Paper n.º .../.../iLab/Cedis/2015
A aproximação da Administração Fiscal aos contribuintes
O Contrato Fiscal enquanto figura jurídica
instrumentalizadora do imposto
Tiago Manuel Casquinho Teixeira
Citação como: TEIXEIRA, Tiago. A aproximação da Administração Fiscal aos contribuintes. O
Contrato Fiscal enquanto figura jurídica instrumentalizadora do imposto. Paper n.º 1/ IJW/iLab/Cedis/2015, disponível em http://ilab.cedis.fd.unl.pt/workingpapersjunior/
Dezembro de 2015 ISSN 2184-0970
Paper n.º 1/IJW/iLab/Cedis/2015
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A APROXIMAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO FISCAL AOS CONTRIBUINTES O CONTRATO FISCAL ENQUANTO FIGURA JURÍDICA INSTRUMENTALIZADORA DO IMPOSTO
TAX ADMINISTRATION COMES CLOSE TO TAXPAYERS HOW TAX DEALS CAN FUNCTIONALIZE TAXES AS AN INTERESTING REALITY FOR TAXPAYERS
Tiago Manuel Casquinho Teixeira1-2
RESUMO
Os contratos fiscais têm vindo a assumir-se como uma figura jurídica
instrumentalizadora do imposto, motivando o cumprimento fiscal pelas vias da cooperação e da negociação, enquanto estímulos à adesão ao
imposto da parte dos contribuintes, em relação à Administração Fiscal.
Esta, tem vindo, cada vez mais, a adaptar-se a um modelo de atuação
assente numa lógica de cooperação e diálogo entre o ente público e os particulares, no que concerne a tributação do rendimento das pessoas
coletivas. Esta instrumentalização do imposto tem como finalidade a
prossecução de objetivos de política económica e fiscal, entre os quais a
adesão ao cumprimento fiscal, e consequente obtenção de maiores receitas tributárias, bem como, o fortalecimento das relações entre a
Administração Fiscal e os contribuintes. Por último, motivar o
contribuinte, enquanto agente económico, a investir ou a manter o seu
investimento, atraído pelas possibilidades que o ordenamento jurídico-fiscal lhe disponibiliza através dos contratos fiscais.
PALAVRAS-CHAVE: Administração Fiscal; Contratos Fiscais; Imposto;
Negociação;
ABSTRACT
Tax Deals are increasingly becoming a very important figure in Tax Law, by enabling a more instrumental approach of taxes, which encourages a
more fruitful relationship between taxpayers and the Tax Administration.
These kind of deals enable taxpayers to get closer to the Tax
Administration and the other way around as well. Also, they stimulate a logic of public administration based on cooperation, dialogue and
negotiation between both parties, which can create the basis to the
discovery of common ground from which everyone can fulfill their needs.
In a certain way, these dynamics have empowered taxpayers with the ability to create their own paths within their tax obligations, in a limited
yet very significant measure, which is certainly an important factor to
motivate taxpayers for tax compliance.
KEY-WORDS: Tax Administration; Tax Deals; Taxes; Negotiation
1 Aluno do 4ºano de Licenciatura em Direito na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e Investigador-júnior do iLab – Laboratório de Ideias sobre a Inovação Social nos domínios financeiro,
tributário, da seguranças social e da economia social, pertencente ao CEDIS - Centro de Investigação
& Desenvolvimento em Direito e Sociedade. Faculdade de Direito da Universidade NOVA de Lisboa –
Campus de Campolide, 1099-032 Lisboa. [email protected] 2 Por vontade do autor, o texto é escrito utilizando o Acordo Ortográfico de 2011
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ESQUEMA DO ESTUDO
1. Enquadramento e finalidades (p. 3)
2. O caráter atípico do Contrato Fiscal enquanto instituto desvirtuador da natureza coerciva do imposto (p. 4) 2.1. Os Benefícios Fiscais decorrentes de Contrato Fiscal (p. 16)
2.2. Os Acordos Prévios sobre Preços de Transferência (p. 20) 3. O fenómeno no plano internacional: a realidade norte-americana
contraposta ao caso português (p. 25)
4. Tendências futuras sobre a atuação da Administração Fiscal na tributação das pessoas coletivas (p. 38)
1. Enquadramento e Finalidades O objetivo geral prosseguido na elaboração deste trabalho consiste em
analisar a importância do impacto que os contratos fiscais têm tido na Relação
Jurídica Fiscal. Tomámos este instituto como referência para exemplificar como,
em concreto, a Administração Pública, e, nomeadamente, a Fiscal, tem vindo a
adaptar a sua atuação no sentido de uma maior aproximação aos contribuintes,
assentando-a numa lógica de cooperação e diálogo, por forma a motivar os
contribuintes a uma maior adesão ao imposto, e dessa forma contribuir para um
maior cumprimento fiscal. Procurámos identificar e perceber alguns dos aspetos e
elementos que contribuiem para aumentar a motivação dos contribuintes em
relacionarem-se com a Administração, através das dinâmicas de negociação,
diálogo e cooperação.
Neste aspeto, devemos ter o cuidado de enquadrar este trabalho,
delimitado o âmbito dos objetivos do presente trabalho, também na temática da
extrafiscalidade e da adesão ao imposto e ao cumprimento fiscal. De facto, o
imposto sempre foi, é, e sempre será, funcionalizado como algo mais do que um
instrumento de arrecadação de receita pública. Uma tal perspetiva seria
extremamente básica e nunca sintetizaria a profundidade da realidade mais
ampla que integra o instrumento de política social e económica, que é o imposto,
4
no status quo de dimensão maior, a que os anglo saxónicos se referem como the
big picture.
O imposto é sempre um instrumento funcionalizado pelos Estados de
acordo com aquele que é o seu modelo, e com aquelas que são as suas funções
perante as sociedades que conformam. Para cada modelo de Estado, um conjunto
de valores próprios associados. Tais dinâmicas influenciarão as características
dos instrumentos e mecanismos de intervenção pública, de entre os quais o
imposto.
Por outro lado, os impostos têm uma função extrafiscal para lá da função
principal, de ordem prática, de saciar a necessidade cada vez maior de
arrecadação de receita pública. Mesmo os grandes impostos comportam princípios
e regras que denotam, na sua génese, a orientação do Legislador para um
determinado conjunto de valores prosseguidos, entre os quais, atualmente, se
identificam a economicidade, a eficiência e a justiça, tal como podemos
compreender do conteúdo das normas jurídicas do n.º1 do artigo 103.º e n.ºs 1, 3 e
4 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP), bem
como o n.º1 do artigo 5.º e os artigos 6.º e 7.º da Lei Geral Tributária (doravante,
LGT).
Com a perspetiva deste enquadramento, vamos analisar a forma como os
contratos fiscais instrumentalizam a figura do imposto, ao criarem um conjunto
de incentivos que atraíem o particular a tomar a iniciativa de se relacionar com a
Administração, e como, com isso, o sistema fiscal pode garantir uma maior adesão
ao imposto e um maior cumprimento fiscal por parte dos contribuintes.
2. O caráter atípico do Contrato Fiscal enquanto instituto
desvirtuador da natureza coerciva do imposto
Uma das razões pelas quais é necessário reformar a qualidade das
respostas do setor público, é precisamente a necessidade de adaptar os seus
instrumentos às mudanças e vicissitudes das realidades que visam afetar. O
objetivo que se prossegue é o de conseguir que o setor público obtenha a
5
capacidade de, a todo o tempo, conseguir enquadrar e conformar juridicamente as
mais recentes necessidades de cariz económico e social das comunidades e da
economia no plano nacional, em especial as que atendem ao atual quadro
socioeconómico de economia aberta e global.
Neste sentido, os contratos fiscais assumem um caráter atípico, face à
figura tradicionalmente coerciva e impositiva que é característica do imposto. No
caso dos contratos fiscais, o imposto é moldado pela vontade das partes, sendo
por estas negociado e acordado, dentro de limites próprios, estabelecidos por Lei,
aos poderes de negociação das partes e à medida de disposição dos termos do
imposto de que as partes gozam. Ao contrário do que é típico, a Relação Jurídica
Fiscal passa a assentar numa lógica-base de cooperação e diálogo entre as partes,
através da negociação, como técnica por excelência deste instituto, sendo este um
bom caso para analisar, no âmbito dos objetivos deste trabalho, uma das formas
pelas quais o setor público tem vindo a inovar, através dos seus próprios
instrumentos. Neste caso, fá-lo através da figura do imposto, uma vez que o
funcionaliza de forma atípica e inovadora, excecionando a lógica impositiva do
imposto enquanto figura representativa dos poderes coercivos do Estado (o
Estado como credor da obrigação de pagamento do imposto, impondo esta
realidade unilateralmente aos contribuintes a quem sujeita a sua incidência).
Na prática, o que se verifica é que, efetivamente, as partes partem em
paridade de condições e legitimidade para as negociações que se seguem3, onde as
entidades privadas negoceiam com a Administração Pública, ou um conjunto de
benefícios fiscais, propostos previamente através de uma minuta de Contrato
Fiscal, ou um regime fiscal motu proprio, embora ao abrigo de enquadramento
legal próprio, que sempre delimitará os termos e os poderes das partes nas
negociações, reduzindo e delimitando o alcance de disposição de quaisquer
questões mais ou menos específicas que o Legislador naturalmente deseje
salvaguardar, neste instituto.
Esta é uma questão importante do ponto de vista jurídico, porque levanta
uma questão controversa, no que respeita o princípio da legalidade fiscal. É
3 a propósito, ver NABAIS, José Casalta, Contratos Fiscais (reflexões acerca da sua admissibilidade), Coimbra, Coimbra Editora, 1994, págs. 22 a 40.
6
necessário deixar claro qual é a delimitação substantiva dos poderes que as partes
têm do imposto. O princípio, que representa o clássico ideal de no taxation,
without representation, acha-se contido nas normas dos artigos 103.º, n.º2 e
165.º, n.º1, alínea i) da CRP, em conjugação com o artigo 8.º da LGT. Na sua
componente formal, relativa à reserva de lei formal da Assembleia da República
(doravante, AR), verifica-se que apenas a AR, e o Governo com autorização desta
(artigo 165.º, n.º1, alínea i)), podem criar ou alterar legislação sobre matéria
fiscal, no que concerne – e este é o ponto que nos interessa – os designados quatro
elementos essenciais do imposto (incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias
dos contribuintes), tal como é expressamente referido no n.º2 do artigo 103.º da
CRP. Isto significa que a disposição sobre qualquer questão relacionada com
aqueles quatro elementos, feita pelas partes, e a medida e os termos dessa
disposição, dependem de autorização e conformação, previstas por Lei ou
Decreto-lei autorizado pela AR. Portanto, as matérias sobre as quais ainda existe
livre disposição das partes, por ausência de exigência de autorização legal para a
mesma, são essencialmente as que respeitam à liquidação e cobrança.
