UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
A APLICABILIDADE DOS FUNDAMENTOS DA POLÍTICA
JURÍDICA PELO OPERADOR DO DIREITO
JANARA DAS GRAÇAS PIRES ANDREON
Itajaí, 2007
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
A APLICABILIDADE DOS FUNDAMENTOS DA POLÍTICA JURÍDICA PELO OPERADOR DO DIREITO
JANARA DAS GRAÇAS PIRES ANDREON
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientadora: Professora Doutora Maria da Graça dos Santos Dias
Itajaí, 2007
AGRADECIMENTO
Ao Divino Espírito Santo pela iluminação espiritual;
Aos meus irmãos pela força e pelo carinho ao longo desses anos de vida;
Aos meus amigos pelo apoio e incentivo em todas as horas;
A minha orientadora, Profª Drª. Maria da Graça dos Santos Dias, por ter acreditado na presente
pesquisa e me auxiliado a chegar a reta final;
Aos grandes mestres que tive na academia, em especial ao Prof°. MSc. Josemar Sidnei Soares,
Prof°. MSc. Marcus Pina e
Prof°. MSc. Natan Ben-Hur Braga pelos conhecimentos transmitidos;
A todos aqueles, que de uma forma ou de outra, me ajudaram a seguir o caminho certo.
DEDICATÓRIA
A minha mãe pelo amor e apoio em todas as horas, e pelas palavras de sabedoria e incentivo;
Ao meu pai pelas lições de vida que aprendi e continuo a aprender;
Aos meus filhos Thiago e Stephanie pelo carinho e compreensão pelas horas de brincadeiras
roubadas de seu convívio;
Ao Prof°. MSc. Antonio Carlos Bottan pela paciência e sabedoria, que me incentivaram a prosseguir nesse trabalho, a quem com muito
orgulho chamo de mestre.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí, 2007.
Janara das Graças Pires Andreon Graduanda
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Janara das Graças Pires Andreon,
sob o título A Aplicabilidade dos Fundamentos da Política Jurídica pelo Operador
do Direito, foi submetida em junho de 2007 à banca examinadora composta pelos
seguintes professores: Maria da Graça dos Santos Dias ([Função]), e aprovada
com a nota [Nota] ([nota Extenso]).
Itajaí, 2007.
Profª. Doutora Maria da Graça dos Santos Dias Orientadora e Presidente da Banca
Prof. Mestre Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CC/1916 Código Civil Brasileiro de 1916
CC/2002 Código Civil Brasileiro de 2002
ROL DE CATEGORIAS
Dogma: Aquilo que é posto, como princípio ou doutrina1.
Fundamentos: “No plano filosófico pode-se entender por fundamento o valor ou o
complexo de valores que legitima uma ordem jurídica, dando a razão de sua
obrigatoriedade”2.
Humanismo: “A idéia de humanismo que formulamos para este trabalho volta-se
para o reconhecimento do ser humano como centro de paradigma ético, moral e
espiritual3”.
Operador do Direito - “É o advogado, o parecerista, o professor, o assessor
jurídico, o juiz, o legislador, enfim todo aquele que, impregnado de humanismo
jurídico e treinado na crítica social, apresente-se com a perspectiva das
possibilidades, ponha sua sensibilidade e sua experiência a serviço da construção
de um direito que pareça: mais justo, legítimo e útil”4.
Política Jurídica: É a disciplina jurídica que se ocupa do direito que deve ser, e
de como deva ser. Construída de forma reflexiva, ampla, interdisciplinar, de
caráter axiológico, fundamentada em princípios éticos, legítimos, e em critérios
práticos e objetivos de Justiça, visando a adequação, correção do direito posto e
mesmo a criação de novo direito. Decorrente do aprofundamento do
conhecimento sobre a utilidade social da norma, sua legitimidade e
correspondência aos anseios sociais, com vistas a uma melhor convivência entre
os indivíduos.
1 REALE, Miguel. Filosofia do direito.18. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 161. 2REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 594. 3SILVA, Moacyr Motta da. Direito, justiça, virtude moral & razão. Curitiba: Juruá, 2004. p. 157. 4MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio
Fabris /CPGD /UFSC, 1994. p. 132.
Princípio: Conforme Clemente de Diego5 Princípio “es el pensamiento directivo
que domina y sierve de base a la formación jurídica, de un Código o de todo un
Derecho de una institución jurídica, (...). El principio encarna el más alto sentido
de una ley o institución de Derecho, el motivo determinante, la razón informadora
Del Derecho (ratio juris), aquella Idea cardinal bajo la que se cobijan y por la que
se explican los preceptos particulares, a tal punto, que éstos se hallan con aquélla
en la propia relación lógica que la consecuencia al principio de donde se derivam”.
Racionalidade: “A racionalidade consistiria na singular capacidade da mente
humana em buscar a verdade6”.
Valor: O valor constitui um parâmetro objetivo que dá conteúdo específico e
sentido à ação humana, sendo considerado entidade objetiva, existente por si
mesmo e apenas descoberto pelo homem7.
5ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma
formulação dogmática constitucional adequada. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 54.
6TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais.São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. 128 p.
7ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência (através de um exame da ontologia de Nicolai Hartmam). 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 39.
SUMÁRIO
RESUMO...............................................................................................................X
INTRODUÇÃO....................................................................................................... 1
CAPÍTULO 1...........................................................................................................4
A COMPLEXIDADE E INCOMPLETUDE DA DOGMÁTICA JURÍDICA................4 1.1 CONCEITO DE DOGMÁTICA JURÍDICA ........................................................4 1.2 OS FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO E DO SISTEMA DOGMÁTICO..............................................................................................................................11 1.2.1 OBJETO DO DIREITO .......................................................................................21 1.2.2 AS ESCOLAS FILOSÓFICAS .............................................................................21 1.2.3 A ESCOLA EXEGÉTICA....................................................................................25 1.2.4 A DOUTRINA DO UTILITARISMO........................................................................27 1.3 DEFICIÊNCIA DA NORMA JURÍDICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO.....29 1.4 UTILIDADE (SOCIAL) DA NORMA JURÍDICA..............................................32 CAPÍTULO 2.........................................................................................................34 FUNDAMENTOS DA POLÍTICA JURÍDICA.........................................................35 2.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ............................................................35 2.2 A POLÍTICA JURÍDICA NA CONCEPÇÃO DE AUTORES ...........................38 2.2.1 O PENSAMENTO DE OSVALDO FERREIRA DE MELO...........................................38 2.2.2 A POLÍTICA JURÍDICA NA VISÃO DE HANS KELSEN............................................42 2.2.3 POLÍTICA JURÍDICA NA CONCEPÇÃO DE GILBERTO CALLADO DE OLIVEIRA .........44 2.2.4 A POLÍTICA JURÍDICA NO ENTENDIMENTO DE MIGUEL REALE.............................47 2.2.5 POLÍTICA JURÍDICA NA PERCEPÇÃO DE ALF ROSS ............................................49 2.2.6 A POLÍTICA JURÍDICA PARA MARIA DA GRAÇA DOS SANTOS DIAS .....................50 2.3 A NATUREZA E AS FUNÇÕES DA POLÍTICA JURÍDICA ...........................52 2.4 OBJETO E O OBJETIVO DA POLÍTICA JURÍDICA .....................................54 2.5 FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA POLÍTICA JURÍDICA...............56 2.6 FUNDAMENTOS AXIOLÓGICOS DA POLÍTICA JURÍDICA ........................58 CAPÍTULO 3.........................................................................................................60 A PRODUÇÃO DO DIREITO E OPAPEL DO OPERADOR JURIDICO ..............60 3.1 TEORIA DA PRODUÇÃO LEGISLATIVA DO DIREITO: ASPECTOS GERAIS DA RACIONALIDADE DA PRODUÇÃO LEGISLATIVA DO DIREITO ...............60 3.2 TEORIA DA PRODUÇÃO JUDICIAL DO DIREITO: ASPECTOS GERAIS DA RACIONALIDADE DA PRODUÇÃO JUDICIAL DO DIREITO.............................65 3.3 O PAPEL DO OPERADOR DO DIREITO SEGUNDO A DOGMÁTICA JURÍDICA .............................................................................................................76 3.4 PAPEL DO OPERADOR DO DIREITO COMO POLÍTICO JURÍDICO ..........78 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................91 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS..............................................................94
RESUMO
O tema da pesquisa vincula-se aos Fundamentos da Política
Jurídica, delimitado à análise das possibilidades de aplicação destes, pelo
operador do direito. Quanto ao problema da pesquisa, a Política Jurídica constitui
instrumento relevante, para o político do direito, na busca da implementação dos
valores do justo, da eqüidade, da ética e da utilidade (social) da norma, mediante
ajuste dos princípios de justiça política, compromissada com as necessidades
básicas do homem e com os anseios da Sociedade, em um determinado
momento histórico, respeitadas as singularidades políticas, sócio-culturais e
econômicas, através de critérios práticos, que possam nortear a produção das
normas jurídicas que devem visar o direito almejado pela coletividade, que, muitas
vezes, se opõe à dogmática jurídica, apenas preocupada com a interpretação e a
aplicação do direito vigente. Empreende-se esta pesquisa por intermédio da
pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, servindo-se do método indutivo. Percebe-
se como resultado a efetivação do objeto da Política Jurídica como o Direito que
deve ser e as possibilidades de aplicação dos fundamentos da Política Jurídica,
pelos operadores do direito, na construção de um Direito mais justo, com vista ao
social. A Política Jurídica preocupa-se com o direito que deve ser. Não objetiva
desestabilizar o direito posto, mas, vivificá-lo, pelo confronto deste com a
realidade social complexa e em constante transformação, atenta à legitimidade e
utilidade da norma, para a resolução dos conflitos com justiça, fornecendo ao
operador jurídico fundamentos para a aplicação, interpretação e adequação da
norma ao caso concreto.
Palavras-chave: Política Jurídica; Utilidade Social e Direito Positivo.
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto a análise das
possibilidades de Aplicação dos Fundamentos da Política Jurídica pelo Operador
do Direito.
O seu objetivo institucional é produzir Monografia para
obtenção do Título de Bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí-
UNIVALI.
Como objetivo geral busca-se à compreensão e o
aprofundamento do tema - A Aplicabilidade dos Fundamentos da Política Jurídica
pelo Operador do Direito, relativamente à sua esfera de competência e à sua
atividade profissional.
Os objetivos específicos são: Categorizar o conceito de
Política Jurídica e identificar seus Fundamentos.
Examinar a tarefa do Juspolítico, no enfrentamento do jus
positum, visando tornar a Sociedade mais justa, como Oliveira8 explicita, através
de um Direito também mais justo, mais perfeito e mais útil ao conjunto da
Comunidade.
Realizar um exercício reflexivo acerca das realidades
sociais, face à Política Jurídica, através da percepção, da comparação e da
descrição daquelas, objetivando verificar o grau de influência do Juspolítico na
atividade da produção legislativa e da produção judicial, pelo próprio magistrado,
nas situações de deficiência ou de injustiça do comando legal.
8O L I V E I R A , G i l b e r t o C a l l a d o . F i l o s o f i a d a p o l í t i c a j u r í d i c a : p r o p o s t a s
e p i s t e m o l ó g i c a s p a r a a p o l í t i c a d o d i r e i t o . I t a j a í : U N I V A L I , 2 0 0 1 , p . 4 8 .
2
Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando da
Complexidade e Incompletude da Dogmática Jurídica, conceito de Dogmática
Jurídica, os Fundamentos do Direito Positivo e o Sistema Dogmático, o objeto do
Direito, As Escolas Filosóficas, a Escola Exegética, A Doutrina do Utilitarismo,
Deficiência da Norma Jurídica e por derradeiro, da Utilidade (social) da Norma
Jurídica.
No Capítulo 2, tratando da Política Jurídica, propriamente
dita, procura-se identificar, em alguns autores o conceito de Política Jurídica, sua
natureza, suas funções, seu objeto e objetivo, seus fundamentos epistemológicos
e axiológicos.
No Capítulo 3, tratando da Produção e Aplicabilidade do
Direito e do Papel do Operador Jurídico, analisa-se a Teoria da Produção
Legislativa do Direito: aspectos gerais da Racionalidade da Produção Legislativa
do Direito, Teoria da Produção Judicial do Direito: aspectos gerais da
Racionalidade da Produção Judicial do Direito, Papel do Operador do Direito
segundo a Dogmática Jurídica e por fim o Papel do Operador do Direito como
Político do Direito.
O presente Relatório de Pesquisa encerra-se com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos
destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões
sobre as possibilidades de aplicação dos fundamentos da Política Jurídica pelo
operador do direito.
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses:
Os Fundamentos da Política Jurídica são substrato eficaz,
cujo emprego pode implicar a prevalência da justiça, da eqüidade, da ética e da
utilidade social, no desenvolvimento da atividade de aplicação do direito?
Por meio da utilização dos Fundamentos da Política do
Direito, o Operador do Direito pode conduzir-se, no exercício de seus misteres, de
modo a amoldar sua atuação aos fins sociais a que a Norma de Direito se destina
3
e aos princípios axiológicos regentes da Sociedade em que se insere e pode
influenciar na própria produção do Direito Positivo, com suporte nos fundamentos
e/ou níveis de racionalidade da produção legislativa e nos Fundamentos e/ou
níveis de racionalidade da produção judicial do direito.
O Operador do Direito poderá aplicar os Fundamentos da
Política Jurídica através da interpretação da norma e mesmo na ausência de
norma com fundamento nos Princípios Gerais do Direito, com vista a efetivação da
Justiça e a utilidade social da norma.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase
de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados
o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente
Monografia é composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as
Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa
Bibliográfica.
CAPÍTULO 1
A COMPLEXIDADE E INCOMPLETUDE DA DOGMÁTICA JURÍDICA
1.1 CONCEITO DE DOGMÁTICA JURÍDICA
Ao tratar-se deste tema, faz-se necessário um breve
entendimento a respeito do que é um Dogma. É possível definir dogma, segundo
Reale9, como “aquilo que é posto, como princípio ou doutrina”. Consoante o
mesmo autor10, o dogmatismo revela, na maioria das vezes, uma convicção no
poder da razão ou da intuição como instrumentos de acesso ao real em si, sem
limites a priori.
Inicialmente, far-se-á uma incursão pela doutrina para
melhor compreender o surgimento e a formação do pensamento dogmático no
mundo jurídico.
A primeira herança que marcou a Dogmática Jurídica
conforme, Ferraz Júnior, citado por Andrade11: “é o pensamento prudencial
romano, cujo desenvolvimento, através do uso da técnica dialética, conduziu os
romanos a um saber considerado de natureza prática, isto é, que procura fornecer
diretivas para a ação”. Onde os conflitos seriam resolvidos por decisões de
autoridade. Mas para que as decisões fossem corretas, era indispensável possuir
condições para tal. Desta necessidade surge o pensamento prudencial, com suas
9 REALE, Miguel. Filosofia do direito.18. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 161. 10REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 162. 11ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e
identidade. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003. p. 31.
5
regras, princípios, figuras retóricas, meios de interpretação, instrumento de
persuasão, etc.
O Direito passa a ser visualizado como “uma ordem
reguladora dotada de validade para todos, em nome da qual se discute e se
argumenta”, conforme esclarece Andrade12.
Na concepção de Andrade13, a segunda herança latente, na
idade medieval, que iria marcar a Dogmática Jurídica, é a proveniente da tradição
exegética, que cumulando com o pensamento prudencial, passa a ser
caracterizada pela sua dogmaticidade.
Apesar do surgimento da dogmaticidade, não foi extinto o
pensamento prudencial romano e sim redefinido, atuando conjuntamente com a
dogmática de forma combinada, prudência e dogmática, conforme coloca Ferraz
Junior14: “a prudência se fez dogmática”.
Surge, então, segundo Andrade15 a terceira grande herança
que irá marcar o paradigma dogmático: “a herança sistemática proveniente do
jusnaturalismo racionalista da era moderna”.
O pensamento jurídico medieval era dominado pela
tendência exegética de caráter dogmático. Que foi sendo alterado, pelo Direito
Racional, que proporcionará o elo entre pensamento jurídico e pensamento
sistemático.
Decorrente disto, a credibilidade que era posta nos textos
romanos, passa a ser suprida pela crença nos princípios da razão. No entanto,
estes deveriam ter sua aplicação sistematizada. 12ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e
identidade. p. 32. 13ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e
identidade. p. 32/33. 14FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,
dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 63. 15ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e
identidade. p. 34.
6
Com isso, esclarece Andrade16 a teoria jurídica além da
exegese e da interpretação passa a possuir um caráter “lógico-demonstrativo de
um sistema fechado, cuja estrutura dominou e domina até hoje os códigos e o
pensamento jurídico”.
A teoria jurídica da autoridade desloca-se para a razão.
Sobre esse aspecto introduziu-se a noção de sistemas na Dogmática, como uma
herança. Herança esta que constitui uma das notas típicas do paradigma
dogmático17.
O paradigma Dogmático define suas linhas mestras de
forma mais concisa a partir do século XIX, onde ocorre a configuração definitiva
de seus elementos característicos, a qual já foi tratada anteriormente e, agora, de
forma sintetizada, conforme o pensamento de Ferraz Júnior mencionado por
Andrade18:
A verdade é que nos países de tradição românica o conhecimento do Direito tomou, inicialmente, a forma de uma técnica elaborada que os romanos chamaram de jurisprudentia, caracterizada como um modo peculiar de pensar problemas sob forma de conflitos a serem resolvidos por decisão de autoridade, mas procurando, sempre, fórmulas, generalizadoras que constituíram as chamadas doutrinas. Na Idade Média, sobretudo na época dos glosadores, àquela técnica jurisprudencial acrescentou-se ainda, como um ponto de partida para qualquer discussão, a vinculação a certos textos romanos, especialmente o ‘Código Justiniano’, o que foi dando às disciplinas jurídicas uma forma de pensar eminentemente exegética, base da Dogmática Jurídica. Com o advento do Racionalismo, nos séculos XVII e XVIII, a crença nos textos romanos acabou substituída pela crença nos princípios da razão, os quais deveriam ser investigados para serem aplicados de modo sistemático. No entanto, foi no século XIX que as grandes linhas mestras da Dogmática Jurídica se definiram. A herança jurisprudencial, a herança exegética e a herança sistemática converteram-se na base sobre a qual se erigiu a Dogmática Jurídica, tal qual a conhecemos hoje, à qual o século XIX acrescentou a perspectiva histórica e social.
16ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e
identidade. p. 35. 17ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e
identidade. p. 36. 18ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e
identidade. p. 22/23.
7
Todavia, não pode ser concebida como mero produto de
recepção linear e cumulativa destas tradições, pois, resulta de exigências e
condicionamentos específicos do século XIX, sendo considerada como produto
deste tempo e fruto de uma confluência de fatores. Sob este enfoque, Faria apud
Andrade19 sustenta:
(...) a dogmática Jurídica não pode ser vista como o produto ou resultado de uma evolução de conceitos e métodos através da história do pensamento científico. Ela deve ser entendida, também, como resposta a certos imperativos institucionais que permeiam, moldam e conformam a própria cultura jurídica de natureza positivista e de inspiração liberal. (...) representa, igualmente, uma atitude ideológica que lhe serve de base e um ethos cultural específico.
A Dogmática Jurídica é entendida como “um paradigma
científico”, situando as heranças e matizes que o condicionam e a identidade
(metodológica, ideológica, funcional e epistemológica) que, ao longo desta
configuração foi assumindo, conforme explicita Andrade20:
Na auto-imagem da Dogmática Jurídica ela se identifica com a idéia de Ciência do Direito que tendo por objeto o Direito Positivo vigente em um dado tempo e espaço e por tarefa metódica (imanente) a “construção” de um “sistema” de conceitos elaborados a partir da “interpretação” do material normativo, segundo procedimentos intelectuais (lógico-formais) de coerência interna, tem por finalidade ser útil à vida, isto é, à aplicação do Direito.
A Dogmática Jurídica é considerada uma Ciência
axiologicamente neutra, cuja tarefa está em interpretar as normas jurídicas, sendo
classificada entre as Ciências sistemáticas, descritiva e prática, dotada de total
neutralidade valorativa, cuja finalidade é propor a partir da interpretação do Direito
Positivo, uma maior segurança normativa, oferecendo aos juristas a possibilidade
19ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e
identidade. p. 23. 20ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e
identidade. p. 18.
8
da aplicação de decisões iguais para situações iguais, conforme se identifica no
pensamento de Andrade21:
Desta forma, na sua tarefa de elaboração técnico-jurídica do Direito vigente a Dogmática, partindo da interpretação das normas jurídicas produzidas pelo legislador e explicando-as em sua conexão interna, desenvolve um sistema de teorias e conceitos que, resultando congruente com as normas, teria a função de garantir a maior uniformização e previsibilidade possível das decisões judiciais e, conseqüentemente, uma aplicação igualitária (decisões iguais para casos iguais) do Direito que, subtraída à arbitrariedade, garante essencialmente a segurança jurídica.
A Dogmática Jurídica é compreendida, no pensamento de
Adeodato22, como sendo a forma predominante do Estado moderno. O autor23
define a Dogmática como sendo “um fenômeno histórico sem precedentes”.
