17/04/2015 [P r o j e t o E]
http://www.projetoe.org.br/vteams/teles/tele_01/leitura_01.html 1/21
Teleconferências Participe
Economia das Organizações*
Decio Zylberzstajn
Resumo : O presente artigo está estruturado em cinco
partes. Na primeira, apresenta uma introdução ao conceito
de firma contratual, que serve de base para a análise da
organização moderna. A seguir, na parte dois, discute as
características das transações e, na parte três, introduz os
pressupostos comportamentais que são a base da economia
dos custos de transação. A parte quatro discute as
organizações e introduz um modelo simples para avaliar
integração vertical. Finalmente, na parte cinco, associa os elementos discutidos
com a análise das cadeias de produção.
Palavras-Chave : Economia dos Contratos, Nova Economia da Firma, Contratos
nos Sistemas Produtivos.
1. A Firma
A compreensão da estrutura das firmas e das organizações avançou
enormemente nos últimos trinta anos. Dentre os diversos elementos que são
parte da discussão acadêmica e prática sobre firmas, dois são fundamentais: as
razões para a existência das firmas e a lógica da sua organização interna.
A razão para a existência da firma é discutida na teoria por muitos autores, tais
como Ronald Coase e Frank Knight. Este último trata a questão da existência do
17/04/2015 [P r o j e t o E]
http://www.projetoe.org.br/vteams/teles/tele_01/leitura_01.html 2/21
lucro como o moto fundamental para a emergência da firma, afirmando que a
existência do lucro só pode ser compreendida se distinguirmos entre os fatores
de risco e de incerteza. O risco associado ao ambiente onde se dá a atividade
de produção pode ser mensurado e, dessa, forma introduzido atuarialmente nos
custos de produção. O mesmo já não pode ser feito com as incertezas, dado
que não existem regularidades a serem exploradas. Assim, risco não pode ser
fonte de lucro, mas eventos incertos podem dar margem a lucros ou perdas,
pois não se pode, racionalmente, antecipar tais eventos (Demsetz,1995)1.
Mas foi o trabalho de Ronald Coase que inspirou os avanços que dão
sustentação ao que se convencionou chamar de Nova Economia Institucional,
onde se desenvolve um novo paradigma para o estudo das organizações. No
seu artigo seminal "A Natureza da Firma", de 19372, que se completa com o
discurso ao receber o prêmio Nobel em Economia de 1991, Coase chama a
atenção para dois aspectos importantes, entre outros. O primeiro critica a
noção tradicional da Economia Neoclássica de considerar a firma como uma
função de produção. Muito mais do que uma relação mecânica entre um vetor
de insumos e um vetor de produtos, associada a uma determinada tecnologia, a
firma é uma relação orgânica entre agentes, que se realiza através de
contratos, sejam eles explícitos, como os contratos de trabalho, ou implícitos,
como uma parceria informal.
Com essa crítica, Coase não rompe com a tradição neo-clássica, posto que o
comportamento maximizador é mantido, mas a amplia, passando a considerar
outro tipo de custos, além dos custos de produção. A firma Coasiana é um
conjunto de contratos coordenados, que levam à execução da função
produtiva. A firma tradicional, que Coase caracteriza como uma ficção jurídica,
é ampliada, passando a incorporar relações de produção tão comuns ao mundo
da moderna organização. Assim, sob a ótica de Coase, pode se entender as
relações contratuais entre firmas, as franquias, as alianças estratégicas, a sub-
contratação e as parcerias como relações típicas de produção, expandindo o
conceito de firma.
Assim, em 1937, Coase abre as portas para a compreensão da organização
17/04/2015 [P r o j e t o E]
http://www.projetoe.org.br/vteams/teles/tele_01/leitura_01.html 3/21
moderna, levando a dois temas que passarão a ser recorrentes na literatura: a
coordenação vertical da produção (ou seja, os limites da firma) e a estrutura da
organização interna da firma. A primeira vertente foi trabalhada por Oliver
Williamson, nos anos 70, 80 e 90 (Williamson,96)3 mais associada ao estudo e
compreensão da integração ou coordenação vertical das firmas e que será
coberta no presente capítulo . A segunda vertente, a da organização interna,
também foi abordada por autores como Williamson e outros autores da
Economia das Organizações, como Milgrom e Roberts(1992)4, baseados nas
teorias relacionadas ao estudo dos incentivos.
