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A abordagem Visible Thinking, da Harvard Graduate School of
Education e os programas brasileiros: desafios e coincidências
de aplicação
Elizabete Enz Hubert1 Vanessa Godoy2
Resumo: O programa Visible Thinking (Pensamento Visível), da Harvard Graduate School of Education, propõe técnicas de abordagens interacionais de forma a levar o aluno a desenvolver maior pensamento crítico sobre os mais variados temas do cotidiano, para que, posteriormente, ele aplique os conhecimentos desenvolvidos nas diversas disciplinas do currículo, fazendo com que a aprendizagem seja profunda. As propostas apresentadas nos PCNs (Temas Transversais) e nas DCNs, do Ministério da Educação, são também bastante abrangentes e desafiadoras no que se refere a temas da atualidade brasileira e têm, em seu fundamento, os ideais de uma aprendizagem transdisciplinar e contextualizada. Neste artigo, nosso objetivo é apresentar os pontos coincidentes das propostas da Universidade de Harvard e dos programas pedagógicos brasileiros.
Palavras-chave: PCN; Diretrizes Curriculares Nacionais; Visible Thinking; Pensamento Visível.
1 Introdução
A proposta dos pesquisadores da Universidade de Harvard (Visible
Thinking) apresenta o desenvolvimento do conteúdo necessário à formação do
aluno por meio de experiências reais e situações do cotidiano. Trata-se de uma
estratégia de questionamento para desenvolvimento do pensamento crítico e da
construção de conhecimento por meio da vivência.
1 Doutora em Filologia e Língua Portuguesa pelo Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade de São Paulo. Professora nos cursos de Letras e Pedagogia da UNIESP – FVGP, Vargem Grande Paulista-SP. 2 Mestre em Educação pela UNIVALI – SC, graduação em Desenho Industrial, pela Faculdade de Belas Artes – SP.
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No artigo publicado na revista Educational Leadership, intitulado Making
Thinking Visible, Ritchhart e Perkins, coordenadores do Projeto Zero´s Visible
Thinking, explicam como se dá tal abordagem. Os autores acreditam que quando
os alunos falam, escrevem ou desenham suas ideias, eles aprofundam sua
cognição.
A abordagem dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) é também
bastante voltada para a contextualização e vivência. Os PCNs dão as diretrizes
para a o conteúdo a ser desenvolvido na escola, que, por sua vez, tem que ter o
compromisso social de formar cidadãos conscientes, participativos e críticos.
Nesse sentido, podemos ver um ponto de intersecção entre os dois
programas. O Visible Thinking (Pensamento Visível) defende a ideia de
construção do conhecimento por meio de exploração do pensamento crítico
sobre fatos do cotidiano. Os PCNs, com a introdução dos Temas Transversais,
a saber, educação especial, relações de trabalho e consumo, meio ambiente,
saúde, orientação sexual e ética, também propõem discussões de caráter
interdisciplinar, voltadas ao debate atual sobre as relações do estudante com
seus pares, com a comunidade escolar e com a sociedade.
Associadas aos PCNs, temos ainda as Diretrizes Curriculares Nacionais,
que tratam de questões que vão além das áreas convencionais e trazem
propostas muito abrangentes no que se refere a temas para o desenvolvimento
social e cultural dos educandos, quais sejam: educação para os direitos
humanos, educação ambiental, educação especial, educação escolar indígena
e relações étnico-raciais.
Os Temas Transversais e as Diretrizes Curriculares Nacionais nos dão as
bases para a execução da abordagem do Visible Thinking, uma vez que os
temas propostos são de grande valor para o desenvolvimento social do
educando, principalmente no que se refere às relações humanas. O projeto do
Pensamento Visível, por sua vez, tem a proposta de instigar o debate, fazer as
conexões e construir argumentos consistentes.
Na prática interdisciplinar, temos também as ferramentas para a execução
dessa abordagem e, com isso, promover o desenvolvimento das habilidades de
pensar ativamente (visivelmente) e argumentar de forma crítica e consistente
sobre os assuntos de seu dia a dia.
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2 Propósitos e objetivos do projeto Visible Thinking (Pensamento Visível)
O programa Visible Thinking (Pensamento Visível) não é uma nova teoria
pedagógica a ser aplicada, ao contrário, é um programa que teve sua origem na
observação de casos de sucesso. A partir de exemplos como os das escolas da
cidade de Reggio Emilia, na Itália, constatou-se a já existência de uma prática
pedagógica muito eficaz.