Tendo como principais requisitos a obrigatoriedade de argumentar “tomando por
base uma norma alegadamente preexistente e elemento componente do sistema
ou ordenamento jurídico, a inegabilidade dos pontos de partida”. O outro requisito
defendido por Adeodato é a obrigatoriedade de decidir: o juiz não pode eximir-se
de decidir, sob alegação de lacuna ou obscuridade da lei e até mesmo por
qualquer outro motivo.
Consoante Alexy, narrado por Atienza24, tratando da
argumentação jurídica, procura identificar as funções da Dogmática Jurídica da
seguinte maneira:
(...) de estabilização (uma vez que fixa durante longos períodos de tempo determinadas formas de decisão), de progresso (amplia a discussão jurídica em sua dimensão temporal, de objeto e pessoal), de descarga (não é preciso voltar a discutir tudo a cada vez), técnica (a apresentação unificada e sistemática da matéria serve como informação e promove o ensino e a capacidade de transmissão), de controle (ao permitir decidir casos, referindo-se aos já decididos e aos por decidir, acrescenta a eficácia do
21ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e
identidade. p. 18. 22 ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência
(através de um exame da ontologia de Nicolai Hartmam). p. 13. 23 ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência
(através de um exame da ontologia de Nicolai Hartmam). p. 13. 24 ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. 2. ed. Trad. Cristina
Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy, 2002. p. 260/270.
9
princípio da universalidade e da justiça) e heurística (as dogmáticas contém modelos de solução e sugerem novas perguntas e respostas).
O autor25 defende o uso das regras da argumentação
dogmática. Contudo, observa a necessidade de alicerçar os enunciados
dogmáticos, em proposições práticas de tipo geral, possibilitando que os
enunciados dogmáticos sejam comprovados sistematicamente, em sentido estrito
e em sentido amplo.
Para Bobbio26, o “juspositivismo concebe a ciência jurídica
como uma ciência construtiva e dedutiva; (...) que consiste na elaboração de
conceitos jurídicos fundamentais, extraídos da base do próprio ordenamento
jurídico e, enquanto tais, não sujeitas à revisão ou discussão”.
Neste ponto, se observa a grande falha da dogmática, ou
seja, no momento que trata o direito como uma estrutura fechada, deixa de
considerar a própria evolução da sociedade, que é constante e mutável.
Desta forma, acrescenta27:
O juspositivismo tem uma concepção formalista da ciência jurídica, visto que na interpretação dá absoluta prevalência às formas, isto é, aos conceitos jurídicos abstratos e às deduções puramente lógicas que se possam fazer com base neles, com prejuízo da realidade social que se encontra por trás de tais formas, dos conflitos de interesses que o direito regula, e que deveriam (segundo os adversários do positivismo jurídico) guiar o jurista na sua atividade interpretativa.
Ao tratar-se a Dogmática Jurídica como uma Ciência, vale
mencionar que não é um posicionamento unânime quanto a sua cientificidade no
campo epistemológico, conforme menciona Andrade28 em duas grandes
objeções, inicialmente, por seu objeto não estar diretamente ligado a fatos e pela
25 ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. 2. ed. Trad. Cristina
Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy, 2002. p. 260/270. 26 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 220. 27 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 221. 28 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e
identidade. p. 99/100.
10
inexistência de controle empírico ou lógico, como as demais ciências. A
dogmática não tem como compromisso primordial à produção do conhecimento
de seu objeto. Ela tem como foco um compromisso imediato e um fim prático. Seu
compromisso intrínseco é aprimorar o conhecimento do seu objeto, de forma
objetiva e desinteressada. Seu esforço concentra-se em numa função prática,
com enunciados prescritivos.
Conforme explicita Atienza29, a dogmática pode cumprir uma
função social útil independente de tratar-se ou não de uma atividade científica.
A Dogmática Jurídica configura-se, portanto, através de um
processo multifário, apresenta uma origem plural, que impossibilita captar nela um
corpo doutrinário homogêneo. Trata-se não apenas de um conceito histórico, mas
de um conceito essencialmente complexo, no entanto, não faz parte da dogmática
o processo sendo essa a inteligência de Andrade30.
Na Dogmática inexiste um processo criativo, mas somente
uma função meramente interpretativa.
Nesta senda, Atienza31 pontua, que a Dogmática parte das
leis, das normas jurídicas enquanto realidade já formulada, para sobre esta base,
abordar os problemas conectados com a interpretação e aplicação do direito
enquanto produto. A Dogmática jurídica dirige-se basicamente aos interpretes do
direito. Ou seja, ela tem como preocupação, única e exclusiva, à interpretação do
direito após a sua elaboração, visa tão somente interpretar e aplicar o direito já
concebido, de forma neutra, sem cunho axiológico. O seu objeto está diretamente
ligado ao direito já concebido, não possuindo um papel criativo.
29ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. Madrid: Civitas, 1997. p.16. 30ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e
identidade. p. 29. 31ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. Madrid: Civitas, 1997. p. 21.
11
1.2 OS FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO E DO SISTEMA DOGMÁTICO
Verifica-se na obra de Jaeger32, que na civilização grega
começa a surgir a necessidade de leis escritas, por parte da população, em
decorrência de algumas decisões serem consideradas arbitrárias pela maioria dos
indivíduos, por falta de leis previamente conhecidas para que as pessoas
possuíssem um parâmetro o qual deveria ser a referência comportamental
individual para cada cidadão. Essa necessidade ocorre também na evolução do
direito, mas com o argumento de que as leis teriam que ser previamente
formuladas e conhecidas, e não que fossem elaboradas conforme surgissem os
conflitos a serem decididos como ocorriam nos primórdios, pois, segundo alguns
pensadores, esta elaboração da lei segundo o caso a ser resolvido poderia levar a
arbitrariedades por parte do julgador e causaria instabilidade na sociedade.
Na história da humanidade houve duas grandes correntes de
Direito: Direito Natural e Direito Positivo.
Para buscar os fundamentos do Direito Positivo, é mister
uma construção evolutiva do Direito. Inicia-se pela compreensão destes dois
fenômenos jurídicos: Direito Natural e Direito Positivo, suas características e suas
diferenças, tanto no campo teórico como no campo prático.
Nos primórdios, o Direito Natural e o Direito Positivo
equiparavam-se no sentido de que nenhum se sobrepunha ao outro.
Na Idade Média, ao contrário, o Direito Natural passa a ser
considerado superior ao Direito Positivo, por tratar-se de norma posta pela
vontade de Deus, à razão humana ou, como diz São Paulo lembrado por
Bobbio33, “como a lei escrita no coração dos homens”. Desta forma os
jusnaturalistas consideravam que o Direito Natural era superior ao Direito Positivo,
mas, ambos eram qualificados como Direito. 32JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. 4 ed. Trad. Artur M. Parreira. São
Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 137/138. 33BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini, Carlos E. Rodríguez. São Paulo: Ícone, 1995. p. 25.
12
No fim do século XVIII, (limiar do positivismo jurídico)
Bobbio34 citando Glück afirma que se encontra em seu Commetario alle Pandette
uma distinção entre Direito Natural e Direito Positivo:
O direito se distingue, segundo o modo pelo qual advém à nossa consciência, em natural e positivo. Chama-se direito natural o conjunto de todas as leis, que por meio da razão fizeram-se conhecer tanto pela natureza, quanto por aquelas coisas que a natureza humana requer como condições e meios de consecução dos próprios objetivos... Chama-se direito positivo, ao contrário, o conjunto daquelas leis que se fundam apenas na vontade declarada de um legislador e que, por aquela declaração, vêm a ser conhecidas.
O surgimento do Positivismo Jurídico ocorre quando o
Direito positivo e o Direito Natural não são mais concebidos como direito no
mesmo sentido. Acontece a incorporação do Direito Natural pelo Direito Positivo.
O Direito Natural deixa de ser considerado como Direito.
De acordo com Bobbio35, esta passagem do jusnaturalismo
ao positivismo vem com o surgimento do Estado moderno:
(...) as sociedades medievais eram pluralistas, posto serem constituídas por uma pluralidade de agrupamentos sociais cada um dos quais dispondo de um ordenamento jurídico próprio: o direito aí se apresenta como um fenômeno social, produzido não pelo Estado, mas pela sociedade civil. Com a formação do Estado moderno, ao contrário, a sociedade assume uma estrutura monista, no sentido de que o Estado concentra em si todos os poderes, em primeiro lugar aquele de criar o direito: não se contenta em concorrer para esta criação, mas quer ser o único a estabelecer o direito, ou diretamente através da lei, ou indiretamente através do reconhecimento e controle das normas de formação consuetudinárias.
Surge o chamado processo de monopolização da produção
jurídica pelo Estado36. No Estado primitivo não existia a preocupação de produzir
normas jurídicas, isto ficava a cargo do desenvolvimento da própria sociedade
civil.
34 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 21. 35 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 27. 36 Denominação dada por BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito.
p. 27.
13
Nesta época, o juiz, de tempos em tempos, elaborava a
norma geral que deveria ser seguida e respeitada por todos e a qual era a base
para a solução dos conflitos. Todavia, o juiz ao resolver os conflitos não ficava
preso à lei, poderia fazer uso de regras de costumes, ou ainda poderia basear-se
em critérios eqüitativos retirados do próprio conflito que estava decidindo.
Com o surgimento do Estado moderno, o juiz, de membro da
sociedade civil, passa para a categoria de funcionário do Estado. Perde a
liberdade que possuía ao dirimir os conflitos, e não pode mais fazer uso de
normas sociais, somente as que eram postas pelo Estado.
Na Inglaterra, Hobbes combate o estado de natureza, por
entender que nesta época não existia um direito que fosse respeitado por todos,
por não haver um poder que os obrigasse a tal comportamento. Combate, então,
a Cammon law37 (que era fruto da sapiência dos juizes), negando seu valor, pois,
para ele o direito “é a expressão de quem tem o poder”.
Hobbes referido por Bobbio38 acrescenta: “Direito é o que
aquele ou aqueles que detêm o poder soberano ordenam aos seus súditos,
proclamando em público e em claras palavras que coisas eles podem fazer e
quais não podem”.
Bobbio39 identifica, nesta afirmação de Hobbes, dois
caracteres típicos da concepção positivista do direito, que são o formalismo e o
imperativismo.
No formalismo, a definição do direito é fornecida apenas
com base na autoridade que a impõem, não definindo seu conteúdo e nem
tampouco sua finalidade.
37 Direito consuetudinário tipicamente anglo-saxônico que surge diretamente das relações sociais,
e é acolhido pelos juízes nomeados pelo rei. Era um direito que limitava o soberano. Entendimento retirado da obra de: BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 31/32.
38 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 36. 39 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 37.
14
Já o Imperativismo define o direito como um conjunto de
normas, onde o soberano determina o que os súditos podem ou não fazer. Sendo
também definido como um comando que está ligado a concepção absolutista do
Estado.
Esta concepção do direito defendida por Hobbes tem por
objetivo a realização da paz social, em contra partida com as guerras religiosas
que estavam ocorrendo na Inglaterra e na Europa em geral. Defendia a
necessidade de desvincular o poder da Igreja do Poder do Estado, para que este
prevalecesse e fosse o único poder e que a igreja fosse apenas um serviço.
Hobbes apud Bobbio40 também traz uma outra resposta.
Além da absolutista, apresenta a resposta liberal. Esta resposta baseia-se: “(...)
na tolerância religiosa: o Estado não elimina as partes em conflito e sim deixa que
o próprio embate se desenvolva entre os limites do ordenamento jurídico posto
pelo próprio Estado”.Ocorre, então, a passagem da concepção absolutista para a
liberal. Desta forma, acrescenta o mesmo autor41:
(...) a concepção liberal acolhe a solução dada pelo absolutismo ao problema das relações entre legislador e juiz, a saber, o assim dito dogma da onipotência do legislador (a teoria da monopolização da produção jurídica pelo legislador) as codificações, que representam o máximo triunfo celebrado por este dogma, não são um produto do absolutismo, mas do iluminismo e da concepção liberal do Estado.
No entanto, tal teoria, segundo Bobbio, apresenta duas
faces: a absolutista e a liberal. Absolutista porque só o legislativo criava as leis,
evitando as possíveis arbitrariedades por parte do judiciário, por estar restrito ao
ordenamento criado pelo legislativo. Porém, como evitar arbitrariedades por parte
do legislativo, que seriam mais graves (por serem feitas para toda uma
sociedade), que a arbitrariedade judicial, pois esta atingiria apenas as partes do
conflito em questão. Para impedir tal arbitrariedade por parte do legislativo
instigou-se alguns expedientes constitucionais. Os principais são: A separação
40 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 37-38. 41 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 38.
15
dos poderes – onde o poder legislativo não era atribuído ao príncipe (executivo),
mas a um colegiado e que subordinava o príncipe a ele- e a Representatividade-
onde o legislativo representa toda a sociedade, mediante a técnica da
representatividade política.
O significado histórico do positivismo jurídico na
compreensão de Bobbio42 é: “(...) aquela doutrina segundo a qual não existe outro
direito senão o positivo”, atualmente tal doutrina é definida como direito positivo.
Nesta senda, Bobbio43 consigna:
(...) que o termo direito positivo de maneira bem específica, como direito posto pelo poder soberano do Estado, mediante normas gerais e abstratas, isto é, como ‘lei’. Logo, o positivismo jurídico nasce do impulso histórico para a legislação, se realiza quando a lei se torna fonte exclusiva -ou, de qualquer modo, absolutamente prevalecente - do direito, e seu resultado último é representado pela codificação.
De acordo com o entendimento de Bobbio44, as
características fundamentais do positivismo jurídico podem ser resumidas em sete
pontos ou problemas:
O primeiro deles relaciona-se com o modo de abordar o
direito: o positivismo jurídico considera “o direito como um fato e não como um
valor”. Decorrente deste ponto, surge a teoria da validade do direito, ou teoria do
formalismo, a qual funda a validade do direito na sua estrutura formal, e não em
seu conteúdo. Para o positivismo jurídico a validade da norma não requer atestar
seu valor.
O segundo problema apresentado por Bobbio45 refere-se à
definição do direito: “o juspositivismo define o direito em função do elemento da
coação, de onde deriva a teoria da coatividade do direito”. Ou seja, é o direito que
42 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 119. 43 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 131. 44 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 131. 45 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 131.
16
vigora e se faz valer pelo uso da força. Tal teoria foi formulada não pelo
positivismo, mas pelo jusnaturalista alemão de Christian Thomasius.
No pensamento de Jhering apud Bobbio,46 esta teoria
assume um significado diverso do anterior: “o direito é um conjunto de normas
que regulam o uso da força coativa”. Esta teoria é mencionada também por
Kelsen apud Bobbio47: “Uma regra é uma regra jurídica não porque a sua eficácia
é assegurada por uma outra regra que dispõe uma sansão; uma regra é uma
regra jurídica porque dispõe uma sansão”. Para Kelsen, a sansão não é um meio
para realizar a norma, mas sim um componente da própria norma. Esse
pensamento é também assegurado por Ross48: a relação existente entre a norma
e força, está relacionada a aplicação da força para assegurar o cumprimento da
norma, sendo imprescindível a um sistema jurídico tal uso.
O terceiro problema, segundo o mesmo autor,49 diz respeito
às fontes do direito. O positivismo jurídico afirma:
(...), a teoria da legislação como fonte preeminente do direito, isto é, como este considera o direito sub specie legis (...). O positivismo jurídico elabora toda uma complexa doutrina das relações entre a lei e o costume (excluindo-se o costume contra legem ou costume ab-rogativo e admitindo somente o costume secundum legem e eventualmente o praeter legem), das relações entre lei e direito judiciário e entre lei e direito consuetudinário.
O quarto problema encontrado por Bobbio50 refere-se à
teoria da norma jurídica, a qual é compreendida como um comando, formulando a
“teoria imperativa do direito”.
O quinto problema diz respeito, segundo Bobbio51, à “teoria
do ordenamento jurídico, que considera a estrutura não mais da norma
isoladamente tomada, mas do conjunto de normas jurídicas vigentes numa
46 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 155. 47 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 157. 48 ALF, Ross. Direito e justiça. p. 53. 49 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 132. 50 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 132. 51 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 132.
17
sociedade”. Por ela, o positivismo sustenta a teoria da coerência e da
completude: na teoria da coerência, afirma que não podem existir duas normas
contrárias, pois uma das duas, ou as duas serão inválidas. De acordo com o
requisito da completitude, Bobbio52 argumenta:
(...), o positivismo jurídico afirma que, de normas explicita ou implicitamente contidas no ordenamento jurídico, o juiz pode sempre extrair uma regula decidendi para resolver qualquer caso que lhe seja submetido; o positivismo jurídico exclui assim definitivamente a existência de lacunas no direito.
O sexto ponto destacado por Bobbio refere-se ao método da
Ciência Jurídica, concernente à interpretação53, em que, para o positivismo
jurídico, o juiz é uma “calculadora”.
O sétimo ponto está ligado à teoria da obediência. Por ele, a
lei deve ser sempre obedecida.
Do pensamento de Melo54, extrai-se a síntese do ideal
positivista: “Tudo no Estado e para o Estado, nada fora dele”. Eis que o
Positivismo Jurídico não admitia a criação do Direito pelo poder judiciário.
Para Melo55, o direito é mais que uma disciplina explicativa:
“O Direito não é uma disciplina apenas explicativa, mas principalmente uma
disciplina normativa que tem por fim último à criação de uma sociedade tão
harmoniosa e justa quanto for possível”.
Bobbio56 defini o Direito Positivo “como o conjunto daquelas
leis que se fundam apenas na vontade declarada de um legislador e que, por
aquela declaração, vêm a ser conhecidas”.
52 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 133. 53 Entender a interpretação em sentido lato, para poder compreender toda a atividade científica do
jurista, interpretação stricto sensu, integração, construção, criação. Bobbio, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 133.
54 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política jurídica. p. 82. 55 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política jurídica. p. 82. 56 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 25.
18
Bergel57 coloca que o direito visa “a estabelecer uma ordem
social harmoniosa e a reger as relações sociais com o cuidado de nelas
promover, em graus diferente conforme os casos, uma certa ordem moral, a
segurança jurídica ou progresso social”.
O Direito tem por objetivo regular a livre convivência entre os
indivíduos, de diferentes grupos, de forma pacífica. Em caso de rompimento
dessa harmonia, por desrespeito a direito de outrem, essa poderá ser
restabelecida, através da aplicação, da norma, ao caso concreto.
O Direito deve ser entendido como sistema composto, ou
seja, que englobe todo o aparato normativo, o caso concreto e que tenha como
preocupação constante, o reflexo que sua aplicação terá no contexto social em
que surgiu o conflito a ser resolvido. Por isso, não pode ser uma disciplina
estática, engessada. É imprescindível entender que o Direito encontra-se em
constante evolução.
Para a formulação de um conceito de Direito, tem-se que ter
em vista, a sua abrangência, que esta seja a mais ampla possível. Tentar estreitar
o conceito de Direito corre-se o risco de reduzir-lhe a aplicação e legitimidade. O
cuidado que se busca ter é de compactar em seu núcleo suas principais fontes,
que são os Princípios, a Regra, os Costumes, a Jurisprudência, a Doutrina e sem
nunca perder de vista o contexto social, em que será criado e aplicado.
Para compreender o Direito e visualizar seu campo de
atuação, é necessário que se responda a certos questionamentos: Por quê?
Quando? Como?
O porquê, no entendimento de Bergel58
permite detectar-lhe a finalidade e o espírito que tem de ser respeitado para a interpretação, a evolução e a aplicação das
57 BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito. p. Introdução XXI. 58 BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito. p. Introdução XXIV.
19
normas, a fim de que não sejam desviadas de seu objeto e de que a coerência do sistema não seja corrompida.
O doutrinador59, afirma que o quando “determina o campo
de aplicação e os limites de um sistema, de uma instituição ou de uma regra”. O
quando fornece as limitações, subordina à reunião de condições rigorosas, ou
residual, mas sempre sem perder de vista sua possibilidade de elasticidade.
O como corresponde “ao caráter imperativo ou supletivo das
disposições ou dos estudos considerados, a possibilidade de derrogá-los, a força
obrigatória deles, o tipo de sanções aplicáveis”60.
O fundamentar é “apegar-se à essência do direito para
poder apreender-lhe a substância, pois a execução do direito é indissociável de
uma boa compreensão do fenômeno jurídico”61.
O Direito é um fenômeno espontâneo que nasce da relação
das pessoas que vivem em grupos e se impõe por si só a toda a vida social, ou é
só o conjunto de regras impostas pelo poder público?
No decorrer dos argumentos, constata-se que o Direito é um
fenômeno espontâneo, que nasce do núcleo social. Pois, elabora-se uma linha
evolutiva do direito, observar-se-á que ele decorre do seio da sociedade. Por isso,
que com os novos paradigmas que surgem e desabrocham de forma interna dos
grupos, o direito brota junto, de forma tímida, mas com o decorrer do tempo vai
tomando forma, e firma-se através do direito positivo, por vontade do legislador,
legitimado pelo povo.
Neste contexto, não se pode afirmar que o direito é apenas
um conjunto de regras impostas pelo poder público. Para assegurar o seu zelo
existe a necessidade de atuação do poder público, por isso, a existência da
59 BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito. p. Introdução XXIV. 60 BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito. p. Introdução XXV. 61 BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito. p. Introdução XXX.
