A ARTETERAPIA COMO ESTRATÉGIA DE EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE: a experiência da Arte de Nascer desenvolvida no Centro de Educação e Pesquisa em Saúde
CEPS Anita Garibaldi
Andrezza Soraya Moura Fonseca , Alexandra Silva de Lima , 1 2
Claudia Araújo dos Santos, Lidiany Alves da Silva 3
Resumo Este artigo trata da experiência desenvolvida no Centro de Educação e Pesquisa em Saúde – Anita Garibaldi, localizado em Macaíba/RN, com a atividade Arte de Nascer que, por meio da arteterapia promove atividades relacionadas à saúde reprodutiva e aos direitos sociais das mulheres. O objetivo do estudo, realizado através da pesquisa bibliográfica e documental, é apresentar a experiência vivenciada no Anita Garibaldi e problematizar as contribuições que ela vem dando ao enfrentamento da temática. Para isso, foi apresentouse uma breve história da organização, a discussão sobre a violência contra a mulher e a experiência na Arte de Nascer. PalavrasChave: Arte de Nascer; Anita Garibaldi; Violência contra a mulher; enfrentamento.
Abstract This article presents the experience developed in the Center for Education and Research in Health Anita Garibaldi, located in Macaíba/RN, with the Art of Birth activity that, through art therapy promotes activities related to reproductive health and the social rights of women. The objective of this study, produced with bibliographical and documentary research, is to present the experience lived in Anita Garibaldi and to problematize the contributions of the activity to combat. For this, it was presented a brief history of the organization, the discussion on violence against women and the experience in the Art of Birth. Keywords: Art of Birth; Anita Garibaldi; Violence Against Women; combat.
1 Assistente social do programa de pós graduação da residência multiprofissional em saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2 Assistente social do Centro de Educação e Pesquisa em Saúde CEPS Anita Garibaldi, supervisora de campo do estágio curricular obrigatório de Serviço Social/UFRN e preceptora da residência multiprofissional em saúde. 3 Discentes do Bacharelado em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
INTRODUÇÃO
A temática da violência contra a mulher tem permanecido nos debates entre as
diversas áreas do conhecimento, bem como dentre as classes sociais tendo em vista a
atualidade da temática frente aos acontecimentos cotidianos e a necessidade do seu debate
como uma forma de enfrentamento a essa prática que ainda hoje é tão naturalizada na
sociedade brasileira.
A violência contra a mulher e, mais especificamente, aquela que é praticada no
âmbito doméstico e familiar, resguardada e velada pelas paredes que revestem o lar,
transformouse em tema de importância tal que não mais se ignora ou deixase de formar ou
emitir opinião nos momentos em que se remete aos atos que causam dano à mulher.
O estudo das manifestações das práticas violentas e, sobretudo, das formas de
enfrentamento, constituem objeto de várias pesquisas no Brasil e no mundo, o que vem
apontando algumas possibilidades frente às adversidades conjunturais e a complexidade do
tema.
Dentro desse universo, encontrase os avanços já alcançados através da luta das
mulheres e a agenda feminista, destacandose no momento alguns termos bastante utilizados
pelos intelectuais da pósmodernidade, como é o caso da categoria “empoderamento”. Nesse
sentido, muitas mulheres vêm desenvolvendo formas de resistência frente ao patriarcado e às
relações desiguais de gênero que também fortalecem a luta pela superação da incidência de
casos de violência praticadas contra a mulher simplesmente pela condição de ser.
Nesse sentido, o objeto precípuo deste estudo centrase nas estratégias
desenvolvidas e utilizadas para o fortalecimento de mulheres, vítimas ou não de violência, para
que as ocorrências possam ser evitadas ou superadas e que possam contribuir para a (re)
construção de histórias de vidas que foram marcadas por episódios lamentáveis de
desrespeito à condição da mulher enquanto ser humano cuja dignidade deve ser mantida e
fortalecida.
