A trajetória e os paradigmas da Teoria da Comunicação
Carlos Alberto Ávila Araú[email protected]
1. As diversas correntes que compõem a Teoria da Comunicação
O que é normalmente conhecido como Teoria da Comunicação diz respeito a uma
tradição de estudos e pesquisas que se inicia no começo deste século. O que não significa
que, até este momento específico, não se estudava a comunicação. Por exemplo, os estudos
de Aristóteles sobre a retórica podem ser identificados como estudos sobre a comunicação.
A Sociologia2, enquanto ciência, tem um surgimento datado: o século XVIII, época
em que a vida social torna-se um problema, um objeto de estudo. Ou seja, são
características da realidade social vivida no momento - o ritmo violento das mudanças no
fim do feudalismo e início do capitalismo; a industrialização; a vida fabril; a urbanização; a
mudança de costumes - que determinam a configuração de uma atividade reflexiva e um
conjunto de estudos sistemáticos voltados para um problema específico: a sociedade.
O que se deu com a Sociologia, repetiu-se com a Comunicação. Como esclarece
França3, “se a reflexão sobre a comunicabilidade, a atividade comunicativa do homem,
preocupou os pensadores desde a Antigüidade Clássica, a nossa Teoria da Comunicação é
bem recente. Na verdade, o desenvolvimento de estudos mais sistemáticos sobre a
comunicação é conseqüência antes de tudo do advento de uma nova prática de
comunicação: a comunicação de massa, realizada através de meios eletrônicos,
possibilitando o alcance de audiências de massa, a supressão do tempo e da distância”.
É a partir, portanto, do surgimento dos meios de comunicação de massa e das
indagações que eles colocaram - o jornalismo de massa, no fim do século XIX, e, no início
do século XX, o rádio e o cinema, atingindo as grandes audiências - que podemos falar
numa Teoria da Comunicação, que seria o conjunto de estudos e pesquisas sobre as práticas 1 Jornalista, doutorando em Ciência da Informação pela UFMG e professor licenciado das Faculdades Integradas de Caratinga.2Conforme MARTINS, C.B. O que é sociologia. São Paulo: Brasiliense, 1992.3In: FRANÇA, V.R.V. “Teoria(s) da comunicação: busca de identidade e de caminhos”. Belo Horizonte: Depto. de Comunicação da UFMG, 1994.
comunicativas. Este conjunto, contudo, não constitui um corpo homogêneo ou contínuo
mas, antes, representa uma multiplicidade de conhecimentos, métodos e pontos de vista
bastante heterogêneos e discordantes.
Diversos autores se debruçaram sobre a Teoria da Comunicação numa tentativa de
sistematizá-la ou classificá-la. Não é objetivo deste trabalho apresentar ou discutir essas
classificações. Recorrer-se-á, apenas, em alguns momentos, a alguma delas. Nosso objetivo
aqui é o de apresentar a trajetória da Teoria da Comunicação, identificando escolas e
momentos mais representativos.
1.1. A origem dos estudos: a pesquisa norte-americana
Os primeiros estudos sobre a comunicação de massa acontecem nos Estados
Unidos, na década de 30, a partir de uma demanda pragmática, mais política do que
científica - determinando uma problemática de estudos que não foi colocada pelo interesse
científico. Contratados por diversas instituições para resolver problemas imediatos relativos
às questões comunicativas - daí o caráter instrumental desse tipo de pesquisa -,
pesquisadores como Lasswell, Lazarsfeld, Lewin e Hovland deram início ao que Wolf4
chamou de communication research, ou a longa tradição de análise em comunicação.
Schramm5 coloca que “quatro homens são normalmente considerados os ‘pais
fundadores’ da pesquisa sobre comunicação nos Estados Unidos: dois psicólogos, um
sociólogo e um cientista político”. O autor, referindo-se a Paul Lazarsfeld, Kurt Lewin,
Harold Lasswell e Carl Hovland, identifica que “estas quatro correntes de influência” são
“perceptíveis na pesquisa de comunicação nos Estados Unidos”, ou seja, a partir das obras
destes quatro autores, e dos vários centros de pesquisa criados para estudar a comunicação,
se desenvolve toda a pesquisa norte-americana.
Lazarsfeld, sociólogo formado em Viena, chegou aos Estados Unidos em 1932 e
executou diversos estudos sobre a audiência e os efeitos dos meios de comunicação de
massa, centrado nas questões eleitorais, de campanhas e da influência pessoal em relação à
4WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1987.5SCHRAMM, W. et alii. Panorama da comunicação coletiva. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964, p.10.
dos meios coletivos. Katz e Klapper, alunos de Lazarsfeld, também desenvolveram
reconhecidos trabalhos sobre os efeitos da comunicação de massa.
Lewin, psicólogo também formado em Viena e também chegado aos Estados
Unidos no início da década de 30, preocupou-se, basicamente, com a comunicação de
grupos e com os efeitos das pressões, normas e atribuições do grupo no comportamento e
atitudes de seus membros. Um de seus discípulos, Festinger, desenvolveu a teoria da
dissonância cognitiva.
O terceiro dos “pais fundadores”, Lasswell, era cientista político cujo método era o
analítico. Foi pioneiro no estudo da propaganda e das funções da comunicação. Por fim,
Hovland, psicólogo, debruçou-se sobre a comunicação e mudança de atitude.
O conjunto dos estudos norte-americanos não representa um todo homogêneo - são
inúmeras vertentes de pesquisa, com variados enfoques -, mas é possível identificar pelo
menos dois grandes ramos de estudo - os que se preocupam com os efeitos da comunicação
e os que buscam estabelecer suas funções -, bem como estudos mais operacionais que vão
buscar dar conta da natureza do processo comunicativo com seus elementos internos.
1.1.1. O estudo dos efeitos
Temática específica da pesquisa americana, essa corrente de preocupação congrega
variados estudos de naturezas diferentes. Um autor que se dedica à sistematização e análise
dos estudos americanos dos efeitos é Wolf6, a partir da identificação da teoria hipodérmica
e de sua evolução. É essa classificação que será adotada, aqui, para a identificação da
perspectiva dos efeitos na pesquisa norte-americana.
1.1.1.1. A Teoria Hipodérmica
A Teoria Hipodérmica é um modelo que tenta dar conta da primeira reação que a
difusão dos meios de comunicação de massa despertou nos estudiosos. Ela se constrói,
portanto, em relação à novidade que são os fenômenos da comunicação de massa, e às
experiências totalitárias da época em que surge - o período entre guerras.
6WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1987.
A síntese dessa teoria é que cada indivíduo é diretamente atingido pela mensagem
veiculada pelos meios de comunicação de massa, ou seja, existe uma concepção de
onipotência dos meios, e de efeitos diretos. Sua preocupação básica é justamente com esses
efeitos.
Há que se destacar a presença de uma teoria da sociedade de massa, e de uma teoria
psicológica da ação, ligada ao objetivismo behaviorista. A presença de um conceito de
sociedade de massa destaca o isolamento físico e normativo do indivíduo na massa e a
ausência de relações interpessoais. Daí a atribuição de tanto destaque às capacidades
manipuladoras dos mass media.
Já a teoria da ação elaborada a partir da psicologia behaviorista estuda o
comportamento humano com métodos de experimentação e observação das ciências
naturais e biológicas. O resultado da utilização desse tipo de concepção é que a Teoria
Hipodérmica considerava o comportamento em termos de estímulo e resposta, o que
permitia estabelecer uma relação direta entre a exposição às mensagens e o comportamento:
se uma pessoa é “apanhada” pela propaganda, ela pode ser controlada, manipulada, levada
a agir.
Essa concepção da ação comunicativa como uma relação automática de estímulo e
resposta reduz a ação humana a uma relação de causalidade linear, e reduz também a
dimensão subjetiva da escolha em favor do caráter manipulável do indivíduo.
1.1.1.2. A evolução da Teoria Hipodérmica
A evolução da Teoria Hipodérmica, no sentido de uma visão mais complexa do
processo comunicativo - e de perceber as que os efeitos não se davam de forma direta,
identificando limitações -, deu-se segundo duas diretrizes distintas, mas em muitos
aspectos interligadas e sobrepostas. É possível percebermos um certo percurso seguido pela
pesquisa sobre os mass media: no começo, a Teoria Hipodérmica concentrada nos
problemas da manipulação, para passar aos da persuasão chegando, por fim, aos da
influência.
1.1.1.2.1. A abordagem “da persuasão”
Os estudos empírico-experimentais debruçaram-se sobre os fenômenos psicológicos
individuais que constituem a relação comunicativa, com o objetivo de perceber como
ocorrem os processos de persuasão ocorridos a partir da ação dos meios. Para tanto,
partiram da determinação das características psicológicas dos receptores. Entre os vários
estudos, destacam-se as pesquisas psicológicas de Hovland. Porém, este âmbito de estudos
é composto por uma multiplicidade de micropesquisas de resultados muitas vezes opostos,
o que faz com que não exista uma unidade no conjunto desses estudos.
A primeira coordenada que orienta esse tipo de estudos se orienta em relação às
características dos destinatários que interferem na obtenção dos efeitos pretendidos. A
estrutura que orienta esses estudos é uma concepção tão mecanicista quanto a da Teoria
Hipodérmica. A de que, entre a causa (ou estímulo) e o efeito (a reposta), existem processos
biológicos intervenientes - ou seja, é a mesma concepção de causa-efeito, mas dentro de um
quadro analítico um pouco mais complexo, porque considera as seguintes variáveis: o
interesse em obter informação, a exposição seletiva provocada pelas atitudes já existentes, a
interpretação seletiva e a memorização seletiva.
A segunda coordenada tem a ver com a organização ótima das mensagens com
finalidades persuasivas - ou seja, os fatores ligados às mensagens. Essa tendência de
pesquisa, para desenvolver-se, utilizou das conclusões obtidas na primeira coordenada. As
variáveis que se relacionam com as mensagens são: a credibilidade do comunicador, a
ordem da argumentação, a integralidade das argumentações e a explicitação das conclusões.
1.1.1.2.2. A Teoria dos Efeitos Limitados e o modelo do two-step flow
A abordagem empírica de campo ou “dos efeitos limitados” procurou estudar os
fatores de mediação existentes entre os indivíduos e os meios de comunicação de massa.