20
possibilidade de aplicação de uma sansão, para impor respeito e observância a
norma concebida. No entanto, a grande nascente do direito vem do âmago social.
Definir o Direito de forma homogênea e definitiva parece
impossível, afirma Bergel62.
O termo Direito pode ser interpretado por diversos
estudiosos, nas várias áreas do saber, no sentido de justiça, de justo. Enquanto,
para os juristas, significa, “regras de direito”. Ou seja, na sua maioria, aplica-se a
lei sem uma análise de cunho axiológico, desvinculando-se do contexto social em
que o caso singular está sendo julgado.
Para Del Vecchio63 o Direito é “a coordenação objetiva das
ações possível entre vários sujeitos, segundo um princípio ético que as determina,
excluindo qualquer impedimento”.
Enquanto para Kelsen64 o Direito “é uma ordem da conduta
humana. Uma ‘ordem’ é um sistema de regras. O Direito não é, como às vezes se
diz, uma regra. É um conjunto de regras que possui o tipo de unidade que
entendemos por sistema”.
Já para Kant65 o “direito é, portanto, a soma das condições
sob as quais a escolha de alguém pode ser unida à escolha de outrem de acordo
com uma lei universal de liberdade”.
Provisoriamente, afirma Bergel66 que o Direito é “uma
disciplina social constituída pelo conjunto das regras de conduta que, numa
sociedade com maior ou menor organização, regem as relações sociais e cujo
respeito é garantido, quando necessário, pela coerção pública”.
62 BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito. p. 5. 63 DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de filosofia do direito. Trad. Antonio José Brandão. 5 ed.
Coimbra: Armênio Amado, 1979, p. 363. 64 KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. 1988, p. 5. 65 KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Bauru, São Paulo: Edipro, 2003, p. 76. 66 BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito. p. 6.
21
Neste contexto, Bergel67 identifica o Direito, de forma
concomitante, como sendo “o produto dos fatos e da vontade do homem, um
fenômeno material e um conjunto de valores morais e sociais, um ideal e uma
realidade, um fenômeno histórico e uma ordem normativa, um conjunto de atos de
vontade e de atos de autoridade, de liberdade e de coerção”.
1.2.1 Objeto do Direito
Poder-se-ia perguntar o que é o Direito? Haveria respostas
diversas, de acordo com o pensamento de cada um nas mais variadas áreas do
saber.
Definir o objeto da Teoria do Direito é o que se propôs
Kelsen, quando escreveu suas célebres obras Teoria Pura do Direito e Teoria
Geral das Normas.
Segundo Kelsen68, o Direito é a ciência que tem por objeto
as normas, negando qualquer tipo de valoração às mesmas, estudando seu
objeto nos aspectos estático e dinâmico. O estático refere-se ao sistema de
normas que regulam as condutas humanas em sua reciprocidade e o dinâmico diz
respeito a uma série de atos pelos quais o Direito é criado e, a seguir aplicado.
Caracterizando-o como uma técnica de coação social estreitamente ligada a uma
ordem social que tem por finalidade manter.
Para Reale69, a “ciência do Direito tem por objeto o mesmo
fenômeno histórico-social que chamamos fenômeno jurídico”.
1.2.2 As Escolas Filosóficas
As diversas formas e concepções apresentadas até o
momento estão sempre relacionadas a determinados pensadores de determinada
época. Cada pensador pertencia às chamadas Escolas Filosóficas, que auxiliaram
67 BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito. p. 6. 68 KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. p. 410. 69 REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 75.
22
na formação e no entendimento da ciência do direito. Com isto, procura-se
identificar as principais características dessas escolas para uma melhor
compreensão da evolução e do fundamento do Direito atual.
Inicialmente, tem-se a análise da Escola Histórica, em
contrapartida ao pensamento iluminista.
A principal característica do Historicismo, encontrada na
obra de Bobbio70, é considerar o homem na sua individualidade e todas as
possíveis variações que esta individualidade comporta. O Historicismo tem a
concepção do irracional, diferente do Iluminismo, para quem a razão é a grande
protagonista da história.
O Historicismo é pessimista, pois não acredita na evolução
da humanidade. Já o Iluminismo é altamente otimista por acreditar, que o homem
com o uso da razão possa aprimorar a sociedade em que está inserido.
Outra característica do Historicismo é seu apego ao
passado. Por isso, os historicistas se interessam pelas origens das civilizações
antigas, por considerá-las civilizações mais plenas. Em contrapartida, o
Iluminismo despreza o passado, zombando da ignorância dos antigos, exaltando
as luzes da idade racionalista.
O maior expoente da escola Histórica foi Savigny que, das
características já apresentadas, era contra a codificação do direito, por considerar
inadequado ao povo o direito posto em uma única coletânea legislativa e por
entender também que isso imobilizaria o Direito, colocando em risco seu
dinamismo, afastando-o da consciência popular, a qual considerava a legítima
fonte do Direito.
Para o Iluminismo, o direito é fruto da razão e da autoridade.
Este movimento favorável à codificação do direito afirma ser necessária a
substituição das normas consuetudinárias por um direito constituído de normas 70 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 50-51.
23
elaboradas de forma racional e que prevalecesse através da lei. Esta última
característica do Iluminismo representa o movimento extremo do racionalismo.
O Iluminismo foi definido por Kant, apud Mora71, como:
(...) a saída do homem do estado de minoridade que deve imputar a si mesmo. Minoridade é a incapacidade de se valer do próprio intelecto sem a orientação de um outro. Imputável a si mesma é essa minoridade, se a sua causa não depende da deficiência de inteligência, mas da falta de decisão e de coragem de fazer uso do próprio intelecto sem ser guiado por um outro. Sapere aude! Tenha a coragem para servir-te da tua própria inteligência! É este o mote do iluminismo.
Sintetizando o pensamento Historicista, Bastos72 pontua:
O mundo jurídico não era uma construção racional ideal, mas um processo de sedimentação tradicional dos usos e costumes resistentes às novas proposições de valores e à recuperação dos velhos institutos pré-medievais. Não cabe à razão construir e interpretar o mundo, mas o conhecimento de experiência feita tradicionalmente e historicamente acumulado.
Bastos73 acrescenta que o Historicismo jurídico estimulou a
abordagem do direito “não como um idealismo, mas como um fenômeno social,
integrado ao seu tempo e as suas circunstâncias”. Ele observa que o direito não
decorre da racionalidade do indivíduo, mas das próprias experiências vividas.
O Historicismo, como a Política Jurídica visualiza o direito
como fenômeno social, pois, o que a sociedade já evoluiu não pode ser
desconsiderado quando se trata do direito. Na seqüência passar-se-á a analisar a
doutrina do Sociologismo Jurídico.
2.2.2 O Sociologismo Jurídico
71 MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. 2. ed. Trad. Roberto Leal Ferreira e Álvaro Cabral.
São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 534. 72 BASTOS, Aurélio Wander. Introdução à teoria do direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2000. p. 22. 73 BASTOS, Aurélio Wander. Introdução à teoria do direito. p. 27.
24
O Sociologismo, de origem francesa, conforme Bastos74
explicita: “embora seja uma negação da recuperação racionalista romanista, é
uma teoria que abre o estudo do direito para o fenômeno social e recupera sobre
muitos aspectos o iluminismo crítico da revolução francesa cujo mais ostensivo
desdobramento teórico foi a teoria classista do Direito”.
Observa-se, neste ponto, uma aproximação ao pensamento
historicista fechado. O Sociologismo evolui como uma crítica ao positivismo,
colaborando para reverter a discussão metodológica da Ciência Jurídica. Por
meio dele o direito é encarado não como um fato racional, mas social,
possibilitando uma abertura para o experimentalismo anglo-saxônico. O direito é
fato concreto, ocorrendo na experiência. Não pode ser, como observa Bastos75,
“dedutível de qualquer pressuposto de valor, mas do próprio fato social”.
Nesse diapasão, Bastos acrescenta:
Se para os historicista o Direito deve ser aquilo que sempre foi (o costume), para os sociologistas o Direito deve acompanhar a sociedade no seu processo de mudança. Embora o fenômeno social seja referência para ambos, para os histocicistas o Direito é uma consolidação retrospectiva e estática, enquanto que os sociologistas têm uma visão prospectiva: o Direito não é um instrumento de contenção da mudança social, mas, se não é um agente de mudanças, deve acompanhar o processo de mudança social.
Para o Sociologismo, o direito deve basear-se nos fatos
sociais e não só na lei como pretende o positivismo. O direito não pode ser um
agente de retração ou estabilização (como no pensamento positivista), mas
suficientemente dinâmico. Para o Sociologismo, o juiz ao decidir não está preso
somente à lei. Poderá decidir segundo a experiência social vivida e acumulada. O
método utilizado para as decisões, segundo o Sociologismo, é empirista e
dedutível. Sob este enfoque, Bastos76 observa: (...) a referência de decisão é o
fato ocorrido, o caso de significância legal, ou mesmo decisões sobre situações
74 BASTOS, Aurélio Wander. Introdução à teoria do direito. p. 28. 75 BASTOS, Aurélio Wander. Introdução à teoria do direito. p. 33. 76 BASTOS, Aurélio Wander. Introdução à teoria do direito. p. 35.
25
parecidas proferidas anteriormente pelos tribunais, mas não necessariamente a
lei”.
Para poder compreender o Sociologismo, tem-se que
estudar duas variantes analíticas: o fato social novo e a jurisprudência. Para
Duguit, segundo Bastos77, o fundamento da Ciência do Direito está na análise dos
fatos sociais:
(...), observação dos puros fatos sociais que trazem em si mesmos o fenômeno jurídico. As normas jurídicas não têm qualquer autonomia, muito ao contrário, são meras manifestações escritas ou transcritas para resguardar os sentimentos sociais dominantes de solidariedade e justiça implícitos nas normas morais e econômicas.
Verifica-se que o Sociologismo busca nos fatos sócias a
fundamentação e a própria origem da norma jurídica, ressalta que o ordenamento
não pode se valer apenas da norma posta, mas deve sempre observar os
sentimentos sociais. Passa-se a examinar, no decorrer do próximo item a Escola
Exegética.
1.2.3 A Escola Exegética
A Escola Exegética surgiu na França, tendo como finalidade
interpretar, de forma passiva e mecânica, o Código de Napoleão, baseando-se no
próprio enunciado da art. 14, do referido Código, que trazia tal possibilidade. A
Escola Exegética inicialmente foi conhecida como a Escola de intérpretes do
Código Civil. Essa Escola, conforme Bobbio78, possui cinco pontos fundamentais:
a “primeira causa é representada pelo próprio fato da codificação”, pela qual os
operadores do direito extraíam do Código todos os fundamentos para resolver os
conflitos, desprezando as outras fontes do direito como a doutrina, a
jurisprudência, os costumes, etc.
77 BASTOS, Aurélio Wander. Introdução à teoria do direito. p. 35. 78 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 78.
26
A Escola Exegética é criticada por considerar o Código o
único Direito existente. Bobbio79 expõe: “como se tivesse sepultado todo o direito
precedente e contivesse em si as normas para todos os possíveis casos futuros, e
pretendia fundar a resolução de quaisquer questões na intenção do legislador”.
Outra razão que leva os juristas a superestimar o Código “é
representada pela mentalidade dos juristas dominada pelo princípio da
autoridade”, cujo entendimento é que as normas elaboradas pelo legislador
representam a vontade do mesmo, de maneira segura e completa aos operadores
do direito. Portalis, apud Bobbio80 , faz um discurso preliminar, onde declara:
Ai de nós em relação à época em que, como no passado, se buscará menos o que diz a lei do que aquilo que se a faz dizer! Onde a opinião de um homem... terá a mesma autoridade que a lei! Quando um erro cometido por um sucessivamente adotado pelos outros, se converterá em verdade! Quando uma série de preconceitos coletados pelos compiladores, cegos ou servis, violentará a consciência dos juízes e sufocará a voz do legislador.
Para Bobbio81, “uma terceira causa que pode ser
considerada como a justificação jurídico-filosófica da fidelidade ao Código, é
representada pela doutrina da separação dos poderes82, que constitui o
fundamento ideológico do Estado moderno”. De acordo com esta teoria, o juiz
deveria limitar-se à norma posta pelo legislador, não podendo criar o direito, caso
contrário, ele estaria interferindo na própria competência do poder legislativo, pois
este era o único poder legitimo para criar as leis. O juiz seria somente, como diz
Montesquieu, “a boca através da qual fala a lei”.
Segundo o mesmo autor83, “Outro fator de natureza
ideológica é representado pelo princípio da certeza do direito”, onde o direito só
teria credibilidade por parte dos indivíduos, se existisse um corpo de leis estáveis,
79 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 77. 80 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 79. 81 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 79. 82 Teoria elabora por Montesquieu. 83 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 81.
27
que fosse previamente conhecido e que a lei não fosse mutável. Isto mais uma
vez, impossibilitando ao juiz qualquer tipo de interpretação criativa da lei.
Como última razão, que é de ordem política, Bobbio84
acrescenta que “é representado pelas pressões exercidas pelo regime
napoleônico sobre os estabelecimentos de ensino superior do direito”. O governo
queria que somente o direito positivo fosse ministrado aos alunos de direito. Estes
não poderiam ser influenciados por nenhuma outra fonte de direito que não o
direito positivo, tampouco as concepções jusnaturalistas por considerá-las inúteis
e muito temerárias ao próprio governo, que era extremamente autoritário.
Acerca desta questão, Bonnecase, apud, Bobbio85 adiciona:
“(...) o governo imperial quase que ordenou a exegese, tendo as faculdades de
Direito por primeiro objetivo lutar contra as tendências filosóficas que se
manifestavam, precariamente, aliás, na maior parte do tempo, no curso de
legislação das escolas centrais”.
No estudo acima citado, fica explícito que, de acordo com a
Escola da Exegese, a lei não pode ser interpretada, baseando-se em critérios de
razoabilidade ou sobre o prisma dos valores de quem deve aplicá-la, ao contrário,
este tem a obrigação de assujeitar-se à razão expressa na própria lei.
1.2.4 A Doutrina do Utilitarismo
Doutrina que tem como fundador o filósofo Jeremy Bentham,
tendo também como representantes James Mill e John Stuart Mill. Referenciada
doutrina desenvolve-se na Inglaterra por volta do século XVIII até o século XIX.
De acordo com as máximas desta doutrina, o valor supremo é o da utilidade86,
com uma tendência prática e teórica ao mesmo tempo.
84 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 81. 85 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 82. 86 Entende-se por utilidade algo que é considerado como útil ou inútil, podendo ser certas coisas
ou certas ações. O conceito de utilidade muitas vezes está vinculado ao valor, no sentido de que sirva para algo.
28
Bentham, segundo Peluso87, aduz:
Por princípio de utilidade entende-se aquele princípio que aprova ou desaprova qualquer ação, segundo a tendência de promover ou comprometer a referida felicidade. Eu digo qualquer ação, com que tenciono dizer que isto vale não somente para qualquer ação de um indivíduo particular, mas também de qualquer ato ou medida de governo”.
Bentham considerou que o utilitarismo está a serviço de uma
reforma da sociedade humana. Tem como base, segundo o filósofo, citado por
Mora88, o reconhecimento de que “a natureza colocou-nos sob o domínio de dois
soberanos: o prazer e a dor”. Ou seja, para o utilitarismo clássico, há fato que se
impõe, de frente, à toda consideração racional sobre a ação humana, isto é, uma
força que move o ser humano, que é a busca do prazer e a eliminação da dor.
Esse entendimento sintetiza o fundamento da ética utilitarista.
Os Utilitaristas substituem a consideração de fim, “derivada
de uma suposta natureza metafísica do ser humano, pela consideração dos meios
(motivos, causas) que, de fato, determinam a ação desse mesmo ser humano.89”.
Outro ponto a destacar da doutrina do utilitarismo refere-se
aos interesses. Quando um interesse individual coincide com um coletivo, os
Utilitaristas convertem a questão do bem-estar coletivo em uma questão moral e
as reformas sociais passam a ter sentido como “(...) expressão do compromisso
moral que cada indivíduo tem em minimizar o sofrimento alheio”, na lição de
Peluso90.
John Stuart Mill identifica o caráter qualitativo dos prazeres,
elencando alguns como superiores a outros. John Stuart Mill considera os
prazeres intelectuais, os sentimentos morais, etc., como superiores aos demais
prazeres.
87 PELUSO, Luis Alberto. Org. Ética e Utilitarismo. Campinas, SP: Alínea, 1998. p. 18. 88 MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. 2 ed. Trad. Roberto Leal Ferreira e Álvaro Cabral.
São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 693. 89 PELUSO, Luis Alberto. Org. Ética e Utilitarismo. Campinas, SP: Alínea, 1998. p. 18. 90 PELUSO, Luis Alberto. Org. Ética e Utilitarismo. Campinas, SP: Alínea, 1998. p. 19.
29
Mais tarde, surgem outros adeptos do Utilitarismo, com
Henry Sidwick. Surgem algumas disputas em torno do Utilitarismo no sentido de
fundamentar uma ética utilitarista, desligada dos pressupostos elaborados por
Jeremy Bentham e James Mill.
Observa-se que nesta doutrina o primordial é o caráter
utilitário dos atos praticados pelos indivíduos, como também pelos representantes
do governo. Onde os fatos sobrepõem-se a qualquer consideração racional. O
princípio mor é que os meios e as causas é que determinam as próprias ações
dos seres humanos.
No item seguinte, passar-se-á a análise da deficiência da
norma jurídica presente no ordenamento jurídico.
1.3 DEFICIÊNCIA DA NORMA JURÍDICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO
Na esfera jurídica, dificilmente pode-se afirmar que as
normas existentes não possuem deficiência. Constantemente observa-se que,
muitas vezes, as normas que se encontram no ordenamento jurídico já não são
suficientes para a solução dos conflitos de forma adequada e satisfatória, levando
o jurista a optar por outras fontes do direito para a resolução de determinado
conflito. Existem atualmente duas teorias, que afirmam não haver lacunas na lei.
São as denominadas Teoria do espaço jurídico vazio e a Teoria da norma geral
exclusiva.
A Teoria do espaço jurídico vazio, que foi sustentada na
Itália por Santi Romano, segundo Bobbio91, sustenta não ser lógico afirmar que
existem lacunas na lei, pois quando um determinado fato possui uma norma que o
regule, não se pode falar em lacuna. Caso este fato não for regulamentado por
nenhuma norma, também não possui lacuna, pois não pertence ao mundo jurídico
(é considerado juridicamente irrelevante) e sim ao chamado espaço jurídico vazio.
91 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 208.
30
Nesta teoria não se questiona, se a norma posta é adequada ou não, se satisfaz
na integra tal situação. Basta a existência da previsão legal, eis que já não se fala
em lacuna na norma.
A Teoria da norma geral exclusiva, diferente da Teoria do
espaço jurídico vazio, não reconhece fato juridicamente irrelevante, mas sim fato
lícito. Para tal teoria não existem lacunas na lei, porque sempre existe uma norma
geral, para toda situação. A simples existência desta norma geral já exclui a
possibilidade da existência de lacunas. Para uma melhor compreensão, remete-
se a Bobbio:
Se, por exemplo, existe uma norma que diz: ‘É proibido importar cigarros’; tal norma contém implicitamente em si uma outra norma que diz: ‘É permitido importar todas as outras coisas que não sejam cigarros’; assim, se uma norma estabelece que para realizar um dado ato jurídico são necessárias certas formalidades, tal norma é acompanhada, como se fosse sua sombra, por uma outra norma geral exclusiva, que estabelece que para todos os outros atos tais formalidades não são necessárias.
Segundo o pensamento de Bobbio92, o que na Teoria do
espaço jurídico vazio é considerado como fato juridicamente irrelevante, para
afirmar não haver lacuna na norma, na Teoria da norma geral exclusiva, é fato
lícito, pois, se não é proibido, é permitido, sendo considerado como algo lícito. Ou
seja, de acordo com tais Teorias, a legislação não possui deficiência em nenhuma
situação.
Na atualidade, pode-se encontrar algumas situações, as
quais não se encontram regulamentadas pelo ordenamento jurídico, mas diferente
do que a Teoria do Espaço Jurídico Vazio ou a Teoria da Norma Geral Exclusiva
afirmam, são situações que já deveriam estar regulamentadas pelo atual
ordenamento, visto corresponderem a dilemas presentes entre os indivíduos e
que merecem atenção.
92BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini, Carlos E. Rodríguez. São Paulo: Ícone, 1995. p. 210.
31
Como se pode observar, a seguir existem tais deficiências
na norma. Cita-se como exemplo o caso de uma união homo-afetiva, quando um
indivíduo (homossexual) após a morte de seu companheiro de anos, e do qual era
dependente, encaminhou-se ao INSS para solicitar a pensão do órgão federal
para sua subsistência, em decorrência do ocorrido. O INSS negou tal
possibilidade, pois não havia previsão legal que possibilitasse ao requerente tal
garantia. Inconformado com tal resposta, o indivíduo leva sua solicitação para a
apreciação do poder judiciário, demonstrando, através de provas, a
caracterização de seu convívio e a necessidade da pensão para sobreviver.
