Volume 1 Gilmar Mascarenhas de JesusMarcello de Barros Tom Machado
Fundamentos Geogrficos do Turismo
Gilmar Mascarenhas de JesusMarcello de Barros Tom Machado
Volume 1 Fundamentos Geogrficos do Turismo
Apoio:
Material Didtico
2010/1
ELABORAO DE CONTEDOGilmar Mascarenhas de JesusMarcello de Barros Tom Machado
COORDENAO DE DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONALCristine Costa Barreto
SUPERVISO DE DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONAL Cristiane Brasileiro
DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONAL E REVISO Ana Cristina AndradeAna Maria Osborne
Fundao Cecierj / Consrcio CederjRua Visconde de Niteri, 1364 Mangueira Rio de Janeiro, RJ CEP 20943-001
Tel.: (21) 2334-1569 Fax: (21) 2568-0725
PresidenteMasako Oya Masuda
Vice-presidenteMirian Crapez
Coordenao do Curso de TurismoUFRRJ - Willian Domingos
EDITORATereza Queiroz
REVISO TIPOGRFICAEquipe Cederj
COORDENAO DE PRODUOKaty Arajo
PROGRAMAO VISUALEquipe Cederj
ILUSTRAOFernando Romeiro
CAPAFernando Romeiro
PRODUO GRFICAOsias FerrazPatricia Seabra
Departamento de Produo
Referncias Bibliogrficas e catalogao na fonte, de acordo com as normas da ABNT e AACR2.
Copyright 2009, Fundao Cecierj / Consrcio Cederj
Nenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrnico, mecnico, por fotocpia e outros, sem a prvia autorizao, por escrito, da Fundao.
M395f
Mascarenhas, Gilmar. Fundamentos Geogrficos do Turismo. v. 1 / Gilmar Mascarenhas,
Marcello de Barros Tom Machado. Rio de Janeiro: Fundao CECIERJ, 2010.
170p.; 19 x 26,5 cm.
ISBN: 978-85-7648-640-4
1. Turismo. 2. Geografia Fsica. 3. Geografia Urbana. I. Machado,
Marcello de Barros Tom. II. Ttulo
CDD: 338.4791
Universidades Consorciadas
Governo do Estado do Rio de Janeiro
Secretrio de Estado de Cincia e Tecnologia
Governador
Alexandre Cardoso
Srgio Cabral Filho
UENF - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIROReitor: Almy Junior Cordeiro de Carvalho
UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROReitor: Ricardo Vieiralves
UNIRIO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIROReitora: Malvina Tania Tuttman
UFRRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIROReitor: Ricardo Motta Miranda
UFRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROReitor: Alosio Teixeira
UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSEReitor: Roberto de Souza Salles
Fundamentos Geogrficos do Turismo Volume 1
SUMRIOAula 1 A natureza geogrfica do turismo __________________ 7 Gilmar Mascarenhas de Jesus
Aula 2 O turismo na produo do espao geogrfico _______ 25 Gilmar Mascarenhas de Jesus
Marcello de Barros Tom Machado
Aula 3 A contribuio da geografia urbana _______________ 49 Gilmar Mascarenhas de Jesus
Aula 4 A contribuio da Geografia Cultural _______________ 73 Gilmar Mascarenhas de Jesus
Aula 5 A contribuio da Geografia Histrica ______________ 95 Gilmar Mascarenhas de Jesus
Aula 6 A contribuio da Geografia Poltica _____________ 119 Gilmar Mascarenhas de Jesus
Aula 7 Geografia dos Transportes _____________________ 145 Gilmar Mascarenhas de Jesus
Colaborador: Luiz Guilherme de Souza Xavier
Referncias ________________________________________ 165
1 A natureza geogrfica do turismoMeta da aula
Apresentar o turismo como uma atividade profundamente interligada e os aspectos geogrficos, desde seu planeja-mento at sua realizao final.
Objetivos
Esperamos que, aps o estudo do contedo desta aula, voc seja capaz de:
reconhecer as noes de destino turstico, centro emis-sor e centro receptor;
identificar o turismo como atividade dependente dos meios e das vias de transporte;
reconhecer a noo espao de fluxos e seu papel na formao de ncleos tursticos receptores;
identificar uma linha iscrona e reconhecer sua im-portncia para o estudo e planejamento do turismo;
definir recurso turstico e diferenciar os tipos natural e cultural.