As teorias baseadas nas capacitações dinâmicas estão associadas ao trabalho
dos economistas evolucionistas, têm fundamentação neo-schumpeteriana e
introduzem a importância das rotinas e ativos específicos das firmas para
explicar a sua diversidade. Ambos os enfoques ainda não estão integrados, mas
apresentam aspectos comuns ao entender a firma diferentemente da função de
produção tradicional.
O segundo aspecto que Coase avalia relaciona-se ao custo do funcionamento
dos mercados. Em contraposição à análise neo-clássica, que considera o
mecanismo de preços como o alocador de recursos do sistema econômico,
Coase levanta a hipótese de que o mercado funciona, mas existem custos
associados ao seu funcionamento. Tais custos, ou fricções, estão associados à
condução das transações. Toda a teoria e suas aplicações práticas, que
seguiram a ótica de Coase, procuraram entender quais os componentes destes
custos, quais as condições nas quais o mecanismo de preços realmente
representa a forma mais eficiente de alocação dos recursos, mas também quais
as condições nas quais o mecanismo de preços perde para mecanismos
contratuais, ou para a integração vertical, como melhor alocador de recursos.
Se o mecanismo de preços for considerado o único alocador de recursos na
economia, nada existe que possamos fazer para melhorar a arquitetura das
organizações? Certamente, não existe essa pretensão entre os economistas,
mas a pergunta deixa uma pista importante para a compreensão da moderna
carreira dos economistas e dos administradores. A teoria econômica, tal como
17/04/2015 [P r o j e t o E]
http://www.projetoe.org.br/vteams/teles/tele_01/leitura_01.html 4/21
ainda é ensinada na maioria dos cursos no Brasil, é voltada para a compreensão
do funcionamento dos mercados e não para o funcionamento das organizações.
Por outro lado, a teoria das organizações ensinada na maioria dos cursos de
administração no Brasil, tem caráter meramente descritivo, sem desenvolver
teorias que permitam entender as razões ou as relações causais pelas quais
uma organização se multidivide, sub-contrata atividades ou o que induz o
crescimento vertical da firma. Torna-se difícil explicar os processos de
reengenharia das organizações, por faltar uma teoria que dê o suporte
necessário.
A partir do ponto desenvolvido por Coase, de que os mercados também têm
custos associados ao seu funcionamento, surge a possibilidade para ampliar os
preceitos neo-clássicos de minimização de custos, antes associados apenas aos
custos mensuráveis dos fatores de produção, passando a incorporar os custos
de transação, definidos por Arrow como os custos de mover o sistema
econômico. Aí estão incluídos tanto os custos de achar quais os preços
relevantes, que por sinal são perfeitamente incorporados pela teoria tradicional,
como outros custos de desenho, estruturação, monitoramento e garantia da
implementação5dos contratos.
A partir dos conceitos de Coase também pode ser construída uma ponte entre a
Economia e a Teoria das Organizações, criando-se um instrumento útil para a
compreensão da estrutura e funcionamento das organizações.
Dessa forma, a firma moderna pode ser entendida como um conjunto de
contratos entre agentes especializados, que trocarão informações e serviços
entre si, de modo a produzir um bem final. Os agentes poderão estar dentro de
uma hierarquia, que é o que convencionalmente chamamos de firma. Poderão,
entretanto, estar fora dessa hierarquia, relacionando-se extra-firma, mas
agindo motivados por estímulos que os levam a atuar coordenadamente.
As relações contratuais, estejam elas ocorrendo entre ou dentro de firmas,
carecem de algum tipo de coordenação. Se ocorrerem dentro das firmas,
entende-se que o coordenador poderá ser o empresário, cujos objetivos, em
17/04/2015 [P r o j e t o E]
http://www.projetoe.org.br/vteams/teles/tele_01/leitura_01.html 5/21
geral, são bem definidos. Se ocorrerem entre firmas, naturalmente surgirá a
questão da divisão dos resultados. Mesmo quando as transações ocorrerem
dentro das firmas, existe o problema a respeito dos direitos de propriedade
sobre os resíduos, que são parcialmente definidos contratualmente entre os
empregados e os acionistas.
A visão da firma Coasiana nos leva a indagar a respeito da formatação eficiente
dos contratos, de tal modo que a arquitetura da firma reflita um arranjo que
induza os agentes a cooperarem visando a maximização do valor da empresa.