Considerando a importância da prevenção e do enfrentamento das situações de
violência contra a mulher, o Instituto Santos Dumont (ISD), qualificado como uma Organização
Social (OS) desde fevereiro de 2014 de acordo com a Lei Nº 9.637 de 1998, através da
vertente educaçãosaúde promovida em suas unidades, principalmente, no Centro de
Educação e Pesquisa em Saúde (CEPS) Anita Garibaldi, localizado no Município de
Macaíba/RN, realiza ações sócioeducativas com grupos de gestantes em acompanhamento
no prénatal de alto risco, objetivando contribuir com o fortalecimento da resistência feminina
ou empoderamento, como discutido pelos pósmodernistas. Tratase de um processo
educativo que utiliza a arteterapia como estratégia para discutir e melhor assimilar os temas
relacionados às violências sofridas, bem como os procedimentos a serem adotados depois
que ela acontece.
A estratégia intitulada de “A Arte de Nascer” vem sendo executada há cerca de
seis anos na unidade do Anita Garibaldi integrando ensino, pesquisa e extensão através da
participação de alunos de graduação e pósgraduação das áreas de medicina, psicologia,
fisioterapia e serviço social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
A finalidade das atividades é aliar a discussão de temas relevantes para a saúde
da mulher e a formação de profissionais de diversas áreas do conhecimento através de
atividades lúdicas, o que tem possibilitado maior interação entre a equipe profissional, os/as
alunos/as e as pacientes, demonstrando excelentes resultados.
Exemplo disso é que em 2015 A Arte de Nascer foi um dos seis vencedores do
“Projects That Work Competition” (Competição de Projetos que Funcionam), promovida
anualmente pela Foundation for Advancement of International Medical Education and
Research – FAIMER (Fundação para o Avanço do Ensino e Pesquisa Médica
Internacional), que reconhece os trabalhos que obtiveram êxito para além da implementação
inicial e impactaram de forma positiva e significativa a saúde e a comunidade.
Dentro dessa perspectiva, os profissionais e discentes envolvidos na atividade
dedicam esforços para tratar da questão da violência contra a mulher entendida como um
desafio a ser enfrentado por todas as categorias da saúde e a sociedade no sentido de
superar a ocorrência dos episódios que atentam contra a dignidade da mulher.
Dessa forma, o objetivo desse artigo é apresentar a experiência vivenciada nas
atividades da Arte de Nascer que são desenvolvidas e realizadas pelo Centro de Educação e
Pesquisa em Saúde CEPS Anita Garibaldi, entendidas enquanto ferramenta para discutir
direitos sociais, civis e humanos das mulheres e sobre as atitudes diante de situações
violadoras da sua dignidade. Ademais, ao dar visibilidade para essa experiência, pretendese
contribuir para que outras iniciativas possam emergir e contribuir com o debate sobre a
necessidade de se pensar mais políticas públicas que interfiram na erradicação da violência
contra a mulher.
1 O CENTRO DE EDUCAÇÃO E PESQUISA EM SAÚDE CEPS ANITA GARIBALDI
O Instituto de Ensino e Pesquisa Alberto Santos Dumont, mais conhecido como
Instituto Santos Dumont (ISD), é uma organização de direito privado que atua no Nordeste
brasileiro qualificada como Organização Social desde abril de 2014 (INSTITUTO SANTOS
DUMONT, 2017, s.p.).
A entidade atua conforme a Lei 9.637/1998 que “dispõe sobre a qualificação de
entidades como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a
extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por
organizações sociais, e dá outras providências” (BRASIL, 1988).
No entanto, o ISD surgiu em abril de 2004 como Associação Alberto Santos
Dumont para Apoio à Pesquisa (AASDAP) criada pelo cientista brasileiro Miguel Nicolelis e
funcionava como uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) sem fins
lucrativos “cujo objetivo era a gestão de recursos públicos e privados na implantação de
projetos sociais e pesquisas científicas” (ARAÚJO; SILVA, 2016) . 4
A missão da organização é “promover educação para a vida, formando cidadãos
por meio de ações integradas de ensino, pesquisa e extensão e contribuir para a
transformação mais justa e humana da realidade social brasileira” (INSTITUTO SANTOS
DUMONT, 2016, s.p).
