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CITOTOXICIDADE DE BIOPOLÍMERO DE CANA-DE-AÇÚCAR*
RESUMO: A citotoxicidade in vitro de exopolissacarídeo produzido por síntese de Zoogloea sp a partir
de melaço de cana-de-açúcar foi avaliada por meio do índice de adesão, produção de óxido nítrico e viabili-
dade celular de macrófagos alveolares de ratos. Em poços de cultura Baxter(R), macrógagos alveolares de
ratos foram expostos a membranas de exopolissacarideo (biopolímero), pilitetrafluoretileno (PTFE), e telas
de polipropileno em meio de cultura RPMI 1640. As médias das respostas citotoxicas dos macrófagos em
oito ensaios, para cada material, foram avaliadas e comparadas entre os três materiais testados e um controle
com meio de cultura apenas. O índice de adesão foi de 92% no controle, e nas membranas de PTFE 88%,
polipropileno 93% e biopolímero 87%. A concentração de óxido nítrico produzida foi de 40,2mMol para
PTFE, 46,3mMol para polipropileno e 40,0mMol para biopolímero contra 52,0mMol para controle com o meio
de cultura, e de 73,3mMol em um meio adicionado de LPS. O percentual de viabilidade celular determinado
através do ensaio do MTT no controle foi de 100%, no PTFE de 91,2%, no polipropileno 43,6% e no
biopolímero de 95,3%. As membranas de biopolímero e de PTFE não apresentaram resposta tóxica para as
células em cultura. O biopolímero de cana-de-açúcar apresentou alta biocompatibilidade frente aos três
ensaios de citotoxicidade utilizados.
UNITERMOS: Biopolímero de cana-de-açúcar; Citotoxicidade.
Cartro CMMB, Aguiar JLA, Melo FAD, Silva WTF, Marques E, Silva DB. Citotoxicidade de biopolímero de
cana-de-açúcar. An. Fac. Med. Univ. Fed. Pernamb. Recife, 49(2), p.119-123, 2004.
Correspondência: Célia M.M. Barbosa de CastroLaboratório Imunopatologia Keizo AsamiUniversidade Federal de Pernambuco50670-901 - Recife-PEE-mail:[email protected]
Célia Maria Machado Barbosa de Castro1
José Lamartine de Andrade Aguiar 2
Francisco de Assis Dutra Melo3
Wylla Tatiana Ferreira e Silva4
Esdras Marques5
Dinalva Barros da Silva5
INTRODUÇÃO
O biopolímero de cana-de-açúcar é um exopolissacarideo
obtido por síntese bacteriana, Zoogloea sp, a partir de me-
laço de cana-de-açúcar. O biopolímero foi sintetizado
inicialmente na Estação Experimental de Cana de Açúcar de
Carpina, da Universidade Federal Rural de Pernambuco -
UFRPE, a partir de 1990. O processo de produção foi
otimizado, obtendo-se no presente uma taxa de conversão
de 50%¹.
A partir de 2001 foi desenvolvida, no Núcleo de Cirurgia
Experimental da UFPE, uma série de ensaios químicos com
o objetivo de adequar o biopolímero, em estado de pureza,
para diversas aplicações cirúrgicas. A estrutura química do
biopolímero puro foi determinada, e está constituída por
diferentes monossacarídeos: glicose 87,57%, xilose 8,58%,
ribose 1,68%, ácido glicurônico 0,83%, manose 0,82%,
arabinose 0,37%, galactose 0,13%, ramnose 0,01% e fucose
0,01%².
A apresentação do biopolímero, em forma de membra-
nas, vem sendo utilizada em diferentes projetos de pesqui-
sa e em curativos cirúrgicos e slins, para o tratamento da
incontinência urinária3,4.
Os testes de citotoxicidade são os primeiros ensaios
para a avaliação da potencialidade de aplicação clínica de
um novo material.
Com o objetivo de definir a citotoxicidade do biopolímero
de cana-de-açúcar, após o seu tratamento de purificação,
foi avaliada a resposta citotoxica de macrófagos alveolares
de ratos ao biopolímero e a dois materiais de uso corrente
em cirurgia, membranas de PTFE e telas de Polipropileno.
Os testes empregados foram a determinação do índice de
adesividade, concentração de óxido nítrico e o percentual
de viabilidade celular através do ensaio do MTT.
*Apoio CNPq. Processo 62.0131/2004-7 ACT1Profa. Dra. Adjunto do Depto. de Medicina Tropical, CCS - UFPE2Prof. Dr. Adjunto do Departamento de Cirurgia, CCS - UFPE3Pesquisador da Estação Experimental da Cana-de-Açúcar - UFRPE4Pesquisadora do Depto. de Nutrição - UFPE5Alunos do Programa de Pós-Graduação em Cirurgia, CCS - UFPE
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MÉTODOSObtenção de macrófagos do lavado broncoalveolar
(LBA).