Essa teoria é composta de duas correntes:
a) Estudo da composição diferenciada dos públicos e dos seus modelos de consumo
de comunicações de massa.
b) Pesquisas sobre a mediação social que caracteriza o consumo: a percepção de que
a eficácia dos mass media só é susceptível de ser analisada no contexto social em que
funcionam.
Essa teoria, mais atenta à complexidade dos fenômenos, deixa de salientar a relação
causal direta entre propaganda de massas e manipulação de audiência para passar a insistir
num processo indireto de influência em que as dinâmicas sociais se intersectam com os
processos comunicativos.
O objeto de estudo dessa teoria era, como os demais, os mass media, mas,
especificamente dentro dos processos gerados a partir de sua presença, aqueles relacionados
aos processos de formação de opinião. É, ainda, inegável a contribuição dessa teoria para o
desenvolvimento do modelo do two-step flow - a descoberta dos líderes de opinião e do
fluxo de comunicação em dois níveis. O avanço destas descobertas é que elas demonstram
que os efeitos não podem ser atribuídos à esfera do indivíduo, mas à rede de relações - é a
noção do enraizamento dos processos e de seu caráter não-linear que começa a tomar
corpo. Até então, a audiência era concebida como um conjunto de classes etárias, de sexo,
de casta, etc, e pensava-se que as relações informais entre as pessoas não influenciavam o
resultado de, por exemplo, uma campanha propagandística.
1.1.2. A Teoria Funcionalista
A corrente funcionalista aborda hipóteses sobre as relações entre os indivíduos, a
sociedade e os meios de comunicação de massa. Ela se distancia, em muito, das teorias
precedentes pois a questão de fundo já não são os efeitos mas as funções exercidas pela
comunicação de massa na sociedade. O centro das preocupações deixa de ser o indivíduo
para ser a sociedade, numa linha sócio-política. O funcionalismo se desenha como uma
perspectiva de certa forma paralela à dos efeitos, trazendo também elementos que apontam
para a superação da Teoria Hipodérmica.
Aqui, tem-se uma definição da problemática dos mass media a partir da sociedade e
de seu equilíbrio, da perspectiva do funcionamento do sistema social no seu conjunto e seus
componentes. Já não é a dinâmica interna dos processos comunicativos que define o campo
de interesse de uma teoria dos mass media, mas sim a dinâmica do sistema social.
Assim, a teoria sociológica de referência para estes estudos é o estrutural-
funcionalismo. O sistema social na sua globalidade é entendido como um organismo cujas
diferentes partes desempenham funções de integração e de manutenção do sistema. A
natureza organísmica da abordagem funcionalista toma como estrutura o organismo do ser
vivo, composto de partes, e no qual cada parte cumpre seu papel e gera o todo, torna esse
todo funcional ou não.
Entre alguns modelos de funções, temos o de Wright, o de Lasswell e o de
Lazarsfeld-Merton.
Wright apresenta a seguinte estrutura conceitual, de acordo com o qual deve-se
articular:
as funções
e disfunções
⇒latentes e
manifestas
⇒das transmissões ⇒que dizem respeito à sociedade,
aos grupos, ao indivíduo, ao
sistema cultural
Lasswell7 apresenta as seguintes funções:
• vigilância (informativa, função de alarme)
• correlação das partes da sociedade (integração)
• transmissão da herança cultural (educativa)
Lazarsfeld e Merton8 apresentam outras funções:
• atribuição de status (estabilizar e dar coesão à hierarquia da sociedade)
• execução de normas sociais (normatização)
• disfunção narcotizante
A hipótese dos “usos e funções” é um setor de análise específico sobre os efeitos
dos meios de comunicação de massa que foi diretamente influenciado pelo paradigma
funcionalista. Enquanto as funções se referem a conseqüências de certos elementos
regulares, estandardizados e rotinizados do processo comunicativo, as necessidades se
relacionam à apropriação dos espectadores e determinariam um certo “uso” que estes
fariam do material veiculado na mídia, procurando satisfazer suas necessidades. 7LASSWELL, H. A estrutura e a função da comunicação na sociedade. In: COHN, G. (org). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Nacional, 1978.8LAZARSFELD,P. e MERTON, R. Comunicação de massa, gosto popular e ação social organizada. In: COHN, G. (org). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Nacional, 1978.
1.1.3. A formalização do processo
1.1.3.1. A Teoria Matemática da Comunicação
Uma terceira perspectiva que pode ser identificada é a que se preocupa com a
formalização do processo comunicativo. A Teoria Matemática da Comunicação, ou Teoria
da Informação - como também é conhecida - é, na verdade, uma sistematização do processo
comunicativo a partir de uma perspectiva puramente técnica, quantitativa, elaborada por
dois engenheiros matemáticos, Shannon e Weaver, em 1949. Constitui, portanto, um estudo
de engenharia da comunicação.
Weaver9, descrevendo trabalho realizado por Claude Shannon, apresenta a seguinte
representação de um sistema de comunicação:
Fonte de informação ⇒ Transmissor ⇒ Canal ⇒ Receptor ⇒ Destino
sinal ruído sinal
A comunicação é apresentada como um sistema no qual uma fonte de informação
seleciona uma mensagem desejada a partir de um conjunto de mensagens possíveis,
codifica esta mensagem transformando-a num sinal passível de ser enviada por um canal ao
receptor, que fará o trabalho do emissor ao inverso. Ou seja, a comunicação é entendida
como um processo de transmissão de uma mensagem por uma fonte de informação, através
de um canal, a um destinatário
A problemática gira em torno de duas questões que se colocam à comunicação: a da
complexidade em oposição à simplificação; e a da acumulação do conhecimento em
oposição à racionalização dessa acumulação.
Alguns conceitos correlatos são trabalhados por esta teoria. A noção de informação
(ligada à incerteza, à probabilidade, ao grau de liberdade na escolha das mensagens), de
estropia (a imprevisibilidade, a desorganização de uma mensagem, a tendência dos
9WEAVER, W e SHANNON, C. “A Teoria Matemática da Comunicação”. In: COHN, G. (org). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978.
elementos fugirem da ordem), o código (que orienta a escolha, atua no processo de
produção da mensagem), o ruído (interferência que atua sobre o canal e atrapalha a
transmissão), e a redundância (repetição utilizada para garantir o perfeito entendimento).
Todos esses conceitos e os elementos do processo são encaixados em teoremas que utilizam
matrizes e logaritmos num estudo puramente matemático e quantitativo. O objeto de
estudo, pois, é a transmissão de mensagens através de canais mecânicos, e o objetivo é
medir a quantidade de informação passível de se transmitir por um canal evitando-se as
distorções possíveis de ocorrer neste processo.
A comunicação é vista, aqui, não como processo, mas como sistema, com elementos
que podem ser relacionados e montados num modelo. A proposta é de um modelo linear,
em que os elementos são encadeados e não podem se dispor de outra forma - enrijecimento
da apreensão do fenômeno comunicativo, com sua cristalização numa forma fixa.
1.1.3.2. O modelo de Lasswell
Uma outra tentativa de formalização do processo comunicativo é o modelo
lasswelliano que representa , ao mesmo tempo, uma sistematização orgânica, uma herança
e uma evolução da Teoria Hipodérmica. Teve, ainda, uma grande influência em toda a
communication research, permanecendo durante muitos anos como uma verdadeira teoria
da comunicação e servindo de paradigma para as duas tendências de pesquisa - opostas -
que se seguiram à Teoria Hipodérmica.
Elaborado nos anos 30 e proposto em 194810, o modelo de Lasswell problematiza - e
soluciona - a questão apontando que “uma maneira conveniente para descrever um ato de
comunicação consiste em responder às seguintes perguntas:
Quem? Diz o quê? Em que canal? Para quem? Com que efeito?”
Esse modelo formaliza a estrutura, torna-a rígida e, a partir da decomposição dos
elementos, abriu caminho para que os estudos científicos do processo comunicativo
10LASSWELL, H. “A estrutura e a função da comunicação na sociedade”. In: COHN, G. (org). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978.
pudessem concentrar-se em uma ou outra dessas interrogações. Qualquer uma dessas
variáveis define e organiza um setor específico de pesquisa.
A fórmula de Lasswell possui uma estreita ligação com o outro modelo
comunicativo dominante na communication research, o da Teoria da Informação, de
Shannon e Weaver. Os dois modelos se caracterizam pela unidirecionalidade, a definição
de papéis, o congelamento e simplificação do processo. Se, no caso da Teoria da
Informação, a preocupação incide sobre a eficácia do canal - cálculo da quantidade de
informação, entropia, ruído -, na “questão-programa” de Lasswell o centro do problema
está nos efeitos, e a ênfase sobre a técnica é menor.
É possível identificar, portanto, tendências distintas nos estudos sobre a
comunicação de massa realizados nos Estados Unidos. Em alguns pontos, elas se
identificam: o fato de serem estudos pontuais, que promovem uma fragmentação do
processo, uma decomposição dos elementos, a partir de uma ênfase pragmática ligada ao
aumento da eficácia; uma dinâmica unidirecional, com clara divisão de papéis; a
simplificação e a conseqüente distorção da realidade complexa do processo comunicativo.
Enfim, pode-se dizer que o ponto comum de todos os estudos é a mesma concepção de
fundo, que é aquela apresentada de forma sistematizada pela Teoria Matemática e pela
“questão programa” de Lasswell.
O estudo dos efeitos nasce de uma preocupação comercial, centrada nos indivíduos,
numa linha psicológica-behaviorista. Sua primeira formulação teórica consiste na teoria
hipodérmica, centrada nos efeitos sobre os indivíduos, e tendo como pano de fundo o
conceito de sociedade de massa. A partir dela se desencadeiam estudos que promovem sua
evolução: de um lado, os estudos de persuasão que buscam fatores ligados à audiência,
através das características psicológicas dos receptores, e dos fatores ligados às mensagens.
De outro lado, a percepção das mediações sociais, na elaboração da teoria dos
efeitos limitados, a primeira a perceber o enraizamento dos processos, ao propor que os
efeitos não podem ser atribuídos somente à esfera do indivíduo, mas na rede de relações
que ele estabelece. Os meios de comunicação dependeriam de uma complexa trama de
influências pessoais e sociais.