Para atingir esses objetivos, atualmente o instituto possui seis unidades, sendo
elas: Campus do Cérebro (em fase de conclusão), o Centro de Educação Científica Escola
Alfredo J. Monteverde (unidades em Macaíba e Natal/RN), o Centro de Educação Científica
de Serrinha/BA, o Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra (IINELS) e o
Centro de Educação em Saúde Anita Garibaldi (INSTITUTO SANTOS DUMONT, 2016). Esta última, sobre a qual se desenvolve este artigo, tem por missão
contribuir para a formação de profissionais de saúde capazes de aliar qualificada formação técnicocientífica com atitudes éticohumanísticas que os possibilitem exercer a integralidade da atenção à saúde com ênfase na humanização do cuidado e na responsabilidade social (INSTITUTO SANTOS DUMONT, 2016, s.p.).
4 Documento produzido pelas estudantes da graduação de serviço social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte fruto da inserção durante o estágio curricular obrigatório em que constam todas as informações referentes ao processo histórico de constituição do Instituto Santos Dumont e, principalmente o Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi, espaço de realização do estágio, além dos programas, planos e projetos desenvolvidos na organização e na unidade, entre outras informações.
Seu objetivo é o de “atuar na formação, desenvolvimento e educação permanente
de profissionais de saúde” (INSTITUTO SANTOS DUMONT, 2016, s.p.) através do
desenvolvimento de ações de ensino, pesquisa e extensão sob a perspectiva das concepções
de responsabilidade social, equidade, qualidade e eficiência.
Dentro os programas, projetos e ações desenvolvidas na unidade, destacase a
experiência vivenciada na Arte de Nascer que aborda de forma lúdica através da arteterapia
temas relacionados ao contexto da saúde reprodutiva com as gestantes de alto risco atendidas
na unidade e seus/uas acompanhantes (ARAÚJO; SILVA, 2016).
A atividade ocorre semanalmente e são abordados temas diversos com a
coordenação dos diversos profissionais de saúde que compõem a unidade através de um
planejamento anual. Dentre essas, a equipe de serviço social, que já abordou diversos temas
relacionado aos direitos sociais e também sobre a violência contra a mulher, configurandose
assim como um espaço que a profissional e as discentes de graduação e pósgraduação de
serviço social puderam contribuir na perspectiva do fortalecimento da cidadania e na defesa
dos direitos sociais, civis e humanos.
2 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E OS MECANISMOS DE ENFRENTAMENTO
Segundo Safiotti (2001), a violência de gênero é uma categoria mais ampla que
engloba a violência contra as mulheres e crianças e adolescentes, estes dois últimos
compreendendo ambos os sexos. Nesse sentido, na reflexão sobre a violência contra a mulher
é necessário considerála transversal às discussões de gênero.
Dentro desse debate, a cartilha produzida por Camurça e Gouveia (2004) discute
o conceito de gênero como uma construção social de homens e mulheres, o que diferente,
portanto, das características biológicas masculinas e femininas. Nessa perspectiva, ao falar de
sexo nos referimos aos aspectos biológicos e físicos do macho e da fêmea.
O gênero é uma construção sóciohistórica que parte da percepção das
populações sobre o que é masculino e feminino a partir das diferenciações biológicas e a partir
daí processase a ideia de como devem ser as relações entre homens e mulheres, entre as
mulheres e, entre os homens (CAMURÇA; GOUVEIA, 2004).
Historicamente os valores atribuídos ao que é feminino é masculino produzem
uma relação de oposição, mas também de complementaridade. O processo de
desenvolvimento das sociedades, vem mostrando também que na maioria das vezes há uma
superioridade do masculino (CAMURÇA; GOUVEIA, 2004). Essa relação de desigualdade é
um fator determinante na existência da violência contra a mulher.
Um dos primeiros trabalhos que trouxe a discussão sobre o poder irrestrito do pai,
chefe da família, sobre a organização familiar foi “A origem da família, da propriedade privada
e do Estado” de Engels, no século XIX. Aqui surgia inicialmente o conceito de patriarcado. A
categoria também foi apropriada por uma das vertentes movimento feminista e utilizada para 5
designar as relações desiguais em que os homens têm poder de dominação sobre a mulher
(ALMEIDA, 2010). Essa dominação se expressa no cotidiano tanto na atribuição de
atividades, espaços de convivência e distribuição dos papéis sociais, como também na
violência contra a mulher por entender que ela é propriedade do homem.