Tal como refere Filipa Mariano, “... observando o princípio da legalidade
fiscal, não parece existir qualquer impedimento relativamente à utilização da forma
contratual quanto aos elementos não essenciais dos impostos (...) A lei pode, então,
prever relativamente à cobrança e à liquidação, contratos celebrados entre a
Administração e os contribuintes, (...) que permitem que a liquidação e/ou cobrança
de impostos seja objeto de concessão a particulares, não violando estes o princípio
da legalidade fiscal.”4
De modo a concretizar este ponto, cumpre referir uma norma relevante
para a análise dos requisitos materiais e de forma dos contratos fiscais, que é a
que consta do n.º2 do artigo 37.º da LGT. Esta norma estabelece a diferença entre
os contratos fiscais que configuram alterações a elementos essenciais do imposto
e os que versam somente sobre elementos não essenciais. A alusão ao respeito
pelo princípio da legalidade, referida anteriormente, exige, portanto, que os
4 MARIANO, Filipa Neto (2011). Contratos Fiscais: Regime e Natureza. Tese de Mestrado em Direito na Área de Ciências Jurídicas Empresariais. Faculdade de Direito – Universidade Nova de Lisboa, pág. 17. (consult. 4 Out. 2015). Disponível em: <URL:http://run.unl.pt/bitstream/10362/6899/1/Mariano_2011.PDF>.
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primeiros careçam de autorização e/ou aprovação por parte da AR – ao passo que
os segundos se bastam com Decreto-Lei do Governo (doravante, DL), ou Decreto
legislativo regional, ou ainda com Decreto Regulamentar, que incida sobre um DL,
um Decreto legislativo regional, ou sobre uma lei, na parte em que altere, num
destes três tipos de diplomas legais, apenas elementos não essenciais do imposto.
Já o n.º1 deste artigo 37.º da LGT, visa garantir que os contratos fiscais que
incidem sobre benefícios fiscais estejam dependentes de termo, após o qual os
referidos benefícios caducam ou terminam por efeito de resolução do contrato,
nos termos legalmente previstos, por forma a salvaguardar o seu caráter finito e
delimitado no tempo.
Estas negociações eventualmente culminam na redução ou isenção do
montante final de imposto a pagar, beneficiando o ente público da possibilidade
de contribuir para o investimento na economia local de uma determinada região,
o que teria impacto direto na produção de riqueza nacional ou na dinamização das
pequenas comunidades regionais, o que no caso das localidades do interior do
país seria extremamente positivo pelas razões que todos conhecemos,
nomeadamente, diminuição do êxodo rural e consequente envelhecimento das
populações do interior, o que causa o enfraquecimento da dinâmica das suas
economias locais (pouco consumo, pouco investimento...), com um efeito bola de
neve difícil de reparar.
Os contratos fiscais representam isso mesmo, inovação por parte do setor
público e por parte do Legislador, constituíndo uma forma de instrumentalizar a
figura do imposto nesse sentido. Para reforçar esta ideia de cooperação, é
relevante referir o facto de que o instituto dos contratos fiscais se insere no que
no plano jurídico-científico do Direito Fiscal se designa como um fenómeno de
Gestão Privada do Imposto, ou de Privatização da Administração Fiscal. Esta
última temática estuda o conjunto de institutos jurídicos de Direito Fiscal que
comungam o facto de aproximarem o Direito Fiscal à figura de um direito misto,
onde, a par dos contratos fiscais, se referem também a autoliquidação do imposto
e a arbitragem fiscal.
O Direito Fiscal como um ramo do direito cada vez mais classificado como
um direito misto, no contexto do fenómeno da Gestão Privada do Imposto ou da
8
Privatização da Administração Fiscal, também se reporta à temática do
consensualismo fiscal, cuja perspetiva de análise foi proposta por Rita Calçada
Pires, que conclui que “O consensualismo fiscal nasce do espaço deixado pela lei
fiscal para a atuação concertada do contribuinte e da Administração Fiscal, surge
do espaço deixado para se promover a adaptação, a flexibilização e a reorganização,
por parte dos sujeitos da relação jurídica tributária”.5
Em primeira linha, esta transformação do paradigma de atuação da
Administração Fiscal visa atender à questão da adesão ao cumprimento, tendo
como plano de fundo a problemática dos fenómenos pelos quais se pratica o
incumprimento fiscal: fraude, evasão e planeamento abusivo.
Importa referir que estas três formas de incumprimento fiscal são
especialmente mais fáceis de serem engendradas por entidades profissionais,
especializadas e com capacidade financeira e estratégica para levarem a cabo este
tipo de comportamentos de forma planeada e metódica. Essas entidades são, por
isso, na sua larga maioria, grandes e médias empresas do setor privado, daí que a
construção dos mecanismos e instrumentos de negociação e cooperação à
disposição da Administração, criados pelo Legislador, seja destinada sobretudo
àquele tipo de sujeitos passivos, e não tanto para o cidadão e o seu agregado
familiar. Todavia, convém referir que existem, naturalmente, casos de
contribuintes de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, em que se
justificaria igualmente uma atuação da Administração na base do diálogo e da
negociação. Isto, pois os contribuintes de maior capacidade contributiva também
têm relativa facilidade em promover o planeamento fiscal da sua tributação
pessoal, com especial referência para a questão no plano internacional.
E é precisamente a propósito deste aspeto que devemos referir, também, a
questão dos capitais móveis, ou Dumping Fiscal, que genericamente indica o
fenómeno de deslocalização das bases tributárias por parte dos sujeitos passivos
de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (doravante, IRC) ou de
Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante, IVA), que é o que sucede quando
5 PIRES, Rita Calçada. Consensualismo Fiscal. Notas para reflexão. IN Revista FISCO (em linha), Ano XVII, n.º122/123‐124/125, Novembro de 2007. Lisboa: Lex – Edições Jurídicas, Lda. ISBN 978000005, pág. 2. (consult. 6 Out. 2015). Disponível em: <URL:http://run.unl.pt/bitstream/10362/15155/1/RitaCP_CONSENSUALISMO%20FISCAL_2007.pdf>.
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uma empresa decide transferir a sua sede, filial ou sucursal para um outro
ordenamento fiscal, as mais das vezes por razões de competitividade fiscal, uma
vez que a tributação sempre terá um peso relevante no preço final do produto.
Ora, este comportamento é legal e legítimo, podendo ser (tendencialmente)
enquadrado na modalidade de planeamento fiscal legítimo.
Todavia, como tal representa para o Estado a partir do qual a empresa se
deslocaliza uma fuga de receitas (rendimentos tributáveis), então existe mais
uma razão para investir no paradigma de negociação do imposto e de cooperação
para o estabelecimento de acordos que encontrem vantagens e benefícios para os
interesses de ambas as partes. Este fenómeno de Dumping Fiscal, pelas
particularidades da sua realidade e pela natureza dos agentes que executam estas
práticas, concerne especialmente a tributação das grandes e médias empresas.
Curiosamente, temos vindo a estreitar o escopo dos principais destinatários
destes mecanismos e instrumentos que associamos ao novo paradigma de
Administração que temos vindo a apresentar. As nossas reflexões, atendendo aos
fenómenos do incumprimento fiscal e dos capitais móveis, levaram-nos a reduzi-
los (os destinatários dos mecanismos e instrumentos pelos quais a Administração
Fiscal procede à negociação do imposto) às grandes e médias empresas. Portanto,
falamos, essencialmente, de empresas com poder económico, ou seja, do conjunto
de entidades empresariais com significativa capacidade financeira e estratégica,
ou com processos de internacionalização consolidados e flexíveis.
No contexto desta realidade, cumpre referir que o Legislador ponderou e
decidiu proceder à concretização de uma realidade prática no nosso ordenamento
jurídico-fiscal, acerca desta questão, consagrando oficialmente a figura dos
Grandes Contribuintes, que se acha contida no n.º1 do artigo 68.º-B da LGT. Esta
figura é muito recente, tendo sido introduzida em 2013, pela Lei n.º83-C/2013, de
31 de Dezembro – sendo mesmo o último preceito normativo acrescentado ao
Capítulo II - Sujeitos, na Secção II - Contribuintes e outros interessados, da LGT – e
não constituiu, decerto, nenhuma originalidade do Legislador português, algo que
é admitido no próprio preâmbulo do diploma (“... a generalidade dos países da
OCDE possui serviços que se ocupam exclusivamente do acompanhamento tributário
dos grandes contribuintes promovendo, entre outros aspetos, a assistência no
10
cumprimento voluntário das respetivas obrigações fiscais e a redução do número de
litígios de natureza fiscal.”).
No n.º1 deste artigo 68.º-B, finaliza-se referindo que o estatuto de Grande
Contribuinte justifica um acompanhamento permanente e gestão tributária, por
parte da Administração Tributária, em relação a estes contribuintes. Adiante, será
exposta uma maior concretização deste ponto, nomeadamente, quais as
implicações de ordem prática deste acompanhamento permanente e gestão
tributária. Já os n.ºs 2 e 3 deste artigo, são normas remissivas para legislação
ulterior (que concretiza o conjunto de critérios segundo os quais um determinado
sujeito passivo será considerado um Grande Contribuinte). Essa legislação acabou
por se verificar na portaria n.º 107/2013, de 15 de março, autorizada ao abrigo da
Portaria n.º 320-A/2011, de 30 de dezembro. Esta última, faz menção do contexto
de integração orgânica da Unidade de Grandes Contribuintes na Administração
Tributária (alínea ff) do n.º1 do artigo 2.º), mas não só. Por sua vez, a portaria n.º
107/2013, de 15 de março, estabelece os critérios de seleção dos contribuintes
sujeitos ao acompanhamento daquela, e é muito simples e direta, composta
somente por quatro artigos. O primeiro dos quais, é aquele que determina os
critérios, alternativos, segundo os quais um contribuinte estará sujeito ao regime.
Critérios como: “... volume de negócios superior a: (i) 100 milhões de euros,
nos casos em que exerçam atividades sob a supervisão do Banco de Portugal ou do
Instituto Seguros de Portugal; (ii) 200 milhões de euros, nos restantes casos.”; “...
Sociedades gestoras de participações sociais, constituídas nos termos do Decreto-
Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, com um valor total de rendimentos superior a
200 milhões de euros.”, e ainda “Entidades com um valor global de impostos pagos
superior a 20 milhões de euros”. Por último, critérios mais genéricos, menos
quantitativos: “Sociedades não abrangidas por qualquer das alíneas anteriores que
sejam consideradas relevantes, atendendo, nomeadamente, à sua relação societária
com as sociedades abrangidas pelas referidas alíneas”, ou “Sociedades integradas
em grupos, abrangidos pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades,
nos termos do artigo 69.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas
Colectivas, em que alguma das sociedades integrantes do grupo, dominante ou
11
dominada, seja abrangida pelas condições definidas em qualquer das alíneas
anteriores.”