Diante do exposto (de forma resumida), o judiciário baseando-se nos princípios
constitucionais, garante-lhe o direito, mandando que o INSS providenciasse a
pensão do requerente. De acordo com o caso exemplificado, pode-se observar
que as lacunas existem e que os chamados espaços vazios não passam de
elucubrações utópicas que não acompanham a realidade e nem tampouco a
própria evolução da sociedade. Conclui-se, então, que a Teoria da Norma Geral
Exclusiva também não satisfaz a realidade na totalidade.
De acordo com Oliveira93, por mais que a norma seja
retamente determinada, a lei pode tornar-se deficiente em alguns casos. Segundo
Oliveira94, a idéia de suprimir o vazio da lei é comparada à antiga orientação
aristotélica, referida a necessidade “de dizer o que o próprio legislador teria dito
se estivesse presente, e que teria incluído na lei se tivesse conhecimento do
caso”. Para tanto, aplica-se à eqüidade, não apenas para os casos em que ocorre
lacuna na norma, mas também para moderar seus rigores. O que se prega na
eqüidade é matizar a justiça, onde o interprete tem que considerar a relação
existente com o bem comum, caracterizando-se assim, como uma qualidade do
devido, como uma virtude.
93OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a
política do direito. Itajaí: UNIVALI, 2001. p. 153. 94OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a
política do direito. p. 153/154.
32
Depois de demonstrado que existe deficiência, e, até mesmo
em alguns casos ausência de norma, para a resolução de situações pontuais,
passar-se-á a demonstrar a necessidade de que a norma jurídica seja útil.
1.4 UTILIDADE (SOCIAL) DA NORMA JURÍDICA
Consoante o anteriormente exposto, utilizar-se-á alguns
postulados da doutrina utilitarista como base de enunciado da utilidade da norma
posta. Primeiramente, será definido o útil como tudo que satisfaz a uma
necessidade, que busca, de forma ordenada, à realização de um valor95,
conforme define Silva96. E por valor de Utilidade, Silva97 acrescenta: “como a
propriedade que possui a coisa, no sentido de determinada necessidade”.
Verifica-se, que o conceito de utilidade, está sempre ligado a um valor, no sentido
de que sirva para algo, tanto no que se refere à coisa ou no que diz respeito a
ações. Sob tal prisma, procurar-se-á demonstrar que a norma carece do valor de
utilidade no âmbito de sua formulação e também de sua aplicação. Necessário
observar a questão da utilidade em conexão com o valor do agradável98, a ser
refletido, não de forma individual, mas em consonância com a sociedade, sem
reduzir o justo ao útil. Conforme pontua Melo99:
No que concerne às realidades sócio-culturais, ou seja, das atividades e experiências do cotidiano, no entanto, esse valor utilidade pode e deve ser considerado na elaboração, modificação ou revogação de uma norma, desde que se leve em conta as perspectivas de respostas a necessidades sociais.
A consciência jurídica, manifestada através das
representações jurídicas do direito informal e da opinião pública, revela a
95 O valor constitui um parâmetro objetivo que dá conteúdo específico e sentido à ação humana,
sendo consideradas entidades objetivas, existentes por si mesmas e apenas descobertas pelo homem, tal entendimento obteve-se da obra de ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência (através de um exame da ontologia de Nicolai Hartmam). p. 39.
96 SILVA, Moacyr Motta da. Direito, justiça, virtude moral & razão. Curitiba: Juruá, 2004. p. 154. 97 SILVA, Moacyr Motta da. Direito, justiça, virtude moral & razão. Curitiba: Juruá, 2004. p. 153. 98 SILVA, Moacyr Motta da. Direito, justiça, virtude moral & razão. Curitiba: Juruá, 2004. p. 154. 99 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor/CPGD-UFSC, 1994. p.118.
33
concepção de Direito mais como um dado cultural do que como norma ou fato, de
acordo com o entendimento de Melo100.
As normas têm vida e morte, pois são postas, retiradas e às
vezes, retornam ao ordenamento jurídico, refletindo o conflito de seus criadores.
Esse comportamento da vida da norma nem sempre decorre da vontade da
maioria101. Algumas vezes por inconstitucionalidade em sua formulação ou
mesmo pelo seu caráter arbitrário, as leis são editadas em desacordo com as
aspirações sociais. As normas técnicas pouco ou nada têm a ver com o valor
justiça. Na dicção de Kelsen102, o caráter de justiça não integra o conteúdo da
norma jurídica. Ela é desprovida de valor. Há que se observar que tal
argumentação não pode mais ser aceitável, frente aos novos paradigmas sociais.
Segundo Melo103, “A natureza humana é incompadecente com um direito rígido,
cristalizado, insuscetível de ser valorado ou submetido a estratégias de
aperfeiçoamento”.
Note-se que ao se tratar da utilidade social da norma como
um valor da sociedade e para a sociedade, esse critério não necessita estar sob o
julgamento do Estado, informa Melo104.
De acordo com Angélico, apud Oliveira105, a lei deve conter
valores:
A lei deve ser honesta, justa, possível, conforme à natureza, apropriada aos costumes do país, conveniente ao lugar e ao tempo, necessária, útil, claramente expressa, para que não se oculte nela nenhum engano, e instituída não para satisfazer a algum interesse privado, mas para a utilidade comum dos cidadãos.
100 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p.119. 101 Vale salientar que esta vontade é de uma minoria que decide pela maioria. Conforme
observado por Calera (Introducción al Estudio del Derecho. p. 246), as conseqüências de (possíveis) erros são suportados por aqueles mesmos que participaram na tomada da decisão. E na regra da minoria, os erros de poucos são suportados pela maioria que não participou da tomada de decisão.
102 HANS, Kelsen. Teoria geral das normas. 103 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 31. 104 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 120. 105 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a
política do direito. p. 291.
34
Oliveira assevera que não basta que a norma seja invariável
e perene de licitude, de probidade, se for incômoda ou prejudicial à comunidade.
Inegavelmente não terá a esperada observância e perderá a sua eficácia.
A existência da norma por si só não basta, ela tem que
trazer em seu bojo um conteúdo axiológico, com o objetivo maior de atender a
todos os indivíduos de forma igualitária, proporcionando maior grau de satisfação
a todos que dela se fazem valer.
35
CAPÍTULO 2
FUNDAMENTOS DA POLÍTICA JURÍDICA
2.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
O direito surge no seio da sociedade, com base nas
relações sociais, dirimindo conflitos, garantindo e ordenando a vida pública e
privada.
O direito não nasce arbitrariamente, necessita de fontes
originais que o legitimem. Ross106 concebe o direito como um produto de forças
anônimas e obscuras e não como criação de deliberações e de decisões
arbitrárias. O autor acredita que a consciência ético-jurídica comum dos
indivíduos é a verdadeira fonte de todo o direito e acrescenta que essa
consciência jurídica é também a fonte da retidão ou da validade do direito.
Tendo por base tais pressupostos e as transformações pelas
quais a sociedade passa, torna-se inevitável que o direito também as acompanhe,
adequando a ordem jurídica aos novos costumes, aos valores e às várias formas
de relações que se estabelecem.
A sociedade atual mudou: os valores, os costumes, a
economia, a tecnologia, as ciências em geral encontram-se vinculados a novos
paradigmas, bem como às novas necessidades humano-sociais. Cabe ao direito
seguir a direção dessas mudanças, adequando-se ao contexto social,
fundamentando-se na ética, com o propósito de sempre fazer prevalecer a justiça.
Com a correta adequação do direito às demandas sociais,
não será possível aos indivíduos alegarem que realizam determinada conduta
106 ROSS, Alf. Direito e justiça. Trad: Edson Bini. Bauru: Edipro, 2003. p. 395-397.
36
porque o direito lhes foi injusto ou inadequado. Um direito ético, útil e legitimado
fundado nas próprias reivindicações da sociedade em geral, e não apenas no
interesse individual de determinados grupos, criará nos indivíduos a verdadeira
consciência jurídica.
Reale107, refletindo sobre a expressão direito como
experiência, consegue traduzir seu pensamento de forma pontual:
Cumpre, pois pesquisar e aferir o direito como experiência jurídica concreta, isto é, como realidade histórico-cultural, enquanto atual e concretamente presente à consciência em geral, tanto em seus aspectos teóricos como práticos, ou, por outras palavras, enquanto constitui o complexo de valores e comportamentos que os homens realizam em seu viver comum, atribuindo-lhes um significado suscetível de qualificação jurídica no plano teórico, e correlatamente, o valor efetivo das idéias, normas, instituições e providências técnicos vigentes em função daquela tomada de consciência teórica e dos fins a que se destinam.
Conforme Melo, o direito flexível, ajustado à realidade e às
aspirações sociais, será mais facilmente respeitado. É inadmissível, em nosso
tempo, a existência de uma norma engessada pelo dogmatismo jurídico. Urge
reconstruir-se o direito calcado na evolução social, por que passa a Sociedade. A
utilidade (necessidade) da norma de direito implicará na recepção da idéia de
justiça e de valor, que nela será incorporada e positivada, diante das
transformações sociais de toda ordem e da existência de novos valores
individuais e coletivos presentes na comunidade.
Calera, apud Dias108, prevê a legitimação social do direito
pelo seu caráter de justiça, ou seja, esta é seu referente de legitimação:
Através da categoria justiça democrática, sustenta que a legitimação social do direito se realizará, unicamente quando
107 REALE, Miguel. O direito como experiência:introdução à epistemologia jurídica. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 1992. p. 31. 108 DIAS, Maria da Graça dos Santos. A justiça e o imaginário social. Florianópolis: Momento Atual,
2003. p.70.
37
responder aos valores - de igualdade, liberdade, soberania- compartilhados pela sociedade. O direito para ser legítimo, justo, terá que cumprir sua vocação de realizar a justiça, de assegurar uma vida social justa.
Na concepção de Dias109, “A justiça caracteriza-se como
uma práxis humana, cuja pretensão é a resolução das questões próprias da vida
social”.
A valoração do direito está relacionada ao critério de justiça,
esta reconhecida como o fim por excelência do direito.
Neste contexto, à Política Jurídica cabe a busca constante
do direito que deve ser (o direito justo), no lugar do direito que é (do direito
estático), pois só assim a utilidade da norma jurídica far-se-á sentir e produzirá
resultados satisfatórios para a Sociedade.
Atentando para os fundamentos e proposições da Política
Jurídica, o operador jurídico sentir-se-á confortável para propor as modificações
na norma vigente, ante o Poder Legislativo. Este, a seu turno, melhor
compreenderá a importância de sua atividade legiferante, agasalhando as
aspirações sociais.
O magistrado poderá valer-se dos fundamentos da Política
Jurídica para a criação judicial do direito, frente à realidade, por vezes, injusta,
inaceitável e lacunosa dos textos legais. Enfim, com sustentáculo na Política do
Direito, os juspolíticos atuarão, em suas áreas específicas, com racionalidade e
com ética.
Partindo-se do conceito de utilidade social e justiça da
norma jurídica, concebe-se a Política Jurídica, de forma reflexiva, decorrente do
aprofundamento do conhecimento não só teórico, mas também, da realidade
109 DIAS, Maria da Graça dos Santos. A justiça e o imaginário social. p. 70.
38
social e do mundo dos valores (Ética). Visa-se à adequação da norma posta,
vinculando-a a seu caráter de utilidade e justiça para uma melhor
correspondência à realidade.
A Política do Direito não almeja desestabilizar o direito
positivado, mas sim adequá-lo à realidade da vida da Sociedade. Conforme
menciona Pérez110:
A vida da comunidade está circunscrita por um conjunto de disposições jurídicas dotadas de ação. Repudiar todo o sistema jurídico positivo, além de sua impossibilidade prática, seria substituir uma imperfeição por outra certamente mais defeituosa. Se a Política do Direito se orienta por observações fenomenológicas, precisa aproveitar a experiência acumulada no ordenamento positivo existente. Daí provêm à possibilidade do dado comparativo entre a realidade e a lei.
Desta forma, a Aplicabilidade dos Fundamentos da Política
do Direito, está vinculada diretamente ao direito positivado no ordenamento
jurídico, o que busca é possibilitar a sua aplicação ao caso concreto, sem perder
de vista o social, de forma que seja visualizado o contexto social da circunscrição
do caso singular para a aplicação da norma jurídica.
2.2 A POLÍTICA JURÍDICA NA CONCEPÇÃO DE AUTORES
2.2.1 O Pensamento de Osvaldo Ferreira de Melo
A busca de um direito que acompanhe as mudanças sociais,
por que passa a sociedade, com vistas a uma convivência mais adequada entre
os indivíduos, passa por uma concepção de direito mais flexível, voltado às
mutações resultantes da evolução social que vivenciamos. Essa busca leva-nos a
crer na possibilidade da revisão do atual conceito de direito, fundamentado na
110 PERÉZ, Pascual Marím. La política del derecho. Barcelona: Bosh, 1963. p. 65.
39
necessidade própria de cada grupo social, inspirado, realizado e embasado na
justiça, considerando as mutações sociais, as características dos mais diversos
agrupamentos humanos, suas peculiaridades, sua história e as espécies de
conflitos ali vivenciados. O direito, assim concebido, estaria em consonância com
um movimento próprio de cada grupo, da comunidade, da sociedade. Adequar-se-
ia às necessidades emergentes da própria e natural evolução, em direção
contrária ao engessamento propiciado e aplicado pelo positivismo jurídico radical,
opor-se-ia à inflexibilidade da norma, conduta que tem sido o norte da maioria dos
aplicadores do direito contemporâneo.
Em tal contexto, a Política Jurídica surge para auxiliar a
necessária evolução, transformação, correção e criação de um novo conceito de
Direito, objetivando a convivência harmônica, a inclusão dos cidadãos como
membros legitimadores da norma positivada. Melo111 compreende os Novos
Direitos “como direitos que vão surgindo em razão da crescente complexidade
das novas relações econômicas, de melhor percepção do universo cultural, dos
avanços científicos e dos impactos tecnológicos deles decorrentes”.
Na lição de Melo112, para a melhor construção dessa nova
ordem, ou para auxiliar na correta interpretação da norma ao caso concreto, ou na
criação do direito, tem-se que levar em consideração uma nova forma de pensar,
não descartando a utopia – no sentido de atender aos anseios dos indivíduos –
dentro do processo criativo do direito:
A Política Jurídica, descomprometida com fórmulas e paradigmas em perecimento, estará engajada com esse novo pensar e participará da realização de novas utopias carregadas de esperanças. Para isso se espera que sejam recuperadas e privilegiadas duas áreas da Filosofia que a Modernidade relegou em favor da Lógica e do Método, que são a Ética e a Estética.
111 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio
Fabris/CMCJ- Univali, 1998. p. 31. 112 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. p. 19.
40
Melo113 considera a Ética e a Estética como elementos
universais de disposição bem ordenada entre as pessoas, para que possam
conviver, de forma harmônica, com criatividade e respeito ao outro, possibilitando
desta forma, também, uma melhor adesão as normas postas.
Quando as normas são excessivamente injustas geram uma
desobediência natural, por parte dos indivíduos. Höffe114, em sua obra Justiça
Política, menciona que na Grécia antiga, principalmente em Atenas, ocorria uma
falta de adesão, por parte dos indivíduos, às normas injustas e excessivamente
penosas: “Na Grécia antiga, acontece algo que há muito nos parece óbvio na
‘perspectiva da história universal’, mas que é extraordinário: leis ou mesmo
formas de estado não são reconhecidas cegamente ou são recusadas no caso de
excessiva dureza e injustiça”.
Decorrido algum tempo, muitas transformações situam-se na
“pós-modernidade”-conforme caracterizado por Melo115: “estamos vivendo um
período de transição, o que significa a ruptura dos paradigmas da modernidade e
a passagem para uma fase subseqüente que, à falta de batismo (...),
chamaremos precariamente de pós-modernidade”. E esta fase, pode-se afirmar
que se caracteriza, também, pelo surgimento de normas mais justas e adequadas
aos anseios da sociedade.
Para Ross, apud Melo116, a Política Jurídica persegue a
idéia de justiça: “Política Jurídica é a doutrina que ensina como alcançar o
objetivo do Direito que é: aperfeiçoar a idéia de justiça a ele inerente”. A Política
do Direito estaria ainda comprometida, na ótica de Melo117, com a idéia de
Justiça, de Ética, de Legitimidade e de Utilidade: “À Política Jurídica,
considerando seu comprometimento com o Justo, o Ético, o Legítimo e o
Necessário (útil), cumpriria observar as tendências indesejáveis e propor as
correções adequadas para mudanças de rumo”.
113 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 19. 114 HÖFFE, Otfried. Justiça política. Petrópolis: Vozes, 1991. p. 15. 115 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 18. 116 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política jurídica. p. 44. 117 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 22.
41
Refletindo sobre o pensamento do autor referenciado,
compreende-se que a norma ideal é a norma que melhor responde às demandas
sociais dos dias atuais, com suas necessidades e aspirações específicas bem
como seus diferentes conflitos, de forma a adequar, interpretar, sanar as
possíveis lacunas observadas na norma positivada para aplicação ao caso
concreto.
A proposição de criar normas mais adequadas, na lição de
Dias118 não “visa desestabilizar o Direito positivado existente no mundo jurídico,
mas vivificá-lo, pelo confronto deste com a realidade social, que é complexa,
precária e em constante e profunda transformação”.
Melo119 define a Política do Direito de forma bastante clara:
À Política Jurídica, cabe essa ação corretiva (...), em favorecer um ambiente de ecologia político-jurídica que permita às pessoas e à própria sociedade ganharem autonomia para decidirem sobre como devam construir a sua paz, sua segurança, seu bem-estar, a qualidade e diretrizes de sua cultura.
Face às constantes mutações sociais, Melo observa que não
é mais possível permanecer a norma engessada pelo dogmatismo, devendo ser
reconstruída pelo Direito baseado nas necessidades decorrentes do processo
dinâmico da vida em Sociedade.
A Política Jurídica tem uma preocupação teleológica
relacionada à validade da norma jurídica, muito bem definida por Melo120: “As
preocupações teleológicas da Política Jurídica exigem que a validade de uma lei
seja percebida não apenas por seus aspectos formais (vigência e eficácia), mas
por suas características intrínsecas de natureza material e valorativa (legitimidade
e justiça)”.
118 DIAS, Maria da Graça dos Santos. A justiça e o imaginário social. p. 119 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 22. 120 MELO, Osvaldo Ferreira de. Sobre política jurídica. In: Revista Seqüência. n. 1. 1980. p. 15.
42
Muitos são os anseios reclamados pelas sociedades atuais;
sociedades estas que enfrentam uma gama cada vez mais elevada de desafios
inerentes à condição da vida humano-social.
Cabe à Política Jurídica o papel de transformar o direito
posto, visando inserir o valor de justiça na norma, renunciando aos dogmas já
incutidos no mundo jurídico e atendendo aos clamores sociais, fornecendo
resolutividade ao caso concreto de forma adequada e justa, priorizando o caráter
de utilidade social e de eticidade da norma jurídica frente ao contexto social
referido.
Identificado o caráter interdisciplinar da Política do Direito,
frente à outras áreas do conhecimento, estende-se seu campo de atuação, que
pode manifestar-se tanto na interpretação da norma positivada como no
preenchimento das lacunas que porventura possam existir, adequando a norma à
necessidade existente e também à própria produção normativa. Conforme
explicita Melo121 “A Política Jurídica se preocupará com as metas sociais,
passando a exercer papel censor do produto legislativo, ao oferecer
argumentação para a reciclagem permanente das leis, tendo como marco
fundamental os valores, a justiça e a legitimidade”.
A Política do Direito procura seu espaço no mundo jurídico,
de forma atuante, eficaz e sempre vinculada à idéia do útil, do justo, do legítimo e
do e do ético.
2.2.2 A Política Jurídica na visão de Hans Kelsen
Através de Kelsen122 entrevê-se o reconhecimento da
existência da Política Jurídica em oposição ao positivismo jurídico, delimitando a
atuação desta: “O problema da Justiça, enquanto problema valorativo, situa-se
fora de uma teoria do Direito que se limita à análise do Direito positivo como
sendo a realidade jurídica”. Para Kelsen, a questão da justiça está fora do 121 MELO, Osvaldo Ferreira de. Sobre política jurídica. In: Revista Seqüência. n. 1. 1980. p. 16. 122 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad.: João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1998. In Prefácio à segunda edição.
43
contexto do direito positivo, deixando essa problemática à cargo da Política
Jurídica.
Frente a tal reconhecimento, pelo jurisconsulto do
positivismo, observa-se a existência da Política Jurídica, mas não seu
reconhecimento como ciência, reduzindo sua importância e seu campo de
atuação. Para o autor123, o fundamental não estava em como deve ser o direito e
nem como ele deve ser feito e sim o que é o direito e como ele é: “Procura
responder a esta questão: o que é e como é o Direito? Mas já não lhe importa a
questão de saber como deve ser o Direito, ou como deve ser feito. É ciência
jurídica e não política do Direito”. Essa temática de valoração deixa a cargo da
Política do Direito.
O autor124 enfatiza, em sua obra Teoria Pura do Direito, a
desvinculação do direito positivo da preocupação com dever ser do Direito; este
colocado apenas em caráter sociológico. Reconhece a possibilidade da existência
do ‘dever ser’, do ‘Direito justo’, porém, não o admite como fundamental na
Ciência Jurídica. “(...) o dever ser, não pode -segundo uma consideração
meramente sociológica-, como ilusão ideológica, ter expressão numa descrição
científica do Direito”.