Ao tratar dessa temática, destacase a análise sobre as implicações dos reflexos
das construções sociais de gênero, identificando a necessidade de enfrentamento que parte
de uma mudança de paradigmas, isto é, do papel social atribuído à mulher e a sua relação de
submissão ao sexo masculino entendendo que “os papéis socialmente construídos como
gênero incluem o modo do sujeito se comportar nas relações consigo e com o mundo, o jeito
de andar, falar, vestir, as atividades desenvolvidas, a escolha da profissão, os gostos e
desejos” (BROCHADO; SOUZA, 2016, p.194).
Dessa forma, os papéis são constructos sociais e políticos que trazem no seu
interior o próprio sentido do conceito de patriarcado enquanto um processo histórico de uma
sociedade marcada por heranças conservadoras, pois “sendo o patriarcado uma forma de
expressão do poder político [...]” (SAFFIOTI, 2015, p. 58), afirmarse que “não se vivem
sobrevivências de um patriarcado remoto; ao contrário, o patriarcado é muito jovem e pujante,
tendo sucedido às sociedades igualitárias” (SAFFIOTI,2015, p. 63).
Percebese assim, marcas do processo de discriminação e subalternidade nas
relações de trabalho que contribuem para a sobrecarga de responsabilidades em que a
mulher dividese entre as atividades domésticas e o mercado de trabalho.
Tratase de um processo que contribui para que não se enxergue a capacidade
de equidade de gêneros, contexto que não pode ser dissociado também das questões
étnicoraciais e dos condicionantes relacionados à vulnerabilidade e risco social, que dão
5 A corrente do feminismo radical que tem como principais expoentes as autoras Kate Millet e Sulamith Firestone.
margem para essas desigualdades entre homens e mulheres. É importante, então,
compreender que há necessidade de mudança nas relações sociais que se constroem e que
incentivam a naturalização da violência contra a mulher.
Segundo o Art. 7º da Lei Nº 11.340/2006, Lei Maria da Penha, que cria
mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher além de dispor sobre
a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e alterar o Código
de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal, são tipificados cinco tipos de
violência contra a mulher: I violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria (BRASIL, 2006).
A modalidade doméstica se torna um tema tratado com certa particularidade, pois
acontece no âmbito privado, do lar, se difundindo enquanto uma das mais comuns que vêm
sendo cometidas, na maioria das vezes, pelos maridos/companheiros
(a)/exmaridos/excompanheiros (a).
Nesse contexto, segundo dados de 2015 levantados pela Central de Atendimento
à Mulher do Disque 180, foram registrados 749.024 mil atendimentos, em que 76.651
(10,23%) deles foram de denúncias de violência. Já no primeiro semestre de 2016, a central
contabilizou 555.634 atendimentos, em média 92.605 atendimentos por mês e 3.052 por dia.
Desses, quase 68 mil, equivalentes a 12,23% do total, são relatos de violência: 51%
correspondem a violência física; 31,1% psicológica; 6,51% moral; 1,93% patrimonial; 4,30%
sexual; 4,86% cárcere privado; e 0,24% tráfico de pessoas.
Nisso, Saffioti (2015) apresenta que a vítima de abusos físico, psicológicos, morais e/ou sexuais é vista por cientistas
como indivíduo com mais probabilidades de maltratar, sodomizar outros, enfim, de reproduzir, contra outros, as violências sofridas, do mesmo modo como se mostra mais vulnerável às investidas sexuais ou violências físicas ou psíquica de outrem (SAFFIOTI, 2015, p. 1819) .
Todavia, a autora apresenta também que em sua pesquisa “nenhuma informante,
que fora vítima de abuso sexual de qualquer espécie, revelou tendência, seja de fazer outras
vítimas, seja de maior vulnerabilidade a tentativas de abuso contra si mesma”.