O estudo das funções já se origina de uma preocupação ética, cuja perspectiva é a
sociedade, o “corpo social”, e a linha de estudos é a estrutural-funcionalista. O
funcionalismo pretende elaborar estudos globais, genéricos, voltados para o todo social,
com fundamento no modelo organísmico - cuja base é o modelo biológico. A função é o
papel que os elementos culturais e sociais desempenham na sociedade, baseada na relação
de um processo com as necessidades do organismo, ou, melhor ainda, na relação das partes
com o todo.
Por fim, a terceira vertente é a da Teoria Matemática, cuja linha é a da engenharia
de comunicação. Sua preocupação é com a otimização dos canais, a eficácia total. Seu
modelo matemático acabou se tornando paradigma de análise para os demais estudos
americanos.
1.2. A Teoria Crítica
Paralelamente, na Europa, quase ao mesmo tempo em que se disseminava a
pesquisa administrativa norte-americana, uma outra corrente de estudos se desenvolvia.
Trata-se da Teoria Crítica - nome dado ao conjunto de estudos e proposições elaborados na
Europa - particularmente pelos investigadores do Institut für Sozialforschung, ou Escola de
Frankfurt - e que em muito diferiam do rumo que a pesquisa norte-americana estava
tomando na época.
Os investigadores da Escola de Frankfurt - Adorno, Marcuse e Horkheimer, entre
outros - caracterizavam-se por serem mais acadêmicos, envolvidos com uma concepção
teórica global da sociedade e nitidamente influenciados por Marx e Freud.
Se, nos Estados Unidos, predominava a chamada “pesquisa administrativa” com os
estudos funcionalistas e a corrente dos efeitos, na Europa a Escola de Frankfurt procurava
consolidar-se como uma perspectiva mais crítica, a partir de uma avaliação mesmo da
construção científica e ao papel ideológico que as ciências estariam prestando ao sistema
capitalista. Crítica, pois, à ciência, ao pensamento positivista, à sociedade industrial, e à
cultura, são os marcos dessa teoria cujas influências teóricas mais destacadas seriam Marx,
Freud, Hegel, Kant, Nietzche e Schopenhauer.
Enquanto a pesquisa administrativa promovia estudos pontuais, com a fragmentação
do processo, a Teoria Crítica buscava uma crítica da sociedade como um todo, num
caminho inverso ao das disciplinas setoriais, que estariam desempenhando uma “função de
manutenção da ordem social existente”.
A identidade da Teoria Crítica liga-se à utilização dos pressupostos marxistas e de
alguns elementos da psicanálise, na análise das temáticas novas que as dinâmicas sociais da
época configuravam - o totalitarismo, a indústria cultural, etc - numa preocupação com a
superestrutura ideológica e a cultura. Assim, não se pode dizer que o tema dessa corrente
sejam os meios de comunicação de massa, mas que, entre os vários assuntos abordados por
esta escola, os mais próximos a este tema seriam aqueles relativos à indústria cultural -
marcados pelo enfoque da manipulação.
Não se pode, ainda, perder de vista todo o contexto histórico no qual os estudos de
Frankfurt se desenvolvem. A Alemanha vivendo a crise do pós-guerra, a Revolução Russa
vitoriosa, o movimento operário alemão rechaçado, e o nazismo que começava a se firmar.
tudo isso incidia de forma decisiva nas idéias dos jovens judeus marxistas Adorno, Marcuse
e Horkheimer.
O termo Indústria Cultural foi utilizado pela primeira vez por Adorno e
Horkheimer11, para substituir o termo “cultura de massa”, que poderia ser enganoso, isso é,
poderia levar a se pensar que se tratava de uma cultura vinda espontaneamente das massas,
de uma forma contemporânea de arte popular. Para a Teoria Crítica, a Indústria
Cultural seria resultado de um fenômeno social observado nas décadas de trinta e quarenta,
em que filmes, rádios e semanários constituem um sistema harmônico no qual os produtos
culturais são feitos adaptados ao consumo das massas e para a manipulação dessas mesmas
massas. Wolf12apresenta alguns dos tópicos mais importantes desenvolvidos pelos teóricos
de Frankfurt:
1.2.1. A Indústria Cultural como sistema
11ADORNO, T. e HORKHEIMER, M. Dialetik der Aufklärung. Amsterdã: 1947. Conforme ADORNO, T.W. A indústria cultural. In: COHN, G. (org). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Nacional, 1978, pp. 287-29512WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1987, pp 71-80.
A Indústria Cultural corresponde a um sistema em que os vários produtos culturais
se conjugam harmonicamente. Essa integração é deliberada e produzida “do alto”, pelos
produtores, com a determinação do tipo e da função do processo de consumo.
Entre algumas características, destacam-se a estandardização e a organização, os
estereótipos e a baixa qualidade, que seriam impostos pelo gosto do público. A lógica que
comanda todo esse processo operativo que integra cada elemento é a lógica do lucro: o
objetivo da obra cultural deixa de ser a criação de algo novo, e passa a ter por tarefa
agradar, vender bem.
Uma das estratégias de dominação, por parte da Indústria Cultural, seria a
estereotipização, com a divisão dos produtos em gêneros: o terror, a comédia, o romance, a
aventura. A partir dela se consegue definir um modelo de atitude do espectador, um modo
como o conteúdo será percebido. O objetivo é garantir o triunfo do capital investido na
produção desses bens culturais.
A Indústria Cultural tem de ser, ainda, entendida como um sistema
multiestratificado, de significados sobrepostos. Ou seja, há mensagens explícitas e outras
ocultas. O objetivo é seduzir os espectadores em diferentes níveis psicológicos. Essa
característica é que faz com que ela se assemelhe aos credos totalitários.
1.2.2. O indivíduo na era da Indústria Cultural
Para a Escola de Frankfurt, os indivíduos sob a ação da Indústria Cultural deixaram
de ser capazes de decidir autonomamente, passando a aderir acriticamente aos valores
impostos, dominantes e avassaladores difundidos pelos meios.
Analisando o que chamou “música ligeira”, Adorno identifica uma repetição com tal
intensidade de certas músicas que elas deixam de ser um momento específico de
distanciamento do mundo, de contemplação de algo novo, para tornarem-se um elemento
presente a todo momento, incapaz de produzir o estranhamento - necessário para a criação
da “aura” de que fala Benjamin -, instaurando uma reação mais ligada ao automatismo, de
consumo irreflexivo da obra cultural. O resultado desse processo é o desmoronamento da
individualidade, que é substituída pela pseudo-individualidade, justamente essa adesão
irreflexiva aos valores que a Indústria Cultural propaga.
Uma das limitações dessa teoria é, justamente, tratar a mentalidade das massas
como algo imutável, tratar os indivíduos como completamente desprovidos de autonomia,
consciência e capacidade de julgamento. A Indústria Cultural, com seu “canto sedutor e
destrutivo”, impede a formação de homens autênticos, atrai para a “morte do espírito”.
1.2.3. A qualidade do consumo dos produtos culturais
Na época em que a Escola de Frankfurt realizava seus estudos, iniciava-se a
propagação do filme sonoro, enquanto a “música ligeira” substituia gradativamente a
música clássica no gosto dos ouvintes.
Em relação aos filmes, a crítica é de que eles paralisam a imaginação e a
espontaneidade pela sua própria constituição - a velocidade da seqüência de fatos impede a
atividade mental. Os filmes são construídos propositadamente para o consumo
descontraído, não comprometedor, e aquilo que exige perspicácia intelectual, trabalho,
postura de contemplação, é evitado.
Como exemplo, Adorno compara um romance de Dumas - onde a moral da história
é entrecruzada por enredos secundários, temas proliferantes, jogo narrativo - com um
romance policial no qual se tem certezas absoluta sobre o final, e no qual a tensão gerada é,
pois, superficial.
Além disso, na música clássica todos os elementos de reconhecimento são
organizados numa totalidade única, na qual adquirem seu sentido - como numa poesia, em
que a palavra adquire seu sentido a partir da totalidade e não a partir de sua utilização
cotidiana. Exige-se, aí, um certo trabalho, um certo “debruçar-se sobre”, não num processo
de adivinhação, mas de confronto entre aquilo que se reconhece e a totalidade, num
movimento que gera o novo, a criação.
Na música ligeira, o processo é diferente. A relação entre o que se reconhece e o que
é novo é destruída, fazendo com que o reconhecimento torne-se apenas o fim, e não o meio.
Reconhecimento e compreensão coincidem. Não há algo de novo a ser extraído a partir do
processo de compreensão.
Isso seria a “perda de expressividade”, o “easy listening”, a difusão de um tipo de
cultura que não exige uma interiorização, um monólogo interior (como é o caso da música
clássica, por exemplo, em que o trabalho de compreensão é feito a partir de um
“emsimesmar-se”, um confronto daquilo que se está ouvindo e nosso “mundo interior”),
mas, antes, traz a compreensão pronta, acabada, a partir do reconhecimento, que sempre
será instantâneo. Compreender a música ligeira não exige nada, nem trabalho, nem postura
de contemplação, nem conhecimentos anteriores.
Aí está a ideologia da Indústria Cultural, que é orientar as mercadorias culturais
segundo o princípio de sua comercialização, transferindo a motivação do lucro à criações
espirituais. Para tanto, utiliza-se de técnicas industriais de distribuição e reprodução
mecânica, na configuração de um modo de produzir em série, racionalizado e acessível às
massas.
1.3. A Escola Francesa
Também denominada “Teoria Culturológica”, esse ramo de estudos desenvolvidos
na França tem seu marco inicial na obra “Cultura de massa no século XX: o espírito do
tempo”, de Edgar Morin. Trata-se de uma outra área de interesses e reflexões cujo objeto de
estudo são, também, os meios de comunicação, mas não a partir dos seus efeitos sobre o
público, mas na identificação de uma nova forma de cultura na sociedade contemporânea, a
cultura de massa, gerada essencialmente a partir dos mass media.
Para Morin, cultura seria um sistema constituído de valores, símbolos, imagens e
mitos que dizem respeito quer à vida prática quer ao imaginário coletivo, compondo toda
uma dimensão simbólica que permite aos indivíduos se localizarem no grupo, que formam
uma espécie de “atmosfera”, e que permeia a inserção dos sujeitos no mundo.
Nesse sentido, e contrastando com a Teoria Crítica, a cultura de massa seria, sim,
uma cultura, que convive com os demais sistemas culturais numa realidade contemporânea
que se caracteriza por ser policultural. A relação entre essas culturas, porém, não é gratuita.