Dessa forma, surge a necessidade de compreender-se quais os elementos
associados à formatação e desenho dos contratos, definição de direitos de
propriedade sobre os resíduos, formas de monitoramento e cláusulas de ruptura
contratual. Tais são os elementos relevantes para a Teoria dos Contratos, que
permitem a busca de um desenho da arquitetura das organizações.
Box 1 : A Editora Virtual
Em 1993, o PENSA - Programa de Agronegócios da Universidade de São
Paulo, desejava publicar dois livros sobre agribusiness. Foram realizadas três
cotações com editoras que operavam no mercado e considerou-se um
critério múltiplo para a definição de qual seria a melhor escolha, considerados
os custos de distribuição, desenho das capas, entre outros fatores. A
empresa que ganhou o contrato chamava-se Editora Ortiz, cuja arquitetura
organizacional pode ser representada pela Figura 1.
17/04/2015 [P r o j e t o E]
http://www.projetoe.org.br/vteams/teles/tele_01/leitura_01.html 6/21
A Editora era formada pelo Sr. Ortiz e todos os serviços necessários para a
edição do livro, que eram contratados no mercado, em Porto Alegre. Assim que
o empresário assinou o contrato com a Fundação Instituto de Administração,
ele passou a "negociar" os contratos com os agentes especializados com os
quais tinha relações. Cada um dos agentes era independente, podendo aceitar
ou não os termos da proposta. O empresário assim atuando pode ser visto como
o coordenador de contratos entre agentes especializados. Cada contrato
merece um tratamento diferente, a depender da existência de outros
fornecedores do serviço, das necessidades mais ou menos especializadas do
editor, da reputação do editor e do fornecedor do serviço, entre outros fatores.
Os livros foram editados a contento e no processo houve pontos fortes e
pontos fracos a se considerar. Se o contratante tivesse escolhido uma das
outras editoras, as mesmas operações técnicas seriam executadas, algumas
mais e outras menos eficientemente. Pode-se afirmar que em todos os casos os
mesmos contratos existiriam para serem coordenados, mas o poder hierárquico
não existe, no caso da Editora escolhida. Essa ausência de poder hierárquico é
17/04/2015 [P r o j e t o E]
http://www.projetoe.org.br/vteams/teles/tele_01/leitura_01.html 7/21
uma das diferenças entre a firma tradicional, organizada exclusivamente com
contratos internos, e a firma organizada a partir de contratos externos.
Atualmente, os casos extremos são raros, sendo que se observa firmas com
contratos internos e externos, ficando a grande questão, a de explicar quando
é mais eficiente utilizar um ou outro modelo.
2. Características das Transações
Transações são realizadas entre os agentes econômicos, seja para trocar bens,
seja para permutar serviços. Na sociedade estudada por Adam Smith, a
especialização e a troca são elementos que fundamentam o funcionamento do
sistema econômico. Ao realizarem as trocas, os agentes engajam-se em
transações, que se distinguem por três características básicas, que são
categorizadas por Williamson(1975) como:
Freqüência : Esta característica está associada ao número de vezes que dois
agentes realizam determinada transação. Transações podem ocorrer uma única
vez, ou podem repetir-se dentro de uma periodicidade conhecida. Em cada
caso, espera-se que o desenho do contrato entre as partes seja diferente, uma
vez que nas transações repetitivas pode haver ensejo para o surgimento de
reputação. Obviamente, são relevantes os casos de transações entre agentes
não anônimos, sem o que não é possível o acúmulo de informações necessário
para a formação da reputação.
A reputação pode ser visualizada como a perda potencial de uma renda futura
por uma das partes, caso esta venha a romper o contrato de modo oportunista,
impedindo a continuidade da transação. Portanto, o desenho de salvaguardas
contratuais e mesmo a sua exigência será afetado por esta característica das
transações. Fica claro adicionalmente, que reputação é tangível, podendo ser
contruída ou destruída, a partir da memória dos agentes de mercado.
A repetitividade da transação, permitindo a criação de reputação, atribuindo um
valor ao comportamento não oportunista dos agentes, leva à possibilidade de
uma modificação nas cláusulas de salvaguardas contratuais, rebaixando os
17/04/2015 [P r o j e t o E]
http://www.projetoe.org.br/vteams/teles/tele_01/leitura_01.html 8/21
custos de preparação e monitoramento dos contratos. Em outras palavras, isso
significa diminuir os custos de transação.
