos para atender as suas diferenças e necessidades
individuais.
No ano de 2008, o Ministério da Educação/Secretaria de Educação
Especial apresenta a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva
da Educação Inclusiva, documento elaborado por um grupo de pesquisadores
da área, na qual são apresentados os seguintes objetivos:
[...].assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, orientando os sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do ensino; transversalidade da modalidade de educação especial desde a educação infantil até a educação superior; oferta do atendimento educacional especializado; formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão; participação da família e da comunidade;acessibilidade arquitetônica,nos transportes,nos mobiliários,nas comunicações e informação; e articulação intersetorial na implementação das políticas públicas (BRASIL, 2008, p. 13).
Neste e em outros documentos legais está claro à inclusão das pessoas
com necessidades educacionais especiais no ensino regular, mas isso não
significa que as instituições de ensino atendam e garantam uma educação que
fortaleça a participação plena dos alunos, por meio de oportunidades efetivas
do desenvolvimento de suas potencialidades. Desse modo, é necessário criar
alternativas que visem à adoção de propostas inovadoras que venham
contemplar a aquisição dos conhecimentos pedagógicos por esses alunos,
respeitando suas diferenças.
A intervenção de formação continuada realizada, baseada na educação
bilíngüe por meio da pedagogia visual, constitui-se como um possível
“caminho” para professores e equipe pedagógica avançarem na proposta
formal de educação e realizarem ações mais concretas que viabilizem a
educação de alunos surdos.
A EDUCAÇÃO BIBLINGUE E A PEDAGOGIA VISUAL
No Brasil, motivados pelos movimentos Surdos em nível mundial, grupos
brasileiros passaram a reivindicar a garantia da comunicação e do acesso ao
conhecimento mediado pela língua de sinais, nos diferentes segmentos sociais,
principalmente nas instituições de ensino, como um dos direitos
imprescindíveis ao reconhecimento de sua cidadania bilíngüe (FERNANDES,
2006).
Essa realidade exigiu mudanças não apenas nas políticas de formação
inicial e continuada de professores, mas também nas práticas pedagógicas até
então desenvolvidas. Este contexto serviu de base para elaboração de uma
política educacional que levasse em consideração a diferença lingüística dos
surdos – a comunicação prioritária em Libras – isso exigiu mudanças na
organização dos sistemas de ensino, a partir da década de 2000, por meio da
implantação da educação bilíngüe como requisito a sua inclusão.
O bilingüismo para surdos pode ser sintetizado como uma situação
lingüística em que a Libras assume o papel de primeira língua na interação e
aprendizagem, seguida do aprendizado do português como segunda língua.
São muitos os pesquisadores surdos, na atualidade, a defender a
necessidade de uma educação de qualidade para os surdos, ressaltando a
importância da língua de sinais nesse processo. A surda, doutora em Educação
Karin Strobel (apud FERNANDES, 2007) em suas narrativas sobre sua
trajetória educacional, conta que sempre estudou em escolas regulares com
professores que não sabiam se comunicar com os surdos, privando-os dos
conteúdos mais complexos e fazendo com que copiassem as atividades do
quadro sem compreensão. Para a autora, a inclusão escolar significa ter direito
à educação bilíngüe, o que denota dar centralidade à língua de sinais como
língua de instrução, seguida da aprendizagem do português como segunda
língua. Para Fernandes e Rios (1998) o bilingüismo não deve ser encarado
como um novo método de educação, mas uma proposta educacional onde o
bilingüismo atua como uma possibilidade de integração do indivíduo ao meio
sociocultural a que pertence, ou seja, às comunidades de surdos e de ouvintes.