Para Kelsen125, o ‘dever ser’ do direito encontra-se
caracterizado como uma ideologia, da qual defende que a Teoria Pura do Direito
deve ficar livre e sem vínculo algum com qualquer possibilidade de valoração da
norma positivada, recusa-se a valorar o direito positivo, saliente que: “(...) o Direito
positivo, deve manter-se isento de qualquer confusão com um Direito ‘ideal’ ou
‘justo’. Neste sentido é uma teoria do Direito radicalmente realista”.
É possível admitir-se este argumento na época em que foi
concebida esta teoria. Todavia, não nos dias atuais, onde se verificam
transformações sociais, avanços tecnológicos, e novos paradigmas para a
123 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. p. 1. 124 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. p. 115. 125 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. p. 118.
44
ciência. Permanecer-se vinculado a um Direito sem a sua preocupação valorativa
não parece concebível. O Direito não pode eliminar de seu contexto o fim a que
se destina - que é a concretização da justiça frente ao caso concreto, deixando de
considerar o meio social no qual está inserido.É difícil imaginar um Direito que
visa a resolução dos conflitos sem o caráter primordial de justiça.
De certa forma, é possível compreender porque Melo
fundamentou-se no pensamento de Kelsen, no que concerne à Política Jurídica,
pois é na obra deste, que se identifica o conceito e o objeto da Política do Direito.
Pillati126 questiona o porquê de Melo fundamentar a Política
Jurídica em Kelsen e não em Reale: “A maior reflexão, talvez, advenha de uma
pergunta muito simples: por que Melo não partiu, imediatamente, do pensamento
de Miguel Reale, preferindo lançar-se das íngremes asperezas da obra de Hans
Kelsen?”.
O questionamento acima transcrito leva-nos a refletir sobre o
mesmo; por ser merecedor de uma análise mais profunda. Mas, por ora, limitamo-
nos a constatar que Kelsen, em busca da Teoria Pura do Direito, livre de qualquer
valoração, consegue identificar o conceito e o objeto da Política do Direito. Esse
enfoque é mais que suficiente para responder ao questionamento de Pillati.
2.2.3 Política Jurídica na Concepção de Gilberto Callado de Oliveira
Com fortes raízes no direito natural, Oliveira127 explica a
relevância da Política do Direito para a construção do futuro:
(...), pois, dela dependerá em grande medida o almejado ambiente de paz e de perfectibilidade dos homens em qualquer sociedade. Seu estudo assume uma importância vital para o enfrentamento das múltiplas crises por que passam os corpos legislativos das
126 Pillati, José Isaac.O dilema da política jurídica.In Novos Estudos Jurídicos. Ano V- nº 10-
abri./2000 p. 07. 127 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a
política do direito. Itajaí: UNIVALI, 2001. p. 19.
45
nações, quase todos apinhados de disciplinamentos estéreis e desvinculados da realidade mais profunda da vida social.
Para este autor128, a Política Jurídica é “ciência autônoma e
prática, é o estudo crítico do ordenamento jurídico positivo e o estudo preceptivo
da nova ordem”.
Oliveira129 situa a Política Jurídica como “algo realizável ou
algo operável”, no âmbito das ciências operativas, que se preocupam como as
coisas devem ser, visando sempre uma finalidade operativa. O citado jurista
assim posiciona-se acerca dessa questão130:
A política jurídica (...), dirige-se sempre a uma finalidade operativa, tendo em mira o agir humano, um agir que ainda não é, mas que deve ser. Sua praticabilidade e sua finalidade como em todo o conhecimento operativo, expressam o dinamismo ontológico do homem e da sociedade, apoiado sobre os irrecusáveis desígnios da liberdade, já que é vedado ao homem recusar-se a si mesmo as exigências da ordem prática que o impulsionam à felicidade.
A Política Jurídica encontra-se entre as ciências operativas,
que são aquelas que cuidam das coisas como devem ser, buscando as formas
mais adequadas, para alcançar um determinado fim, uma sociedade mais
primorosa e feliz para todos que a compõem.
Claro está que todo homem tem como objetivo prioritário
atingir a sua felicidade e também proporcioná-la aos seus, e alcançar seus
propósitos individuais, comunitários e sociais, dentro do contexto social em que se
encontra inserido.
128 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a
política do direito. p. 31. 129 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a
política do direito. p. 33. 130 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a
política do direito. p. 34.
46
A Política do Direito visa esse fim - adequar a norma ao
contexto social - para uma melhor equação do direito posto, frente à dinâmica
social. Sob tal visão, Oliveira131 assevera que “a política jurídica se guia por dois
princípios diretivos: conveniência (ou de utilidade) e justiça”. Coloca também a
necessidade de se levar em consideração a tradição, pois conforme Pio XII132,
“não se trata de remar contra a corrente, de retroceder para as formas de vida e
de ação de idades já passadas, mas sim de tomando e seguindo o que o passado
tem de melhor, caminhar ao encontro do porvir com o vigor imutável da
juventude”.
Para o juspolítico133, seria pura utopia buscar formas de
contemporização da sociedade, através de inúmeros direitos, se não for levada
em conta a mais ilustre das virtudes morais, ou seja, a justiça.
O autor134 assevera que para se formular uma teoria político-
jurídica, o direito deve ser concebido sob um método genuinamente científico,
seguindo os padrões tradicionais de observância e averiguação, convergindo
todos os esforços em direção às questões práticas e buscando aprimorar a
condição dos indivíduos no mundo.
Neste contexto, quando o autor menciona a necessidade de
um método genuinamente científico, está reduzindo a teoria político-jurídica
somente a razão lógica, o que não é concebível quando trata-se de Política
Jurídica, pois esta não é reducionista, mas abrangente.
131 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a
política do direito. Itajaí: UNIVALI, 2001. p. 35. 132 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a
política do direito. p.193. 133 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a
política do direito. Itajaí: UNIVALI, 2001. p. 35. 134 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a
política do direito. p. 93.
47
Oliveira135 explicita as dimensões da Política Jurídica da
seguinte forma:
(...), a dimensão prudencial e criadora da política jurídica tem seus alicerceres no domínio do saber. Ela constitui um conhecimento crítico-diretivo, transformador da captação teorética da experiência social, da consciência axiológica e da tradição cultural, em resolução normativa. Em síntese, contempla o que já é, com vistas a realizar o que ainda não é.
A grande diferença observada nas visões de Melo e Oliveira
está na fundamentação da Política Jurídica, eis que, para Melo, jusfilósofo
humanista, a fundamentação da Política Jurídica se dá através da análise dos
conteúdos reivindicados pelos movimentos sociais, expressos pela ética, pela
idéia de utilidade, de legitimidade e de justiça da norma. Já para Oliveira, a maior
fonte de fundamentação encontra-se vinculada ao Direito Natural, às questões
metafísicas, à tradição e ao Cristianismo.
2.2.4 A Política Jurídica no entendimento de Miguel Reale
Reale136 destaca o conceito da palavra Fundamento para
melhor delinear sua análise sobre a Política Jurídica, por considerá-la de cunho
axiológico:
Em suma, entendemos por fundamento, no plano filosófico, o valor ou o complexo de valores que legitima uma ordem jurídica, dando a razão de sua obrigatoriedade, e dizemos que uma regra tem fundamento quando visa realizar ou tutelar um valor reconhecido, necessário à coletividade. O mesmo problema é posto empiricamente pela Política do Direito, que assim se liga logicamente à especulação axiológica, por atender aos meios práticos, de sua atualização, segundo a tábua dos valores dominantes.
135 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a
política do direito. p. 135. 136 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 594.
48
É necessário que se atribua um valor à regra jurídica para
assegurar que esta tenha um caráter de justiça, proporcionando uma melhor
aceitação e conseqüentemente maior adesão por parte dos cidadãos.
A Política do Direito, preocupada com a justiça, na dicção de
Reale137 procura pautar-se na ética, esta “entendida como doutrina do valor do
bem e da conduta humana que o visa realizar”, em incessante tarefa de forjar a
norma válida, para que alcance seu principal propósito, ou seja, a eficácia. Na
definição deste juspolítico138, eficaz é “o direito efetivamente observado e que
atinge a sua finalidade”.
Para o autor139, tem-se a preocupação da regra jurídica ser
amparada por um valor, mas sempre visando uma ação possível e realizável, em
que a possibilidade e a realizabilidade são, em suma, qualidades inseparáveis do
valor:
A regra jurídica, portanto, deve ter, em primeiro lugar, este requisito: deve procurar realizar ou amparar um valor, ou impedir a ocorrência de um desvalor. Isto significa que não se legisla sem finalidade e que o Direito é uma realização de fins úteis e necessários à vida, ou por ela reclamados.
Tem-se que considerar se a norma aparece calcada em
valores que encontrem eco no seio da sociedade, sendo por ela desejada como
forma legítima de realização de direitos e de resolução de conflitos e situações
que façam parte de seu cotidiano, assegurando, dessa forma, a sua adesão e a
verdadeira prática dos princípios por ela apregoado. Somente na medida em que
a norma se fizer necessária e útil, terá o aval da sociedade, gerando, em
conseqüência, o respeito e acatamento que deve, necessariamente, convalidá-la,
sem instar o conflito e a revolta ante um ordenamento que não condiz com a
realidade vivenciada. 137 REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 37. 138 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. p. 59. 139 REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 594.
49
No entendimento de Reale140,
É a razão pela qual, certas regras, repelidas com veemência ao serem promulgadas, dado seu caráter manifestamente injusto, perdem muito de sua novidade quando interpretadas como deve ser, não em si mesmas, mas em função de todo o Direito vigente.
Em decorrência de fatos semelhantes é que a Política do
Direito busca a adequação do Direito posto aos ditames da Justiça Social, para
que o sistema jurídico seja mais adequado aos anseios sociais. Efetivar a Justiça
deve ser a maior preocupação do Direito vigente, assim também se posiciona o
doutrinador Alf Ross do qual passaremos a explanar.
2.2.5 Política Jurídica na percepção de Alf Ross
Ross141 reconhece a Política Jurídica como doutrina
fundamentada na justiça: “o direito tem o seu objetivo em si mesmo: aperfeiçoar a
idéia de justiça a ele inerente. A Política Jurídica é a doutrina que ensina como
atingir esse objetivo”. O jurista142 consigna também: “(...) a política jurídica é um
ramo específico da política cultural, aquele ramo que está na idéia cultural
específica do direito”.
Ross143 identifica o problema da Política Jurídica como uma
questão de adequação, apontando “para uma mudança nas condições existentes,
nunca para uma reformulação radical do direito a partir de seus fundamentos em
direção do espaço vazio sem fundo histórico”.
Acresce que as questões político-jurídicas, em sentido
estrito, necessitam buscar premissas em sentido mais elevado, na tradição
cultural, no corpo de idéias compartilhadas e relativamente definitivas. “Uma das
140 REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 594. 141 ROSS, Alf. Direito e justiça. p. 375. 142 ROSS, Alf. Direito e justiça. p. 375. 143 ROSS, Alf. Direito e justiça. p. 384.
50
formas mais importantes de se revelar essa tradição é a legislação prévia e a
tradição política como um todo144”.
Neste prisma145, sustenta:
A exigência programática deve também ser qualificada no sentido de que nenhuma investigação político-jurídica pode ser requerida começando por um resumo completo de todas as atividades hipotéticas aceitas. As atitudes e considerações146 relevantes para um problema legislativo se revelam, com freqüência, somente por meio da investigação dos efeitos causais de uma lei proposta.
De acordo com o entendimento de Ross, é necessário
observar o efeito das leis já existentes, para posteriormente identificar as
possíveis falhas e propor as devidas correções. E é nessas correções que o autor
menciona a aplicabilidade da Política Jurídica como uma doutrina que objetiva a
adequação do direito posto para que este cumpra seu objetivo maior que é a
realização da Justiça.
Na seqüência analisaremos a concepção de Política Jurídica
para a autora Dias, que tem como preocupação maior à efetivação da Justiça
Social.
2.2.6 A Política Jurídica para Maria da Graça dos Santos Dias
A Política Jurídica na concepção de Dias147 “é o espaço, por
excelência, do debate sobre o dever-ser do Direito”.
144 ROSS, Alf. Direito e justiça. p. 384. 145 ROSS, Alf. Direito e justiça. p. 384. 146 O que se denomina consideração é precisamente a combinação orgânica de uma crença
operativa e uma atitude de valoração. 147 DIAS, Maria da Graça dos Santos. A justiça e o imaginário social. p. 83.
51
Para a autora148, a avaliação e a criação do Direito, na
conformidade com os anseios sociais, não implica na volta ao modelo
jusnaturalista, mas sim:
Fundamentar o processo de avaliação e criação do Direito nas exigências da consciência jurídica da comunidade implica a superação do dogmatismo da Ciência de modelo positivista. Isto não significa um retorno ao paradigma jusnaturalista – que concebeu o Direito Natural como um metadireito- mas, a admissão do caráter histórico- cultural do Direito.
Dias149 complementa seu pensamento, a respeito dessa
questão, consignando que a Política Jurídica é o referente de apreciação crítica
do direito:
A proposição da Política Jurídica não consiste em resguardar a mitificação da Justiça, tal como desvelada no Jusnaturalismo, mas atualizar, resignificar seu sentido, enquanto categoria histórico-cultural; referente de avaliação crítica do Direito. Assim, o paradigma do Direito instituído vai sofrer a avaliação crítica de um novo paradigma.
A doutrinadora é favorável a avaliação e revisão do Direito
posto, adequando-o às necessidades básicas dos cidadãos, mas de forma
criteriosa e com adequação ao sentido de direito justo que porta a Sociedade.
A autora fundamentada em Calera150 reflete que é
imprescindível ao direito seu caráter valorativo, pois, trata-se de uma necessidade
vital, tendo em vista, que o direito trata da vida e da liberdade dos indivíduos.
Entende que o direito tem que alcançar sua fundamentação e sua finalidade, sem
perder de vista as aspirações sociais.
Calera considera que vincular o direito ao valor é dar razão
ao direito, e, que esta valoração está diretamente ligada à concepção de justiça,
148 DIAS, Maria da Graça dos Santos. A justiça e o imaginário social. p. 84. 149 DIAS, Maria da Graça dos Santos. A justiça e o imaginário social. p. 84. 150 CALERA, Nicolas Maria Lopes. Introducción al estudio Del derecho. 2. ed. Granada: Gráficas
del Sur, S/A, 1987. p. 190.
52
desta forma coloca a valoração do direito em qualquer circunstância
fundamentada em torno das relações de direito e moral e direito e justiça.
Segundo Dias, a reflexão crítica sobre o Direito posto não
visa desestabilizá-lo, mas adequá-lo à realidade e aos valores existentes na
sociedade, com vistas ao aprimoramento do Direito vigente, no sentido de vivificá-
lo. Salienta que legítimo é o Estado e o Direito que realiza a Justiça. E esta se
reflete no bem estar social.
2.3 A NATUREZA E AS FUNÇÕES DA POLÍTICA JURÍDICA
A Política Jurídica tem como compromisso permanente,
priorizar a adequação, a criação, ou a renovação do sistema jurídico, para que
realize o fim a que se propõe, no contexto social, conforme define Melo151:
(...), no exame das possibilidades da Política Jurídica quanto à renovação do sistema dogmático, não só de suas normas, mas dos conceitos informadores de seus sistemas e categorias, pois só assim, parece-nos seria possível fazer com que a busca da decidibilidade das demandas não se dirija, apenas a consagrar a segurança jurídica, mas também a garantir a justiça social.
Para Melo, a Política Jurídica surge para auxiliar a
evolução, a transformação, a correção e a criação da norma jurídica, objetivando
a convivência harmônica, a inclusão dos cidadãos nos processos de legitimação
da norma positivada.
A Política Jurídica preocupa-se desde o nascimento da
norma, não visando apenas a sua adequação, mas sua tenra criação, para que a
norma já nasça preocupada em atender os anseios dos indivíduos, dos grupos,
comunidade, sociedade conforme Melo152 pondera:
151 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito. p. 17. 152 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito. p. 19/20.
53
(...) No campo da práxis, a Política Jurídica se interessa pela norma, desde a sua forma embrionária no útero social. Os valores, fundamentos e conseqüências sociais da norma são suas principais preocupações. Para ela, dentro dessa dimensão prática e imediata, importante é alcançar a norma que responda tão bem quanto possível as necessidades gerais, garantindo o bem estar social pelo justo, pelo verdadeiro e pelo útil, sem descurar da necessária segurança jurídica e sem por em risco o Estado de Direito.
Melo menciona a necessária preocupação que se deve ter
com relação a norma jurídica, para que esta já nasça legitimada pela sociedade e
com o objetivo final de efetivar a Justiça social, de forma a garantir a segurança
jurídica.
Já para Ross153, a natureza da Política Jurídica não é
delimitada de forma específica, contendo um objetivo peculiar, mas reconhece
sua natureza particular como sendo condicionada:
(...) tem que se achar condicionada por um corpo particular de conhecimentos, que é relevante logo que a técnica do direito seja empregada para a solução de problemas sociais, independente do objetivo destes. Este corpo especial de conhecimentos só pode ser buscado no conhecimento sociológico-jurídico que versa sobre a conexão causal do direito e a conduta humana.
O doutrinador154 adiciona, que a primeira tarefa da Política
Jurídica consiste em examinar os objetivos e atitudes que, de fato, prevalecem
nos grupos sociais influentes e determinantes para os órgãos legislativos. E
completa155:
A tarefa da Política Jurídica consiste em lograr um suave ajuste do direito às condições técnicas e ideológicas modificadas, com a consciência jurídica como estrela polar. É mister preservar a continuidade na tradição jurídica e tentar, ao mesmo tempo, satisfazer novas aspirações.
153 ROSS, Alf. Direito e justiça. p. 377. 154 ROSS, Alf. Direito e justiça. p. 383. 155 ROSS, Alf. Direito e justiça. p. 429/430.
54
O pensamento de Ross assemelha-se em um ponto com o
de Kelsen, quando ambos identificam a Política Jurídica como sociologia. Para
Kelsen, ela é sociologia no que tange ao dever-ser. Já para Ross, é a sociologia-
jurídica aplicada ou técnica jurídica.
A natureza da Política do Direito é axiológica, pois é na
questão do valor que busca sua autenticidade para firmar-se no mundo jurídico
como disciplina autônoma.
Oliveira identifica a Política Jurídica como um saber
essencialmente prático, mas de natureza teórica. E complementa156: “Embora se
possa extrair da política jurídica um saber essencialmente prático, há nela uma
natureza completamente teórica, em virtude do conjunto de seus conceitos e da
estrutura nocional que encerra”. Ou seja, o seu estudo constitui, assim “(...)
verdadeira ciência de conteúdo estritamente teórico, mas, enquanto voltada para
um objeto operável, pertencerá ao gênero prático”.
Visualiza-se que a Política Jurídica, apesar de possuir
natureza teórica, sua aplicação está diretamente ligada ao campo prático, pois é
neste campo que possibilitará ao operador jurídico utilizar-se de seus
fundamentos teóricos. Passar-se-á a análise de seu objeto, bem como seu
objetivo.
2.4 OBJETO E O OBJETIVO DA POLÍTICA JURÍDICA
O objeto da Política Jurídica, para Melo, encontra-se no
campo do deve-ser, posicionado frente ao atual ordenamento, visando a
concretização de normas adequadas, justas, de caráter utilitário e valorativo,
embasado na ética. O mesmo jurisconsulto aponta a necessidade do conceito de
valor na definição do objetivo e objeto da Política Jurídica.
156 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a
política do direito. p. 112.
55
Já para Ross157, a Política Jurídica não tem um objetivo
especifico, mas sim a necessidade de uma técnica específica: “a política jurídica
não é determinada por um objetivo específico, mas por uma técnica específica:
abarca todos os problemas práticos que surgem do uso, para o atingimento de
objetivos sociais, da técnica do direito, em particular da legislação”.
No entendimento de Oliveira158, “O objeto da política jurídica
é uma verdade operável desde a perspectiva da juridicidade”. E o conhecimento
político não teria outro objetivo senão definir retamente e pôr em prática os meios
de governo mais adequados para que as condutas humanas, não se desviem do
bem comum.
Segundo o mesmo jusfilósofo159, “O objeto real, que também
exige preocupações metafísicas, permanece o mesmo: a produção do direito
numa ordem social justa”.
Nesta trilha, o autor160 enfoca que a Política Jurídica deve
sempre atuar no plano ético-jurídico, em que os bens almejados pelo homem
devem estar em consonância com a reta razão, e não bens no seu aspecto
imediato e psicológico, simplesmente úteis e deleitáveis, que não coincidem com
aqueles. “No plano ético, o bem é moral; no plano jurídico, o bem se torna o
justo”161.
Na lição de Perez162, o objeto da Política Jurídica está na
adequação entre Política e Direito, consignando que: “a discordância entre
Política e Direito é a discondância entre fins e meios de regulação da vida social
157 ROSS, Alf. Direito e justiça. p. 375-376. 158 Oliveira, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a
política do direito. p. 40. 159 Oliveira, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a
política do direito. p. 185. 160 Oliveira, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a
política do direito. p. 289. 161 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a
política do direito. p. 289. 162 PERÉZ, Pascual Marím. La política del derecho. Barcelona: Bosh, 1963. p. 11.