A cultura de massa, por suas potencialidades, corrompe e desagrega as outras culturas, que
não saem, pois, imunes ao contato com a cultura industrializada.
É a questão da industrialização da cultura o tema central em Morin. A cultura de
massa se caracteriza por ser produzida segundo as normas de fabricação industrial,
propagada por técnicas de difusão maciça, e destinada a uma massa social.
Mais uma vez contrastando com a Teoria Crítica, Morin não vê a indústria cultural
como um sistema harmonioso, construído do alto para a manipulação dos homens. Nesse
sentido é possível falar que, na França, tratava-se do mesmo tema que a Escola de
Frankfurt, mas de um outro lugar teórico, de uma perspectiva diferente que buscava dar
conta da complexidade. Essa contradição de expressa em duas contradições do sistema
industrial que atinge a cultura: uma, no âmbito da produção e outra, no âmbito do consumo.
1.3.1. O modelo burocrático-industrial de produção
A produção cultural, uma vez inscrita numa estrutura industrial de produção, vê-se
organizada a partir de uma concentração técnica e burocrática, que exige padronização,
uniformização da produção. Contudo, essa exigência vai sempre se chocar com uma
exigência oposta, própria da natureza do consumo cultural, que quer sempre um produto
individualizado, personalizado, e sempre novo, original. O funcionamento da indústria
cultural teria sempre de operar com essas duas tendências, e o que tornaria possível a
organização burocrático-industrial da cultura é a própria estrutura do imaginário do público
consumidor, formado por arquétipos, dos quais a indústria cultural se utiliza,
estereotipando-os.
A divisão do trabalho, a exigência do mercado e a racionalização do lucro
concretizam um condicionamento forte ao tipo de produto, que se torna muito diferente das
dinâmicas culturais distintas da cultura de massa, mais espontâneas, mais ligadas à idéia de
“finalidade sem um fim”, conforme a filosofia estética tradicional define a arte.
1.3.2. O grande público consumidor
Se a lógica do sistema industrial é a do máximo consumo, a indústria da cultura tem
de gerar produtos que atendam a um grande número de pessoas, ou ao “homem médio
universal”, espécie de denominador comum, traço médio universal dos consumidores. É
através da homogeneização, do sincretismo, que se consegue quebrar as diversas barreiras
culturais numa padronização cosmopolita.
Nesse momento, surge uma nova contradição, a dialética produção-consumo. A
cultura de massa não é nem imposta - no sentido de adequar-se totalmente às exigências de
produção - nem reflete as necessidades e desejos culturais do público, na medida em que
promove uma padronização através do sincretismo. A cultura de massa se adequa a esses
desejos, às aspirações, tornando-se local de auto-realização, de concretização daquilo que é
suprimido na “vida real”.
Tem-se, assim, a criação de um novo público, cujo consumo homogeneizado cria
uma identidade de valores (de consumo), veiculados pelos meios de comunicação de massa.
Há um nivelamento das diferenças sociais, como parte da padronização dos gostos. O
público consumidor dialoga com a produção numa proporção muito desigual, como a de
um mudo com um prolixo.
A análise de Morin ambiciona ser uma sociologia da cultura contemporânea. Mais
que propor uma sistemacidade própria, a reivindicação da “Teoria Culturológica” foi a de
um comportamento mais empírico, menos vago e generalizante, em relação aos problemas
da indústria cultural13.
Um outro autor que, embora em muitos aspectos distinto de Morin mas que, como
ele, se insere na chamada “Escola Francesa”, é Abraham Moles. A partir de uma
abordagem também “culturológica”, ele define a “cultura de mosaico” em contraposição à
cultura antiga, identificando, como Morin, a existência de duas camadas sociais: a do
público consumidor - passiva, apenas alimentada pelos meios de comunicação de massa - e
a dos criadores, que definem os conteúdos a serem difundidos.
Quando se fala na Escola Francesa, se o destaque normalmente recai sobre a
abordagem de cunho estruturalista da cultura de massa - como a de Morin e Moles -, é
importante perceber ainda uma outra vertente de estudos, a das análises semiológicas dos
produtos culturais, da qual Roland Barthes é o principal representante. Essa tendência será
apresentada no item que trata do enfoque semiótico.
1.4. A Escola de Birmingham
13Conforme coloca WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1987, p 92.
A perspectiva dos Cultural Studies reúne os trabalhos desenvolvidos em torno do
Centro de Estudos da Cultura Contemporânea da Escola de Birmingham. Como a Escola
Francesa, essa perspectiva não tem como centro da preocupação os meios de comunicação
de massa, mas a cultura.
Como objetivos das investigações deste grupo, é possível distinguir o estudo da
cultura contemporânea e a articulação entre meios de comunicação de massa, cultura e
estrutura social - entendendo-se o espaço dos meios de comunicação como lugar central de
produção da cultura. A Escola de Birmingham insere-se, de forma específica, na tendência
a se considerar as estruturas sociais e o contexto histórico enquanto fatores essenciais para
se compreender os meios de comunicação de massa. Seus investigadores atribuem uma
importância central às estruturas globais da sociedade e às circunstâncias concretas.
Os estudos ingleses partem de uma redefinição do que se entende por cultura,
rompendo com os pressupostos marxistas que enxergavam a cultura apenas como
pertencente ao campo das idéias, que seria reflexo das relações de produção, da estrutura
econômica - de acordo com a clássica dicotomia mecânica entre infra-estrutura e super-
estrutura.
Para Stuart Hall, a “cultura não é uma prática, nem é simplesmente a descrição da
soma dos hábitos e costumes de uma sociedade. Passa por todas as práticas sociais e é a
soma de suas inter-relações”14. Raymond Williams apresenta a cultura como um resumo das
representações e valores através dos quais as sociedades atribuem sentido às suas
experiências comuns. Nesse sentido, ela perpassa todas as práticas sociais, formando um
“grupo de sentimento”, uma forma da sociedade entender determinado objeto ou fenômeno
de uma forma específica.
Nessa redefinição de cultura - que passa a ter um papel muito mais instituinte do
que o de mero reflexo ou resíduo da esfera econômica - evidencia-se uma crítica às análises
mercadológicas da cultura de massa (pois a questão da lógica do lucro, da dinâmica
econômica, não é suficiente para explicar a cultura de massa), às teorias conspirativas (que
imaginam um grande complô, uma estrutura montada, um grande projeto de dominação a
partir dos meios de comunicação de massa) e às concepções “paternalistas” (que pensavam
14Apud WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1987, p 94.
os meios de comunicação como espaços de educação da sociedade, de esclarecimento, de
transmissão dos bons valores - a partir de uma preocupação ética).
É a presença da noção de experiência - principalmente em E.P. Thompson - que
diferencia os estudos ingleses dos franceses. Aos invés de apreender a cultura de massa
como uma estrutura com uma lógica interna que leva à sua reprodução, como faz Morin, os
estudiosos de Birmingham privilegiaram as atitudes dos indivíduos, o papel dos sujeitos,
das estruturas sociais. Ou seja, as estruturas sociais exteriores aos meios de comunicação de
massa também determinam os conteúdos e, por isso, são elementos essenciais na análise.
A dinâmica cultural seria um processo flexível, dinâmico e tomado por
contradições. Por um lado, a esfera da produção representa um sistema complexo de
práticas determinantes para a elaboração da cultura. Por outro, os consumidores
representam sujeitos que realizam uma negociação entre práticas comunicativas
extremamente diferenciadas.
Ao propor um tipo de investigação no qual o estudo dos meios de comunicação não
pode ser dissociado do contexto, a Escola de Birmingham elabora um outro “modelo de
transmissão da cultura”. Não se poderia mais, por exemplo, falar em “aperfeiçoamento” do
público, por parte da mídia, mas de um “envolvimento”. Também já não é mais possível
distinguir o público em termos de “elite” e “massa”. A dinâmica cultural das sociedades
contemporâneas promove uma mistura, uma integração, não no sentido de manipulação,
mas na idéia de uma mesma cultura que envolve a todos.
1.5. Agenda Setting
Uma das novas perspectivas da Escola Americana, também conhecida como função
de Agendamento ou Estudo dos Efeitos a Longo Prazo, trata-se mais de uma hipótese do
que de um corpo teórico estruturado. A temática central é a dos efeitos, mas tem-se, aqui,
uma reformulação no tipo de concepção que vinha sendo desenvolvida até então.
Em primeiro lugar, a idéia de efeitos enquanto mudanças a curto prazo cede lugar a
uma noção de conseqüências de longo prazo. A comunicação de massa não tenderia a
intervir diretamente no comportamento, mas influenciar o modo como o destinatário das
mensagens mediáticas organiza seu conhecimento do mundo.
Ou seja, já não se tem mais os meios de comunicação como dotados de um poder
absoluto, determinando efeitos diretos. A natureza dos efeitos é outra, não mais comprar
determinado produto ou votar em determinado candidato, formar valores ou definir
atitudes, mas é a alteração da estrutura cognitiva. A prática dos meios de comunicação
interfere no conhecimento que as pessoas têm da realidade, configurando um novo “estar
no mundo”.
Daí poder-se definir a problemática central do Agenda Setting como a relação entre
a ação dos meios e o conhecimento da realidade social. O que marca uma certa orientação,
nos estudos da comunicação, das verificações e dos postulados da sociologia do
conhecimento.
O quadro temporal da ação dos meios também é alterado. A idéia de efeito imediato
é substituída pela de efeitos a longo prazo, o que vem a colocar a questão como um
processo. Abandonou-se, também, o domínio dos efeitos intencionais, em que a
comunicação de massa buscava atingir determinados objetivos, para se colocar os efeitos
como latentes, implícitos, indo se somar ao patrimônio cognitivo do público.
Os meios de comunicação propiciam, portanto, novas condições de experiência, e
atuam no sentido de fornecer os temas de discussão na sociedade e as categorias para
pensar esses temas, as referências para o enquadramento. Além disso, os pesquisadores
envolvidos com essa abordagem perceberam que não há homogeneidade no quadro
apresentado pela mídia, mas uma diversidade - além da contraposição entre o conteúdo
assimilado pelos meios e a experiência concreta das pessoas.
1.6. As formulações de McLuhan
Tratando a questão do condicionamento ideológico, Marshall McLuhan, mais um
ensaísta do que um teórico, desenvolveu trabalhos na década de 60 que influenciaram o
rumo dos estudos sobre a comunicação de massa à época. Pouco depois McLuhan foi
esquecido e muito pouco de sua obra foi aproveitado nas pesquisa, até que, recentemente,
vem sendo recuperado em alguns de seus postulados.