Os pesquisadores de Harvard definem a abordagem do Visible Thinking
como uma técnica de “desenvolvimento de pensamento”, cujo objetivo é
aprofundar a aprendizagem do conteúdo. Em seu website, o programa assim é
definido:
Uma abordagem baseada em pesquisa flexível e sistemática para integrar o desenvolvimento do pensamento dos alunos com o aprendizado de conteúdos em todas as disciplinas. Um conjunto extensivo e adaptável de práticas, o Visible Thinking (Pensamento Visível) tem um duplo objetivo: por um lado, cultivar as habilidades e disposições de pensamento dos alunos e, por outro, aprofundar a aprendizagem de conteúdo. Ao pensar tais disposições, pensamos em buscar a curiosidade, preocupação com a verdade e a compreensão, uma mentalidade criativa, não só voltada para ser especialista, mas também alertar para oportunidades e aprendizagem (<http://www.visiblethinkingpz.org/VisibleThinking_html_files/VisibleThinking1.html> Tradução nossa).
Um dos pontos principais da abordagem deste programa é a flexibilidade
nos temas das aulas, ou seja, os temas partem dos próprios alunos. Um exemplo
bastante esclarecedor, apresentado no artigo da revista Educational Leadership
é o de uma escola em Melbourne, Austrália.
A professora do ensino fundamental, Roz Marks, durante uma aula,
perguntou aos alunos qual o assunto de interesse deles naquele dia. No começo,
os alunos hesitaram e não se sentiram à vontade para ousar um palpite, até que
um deles falou de um acidente em uma mina de Beaconsfield e do trabalho de
resgate dos mineradores.
A professora então perguntava à classe: “o que você acha que sabe sobre
o acidente na mina de Beaconsfield?” Em seguida, a professora dizia “por que
você acha isso?”. Alguns alunos mostravam mais interesse nas causas da
tragédia, enquanto outros queriam saber sobre o trabalho da equipe de resgate.
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Aos poucos, os alunos foram falando abertamente sobre o que sabiam e
eram instigados a justificar suas respostas. Com isso, construíram hipóteses
sobre o assunto e, em seguida, a professora deu-lhes a tarefa de buscar
informações precisas sobre o acidente. Eles sugeriram comparar as informações
da mídia e descobrir o que poderia ser verdadeiro e o que poderia ser falso nas
informações veiculadas. Naquele momento, aquela história era um grande
“puzzle” e as peças precisavam ser encaixadas. Os alunos, então, chegaram às
possíveis teorias para o acontecimento. Com isso, aplicaram o episódio do
colapso da mina no estudo de física, geografia e primeiros socorros.
Para que a proposta do Visible Thinking tivesse sucesso, a professora
demonstrou muito interesse pelo que os alunos queriam falar, instigando-os a
aprofundar suas ideias e a buscar respostas convincentes e verdadeiras.
Fazer perguntas autênticas - ou seja, questões para as quais os professores não saibam as respostas e para as quais não haja respostas pré-determinadas – é uma forma muito poderosa para se criar uma cultura de engajamento intelectual na sala de aula. Tais questionamentos fazem com que os alunos vejam os professores como aprendizes e então há a promoção de uma comunidade de inquisidores (CHURCH; MORRISON; RITCHHART, 2011, p.31. Tradução nossa).
O ponto principal, então, foi a construção do conhecimento interdisciplinar
a partir de um tema que realmente importava para as crianças, ou seja, o que
realmente as comoveu e que fez parte de seu cotidiano.
2.1 Os seis princípios-chave do Visible Thinking
O programa Visible Thinking é ancorado em seis princípios:
a) A aprendizagem é consequência do pensamento.
A compreensão do conteúdo e sua memorização aumentam quando
alunos pensam por meio dos conceitos e informações que eles já têm daquilo
que lhes está sendo proposto. Desenvolver o pensamento ativo a partir de temas
diversos não deve ser um esforço individual, mas uma construção a partir do
conhecimento de outrem.