De facto, conseguimos verificar que pode ser abrangido neste regime um
vasto conjunto de entidades, cuja extensão pode ser apreciada, em concreto,
observando a lista de contribuintes sujeitos ao regime, apresentada pelo
Despacho n.º 6999/2013, de 30 de Maio. Importa referir que esta lista é
temporária, sendo renovada, à luz dos critérios do artigo 1.º, a cada quatro anos,
estando por isso a decorrer, de momento, o seu primeiro ciclo, que termina em
2017, atendendo ao disposto no n.º2 do artigo 3.º da Portaria n.º 107/2013, de 15
de março.
Marta Rebelo escreveu um artigo de opinião muito interessante,
especificamente a propósito desta Unidade de Grandes Contribuintes. Em especial,
a seguinte passagem ilustra alguns dos aspetos de natureza finalística desta
figura: “Aparentemente, e ao contrário do espírito inquisitório e invasor que desde
logo se cola ao nome desta Unidade (...) o seu intento não é um maior controlo e
presunção de prevaricação tributária do que aquele dedicado a um pequeno ou
mediano contribuinte, mas antes a criação de condições que permitam aos grandes
contribuintes reduzir os custos de contexto, os riscos de incumprimento e o nível de
contencioso, proporcionando desta forma segurança [jurídica] às suas opções de
planeamento – devidamente monitorizado pelo fisco, claro está – através “do
acompanhamento do respetivo cumprimento das suas obrigações fiscais”. É,
portanto, uma medida tax payer/investor friendly, sob a batuta do princípio do
inquisitório, mais do que daquele outro da colaboração, naturalmente.”6
Importa, por isso, perceber e identificar qual é o conjunto de implicações
de ordem prática a que os contribuintes sujeitos ao acompanhamento desta
Unidade de Grandes Contribuintes. Para o efeito, é preciso atender,
necessariamente, ao artigo 34.º da, já referida, Portaria n.º 320-A/2011, de 30 de
dezembro. Esta é uma norma extraordinarmente importante e rica, composta por
dois números, um dos quais com quinze alíneas. Repare-se nalgumas das
6 REBELO, Marta. A Unidade dos Grandes Contribuintes. Portoeditora.pt – Artigos de Opinião. Abril de 2013. (consult. 18 Nov. 2015). Disponível em: URL:http://www.portoeditora.pt/sites/unidade-grandes-contribuintes.
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passagens mais elucidativas da relevância das competências da Unidade de
Grandes Contribuintes, no n.º2, como “... assistência personalizada aos
contribuintes garantindo o acompanhamento do seu relacionamento global com a
administração tributária (...) acompanhamento do respetivo relacionamento com a
AT através de um interlocutor único designado por gestor de contribuinte (...)
assistência pré-declarativa (...) análise conjunta com os contribuintes das matérias
de maior complexidade técnica (...) Analisar e acompanhar o comportamento
tributário e aduaneiro dos contribuintes (...) através da verificação, análise formal
e coerência dos elementos declarados, bem como da monitorização e análise da
informação constante das bases de dados e da recolha sistematizada de quaisquer
outros tipos de informação disponível (...) Acompanhar os procedimentos relativos
à liquidação (...) Avaliar e propor a aceitação de acordos prévios de preços de
transferência (...) Acompanhar os processos de atribuição de benefícios fiscais que
dependam do reconhecimento (...) Realizar procedimentos de inspeção à
contabilidade dos contribuintes, com recurso a técnicas de auditoria, confirmando a
veracidade das declarações efetuadas, por verificação substantiva dos documentos
de suporte (...) Instaurar e instruir processos de inquérito, nos termos dos artigos
40.º e 41.º do RGIT.”
Mas nem todas as situações são de benefício (aparentemente) exclusivo da
Administração. Por exemplo, a obrigação que aquela tem de “Prestar informações
sobre a situação dos contribuintes, bem como esclarecer as dúvidas por eles
suscitadas, tendo em consideração as orientações administrativas que contenham a
interpretação das leis tributárias”.
Embora não se façam muitas menções específicas aos contratos fiscais, com
exceção às relativas a acordos prévios sobre preços de transferência (alínea g)) e
a benefícios fiscais dependentes de reconhecimento (alínea h)), importa destacar
esta Unidade, pelo facto de todas as competências referidas neste artigo
convergerem no sentido das dinâmicas de diálogo, cooperação e aproximação da
Administração Fiscal ao contribuinte, o que também é objeto de estudo neste
trabalho. E, ainda que, como refere Marta Rebelo, se verifique uma lógica de
inquisitório (por contraposição a uma lógica de dispositivo) – uma vez que o
contribuinte é forçado a sujeitar-se a todo este regime, e porque, por isso, tal
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realidade não se configura opcional – a verdade é que motiva, ainda que
forçosamente, uma relação de cooperação e comunicação mais desenvolvida entre
a Administração e o particular, o que poderá contribuir, eventualmente, para um
espírito positivo de cumprimento fiscal, por parte deste; e, também como refere
Marta Rebelo, agora não eventual, mas certamente, para uma maior segurança
jurídica do quadro de opções tomadas pelo contribuinte acerca do seu
planeamento fiscal.
A propósito da questão do desenvolvimento mais ou menos forçado da
relação entre a Administração e os contribuintes, Rita Calçada Pires refere algo
que se consubstanciará, talvez, como a medida de um ponto de equilíbrio: “Ainda
que tradicionalmente a Administração Fiscal seja encarada (...) como uma entidade
de supremacia absoluta, impositora e raramente amistosa, o facto é que as
mudanças sociais e económicas operadas numa sociedade cada vez mais global
forçam a uma mudança de paradigma. (...) Não alheios os factos de, cada vez mais,
o planeamento, a evasão e a fraude fiscais serem uma realidade que tolhe o poder
impositivo do Fisco.”7 Portanto, também não é o do interesse da Administração
tornar-se demasiado reguladora, interventiva e impositora, sob pena do nosso
ordenamento jurídico-fiscal cultivar uma imagem excessivamente negativa junto
dos investidores e demais agentes económicos, comparativamente a outros
ordenamentos; ou ainda, se tal significar, ao invés, uma aproximação aos demais
– como, de resto, consta do preâmbulo da Portaria n.º 320-A/2011, de 30 de
Dezembro – a perda de uma vantagem comparativa, que faria o nosso
ordenamento mais atrativo, face aos demais, precisamente por não ser tão
controlador. Uma fiscalização temperada por razões de competitividade fiscal?
Esta análise pode levar-nos à conclusão de que este paradigma de acordo e
negociação visa, numa perspetiva finalística, promover o sucesso e a capacidade
de adaptação da Administração Fiscal face à questão do poder económico de maior
relevância. O mercado atual é crescentemente dominado por grandes empresas
internacionais, com fácil acesso aos meios necessários para, a todo o tempo,
7 PIRES, Rita Calçada. Consensualismo Fiscal. Notas para reflexão. IN Revista FISCO (em linha), Ano XVII, n.º122/123‐124/125, Novembro de 2007. Lisboa: Lex – Edições Jurídicas, Lda. ISBN 978000005, pág. 1. (consult. 6 Out. 2015). Disponível em: <URL: http://run.unl.pt/bitstream/10362/15155/1/RitaCP_CONSENSUALISMO%20FISCAL_2007.pdf>.
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adaptarem a sua estrutura tributária, sempre no sentido da sua otimização, o que
se traduz, claro está, na maximização da sua competitividade no mercado global.
Aquelas, possuem os meios e a capacidade financeira, bem como o know how
inerente (pagando para o terem, ao estarem em permanente contacto com
assessoria jurídico-fiscal e obtendo serviços regulares de consultoria fiscal das
mais prestigiadas consultoras a nível mundial), para transferirem rapidamente as
suas unidades produtivas e respetivas bases tributárias para jurisdições fiscais
mais atrativas, do ponto de vista fiscal.
O sucesso da Administração Fiscal em lidar com o poder económico de
maior relevância não tem um propósito finalístico de promoção de boas relações
entre a Administração Pública e os contribuintes, tomado como um fim em sim
mesmo. Todavia, apesar de aquele não ser o fim prosseguido, é, no entanto, o
meio, isto é, o meio pelo qual a Administração conseguirá obter a finalidade que
prossegue de conseguir estabelecer contacto com este tipo de sujeitos passivos,
com especial interesse para aqueles que representam maior importância do ponto
de vista da potencialidade de arrecadação de receitas públicas, tal como são as
grandes e médias empresas com significativo poder económico, e fácil capacidade
de se comportarem no sentido do Dumping Fiscal. Feito o contacto e criada a
relação, é mais fácil para a Administração reunir as informações mais relevantes
e formar o seu próprio case study, acerca da realidade concreta do sujeito passivo.
Rita Calçada Pires enfatiza outro ponto igualmente relevante, afirmando
que “a mobilidade internacional dos meios de produção, daqueles que geram a
riqueza suscetível de tributação, aliada aos avanços das novas tecnologias e às
infinitas possibilidades da imaginação humana, não perdoarão as jurisdições fiscais
que recusem a comunicação com a sociedade e com os agentes económicos que a
representam”.8
No contexto extraordinariamente exigente que atualmente vivemos, de
economia globalizada, abertura dos mercados e a inevitável vulnerabilidade das
economias menos competitivas e de menor valor acrescentado dos seus produtos e
8 PIRES, Rita Calçada. Consensualismo Fiscal. Notas para reflexão. IN Revista FISCO (em linha), Ano XVII, n.º122/123‐124/125, Novembro de 2007. Lisboa: Lex – Edições Jurídicas, Lda. ISBN 978000005, pág. 3. (consult. 6 Out. 2015). Disponível em: <URL: http://run.unl.pt/bitstream/10362/15155/1/RitaCP_CONSENSUALISMO%20FISCAL_2007.pdf>.
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serviços, as empresas portuguesas, tal como as demais, têm de enfrentar o
mundo. Têm de competir com regimes fiscais diversos, realidades laborais e
quadros renumeratórios de mão de obra difíceis de igualar e, de uma maneira
geral, têm de estar preparadas para se adaptarem a contextos sociais, económicos
e culturais diferentes, absorvendo realidades que lhes são manifestamente
estranhas e complexas por isso mesmo.
Por outro lado, uma outra questão muito interessante para perceber a
necessidade de que os Estados e as Administrações Públicas (para o nosso caso, as
tributárias, em especial) têm de procurar diversificar os meios e os mecanismos
com que trabalham e atuam junto do particular, na senda da mudança de
paradigma de atuação da Administração assente na cooperação, diálogo,
negociação e efetiva aproximação à realidade individual dos contribuintes, é, a
par da questão dos capitais móveis, o fenómeno da plurilocalização.
A plurilocalização indica o fenómeno pelo qual as diferentes fases do
processo produtivo são distribuídas por diferentes países ou regiões,
diversificando-se assim a origem da produção das diferentes fases da cadeia
produtiva. Estas empresas são motivadas pelos fatores acima referidos, como a
competitividade fiscal, devido a regimes fiscais mais atrativos do ponto de vista
empresarial (prossecução do lucro), ou para beneficiarem de padrões de quadros
renumeratórios menos dispendiosos (mão de obra barata), entre outras questões
igualmente relevantes.