Animais foram anestesiados e colocados em superfície
plana de parafina, em decúbito dorsal. Objetivou-se com
isso, realizar o procedimento cirúrgico de traqueostomia.
Inicialmente, fez-se assepsia da área com álcool etílico a
70%, em seguida, cortou-se os pêlos e a pele na porção
média do pescoço, abrindo-se e afastando-se as camadas
musculares até obter acesso à traquéia. Com pinça, isolou-
se a traquéia e, com uma tesoura, fez-se pequeno orifício
entre dois anéis traqueais na porção ventral da mesma. In-
seriu-se uma cânula plástica acoplada a uma seringa com
3mL de solução de NaCl a 0,9%, à temperatura ambiente.
Várias alíquotas foram injetadas e aspiradas. O LBA reco-
lhido, mais ou menos 30mL foi depositado em tubo de cen-
trífuga tipo Falcon de 50mL. Em seguida, do precipitado
obteve-se as células, que foram contadas utilizando-se câ-
mara de Neubauer.
Para os ensaios, os macrófagos provenientes do LBA, e
após contagem, foram transferidos para poços de 35mm de
diâmetro, em placas de culturas de tecidos com 6 poços
cada, com uma densidade de 1X106células/mL em um total
de 2mL de meio de cultura RPMI 1640 completo (com peni-
cilina e estreptomicina em doses habituais) para cada poço.
As placas foram mantidas em estufa a 37°C, sob atmosfera
úmida, 5% CO2 por 60 minutos.
Foram formados os diferentes grupos. O grupo controleformado pelas células não expostas às diferentes membra-nas e outros 3 grupos formados com células expostas àsdiferentes membranas. O grupo da membrana de
pilitetrafluoretileno (PTF); O grupo da membrana de
polipropileno e o grupo da membrana do biopolímero. Fo-
ram realizadas 8 repetições por grupo.
Índice de aderência: Para os ensaios, macrófagos pro-
venientes do LBA foram transferidos para poços de 35 mm
de diâmetro, em placas de culturas com densidade de 1X106
células/mL no total de 2mL de meio de cultura RPMI 1640
completo por poço. As placas foram mantidas em estufa a
37°C, atmosfera úmida e 5% CO2 por 60 minutos. Em segui-
da, alíquotas de 10mL da amostra foram levadas para câma-
ra de Neubauer para contagem das células não aderidas em
uma diluição de 1/10 em azul tripan. O cálculo do índice de
aderência foi realizado, empregando-se a fórmula de Segura
et al, 19975.
IA=100- células não aderidas/mL X 100.
n° inicial de células/mL
Análise da liberação de óxido nítrico (NO): A produ-
ção de óxido nítrico foi determinada a partir do sobrenadante
das células em cultura. A concentração de nitrito é uma
medida indireta da síntese de NO.
As células foram deixadas em uma concentração de
2X106 células/ml em estufa incubadora. Após 24 horas, 500ml
do sobrenadante das culturas celulares foram removidos e
colocados em tubos de ensaio. Foram acrescentados 500ml
do reagente de Griess (1,5% de sulfanilamida em 5% de
H3PO
4, 0,1% em H
20 de naftiletilene diamine diidrocloride).
Um volume de 500ml do reagente foi misturado com 500ml
do sobrenadante e incubado a temperatura de 37º C por 10
minutos. Após repouso de 10 minutos à temperatura ambi-
ente, realizou-se a leitura em espectrofotômetro, com filtro
de 550nm. A concentração de nitrito foi calculada pela mé-
dia de uma curva padrão de NaNO2 e os dados foram ex-
pressos em mMol de nitrito.