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A construção do conhecimento acontece quando os professores ficam focados em fazer o pensamento visível e valorizado em suas classes, quando seus questionamentos vão para longe das perguntas de revisão para avaliação. As perguntas devem ser mais construtivas, aquelas que fazem com que os alunos conectem ideias, interpretem os problemas com o foco em ideias maiores e conceitos centrais, para assim fazer estender suas ideias (Opus cit., p.32. Tradução nossa).
b) O desenvolvimento do pensamento é um esforço social.
Nas salas de aula, como no mundo, existe uma interação constante entre
o grupo e o indivíduo. Aprendemos com aqueles que nos rodeiam e com os quais
interagimos. O caráter sociocultural das salas de aula e das escolas deve
garantir que o aprendizado pensativo seja constante e não esporádico.
c) Para fomentar o pensamento ativo, faz-se necessária a expressão do
pensamento.
O pensamento acontece necessariamente em nossa cabeça, invisível
para os outros e até para nós mesmos. Os pensadores ativos tornam seu
pensamento visível, o que significa que eles externalizam seus pensamentos por
meio da fala, escrita, desenho ou algum outro método. Eles podem então
direcionar e melhorar esses pensamentos. A abordagem do Visible Thinking
enfatiza a “documentação” do pensamento para compartilhamento e posterior
reflexão.
d) O contexto cultural da sala de aula dá o tom e as formas do aprendizado.
Foram identificadas oito forças que dão forma à cultura da sala de aula:
(1) rotinas e estruturas de sala de aula para aprendizagem, (2) padrões de
linguagem e conversação, (3) expectativas implícitas e explícitas, (4) alocação
de tempo, (5) modelagem por professores e outros (6) o ambiente físico, (7)
relacionamentos e padrões de interação, e (8) a criação de oportunidades.
Dependendo da sua forma, essas forças podem apoiar ou arruinar o ritmo do
aprendizado pensativo.
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e) Pensar ativamente não é uma questão de habilidade, mas de disposição.
A curiosidade, a atenção à evidência, o ceticismo e a imaginação abrem
a mente para pensamento ativo e isso não tem a ver com as habilidades de uma
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pessoa, mas com a forma como a pessoa investe nessas habilidades. Crianças
e adultos muitas vezes subutilizam muito suas capacidades de pensamento, ou
seja, acham que não são capazes de desenvolver opinião e interagir sobre
determinado tema e, dessa forma, não aprendem porque não interagem, não
fazem associações. É preciso instigar a curiosidade e não deixar a indiferença
vencer.
Sobre a curiosidade, afirma Paulo Freire:
Se há uma prática exemplar como negação da experiência formadora é a que dificulta ou inibe a curiosidade do educando e, em consequência, a do educador. É que o educador que, entregue a procedimentos autoritários ou paternalistas que impedem ou dificultam o exercício da curiosidade do educando, termina por igualmente tolher sua própria curiosidade. (...) O bom clima pedagógico-democrático é o em que o educando vai aprendendo à custa de sua prática mesma que sua curiosidade como sua liberdade deve estar sujeita a limites, mas em permanente exercício (FREIRE, 1996, p.33).
f) As escolas precisam ser culturas de pensamento para professores.
As verdadeiras comunidades de aprendizado - nas quais discussões ricas
sobre ensino, aprendizagem e pensamento se tornam uma parte fundamental
das experiências dos professores - fornecem os alicerces para nutrir o
pensamento e a aprendizagem na sala de aula. Os administradores precisam
valorizar, criar e preservar o tempo para os professores discutirem o ensino e a
aprendizagem, fundamentados na observação do trabalho dos alunos.
A proposta do Visible Thinking, como pudemos ver, é um trabalho
conjunto de interação aluno-professor-tema. O tema, por sua vez, deve estar
diretamente relacionado ao contexto sociocultural do aluno. Para que haja a
aprendizagem “penetrante”, como dizem os pesquisadores americanos, é
necessário o questionamento, interrogações sobre todas as possibilidades de
compreensão daquele tema e posteriormente a documentação do pensamento,
a associação e compartilhamento, para o enriquecimento de todos os envolvidos
naquele processo.
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2.2 O exemplo das escolas de Reggio Emilia
As escolas da pequena cidade de Reggio Emilia, na Itália, tornaram-se
um modelo de ensino e seu programa de educação fundamental, praticado em
33 escolas da cidade, ficou mundialmente conhecido por uma inovação, ou seja,
as crianças aprendem a partir de sua experiência.