Ora, tal fenómeno, somado às questões anteriormente referidas da
economia global fortemente competitiva e a vulnerabilidade das empresas no
contexto da contínua necessidade de serem o mais competitivas possível, leva os
agentes políticos a pensar no facto de que o Estado precisa de se adaptar, no
sentido de se aproximar das necessidades das empresas.
Todo este enquadramento socioeconómico, com uma vasta panóplia de
questões e fenómenos, alguns dos quais referimos, motiva o Estado a acionar os
seus instrumentos em prol da economia portuguesa, atraíndo investimento
externo e, do mesmo modo, fazendo a sua Administração Fiscal negociar, ou, pelo
menos, mostrar-se disponível para a negociação com a iniciativa das entidades
particulares, para que as empresas nacionais mantenham a sua produção em
16
território nacional, e também para que as empresas estrangeiras escolham o
nosso país para instalar as suas sedes, sucursais ou filiais, no contexto das
políticas públicas de captação de investimento externo.
Especificamente, no espaço em que atua o mecanismo do Contrato Fiscal,
cuja matriz ideológica e finalística é orientada para a dinamização da economia,
através dos incentivos ao investimento externo, e não só, o Estado procura
instrumentalizar a figura do imposto no sentido de promover o crescimento
económico ou específicas potencialidades económicas e sociais que uma
determinada região, ou o país como um todo, contenham, e com isso promover, na
medida do possível, a sua competitividade, enquanto pequena economia de
mercado aberta.
2.1. Os Benefícios Fiscais decorrentes de Contrato Fiscal
A relação entre a figura dos contratos fiscais e a dos benefícios fiscais é
íntima. Como já foi referido, essa relação é desde logo visível atendendo à norma
do n.º1 do artigo 37.º da LGT, que faz depender a concessão de benefícios fiscais
negociados inter partes à prévia realização de um Contrato Fiscal entre a
Administração e o particular.
Se atentarmos ao n.º2 do artigo 5.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais
(doravante, EBF), verificamos uma vez mais o caráter negocial dos contratos
fiscais. Na verdade, os benefícios fiscais subdividem-se nas duas grandes
modalidades referidas no n.º1. Por um lado, existem benefícios fiscais
automáticos, que não são negociados dentro de um qualquer arquétipo legal,
previamente definido e aprovado pela AR. São, por isso, previamente definidos em
diploma legal que os aprova, e são aplicados direta e indiscriminadamente a todos
os sujeitos passivos que reúnam os pressupostos exigidos e se incluam no âmbito
de aplicação dos benefícios. Portanto, os benefícios fiscais automáticos não são
objeto de Contrato Fiscal, e por isso não integram a dinâmica deste novo
paradigma de negociação e consensualismo que temos vindo a analisar. Por outro
lado, os benefícios fiscais dependentes de reconhecimento exigem o que a Lei
designa por atos posteriores de reconhecimento. O n.º2 vem, de seguida,
especificar que são dois os atos posteriores de reconhecimento, nomeadamente, o
17
ato administrativo e o acordo entre a Administração e os interessados. É este
último que nos interessa, pois é o que se refere a contratos fiscais. E o aspeto que
aqui importa sublinhar e destacar para os objetivos do nosso trabalho é a
expressão interessados.
A razão pela qual o Legislador usa o termo interessados e não, por exemplo,
particulares, sujeitos passivos ou contribuintes – algo que poderia igualmente
fazer sem comprometer a intenção de destinatários que o Legislador pensou para
este regime – é precisamente é a de enfatizar o facto de ser o particular a abordar
a Administração com vista a negociar o Contrato Fiscal, e não o contrário. Este é
um aspeto importante, porque evidencia o facto de que, apesar de aquele também
ser do interesse do Estado ou ente público (qualquer contrato, em teoria,
incluíndo o Fiscal, pressupõe um acordo de vontades, uma convergência de
interesses), nomeadamente pelas razões já referidas relativas à captação de
investimento económico e consequente abertura de postos de trabalho, existe um
fundamento que o Legislador considera de maior valor para não inverter este
ónus de iniciativa, ou de primeiro contacto, que é o de respeitar o princípio da
igualdade, que em sede de benefícios fiscais se revela pelas preocupações de não
se corromper a livre concorrência entre agentes económicos, e de assegurar a
igualdade de condições de operacionalidade entre estes, nomeadamente as que
respeitam à fiscalidade.
Embora na essência dos benefícios fiscais, incluíndo aqueles que integram
as minutas de contratos fiscais, impere uma lógica de discriminação positiva,
atendendo a que o Legislador Fiscal tenha intencionado premiar ou desincentivar
determinados comportamentos ou realidades, quer do ponto de vista económico,
como do ponto de vista social, laboral ou ambiental, tal como refere José Casalta
Nabais, ao entender que os benefícios fiscais constituem-se como “...instrumentos
de diferenciação e de seleção de comportamentos dos contribuintes a fim de os
estimular ou incentivar...”9, o facto é que não seria justo que o Estado ou o ente
público estivesse revestido de poderes para autonomamente decidir os sujeitos
passivos com quem iria fazer acordos e aqueles com quem não iria. Portanto, o
9 NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Almedina, Coimbra, 1998, pág. 668.
18
Legislador permite e configura a abertura para o diálogo, negociação e consenso
por iniciativa do particular.
Por último, vamos analisar um diploma legal muito importante para os
benefícios fiscais que decorrem de contratos fiscais, que é o Código Fiscal do
Investimento (doravante, CFI). É, porventura, tão importante quanto o EBF,
atualmente, mas arriscar-me-ia a dizer que é de uma importância ainda maior que
aquele, quanto à questão da regulamentação dos benefícios fiscais decorrentes de
contratos fiscais.
Atentando, desde logo, ao artigo 1.º do CFI, na sua versão mais atualizada
(pois sofreu uma alteração subtancial face à sua anterior redação), referente ao
Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, é dito que este diploma “estabelece: a)
O regime de benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo”. O n.º2 do
mesmo artigo esclarece, ainda, que estes benefícios fiscais contratuais ao
investimento produtivo consubstanciam efetivamente um regime de auxílios de
Estado, com finalidade regional. Todavia, é referido que aqueles são permitidos ao
abrigo das exceções à proibição dos auxílios de Estado, admitidas de acordo com o
Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, cujo âmbito
de atividades é delimitado, nos termos do n.º2 do artigo 2.º. A questão da
finalidade regional não é de menosprezar, pois não se trata de uma mera
referência politicamente correta, obtendo efetiva concretização e implicações
significativas de ordem prática. Por exemplo, quanto aos critérios de
determinação dos benefícios fiscais, referidos no artigo 9.º do CFI, em que, após
se estabelecer um quantitativo-base de 10% das aplicações relevantes do projeto
efetivamente realizadas, no n.º1, se prevê, nos números seguintes, várias
majorações diferentes aos iniciais 10%, conforme o particular enquadre o seu
projeto de investimento nalguma das situações previstas. Existe, inclusivé, a
possibilidade do particular cumular várias majorações, se o seu projeto se
enquadrar em mais do que uma situação geradora de majoração, com o limite
máximo de 25%, estabelecido pelo n.º4. É interessante analisar como, no n.º2, se
fazem várias distinções quanto à atribuição das percentagens de majoração,
nomeadamente, em função da região da localização do projeto e do nível de poder
19
de compra que se verifique nessa região, à data da candidatura do projeto, por
referência à média nacional do índice per capita de poder de compra.
Todavia, os critérios para atribuição destes benefícios fiscais não se
limitam à questão regional, existindo outro tipo de aspetos ou realidades
incentivadas pelo Legislador, ainda no n.º2. Por exemplo, o critério de natureza
laboral, que consta da alínea b).
No entanto, o artigo 9.º trata já de uma fase em que se especificam os
benefícios fiscais, em função de múltiplas realidades e critérios delineados pelo
Legislador, na secção III do Capítulo II do CFI. Sendo o Capítulo I relativo ao
objeto e finalidades do CFI, importa esclarecer que o CFI, nas secções I e II, rege
as questões relativas à incidência subjetiva e objetiva do Código, bem como o
âmbito objetivo do conjunto delimitado das áreas e atividades de projetos de
investimento que podem concorrer à contratualização destes benefícios fiscais.
Quanto à incidência subjetiva, configurada no artigo 3.º sob a epígrafe
‘Condições subjetivas’, são enumeradas várias características que o particular
deve reunir para se candidatar a estes benefícios fiscais, que vão desde, por
exemplo, a exigência ao particular de apresentar uma situação fiscal e
contributiva regularizada (alínea g) do n.º 1), até à exigência de que o lucro
tributável do particular não seja determinado por métodos indiretos de avaliação
(alínea d) do n.º1). Em relação à incidência objetiva, que consta do artigo 4.º sob
a epígrafe ‘Condições Objetivas’, esta debate-se muito em torno da questão dos
projetos de investimento inicial. O que são, até quando são permitidos enquanto
tal, o que se entende por inicial, entre outras especificidades.
Outra questão que se coloca, igualmente preponderante, é saber, em
concreto, em que se traduzem estes benefícios fiscais. A resposta a este questão
encontra-se largamente contida no artigo 8.º. Em primeiro lugar, é resolvida a
questão de saber sobre o que é que incidem as percentagens referidas ao longo do
CFI, nomeadamente, quando estas se reportam às aplicações relevantes dos
projetos. A alínea a) do n.º1 determina a forma mais comum de benefício fiscal, e
responde à questão daquele tipo de percentagens. É dito que estas serão, no
mínimo, de 10%, e, no máximo, de 25%, e que irão incidir sobre o valor das
aplicações relevantes do projeto de investimento efetivamente realizadas, o que
20
depreendemos tratar-se do valor monetário associado aos projetos de
investimento que se demontrem, a montante, efetivamente realizados. Aplicada a
percentagem a esse valor, o produto constituirá o crédito de imposto do
particular, que esta norma manda deduzir ao montante da coleta de IRC (apurada
nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 90.º do Código do IRC).
As restantes formas de benefícios, descritas nas demais alíneas deste n.º1,
consistem em isenções (totais ou parciais), de IMI, IMT ou Imposto de Selo.
Deixa-se a nota de que não é possível garantir um estudo rico e completo do
IRC, sem o EBF, e, quanto ao EBF, ipsis verbis, sem o CFI, não descurando, ainda,
toda a legislação complementar e jurisprudência igualmente relevantes.
2.2. Os Acordos Prévios sobre Preços de Transferência
Desviando-nos agora dos benefícios fiscais como plano de fundo da nossa
análise sobre o instituto jurídico dos contratos fiscais, vamos fazer incidir o nosso
estudo numa outra modalidade de contratos fiscais, os Acordos Prévios sobre
Preços de Transferência (APPT).