Incerteza : Esta característica das transações é a menos desenvolvida por
Williamson e outros autores da Economia dos Custos de Transação. Cabe aqui o
conceito já abordado de Knight, que associa incerteza a efeitos não previsíveis,
não passíveis de terem uma função de probabilidade conhecida a eles
associada. Esta impossibilidade de previsão de choques que possam alterar as
características dos resultados da transação, não permite que os agentes que
dela participam desenhem cláusulas contratuais que associem a distribuição dos
resultados aos impactos externos, uma vez que estes não são conhecidos ex-
ante.
A incerteza pode levar ao rompimento contratual não oportunista e está
associada ao surgimento de custos transacionais irremediáveis, motivados por
uma das características comportamentais consideradas pela teoria, que é a
racionalidade limitada, a ser discutida na próxima seção.
Especificidade dos Ativos : Esta característica das transações é definida por
Williamson como sendo a perda de valor dos ativos envolvidos em determinada
transação, no caso desta não se concretizar, ou no caso do rompimento
contratual. Alta especificidade de ativos significa que uma ou ambas as partes
envolvidas na transação perderão, caso esta não se concretize, por não
encontrarem uso alternativo que mantenha o valor do ativo desenvolvido para
determinada transação.
Caso apenas uma das partes envolvidas na transação tenha feito investimentos
em ativos específicos para aquela transação, certamente, haverá motivação
para defender-se dos efeitos de eventual ruptura contratual pela outra parte.
Salvaguardas serão necessárias para dar suporte, ou tornar viável aquela
transação.
No caso das duas partes terem feito investimentos específicos, então, surge
uma situação na qual ambas terão incentivos para que o contrato continue
17/04/2015 [P r o j e t o E]
http://www.projetoe.org.br/vteams/teles/tele_01/leitura_01.html 9/21
indefinidamente. Surge uma situação de dependência bilateral, que irá afetar a
arquitetura do contrato desenhado para dar suporte àquela transação.
Os ativos podem apresentar diferentes categorias de especificidades. A
literatura descreve mais comumente as especificidades de lugar, tempo, de
capital humano e ativos dedicados. A primeira está associada à existência de
perda de valor, no caso do deslocamento físico. São casos de relações
transacionais que devem dar-se em locais definidos, sem o qual determinado
ativo perderá o seu valor. O exemplo do produto agrícola que deve ser
produzido a determinada distância da planta de processamento é típico para
descrever esta característica do ativo. Uma planta de esmagamento de soja
poderá tornar-se inviável, no caso da inexistência do produto dentro de um raio
definido.
A especificidade temporal também pode ser exemplificada por produtos que
exijam investimentos para a sua produção, mas cujo valor de mercado cairá
drasticamente, caso não seja processado ou comercializado dentro de
determinado período de tempo. Produtos perecíveis são um exemplo desta
situação. A especificidade de capital humano é associada ao conhecimento
acumulado pelos indivíduos em determinadas atividades, cuja aplicabilidade em
outra atividade ou empresa é limitada. Assim sendo, empregados que tenham
sido treinados para finalidades muito específicas terão estímulos para considerar
esta característica nos seus contratos de trabalho. A literatura explica os altos
salários de executivos a partir destas características.
As três características são importantes, mas por si não explicam a arquitetura
dos contratos. Das três características descritas, a especificidade dos ativos é
aquela mais destacada pela teoria e de melhor visualização em torno do
problema do desenho contratual. Benjamin Klein define que "quase rendas"
surgem quando ativos específicos caracterizam determinadas transações. Estas
"quase rendas" poderão mudar de mãos, no caso de ruptura dos contratos.
Dessa forma, passa a ser importante a sobreposição das características dos
agentes, que são os atores das transações, às características dos contratos. O
que se busca é explicar a arquitetura dos contratos, a partir da busca de
17/04/2015 [P r o j e t o E]
http://www.projetoe.org.br/vteams/teles/tele_01/leitura_01.html 10/21
eficiência por parte dos agentes, que tenderão a protejer-se dos possíveis
custos ex-post, a partir de salvaguardas que possam ser incorporadas nos
contratos associados às transações. Vejamos o que a teoria nos diz a respeito
do comportamento desses agentes.