Uma de suas idéias é a de que os meios são extensões do homem. Embora não tenha
sido o primeiro a escrever sobre isso, McLuhan situa a problemática no âmbito dos meios
de comunicação de massa, percebendo que a presença dos meios configura uma nova forma
de estar no mundo por parte dos homens.
Uma segunda questão aponta que a história da humanidade seria a história dos
meios de comunicação. Ao fazer isso, o autor apresenta os meios de comunicação como tão
essenciais na estruturação da vida coletiva, que propõe uma divisão da história da
humanidade baseada neles. Tem-se, pois, a fase da pré-escrita, da escrita e da pós-escrita. E
a comunicação seria o determinante de todas as demais esferas da atividade humana, com
um papel central na configuração da vida social.
O professor canadense elabora, ainda, uma classificação dos meios, de acordo com
sua natureza. Os meios “quentes” seriam aqueles que se dirigem a apenas um sentido,
saturando esse sentido e não abrindo espaço para ser preenchido. Os meios “frios” são os
que se dirigem a mais de um sentido, deixando espaço para a imaginação completar o que
não foi saturado, permitindo a distração. Os problemas dessa divisão aparecem quando se
tenta classificar os meios particularmente: o rádio, o cinema, o livro, o papel, a conferência
e a valsa são alguns exemplos de “meios quentes”. O telefone, a televisão, o diálogo, o
twist e o jazz seriam alguns dos “meios frios”.
O ponto mais importante em McLuhan é a tese de que “o meio é a mensagem”.
Tem-se, aqui, uma grande crítica às análises do conteúdo dos meios. Para McLuhan, é a
presença de um determinado meio, por si só - ou seja, independentemente do conteúdo que
veicula -, que traz modificações na vida das pessoas. É uma mudança de escala, de
dimensões, que provoca novas sensibilidades, novas inserções do homem na realidade. Essa
natureza nova que o meio cria seria a mensagem, isso é, seria o “conteúdo” central a ser
trabalhado nos estudos sobre a comunicação de massa.
1.7. O Interacionismo Simbólico
O Interacionismo Simbólico diz respeito a uma corrente de estudos da Escola
Americana, que se origina com Herbert Mead, professor da década de 20, cujos herdeiros
mais representativos são Blumer, da Escola de Chicago - que, num artigo de 1969,
denomina a herança de Mead de Interacionismo Simbólico -, Kuhn, da Escola de Iowa, e
Goffman.
Mead se opunha à dicotomia existente entre as noções de sociedade e indivíduo e
entre sociologia e psicologia. Sua proposta apontava para a convergência entre indivíduo e
sociedade, que aconteceria na comunicação. Sociedade, indivíduo e mente seriam três
entidades indissociáveis, que comporiam o ato social.
Blumer15, desenvolvendo os pressupostos do Interacionismo Simbólico, elabora três
premissas:
• o comportamento humano fundamenta-se nos significados dos elementos do mundo
• a fonte dos significados é a interação social
• a utilização dos significados ocorre através de um processo de interpretação
Tal abordagem privilegia a interação como elemento constituinte, fundante, que
forma os comportamentos. A natureza dos objetos do mundo é social, uma vez que seus
significados são formados a partir de formas de interpretar ditadas pela sociedade e da
interpretação dos sujeitos, moldada no dia-a-dia, no cotidiano. O espaço do “nascimento”
dos significados - a interpretação dada pela sociedade e a promovida pelo sujeito - é a
comunicação, a interação entre sociedade e indivíduo.
Há, ainda, outras implicações metodológicas surgidas com essas três premissas.
Uma delas é a visão do ser humano como sujeito, agente, capaz de interpretar, de
simbolizar. Outra é a referência ao mundo empírico, rejeitando os estudos presos a
modelos, esquemas, com a percepção do dinamismo da construção simbólica: se o
encadeamento das ações segue uma certa previsibilidade dada pelo social, a dimensão da
experiência faz com que cada ato tenha um componente novo, há uma “reviviscência” de
ações pré-estabelecidas. Algo é sempre acrescentado pelo sujeito concreto que vivencia
aquele ato e pelo momento específico em que acontece. As análises sob o prisma do
Interacionismo Simbólico são, dessa forma, particularizadas: ao se repetir cada experiência,
ela traz elementos novos. É um tipo de investigação que conduz à análise de casos
concretos.
Se a ação é calcada nos significados que as pessoas imprimem naquilo que estão
fazendo, o significado é fundamental para interpretar a ação dos sujeitos. Se os significados
provêm da interação, eles não são nem inerentes ao objeto, nem estão apenas na mente das
pessoas. Há elementos objetivos no objeto que favorecem a criação de determinadas 15BLUMER, H. “A natureza do interacionismo simbólico”. In: MORTENSEN, C.D. Teoria da comunicação: textos básicos. São Paulo: Mosaico, 1980, pp. 119-138.
imagens, mas esses elementos não representam a totalidade do simbólico. Há uma
dimensão que é própria de quem está atribuindo o sentido Por fim, se o homem é vivo, é
pensante, é capaz de interpretar, os significados são sempre refeitos pelo processo
interpretativo.
1.8. O Imperialismo Cultural
Muitas teorias se utilizaram da Teoria Crítica, se não como influência ou proposta
de modelo a ser seguido, pelo menos como abordagem a ser criticada. Porém, em alguns
casos, é possível se notar uma nítida influência, em construções que se utilizam da mesma
concepção norteadora dos estudos frankfurtianos - a Indústria Cultural como um sistema
para a manipulação do público, como a forma de domínio das sociedades altamente
desenvolvidas - para elaborar construções teóricas localizadas.
A Teoria do Imperialismo Cultural se desenvolve na América Latina, a partir da
década de 60, como aplicação específica da idéia de dominação pelos meios de
comunicação de massa. Entre seus principais teóricos, destacam-se Armand Mattelart e
Schiller, entre outros16, que elaboram análises de crítica ideológica.
O Imperialismo Cultural constitui a ofensiva ideológica do imperialismo na
América Latina, que substitui, gradualmente, a divisão do trabalho como meio de
penetração imperialista. Esse Imperialismo Cultural tem por objetivo a “conquista de
corações e mentes”, e se caracteriza por mudar de forma e conteúdo de acordo com as fases
de expansão política e econômica, e por se adaptar a diferentes realidades e contextos
nacionais.
O pano de fundo do desenvolvimento dessa teoria é a percepção de uma “luta
internacional de classes”, a existência de uma guerra psicopolítica, a noção de hegemonia e
até mesmo um pouco da percepção daquilo que Rodrigues17 chamou de “ideologia
comunicacional de nosso tempo”.
16A identificação da Teoria do Imperialismo Cultural realizada aqui tem por base o texto MATTELART, A. O imperialismo cultural na era das multinacionais. In: WERTHEIN, J. (org). Meios de comunicação: realidade e mito. São Paulo: Nacional, 1979, pp. 105-128.17RODRIGUES, A. Comunicação e cultura: a experiência cultural na era da informação. Lisboa: Presença, 1993, pp. 13-15.
Mas o grande fenômeno histórico que orienta a elaboração dessa teoria é a expansão
das multinacionais (daí a designação “era das multinacionais”) e a concentração, nestas, de
empreendimentos culturais, militares, econômicos e políticos - isso é, as tarefas que antes
eram executadas por diferentes órgãos do governo americano passaram a ser executadas
unicamente pelas empresas multinacionais. Estas, em “aliança” com o Estado norte-
americano - constituindo um “agente duplo camuflado” - passaram a ser, ao mesmo tempo,
agentes de penetração econômica, de propaganda ideológica e agentes da Ordem.
É a partir desse momento que estaria havendo uma racionalização dessa “conquista
de corações e mentes”: os produtores da cultura de massa18 começam a levar em conta os
interesses específicos e necessidades de cada faixa etária e cada categoria social; adota-se
uma nova estratégia, a da “ação não ostensiva”.
A preocupação com o fluxo mundial de comunicação foi a tônica das décadas de 60
e 70. A UNESCO financiou diversas pesquisas nesse sentido, encampando a Nova Ordem
Informativa Internacional. Simultaneamente, a CIESPAL debruçava-se sobre a dominação
na América Latina, configurando estudos com forte rejeição ao estilo americano e marcada
influência marxista.
1.9. O enfoque semiótico
A Semiótica constitui um campo autônomo de estudos, composto por diversas
perspectivas, que se desenvolvem de forma paralela à Teoria da Comunicação. Por si só,
ela representa um complexo âmbito de estudos que não se preocupam nem com o processo
comunicativo como tal ou com a relação comunicação-sociedade; o centro da preocupação
é a mensagem.
Recentemente, promoveu-se uma identificação desse setor específico de
investigações com a Teoria da Comunicação, na busca de uma interseção, de um terreno
comum. Para ambas, isso representou um redirecionamento de propostas e metodologias.
Um dos campos específicos que compõem a perspectiva semiótica é a Lingüística
Estrutural, o estudo da língua enquanto um grande sistema organizado, uma estrutura
determinante, que tem origem em Saussure e Jakobson. Essa perspectiva se manifesta, entre 18Cultura de massa, para Mattelart, seria a “cultura universal que favorece a expansão da influência americana, contribuindo para a escravidão da consciência nacional”.
outros, na antropologia - a partir dos estudos de Lévi-Strauss sobre comunidades primitivas
- e na comunicação - nos estudos de Violette Morin e nos primeiros trabalhos de Jean
Baudrillard.
Um outro ramo de investigações se refere às análises de conteúdo, realizadas
principalmente nos Estados Unidos. Tratava-se de estudos que retiravam a mensagem dos
meios que a veiculavam para o estudo de seus elementos, de forma objetiva, sistemática e
num enfoque basicamente quantitativo-operacional (por exemplo, número de vezes que
determinada palavra aparece num texto, espaço dedicado a certo assunto num jornal, etc). O
método de análise consiste na decomposição da mensagem em elementos mais simples a
serem estudados a partir de um conjunto de regras explícitas.