Segundo Aguiar (2014, p.77), “a ideia é de que a escola não deve
trabalhar só as linguagens codificadas e reconhecidas, mas valorizar a
experiência real da criança”.
A matéria intitulada Children are citizens (Crianças são cidadãos),
publicada no jornal Innovations in Early Education, pela North American Reggio
Emilia Alliance, mostra o grau de comprometimento da escola com a sociedade,
ou seja, a escola é um contexto crítico de promoção de relacionamento:
O reconhecimento das crianças como cidadãos é o pilar essencial que sustenta as escolas de Reggio. O vínculo forte entre crianças e adultos é o resultado de cinquenta anos de diálogo, colaboração cultural e política entre governantes, população, pré-escolas e centros de educação primária. Loris Malaguzzi, fundadora do programa educacional Reggio, acreditava que as escolas eram um contexto crítico para se promover o relacionamento entre crianças e a cidade (KRECHEVSKY et al. 2016, p.5. Tradução nossa).
A proposta das escolas reggianas é da valorização máxima da
experiência e da contribuição da criança. Os pesquisadores de Harvard, Mara
Krechevsky, Ben Mardell, Tiziana Filippini e Maddelena Tedeschi, autores da
matéria acima citada, relatam uma experiência de Reggio Emilia sobre o projeto
dos andaimes.
O mercado municipal, localizado em um ponto de referência histórica para
a cidade, passaria por uma renovação. A ideia proposta pelo Departamento de
Cultura foi a de envolver as crianças e os artistas da cidade num projeto de
“decoração” dos andaimes, que ficariam ali expostos durante todo o processo de
renovação, algo em torno de seis meses.
A proposta, então, foi desenvolver juntamente com as crianças a
compreensão da sensação ou expressão de “desejo”. A palavra italiana para
desejar é desiderare. Começou-se, então, um laboratório com as crianças para
que elas expressassem o que entendiam por “desiderare”, com questão bastante
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simples: o que é o desejo? O que significa desejar ou querer alguma coisa? Em
sua opinião, pode qualquer pessoa ou qualquer coisa ter o sentimento de
desejo?
As respostas foram absolutamente livres e surpreendentes, como a de um
menino que respondeu que “os desejos estão por toda parte”. Uma menina de 6
anos disse que “até mesmo uma linha pode ter o desejo de ser desenhada um
dia, de ganhar vida”. Outro menino, de sete anos, respondeu que seu desejo era
“cheirar o perfume das flores com seu próprio nariz. Você pode comprar as flores,
mas não o seu perfume.”
As respostas dessas crianças nos mostram um nível de abstração e de
liberdade de expressão muito peculiar, muito presente em todas as crianças, em
todos os lugares do mundo, mas que precisa ser valorizado.
Depois disso, os professores, juntamente com os alunos, multiplicaram as
ideias sobre o tema e criaram inúmeras imagens subjetivas. O próximo passo foi
identificar maneiras de fazer com que as crianças dessem forma a seus
pensamentos. A mesma ideia foi representada de muitos modos e isso foi de
grande importância para as crianças perceberem o valor de se compartilhar os
pensamentos. Para cada proposta, os alunos e professores coletavam objetos,
faziam desenhos, colagens, ou seja, de várias formas tentavam representar as
ideias construídas.
O resultado, junto com o trabalho dos artistas, foi a decoração dos
andaimes com ideias absolutamente inspiradoras do que poderia ser o
significado de “desiderare”.
O projeto dos andaimes não só envolveu as crianças com a arte, com o
patrimônio histórico da cidade, como também as fez sentir parte das esferas do
governo que tomam as decisões na comunidade, e é por isso que em Reggio
Emilia as crianças são consideradas como cidadãos iguais aos adultos, com
direito à participação na tomada de decisões.
Segundo Aguiar,
A criança como investigadora é capaz de conduzir teorias de interpretação. Ela constrói teorias dentro de um contexto ambiental de relações com todas as pessoas, crianças e adultos, dando significados aos fenômenos que encontram, sejam científicos ou relações afetivas, elaboram uma imagem pessoal de encontro com o outro (AGUIAR, 2014, p.75).