Ensaio do MTT: O MTT (3-[4,5-dimethylthiazol-2yl]-2,5-
diphenyltetrazolium bromide thiazolyl blue) é o sal
tetrazolium que, após clivagem por desidrogenases
mitocondriais de células, torna-se insolúvel em água pela
formação de cristais de formazan e solúveis em solventes
orgânicos. Em meio de cultura com células, após adição de
Dimetil Sulfóxido (DMSO-solvente orgânico), o MTT con-
vertido em formanzan é solubilizado e pode ser lido por
espectrofotometria em função desta conversão. Esta rea-
ção pode ser expressa em percentual de células vivas de
acordo com a absorvância obtendo-se, o percentual da via-
bilidade celular. Para isso, após completar o período de 18
horas, a placa de cultura de células foi retirada da estufa e o
sobrenadante de cada poço foi desprezado. Em seguida, a
monocamada de células foi lavada com 1mL de tampão
fosfato à temperatura ambiente (PBS a 0,01M, pH 7,02) e
colocou-se na camada 550mL de PBS e 55mL da solução de
MTT (5mg/mL). O conteúdo dos poços foi homogeneizado
e a placa foi envolvida com papel alumínio (para proteger da
luz). A placa foi incubada pelo período de 4 horas em estufa,
nas mesmas condições e, decorrido o tempo, foram acres-
centados 200mL de PBS e 200mL de DMSO (SIGMA). Em
seguida, a camada de células foi raspada de cada poço da
placa por um scrape. Terminada esta etapa, o material foi
transferido para tubos Eppendorfs, envoltos em papel alu-
mínio e agitados em vórtex para, em seguida, serem efetuadas
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as leituras do material de cada poço, em espectrofotômetro,
utilizando-se um comprimento de onda de 570nm. Os resul-
tados foram expressos em percentuais de viabilidade dos
poços controles, estimuladas com LPS e dos poços de célu-
las expostas às diferentes membranas.
RESULTADOS
Realizou-se 8 repetições para cada material e para o grupo
controle. Não houve alteração do índice de aderência nos
grupos das células expostas às membranas de PTF 88±13%,
polipropileno 93±9% e biopolímero 87±13% quando compa-
rados ao grupo controle (92±13%). Teste de Mann-Whitney,
valores de p=0,271; p=1,00; e p=0,404 (fig. 1).
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Para a determinação do óxido nítrico produzido, utili-
zou-se um controle negativo (células em cultura) e um con-
trole positivo (células em cultura estimuladas por LPS). As
células expostas às diferentes membranas tiveram então a
produção de óxido nítrico comparada a do grupo controle,
em 8 repetições. Assim, a concentração de óxido nítrico em
sobrenadante de cultura foi de 40,2±39,0mMoL para o PTF,
46,3±15,6mMoL para o polipropileno e 40,0±9,5mMoL para
o biopolímero contra 52,0±2,7mMoL do controle negativo e
73,3mMoL do controle positivo. Houve aumento da produ-
ção de óxido nítrico apenas para as células do controle
positivo, ou seja, as células em cultura estimuladas com o
LPS. Teste-t de Student, p≤0,001 (fig. 2).
O percentual de viabilidade celular foi calculado através
do ensaio do MTT. No grupo controle a viabilidade foi de
100% enquanto que nos grupos das células expostas as
membranas PTF foi de 91,2% e de biopolímero foi de 95,3%.
Esses grupos apresentaram alta viabilidade sendo seme-
lhante à viabilidade das células do grupo controle. Apenas
as células expostas à membrana de polipropileno apresen-
taram baixa viabilidade quando comparadas as do grupo
controle (43,6%). Teste-t de Student, p=0.003 (fig. 3).
Quanto às absorvâncias, encontrou-se os valores de
0,0773±0,0423 para o grupo controle, 0,0640±0,0501 para o
PTF, 0,199±0,0863 para o polipropileno e 0,0699±0,0290 para
o biopolímero. Encontrando-se, assim, elevada absorvância
para o grupo polipropileno (0,199±0,0863) quando compa-
rado ao grupo controle e os demais grupos (fig. 4).
DISCUSSÃO
A utilização de cultura de células em pesquisas para
estudo de biocompatibilidade de materiais tem avançado
bastante nos últimos anos. Experimentos celulares
laboratoriais possibilitam reproduzir condições e até rea-
ções semelhantes às ocorridas no organismo podendo, des-
sa forma, observar e quantificar alterações sofridas pelas
células frente a um determinado produto ou medicamento,
bem como o comportamento de cada componente celular
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Controle PTFE Polipropileno Biopolímero
Fig. 1. Índice de adesividade
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Controle LPS PTF Polipropileno Biopolímero
Fig. 2. Produção de óxido nítrico em mMoL
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
100
Controle PTF Polipropileno Biopolímero
Fig. 3. Percentual de viabilidade celular po rmeio doensaio de MTT
0
0,05
0,1
0,15
0,2
0,25
0,3
Controle PTF Polipropileno Biopolímero
Fig. 4. Absorvância de sal de formalau formado após amorte celular
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isoladamente, restringindo o número de variáveis6.
Macrófagos são células que, após o contato com
um agente agressor, agem liberando citocinas e mediadores
pró-inflamatórios que iniciam e amplificam o processo infla-
matório5. Estas células participam diretamente de toda a
resposta do organismo frente a qualquer estímulo agressor
físico, químico ou bacteriano7-9. Desta forma, as alterações
morfológicas e funcionais dos macrófagos podem ser ava-
liadas in vitro10.