Assim:
Educar com bilingüismo é “cuidar” para que, através do acesso a duas línguas, se torne possível garantir que os processos naturais de desenvolvimento do indivíduo, nos quais a língua se mostre instrumento indispensável, sejam preservados. Isto ocorre através da aquisição de um sistema lingüístico o mais cedo e o mais breve possível, considerando a Língua de Sinais como primeira língua (FERNANDES E RIOS, 1998)
A partir dessa base lingüística, eles podem aprender a ler e escrever o
português, na modalidade escrita, como segunda língua, com apoio
especializado para complementação curricular. Em relação à segunda língua –
o português – é comum as pessoas acreditarem que os surdos se comunicam
através da escrita e a compreendem como as pessoas que ouvem. Isso não é
verdade, pois o que acontece na maioria das vezes é que, quando se trata de
aquisição da linguagem, devemos ter claro que o desenvolvimento de crianças
surdas no que diz respeito ao ambiente lingüístico é muito diferente do contexto
das crianças ouvintes, visto que a família cumpre papel essencial nesse
processo.
O ambiente familiar proporciona as primeiras interações comunicativas,
vínculos afetivos que estabelecem as bases para o desenvolvimento de uma
personalidade sadia e positiva na infância. A criança, aos poucos transforma
essas interações em significados compartilhados socialmente. No entanto,
segundo a pesquisadora Myrna Salermo (apud FERNANDES, 2007) 90% das
crianças surdas nascem em famílias ouvintes que desconhecem a língua de
sinais, o que dificulta a interação e o desenvolvimento lingüístico impedindo
assim que elas formem seus conceitos.
De acordo com Fernandes (2006), “crianças que ouvem recebem
informações e interagem pela fala, que vão aprendendo naturalmente, tanto no
ambiente familiar como nas creches e pré-escolas”, já com as crianças surdas,
isso não acontece, pois elas não possuem a possibilidade de compartilhar uma
língua comum no ambiente familiar. Quando vão para escola, às vezes,
tardiamente, é que se inicia o ambiente linguístico com seus pares surdos que
desenvolvem a língua de sinais de forma não artificial. Crianças que ouvem
têm o português como língua materna, já que seus pais se comunicam com
ela, muito antes que ela entenda uma palavra sequer, nessa língua. À medida
que vão crescendo, ouvem muitas conversas na família e, mesmo que não
saibam dizer uma palavra, entendem muitas das coisas que lhe são ditas
diariamente. Aprendem nomes de pessoas, objetos que cercam seu cotidiano,
constroem hipóteses sobre o mundo que as cerca, aprendem limites e regras
sobre o que é certo e errado, o que podem e não podem fazer, em
determinadas situações. Ou seja, são as primeiras lições para conviver em
sociedade, fazer amigos, ser aceito pelo grupo.
Como a grande maioria das crianças surdas são filhas de pais não
surdos e como estão impedidas de aprender a falar o português naturalmente,
devido ao impedimento auditivo, em casa gestos naturais são criados para a
comunicação do dia-a-dia, porém esses gestos não substituem a importância
de uma língua.
Nesse contexto, nos deparamos nas salas de aula com surdos em
diversas situações: os que desconhecem a língua de sinais, os que se recusam
a aceitar o tradutor e intérprete de Libras, os que fazem leitura labial, mas não
entendem o conteúdo, os que desenvolveram a fala e se comunicam pela
oralização, os que são alfabetizados, os que não lêem, enfim diferentes
identidades.
De acordo com Perlin (1998a, p. 72), “as diferentes identidades surdas
são bastante complexas, não podendo os surdos ser considerados como um
grupo homogêneo, sem diversidades”. Perlin (1998b) afirma que a perda
auditiva é um fato secundário na definição das identidades surdas, pois a
principal manifestação de identificação na comunidade é sua possibilidade de
estabelecer vínculos com a realidade social por meio da comunicação visual e
o domínio da língua de sinais.
Essas considerações sobre o desenvolvimento lingüístico das crianças
surdas são muito importantes para o debate de sua inclusão educacional, pois
é esse desenvolvimento que, por vezes é desconsiderado em suas relações no
contexto escolar.
O fato de a língua de sinais ser adquirida de forma tardia – geralmente
na escola – interfere significativamente no aprendizado da língua portuguesa,
uma vez que não há uma base linguistica consistente para o aprendizado da
segunda língua.