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Quando a criança é capaz de tamanha abstração, como o relato da
menina de seis anos, que diz que “uma linha tem o desejo de ser traçada, de
ganhar vida”, podemos compreender que as crianças podem, sim, conforme
afirma Aguiar (Opus Cit.), chegar a teorias abstratas a partir da experiência, ou
melhor, a partir da valorização da sua experiência.
Reggio Emilia acabou se tornando um modelo de educação porque o
mesmo projeto é aplicado em todas as escolas da cidade e não só em um ou
outro ponto isoladamente. É uma cultura de valorização da percepção da criança
e sua conseguinte execução, ou seja, se as crianças acharem que nos andaimes
das obras de renovação deveriam ser desenhadas “as linhas que desejavam ser
traçadas”, lá estarão as linhas.
3 Os Temas Transversais e as propostas das escolas brasileiras
Conforme apresentado acima, as abordagens educacionais que valorizam
o aluno no contexto escolar e social têm grandes chances de eficácia. Com
relação a temas e tópicos da realidade brasileira, os currículos estão bastante
“humanizados” e buscam formar cidadãos comprometidos com a construção de
uma sociedade mais justa e humana.
Paulo Freire, um dos educadores mais respeitados do país, já dizia que
“ensinar exige respeito aos saberes dos educandos”:
Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? Por que não estabelecer uma necessária “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? (FREIRE, 1996, p.15, aspas do autor).
Os PCNs, com os Temas Transversais, e as DCNs estão alinhados com
essa ideologia de ensino mais voltado para o caráter social. A grande questão é:
como esses temas, de grande relevância para a formação do indivíduo, vêm
sendo discutidos nas escolas?
No documento de Introdução aos PCNs, afirma-se a necessidade de
provocar debates e explicações diferentes. Portanto, os PCNs:
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Procuram valorizar o intercâmbio de ideias, sugerindo a análise e interpretação de diferentes fontes e linguagens — imagem, texto, objeto, música etc. —, a comparação entre informações e o debate acerca de explicações diferentes para um mesmo acontecimento. Incentivam, desse modo, uma formação pelo diálogo, pela troca, na formulação de perguntas, na construção de relações entre o presente e o passado e no estudo das representações (BRASIL, 1998, p.61).
Com isso, vemos claramente que as propostas da educação brasileira
estão alinhadas com as dos pesquisadores internacionais. O desenvolvimento
intelectual do aluno deve estar associado à sua realidade social.
Os Temas Transversais e a Diretrizes Curriculares Nacionais nos
sensibilizam para a necessidade de abordar questões sociais que interfiram
diretamente na realidade escolar.
Com essas abordagens, a sociedade brasileira abriu os olhos, por
exemplo, para uma grande população que tem necessidades especiais. Com
isso, veio o aprofundamento de pesquisas e a consequente especialização de
professores para essa população que, até pouco tempo, era excluída da
comunidade escolar.
Hoje discute-se, por exemplo, com maior liberdade a orientação sexual, o
que também é uma questão de inclusão social, uma vez que o preconceito contra
homossexuais ainda é grande. A liberdade de expressão é o caminho para uma
sociedade mais justa e respeitosa.
Segundo as DCNs:
Para que se conquiste a inclusão social, a educação escolar deve fundamentar-se na ética e nos valores da liberdade, justiça social, pluralidade, solidariedade e sustentabilidade, cuja finalidade é o pleno desenvolvimento de seus sujeitos, nas dimensões individual e social de cidadãos conscientes de seus direitos e deveres, compromissados com a transformação social. Diante dessa concepção de educação, a escola é uma organização temporal, que deve ser menos rígida, segmentada e uniforme, a fim de que os estudantes, indistintamente, possam adequar seus tempos de aprendizagens de modo menos homogêneo e idealizado (BRASIL, 2013, p.152).
Conforme a citação acima, a finalidade da educação é o “pleno
desenvolvimento dos seus sujeitos, nas dimensões individual e social”. Nesse
sentido, a proposta do Visible Thinking que estimula o questionamento, a
abstração, a reflexão, a imaginação, a associação é uma estratégia que só
precisa ser um pouco mais desenvolvida no Brasil, uma vez que nossas
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propostas educacionais já têm toda abertura necessária para a discussão de
temas polêmicos e controversos.