Box 2. Especificidade dos Ativos
A Illycaffè é responsável por um café de alta qualidade, para produção de
café do tipo expresso. Em estudo de caso realizado por Zylbersztajn,1992 ,
verificou-se que a manutenção de atributos de qualidade significa um ativo
de alta especificidade, fazendo com que a empresa tenha grande cuidado ao
zelar pelo valor da sua marca. Empresas que estabelecem padrões de
qualidade superiores passam a ter incentivos para monitorar muito
intensamente as transações que realizam, de preferência mantendo-as sob
estrito controle da empresa. A decisão de franquear uma marca depende da
capacidade de desenvolver mecanismos superiores de monitoramento, para
evitar a perda de valor associada à alta especificidade dos ativos. Diz-se
que um ativo é específico, caso ele perca valor substancialmente,
quando há uma ruptura do contrato que dá suporte à transação. As
marcas representam ativos específicos e a sua gestão visa proteger o seu
valor.
3. Características dos Agentes
A teoria econômica neo-clássica distingue-se da economia dos custos de
transação por alguns pressupostos de suma importância, um dos quais está
associado ao comportamento dos indivíduos. Na análise típica de um mercado
onde a alocação dos recursos seja regida pelo sistema de preços, assume-se,
implicitamente, que os agentes que operam no mercado são benignos, ou seja,
17/04/2015 [P r o j e t o E]
http://www.projetoe.org.br/vteams/teles/tele_01/leitura_01.html 11/21
não podem agir de forma oportunista. Também o pressuposto associado à
racionalidade dos indivíduos tem um papel de suma importância, uma vez que,
no limite, pode-se ignorar a incapacidade dos indivíduos para interpretar
corretamente o ambiente que cerca as suas decisões. Analisemos cada uma
destas questões em separado.
Oportunismo: Definido por Williamson como "a busca do auto-interesse com
avidez", esta característica comportamental é importante para a definição da
arquitetura dos contratos. Oportunismo implica no reconhecimento de que os
agentes não apenas buscam o auto-interesse, que é um típico pressuposto
neo-clássico, mas podem fazê-lo lançando mão de critérios baseados na
manutenção de informações privilegiadas, rompendo contratos ex-post com a
intenção de apropriar-se de "quase rendas" associadas àquela transação e, em
última análise, ferindo códigos de ética tradicionalmente aceitos pela sociedade.
A análise tradicional do funcionamento dos mercados, ao ignorar esta
possibilidade comportamental, está assumindo que os agentes são benignos,
ignorando um importante aspecto presente no mundo real.
Não se afirma que todos os agentes são oportunistas e nem que ajam de modo
oportunista todo o tempo, mas apenas não se ignora que podem agir assim em
algum momento, sendo tal pressuposto suficiente para derivar os resultados que
a teoria antecipa.
Oportunismo nos leva a discutir a realidade do universo dos negócios,
pontilhado de situações nas quais os agentes quebram os contratos, buscando
apropriar-se das "quase rendas" advindas da existência de ativos específicos.
Podemos perguntar o que leva alguns indivíduos a não quebrar os contratos,
mesmo quando tentados pela existência destas rendas. Podemos identificar três
razões explicativas para a continuidade dos contratos (Zylbersztajn,1995)6:
a) Reputação: Tal conceito representa uma motivação pecuniária. Ou seja, o
indivíduo não rompe o contrato por saber que se o fizer terá interrompido o
fluxo de renda futura, sendo que o custo do rompimento supera os benefícios
17/04/2015 [P r o j e t o E]
http://www.projetoe.org.br/vteams/teles/tele_01/leitura_01.html 12/21
para o agente, ao computar o valor presente da renda futura.
Box 3 : Quebras Contratuais
Alguns produtores de sementes, que cooperam com as empresas sementeiras
da área de hortaliças, embora tenham contratos de entrega das sementes,
não o fazem quando os preços dos vegetais sobem no mercado local. Eles
preferem vender a produção a entregar a semente para a empresa,
significando uma quebra de contrato oportunística. Ao fazê-lo, o produtor é
movido por uma motivação de curto prazo, mesmo sabendo que não mais
será escolhido a fornecer para a empresa de sementes, que relevará o
comportamento oportunista, não renovando o contrato. A reputação do
produtor foi destruída pelo oportunismo. Ele preferiu trocar um fluxo futuro
de rendas, pelo aumento da renda no curto prazo.
b) Garantias Legais : A importância das instituições legais para dar suporte ao
funcionamento da economia fica ressaltada neste tópico. Ao existir um
mecanismo punitivo instituído pela sociedade, os agentes econômicos terão um
desestímulo para a quebra contratual oportunista. Ou seja, a legislação
associada a um sistema que seja capaz de identificar, julgar e, se for o caso,
punir os agentes que rompem os contratos, funciona como forte sinalização que
desestimula a ação oportunista. O prêmio Nobel Douglass North, explora a
importância das instituições pavimentando o caminho para o desenvolvimento
das sociedades.