Nesse sentido, observamos uma grande lacuna na alfabetização de
crianças surdas em relação às crianças ouvintes. O ambiente lingüístico da
criança ouvinte é a base que será sistematizada na escola, enquanto que com
a criança surda, a base do seu ambiente não se desenvolve espontaneamente
de acordo com suas necessidades visuais, ao ingressar na escola, a criança
surda se depara com uma infinidade de conceitos que já deveriam ter sido
vivenciados na família, essenciais às novas aprendizagens.
Ao iniciar os primeiros contatos com a leitura e a escrita, é fundamental
que haja um sistema lingüístico, cujo poder de simbolização opera para a
representação da realidade. Essa língua, a Libras- Língua brasileira de sinais,
possibilita a formação de conceitos e a compreensão da necessidade de
também aprender o português como segunda língua. Esse contato com a
Língua de sinais, desde muito cedo, é fundamental, pois, além de se sentir
acolhida, a criança surda desenvolve o sentimento de pertencimento, de
identificação com seus pares, tão necessários ao fortalecimento de sua
identidade surda.
A educação inclusiva demanda uma reorganização do trabalho escolar e
a ajuda mútua entre profissionais que, historicamente, trabalharam
desarticulados: os professores da educação regular e da educação especial.
Esse processo é complexo e necessita da mobilização coletiva e da disposição
para dialogar, confrontar idéias e valores, compartilhar experiências e produzir
novas práticas.
Nesse contexto, surge um novo elemento mediador no processo ensino -
aprendizagem – o tradutor e intérprete de língua de sinais – TILS – que passa
a ser um apoio especializado importante na definição das políticas de inclusão
escolar de surdos. A mediação desse profissional, a partir dos anos 2000,
passa a ser garantida legalmente e necessária para a realização da educação
bilíngüe e efetivação da inclusão escolar (BRASIL, 2000; 2001; 2002; 2005).
Nesse sentido, a presença do intérprete de Libras como mediador entre
professor/aluno e a adoção de estratégias metodológicas adequadas são
fundamentais para facilitar a comunicação/interação e a compreensão dos
alunos surdos.
O tradutor e intérprete de Libras é um profissional bilíngüe (língua de
sinais/língua portuguesa) que atua na interpretação/tradução dos conteúdos
curriculares e atividades acadêmicas, envolvidas na escola. Sua função
principal é a de permitir o acesso às informações veiculadas, principalmente,
em sala de aula, no mesmo nível e complexidade que as recebem os demais
alunos. Sua atuação está regulamentada pelo Decreto Federal 5626/05 e os
programas de formação e qualificação desse profissional são ainda precários.
Aliados ao trabalho do profissional intérprete são necessárias práticas
pedagógicas que contemplem a comunicação visual (língua de sinais, gestos
naturais, dramatização, mímica, desenho, ilustrações, fotografias, escrita,
tecnologia, leitura labial e etc.) como forma privilegiada na interação,
favorecendo as experiências de aprendizagem (FERNANDES, 2007;
CAMPELLO, 2008).
Nesse sentido novas práticas com essa perspectiva vêm sendo
defendidas e desenvolvidas no espaço escolar com o objetivo de “consolidar
uma situação de bilingüismo, em que a língua de sinais seja mediadora no
acesso às atividades escolares, e a língua portuguesa seja aprendida como
uma segunda língua” (FERNANDES, 2007, p. 38).
Para tanto, no intuito de contribuir com subsídios teórico-metodológicos
à inclusão de alunos surdos no contexto regular de ensino realizamos o
referido trabalho para professores, funcionários e equipe técnico-pedagógica
em uma escola pública de Foz do Iguaçu - PR. O projeto vincula-se as
vivências decorrentes de ser mãe de uma pessoa surda, da experiência
docente de vários anos com crianças surdas e, atualmente, da prática
profissional como TILS. Todas essas facetas, aliadas ao processo de
aprofundamento teórico-metodológico contextualizam essa ação que pretende
ser um aporte aos profissionais da educação, no sentido de construir e
socializar novas representações sobre a surdez e os surdos, favorecendo seu
processo de inclusão escolar e social.