4 Os desafios da educação brasileira
A proposta dos pesquisadores de Harvard, num primeiro momento,
parece impossível (ver pensamento). Num segundo momento, parece uma
tarefa muito simples, ou seja, fazer perguntas. Mas, na verdade, fazer perguntas
para as quais nem sempre os professores têm as respostas é um grande desafio.
Lenotti (2014), em seu artigo sobre “jogos dramáticos”, fala da importância
de o professor contextualizar as situações propostas e articular as experiências
que o aluno tem, para que a criatividade seja estimulada ao máximo. Ainda que
o artigo de Lenotti seja voltado à produção textual, a fase anterior à produção
(ou documentação, como chamam os pesquisadores de Harvard) é a fase das
perguntas instigadoras, dos estímulos, do diálogo, da troca de experiências.
Segundo Lenotti,
O professor consciente procura conversar, dialogar, com seus alunos, favorece o surgimento da argumentação, do discurso, da arte de dialogar. Ao entabular a leitura, o seu maior cuidado deve ser estar centrado no fato de que não se deve usar um vocabulário de difícil entendimento, pois é preciso que sejam problematizadas questões cotidianas que estimulem a troca de ideias, a divergência de opiniões entre os alunos (LENOTTI, 2014, p.25).
Outra consideração importante apresentada por Lenotti é a questão da
troca, da partilha:
Tendo em vista que na sala de aula, o professor tem contato com a diversidade de seus alunos e que na diferença do sentir, pensar e agir está contida a riqueza do ser humano, é possível então ampliar o universo de conhecimento trazido por seus alunos quando se exercita a troca, a partilha (Opus Cit., p.27).
A proposta de Lenotti tem um alinhamento perfeito com a dos
pesquisadores de Harvard, uma vez que afirmam que os professores precisam
fazer as perguntas certas, ouvir e instigar novas perguntas antes de dar o seu
comentário. Segundo os autores de Harvard,
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Os alunos têm conversas muito mais aprofundadas com seus amigos e familiares simplesmente porque lhes é feita a pergunta correta: “o que faz você pensar assim?” E, em vez de responder imediatamente aos comentários dos alunos, professores ressaltam que outras perguntas como “diga-me por quê, dê-me razões e evidências para essa afirmação” parecem acertar em cheio na expectativa do aluno e dão o tom correto para que as pessoas se sintam instigadas a elaborar e clarear suas ideias de forma não hesitante (CHURCH; MORRISON; RITCHHART, 2011, p.34, Tradução nossa).
Portanto, os jogos dramáticos, como proposto por Lenotti, favorecem a
sensibilização, no sentido de fazer o aluno se envolver totalmente com o assunto
proposto, partilhando suas experiências, como fazem em família ou nos seus
círculos sociais. Lenotti enfatiza ainda (Opus Cit,) “que é preciso fortalecer as
ideias, buscando as funções psicológicas que têm seus alicerces nas relações
sociais, pois é com essas relações que serão desenvolvidas a criatividade e a
espontaneidade”.
Quando falamos em relações sociais, estamos falando em diálogo, “na
arte de dialogar”, como afirmou Lenotti. Diante disso, não podemos deixar de
ressaltar a importância da escuta atenta, como uma “abertura à fala do outro”,
conforme afirma Freire:
Escutar é obviamente algo que vai mais além da possibilidade auditiva de cada um. Escutar significa a disponibilidade permanente por parte do sujeito que escuta para a abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro. (...) A verdadeira escuta não diminui em mim, em nada, a capacidade de exercer o direito de discordar, de me opor, de me posicionar. Pelo contrário, é escutando bem que me preparo para melhor me colocar ou melhor me situar do ponto de vista das ideias (FREIRE, 1996, p.45).
Temos de levar em consideração que nem sempre os alunos querem
pensar ativamente, pois estão acostumados a um tipo de adestramento,
conforme afirma Faustino:
Aquele que foi em toda a sua vida apenas “adestrado” não consegue perceber o quanto esse adestramento o instrumentalizou e tolheu sua liberdade, na medida em que o dispensou de pensar e fazer juízos, para ser somente uma peça, um joguete nas mãos daqueles que pensam em seu lugar (FAUSTINO, 2014, p. 105, aspas do autor).