Em primeiro lugar, vamos perceber rapidamente o que são preços de
transferência e qual a função dos APPT no seu contexto. Casalta Nabais enquadra
a questão dos preços de transferência como uma situação especial de combate à
evasão e fraude fiscal, em sede de tributação das pessoas coletivas. Descreve o
regime como tendo por objetivo o “... fim de evitar, através dos preços,
transferências de resultados entre setores da mesma entidade sujeitos a regimes
fiscais diferentes, prescreve que nas operações comerciais efetuadas entre um
sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual tenha
relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições
substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites ou
praticados entre entidades independentes em operações comparáveis”. 10
Portanto, este regime visa combater situações de falseamento dos valores
registados pelas pessoas coletivas nas suas contabilidades, em relação a
operações de venda de produtos e/ou serviços, ou transferências de resultados
entre empresas intragrupo, e demais situações análogas.
10 NABAIS, José Casalta. Direito Fiscal, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2014, pág. 527.
21
A procura do falseamento desses valores teria a motivação principal de se
apresentarem à Administração Fiscal valores de vendas ou transferências mais
baixos do que realmente foram, para que as receitas da empresa parecessem
menores do que realmente foram, para que, no final, também o lucro tributável
fosse menor, e, portanto, a tributação fosse mais baixa. Em suma, o objetivo seria
demonstrar menor capacidade contributiva, na perspetiva da ponderação de
rendimentos versus gastos da entidade em questão.
Quanto à razão de se referirem as operações comerciais estabelecidas entre
entidades que estabelecem entre si relações especiais, ou entre entidades
pertencentes ao mesmo grupo económico, por oposição ao conceito de entidades
independentes, que atuam em condições normais de mercado, como se refere no
n.º1 e n.º2 do artigo 63.º do CIRC, apela-se ao facto de ser claramente mais fácil
manipular os valores dos preços quando se trate de situações em que as entidades
envolvidas, em conluio, mantêm entre si relações especialmente próximas, que
lhes permitem concertar os valores apresentados nas respetivas contabilidades.
Seria algo menos acessível a entidades que, entre si, estabelecessem
relações estritamente utilitárias do ponto de vista negocial e económico. A
iniciativa de conluio envolve uma certa medida de promiscuidade e secretismo,
possível apenas entre entidades com algum passado ou, pelo menos, com alguma
relação especial. Daí que, no n.º4 do artigo 63.º do CIRC, se tenha tido a
preocupação de se expôr uma lista considerável de exemplos do que podem ser
relações especiais.
Os APPT são uma figura igualmente conhecida no Direito Fiscal como são os
benefícios fiscais, mas encontram-se previstos somente de forma genérica na
LGT, nomeadamente, não no n.º1, mas no n.º2 do artigo 37.º, por não respeitarem
à matéria dos benefícios fiscais, mas à questão das normas aplicáveis à liquidação
do imposto.
Os benefícios fiscais reflectem-se diretamente no quantum final de imposto
a pagar, com impacto direto, atribuíndo diretamente uma redução do valor de
imposto. Os APPT, por sua vez, visam acordar – e do ponto de vista da lógica
negocial, deixar assente entre as partes – os exatos termos (ou, pelo menos, um
conjunto de critérios, mesmo não sendo totalmente concretos, sendo, pelo menos,
22
evidenciadores dos princípios de cálculo) segundo os quais a Administração
procederá ao cálculo do valor de imposto a pagar, especificamente na parte que
respeita aos preços de transferência.
O objetivo de analisar os APPT no contexto do estudo que realizamos neste
trabalho é o de enquadrar as dinâmicas correspondentes à sua utilização, como
meio de reforçar as relações da Administração Fiscal com os contribuintes de IRC,
assentando-as, uma vez mais, na lógica do consensualismo, negociação e
cooperação, de forma construtiva e positiva; o que constituirá, previsivelmente,
mais uma forma de promover a adesão do contribuinte ao cumprimento fiscal,
contribuindo-se assim, no plano geral, para uma maior eficácia do sistema fiscal,
do ponto de vista da arrecadação de receitas e do combate à fraude e evasão
fiscais, bem como dos métodos de planeamento fiscal abusivo. Entre os quais,
encontra-se a manipulação dos preços praticados nas transações internas de bens
ou serviços de grupos de sociedade, ou entre sede e sucursais ou filiais, ou
qualquer outra situação entre duas ou mais entidades em situação de relações
especiais, tal como se designa no n.º1 do artigo 63.º, com posterior concretização
no n.º4 do artigo 63.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas
Coletivas (doravante, CIRC).
Os APPT estão consagrados genericamente no n.º2 do artigo 37.º da LGT,
mas especificamente previstos no capítulo VIII do CIRC, repare-se, em sede de
garantias dos contribuintes, no artigo 138.º do CIRC.
O n.º1 deste artigo constitui a base de todo este regime, no plano
substancial do seu enquadramento no nosso sistema fiscal, referindo que “Os
sujeitos passivos podem solicitar à Autoridade Tributária e Aduaneira, para efeitos
do disposto no artigo 63.º do Código do IRC, a celebração de um acordo que tenha
por objeto estabelecer, com caráter prévio, o método ou métodos suscetíveis de
assegurar a determinação dos termos e condições que seriam normalmente
acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes nas operações
comerciais e financeiras, incluíndo as prestações de serviços intragrupo e os
acordos de partilha de custos, efetuadas com entidades com as quais estejam em
situação de relações especiais ou em operações realizadas entre a sede e os
estabelecimentos estáveis.”, ou seja, as filiais ou sucursais.
23
Analisando o restante preceituado do artigo 138.º, identificam-se várias
semelhanças com o regime dos contratos fiscais relativos a benefícios fiscais,
nomeadamente, o prazo limitado de vigência do acordo que é estabelecido entre
as partes, impondo-se, inclusivé, um limite máximo de três anos para a sua
vigência, de acordo com o n.º6, parte final. Por outro lado, também compete às
entidades particulares o ónus de iniciarem as negociações, estabelecendo aquelas
a primeira abordagem. Tal é confirmado pelas seguintes passagens: “Os sujeitos
passivos podem solicitar à Autoridade Tributária e Aduaneira...” (n.º1), ou “O
pedido é dirigido ao diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira...” (n.º3).
Tal como os contratos relativos a benefícios fiscais, também os contratos
relativos aos APPT constituem efetivamente uma garantia dos contribuintes,
apesar de apenas estes últimos estarem presentes no capítulo das garantias dos
contribuintes. Assim sendo, os particulares podem servir-se do seu APPT para
reclamar ou impugnar uma decisão administrativa que tenha sido declarada
contra si, e que, em face dos termos previamente acordados no APPT entre o
particular e a Administração, aquele entenda que tenha havido uma violação ou
desrespeito por qualquer uma das regras ou critérios de liquidação que ambas as
partes estipularam, precisamente para evitar conflitos em relação ao regime
aplicável às regras de liquidação relativas às operações afetas aos preços de
transferência realizadas pela entidade particular.
Mais ainda, também como nos contratos fiscais sobre benefícios fiscais, os
APPT – ainda que, tal como aqueles, apenas digam respeito à relação jurídica
entre a Administração Fiscal e o particular, em sede de IRC – constituiem
efetivamente fonte de direito, a observar em caso de litígio entre as partes, num
tribunal administrativo fiscal ou num tribunal arbitral ad hoc. Constituem, por
isso, as normas de cada APPT, verdadeiras normas jurídicas, no sentido das partes
aceitarem o seu próprio caráter de impugnabilidade.
A este propósito, o n.º7 do artigo 138.º afasta qualquer dúvida acerca do
caráter de impugnabilidade e do valor jurídico das normas dos APPT. Todavia,
importa mencionar o facto do Legislador não ter concedido um caráter estanque e
impenetrável da força jurídica dos APPT, colocando duas ressalvas muito
significativas à impossibilidade de violação lícita dos termos dos APPT, que
24
importa serem conhecidas pelas entidades particulares, nomeadamente, por um
lado, a não existência de alterações da legislação aplicável (que comprometam
especificamente os termos estabelecidos nos acordos), e, por outro lado, a não
verificação de uma ou mais variações significativas das circunstâncias económicas
e operacionais e demais pressupostos de base que possam afetar os fundamentos
lógicos que justificaram o acordo.
Então, afinal, por que razão se inserem os APPT neste trabalho? No que é
que relevam para os objetivos gerais prosseguidos? Como é que tudo isto motiva o
particular ao cumprimento, e em que contexto é que os APPT permitem um maior
dinamismo da atuação da Administração, no sentido da lógica cooperativa,
negocial e consensualista11 de que temos vindo a falar?
Colocando o ónus de iniciativa do acordo no particular, os APPT são uma
forma de o motivar a tomar a iniciativa de se relacionar com a Administração com
vista ao cumprimento fiscal, positivamente influenciado pelo interesse que tem
em acordar com aquela alguns dos termos da liquidação do seu imposto. Neste
sentido, finalisticamente, os APPT são uma forma de contribuir para o
relacionamento frutífero entre a Administração e os particulares, e o mero facto
de existirem, assim como no caso dos benefícios fiscais decorrentes de Contrato
Fiscal, constitui um verdadeiro estímulo, no sentido se potenciarem relações de
maior comunicação, cooperação e negociação entre a Administração Fiscal e os
particulares, com vista ao objetivo final, prosseguido por ambas as partes, do
cumprimento fiscal, reforçando-se igualmente uma maior adesão ao imposto no
nosso ordenamento fiscal.
Por outro lado, quanto à questão do princípio da segurança jurídica – e dos
princípios da proteção da confiança e da certeza jurídica, enquanto seus
corolários – os APPT revelam-se como úteis instrumentos de estabilidade e
segurança jurídica, na perspetiva do particular, quanto à liquidação do seu
imposto, uma vez que contribuiem para que este possa formar as suas justas
11 Cfr. PIRES, Rita Calçada. Consensualismo Fiscal. Notas para reflexão. IN Revista FISCO (em linha), Ano XVII, n.º122/123‐124/125, Novembro de 2007. Lisboa: Lex – Edições Jurídicas, Lda. ISBN 978000005, (consult. 6 Out. 2015). Disponível em: <URL: http://run.unl.pt/bitstream/10362/15155/1/RitaCP_CONSENSUALISMO%20FISCAL_2007.pdf>.
25
expetativas do que previsivelmente irá terá de pagar, ou não, de IRC, no ano fiscal
em causa.
Sem a formação do APPT com a Administração, o particular que contém na
sua contabilidade atividades que se reportam à questão dos preços de
transferência, estará sempre sujeito a sofrer algum tipo de surpresa indesejada
quando lhe for apresentada a liquidação do imposto por parte da Administração.
Isto sucede pelo facto de ser oferecida à Administração Fiscal alguma margem de
discricionariedade na aplicação das correções fiscais em sede de determinação do
lucro tributável, aquando da aplicação do n.ºs 11 e 12 do artigo 63º do CIRC, muito
embora o n.º13 estabeleça que os termos segundo os quais as correções são
realizadas encontram-se regulamentados em Portaria, neste caso, a Portaria n.º
1446-C/2001, de 21 de dezembro.