PROPOSTA DE INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA
O projeto pedagógico desenvolvido se propôs a realização de um estudo
com profissionais em educação do Colégio Estadual Bartolomeu Mitre, em Foz
do Iguaçu – PR. Seu objetivo foi aprofundar conhecimento sobre os
fundamentos da educação bilíngüe para surdos, contribuindo para a
formulação de práticas pedagógicas inovadoras que contemplem suas
necessidades visuais na interação e aprendizagem.
As atividades desenvolvidas contemplaram um grupo de estudo com
debates, pesquisas, leitura de textos, palestras, depoimentos, análise de filmes,
dentre outras possibilidades. O foco foi à desmistificação das concepções de
surdez como deficiência e a compreensão de que a comunidade surda constitui
uma minoria linguística, necessitando de propostas educacionais, culturais e
sociais que assumem como princípio um currículo pautado na educação
bilíngue: Libras e Língua Portuguesa.
O projeto foi desenvolvido em quatro módulos com o objetivo de
contemplar a contextualização e historicização do problema, e enfocar a
importância do biliguismo, o papel do profissional intérprete e de práticas
pedagógicas visuais que auxiliem alunos surdos no processo ensino-
aprendizagem.
a) Caracterização dos participantes, intervenção e metodologia de trabalho.
O Colégio Estadual Bartolomeu Mitre, onde foram realizadas as
atividades, conta com cerca de quarenta alunos surdos, matriculados no ensino
fundamental e médio, e com o apoio especializado de seis tradutores
intérpretes de Libras.
O desenvolvimento deste trabalho foi feito com onze agentes
educacionais, sete professores um pedagogo e dois intérpretes. A participação
dos profissionais deu-se de acordo com a disponibilidade de horários dos
mesmos.
O Grupo de Estudo foi organizado em quatro (4) encontros com quatro
horas (4h) de duração cada, iniciando no mês de setembro e término para
novembro de 2011. Desta carga horária, dezesseis horas-aulas (16h/a) foram
presenciais e oito horas-aulas (8h/a) à distância para leitura de textos, sendo
contabilizadas vinte e quatro horas-aulas (24h/a).
A proposta de intervenção pedagógica objetivou que a contribuição dos
conhecimentos apreendidos, as práticas pedagógicas e as estratégias
metodológicas adotadas pela escola pudessem contemplar necessidades dos
alunos surdos no contexto inclusivo.
No primeiro módulo –
Desmistificando a surdez como deficiência procurou-se apresentar uma
narrativa histórica sobre as concepções de surdez com a intenção de superar
com os participantes os mitos e preconceitos em relação ao desenvolvimento e
aprendizagem de alunos surdos compreendendo as relações entre concepção
de surdez e práticas escolares, nos diferentes momentos históricos. Para tanto,
foi realizado como encaminhamento metodológico uma série de atividades com
de forma dialogada com os participantes. Como exemplo, foi exposta a questão
A surdez é uma deficiência? E para responder a esse questionamento iniciou-
se as definições de surdez e deficiência. Para a compreensão da Surdez ao
longo da história, foi apresentado a concepção tradicional e hegemônica da
surdez enquanto uma incapacidade em uma retrospectiva no tempo que
remontou à antiguidade, passando pela medievalidade e idade moderna. Neste
módulo, foram trabalhadas ainda as origens históricas do oralismo e a
substituição deste pelo método gestual.
Foram feitos apontamentos para reflexão e discussão com o grupo de estudo.
Ao final foram propostas atividades avaliativas para os participantes e leituras
para aprofundamento da temática.