Partindo dessa análise, percebe não só a necessidade de se pensar práticas/
ações de enfrentamento, como também a própria capacidade de lidar com a superação da
violência, seja por meio de estratégias pessoais ou coletivas, com base na realidade dos
sujeitos. Um meio de desenvolver essa estratégia foi articulado no Centro de Educação e
Pesquisa em Saúde CEPS Anita Garibaldi através do desenvolvimento da arteterapia e das
atividades sócioeducativas que, quando relacionadas à temática da violência contra mulher,
foi coordenada pela assistente social da unidade.
3 A EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE E A EXPERIÊNCIA DA ARTE DE NASCER
O Ministério da Saúde por meio da Secretaria de Gestão Estratégica e
Participativa (SGEP/MS) apresentou em 2012 a Política Nacional de Educação Popular em
Saúde no Sistema Único de Saúde (PNEPS – SUS) que, no contexto do marco regulatório do
Decreto Nº 7.508, configurase como uma contribuição para o fortalecimento do protagonismo
popular na defesa dos direitos sociais, mais especificamente no campo da saúde (PNEPS,
2012).
A Educação Popular no Brasil surge como um movimento libertário teóricoprático
que tem como princípio ético fortalecer as relações humanas na educação através do
compromisso com as classes populares.Nesse sentido, a Educação Popular é compreendida como perspectiva teórica orientada para a prática educativa e o trabalho social emancipatórios, intencionalmente direcionada à promoção da autonomia das pessoas, à formação da consciência crítica, à cidadania participativa e à superação das desigualdades sociais. A cultura popular é valorizada pelo respeito às iniciativas, idéias, sentimentos e interesses de todas as pessoas, bem como na inclusão de tais elementos como fios condutores do processo de construção do trabalho e da formação (PNEPS, 2012, p. 5).
Sendo assim, nas ações mediadas pela Arte de Nascer são desenvolvidas
atividades educativas que abordam temas diversos relacionados à saúde reprodutiva através
do incentivo à participação das pessoas colocando as suas vivências e sentimentos como meio
de conduzir as atividades. As ações sempre são coordenadas por algum dos profissionais da
unidade e contam com a participação de discentes de graduação e pósgraduação da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN.
Em 2016 foi realizada uma atividade para discutir a temática com as gestantes do
prénatal de alto risco e seus acompanhantes. No momento havia a participação da assistente
social da unidade, as duas estagiárias de serviço social, duas assistentes sociais da residência
multiprofissional da UFRN, além dos/as estudantes da residência de medicina, psicologia,
fisioterapia. Como forma de sensibilização para a discussão do dia, planejamos que o primeiro
momento fosse dedicado à dinâmica “às cegas”.
Ela consiste em vendar um dos participantes (do sexo masculino), levar para o
lado externo da sala e ficar girando ele para ficar desnorteado. Enquanto isso, dentro da sala
era avisado que o objetivo da dinâmica era que ele encontrasse um objeto escondido na sala
através das orientações de que caminho seguir dadas pelos participantes presentes. A ideia
era que informássemos direções incorretas e só depois de algum tempo daríamos as devidas
coordenadas. Depois de encontrado o objeto era questionado como o homem se sentiu
durante a brincadeira e o participante, que nesse dia foi um residente de medicina, disse que
ficou perdido. Ao final da dinâmica era explicado que o objetivo real dela era tentar ilustrar
como a mulher vítima de violência se sente: perdida, sem saber em quem confiar e qual
caminho seguir.
Durante a abordagem dos tipos de violência as participantes elencaram as
experiências que já haviam vivido e também trouxeram relatos de pessoas próximas que
vivem ou já passaram por essa situação. Uma das participantes falou que tinha visto no canal
de televisão da Rede Globo a minissérie Justiça e que em um dos episódios ela conseguiu
identificar algumas das formas de violência que tínhamos discutido naquele dia na Arte de
Nascer (a divulgação do vídeo de uma relação sexual entre uma caloura de jornalismo e um
estudante veterano da universidade, o autor do crime).