Para nossos educadores, a missão é buscar o debate que liberta e que
aprofunda o conhecimento. Mas, muitas vezes, o que vemos são professores e
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alunos “adestrados”, que apenas repetem chavões, não fazem reflexões, não
comparam, mas acreditam estar julgando:
Acostumado que foi a não refletir nem comparar, nem julgar, acreditará estar pensando quando repete chavões veiculados pela mídia, e acreditará estar julgando quando fizer coro com a multidão. Em sua obnubilada consciência, os mais profundos problemas humanos ficarão reduzidos a “dimensões técnicas”, passíveis de serem resolvidas com o emprego de algum truque, alguma fórmula, algum material de autoajuda pasteurizado (Opus Cit., p. 105, aspas do autor).
Portanto, a grande questão para os educadores é provocar o diálogo, a
exposição do pensamento, instigar os alunos a buscar informações e respostas
para que eles não sejam simplesmente adestrados a pensar como a maioria
pensa. O questionamento tem que ser rotina, o desenvolvimento do argumento
precisa ser um exercício diário.
5 Considerações finais
A abordagem do Visible Thinking (Pensamento Visível ou ativo, não se
tem ainda um nome determinado para tal metodologia) já é realizada em muitas
escolas brasileiras por muitos educadores. Não é, portanto, nenhuma
descoberta dos pesquisadores americanos, mas sim a constatação de que esse
é o caminho para uma aprendizagem profunda e prazerosa.
No exemplo da escola de Melbourne, a proposta da aula veio “de baixo
para cima”, ou seja, os alunos apresentaram o tema. Nos programas das
escolas tradicionais, o professor propõe o tema da aula conforme o seu conteúdo
e currículo a ser cumprido, ou seja, “de cima para baixo”.
O que apresentamos aqui sobre o Visible Thinking é que esta é uma
técnica muito eficaz de abordagem, que proporciona interação, participação,
aproximação e envolvimento entre os participantes. Segundo Lenotti (Opus Cit.,)
“quando acontece a integração, a criatividade e a espontaneidade dos
participantes se revelam”.
A aprendizagem contextualizada é sempre mais eficaz porque
aprendemos muito mais com o que vivenciamos do que com o que simplesmente
escutamos ou lemos.
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Porém, a abordagem é um primeiro passo. O diálogo, a integração são
peças-chave para instigar o interesse do aluno, mas depois devem vir, como no
exemplo das escolas de Reggio Emilia e Melbourme, o aprofundamento no
conteúdo. O aluno deve ser, num primeiro momento, estimulado a pensar, a
falar, expor seus pensamentos, suas emoções, mas, num segundo momento,
deverá vir a pesquisa, a aplicação dos “pensamentos” partilhados, ou seja, o
“fazer’ que verdadeiramente instrui e concretiza a aprendizagem.
Referências bibliográficas
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CHURCH, Mark; MORRISON, Karin; RITCHHART, Ron. Making thinking visible: how to promote engagement, understanding and independence for all learners. San Francisco: Jossey-Bass Editor, 2011. Kindle Edition.
FAUSTINO, Evandro. Transdisciplinaridade: salto qualitativo na educação. In: AVIGO, Creusa; LENOTTI, Ana Duarte (Orgs). Formação docente: um olhar teórico para a prática educativa. Salto: Schoba, 2014. p.92-107.
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KRECHEVSKY, Mara et al. Children are citizens. The everyday and the Razzle-Dazzle. Inovations in early education. Jornal da North American Reggio Emilia Alliance. p.4-15, dez. 2016.
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LENOTTI, Ana Duarte. A produção textual em língua portuguesa e os jogos dramáticos: um diálogo significativo. In: In: AVIGO, Creusa; LENOTTI, Ana Duarte (Orgs). Formação docente: um olhar teórico para a prática educativa. Salto: Schoba, 2014. p.20-33. PERKINS, David; RITCHCARD, Ron. Making thinking visible: teaching students to think. Revista Educational Leadership. ASCD (Association for Supervision and Curriculum Development). V. 65, n. 5, p.57-61, fev. 2008. VISIBLE THINKING. Disponível em: <http://www.visiblethinkingpz.org/VisibleThinking_html_files/VisibleThinking1.html>. Acesso em: 23 jun. 2017.
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