Muitas vezes, o ambiente institucional formal é substituído por sanções
impostas pela sociedade de modo informal. Assim compreende-se o
funcionamento de códigos de condutas informais característicos de grupos
sociais com intensa interação, que acabam tendo o mesmo papel que o aparato
17/04/2015 [P r o j e t o E]
http://www.projetoe.org.br/vteams/teles/tele_01/leitura_01.html 13/21
legal, porém, podem funcionar com maior eficiência.
Box 4: O Jogo do Bicho
O jogo do bicho perdura no Brasil, a despeito da sua ilegalidade. Muitos se
perguntam a respeito do funcionamento de um sistema tão complexo, ilegal,
mas que desenvolveu a reputação de ser sério, sempre cumprindo com os
pagamentos dos prêmios. Certamente, para uma análise completa do
problema, dois aspectos devem ser introduzidos. Por um lado, a reputação
da organização, que não pode ser rompida pela fragilidade imposta pela
ilegalidade. Assim, os "empresários" do jogo do bicho têm motivação para
cumprir os contratos, embora praticamente não existam salvaguardas para
os jogadores. Por outro lado, existe uma forte coerção imposta pelos
"empresários", sobre os operadores nos diferentes níveis da organização,
coerção esta imposta não pelo sistema legal, mas sim pela força.
c) Princípios Éticos : Existem organizações que assumem que podem conseguir
a estabilidade dos seus contratos, a partir do princípio ético dos seus membros,
ou seja, a partir de códigos de conduta definidos pelo grupo. Um código de
conduta é um contrato tácito entre os agentes, cujo monitoramento é muito
difícil. Dessa, forma a quebra contratual pode ocorrer, a despeito dos princípios.
Isso não significa que princípio, doutrinas e códigos não possam existir, mas são
tênues e de generalização difícil. O pressuposto do oportunismo aqui é tomado
novamente na sua definição. Não se trata de afirmar que princípios não possam
existir, mas sim de afirmar que os agentes têm incentivos para quebrar os
contratos e, se o fizerem, custos incidirão sobre eles.
17/04/2015 [P r o j e t o E]
http://www.projetoe.org.br/vteams/teles/tele_01/leitura_01.html 14/21
Box 5: Cooperativas Agrícolas
As cooperativas agrícolas consideram que os seus princípios doutrinários são
a base da eficiência da empresa cooperativa. A doutrina afirma que os
membros de uma cooperativa agirão de acordo com princípios estabelecidos
pelo conjunto dos membros da cooperativa, regidos por regras
internacionalmente aceitas. Certamente, os princípios da cooperação não
podem conviver com a possibilidade de ações oportunistas. Mas elas existem
e, no caso das empresas cooperativas, são de difícil monitoramento. Assim,
embora não se possa generalizar, são comuns os casos dos presidentes de
cooperativas que agem levianamente no exercício de um cargo que lhe
confere enorme poder. Como também são comuns os casos dos membros de
cooperativas que rompem o contrato implícito com a cooperativa, para a
entrega do seu produto para a industrialização desta.
As cooperativas chamam o problema de fidelidade do cooperado. Tal
contrato tácito motiva, muitas vezes, a cooperativa a realizar investimentos
em uma planta industrial, contando com o produto do cooperado.
Entretanto, este pode ter incentivos de uma indústria concorrente, para
entregar o produto a um preço levemente maior. Esta quebra contratual é de
difícil monitoramento ou antecipação. Algumas cooperativas buscam punir os
seus membros que assim agem, ameaçando-os com a exclusão da sociedade,
o que bem indica que os aspectos de ética dos negócios são frágeis como
meio para estabelecer relações duradouras.