A terceira vertente seria a Semiótica, que centra sua análise no processo de
significação. Na Europa, Roland Barthes é o principal representante desta corrente, a partir
dos estudos de semiologia, enquanto nos Estados Unidos destaca-se Charles Peirce. Todos
os sistemas de signos - e não só a língua - são estudados pela Semiótica, a partir de
unidades significativas, das definições de signo e símbolo, significante e significado, entre
outras, na busca do processo de desencadeamento de sentido, do mecanismo de
significação.
Estas são algumas das possibilidades no estudo das mensagens. As tendências mais
recentes buscam, nas mensagens, elementos do processo comunicativo, na investigação do
processo de significação desencadeado pelo material simbólico veiculado pelos meios de
comunicação de massa.
Wolf19, descrevendo os modelos comunicativos encontradas na Teoria da
Comunicação, descreve dois modelos - o semiótico-informacional e o semiótico-textual -,
elaborados por Eco e Fabbri. O primeiro seria a apreensão do fenômeno comunicativo
enquanto um processo de transmissão linear vinculada ao funcionamento dos fatores
semânticos introduzidos mediante o conceito de código. A informação não seria mais
transmitida de um emissor para um receptor, mas transformada de um sistema para outro,
através do código.
Tal esquema representa a transposição, para o plano da sistematização do processo
comunicativo, da centralidade do processo de significação como especificidade da
19WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1987, p 107-111.
comunicação. O outro modelo também descrito por Eco e Fabbri, o semiótico-textual,
apresenta-se como uma contribuição mais aberta da Semiótica, rejeitando a idéia de
linearidade e propondo a noção de rede textual. É um modelo que vai além da simples
noção de codificação-decodificação para apreender a assimetria dos papéis de emissor e
receptor, e a natureza do que é recebido pelo público: não mensagens individualizadas, mas
conjuntos de práticas textuais.
2. Os paradigmas da Teoria da Comunicação
A disciplina Teoria da Comunicação, do curso de Comunicação Social da UFMG, é
ministrada na graduação (para todas as habilitações) e já há alguns anos consolidou em seu
conteúdo programático um determinado quadro de referência da Teoria da Comunicação -
composto pelos autores e correntes apresentados na primeira parte deste capítulo.
Nesta segunda parte, será apresentado este quadro de referência que permite
visualizar a existência de dois paradigmas dominantes nos estudos sobre a comunicação de
massa: o paradigma informacional e o interacional. É em relação a este quadro que será
analisada a Teoria do Jornalismo, identificada e delimitada no capítulo anterior.
2.1. A influência do paradigma na construção do objeto
Uma teoria se constrói a partir da reflexão, de um “pensar sobre”, e que resulta
numa “idéia sobre”, numa determinada apreensão daquilo que está sendo estudado, uma
determinada apreensão da realidade, materializada num corpo organizado de idéias, de
enunciados.
Uma teoria estabelece um modelo de apreensão, na medida em que se utiliza de um
conjunto de proposições, hipóteses, conceitos e metodologias. Teorias diferentes, que
tenham por referencial concepções diferentes, conceitos diferentes, metodologias
diferentes, podem debruçar-se para estudar uma mesma “coisa”, porém jamais estudarão o
mesmo objeto.
Por “coisa”, devemos entender algo da realidade que tem existência em si mesmo -
seja uma pessoa, um conjunto de pessoas, um objeto material, um fenômeno. Essa “coisa”
torna-se “objeto” a partir do momento em que existe um interesse nessa “coisa”, isso é,
quando alguém se propõe a conhecê-la.
O objeto, assim, está em face do agente, ele possui uma interrelação com o sujeito.
Ou, de acordo com Edgar Morin20, “qualquer que seja o fenômeno estudado, é preciso
primeiramente que o observador se estude, pois o observador ou perturba o fenômeno
observado, ou nele se projeta de algum modo”. Uma vez que a “coisa” a ser estudada é
parte da realidade, e a realidade como tal não pode ser captada pelo ser humano, é no
recorte da realidade que fazemos para definir nosso objeto que está a atuação do sujeito que
se propõe a estudar, a conhecer. Ou seja, o mundo, que a ciência pretende conhecer, não
pode ser apreendido sem a presença e a participação do observador.
Vera França21 apresenta o processo de conhecimento como dotado de duas
dinâmicas: a “abertura para o mundo”, ato de descobrir, de “deixar falar o objeto”, de
deslumbrar-se, estabelecer contato com o novo: e a “cristalização do mundo” , que é a
apreensão da realidade a partir de esquemas já conhecidos.
Um modelo constitui-se na configuração de uma prática. Ele pode ser passado ao
sujeito de uma forma imperceptível ou de forma explícita e reflexiva. No caso dos estudos
científicos, não falamos em modelos, mas em paradigmas, que nada mais são do que
modelos subjacentes que são usados em cada estudo, que orientam o pensamento. O
paradigma é uma espécie de “óculos” do cientista.
Se a “coisa” é parte da realidade e existe por si mesma, o “objeto” pressupõe uma
construção, um recorte da realidade. É aqui que entra o paradigma. Ele não acontece na
realidade e nem é “inventado”; ele é na verdade o resultado do confronto, uma abstração
que é feita a partir de um estudo. O paradigma é resultado de uma observação posterior
sobre a teoria construída, para se perceber que “por trás dos princípios lógicos há
princípios ainda ocultos a que se pode chamar paradigmas”22. São ocultos porque
representam um princípio de organização da teoria, uma apreensão teórica prévia, um
20MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1977, p. 19.21FRANÇA, Vera R. V. “Teoria(s) da Comunicação: busca de identidade e de caminhos”. Belo Horizonte: UFMG, 1994, p. 3.22MORIN, Edgar. “Problemas de uma epistemologia complexa”.
“enquadramento”, um “modelo” subjacente que permeia a atividade reflexiva sobre
determinado objeto - e que pode ser buscado a partir do referido processo de abstração, de
observação posterior.
Os princípios gerais que compõem um paradigma não influenciam só no modelo de
apreensão, na definição de metodologias, na utilização de conceitos, mas também, e
principalmente, na construção do objeto de estudo.
No caso da comunicação, estabeleceu-se uma determinada concepção do que seria a
comunicação, ainda na década de 40, nos Estados Unidos, a partir dos estudos de Shannon
e Lasswell. A construção do objeto comunicação por eles realizada acabou sendo utilizada
pela maioria dos estudos posteriores, a ponto de se poder dizer que eles “naturalizam uma
teoria (legitimam um paradigma)”23 - o chamado “Paradigma Clássico” ou “Paradigma da
Teoria da Informação”.
2.2. O Paradigma Clássico
É no item “A formalização do processo”, da primeira parte deste capítulo, que
podemos encontrar a sistematização do paradigma clássico. É nos modelos desenvolvidos
pela Teoria da Informação e por Lasswell que melhor se expressa, se formaliza, o
paradigma clássico da comunicação.
A essência desse paradigma consiste numa idéia de transmissão. Ele é linear,
unilateral, e estabelece uma divisão clara dos papéis e das funções - cada parte tem lugar e
papel fixo. Separando os elementos e definindo funções claras, ele permite inclusive o
estudo destas partes em separado.
Esse paradigma generalizou-se e tornou-se o modelo dominante em quase todos os
estudos de comunicação, justamente porque é funcional, fácil de encaixar e, de qualquer
forma, clareia o processo.
Entre suas características, está o fato de ser um modelo fechado, que pressupõe um
conhecimento pleno da realidade, definindo tudo o que não se encaixa no modelo como
inexistente. A realidade pode até ser complexa, mas o modelo é simplificador. Além disso,
23FRANÇA, Vera R. V. “O jornalismo e a comunicação”. In: Communication et Socialité: le Journalisme au-delá de l’information. Paris: Universidade de Paris V, 1993 (tese de doutorado).
ele é atemporal, universal, generalizável, rígido - pois permite identificar uma realidade
congelada - e estático - ele não permite alterações durante a execução do estudo.
Um outro aspecto, ainda respeitante à sua aplicabilidade, permite visualizar a
possibilidade de uma descrição rápida e fácil dos processos, com a utilização de uma forma
de apreensão que contradiz o objeto espalhado e atravessado pela vida social. Os aspectos
momentâneos, ocasionais, passageiros, são preteridos em função de um modelo insensível à
dinâmica de construção do momento, pois a forma apreendida já é pré-construída e
institucionalizada.
O processo de significação é tomado como um processo de transferência de sentido,
no qual o fenômeno físico orienta a operação semiótica: o processo de significação se reduz
às funções mecânicas de codificação e decodificação. A mensagem, nesse sentido, é tida
como uma materialidade rígida.
Os interlocutores são apreendidos enquanto agentes técnicos, isolados e de fora da
relação - existe uma tempo do emissor e um tempo do receptor, não é possível se considerar
um tempo partilhado. Essa mesma observação vale para a idéia de espaço, que é excluída
enquanto ambiência comum que penetra a dimensão da comunicação.
Por ter estas características, o paradigma clássico mostrou-se ser de fácil aplicação,
constituindo-se num modelo rápido, planejável e executável com maior rapidez. Muitos
estudos tendiam a ser matemáticos, com estatísticas, percentuais, setas e fluxos. Esse tipo
de concepção representa uma tendência que não se manifestou apenas nos estudos da
comunicação, mas também em outras ciências como a sociologia, a psicologia, a
administração.
2.3. A consolidação do Paradigma Clássico
Toda a tradição de pesquisa desenvolvida nos Estados Unidos a partir da década de
30 se utiliza do chamado Paradigma Clássico. A começar pelos estudos da Teoria
Matemática, os responsáveis pela criação de um modelo de estudo que coloca o processo
comunicativo num sistema com elementos que se combinam numa estrutura.
O trabalho com o processo comunicativo é efetuado em três níveis: o técnico
(relativo à transmissão, ao canal), o semântico (relativo aos conteúdos, às mensagens) e o
pragmático (que diz respeito à influência no destinatário, aos efeitos). Configura-se uma
noção desenraizada, que deixa de fora o fator humano, o contexto social, as operações
semióticas de significação.
Como define Schramm24, “na sua forma mais simples, o processo de comunicação
consiste em um emissor, uma mensagem e um receptor”. É o tipo de concepção de
comunicação dominante na Teoria Hipodérmica: bastaria os meios de comunicação
veicularem algo, para provocar imediatamente um efeito direto no público.
A superação da Teoria Hipodérmica vai acontecendo gradativamente, diminuindo-
se o “poder” dos meios de comunicação, mas o mesmo modelo comunicativo permanece.