Acresce, ainda, o facto dos APPT oferecerem uma sensação de maior
segurança ao particular, associada ao facto deste saber de que dispõe de um
documento juridicamente oponível à Administração, na eventualidade do
incumprimento desta, face aos termos acordados.
3. O fenómeno no plano internacional: a realidade norte-
americana contraposta ao caso português
Alterando a perspetiva do nosso trabalho, adotando uma perspetiva externa
e, por vezes, comparativa, iremos agora previligiar a identificação de
características e aspetos do modelo norte-americano que consideramos
interessantes, inclusivé, na perspetiva da possibilidade de importação de ideias
ou soluções do caso norte-americano.
A escolha do caso norte-americano, em detrimento, por exemplo, do caso
europeu, prende-se com o facto da realidade americana ser consideravelmente
versátil na utilização da figura dos contratos fiscais, e de outras análogas, para a
prossecução do interesse público, na parte em que consiste em promover a
dinamização económica nas comunidades da sociedade norte-americana, e por
conter uma história rica na utilização da figura. Por outro lado, desejámos
estudar uma realidade tão longínqua quanto possível, dentro da matriz político-
ideológica do ‘Ocidente’, com a expetativa de encontrar diferentes ideias e
26
soluções para os mesmo problemas, ou necessidades.
Daniel Breen refere que os denominados tax deals são foco de grande
discussão no palco político norte-americano, em que a ala dos políticos mais
liberais os vê como uma espécie de Estado Social das empresas (“Corporate
Welfare”), ao passo que as correntes políticas mais conservadoras consideram
essas práticas do setor público como interferências introsivas no setor privado.12
Outras críticas ao instituto levantam outras questões, relativas ao
falseamento da concorrência de mercado, aproveitando as grandes empresas da
necessidade que os Estados têm de atrair investimento económico para as suas
comunidades. Por outro lado, também se poderá pensar que o instituto tem sido
cada vez mais procurado pelas empresas como forma destas fugirem às taxas
normais de imposto, algo que não consideramos muito relevante, se assumirmos
que a Administração Fiscal saberá retirar as devidas contrapartidas dos acordos
que pratica com as entidades particulares, e desse modo os eventuais
desequilíbrios gerados na concorrência (fiscal), entre as empresas que beneficiam
dos contratos fiscais e as que não beneficiam, serão compensados pelas
contrapartidas a que as primeiras se vinculam, perante o ente público, ao passo
que as segundas não têm qualquer uma dessas obrigações especiais decorrentes
de contrato.
Portanto, percebe-se que os empreendedores americanos estão cada vez
mais cientes do instituto e, tendo à disposição um mercado enorme – ao contrário
dos empreendedores europeus, uma vez que a Europa, ou a União Europeia mais
concretamente, por muito que tenha um mercado único, não tem um conjunto de
comunidades que partilham a mesma língua, a mesma moeda, os mesmos ideais e
valores enquanto nação, ou a mesma lei constitucional – faz com que tenham a
vantagem de ter à sua disposição múltiplas opções de investimento dentro do seu
próprio país, de tal modo que se inverte o sentido da força da posição negocial,
em que se assiste a um ou outro fenómeno de competitividade entre as
12 BREEN, Daniel. Credits & Incentives Update: Fiscal Impact Analysis: Supporting Incentive Negotiations by Quantifying Project-Related Tax Revenues and Their Value to a Community. Journal of State Taxation. Property of CCH. Maio/Junho de 2013, pág. 1.
27
Administrações Fiscais locais, pela conquista da opção de investimento das
empresas nas suas jurisdições.
O mesmo autor faz questão de mencionar que este tipo de dinâmicas
chegam a ser prejudiciais ao ente público, referindo que têm havido algumas
repercussões negativas no passado, como o caso do New York’s Empire Zone
program, em que a Administração local, por receio que os postos de trabalho e o
investimento fossem deslocados, concedeu incentivos fiscais em excesso, isto
porque acabaram por ser muito maiores que os benefícios do impacto económico
que a empresa acabou por provocar na comunidade.13
Algo que também já é feito em Portugal, e que tem sido feito nos Estados
Unidos há algum tempo como modo de evitar situações como a que foi referida –
em que se verifica, a montante, que houve uma sobrevalorização do impacto
económico dos projetos de investimento – é precisamente estabelecer, como dever
para a Administração, a nível local, regional ou estatal (esta última
correspondente aos próprio governo dos países europeus), que os seus serviços
realizem estudos credíveis e bem preparados acerca do impacto do projeto, em
relação a cada proposta de investimento considerada.
E por forma a que o estudo seja rigoroso, a medida do impacto do projeto
de investimento na região é (ou, pelo menos, deve ser) feita para lá da questão
económica, incorporando, igualmente, considerações de ordem social e ambiental,
cuja análise tripartida se reporta ao fenómeno do Triple Bottom Line
Approach/Analysis. Esta, indica, precisamente, o facto de que, atualmente, já não
se realizar somente uma análise de impacto económico de um determinado
projeto ou atividade. Compreende, por isso, a necessidade de englobar outros
aspetos igualmente relevantes para a análise do impacto do projeto na
comunidade, nas pessoas e no meio onde se insere, com razões de ordem
ambiental e de ordenamento do território, bem como de criação de valor social,
ou de inovação social e tecnológica, contribuindo assim para a formação de uma
análise mais realista e justa, perante o impacto multifacetado que efetivamente se
13 BREEN, Daniel. Credits & Incentives Update: Fiscal Impact Analysis: Supporting Incentive Negotiations by Quantifying Project-Related Tax Revenues and Their Value to a Community. Journal of State Taxation. Property of CCH. Maio/Junho de 2013, pág. 2
28
verifica com a realização do projeto de investimento. O gráfico seguinte ilustra a
lógica da análise tripartida referida:
14
Por outro lado, face aos resultados das previsões dos referidos estudos de
impacto económico, social e ambiental, as entidades públicas devem atender a um
critério de proporcionalidade, limitando-se a conceder benefícios ou incentivos
fiscais na medida do necessário para igualar o retorno previsto pelo estudo sobre
o impacto económico do projeto de investimento.
Assim, a cada caso concreto, a Administração deve proceder a uma análise
de custo-benefício, em que o custo consistirá, por um lado, nos encargos que a
Administração local, ou o erário público como um todo, irão suportar, como
consequência direta ou indireta do estabelecimento do operador económico, e, por
14 Esquema 1 – Análise tripartida do impacto do projeto de investimento, nas vertentes social, económica e ambiental, apresentada por Emily Brooks no blog: New Sustainability Inc. (consult. em 23 Nov. 2015). Disponível em: <URL: http://www.newsustainabilityinc.com/about-this-blog/>.
29
outro lado, caso aqueles sejam muito pequenos ou quase inexistentes, sempre se
poderá estimar um custo de oportunidade em razão da não concessão do espaço
físico e dos recursos públicos utilizados a outro operador económico.
Esta ideia é referida por Daniel Breen, referindo este que “um importante
propósito da Análise de Impacto Orçamental é garantir que existem projeções das
receitas fiscais que previsivelmente irão ser geradas na comunidade, se o projeto de
investimento for realizado – e com isto garantir que a decisão final suporta-se
igualmente numa análise de custo-benefício da utilidade [económica] do projeto”.15
Reforça-se também a necessidade de supervisionar o cumprimento dos
objetivos e condições de operacionalidade a que o particular se vinculou e
comprometeu realizar enquanto contrapartida das vantagens que obterá com o
acordo: “The benefits are reasonably predictable – subject, of course, to compliance
with program and perfomance requirementes – and readily measurable upon
realization.” 16 Entre nós, podemos identificar um exemplo do que poderia
constituir uma forma de garantir a supervisão do cumprimento desses objetivos e
condições de operacionalidade, na alínea d) do n.º2 do artigo 34.º da Portaria n.º
320-A/2011, de 30 de Dezembro, ou aplicando os procedimentos de inspeção a que
se refere a alínea j).
Numa perspetiva mais descritiva e casuística, Marvin Bayan descreve-nos o
caso dos deal-closing funds, que entre nós seriam uma forma atípica de contrato
administrativo (não fiscal, mas com características dos contratos fiscais) –
misturando a ideia de um fundo público de investimento destinado aos
particulares, com os mecanismos de negociação e acordo dos contratos fiscais –
indicando-os como um dos melhores instrumentos de negociação de
financiamento adaptado, casuisticamente, à realidade das empresas que se
candidatam a estes deals.17
15 BREEN, Daniel. Credits & Incentives Update: Fiscal Impact Analysis: Supporting Incentive Negotiations by Quantifying Project-Related Tax Revenues and Their Value to a Community. Journal of State Taxation. Property of CCH. Maio/Junho de 2013, pág. 2. Tradução Pessoal. 16 BREEN, Daniel. Credits & Incentives Update: Fiscal Impact Analysis: Supporting Incentive Negotiations by Quantifying Project-Related Tax Revenues and Their Value to a Community. Journal of State Taxation. Property of CCH. Maio/Junho de 2013, pág. 2. 17 Para acompanhar a exposição, ver BAYAN, Marvin, Jornal of State Taxation: Opportunities in the Eleventh Hour: Deal-Closing Funds. Outuno de 2014. Vol. 32 Issue 4, p9-53. 4p. , Base de dados:
30
Com aproximadamente quarenta dos cinquenta estados norte-americanos a
possuírem e a utilizarem este instrumento, Bayan descreve-nos, o caso do Texas,
tendo este sido dos deal-closing funds mais premiados nos Estados Unidos, pelo
enorme sucesso que demonstrou, tendo conseguido um impacto económico
extraordinário neste Estado, a par do facto de conter o maior orçamento de
verbas disponíveis no seu fundo, comparado com os demais Estados, tendo este
sido aumentado progressivamente ao longo dos últimos anos, como reflexo direto
da comprovação da utilidade e sucesso do programa na economia do Texas.
Antes de continuarmos a estudar com maior pormenor e profundidade este
caso e os casos dos restantes Estados que Bayan aborda, proponho que pensemos
se, porventura, não poderíamos importar um modelo semelhante para Portugal;
isto é, do Orçamento de Estado, alocar-se-ia um número significativo de verbas
para um fundo nacional destinado a contratos de investimento a realizar com
empresas, nacionais ou não, determinando que o montante alocado a esse fundo
seria inscrito, não como receita cessante, mas como despesa, efetivamente pelo
facto de o Estado injetar diretamente capital nas empresas, ao invés de
simplesmente prescindir de determinada receita fiscal por concessão de isenções,
créditos e demais benefícios fiscais.