Racionalidade Limitada: O conceito é explorado por diferentes autores da
economia das organizações. Williamson (op. cit.) considera que os agentes
desejam ser racionais, mas só conseguem sê-lo parcialmente. A limitação
decorre da complexidade do ambiente que cerca a decisão dos agentes, que
não conseguem atingir a racionalidade plena. Se os agentes fossem plenamente
racionais, seriam capazes de formular contratos completos e não surgiria a
17/04/2015 [P r o j e t o E]
http://www.projetoe.org.br/vteams/teles/tele_01/leitura_01.html 15/21
necessidade de se estruturar formas sofisticadas de governança.
4. Eficiência e Organizações:
As organizações são arquitetadas pelos indivíduos. Diferentemente de imaginar
que existam regras fixas para o desenho das organizações, a teoria busca
identificar quais as variáveis que determinam as formas internas e as relações
entre as organizações.
O princípio básico da teoria dos contratos, que abarca tanto a teoria dos
incentivos ótimos até a economia dos custos de transação, é de que as
organizações serão formatadas buscando o alinhamento entre as características
das transações, as características dos agentes, regidos por um ambiente
institucional.
Assim, Williamson propõe que a firma, vista como uma estrutura de governança
das transações, pode definir se tratará determinado contrato a partir de uma
pura relação de mercado, se preferirá uma forma mista contratual ou se definirá
a necessidade de integração vertical, a partir dos princípios de minimização dos
custos de produção (cobertos pela economia neoclássica), somados aos custos
de transação.
Figura 2 - Alinhamento dos Contratos
Especificidade
dos Ativos
Incerteza
Baixa Média Alta
Baixa Mercado Mercado Mercado
17/04/2015 [P r o j e t o E]
http://www.projetoe.org.br/vteams/teles/tele_01/leitura_01.html 16/21
Média Contrato
Contrato ou
Integração
Vertical
Contrato ou
Integração
Vertical
Alta Contrato
Contrato ou
Integração
Vertical
Integração
Vertical
Fonte: Brickley, Smith & Zimmerman (1997).
Conforme pode ser apreciado na figura acima, a forma de governança eficiente
emerge da interação das características das transações com os pressupostos
comportamentais. Ou seja, a racionalidade limitada e os contratos incompletos
tornam impossível a elaboração de contratos que contenham todas as
possibilidades futuras. Associe-se agora o comportamento oportunista e a
existência de especificidade de ativos, o que implica que os agentes podem
romper os contratos para apropriar-se do valor dos ativos específicos. Portanto,
resulta que as formas eficientes de governança contratual devem considerar os
riscos mencionados e definir pelo maior ou menor controle das transações.
Em casos onde a especificidade dos ativos é baixa não é necessário controle
forte e a transação pode ser levada a cabo no mercado. À medida em que se
eleva a especificidade dos ativos, o mercado passa a não mais ser uma solução
eficiente, sendo necessário maior controle, proporcionado seja pela integração
vertical, seja pelo desenho de contratos com salvaguardas específicas.
A Figura 3 indica o critério para a determinação da forma de governança, a
partir de variações na especificidade dos ativos, indicando a perda de eficiência
das três formas de coordenação, via mercado, via contratual e via hierarquia, à
medida em que se eleva a especificidade dos ativos. A especificidade dos ativos
é medida pelo índice k e no eixo vertical é representado o custo das
transações. As três curvas representam as formas de governança via mercado,
17/04/2015 [P r o j e t o E]
http://www.projetoe.org.br/vteams/teles/tele_01/leitura_01.html 17/21
contratos ou integração vertical.
Figura 3. Formas de Governança e Especificidade dos Ativos
Coeteris paribus, a escolha da forma eficiente de governança, depende do tipo
de especificidade dos ativos. Ativos com elevada especificidade estão
associados a potenciais perdas vultuosas, no caso de ruptura dos contratos,
exigindo a cuidadosa estruturação de salvaguardas contratuais. A governança
de tal tipo de transação pode ocorrer via mercado, regida pelo sistema puro de
preços, entretanto, os custos associados à ruptura dos contratos seriam muito
elevados. Tais tipos de transação são mais eficientemente conduzidos
internamente à firma, onde o monitoramento é intenso e a hierarquia tende a
predominar.
No outro extremo existem as transações caracterizadas por ativos de baixa
especificidade, que indicam que, no caso de ruptura dos contratos, os agentes
17/04/2015 [P r o j e t o E]
http://www.projetoe.org.br/vteams/teles/tele_01/leitura_01.html 18/21
não sofrerão perdas, podendo reatar as relações contratuais com outros
agentes no mercado. Essas transações são mais eficientemente regidas pelo
sistema de preços e caracterizam-se por produtos homogêneos, com muitos
produtores e compradores que não precisam de identificação. Reputação conta
menos, uma vez que pode haver ruptura contratual sem custos, o que já não é
o caso dos contratos com elevada especificidade de ativos, onde os agentes
são individualizados, permitindo o surgimento de reputação.