Lazarsfeld é um dos que se contrapõe à idéia hipodérmica, propondo que o processo
de influência das pessoas se realiza em relação a outras pessoas e a seu grupo de referência
- seriam os líderes de opinião. É a abordagem empírica dos efeitos limitados: não se trata
mais do efeito direto, mas do “two-step flow of communication”, ou seja, a comunicação se
processando em dois níveis: dos meios de comunicação para os líderes, dos líderes para o
restante do público. Do two-step flow, a percepção das mediações sociais evoluiu para a
idéia de “fluxo em múltiplos estágios”, aumentando a complexidade do modelo
comunicativo.
A incorporação da complexidade se processa ainda mais com o “enfoque
fenomênico” proposto por Klapper25: abre-se caminho para a aproximação fenomênica, a
atenção à experiência, a abertura a fatores extra-media que devem ser incorporados à
pesquisa. Entram em cena como elementos de análise as situações residuais, e a influência
da “situação de comunicação”: o contexto, a disponibilidade dos canais, os grupos sociais, a
personalidade.
Também nos estudos empírico-experimentais de Hovland, foi possível perceber que
os receptores respondem de acordo com algumas variáveis: o interesse, a exposição
seletiva, a percepção seletiva e a memorização seletiva.
24SCHRAMM, Wilbur et alii. Panorama da comunicação coletiva. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964, p.14.25KLAPPER, J. “Os efeitos da comunicação de massa”. In: COHN, G. (org). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978, pp. 162-173.
Enquanto isso, na Europa, a Teoria da Escola de Frankfurt, tão carregada de críticas
à sociedade industrial, ao positivismo, à racionalidade e à cultura de massa, acabou
reproduzindo o mesmo modelo comunicativo dominante nos estudos americanos. A idéia
de Indústria Cultural, enquanto sistema harmônico montado para a manipulação dos
homens, que através do progresso técnico anula a consciência crítica dos mesmos,
assemelha-se muito à idéia da “agulha hipodérmica”, assentando-se, como ela, sobre o
paradigma clássico da comunicação.
É promovido um esvaziamento, em relação ao processo comunicativo, das
mediações sociais, da atuação dos sujeitos, e da não-realização do efeito direto, da
complexidade do fenômeno. Daí tem-se que “o ouvinte não possui autonomia, ele
simplesmente responde ao estímulo provocado pela indústria cultural. A música popular
atua através de ‘mecanismos-resposta’ que demanda da parte do receptor um reflexo
condicionado”26. Esta passagem demonstra bem a dimensão do tratamento que os
indivíduos recebem nas obras da Teoria Crítica, notadamente em Adorno: o homem
inserido na massa perde sua singularidade, sua particularidade, e se torna objeto, dado
manipulável pelo aparelho da indústria cultural.
A semelhança com a Teoria Hipodérmica é dupla: de um lado, a presença do
conceito de sociedade de massa. De outro, o modelo comunicativo de natureza psicológica-
behaviorista, num sistema de ação semelhante ao processo de estímulo-resposta. A mesma
concepção de efeitos diretos permite visualizar uma formulação subjacente que parece
tomar de empréstimo as sistematizações de Weaver e Lasswell. A comunicação é
unidirecional com uma separação clara entre emissores e receptores.
Quanto à Teoria do Imperialismo Cultural, enquanto aplicação da teoria crítica na
América Latina, é possível identificá-la no mesmo paradigma. A preocupação central, que é
a da manipulação, tem de específico apenas o universo de ocorrência do fenômeno: a
América Latina. A crítica à complexa dinâmica cultural se utiliza de um modelo
comunicativo marcado pela simplicidade.
2.4. A superação do Paradigma Clássico
26Conforme ORTIZ, R. “A Escola de Frankfurt e a questão da cultura”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, n.o 1, vol. 1, jun. 1986, p. 57.
Paralelamente ao processo de consolidação do Paradigma Clássico, estão sendo
formadas uma diversidade de correntes e formuladas uma série de perspectivas que
realizam uma crítica ao modelo tradicional - ainda que não de forma direta, mas trazendo
conceitos ou categorias que evidenciam o esgotamento do poder explicativo desse modelo.
Ou seja, essas correntes “de transição” demonstraram a pouca capacidade explicativa do
modelo tradicional diante da complexidade do fenômeno comunicativo, mas não de uma
forma global, e sim pontual, em relação a aspectos específicos da comunicação. Ou seja,
essas correntes não promovem uma interlocução direta com o Paradigma Clássico; esse
diálogo está sendo construído pela pesquisa de acordo com nosso objetivo.
Essa mesma diversidade de correntes não propõe um novo modelo global de análise,
um novo paradigma (nem estão inseridos claramente em algum paradigma), mas é possível
identificar nelas idéias-força, conceitos e categorias que apontam para a construção de um
novo modelo. Na verdade, essas perspectivas podem ser pensadas até como etapas
necessárias - no sentido de crítica a uma tradição de análise e portas de entrada para novos
arcabouços teóricos - para que se tenha chegado às Interações Comunicacionais.
2.4.1. A contribuição da Escola Francesa
A constatação da existência de contradições no sistema da indústria cultural é a
marca principal de Edgar Morin a ser privilegiada no que diz respeito à superação do
paradigma clássico. A existência de uma dialética no âmbito da produção-consumo - no
qual a padronização desejada não pode se consumar totalmente em virtude da natureza do
consumo cultural que exige, sempre, o novo, o original - coloca por terra o modelo
frankfurtiano de um todo harmônico montado para a manipulação.
Essa dialética se expressa no fato de os produtos culturais industrializados não
serem nem resultado apenas de determinações dos “produtores”, nem somente reflexo das
necessidades dos consumidores. Essa dialética insere-se numa dialética maior ditada pela
própria sociedade.
Mais que um poderoso instrumento que acaba com a cultura, a indústria cultural
produz uma cultura que convive com as outras numa realidade policultural, e é obrigada a
fazer ajustes em relação às exigências do lucro e em relação às do público.
A existência dessa dialética permite visualizar uma quebra no modelo absoluto,
monolítico e cristalizado do paradigma clássico. São as mediações sociais, atravessando os
processos comunicativos e compondo sua complexidade, que vêm colocar para a
investigação sobre a comunicação um objeto mais difícil de apreender, justamente por
conter essa contradição básica.
2.4.2. A contribuição da Escola de Birmingham
O aspecto central dos Estudos Culturalistas - a redefinição do conceito de cultura,
que deixa de ser apenas reflexo da estrutura econômica para se tornar resumo das inter-
relações que perpassa todas as práticas sociais - coloca um novo elemento na análise da
comunicação.
As estruturas sociais exteriores aos meios de comunicação de massa e as condições
históricas específicas de uma determinada realidade se apresentam como elementos
essenciais na pesquisa sobre a comunicação. É, novamente e de uma outra forma, a
sensibilidade para observar a vida social atravessando o processo comunicativo, que,
portanto, não pode ser compreendido sem se considerar essa influência mútua, não pode ser
destacado, descolado, retirado, da inserção social que lhe atribui sentido e perpassa suas
condições de realização.
À importância delegada às estruturas globais da sociedade soma-se uma valorização
das circunstâncias concretas. É a incorporação da dimensão da experiência dos fenômenos
que são estudados pelo Centro: do que resulta a grande preocupação com objetos de estudo
delimitados a partir de um universo concreto, de sujeitos e mensagens particulares, se
opondo ao tipo de estudo mais universal que coloca modelos globais em função dos quais
as realidades particulares deveriam ser analisadas e compreendidas.
Um dos aspectos percebidos pelos estudos culturalistas é a troca da perspectiva de
que os meios de comunicação pudessem, por si só, “melhorar”, “aperfeiçoar” o gosto de
seu público, para a idéia de um “envolvimento”. Isso marca uma nova postura em relação
ao processo comunicativo: não há mais o efeito direto pois os meios de comunicação não
podem ser entendidos apenas em si, mas na sua interseção com a cultura.
2.4.3. A contribuição da hipótese do Agenda Setting
A hipótese do Agenda Setting pode ser compreendida como uma das novas
perspectivas da Escola Americana, resultado da evolução dos estudos após o cruzamento
com as reflexões produzidas na Europa. A própria substituição da problemática - de efeitos
diretos para efeitos a longo prazo - dá o tom da evolução. Os meios não seriam mais
responsáveis pelo comportamento ou formação de valores, conforme propunha a Teoria
Hipodérmica, mas colocariam uma agenda, atuando em nível da estrutura cognitiva dos
públicos.
Essa recolocação do problema, abandonando os “efeitos limitados” para lidar com
os “efeitos cumulativos”, atesta ainda uma passagem de um modelo transmissivo da
comunicação para um modelo que percebe a existência de um processo de significação. A
influência dos meios de comunicação de massa continua sendo percebida e estudada como
determinante, mas a natureza de seus efeitos muda, de uma caráter mecânico, behaviorista,
de estímulo-resposta, para uma influência que se dá no campo da estrutura cognitiva, que
leva em conta a construção social da realidade.
Os meios de comunicação são assimilados como propiciadores de uma nova
experiência, alterando o conhecimento que se tem da realidade social. Por um lado, é uma
colocação teórica que se contrapõe às investigações imediatistas cujos interesses
pragmáticos exigiam resultados imediatos. Por outro lado, percebeu-se que não existia uma
homogeneidade no quadro apresentado pelos meios de comunicação - o que vai de encontro
às formulações conspirativas identificadoras de uma grande orquestração.
2.4.4. A contribuição de McLuhan
McLuhan, ao afirmar que “o meio é a mensagem”, desloca a questão da
comunicação para outro espaço: a natureza nova que a presença de um determinado meio
cria. Configura-se a partir daí uma crítica às análises de conteúdo e ao encaminhamento
dado até então às investigações sobre a comunicação nos Estados Unidos.
O que seria mais importante, no sentido de detectar mudanças, alterações na vida
social, não são os conteúdos veiculados pelos meios, mas a presença destes meios
proporcionando uma outra forma de se relacionar com a realidade. Os conteúdos
específicos até podem trazer modificações, mas é a existência do meio provocando uma
nova sensibilidade que deve ser o centro das análises a serem empreendidas.
Com isso, desloca-se o papel transmissivo dos meios - em que importava o
conteúdo por eles veiculado -, essencial para a lógica do modelo clássico, para uma
perspectiva que identifica na simples presença dos meios uma nova natureza e dinâmica
social.