A aderência é a primeira etapa necessária para o de-
senvolvimento da reação inflamatória e da fagocitose11.
Técnica de avaliação do IA de macrófagos, após tratamen-
to com drogas, materiais e medicamentos têm sido preconi-
zadas12. Assim, os macrófagos, quando estão em RPMI,
meio rico em nutrientes e fatores de crescimento celular,
apresentam sua adesividade normal, constatada através do
cálculo do índice de aderência ao plástico (IA). A ativação
ou não, do macrófago, proporcionada por uma substância
adicionada ao meio de cultura, pode alterar o índice de ade-
rência, indicando seu potencial citotóxico9.
No presente estudo, o exopolissacarideo utilizado para
os ensaios de citotoxicidade correspondia a um produto
acabado, esterilizado e acondicionado em envelopes de
polietileno em meio a uma solução de preservação de álcool
isopropílico a 86%, pronto para a aplicação cirúrgica.
O índice de adesividade de macrófagos expostos a dois
produtos comerciais de aplicação cirúrgica (membranas de
PTFE e telas de polipropileno) e ao biopolímero, não foi
alterado, quando se comparou as células não expostas às
diferentes membranas com o índice de aderência das célu-
las do grupo controle. Para este parâmetro os macrófagos
não mostraram alteração.
O óxido nítrico é um mediador de inflamação e pode ser
produzido por macrófagos, células endotéliais e outras cé-
lulas, quando estimuladas11. Nesta pesquisa, a determina-
ção de óxido nítrico produzido pelos macrófagos expostos
aos três materiais, PTFE, Polipropileno e o Biopolímero com-
parada a um controle negativo e a um positivo pela adição
de lipopolissacarideo, LPS de E. coli, resultou em uma pro-
dução de óxido nítrico pelos macrófagos expostos ao
biopolímero semelhante à do grupo controle e bastante re-
duzida quando comparada ao controle positivo.
Outro aspecto da resposta de citotoxicidade avaliado
no presente estudo, foi a viabilidade celular. Para isto, utili-
zou-se o ensaio do MTT. A avaliação da viabilidade celular
frente aos produtos testados, PTFE, polipropileno e
biopolímero, contra o controle, foi encontrado uma viabili-
dade média de 95,3% para o biopolímero e de 100% para o
controle com apenas o meio de cultura.
Os três testes de citotoxicidade empregados demons-
traram que o biopolímero de cana-de-açúcar apresentou
toxicidade semelhante ao PTFE e ao controle negativo ao
teste de MTT. O biopolímero de cana-de-açúcar apresen-
tou uma baixa citotoxicidade a um nível que permite a sua
aplicação experimental com segurança.
ABSTRACT: The in vitro cytotoxicity of expolysaccharide produced by synthesis of Zoogloea sp from
sugarcane molasses was evaluated by the adhesion index, nitric oxid production and rat alveolar macrophage
cells. In a Baxter(R) culture cell plates, rat alveolar macrophages were exposed to exopolyssacharide membranes
(biopolimer), polytetrafluoretilene PTFE and polypropilene mesh in a RPMI 1640 culture medium. The
cytotoxicity mean response of the macrophage in eight asays for each material was evaluated and compared
with three studyed and, also with three test materials and one control with culture medium only. The adehsion
index was 92% in the control and in the PTFE membranes 88%, polypropilene mesh 93% and byopolimer 87%.
The nitric oxide concentration was 40.2mMoLfor the PTFE, 46.3mMoL for the poly propilene mesh and 40.0mMoL
for the biopolymer, against 52.0mMoL fot the control with culture medium only and 73.3mMoL when LPS was
additioneted. The cell viability determinated by the MTT assay in the control was 100%, in the PTFE was 91.2%,
in the polypropilene mesh was 43.6% and in the biopolymer was 95.3%. The PTFE and the biomembrane did not
demonstrate cytotoxicity response to the cells in culture medium. The sugarcane biopolymer membrane presented
a high biocompatibility in the three cytotoxicities assays.
KEYWORDS: Sugar cane biopolymer; Cytotoxicity.
Cartro CMMB, Aguiar JLA, Melo FAD, Silva WTF. Sugar cane biopolymer cytotoxicity . An. Fac. Med.
Univ. Fed. Pernamb. Recife, 49(2), p.119-123, 2004.
An. Fac. Med. Univ. Fed. Pernamb., Recife, v.49 (2), 2004 - 77
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