No contexto do quadro normativo europeu, tal medida poderia ser
construída de modo a não violar a proibição dos auxílios de Estado, que consta do
artigo 107.º do Tratado do Funcionamento da União Europeia (doravante, TFUE),
uma vez que o Estado, não só não discriminaria as empresas que se
candidatassem ao fundo, em razão da sua “nacionalidade” – tanto podendo
beneficiar do fundo empresas sediadas em Portugal, como nos demais Estados-
membros da União Europeia, e ainda fora da União Europeia, o que incluiría, por
exemplo, empresas americanas ou suíças – como poderia (a medida) ser
estruturada de modo a integrar-se no âmbito das situações compreendidas na
alínea c) do n.º3 do artigo 107.º do TFUE, constituindo um auxílio que tivesse
como fim facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas.
Business Source Complete. (consult. em 22 Out. 2015). Disponível em: <URL: http://eds.a.ebscohost.com/eds/pdfviewer/pdfviewer?sid=f297c7bb-58a5-45a9-8df0-26af820194c9%40sessionmgr4005&vid=0&hid=4208>.
31
Assim como as normas que constam do CFI são o resultado da aplicação das
exceções à proibição dos auxílios de Estado, que constam do Regulamento (UE)
n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, tal como indica o n.º2 do
artigo 1.º do CFI, também esta norma poderia encontrar um enquadramento
semelhante – apesar do Legislador, no CFI, ter enquadrado as normas do CFI
enquanto exceções afetas à questão da finalidade regional, cujas razões são
apontadas nos pontos trinta e um, trinta e dois e trinta e três do referido
Regulamento.
A ideia de uma medida semelhante aos deal-closing funds seria muito
semelhante à do Contrato Fiscal. São negociados fundos de financiamento
concedidos pela Administração, como contrapartida de certos compromissos a que
se vinculam as empresas que se candidatam, em que, no caso do Texas Enterprise
Fund, a condição mais frequentemente negociada é a criação de postos de
trabalho (com salários acima da média dos salários concedidos a nível local ou
estadual). No caso de não se cumprirem os compromissos acordados, ou algum
dos mais importantes, como a questão dos postos de trabalho, está determinada a
consequência da obrigatoriedade de devolução, por parte da empresa, dos fundos
concedidos pelo ente público. Ora, aqui existe uma clara diferença face ao caso
português, e face ao instituto dos contratos fiscais, uma vez que neste não se
injeta diretamente capital nas empresas.
O que sucede no caso português é que a Administração concede um
qualquer benefício ao particular, negociando termos vantajosos de aplicação das
normas em vigor relativas à liquidação, cobrança, ou mesmo ao quantum final de
imposto a pagar, sem nunca transferir qualquer verba ou financiamento à
entidade particular. É por isso que a consequência do não cumprimento dos
compromissos assumidos pelas empresas, no caso dos contratos fiscais, consiste
somente na cessação da vigência dos termos mais vantajosos de aplicação das
normas relativas a qualquer um dos elementos do imposto (incidência objetiva ou
subjetiva, liquidação, cobrança, taxas...), voltando estas empresas a sujeitarem-se
ao regime normal de tributação.
No caso desta modalidade norte-americana de contratos administrativos, a
consequência do não cumprimento é a devolução do capital que a empresa
32
recebeu do ente público, o que pressupomos incluir todas as garantias
patrimoniais do credor na ausência de cumprimento da devolução, visto que
estamos efetivamente a falar de um contrato, em que numa das cláusulas consta
precisamente a obrigação de devolução do capital concedido, na ausência de
cumprimento dos compromissos assumidos pela empresa.
Outras condições ou critérios para a candidatura das empresas ao fundo
texano passam pelo compromisso perante um significativo investimento de
capital e pela demonstração, feita pela empresa que se candidata, da medida do
impacto económico local que o seu projeto de investimento irá trazer à
comunidade ou Estado onde pretende investir. Esta última é relevante, porque nos
indica uma medida interessante, que é a de exigir ao particular que apresente à
Administração aquilo que é a sua proposta de investimento e, com isto, no fundo,
perguntar-lhe aquilo que ele pensa que ela vale, em termos de dimensão do
impacto socioeconómico do seu projeto de investimento. É claro que tal não
exoneria a Administração de realizar o seu próprio estudo de impacto
socioeconómico, nos termos referidos anteriormente.
Interessante também seria que, estando ambas as partes encarregadas de
realizar o seu estudo de impacto económico relativo ao projeto de investimento
que constitui a base da relação de negociação entre ambas, sucessivamente,
ambas as partes se sentassem à mesa e comparassem os seus estudos de impacto
económico, e consequentemente discutissem pontos de convergência ou
divergência, de modo a que, a montante, chegassem ao melhor acordo de vontades
possível.
Portugal conta já com iniciativas semelhantes, como é o caso da AICEP
(Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal), uma entidade
pública empresarial, encarregue de administrar vários projetos de investimento
em Portugal, tendo, entre outras, a função de negociar, em nome do Estado e, por
efeito, da Administração Pública, os contratos fiscais relativos a benefícios fiscais.
É uma entidade que tem tido muito mérito em operacionalizar todo o sistema de
benefícios fiscais, e em dinamizar o conceito da Administração Pública como
entidade proativa e aberta ao diálogo e à cooperação, contribuindo desse modo
para a dinamização da economia portuguesa, e desta no plano internacional. Por
33
exemplo, atentando à alínea a) do n.º1 do artigo 15.º do CIF, é dito que a AICEP é
responsável pelos processos de candidatura dos projetos de investimento que se
enquadram no “... regime contratual de investimento previsto no Decreto-Lei n.º
203/2003, de 10 de setembro”. Não obstante, importa distingui-los e distanciá-los
do que são os deal-closing funds, que são de uma natureza diferente, apostando
muito mais na atração do investimento económico a nível interno e local, sendo
marcados pela mesma lógica de negociação, diálogo e cooperação que os contratos
fiscais apresentam, na questão que temos vindo a trabalhar da relação entre os
particulares e a Administração. Mais importante ainda, é não esquecer o facto de
que estes pretendem financiar diretamente o particular. Não se trata de
emprestar dinheiro, mas sim de o dar. Portanto, os deal-closing funds são um
misto entre as características e os objetivos de políticas económica que marcam
iniciativas como as da AICEP e as características jurídico-administrativas dos
contratos fiscais, algumas das quais referimos a propósito dos APPT e dos
contratos fiscais relativos a benefícios fiscais.
Bayan conclui o seu artigo de uma forma muito interessante e que captou
precisamente o espiríto de motivação com que o particular se pode relacionar com
a Administração – que pretendemos enfatizar como paradigma da aposta de
futuro para a qual a Administração (e não só a Fiscal) se deve inclinar no que
respeita a sua relação com os particulares – tendo estes deal-closing funds como
objeto dessa motivação: “Money talks and the deal-closing funds can convince a
company to relocate or expand their business in a state that provides the better
deal-closing fund. As such, we will continue to see states creating and re-
evaluating their deal-closing funds as they pursue the upper echelon of companies
that are expanding.”18
Outro caso interessante, que surgiu mais recentemente, com a entrada em
vigor da Resolução do Conselho de Ministros n.º 73-A/2014, de 20 de maio, é o
dos fundos europeus estruturais e de investimento (designados FEEI), em
18 BAYAN, Marvin, Jornal of State Taxation: Opportunities in the Eleventh Hour: Deal-Closing Funds. Outuno de 2014. Vol. 32 Issue 4, p9-53. 4p. , Base de dados: Business Source Complete, pág.3 (consult. em 22 Out. 2015). Disponível em: <URL: http://eds.a.ebscohost.com/eds/pdfviewer/pdfviewer?sid=f297c7bb-58a5-45a9-8df0-26af820194c9%40sessionmgr4005&vid=0&hid=4208>.
34
particular o Fundo Social Europeu – atribuídos no âmbito do atual Quadro de
Referência Estratégica Nacional (QREN), que irá decorrer no período de 2014-
2020 – oficialmente avocados à iniciativa de apoio a instituições e projetos de
empreendedorismo social, intitulada Portugal Inovação Social. Foram alocados
cerca de cento e cinquenta milhões de euros ao fundo, a conceder a projetos
diretamente relacionados com o empreendedorismo social. A iniciativa procedeu à
criação de quatro programas de financiamento distintos, atendendo às quatro
alíneas do ponto 2 da Resolução, cada um deles correspondendo a diferentes
técnicas e formas de atribuição dos fundos.
Acompanhando a informação disponibilizada no website oficial da
iniciativa Portugal Inovação Social,19 vamos começar por analisar o programa com
o maior fundo (noventa e cinco milhões de euros), que é o Fundo para a Inovação
Social. Este programa está referido logo na primeira das quatro alíneas,
correspondentes aos quatro programas previstos pela iniciativa, portanto, na
alínea a) do n.º2 do ponto 2 da Resolução. Esta, dispõe que o programa consiste
num “... financiamento de natureza grossista com fundos participados, para apoio a
iniciativas e investimentos em inovação e empreendedorismo social em fase de
consolidação ou disseminação, através da concessão de empréstimos, bonificação de
juros, prestação de garantias ou quase-capital;”. Ora, importa referir que nenhuma
das quatro modalidades de atribuição de fundos deste programa se baseia numa
atribuição direta e desinteressada de financiamento. Isto é, não há nenhum dar,
mas somente um emprestar ou investir. Portanto, como se refere no website da
iniciativa, o objetivo principal deste programa, que, no fundo, se trata de um
produto financeiro, é o de “... colmatar falhas de mercado no acesso a
financiamento...”20 das empresas e demais entidades que o necessitem. Importa,
também, notar que este fundo está destinado a iniciativas que já decorrem, quer
em fase de consolidação, quer em fase de expansão.
O segundo programa, previsto na alínea b) do ponto 2, é o programa de
financiamento de Títulos de Impacto Social (doravante, TIS). Diz-se que os TIS
19 Para acompanhar a exposição, ver o website (consult. em 23 Nov. 2015), disponível em: <URL: http://inovacaosocial.portugal2020.pt/>. 20 Cfr nota de rodapé n.19º.
35
resultam em “... apoios reembolsáveis contratualizados em parceria, para
financiamento de soluções inovadoras na prestação de serviços públicos, orientadas
para a obtenção de resultados e redução de custos;”. O website oficial da iniciativa
acrescenta ainda que os TIS “... são mecanismos de financiamento que pressupõem
a celebração de um contrato entre investidores sociais, entidades públicas e
organizações da economia social, para concretizar resultados sociais específicos.
Mobilizam capital para investir em organizações, empreendedores sociais e
iniciativas que evidenciem impacto social e potencial retorno financeiro.
Com base nesse contrato, os investidores financiam uma Iniciativa de Inovação e
Empreendedorismo Social (IIES) a médio prazo. Se os resultados sociais
contratualizados forem alcançados os investidores são reembolsados pelo seu
investimento inicial, através de financiamento de fundos estruturais. Caso os
resultados sociais contratualizados não sejam alcançados os investidores assumem
o risco de perder o seu investimento. As IIES são implementadas por organizações
ou empreendedores sociais e pretendem melhorar os resultados sociais de um
determinado público-alvo de destinatários através de uma intervenção sobre um
problema social específico.”.