56
humana e que a adequação entre esses fins e meios seria o objeto da Política
Jurídica”.
Entende-se que a Política Jurídica tem como objeto a busca
do dever ser frente ao ordenamento, numa incansável procura para que as
normas vigentes sejam mais justas e éticas, de forma a valorizar seu caráter
utilitário.
2.5 FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA POLÍTICA JURÍDICA
Para Reale163, Epistemologia “é a teoria de cada ciência”
(...). Ainda segundo o mesmo164, é o estudo “do conhecimento relativo ao campo
de pesquisa de cada ramo das ciências”. Este conceito é o que será adotado no
desenvolver desta pesquisa.
A Política do Direito não busca seus fundamentos
epistemológicos no positivismo, mas na história, de acordo com o pensamento de
Melo165:
Em vez de compromissos tão só com o método, prefere a inserção do Direito na História, portanto na vida social, com todos seus imprevistos. É a lição Waratiana: ‘Agora a tarefa que se impõe ao investigador do Direito é a de construir uma nova prática objetiva que, desmascarando a auréola de abstração das teorias dominantes, mostra sua história efetiva como fundamento de sua existência e possibilidade’. Essa posição epistemológica da Política Jurídica tem enormes implicações, pois, admitindo uma racionalidade fora do positivismo, e trabalhando com abordagens interdisciplinares, redimensiona a visão tradicional das fontes do Direito (...).
A Política Jurídica, busca na evolução social, nos novos
paradigmas seus fundamentos epistemológicos, de forma a aprofundar o
conhecimento, possibilitando um saber mais abrangente.
163 REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 31. 164 REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 32. 165 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 70.
57
O referido autor166, quando trata da função epistemológica
da Política do Direito, divide esta função em duas etapas distintas:
A primeira se realiza na crítica ao direito vigente, cujos princípios, normas e enunciados devem ser cotejados com critérios racionais de Justiça, Utilidade e Legitimidade, sem que seja preciso apelar para quaisquer justificações de natureza metafísica ou para proposições neo-anarquistas que possam desconstruir o território duramente já conquistado do Estado de Direito. A segunda atividade é buscar, em fontes formais e informais, as representações jurídicas do imaginário social que se legitimem na Ética, nos princípios de Liberdade e Igualdade e na Estética da convivência humana.
Na reunião das pesquisas epistemológicas da Política
Jurídica, promovem-se tanto questões de natureza científica, como a validade e a
eficácia da norma, quanto questões de cunho filosófico.
Oliveira167, demonstra a necessidade de um labor filosófico
mais aprofundado para a fundamentação da Política do Direito e não apenas a
preocupação com a questão dos métodos, pois, grande parte de seus problemas
não se resolve apenas com o emprego da ciência:
Há um nível fundamental, o filosófico, (...) que investiga mais profundamente a realidade jurídica, na sua essência e nos seus fundamentos, um nível propriamente científico, operando num plano de abstração fenomênica, com suas concepções críticas e valorativas, e, finalmente, no limite fronteiriço em que o conhecimento se transforma em atividade, no próprio momento realizador daquela decisão, num nível prudencial.
Nessa linha, Oliveira168 observa que para a Política Jurídica
cumprir sua função científica precisa estar “orientada, portanto, para a análise e
para a resolução de problemas concretos, quer pela via legislativa, quer pela via
judicial”. Conclui que desse primeiro elemento epistemológico pode-se extrair “(...)
duas realidades fundamentais sobre as quais a política do direito deve formar
sedimentos teóricos: tradição e opinião pública”. 166 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 131. 167 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a
política do direito. p. 131. 168 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a
política do direito. p. 191.
58
Oliveira169 também afirma ser imprescindível:
(...) que a pesquisa jurídico-político arroste método próprio, desde que às perspectivas ou diversas formas de intelegibilidade que vão revelando, em níveis cada vez mais profundos, o seu objeto. Essas características epistemológicas apresentam-se, no prisma científico, como: a) referencia à realidade prática, b) teorização dos princípios e c) condicionamentos aparentes.
2.6 FUNDAMENTOS AXIOLÓGICOS DA POLÍTICA JURÍDICA
Segundo Reale170, Axiologia “pressupõe, porém, problemas
concernentes à essência de ‘algo’ que se valora e às condições do conhecimento
válido, assim como põe problemas relativos à projeção histórica do que é
valorado”.
Consoante o mesmo juspolítico171, “segundo o prisma dos
valores dominantes, a Axiologia se manifesta, pois, como Ética, Estética”.
De acordo com Melo172, as “preocupações axiológicas do
político-jurídico fazem-no analisar a validade material da norma sob dois
aspectos: do justo e do útil”. Sem submeter o justo ao útil, também não
privilegiando o caráter individual do útil, distinguindo a ética humanística da moral
teológica.
É imprescindível neste campo de reflexão que não se
confunda a concepção de moral com a concepção de ética. Para uma melhor
compreensão desses conceitos, citamos Pasold173.
A moral como uma disposição subjetiva de determinação do que é correto e do que é incorreto, e, sob tal pressuposto, estabelece uma noção do Bem e do Mal e a ética pode ser entendida como a
169 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a
política do direito. p. 188. 170 REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 37. 171 REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 37. 172 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 118. 173 PASOLD, César Luiz. O advogado e a advocacia: uma percepção pessoal. Florianópolis:
OAB/SC Editora, 2001. p. 141.
59
atribuição- também subjetiva- de valor ou importância a pessoas, condições e acompanhamento e, sob tal dimensão, estabelecer uma noção específica de Bem a ser alcançada em determinadas realidades concretas, sejam elas institucionais ou sejam as históricas.
Oliveira, afirma estar faltando nos indivíduos justamente
esse enfoque teológico, o qual coloca como imprescindível. No seu entendimento
o direito natural e a teologia são às bases da sociedade e também da Política do
Direito. Salienta, a necessidade de um retorno a esses fundamentos para justificar
uma nova ordem vigente. Considera a teologia e o direito natural como um dos
principais fundamentos axiológicos da Política Jurídica. Reconhece como
necessário, o caráter metafísico, o que muitos pensadores renegam em suas
teorizações no campo da Política Jurídica.
Através da presente pesquisa a respeito dos fundamentos
da Política Jurídica foi possível identificar seu objeto, bem como seus
fundamentos e possibilidade de aplicação de seus ensinamentos pelo Político do
Direito nas várias áreas de atuação deste.
A Política do Direito tem como busca constante o Direito
ideal, que procura consolidar seus pilares na vida da sociedade, sem nunca
deixar de observar os fundamentos axiológicos que estão referidos à vida social.
Após a apresentação do conceito, sua natureza, seu objeto e objetivo, bem como,
seus fundamentos, no campo epistemológico e axiológico se fará uma incursão,
de forma breve, pelas teorias de produção do direito, no campo legislativo e
judiciário, para então apresentar como o operador do direito, pode atuar como
dogmático e como político jurídico.
CAPÍTULO 3
A PRODUÇÃO DO DIREITO E O PAPEL DO OPERADOR JURÍDICO
3.1 TEORIA DA PRODUÇÃO LEGISLATIVA DO DIREITO: ASPECTOS GERAIS DA RACIONALIDADE DA PRODUÇÃO LEGISLATIVA DO DIREITO
O poder legislativo ordinário, no entendimento de Bobbio174,
detém a competência legislativa para elaborar normas pautadas nos critérios
constitucionais:
aparece como o poder delegado para emanar normas segundo as diretrizes da Constituição; a mesma relação de delegação pode-se ver entre o poder legislativo e o poder judiciário; este último pode ser considerado o poder delegado para disciplinar os casos concretos, dando execução às diretrizes gerais contidas na lei.
No entanto, pode-se observar que na atualidade o poder
judicial não é apenas um robô para efetuar os comandos legislativos.
A tarefa do legislador, no entendimento de Ross175, é
“motivar os seres humanos a certo comportamento desejado”. Com essa postura,
procura elaborar leis que regulem a vida em sociedade e que permitam aos
indivíduos conviver em harmonia. Por mais que se saiba que na elaboração das
leis, não existe a efetiva contribuição dos cidadãos. Entretanto, a legitimidade da
norma, que deveria resultar do próprio clamor dos sujeitos frente a realidade em
que vivem, (pois, sua finalidade é de regular a vida em sociedade, e, não para um
indivíduo idealizado), na prática, isto não ocorre. Consoante com este
174 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 165. 175 ROSS, Alf. p. 404.
61
pensamento, Oliveira176 pontua que: “a lei não se faz para o cidadão anônimo ou
idealizado, senão para o indivíduo real e concreto, cujas práticas de vida
comunitária vão formando concretamente características próprias”.
Decorrente disto constitui-se um amplo ordenamento
jurídico, do qual a grande maioria da população não tem conhecimento e nem
discernimento para compreender a intenção do legislador. Na realidade, há leis
que mesmo os detentores de conhecimento jurídico não alcançam a real
pretensão do legislador.
A produção legislativa, defendida pelo direito positivo, é
considerada a única fonte legítima para a produção normativa, eis que decorre da
própria Carta Magna que lhe concedeu tais poderes.
A grande base para a defesa da produção normativa pelo
legislativo é decorrente dos defensores do Iluminismo, do Historicismo, do
Utilitarismo e do próprio Positivismo, por considerarem a fonte mais segura e
menos passível de arbitrariedades. Base, que, no entanto, não foi suficiente para
erigir o direito que “deve ser”, como propõe a Política Jurídica.
Sob este aspecto, Austin, apud Bobbio177, combate a
produção judiciária, por considerá-la de difícil controle, podendo existir uma
pluralidade de regras a serem seguidas, dificultando ao cidadão saber qual delas
deverá cumprir, gerando uma grande insegurança na própria legislação. Na ótica
do mencionado jurista, a produção legislativa, no entanto, possui uma maior
facilidade de cumprimento.
176 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a
política do direito. Itajaí: UNIVALI, 2001. p. 44. 177 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 111/112.
62
Para formular uma teoria da legislação analisou-se a obra de
Atienza178, na qual o autor identifica os níveis de racionalidade da produção
legislativa.
A teoria da legislação ocupa-se com o processo de
atividade, cujo resultado é a produção normativa. Dirige-se aos políticos
(membros do poder legislativo), aos técnicos (funcionários da administração), que
asseguram a redação correta destas normas, e tem como objetivo explicar o
fenômeno da legislação numa perspectiva geral. Possui também uma pluralidade
de funções, que vai da descrição da atividade legislativa, como também explicar,
criticar e propiciar medidas de aperfeiçoamento da norma. Tendo um caráter
prático. O autor menciona a existência de cinco níveis de racionalidade, a saber:
1°) Uma racionalidade comunicativa ou lingüística, em
que o emissor deve ser capaz de transmitir com fluência uma mensagem ao
receptor. O sistema jurídico é essencialmente um sistema de informação, no qual
o editor e o destinatário das leis são, respectivamente, emissor e receptor das
mensagens. Este consistirá em uma série de enunciados lingüísticos organizados
a partir de um Código, comum tanto ao emissor como ao receptor. O autor179
observa que uma norma pode não ser clara, para quem tem que obedecê-la (ex.
uma norma fiscal), mas isto não significa que a mesma contenha defeitos
lingüísticos. Todavia, a norma pode ser clara para assessores fiscais. A norma
também pode conter defeitos sintáticos ou obscuridades semânticas, ou mesmo
que os destinatários não possuam nível de preparação para entender o conteúdo
da norma. Para evitar possíveis erros, é imprescindível conhecimento procedente
da lingüística, da lógica, da informática, da psicologia cognitiva, para evitar erros
de inferência. Mencionada técnica possibilitará que o redator tenha uma visão
clara do conjunto da norma, evitando lacunas ou incoerências, conforme pontua
Atienza180.
178 ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. Madrid: Civitas, 1997. p. 21. 179 ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. p. 28-29. 180 ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. p. 32.
63
2°) Uma racionalidade jurídico-formal- a nova lei deve ser
inserida de forma harmoniosa no ordenamento jurídico. Para Atienza181, neste
nível de racionalidade, entende-se o sistema jurídico como um conjunto de
normas validamente estabelecidas e estruturadas em um sistema, cujo fim da
atividade legislativa é a sistematicidade. Através dela o Direito agirá como um
mecanismo de previsão da conduta humana e de suas conseqüências, como um
sistema seguro. Acrescenta o autor, que as idéias de segurança e previsibilidade
em si mesmas, implicam em um valor, (pois sem um mínimo de segurança não
haveria Direito, nem leis e nem organização social). Porém, este valor é gradual e
remete a outros valores como liberdade e igualdade. Este nível de racionalidade
da atividade legislativa deve aprimorar a lógica jurídica, melhorando a própria
técnica jurídica.
3°) Uma racionalidade Pragmática- a conduta dos
destinatários tem que se ajustar ao prescrito na lei. Neste nível de racionalidade o
autor182 demonstra que o editor é essencialmente o soberano político, entendido
como tal, quem tem poder para ser obedecido. E os destinatários são aqueles que
prestam obediência (ativa ou passiva), àqueles a quem a lei se destina, porém, à
medida em que amoldam seu comportamento ao que está prescrito na lei. Neste
nível, o ordenamento é visto como um conjunto de normas eficazes, como um
conjunto de comportamentos e de atos. Considera-se uma lei irracional, neste
nível, à medida que fracassa como diretiva, ou seja, em seu propósito de influir no
comportamento humano.
4°) Uma racionalidade teleológica- Aqui o autor183
menciona que a lei precisa alcançar os fins sociais perseguidos. Neste nível de
racionalidade, os editores são os portadores dos interesses sociais, particulares
ou gerais, que são traduzidos em leis. E os destinatários das normas não são
unicamente os particulares, ou os órgãos administrativos (a que se dirige a
disposição normativa), mas os indivíduos ou grupos comprometidos com o
cumprimento da norma. Aqui o que se pretende não é verificar se o Direito
181 ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. p. 32. 182 ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. p. 36. 183 ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. p. 36.
64
persegue certos fins, mas se os fins perseguidos são os fins que deveria
perseguir. Neste nível de racionalidade, uma lei é considerada irracional na
medida que não produz efeitos, ou produz efeitos não previstos e que não podem
ser considerados como desejáveis.
Neste passo, vale lembrar o que já se disse, linhas atrás,
repetindo o ensinamento de Oliveira184 no sentido de que a Política do Direito tem
por fim adequar a norma ao contexto social, para uma melhor equacionar o direito
posto frente a dinâmica social.
5°) Uma racionalidade ética- Cabe a este nível de
racionalidade, na ótica de Atienza185, verificar se os editores são vistos sob o
ponto de vista de quem é legitimado e em quais circunstâncias são legitimados
para exercer poder normativo sobre os outros, pois as condutas prescritas e os
fins das leis pressupõem valores que tendem a ser suscetíveis de justificação
ética. Os valores éticos são as idéias que permitem justificar tais fins. O autor
referido considera uma lei irracional se não está justificada eticamente, ou seja,
quem ditou a norma carece de legitimação ética, ou a norma prescrita não
prescreveu o que moralmente seria obrigatório prescrever. Segundo Atienza186,
este nível de racionalidade desenvolve uma função mais negativa do que
construtiva. Cujo nível, diferente dos demais níveis, não gera nenhuma técnica
legislativa específica. O único instrumento que dispõe a ética é o discurso moral.
Atienza187 observa que a dificuldade de distinguir claramente
os momentos de produção, de interpretação e de aplicação das normas dificulta a
distinção entre as duas teorias. Acrescenta que, quando se produz novas leis,
também ocorre a interpretação e a aplicação das já existentes. Mas afirma que
tanto na Dogmática como na Teoria da legislação não se explica um fenômeno,
mas, como é possível produzir um resultado, observadas certas condições, no
184 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: proposta epistemológica para a
política do direito. 2001, p. 44. 185 ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. p. 39. 186 ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. p. 39. 187 ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. p. 21.
65
que tange à realidade, é possível obter resultados práticos valendo-se de certos
conhecimentos e dados prévios.
A busca da verdade passa, necessariamente, pela
observação racional da realidade, ou seja, dados ou conhecimentos já adquiridos.
É deste procedimento racional que se tratará no próximo item.
3.2 TEORIA DA PRODUÇÃO JUDICIAL DO DIREITO: ASPECTOS GERAIS DA RACIONALIDADE DA PRODUÇÃO JUDICIAL DO DIREITO
Inicialmente, define-se a racionalidade, para tratar da
produção judicial do direito, valendo-se do entendimento de Teixeira188: “(...) na
singular capacidade da mente humana em buscar a verdade. Isto seria possível
através da adoção de uma forma de pensar capaz de estabelecer uma relação de
necessidade entre os pontos de partida e os pontos de chegada”. A produção
judicial do Direito, também possui seus pontos de partida e chegada. Essa
relação de necessidade, acima mencionada, na produção judicial está
diretamente ligada aos novos paradigmas por que passa a humanidade, pois, se
a sociedade está se transformando, o Direito há de acompanhar essas
transformações. Ao juiz caberá a definição das demandas que chegam ao seu
conhecimento de forma a ligar os pontos, acima referidos, da lei com as
necessidades e singularidades das demandas em questão, possibilitando, desta
forma, uma decisão com racionalidade, mas, acima de tudo vinculada à
realização efetiva da justiça.
Para o positivismo jurídico, falar em Produção Judicial do
Direito é algo inequívoco, pois, consideram a jurisprudência, por exemplo, não
uma produção ou criação, mas apenas uma interpretação da norma existente no
mundo jurídico.
188 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. São Paulo: Editora Juarez
de Oliveira, 2002. p. 7.
66
A respeito, Bobbio189 observa: “(...), a atividade da
jurisprudência como sendo voltada não para produzir, mas para reproduzir o
direito, isto é, para explicar com meios puramente lógico-racionais o conteúdo de
normas jurídicas já dadas”. Tal posicionamento da corrente positivista equipara a
jurisprudência com a Ciência Jurídica, que tem como tarefa esta interpretação do
direito posto.
Kelsen190 quando explana a respeito da interpretação divide-
a em duas espécies: “a interpretação do Direito pelo órgão que o aplica, e a
interpretação do Direito que não é realizado por um órgão jurídico, mas por uma
pessoa privada e, especialmente, pela Ciência Jurídica”.
Toda norma positivada, que se encontra inserida no
ordenamento jurídico, deixa margem à interpretação, podendo ser expressa por
diferentes doutrinas, não possuindo, nenhuma delas um caráter exclusivo. Isto
possibilita que seja interpretada, de forma diversa, dependendo de quem a está
traduzindo. Esta característica da norma jurídica apresenta uma forma de criação
do direito.
Neste sentido, Ross191 define:
A autoridade que administra o direito, em particular o juiz, se sente obrigado pelas palavras da lei e as outras fontes do direito. Todavia, estas sempre deixam espaços para a interpretação, e a norma jurídica concreta na qual se traduz a decisão, é sempre criação no sentido de que não é mera derivação de regras dadas.
Tratando da interpretação, Arnaud, apud Melo192,
acrescenta: “A natureza da interpretação é fazer progredir o direito: sem
interpretação originária, o sistema jurídico se acha congelado; sem interpretação
devida o mecanismo corre o risco de se achar bloqueado”.
189 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 212. 190 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. p. 388. 191 ROSS, Alf. p. 380. 192 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre. Sergio Antonio
Fabris/CPGD/UFSC, 1994. p. 76.
67
O direito precisa ser criativo, conforme o alerta de Arnaud
apud Melo193 “(...) a vida sócio-jurídica do século é constituída pela intersecção
das diferentes linhas de fronteiras e o respeito de uma implica necessariamente a
violação de outras”. E adiciona: “O juiz que tiver uma postura criativa, com relação a
essa fenomenologia, ajudará a construir o direito justo porque o trabalho de interpretação
que aproveitar todas as fontes legítimas de Direito será muito mais conseqüente e capaz
de ganhar consenso social”.
Reale194 coloca como dever moral do juiz o cumprimento da
lei, mas reconhece também como seu dever: “reconduzir a lei singular à inteira
razão objetiva que se exprime e se concretiza na experiência jurídica, em todo
ordenamento do mundo do Direito, em todos os princípios que o sustem. É esta a
moralidade verdadeira do jurista”.
No decorrer do estudo, foi possível verificar algumas críticas
frente à produção judicial do direito.
Austin, no entendimento de Bobbio195, apresenta algumas
objeções a tal criação: “(...) a produção do direito judiciário não pode ser
controlada pela comunidade política, enquanto a do direito legislativo, permite tal
controle”. Todavia, reconhece que o poder judiciário não está totalmente
desprovido de controle, pois possui órgãos superiores aos quais está sujeito. A
falta de controle argüida pelo autor está intimamente relacionada com o controle
político.
Outra objeção apresentada por Austin, apud Bobbio196,
refere-se ao conhecimento da Lei por parte da população. Considera o direito
judiciário de difícil acesso se comparado com o legislativo. O mesmo autor197
também acresce: “(...) o direito é freqüentemente emitido ex post facto (isto é,
com eficácia retroativa)” ou seja, ao deparar-se com um conflito que não encontra 193 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre. Sergio Antonio
Fabris/CPGD/UFSC, 1994. p. 76. 194 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 596. 195 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 110. 196 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 111. 197 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 111.