Os casos intermediários são os mais comuns e são denominados de formas de
governança mista ou contratual. Em tais casos a integração vertical pura não é
eficiente, tampouco o mercado pode governar as transações. Neste conjunto
estão localizados a maioria dos contratos entre firmas, denominados de
franquias, associações estratégicas, fornecimento exclusivo, contratos de
divisão territorial, associações pré-competitivas, entre outros. É muito mais
simples a identificação das situações onde predominam as formas polares, de
mercado ou de integração vertical, sendo o maior desafio da teoria melhor
entender as escolhas intermediárias, que são na verdade as formas mais
comuns de organização das empresas modernas.
5. Utilizando o Conceito
Em artigo recente,7 que avalia os contratos entre supermercados ingleses e
importadores de batatas, Loader lança mão dos conceitos introduzidos no
presente artigo. Em primeiro lugar, o autor descreve a transação no seu
detalhe, focalizando as suas características em termos de recursos, exposição
ao risco e especificidade dos ativos. Ele percebe que existe uma assimetria
entre a transação vista por um e por outro agente, portanto, a análise é
repetida.
O autor desenvolve uma tabela para classificar as transações, comparando o
tipo de contrato observado com o que a teoria sugere que deva ocorrer: se um
contrato spot, via mercado e regulado pelo sistema de preços, se via
integração vertical, ou se uma forma contratual mista.
17/04/2015 [P r o j e t o E]
http://www.projetoe.org.br/vteams/teles/tele_01/leitura_01.html 19/21
A análise apresentada no quadro abaixo permite fazer um paralelo entre as
características das transações e as formas de governança existentes.
Contrastando com a teoria, pode-se discutir se existem formas mais eficientes
do que aquelas observadas.
Figura 4. Análise de um contrato no agribusiness
Avaliações para serem realizadas para cada Forma Contratual
Categoria Contratual Consumo De Para
Objetivos da Transação
Natureza da Transação Classificação
Freqüência
Especificidade do Ativo
Racionalidade Limitada
Oportunismo
Governança
17/04/2015 [P r o j e t o E]
http://www.projetoe.org.br/vteams/teles/tele_01/leitura_01.html 20/21
Processos Contratuais
Resultantes
Estrutura de Governança
Esperada
Estrutura de Governança
Existente
Implicações e Observações
Para a eficiente coordenação dos SAG’s - Sistemas Agroindustriais , é
necessário que se conheça em detalhe as características das transações
existentes, para arquitetá-las de modo a economizar nos custos de transação.
A análise dos detalhes da natureza das transações é a condição fundamental
para que se desenhem contratos eficientes. O próximo capítulo* irá tratar da
análise da organização industrial dos segmentos que compõem os sistemas
produtivos, sendo um complemento da análise das transações para a
estruturação das estratégias das organizações interligadas por interesses
comuns nas cadeias produtivas.
* Nota do editor do Projeto E: o autor refere-se, aqui, ao Capítulo 3 do livro:
Economia das Organizações: Uma Análise Contratual da Firma (no prelo ),
do qual este artigo faz parte como Capítulo 2.
1. Demsetz,H. The Economics of the Business Firm: Seven critical
commentaries. Cambridge University Press,1995, 179p.
17/04/2015 [P r o j e t o E]
http://www.projetoe.org.br/vteams/teles/tele_01/leitura_01.html 21/21
2. Coase,R. 1937. The Nature of the Firm. Economica, n.s., 4.
3. Williamson,O.E.1996. The Mechanisms of Governance.Oxford, 429 pp.
4. Milgrom,P e Roberts,J. Economics. Organization and Management. Prentice
Hall, 621 pp, New Jeraey, USA.
5. Estaremos traduzindo “enforcement” como sendo "garantia da
implementação dos contratos".
6. Zylberzstajn, D. 1995. Between the Market and the Hierarchy: An analysis of
contractual hold-up in agribusiness.
7. Loader,R.1995. Transaction Costs and relations in Agri Food Systems.
Proceedings of the 2nd International Conference on Chain Management.
Wagenngen, The Netherlands.
Top Related