2.4.5. A contribuição do Interacionismo Simbólico
Em sua sistematização analítica, o Interacionismo Simbólico fundamenta-se em
uma série de conceitos básicos - também chamados “imagens-raiz”. O primeiro deles diz
respeito à natureza humana: os seres humanos são seres em ação, são agentes. Outro
conceito nos diz que a natureza dessa ação é um resultado de um processo de interpretação.
A interação social forma os comportamentos, é constituinte, fundante, e fornece
significados para a construção, por parte dos sujeitos agentes, dos objetos.
Ao considerar a sociedade humana interativa, observa-se que existe uma influência
recíproca, isso é, a ação de cada sujeito altera o quadro de representação dos demais.
Somando-se a isso a identificação da atividade humana como centro regulador da vida
social, tem-se um quadro marcado pela complexidade.
Os modelos lineares e unidirecionais se desfazem diante de sujeitos agentes capazes
de interpretar os significados que o mundo lhes apresenta. As idéias de transmissão, efeitos
diretos e anulação da consciência crítica perdem sua capacidade explicativa diante dos
postulados do Interacionismo Simbólico.
Além disso, se a ação humana é calcada nos significados, e os significados são
provocados pela interação, a compreensão dos fenômenos comunicativos que envolvem os
meios de comunicação de massa deve ser buscada também fora deles, ou seja, na vida
social e nos indivíduos concretos.
A grande implicação metodológica do Interacionismo Simbólico é a referência ao
estudo empírico, a rejeição a modelos prontos, acabados, e a necessidade de se considerar
os processos interpretativos pelos quais os significados sociais passam, no nível dos
sujeitos, que são agentes e, portanto, ativos no processo comunicativo.
A comunicação acontece na interação indivíduo-sociedade - quando se configura o
processo de atribuição de sentidos, de interpretações múltiplas, de investimentos
simbólicos. Essa interação seria a peça-chave para a compreensão dos fenômenos
comunicativos.
2.4.6. A contribuição da Semiótica
Embora os análises semióticas e semiológicas não sejam estudos sobre o processo
comunicativo, mas apenas sobre um de seus elementos - a mensagem -, o desenvolvimento
dessa vertente de estudo trouxe um grande avanço para o desenvolvimento da Teoria da
Comunicação: a identificação do ato comunicativo enquanto processo de significação, e
não apenas como um fenômeno transmissivo, linear, que foi a tônica das análises efetuadas
até então.
O debate até então, no seio da Teoria da Comunicação, dizia respeito aos
paradigmas sociológicos dominantes nos estudos - na polêmica instaurada entre a pesquisa
administrativa americana e a teoria crítica frankfurtiana. A partir da aproximação entre a
Teoria da Comunicação e a Semiótica, na busca de um terreno comum, implantou-se um
elemento novo para a discussão da pertinência propriamente comunicativa dos modelos de
estudo adotados pela Teoria da Comunicação. Pertinência essa que só seria assimilada
pelos estudos da comunicação muito tempo depois, passado o debate em torno da
pertinência sociológica.
A apreensão do fenômeno comunicativo enquanto significação implica se
considerar a especificidade dos processos da ordem do simbólico, da atribuição de sentido,
da formação de imagens - o que vai de encontro à lógica transmissiva e linear dominante
nos estudos até esse momento. A mensagem enquanto significação não seria, pois, um
elemento fechado em si mesmo, algo que sai de um emissor e chega a um receptor tal qual
saiu. A idéia de intercâmbio de sistemas é que coloca a dinâmica de significação como um
processo “negocial”.
A funcionalidade do paradigma clássico se relaciona à necessidade de dar conta da
questão mais importante que a Teoria da Comunicação sempre tentou compreender: a
temática dos efeitos. Do que se compreende a construção de um esquema transmissivo no
qual os problemas são sempre da ordem da eficácia, do “ruído”, da “percepção seletiva”, da
“influência dos líderes”.
A partir da Semiótica, recupera-se, na Teoria da Comunicação, um dos elementos da
especificidade própria da dinâmica comunicativa: o fato dela constituir um fenômeno de
significação. Eco e Fabbri27, descrevendo o modelo comunicativo por eles denominado
“paradigma semiótico-informacional”, apresentam o caráter “negocial” como um processo
no qual a mensagem sofre codificações e decodificações diversas, a partir de múltiplas
interpretabilidades.
Os mesmos autores, a partir da crítica ao modelo “semiótico-textual”, apresentam
um outro, o “semiótico-textual”, que seria um aperfeiçoamento da apreensão do fenômeno:
os destinatários não receberiam mensagens, mas conjuntos, redes textuais - propondo uma
não-linearidade da comunicação.
Independentemente dessa questão, a incorporação da dimensão semiótica nos
estudos da comunicação, por si só, representa até mesmo uma “revolução” nos estudos, no
sentido de re-direcionar toda a trajetória da Teoria da Comunicação.
2.5. A construção do Paradigma das Interações Comunicacionais
O Paradigma das Interações Comunicacionais deve ser entendido, dentro do quadro
de referência que vem sendo encaminhado neste trabalho, como um modelo que tenta dar
conta da complexidade da comunicação utilizando-se das contribuições de estudos
anteriores, entre os quais, a Escola Francesa, a Escola de Birmingham, as formulações de
McLuhan, a hipótese do Agenda Setting, o Interacionismo Simbólico e a Semiótica.
A reflexão de vários autores ressalta a necessidade de apontar a natureza
interacional do processo comunicativo, na construção de perspectivas que dêem conta da
globalidade do fenômeno. O “modelo praxiológico” de Louis Queré, o “enfoque tríplice”
de John B. Thompson, o “paradigma do hipertexto” de Pierre Levy, são algumas das
27WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1987, p 109.
formulações teóricas que têm contribuído para a construção do Paradigma das Interações
Comunicacionais.
Este paradigma surge como uma tentativa de superar o caráter restritivo e
formalizador que a noção de comunicação adquiriu com a utilização do Paradigma
Clássico. Se este tentou definir o que é a comunicação a partir de uma forma fixa, rígida, de
identificação e delimitação de seus elementos internos, a perspectiva interacional busca
apreender uma configuração geral da comunicação que marca seus limites enquanto
fenômeno em relação àquilo que não constitui relação comunicativa, sem definir formas
específicas, fixas, internas ao processo. Para fazer isso, ou seja, “retornar à noção mesma de
comunicação (...) e tentar reconstruí-la de outra maneira, (...) é preciso voltar à fonte da
comunicação: a vida social”28.
Nessa concepção, a comunicação é um processo social básico, e a vida social
compõe-se de interações comunicativas todo o tempo. O que marca a particularidade do
fenômeno comunicativo é a “palavra”, isso é, a materialidade simbólica. A comunicação é,
pois, “as relações particulares que se estabelecem através de uma materialidade simbólica
construída no seio dessas relações como sua condição e expressão”, ou, de uma forma
diferente, são “atos específicos erigidos em torno da palavra, da co-presença dos
interlocutores”29 .
A referência para a apresentação que se propõe, neste trabalho, do Paradigma das
Interações Comunicacionais, é a tese de doutorado da professora Vera França,
Communication et Socialité: le Journalisme au-delá de l’information, um estudo sobre o
jornal Estado de Minas e suas relações com a mineiridade que se sustenta e de certa forma
sistematiza o paradigma interacional. De acordo com a autora, um estudo sobre a
comunicação, ao utilizar este paradigma, para dar conta da globalidade do ato
comunicativo, tem de contemplar suas três dimensões: a relacional, a simbólica e a da
experiência.
A dimensão relacional indica que, numa relação de comunicação, existe interação,
as pessoas “falam” na frente de um “outro”, há uma presença conjunta, por mais unilateral
que seja o processo. Age-se face ao outro. A presença dos interlocutores é mediada pela 28FRANÇA, Vera R. V. “O jornalismo e a comunicação”. In: Communication et Socialité: le Journalisme au-delá de l’information. Paris: Universidade de Paris V, 1993 (tese de doutorado). Capítulo traduzido por Vera França, p.29idem.
palavra, o que faz com que os interlocutores se definam a partir de seu envolvimento com a
materialidade simbólica.
A dimensão simbólica acusa que é a presença de uma mensagem que permite o
estudo da comunicação. A mensagem é a objetivação de um sentido, de uma dimensão
subjetiva, interior, que está no pensamento e passa a ser objetivada num texto ou numa
imagem - a partir desse momento, ela passa a ter uma existência nela mesma. A mensagem
é caracterizada também por uma intencionalidade e pela mediação cultural que interfere na
construção do sentido. Este modelo é, pois, marcado pela delimitação de um tempo e um
espaço, e de atores concretos. Não é estático e nem generalizável.
Por fim, a dimensão da experiência marca a inserção da comunicação num contexto.
A comunicação deve ser buscada no fazer dos homens, no terreno da experiência, e não
numa construção abstrata, desvinculada. O contexto significa algo à relação e à palavra, ele
traz elementos para a interpretação e é também atribuidor de sentido.
O paradigma das interações comunicacionais é profundamente enraizado nas
dimensões temporal e espacial, pois estuda relações singulares, que acontecem num
momento e num espaço específico. Ele não é universal, pois não define o que é a
comunicação dentro dela, não especifica papéis, funções, elementos. E não é universal
porque acontece com atores concretos, em situações particulares construídas em torno de
mensagens também singulares.
As implicações metodológicas da utilização deste paradigma se verificam na
construção de um objeto de estudo que acontece concretamente, tem uma materialidade.
Está enraizado num determinado panorama sócio-cultural, em dimensões de tempo e
espaço definidas. E ocorre entre sujeitos reais, interlocutores que têm objetivos, desejos,
necessidades, valores, expectativas em relação ao outro, bagagem cultural - os
interlocutores não são neutros, vazios, “ocos” em relação ao outro; nem exercem apenas um
papel determinado, mas possuem toda uma gama de papéis possíveis dentro da relação que
se estabelece. O sentido, portanto, está no receptor, no emissor, no contexto, na mensagem.
A comunicação é toda essa rede de relações interativas dos interlocutores entre si e com o
material simbólico. É a busca da globalidade do ato comunicativo - e, portanto, sua
inserção no terreno do social - que caracteriza da melhor forma o objetivo do paradigma
das interações comunicacionais.