68
fundamento na norma, irá “criar” uma norma para dirimir tal conflito. Tal
posicionamento foi também defendido pela Escola da Exegese.
Na atualidade, o que se observa é que as políticas que
orientam o ensino do Direito, e que deveriam ser fontes motivadoras de políticas
sociais, apenas reproduzem o conhecimento formal (dogmático), não propiciando
ao graduando dos cursos de Direito a elevação do conhecimento para outros
campos além do positivismo, postura necessária para que os futuros operadores
do Direito possuam realmente uma consciência jurídica capaz de operar
transformações no meio em que estejam inseridos.
De acordo com o pensamento de Souto198, a maior
dificuldade encontrada na possibilidade de produção jurídica, por parte do poder
judiciário, está no grande obstáculo do formalismo, que o próprio ensino das
escolas de direito estimula:
Uma abertura significativa do sistema judicial -ou, se prefere, do subsistema judicial - a dados de ciência empírica tem o seu grande obstáculo no formalismo jurídico, que não é algo meramente teórico, mas tem o poder das leis, dos juízes e das autoridades administrativas, e assim dispõe de forte influência social. E, pois, se reproduz poderosamente a si mesmo através de uma educação jurídica quase exclusivamente feita em termos formais.
Pode-se definir que quando o autor refere-se ao próprio juiz,
como barreira a uma abertura do direito, está tratando dos juízes como altamente
dogmáticos e presos a secundum legem. Consoante com o mesmo tema,
Oliveira199 observa que, mesmo a mais sublime obra do legislador não produzirá
efeito se os juízes não possuírem o espírito de colocá-las em prática. Atualmente,
é possível encontrar, no judiciário brasileiro, juízes que não mais compartilham de
tal pensamento, caracterizando uma nova forma de ver o direito. Souto200 também
identifica como fato novo:
198 SOUTO, Cláudio. Ciência e ética no direito: uma alternativa de modernidade. 2. ed. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. p. 72. 199 OLIVEIRA, Gilberto Callado. p. 232. 200 SOUTO, Cláudio. Ciência e ética no direito: uma alternativa de modernidade. p. 85.
69
Vários juízes mais jovens já receberam nos bancos acadêmicos esse tipo de educação jurídica, se bem que em muito menor dosagem que a educação jurídica dogmática tradicional. Esses juízes tendem a ver o julgamento praeter legem como algo perfeitamente natural e a encarar a própria decisão judicial contra legem como algo socialmente existente, embora excepcional, e inevitável em sua excepcionalidade.
Todavia, o comportamento por parte dos operadores do
direito é decorrente da falta de observância das Universidades em criar nos
graduandos um sentido mínimo de mentalidade científica substantiva que leve o
prático do direito a uma abertura sistemática - e não apenas autodidática e
eventua l - aos dados científicos201.
Nesta vertente, Souto202 complementa, consiguinando que
um Curso Superior que “não contribui significativamente à mudança de uma
mentalidade academicamente conservadora, tradicional, para aquela de uma
abertura a inovações, está já nisso contribuindo para a reprodução do
conservadorismo acadêmico”. No entanto, o autor afirma haver a possibilidade de
uma abertura para o social, por parte do juiz, ao ver a atividade judicante também
como uma técnica científico-substantiva, pode contrariar a tradição ideológica
profissional do juiz de uma alegada exclusividade cognitiva, entendida
formalmente, mas será decerto uma exigência da racionalidade científico-
empírica, a qual facilitará a incursão do juiz ao social.
Neste diapasão, Bottan203 e Silva, explicitam: “São notórias
e antigas, aliás, as críticas que se fazem às formas tradicionais de positivismos
legalistas, próprias da civilização burguesa liberal”. Na interpretação destes
juristas, são produtoras de sistemas jurídicos que defendem tão somente pelo
abrigo das liberdades e igualdades abstratas e formais. Segundo os mesmos, a
tutela processual é apenas formal e retórica, à medida, em que, de maneira
acelerada, se distancia da vida social. E ainda: O Juiz deve servir à justiça,
201 SOUTO, Cláudio. Ciência e ética no direito: uma alternativa de modernidade. p. 75. 202 SOUTO, Cláudio. Ciência e ética no direito: uma alternativa de modernidade. p. 77. 203 BOTTAN, A.C.; SILVA, M. M. da. O conceito de justiça segundo o pensamento de Immanuel
Kant na criação judicial do direito In: II SEMANA DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DO CURSO DE DIREITO, 2004. Itajaí. Anais da semana de Divulgação do CEJURPS. Itajaí: UNIVALI, 2004, p. 29.
70
respeitar e descobrir a verdade e não priorizar outras vontades subalternas ou
secundárias, nem mesmo apelar a um silogismo, no intuito de sacrificar a
verdade, ou disfarçar e encobrir a realidade visível, através de atos de hipocrisia
simulada. O meio a ele conferido, para a resolução dos conflitos não é apenas a
lei, nem sua consciência isolada, mas os princípios do Direito204.
Em consonância com este entendimento, destaca-se a
posição do juiz federal David Diniz Dantas205, de Ribeirão Preto, que afirma estar
na árdua tarefa de tornar a justiça mais humana, invocando os princípios na
solução dos conflitos quando a lei não corresponde ao caráter de justiça ou
possua lacunas, que inviabilize a efetivação da justiça ao caso singular que está
apreciando. Cita, como exemplos de suas decisões dois casos singulares. Revela
que, se seguisse à risca o que está expresso na lei, prolataria decisões injustas.
Como primeiro exemplo, cita o caso de uma menina de um
ano e meio, que sofre de doença raríssima e que, sem um remédio importado,
não disponível na rede pública, morreria. Pelo que estabelece a lei, a criança não
teria direito ao medicamento gratuito - mas a Justiça Federal a contemplou com
base no princípio do direito à vida.
Como segundo exemplo, aponta a lei previdenciária, que
exige a idade mínima de 65 anos ou a invalidez, para que o contribuinte possa se
aposentar. A demanda que veio para a sua apreciação, é de um senhor que
sempre trabalhou no campo, desde os sete anos, sem carteira assinada, e que
aos 59 anos veio a requerer a aposentadoria. O juiz observa, que o demandante
era mesmo idoso, visivelmente idoso, e o princípio que estava por trás da decisão
era o de proteção ao idoso. Afirma o juiz que se aplicasse à lei consideraria
improcedente o pedido de um homem de 59 anos, que mais parecia um homem
de 80 anos e vivia da pensão de sua mãe, uma senhora de 94 anos. Como diz o
juiz a lei impede um julgamento justo para estes tipos de casos. Por mais singela
204 BOTTAN, Antonio Carlos. O conceito de justiça segundo o pensamento de Immanuel Kant na
criação judicial do direito. p. 31. 205 DANTAS, David Diniz. A humanização da justiça, Revista ISTO É, p. 7, maio. 2004.
71
que uma decisão judicial seja, há uma concepção filosófica por traz dela. E que
sem essa concepção filosófica o juiz não terá decisões efetivamente justas.
O caso a ser julgado precisa corresponder a uma concepção
de justiça do próprio julgador, subjetiva, individual, ser algo que a sociedade olhe
e compreenda. As decisões precisam aplicar o construtivismo ético, a decisão
não está pronta no texto da lei, a decisão precisa ser construída, para fazer
sentido aos cidadãos.
Afirma o juiz Dantas206: “Não adianta incluir na Constituição
princípios lindos de justiça social, de proteção aos pobres, se continuo aplicando
o legalismo formal”.
Diante de todo o exposto e de acordo com o entendimento
de Melo207, a produção da norma concreta pelo poder judiciário se dá através da
interpretação e da aplicação da lei. Na questão da interpretação (hermenêutica),
não apenas como interpretação decorrente das fontes do direito, mas como
observa Melo208: “ela mesmo como fonte do Direito, ao mediar conflitos e
colaborar para harmonizar a lei com a realidade social”.
Neste contexto é importante mencionar Arnaud209,que traduz
a natureza da interpretação como:
(...) fazer progredir o Direito: sem interpretação originária o sistema jurídico se acha congelado; sem interpretação devida o mecanismo corre o risco de se achar bloqueado. A questão do progresso do Direito está então intimamente ligada ao problema da natureza da interpretação.
Neste senda, Teixeira210 observa que apesar do êxito para
estabelecer os critérios objetivos para a decisão judicial, o apego à forma, ao que
206 DANTAS, David Diniz. A humanização da justiça, Revista ISTO É, p. 11, maio. 2004. 207 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 74. 208 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 74. 209 ARNAUD, André-Jean. O direito traído pela filosofia. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1990.
p. 193. 210 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. São Paulo: Editora Juarez
de Oliveira, 2002. p. 49.
72
está prescrito em lei, acabou por afastar o direito da justiça. As escolas
hermenêuticas abrangem uma perspectiva de possibilidade de o julgamento,
mesmo diverso da lei, seja possível, desde que ajustado à realização da justiça.
A justiça à que o autor se reporta é a justiça que se encontra
vinculada às necessidades dos indivíduos, aquela que visa a realização de um
bem, do que é justo, ao caso em tela. Diversa da justiça pregada pela Escola da
Exegese, que defende a justiça como a segurança jurídica proporcionada pelo
Estado. Neste sentido, acrescenta o autor211, “revela-se com isso a necessidade
da conciliação entre segurança e justiça no ato de interpretação-aplicação do
direito”. Daí a necessidade de transcender as raias do direito estatal, quando este
não alcance a realização da justiça212.
Não se pode perder de vista a observação de Dias213,
também, já destacada neste relatório, no sentido de que “A justiça caracteriza-se
como uma práxis humana, cuja pretensão é a resolução das questões próprias da
vida social”. Entendimento que revela a importância e fundamentos da Política
Jurídica.
Importante observar que ao mencionar-se a interpretação,
vale dizer que não são apenas para os casos de lacunas na lei ou mesmo de
inexistência de norma regulamentadora, há que se inserir a interpretação também
nos casos em que à aplicação da lei, nos moldes do pragmatismo, cause grande
injustiça social.
Imprescindível salientar que com as mudanças sociais que
estão ocorrendo na sociedade, vislumbra-se o dever do Direito de adaptar-se a
estas mudanças, dever este, que não pode ficar vinculado ao formalismo do
positivismo, mas sim, em possibilidades de resolução dos casos, não apenas
decorrentes do que a lei prevê, mas fruto da necessária análise do contexto social
em que o caso está inserido.
211 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 51. 212 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 51. 213 DIAS, Maria da Graça dos Santos. A justiça e o imaginário social. p. 70.
73
Para que esta perspectiva se torne efetiva e paulatinamente,
vá tomando força na aplicação do Direito, tem-se a Política Jurídica, com seus
fundamentos e princípios, caracterizada, principalmente pela prescrição de
legitimação do Direito, pela sociedade, possibilitando uma maior observância e
respeito às normas postas.
Teixeira214 observa que Kelsen “parte da distinção Kantiana
entre o mundo do ser (Sein) e o mundo do dever-ser (Sollen). Essa distinção
torna possível a formulação de duas categorias diferenciadas de juízos. De um
lado, os juízos descritivos, de outro lado, os juízos prescritivos”.
Os juízos descritivos denotam algo que ocorre na natureza.
Seus pressupostos estão internamente ligados à certificação da verdade. Os
juízos prescritivos, diferentes daqueles, estão vinculados ao critério de validade
da norma jurídica.
Diz-se então que uma lei natural, expressão de um juízo descritivo, como são as leis químicas ou físicas, será verdadeira se houver uma verdadeira correspondência entre o conteúdo enunciado e a realidade dos fatos empiricamente observáveis. Inexistente tal correspondência, a lei é falsa215.
Por outro lado, Teixeira216 pontua:
Os juízos prescritivos não são passíveis de avaliação pelo
critério de verdade. Sua durabilidade é assegurada através dos critérios
específicos de validade normativa. Ou seja, uma prescrição não pode ser
considerada verdadeira e nem falsa. Mas exatamente será válida se houver sido
estabelecida de acordo com os critérios superiores, ou inválida, se tais critérios
não forem observados.
Observa o autor217, no universo do ser, as questões são
avaliadas pelo preceito da ordem meramente causal, através dos juízos de
214 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 55. 215 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 56. 216 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 56.
74
realidade, como os que descrevem fenômenos físicos. Por outro lado no mundo
do dever-ser, trata-se não de descrições, mas sim, de prescrições “orientadas por
finalidades perseguidas218”, revelando-se assim o evidente conteúdo ético dos
juízos.
É mister avançar no sentido da construção de uma teoria
jurídica verdadeiramente consistente. Coelho219 demonstra que “tanto o jurista
comprometido com uma luta insurrecional quanto o defensor do modelo burguês
de sociedade, desenvolvem, ao interpretarem uma norma jurídica, um mesmo
trabalho de elaboração teórica, de cunho exclusivamente retórico”.
Vale salientar que a tarefa da hermenêutica encontra-se
associada à pacificação social, possibilitando identificá-la como agente que atua
no sentido da ‘domesticação’ dos conflitos sociais220.
Sintetizando o estudo da hermenêutica na interpretação e
aplicação do direito, Aarnio, apud Teixeira,221 assevera: “Na verdade, o ato
hermenêutico não consiste exatamente no desentranhamento de um significado
contido na lei e nem na vontade do legislador. Mais do que encontrar um sentido
oculto na norma, a tarefa do hermeneuta consiste em dar sentido à norma”.
Para tanto Melo222 propõe a construção de uma nova ordem,
para auxiliar na correta interpretação da norma ao caso concreto, ou na criação
do direito, que leve em consideração uma nova forma de pensar, uma Política
Jurídica descomprometida com formas e paradigmas em perecimento.
Theodor Viehweg, citado por Teixeira223, introduzindo novas
perspectivas de análise do jurídico, explica que o problema é algo determinado à
priori, e que atua como orientador. Seria, assim, uma questão que aparentemente
217 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 56. 218 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 56. 219 COELHO, Fábio Ulhoa. Direito e poder. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 113. 220 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 69. 221 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 81. 222 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política jurídica. p. 19. 223 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 82.
75
admite mais de uma resposta e que requer um reconhecimento prévio, tomando-
se um aspecto da questão para a qual há que se buscar uma resposta:
A mudança de referencial teórico acontece através da rearticulação da metodologia jurídica em torno da tópica aristotélica e ciceroniana em contraposição ao método sistemático tradicional. Assim, a tópica representa uma técnica de pensamento por problemas, desenvolvida pela retórica, sendo desenvolvida então em um contexto nitidamente cultural. É, portanto, uma técnica de pensamento que se orienta para o problema e não para o sistema.
Como afirma Ferraz Junior224, existe uma íntima correlação
entre sistema e problema, mas isto não determina que um ou o outro pólo da
relação possa ser acentuado. As várias formas de salientar a relação determinam
as diferenças entre o pensamento sistemático e o pensamento problemático.
Complementando seu pensamento, Ferraz Junior225, refere-
se à jurisprudência, afirmando :
(...) a tópica vinculada à jurisprudência fez desta menos um método e mais um estilo de pensar, que dizia respeito mais a aptidões e habilidades e que se reproduzia por imitação e invenção, na medida em que constituía para os juristas, uma atitude cultural de alto grau de confiabilidade nas suas tarefas práticas.
A tópica poderá auxiliar na experiência da jurisprudência,
pois trabalha com conceitos basilares de demonstrativa força persuasiva,
variáveis no tempo e no espaço.
Outro ponto que é importante observar na produção judicial
do pensamento tópico-problemático, proposto por Recaséns, segundo Teixeira226,
é de uma metodologia fundada no logos do razoável. Primeiro o autor faz a
diferença entre a lógica formal e a lógica material do direito, enquanto lógica dos
conteúdos das normas jurídicas. Assevera que a lógica formal ocupa-se de 224 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,
dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 296. 225 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,
dominação. p. 298. 226 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 83.
76
conceitos a priori, enquanto conceitos universais constantes e necessários. A
lógica material por seu turno ocupa-se com aspectos particulares, individuais,
essencialmente contingentes.
No entanto, afirma ser impossível tratar dos problemas
referentes à conduta do ser humano, de acordo com a lógica formal, pois,
apresentarão neste caso, resultados inservíveis. Afirma o Autor227: “A
supervalorização da lógica formal que enxerga a sentença como um silogismo
produziu na jurisprudência conseqüências funestas, por não considerar
importantes aspectos axiológicos, típicos da realidade humana”.
Recaséns mencionado por Teixeira228, afirma que o ponto
crucial da função jurisdicional, não é decidir em cima de duas ou mais premissas,
mas sim, em estabelecer corretamente as premissas que serão utilizadas de
alicerce para a conclusão, onde a decisão passa por uma eleição das premissas,
em consonância com uma avaliação discricionária do magistrado, que se
encontra fora dos domínios da lógica formal.
Das idéias aqui reproduzidas extrai-se a necessidade do
julgador afastar-se da lógica absolutamente formal, caracterizada pelo silogismo
perfeito, para adotar uma postura mais de acordo com a Política Jurídica,
consistente em estabelecer as premissas que serão os pilares da decisão. É o
que se verá no item a seguir.
3.3 O PAPEL DO OPERADOR DO DIREITO SEGUNDO A DOGMÁTICA JURÍDICA
O político-jurídico poderá utilizar-se da Dogmática na função
orientadora, conforme o pensamento de Andrade229:
227 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 85. 228 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 85. 229 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e
identidade. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003. p. 90.
77
Podemos referir, enfim, uma função político-jurídica da Dogmática, materializando junto ao Poder Legislativo, pois ela exerce também uma função orientadora das decisões políticas de criação legislativa (que podemos denominar função racionalizadora de lege lata) aspirando a converter a política jurídica em política científica. Comumente, os juristas dogmáticos encontram-se encarregados, por órgãos oficiais, de constituírem comissões para estudos sobre criação de leis ou reformas de códigos, fundamentados em construções dogmáticas.
É possível identificar uma atuação da Dogmática tanto no
campo legislativo como no campo judiciário. Do entendimento de Baratta, apud
Andrade230, extrai-se:
Na função orientadora e racionalizadora de decisões que está chamada a desempenhar, ela atua assim duplamente junto a legisladores e juízes, preparando, respectivamente, as decisões de criação e aplicação de normas jurídicas. Em ambos os casos-orientação da política legislativa ou das decisões judiciais - sua competência não consiste em “tomar” decisões, mas em prepará-las.
Kelsen231, afirma que a função do interprete do direito
enquanto cientista é determinar os limites do que é juridicamente possível, ou
seja, os limites da moldura dentro da qual a interpretação é possível. Afirma o
autor que ir, além disso, é afastar-se da cientificidade do direito em prol da
política.
A afirmação de Kelsen divorcia-se daquilo que foi examinado
em relação a Política Jurídica e as formas mais modernas de fazer atuar o direito,
seja na sua interpretação, na sua criação ou na sua aplicação.
230 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e
identidade. p. 91. 231 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. p. 363.
78
3.4 PAPEL DO OPERADOR DO DIREITO COMO POLÍTICO JURÍDICO
O papel do operador jurídico, como político, pode ser
extraído do pensamento de Ross232,
O espírito com que se empreende a investigação é decisiva;
que o investigador seja consciente de que suas diretivas político-jurídicas devem
ser necessariamente baseadas não só em fatos, como também em atitudes
pressupostas; que seja consciente de que essas premissas emocionais devem
ser eleitas de forma objetiva, não como a expressão de seu próprio credo e
vontade.
Outro importante papel do político jurídico, na análise de
Ross233, será o de influir, na medida do possível, como “(...) um técnico racional;
neste papel ele não é nem conservador, nem progressista. Como outros técnicos,
simplesmente coloca seu conhecimento e habilidade à disposição de outros, em
seu caso aqueles que seguram as rédeas do poder político”. Todo o esforço
espiritual há de concentrar-se nas questões técnico-jurídicas. Como devem ser
formuladas as normas jurídicas para estimular aquela conduta que melhor se
harmonize com as atitudes e objetivos pressupostos.
Neste contexto, Ross afirma que, nos diversos papéis que
desempenha (o juiz), o saber jurídico especialista se reproduz na composição das
comissões que se costuma designar para exibir relatórios sobre reformas
legislativas. O papel do jurista em tais situações é, com freqüência, duplo. Por um
lado, é especialista em seu campo específico; por outro lado, ele é quem pesa e
estima todas as considerações e alcança a formulação que integra, da melhor
maneira, todos os componentes motivadores.
232 ROSS, Alf. p. 384. 233 ROSS, Alf. p. 430.
79
Atua, assim, o juiz como auxiliar importantíssimo na
construção do direito legislado, fornecendo todo seu conhecimento, e a habilidade
adquiridos ao longo do exercício de seu mister.
Ross234 define a natureza da atividade político-jurídica como
prática:
(...), não é de natureza teórica, mas prática. A Política Jurídica, nessa medida, é uma arte, uma habilidade prática, na qual o valor do resultado é medido por ser, de fato, aceito pelos outros, particularmente por aqueles que detêm o poder, como a decisão que melhor harmonize todas as atitudes dominantes e as crenças operativas.