O segundo módulo -
Destacando a importância da língua de sinais, teve o objetivo de
aprofundar conhecimentos sobre a Língua brasileira de sinais – LIBRAS e suas
implicações para o desenvolvimento linguístico, cognitivo e social das pessoas,
procurando reconhecer que ela oferece às pessoas surdas informações e
conhecimentos necessários ao seu desenvolvimento e inclusão em diversos
contextos sociais. Com este intuito foi realizado uma exposição dialogada
sobre a diferença entre língua de sinais e linguagem de sinais, valorizando a
LIBRAS e outras línguas sinalizadas como autônomas na comunicação e
desenvolvimento do psiquismo da criança surda. Foi explicado também sobre o
alfabeto manual procurando proporcionar a compreensão dos participantes que
a LIBRAS é muito mais ampla e complexa.
No terceiro módulo -
Analisando o papel do intérprete, foi debatido o papel do intérprete como
profissional especializado no processo de inclusão dos alunos surdos. Para
tanto foi destacada o papel deste profissional no contexto escolar e
especificaram-se as diversas abordagens e nuances das atribuições e papéis
do intérprete. Encaminhou-se a exposição sobre o tema, de forma dialogada
com os participantes, assim como a leitura e debate com referência no texto
construído pela mediadora do grupo para esse fim.
E por fim, o quarto módulo -
Refletindo uma proposta bilíngue para surdos, propôs
encaminhamentos metodológicos para contemplar às necessidades linguísticas
e visuais de alunos surdos no processo ensino-aprendizagem, destacando os
conceitos de bilíngüe e bilinguismo como proposta educacional para alunos
surdos. Aprofundou-se os conhecimentos sobre fundamentos da educação
bilíngue para surdos, com o intuito de contribuir para a formulação de práticas
pedagógicas inovadoras que contemplem suas necessidades visuais na
interação e aprendizagem.
Ainda foram expostas as seguintes sugestões: Mímica/dramatização são
estratégias visuais possíveis na comunicação.
Desenhos/ilustrações/fotografias auxiliam no esclarecimento de
conteúdos e temas tratados nas aulas expositivas e textos escritos. A pista
visual enriquece o conteúdo e é um recurso que contribui para a memória
visual dos alunos.
a) Tecnologias da comunicação (vídeo/TV, retroprojetor, computador,
slides, internet, blogs, etc.) desde que disponíveis na escola, são
instrumentos adequados para trazer para o contexto de sala de aula
temas e conteúdos de ordem mais abstrata. Em relação aos vídeos, a
preferência é de filmes legendados, o que facilita a compreensão das
imagens pelos surdos.
b) Escrita apresenta-se como uma possibilidade de registro visual, é a
mais utilizada como apoio em uma exposição oral, porém é necessário
que essa escrita seja clara e legível.
Outras possibilidades são os roteiros, esquemas, tabelas, palavras-
chave, mapas mentais, linha do tempo, indicação de sinonímias, expressões
idiomáticas, entre outras.
A seguir, algumas sugestões de aulas visuais:
Fonte: <http://eb23cmat.prof2000.pt/sala/fazer/fazesquemas.html>
Fonte: <http://ogatoquecomeorato.blogspot.com/2011/04/site-da-historia-da-arte-dica-para.html>
Fonte: <http://osianderschaff.blogspot.com/2009/11/sala-de-leitura.html>
Fonte: <http://osianderschaff.blogspot.com/2009/11/sala-de-leitura.html>
Seguindo o caminho dos módulos anteriores, foi exposto inicialmente a
temática e em seguida abriu-se para diálogo, debate com a intenção de
provocar a reflexão nos participantes do grupo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste artigo procuramos expor os resultados e reflexões
advindas de uma experiência teórica e prática como trabalho de tradutora e
intérprete de língua de sinais (TILS) com professores, equipe pedagógica e
funcionários de uma escola na rede estadual. Esta intervenção objetivou a
realização de um conjunto de atividades que para o enriquecimento da prática
pedagógica dos professores e demais participantes no que se refere a
inclusão escolar dos alunos surdos.
Entende-se que a criança surda deve ser compreendida a partir de suas
especificidades comunicativas e cognitivas, entretanto, estas necessidades
educacionais não devam ser compreendidas como uma limitação, mas sim,
como uma condição humana diferenciada, que cria diversas identidades que
devem ser respeitadas e potencializadas no contexto educacional.
A Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) pode ser um caminho, um meio
pelo qual a criança surda poderá expressar e manifestar sua subjetividade,
bem como produzir interações e trocas sociais e pedagógicas em um meio
onde a educação bilíngüe e a pedagogia visual seja útil para elas, mas também
de integração do indivíduo ao meio sociocultural, às comunidades de surdos e
de ouvintes.
O profissional intérprete constitui-se nesse processo como um mediador
para a comunicação visual e como conseqüência para inclusão educacional da
criança surda no contexto escolar e em demais situais sociais.
Sabe-se, contudo, que o intérprete não se constitui a única e definitiva
possibilidade para escolarização de alunos surdos, visto que este trabalho deve
estar associado a outras propostas pedagógicas, como as descritas
anteriormente e tantas outras discutidas na proposta de intervenção relatada
neste artigo.
Outro elemento importante a ser destacado é que este trabalho teve
como objetivo propiciar a integração e articulação do conhecimento e prática do
profissional intérprete com outros profissionais da escola, como agentes
educacionais, professores e pedagogos. Este intercâmbio entre teoria e prática
e entre os conhecimentos e fazeres de todos os profissionais citados
enriquecem e proporcionam condições a escolarização das crianças surdas.
Assim como, oportunizou dar destaque a novos entendimentos referentes à
surdez que enfatizam os caminhos à inclusão sem se limitarem as dificuldades
existentes na educação de crianças com especificidades como é no caso da
surdez.
Observando questões mais amplas, este trabalho possibilitou também,
por meio do PDE, o retorno a universidade e a discussão entre colegas e
professores contribuindo para a transformação da rede pública de ensino e o
crescimento profissional dos participantes desse processo.
REFERÊNCIAS
BERBERIAN ,A .P; MORI-DE ANGELIS,C.C.; MASSI G.; Letramento. Referências em saúde e educação.São Paulo: Editora Plexus, 2006
BOTELHO, P. Linguagem e letramento na Educação dos surdos.Ideologias e práticas pedagógica.Belo Horizonte:Editora Autêntica,2005
BRASIL. Lei n. 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 20 dez. 2000. p. 2. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=231344>. Acesso em: 09 ABR. 2011.
BRASIL. Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 25 abr. 2002. p. 23. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=234606>. Acesso em: 09 abr. 2011.
BRASIL. Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei n. 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 23 dez. 2005. p. 28. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=253539>. Acesso em: 09 abr. 2011.
BRASIL. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, de 07 de janeiro de 2008. Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho da Política Nacional de Educação Especial. Acesso em: 01 mar. 2012.
FERNANDES, E; RIOS, K.R. Educação com bilingüismo para crianças surdas. Rio de Janeiro, INTERCÂMBIO, vol.VII, 1998 (pp13-21).
FERNANDES, S.; STROBEL, K. L. Aspectos lingüísticos da Língua Brasileira de Sinais – Libras. Curitiba: Seed/Sued/DEE, 1998.
FERNANDES,S. Educação de surdos.Curitiba: Editora Ibpex, 2007
FERREIRA, M. E. C.; GUIMARÃES, M. Educação inclusiva. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
GUARINELLO, A.C. O papel do outro na escrita de sujeitos surdos. São Paulo: Editora Plexus
PERLIN, G. Identidades surdas. In: SKLIAR, C. (Org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças p. 52-73. Porto Alegre: Mediação, 1998a.
PERLIN,G.Identidades surdas.Porto Alegre: Editora Mediação,1998b.
QUADROS, R. M.; KARNOPP L. B. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Editora Artmed, 2004.
ROSSETTO, E. Sujeitos com deficiência no ensino superior: Vozes e significados. Porto Alegre: UFRGS, 2009. Tese (Doutorado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2009. SÁNCHEZ, C. La increible y triste historia de la sordera. Caracas: Ceprosord, 1990.
Top Related