Portanto, este mecanismo visa tornar o ente público, por intermédio da
aplicação do fundo, como garante do ressarcimento do investimento inicial dos
investidores. Todavia, uma das particularidades que torna este mecanismo tão
interessante é que o ressarcimento é uma possibilidade, e não uma obrigação, do
ente público – algo que é expressamente definido no contrato – fazendo depender
o ressarcimento do investimento do sucesso no alcance dos objetivos de natureza
social, expressamente contratualizados. Na eventualidade de que não o sejam,
dirá o mesmo contrato que não haverá lugar a ressarcimento, pelo facto do risco
de fracasso do investimento correr por conta dos investidores. E isto faz todo o
sentido, uma vez que, apesar deste aspeto poder evidenciar uma natureza
utilitarista e economicista do programa, é algo necessário, por ordem a garantir
que o mecanismo não é subvertido. Assim é, pelo facto de que, se o ente público
garantisse o ressarcimento das duas possibilidades de desfecho de sucesso, iria
motivar-se uma situação em que uma boa parte dos agentes económicos que
36
viessem a investir nestes projetos não iria estar genuinamente interessada no
sucesso do seu investimento, pondendo nem acreditar na viabilidade do projeto.
Estariam, pelo contrário, somente motivados pela possibilidade de lucrar
(facilmente, diga-se de passagem), porque o seu investimento estaria sempre
seguro pelo ressarcimento do fundo público. Ora, clausular o facto do risco correr
por conta do investidor, e tal significar o não ressarcimento do capital investido,
se os objetivos sociais não forem alcançados, é uma forma de, por um lado,
garantir que este programa não se torna numa espécie de depósito a prazo ou
investimento de risco mínimo, assegurando que o agente económico que
disponibiliza o financiamento o faz, precisamente, porque acredita na viabilidade
do projeto, e, por outro lado, também é uma forma de garantir que existe uma
seriedade no compromisso de ser sucedido, por parte de quem leva a cabo a
execução do projeto – o empreendedor – uma vez que este tem a consciência do
facto de que o fracasso do seu projeto implica, não só o seu insucesso, mas
também o prejuízo do seu investidor.
O terceiro programa, previsto na alínea c), é o designado Programa de
Parcerias para o Impacto. Este programa permite algo que os dois programas
referidos até agora não permitem, que é a concessão de subvenções (subsídios
públicos) não reembolsáveis. Isto é, o ente público, através da aplicação do fundo,
concede financiamento direto e desinteressado, sem exigir contrapartidas,
portanto, sem exigir o reembolso do financiamento. Trata-se de dar,
efetivamente, com um limite mínimo de cinquenta mil euros e um limite máximo
de 50% das necessidades de financiamento do projeto, o que é considerável. O
restante financiamento da necessidade de capital remanescente é feito por
investidores, ditos sociais. Quanto ao âmbito de destinatários do programa, a
alínea c) delimita-o a “... entidades da economia social, nomeadamente fundações e
misericórdias, para suporte a iniciativas de inovação e empreendedorismo social de
elevado impacto que se encontrem em fase embrionária ou exploratória;”. O website
acrescenta ainda que “O programa não é dirigido à implementação de projetos
novos sem historial de validação. Podem candidatar-se entidades do âmbito da
economia social, promotoras de iniciativa de inovação e empreendedorismo social,
37
bem como consórcios ou parcerias por estas liderados, que podem incluir entidades
públicas ou privadas.”21
Quanto ao último programa, previsto na alínea d) do ponto 2 da Resolução,
trata-se do programa de Capacitação para o Investimento Social. Este programa
tem como objetivo reforçar o apoio a atividades geradoras de impacto social já
existentes. O website refere que, em especial, o apoio é dirigido somente ao “...
reforço das suas capacidades organizativas e competências de gestão, com o
objetivo de as tornar mais preparadas para gerar impacto social e captar
investimento social (...) poderão utilizar esse montante para a contratação dos
correspondentes serviços de capacitação, os quais podem assumir qualquer
combinação de três formatos: formação, consultoria, mentoria.”22 A alínea d) do
ponto 2 da Resolução dita ainda que este apoio é feito através de vales de
capacitação, acrescentado o website23 que aqueles consistem na “... atribuição de
um montante fixo não reembolsável (até um valor máximo de 50.000€)”. Uma vez
mais, trata-se de uma subvenção não reembolsável. Portanto, este programa é
muito semelhante ao terceiro programa referido, de Capacitação para o Impacto.
O que os distingue é a delimitação maior ou menor do que é objeto de
apoio, o que se reflete correspetivamente na dimensão quantitativa do apoio
financeiro. O limite máximo da subvenção não reembolsável deste quarto
programa é o limite mínimo do mesmo apoio no terceiro programa. Todavia, um
programa visa o financiamento de todo um projeto de investimento, ao passo que
o outro contempla uma lógica mais individualizada e casuística, de reforço de
determinadas valências associadas a um projeto que já decorre. Valências que a
alínea d) reporta à condição do próprio empreendedor, associadas ao “... reforço
das suas competências no desenho e implementação de projetos de inovação e
empreendedorismo social.”
21 Ver nota de rodapé da página 34. 22 Ver nota de rodapé da página 34. 23 Ver nota de rodapé da página 34.
38
4. Tendências futuras sobre a atuação da Administração
Fiscal na tributação das pessoas coletivas
Com a reflexão que tivemos sobre todas estas questões e temáticas
relacionadas com a crescente flexibilidade da gestão administrativa do imposto,
podemos arriscar com alguma segurança concluir que o futuro próximo poderá,
possivelmente, reservar-nos uma realidade fiscal a que atualmente não estamos
totalmente familiarizados. Poderemos vir a assistir a um paradigma de micro
negociação do imposto, em concreto do imposto sobre o rendimento das pessoas
coletivas.
A Administração Fiscal, dotada de meios e capacidade de operacionalização
muito maiores que agora, procederia à negociação de um contrato fiscal com cada
pessoa coletiva, ressalvando talvez as pequenas e micro empresas, que
continuariam a ser tributadas ao abrigo de um regime geral. Com este cenário, os
contratos fiscais de cada grande e média empresa assumir-se-iam como
verdadeiras micro fontes do direito para os aplicadores no plano litigioso, face a
cada relação jurídica fiscal, da mesma forma que, por exemplo, os regulamentos
internos das empresas representam hoje fonte do direito para os litígios na área
do Direito do Trabalho.
Um outro aspeto que importa deixar referido, com a análise das tendências
futuras de atuação da Administração Fiscal, em sede de tributação das pessoas
coletivas, é a questão de analisar uma eventual aproximação a um Direito Global,
ou, pelo menos, analisar o conjunto de fenómenos, já existentes, que evidenciam
um caminho que aponta nesse sentido. Quanto à questão do princípio da
transparência fiscal, a crescente intensificação da troca de informações, de
natureza fiscal e bancária, relacionadas com a situação dos contribuintes,
realizada entre as Administrações Fiscais de diferentes Estados. Isto, no âmbito
do quadro da União Europeia, mas também entre os Estados Unidos e os próprios
países europeus, individualmente considerados. Já muito foi feito neste plano,
assim como ainda falta muito caminho a percorrer para chegar a uma realidade
semelhante à de um Direito Global.
39
Porventura, uma realidade futura dirá que as Administrações Fiscais terão
plena reciprocidade na troca de informações fiscais, num quadro global assente
numa intensa harmonização dos regimes fiscais – estando esta realidade global,
no mínimo, delimitada ao mundo ocidental e, talvez ainda, aos países não
ocidentais sob a esfera de influência daquele – eventualmente reforçadas por um
futuro quadro normativo que obrigue as entidades bancárias a revelarem as suas
informações, de natureza bancária, acerca da situação bancária dos contribuintes,
disponibilizando-as sempre que sejam requeridas pelas Administrações.
Talvez seja uma visão demasiado ambiciosa e longínqua, face à realidade
atual, ou desprovida dos necessários enquadramentos político-jurídicos, quer no
plano constitucional, quer quanto ao Direiro infra-constitucional. No entanto,
julgo que se soubermos entender as vantagens de um tal sistema,
compreenderemos que poderá vir a constituir-se como um futuro paradigma de
gestão administrativa da tributação das pessoas coletivas, na senda da crescente
necessidade dos Estados atraírem investimento externo, e manterem o
investimento interno, e com isto ser necessário manter próximas as relações de
comunicação, diálogo e cooperação entre a Administração e os contribuintes.
Uma definição dos termos de liquidação ou mesmo dos créditos ou
benefícios fiscais que irão operar no quantum final de imposto a pagar parece
algo inadmissível à luz do princípio da legalidade fiscal. Todavia, formados
regimes legais que enquadrassem, cada vez mais, tipos variados de contratos
fiscais, cada um deles apropriado a um determinado tipo de atividade e dimensão
empresarial, individualizaria cada vez mais o imposto aos sujeitos passivos dele
destinatários, o que pressuporia, teoricamente, que se adequariam melhor ao caso
concreto de cada empresa.
Portanto, está-se a assumir que a mesma lógica de personalização da
tributação, em virtude da situação concreta das circunstâncias do sujeito passivo,
que é característica do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, seria
transportada para a tributação das pessoas coletivas.
Em suma, o objetivo deste trabalho não passou por prever o futuro, por isso
deixaram-se estas reflexões apenas a título de possibilidades, enquanto eventuais
decorrências do que poderá ser o desenvolvimento dos sistema fiscais, sem
40
deixarmos qualquer compromisso. A intenção foi somente a de sublinhar os
aspetos que marcam as atuais tendências de atuação da Administração Fiscal na
tributação das pessoas coletivas, do ponto de vista material e finalístico,
projetando uma possibilidade de desenvolvimento.
No entanto, como investigador, devo também acrescentar algo à realidade
fática, propondo ideias, soluções e interpretações da realidade, sempre guiadas
por critérios de objetividade e sistematicidade, que nos auxiliam na compreensão
do sistema fiscal, e do tratamento que dele faz a Administração Fiscal.
Tiago Manuel Casquinho Teixeira Lisboa, Dezembro de 2015
Bibliografia NABAIS, José Casalta, Contratos Fiscais
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PIRES, Rita Calçada. Consensualismo
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RICARDO, Joaquim Fernando. Direito
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BROOKS, Emily. Blog: New Sustainability
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Disponível em: <URL:
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BAYAN, Marvin. Credits & Incentives
Update: Opportunities in the Eleventh
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Taxation. Property of CCH. Outuno de
2014. Vol. 32 Issue 4, p9-53. 4p. Base de
dados: Business Source Complete.
(consult. em 22 Out. 2015). Disponível
em :URL:
http://eds.a.ebscohost.com/eds/pdfviewe
r/pdfviewer?sid=f297c7bb-58a5-45a9-
8df026af820194c9%40sessionmgr4005&
vid=0&hid=4208.
Para mais literatura recomendada sobre as matérias abordadas pelo iLab, consultar a actividade de Curadoria Científica desenvolvida pelo iLab: http://ilab.cedis.fd.unl.pt/curadoria-cientifica/
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