Em 2017 também realizamos essa atividade, mas dessa vez com a participação,
no planejamento e execução, de uma das enfermeiras da atividade. Dessa vez o participante
do sexo masculino para a dinâmica foi o companheiro de uma das gestantes presentes na
sala. Uma das participantes não se sentiu à vontade com a temática e saiu da sala assim que
apresentamos qual a proposta da atividade do dia, mostrando aí um claro incômodo com a
temática da violência contra a mulher, supostamente porque vivencia. Outra gestante
conseguiu perceber que a violência psicológica e a moral que estávamos explanando é
vivenciada por uma pessoa da família que constantemente é xingada pelo esposo diante de
outras pessoas.
Sobre isso, a assistente social reforçava que o enfrentamento à violência contra a
mulher deve ser realizada por todos, reafirmando que devemos sim “meter a colher” e
denunciar. Para isso existem os mecanismos como o Disque 180 (para a violência contra a
mulher) e o 190 (principalmente quando a violência está acontecendo naquele momento).
Além disso, é importante destacar a Lei Nº 11.340/2006, conhecida também como
Lei Maria da Penha e a Política Nacional de Atenção à Saúde da Mulher, que prevê dentro de
seus objetivos à promoção da atenção à saúde de mulheres e adolescentes em situação de
violência doméstica e sexual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante desse contexto, podese afirmar que as atividades de educação em Saúde
desenvolvidas no centro de Educação e Pesquisa Anita GaribaldiCEPS, em MacaíbaRN,
como orienta o Sistema único de Saúde (SUS) por meio do Ministério da Saúde tornase um
ótimo espaço para desenvolver formas coletivas de resistência e enfrentamento à
problemática, com destaque para o âmbito doméstico. Essa abordagem parte do
entendimento das necessidades das mulheres e seus contextos, considerando a identificação
de suas demandas que perpassam o ciclo da violência, a partir do desenvolvendo de
estratégias de proteção e promoção social na Política de Saúde e no combate a violência de
Gênero.
Dentro dessas estratégias de proteção e promoção às vítimas de violência, temse a
Lei Maria da Penha, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher e demais
avanços legais e também relacionais, como os movimentos sociais, entre eles o feminista, que
impulsiona a luta pela efetivação da garantia dos direitos das mulheres, da igualdade entre os
gêneros e na mudança de paradigmas historicamente determinados por raízes patriarcais.
Concluise assim, que trabalhar temáticas voltadas para a educação popular no âmbito
da Saúde de forma lúdica e integrativa através da Arte de Nascer revelase enquanto uma
estratégia exitosa no esclarecimento e no empoderamento da mulher sobre violência
doméstica, os mecanismos e percursos que a vítima deverá percorrer na rede de proteção,
bem como a necessidade de mobilização social, pois, um dos maiores desafios está na
naturalização e na culpabilização das vítimas, tornandose uma grande barreira frente a
efetivação dos direitos e da proteção às vítimas, seja nos espaços públicos e/ou privados. A
essência dessa estratégia de enfrentamento é o desenvolvimento da autonomia das mulheres
no despertar de um olhar mais atento para a violência contra à mulher..
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Claudia de Freitas; SILVA, Lidiany Alves da. Cenário institucional do Centro de Educação e Pesquisa em Saúde CEPS Anita Garibaldi. Natal, 2016. BRASIL. Lei Nº 9.637, de 15 de Maio de 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9637.htm>. Acesso em 02 de março de 2017. ______. Lei Nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2006/lei/l11340.html> . Acesso em: 9 de Março de 2017. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política nacional de atenção integral à saúde da mulher: princípios e diretrizes . Brasília: Ministério da Saúde, 2004. ________________________. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Política Nacional de Educação Popular em Saúde . Brasília DF, 2012. BROCHADO JR., José Urbano; SOUZA LEITE, Célia Regina Vieira de. Masculino e Feminino: reflexos sobre suas construções. In: SOUZA,Wlaumir Doniseti de (org.). Sociedade, História e Relações de Gênero. Jundiaí: Paco Editora, 2016. CAMURÇA, Sílvia; GOUVEIA, Taciana. O que é gênero. 4ed. Recife: SOS CORPO Instituto Feminista para a Democracia, 2004. 40p. (Cadernos SOS CORPO; v.1).
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