No entendimento de Melo235, “o juiz exercerá um papel
político-jurídico quando, sem pôr em risco o Estado de Direito, corrigir os
excessos da abstração da norma, adaptando seu preceito à realidade dos fatos,
para criar a norma concreta”. O autor acrescenta que a partir do momento em que
o juiz assume a responsabilidade na construção de um direito melhor e ajustado
às necessidades da sociedade, já estará executando papéis de Política Jurídica,
“que vão de simples aconselhamento até a responsabilidade por um projeto de
reforma constitucional236”.
Todavia, não se pode confundir essa atividade do juiz com o
poder legiferante dos legisladores por excelência. Como Oliveira237 assevera, a
“norma extraordinariamente gerada seria produto intelectivo, da autoridade de
quem diz o direito e não por imposição de quem tenha o poder de legislar ou
reger a sociedade”.
234 ROSS, Alf. p. 379. 235 MELO, Osvaldo Ferreira de. Jus strictum x jus aequum: um dilema a ser resolvido, In Novos
Estudos Jurídicos. Itajaí, UNIVALI, 1999, n. 9. 236 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 76. 237 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a
política do direito. Itajaí: UNIVALI, 2001. p. 155.
80
Andrade, apud Bottan238:
O novo juiz, inspirado nos princípios da Política do Direito, haverá de considerá-la, bem como todos os seus elementos formadores, inclusive os antecedentes. O novo julgador evitará interpretar a realidade sob julgamento como se fosse irreal e não construirá, em sua sentença, a idéia do falso. Deixará de lado o exagerado formalismo e o insistente legalismo.
Com o apoio da Política Jurídica, o julgador do futuro deverá
ser educado a exercer o papel de político de direito, não como simples legitimador
do status quo de quem detém o poder político, mas como observador e estudioso
da norma desejável, nos precisos termos de Oliveira mencionado por Bottan239:
“(...) galgando posições epistemológicas e aplicando métodos construtivos,
assumem a condição de juspolíticos”, criando uma norma completamente nova,
voltada para a priorização da justiça, de forma adequada aos anseios e ao bem -
comum da sociedade, em uma tarefa prudencial240.
Oliveira pontua que a partir do momento em que se
consagra, para a posteridade, o direito assim ajustado, já se está fazendo Política
Jurídica: “(...) já inicia um processo mental típico desta disciplina sob as diversas
categorias de fundamentação para elaborar, na decisão preceptiva da prudência,
um projeto acabado ou provisório241”.
Como assinala Oliveira242, não basta ao político-jurídico,
seja o legislador, o pesquisador, ou mesmo o operador do direito, teorizar um
quadro legislativo com estrutura lógica, se lhe faltar a efetiva observância e a
adaptação ao corpo social. Tudo estará sujeito não só a partir da legitimidade da
238 BOTTAN, Antonio Carlos. O conceito de justiça segundo o pensamento de Immanuel Kant na
criação judicial do direito, em Anais da Semana de Divulgação Científica do Curso de Direito. Itajaí: UNIVALI, 2004. p. 33.
239 BOTTAN, Antonio Carlos. O conceito de justiça segundo o pensamento de Immanuel Kant na criação judicial do direito. p. 34.
240 BOTTAN, Antonio Carlos. O conceito de justiça segundo o pensamento de Immanuel Kant na criação judicial do direito. p. 34.
241 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a política do direito. p. 125.
242 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a política do direito. p. 233.;
81
representação democrática, através da qual os legisladores tornarão exeqüível o
desejo de seus eleitores, senão também de suas efetivas opiniões, considerada
condição básica para qualquer regime de democracia representativa. Por isso o
autor243 afirma “(...) que antes de qualquer trabalho preceptivo o juspolítico há de
atrever-se a denunciar os erros, pelo esforço crítico de seus estudos, para o fim
de propiciar ambiente favorável à mudança”.
A Política do Direito tem como busca constante o Direito que
deve ser, sem, no entanto, afastar-se do ordenamento jurídico positivado, de
modo a possibilitar que se alcance a justiça que a sociedade reclama, a cada
momento evolutivo da vida social, objetivando a convivência harmônica, a
inclusão dos cidadãos como membros legitimadores da norma positivada.
Como forma de demonstrar, efetivamente, os argumentos
acima alinhavados, segue sentença do Juiz Federal, de Itajaí que em vez de
aplicar a pena privativa de liberdade optou por substituir por penas restritiva de
direito, impondo a ré a freqüentar os bancos escolares, como forma de punição a
pratica delituosa.
1ª Vara Federal de Itajaí - SC
Ação Penal
Autos nº 2003.72.08.005897-4 Autor: Ministério Público Federal
Ré: -----
S E N T E N Ç A
1. RELATÓRIO
Tratam os autos de ação penal que o Ministério Público Federal
instaurou contra -----------, brasileira, divorciada, diarista, portadora do RG nº ------,
nascida em Ibirama/SC, aos 23.02.1960, filha de ----------, residente e domiciliada na Rua
243 OLIVEIRA, Gilberto Callado. p. 235.
82
-------------------, Navegantes-SC, dando-a como incursa nas sanções do artigo 334,
parágrafo primeiro, alínea “d”, do Código Penal.
Segundo consta na denúncia, a acusada teria tido apreendidos em
seu poder diversos maços de cigarros de origem estrangeira, desacompanhados de
documentação legal e sem a comprovação de recolhimento de tributos, no valor total de
R$ 9.225,00 (nove mil, duzentos e vinte e cinco reais).
Conforme a denúncia (fls. 02/04), assim consistia o fato criminoso:
No dia 21 de agosto de 2003, na rua Anastácio Antônio Nascimento,
Bairro Bambuzal, Itajaí/SC, --------------, ora denunciada, estava
ocultando, em proveito próprio, no exercício de atividade comercial,
10.500 (dez mil e quinhentos) maços de cigarros, de origem
paraguaia, avaliada a apreensão em R$9.225,00 (nove mil duzentos
e vinte e cinco reais), não havendo a indispensável documentação
legal de importação.
A denunciada -------------- chegara de Foz do Iguaçu no dia da prisão
em flagrante (21 de agosto de 2003), às 15 horas, tendo esclarecido
que foi efetuar compras em Ciudad Del Est, Paraguai, de lá trazendo
a mercadoria. Seu objetivo era a comercialização dos cigarros na
região, em locais não determinados, merecendo destaque que ela,
anteriormente, iludiu, no todo, o pagamento devido pela entrada da
mercadoria no território nacional.
Quando da prisão em flagrante, contava com o apoio ocasional e não
doloso de seu irmão, -------, que dirigia camionete branca de placa ---
---/Navegantes, com o objetivo de levar a sua irmã para a cidade de
Navegantes/SC.
A denúncia foi recebida em 30.06.2004 (fl. 07). Citada, a acusada foi
interrogada (fl. 34), após verificar-se ser incabível à acusada a suspensão condicional do
processo, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/95, em razão da mesma responder a
outros processos. Defesa prévia apresentada (fls. 37-41) por defensor constituído.
Foram ouvidas duas testemunhas arroladas pela acusação (fls. 44-
45). Não foram arroladas testemunhas pela Defesa.
83
Na fase do artigo 499 do Código de Processo Penal as partes nada
requereram.
Em alegações finais, o Ministério Público Federal sustentou, em
síntese, que: a) a materialidade restou comprovada por meio do auto de prisão em
flagrante e do auto de apresentação e apreensão (fls. 02-05 do IP) assim como do
Exame Merceológico de fl.10-12; e b) quanto a autoria, a mesma restou igualmente
comprovada, mormente pela confissão da acusada, assim como o dolo restou
plenamente caracterizado. Pugnou pela condenação da acusada (fls. 49-53).
A Defesa, em suas alegações finais, alega que: a) a acusada seria
apenas uma “laranja” pois trazia mercadorias adquiridas por terceiro; e b) o depoimento
da testemunha de acusação ------------corrobora a inocência da acusada. Pede a
absolvição (fls. 55-56).
2. MOTIVAÇÃO 2.1 Dos elementos do crime, materialidade e autoria.
Imputa-se a ré a prática do crime descrito pelo art. 334, § 1º, “d”, do
Código Penal. Passo, portanto, à sua análise:
Art. 334. Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo
ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada,
pela saída ou pelo consumo de mercadoria:
Pena: reclusão de 01 (um) a 04 (quatro) anos.
§ 1º. Incorre na mesma pena quem:
(...)
d) adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no
exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de
procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal,
ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.
Na segunda parte do caput, o tipo descreve o delito de descaminho,
em que o crime se configura pela fraude empregada para evitar o pagamento de direito
ou imposto devido pela entrada ou saída da mercadoria não proibida. A figura também se
84
encontra descrita no parágrafo 1º, alínea “d”, sendo que neste caso pune-se aquele que,
no exercício de atividade comercial, adquire, recebe ou oculta mercadoria estrangeira
sem o devido pagamento dos tributos. Exige-se o dolo direto, isto é, o agente tem plena
certeza da origem delituosa da mercadoria.
O tipo penal em apreço tem como objeto jurídico de proteção a
Administração Pública, em especial o controle de entrada e saída de mercadorias do
País.
Assim delimitado, observo que o fato narrado pela inicial acusatória
se amolda ao delito em apreço, porquanto se imputa a acusada a conduta de adquirir
mercadoria de origem estrangeira, sem a comprovação de pagamento de tributos e
desacompanhada de documentação legal, com o intuito de comercializá-la.
Passo a análise da materialidade e da autoria.
a. Da materialidade.
A ocorrência do delito imputado à acusada restou plenamente
demonstrada nos autos, notadamente através do auto de apresentação e apreensão (fl.
05-IP) e do auto de infração e termo de apreensão e guarda fiscal de fls. 47-56.
b. Da autoria Quanto à autoria, esta igualmente restou suficientemente
comprovada, conforme as provas produzidas na instrução e na fase inquisitorial,
notadamente o auto de prisão em flagrante (fls. 02-04-IP).
--------------------, em 21.08.2003, foi abordada por policiais federais na
posse de 10.500 maços de cigarros de origem estrangeira, desacompanhados de
documentação legal e comprovação de pagamento dos tributos devidos.
A acusada, em momento algum, negou que os produtos lhe
pertenciam, tendo inclusive dito que os mesmos eram destinados à venda.
Com efeito, ouvida na fase inquisitorial, quando de sua prisão em
flagrante, assim declarou:
85
... que trouxe vinte caixas contendo pacotes de cigarros, para serem
vendidos nesta região; que venderia os cigarros em pequenas
quantidades, oferecendo em locais não determinados. (fl. 03).
O seu depoimento, na fase judicial, também aponta para a sua
responsabilidade penal. Senão vejamos:
É verdadeira a imputação que lhe é feita, pois realmente estava
voltando do Paraguai e o cigarro apreendido era de sua propriedade;
estava com 350 pacotes, sendo que cada pacote possui 10 maços;
(...) “eu não sabia que era crime” “todo mundo trazia”; nesta época
estava passando por dificuldades financeiras; quando foi autuada,
em 28 de janeiro de 2004, em Jaraguá do Sul, também perdeu
mercadorias; além desta vez também foi autuada uma última vez em
Foz do Iguaçu e depois desta não voltou mais ao Paraguai comprar
mercadorias. (fl. 34).
Da análise de todo o contexto probatório coligido conclui-se que
incorreu a acusada no tipo penal acima descrito.
O fato de desconhecer a ilicitude da conduta não é escusa idônea
para retirar a culpabilidade do agir, pois é noção elementar que todos devem conhecer a
lei. Era exigível nas circunstâncias agir de modo diverso e pelas pautas sociais.
Obviamente a ré tinha pleno conhecimento da ilicitude, agindo assim de forma consciente
e voluntária.
2.2. Conclusão
Em conclusão, não havendo nenhuma causa de exclusão da
antijuridicidade, culpabilidade ou que isente a ré de pena, a condenação é medida que se
impõe.
3. DISPOSITIVO
86
Em assim sendo, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva do
Estado deduzida na denúncia para CONDENAR a ré ---------------------------, como incursa
nas sanções previstas pelo art. 334, § 1º, “d”, do Código Penal.
Passo a dosimetria da pena. Atendendo as diretrizes do art. 59 do Código Penal, verifico que a
culpabilidade (-) é grave, mormente considerando que a ré mesmo tendo sido
surpreendida em ocasião anterior insistiu na prática criminosa demonstrando dolo intenso
e total descaso para com a justiça. A ré não registra maus antecedentes (=), pois, em
face do princípio da presunção de inocência, não se pode ter ações penais ainda em
andamento, mesmo que sobre os mesmos crimes, como maus antecedentes, segundo a
posição do STF. Quanto a conduta social (=) nada há nos autos, além da prova do
crime sob comento que indique conduta social deturpada ou arredia aos demais valores
que regem a coletividade. A personalidade (=) não demonstra ser excessivamente
desvirtuada. A motivação (+) foi a obtenção de vantagem ilícita o que é própria do delito,
merecendo destaque especial a situação econômica e a falta de emprego. As
Circunstâncias (=) são normais à espécie de delito não tendo dificultado a atuação da
autoridade policial. Conseqüências (=): a elisão fiscal possui graves conseqüências
sociais, visto que através dos tributos o Estado arrecada valores com vistas a realizar o
bem comum. Contudo, tais conseqüências podem ser amenizadas pelo perdimento dos
bens apreendidos em posse da acusada. O comportamento da vítima (=) em nada
influenciou na conduta criminosa.
Por tais razões, fixo a pena base em um ano e seis meses de
reclusão, tendo em vista a presença de circunstância judicial negativa preponderante
(intensa culpabilidade).
Não há agravantes a considerar. Reconheço a atenuante da
confissão tendo em vista que tanto no inquérito policial quanto em seu interrogatório
judicial a ré admitiu a prática do delito e assim alivio a pena para o um ano e um mês de reclusão.
Dos autos não verifico a ocorrência de qualquer causa de aumento
ou diminuição da pena.
87
Não há cominação de pena de multa para o crime em apreço.
Assim, fica a ré definitivamente apenada em um ano e um mês de reclusão.
Do cumprimento da pena pela condenada: Para cumprimento da pena pela condenada estabeleço inicialmente
o regime aberto, nos termos do art. 33, §2º, “c”, do Código Penal.
Considerando que a pena ora aplicada não excede a quatro anos e
incidentes as hipóteses do art. 44 do Código Penal (alterado pela Lei 9.714, de 25 de
novembro de 1998), faculto à sentenciada a substituição da pena privativa de liberdade
por duas penas restritivas de direito: 1. Comprovar a freqüência regular a aulas em estabelecimento oficial ou reconhecido de ensino ou a curso profissionalizante; 2.
Prestar serviços à comunidade ou à entidade pública (art. 43, inc. IV, do CP). (grifou-se)
A freqüência à escola ou a curso profissionalizante é fundamental neste tipo de infração penal que é motivada na maioria das vezes pela falta de opções de vida e de emprego, pois a educação é a chave estratégica para o pleno desenvolvimento humano. Destaque-se que a própria ré declarou em seu interrogatório (“quero este ano ir para a escola” - fl. 34). (grifou-se)
A prestação de serviços à comunidade deverá ser cumprida durante
o tempo de cumprimento da pena, consoante prevê o artigo 46, do Código Penal. O
serviço será prestado em local a ser designado por ocasião da audiência admonitória (art.
149 da LEP), quando será a condenada devidamente advertida do que consta dos §§ 4º
e 5º, do art. 44, do Código Penal.
Entendo que a pena alternativa no caso é suficiente para a
reprovação da conduta e a medida mais adequada socialmente para a condenada.
A escolha das penas alternativas levou em conta a sua necessidade
e adequação considerando a idade da apenada, bem como o seu caráter nitidamente
pedagógico e ressocializador e ainda a facilidade de cumprimento, sem sacrifício para o
exercício regular da profissão.
88
Aceitas tais condições de substituição, fica a condenada desobrigada
do recolhimento em prisão domiciliar.
Por fim, condeno a ré no pagamento das custas processuais. Faculto
à condenada apelar em liberdade, nos termos do artigo 594 do Código de Processo
Penal.
Nos termos do art. 91, inciso II, alínea b, do Código Penal, decreto o
perdimento definitivo dos bens indicados na denúncia, em favor da União, posto que
neles se consubstancia o proveito auferido pela ré em detrimento do erário público. Como
se tratam de cigarros, determino a sua incineração, mediante termo.
Transitada em julgado:
a) lance-se o nome da apenada no rol dos culpados (CF, art. 5º, LVII);
b) comunique-se ao Tribunal Regional Eleitoral para os fins do artigo
15, III, da Constituição Federal; e
c) informe-se ao Departamento de Polícia Federal remetendo-se o
boletim individual de estatística (CPP, art. 809, § 3º) e à Distribuição
para as devidas anotações.
Dou esta por publicada com a sua entrega em Secretaria. Sentença
registrada eletronicamente. Intimem-se.
Itajaí, 04 de julho de 2005.
Zenildo Bodnar Juiz Federal Substituto
Esta sentença que acima se transcreveu, serve como
demonstração clara da possibilidade da Aplicação dos Fundamentos da Política
Jurídica pelo Operador do Direito. Senão vejamos, no dispositivo relativo ao
cumprimento da pena (parte que se encontra grifada), o juiz aplica a pena de
forma a possibilitar a ressocialização da apenada, sem, no entanto, deixar de
aplicá-la. O Código Penal, não traz como possibilidade de substituição, o efetivo
comprometimento do apenado, em freqüentar os bancos escolares. No entanto,
89
visualiza-se pela sentença que neste caso, tal possibilidade é medida bastante
justa e com certeza eficaz. Demonstrando de forma cabal que os ensinamentos
fornecidos pela Política Jurídica aos Operadores do Direito produzirão uma maior
eficácia da norma, fazendo valer seu caráter utilitário e ético, com vista a
efetivação da justiça.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da pesquisa, ficou demonstrado que a Política
Jurídica tem como objeto o Direito que deve ser, no lugar do Direito que é. Com
os fundamentos e pressupostos da Política Jurídica foi possível identificar as
possibilidades de aplicação dos mesmos pelo Operador do Direito, frente às
lacunas, ausências ou mesmo possíveis correções que se façam necessária às
normas jurídicas.
A Política Jurídica possibilitará uma adequação ao Direito
vigente, para que este priorize a utilidade da norma, frente ao contexto social com
vista à realização da justiça.
O atual ordenamento jurídico não está vinculado à
realização da justiça, pois tal caráter não é imprescindível e nem se faz
necessário ao Direito Positivo, de acordo com os positivistas.
Vislumbra-se, com a Política Jurídica, um ordenamento que
possibilite a real efetivação da justiça aos conflitos existente na sociedade. No
entanto, não se procura desestabilizar o direito existente, mas sim vivificá-lo, para
que ocorra uma adequação deste às demandas de Justiça da sociedade,
possibilitando uma melhor adesão por parte dos indivíduos.
Para a Política Jurídica, a validade da norma encontra-se
amparada nos anseios de Justiça presentes na sociedade.
Durante a execução da pesquisa, restaram demonstradas
as hipóteses previstas, consideradas as possíveis variáveis, seguindo-se as
primeiras e as respectivas respostas.
1ª) Os Fundamentos da Política Jurídica são substratos eficazes, cujo emprego
pode implicar a prevalência da justiça, da eqüidade, da ética e da utilidade social,
no desenvolvimento da atividade de aplicação do direito?
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Em consonância com a pesquisa realizada, foi possível verificar que os
pressupostos da Política Jurídica possibilitarão a efetivação da justiça, da
eqüidade, da ética e da utilidade social, na produção e aplicação do Direito.
2ª) Por meio da utilização dos Fundamentos da Política do
Direito, o Juspolítico pode conduzir-se, no exercício de seus misteres, de modo a
amoldar sua atuação aos fins sociais a que a Norma de Direito se destina e aos
princípios axiológicos regentes da Sociedade em que se insere e pode influenciar
na própria produção do Direito Positivo, com suporte nos fundamentos e/ou níveis
de racionalidade da produção legislativa e nos Fundamentos e/ou níveis de
racionalidade da produção judicial do direito?
Com o apoio dos fundamentos da Política Jurídica, o político
do Direito conduzir-se-á, na sua atividade, de forma a fazer prevalecer os fins
sociais, possibilitando que a norma ao ser produzida e aplicada reverencie aos
princípios éticos, vigentes na sociedade.
O juspolítico não mais se conformará com a posição
dogmática, prevalecente hoje no ordenamento jurídico, e poderá apoiar-se nos
fundamentos da Política Jurídica para o exercício de sua atividade, vinculando a
aplicação da norma ao seu caráter de Utilidade Social, Justiça e Legitimidade.
2ª) O Operador Jurídico, investido na função de Político do
Direito, procuraria politizar o Direito, obrando em três dimensões, que são a
essência da Política Jurídica: a epistemológica, a ideológica e a operacional. Em
assim agindo, teria, como tarefa, a missão corretiva da norma jurídica, em sua
produção e na sua aplicabilidade. Em suas ações, oportunizaria a criatividade na
esfera legislativa e na função jurisdicional, na busca da incidência, nos casos
concretos, dos fundamentos da Política Jurídica, que se refletiriam no atendimento
aos anseios sociais, e, sobremodo, na Utilidade (social) da norma.
Diante do exposto foi possível constatar que a Política
Jurídica servirá de grande ferramenta na implementação e construção da norma
93
visando o fim almejado para toda a ordem jurídica vigente, qual seja o
imprescindível caráter de justiça pautado na ética.
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