2
1
3
4
5
8Aula 1 A natureza geogrfica do turismo
Introduo
Vamos pensar: em que consiste o turismo?
O turismo , primeiramente, uma atividade humana, praticada
por milhes de indivduos em todo o planeta.
Todos os dias, e durante o ano inteiro, muitas pessoas esto
saindo de suas casas, com malas arrumadas, o local de destino
definido e a expectativa de que gozaro momentos de alegria e
repouso. So os turistas.
Para a Organizao Mundial do Turismo (OMT), o turismo uma mo-
dalidade de deslocamento, que envolve a utilizao de algum
meio de transporte e ao menos um pernoite no destino; esse
deslocamento pode ser motivado pelo simples prazer voluntrio,
ou por motivos compulsrios, como negcios, para cuidar da
sade, estudos (como congressos, por exemplo).
O deslocamento do turista
Vamos nos concentrar em um primeiro aspecto: o turismo
consiste no deslocamento de pessoas. O turista tem como ponto de
partida a cidade onde reside e busca realizar seu desejo alcanando
um destino turstico. Este deslocamento varia muito quanto distn-
cia percorrida pelo turista e quanto ao meio de transporte utilizado.
Atividade
Atende ao Objetivo 1
1. Vejamos se voc compreendeu realmente a noo de destino tursti-co e de quantos meios e vias de transporte so necessrios para a realizao das viagens. Voc mesmo j deve ter realizado uma viagem como turista. Descreva como foi sua viagem, relacionando:
a) o ponto de partida;
b) o destino;
c) o meio de transporte utilizado.
Organizao Mundial do Turismo uma agncia especia-
lizada das Naes Unidas
e a principal organizao
internacional no campo
do turismo. Funciona
como um frum global
para questes de polticas
tursticas e como fonte
de conhecimento prtico
sobre o turismo. Sua sede
em Madri, Espanha.
Destino turstico a localidade visitada
pelo turista. Pode ser uma
zona rural ou urbana, ou
uma regio natural, como
um parque ou uma praia
no habitada. Quando em
zona urbana, geralmente
ocorre em cidades
histricas, ou em grandes
centros urbanos, dotados
de museus importantes,
galerias de arte etc.
Fundamentos Geogrficos do Turismo
9
_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Resposta Comentada
Pela atividade de deslocamento executada, voc pode ter realizado viagens a lugares prximos ou distantes de sua residncia.O deslocamento do turista pode se dar dentro de seu prprio estado (o Rio de Janeiro, por exemplo) ou pode atingir outros estados da Federao. Pode, ainda, ultrapassar as fronteiras nacionais, ao se viajar para outros pases. Temos, neste momento, respectivamente, trs possibilidades de deslocamento: 1) na escala intra-estadual (dentro de um estado);2) na escala interestadual (entre estados); 3) na escala internacional (entre pases).
Podemos considerar tambm as viagens na escala intramunicipal, isto , aquele deslocamento que no ultrapassa os limites de seu municpio. Entretanto, raros so os deslocamentos intramunicipais para fins tursticos, pois, embora possam existir atrativos turs-ticos, a tendncia natural que o turista retorne sua casa no mesmo dia da visita, por causa da proximi-dade geogrfica entre o local de residncia e o destino turstico. Neste caso, isto , a ausncia de pernoite, em vez de turismo, temos excurso, e, portanto, em vez de turista, falamos em excursionista.
Para cada uma das trs escalas, existem diferentes meios de trans-porte. Conforme a escala, a tendncia prevalecer um determinado meio de transporte.
Figura 1.1: Alguns meios de transporte utilizados para fins tursticos.Fonte: http://www.sxc.hu/photo/522231; direita: http://www.sxc.hu/photo/294535
10
Aula 1 A natureza geogrfica do turismo
As diferentes escalas
Geralmente, na escala intra-estadual, em funo de a
distncia percorrida no ser muito longa, prevalece o uso do
meio rodovirio, que pode ser coletivo (nibus) ou individual
(automvel). Na escala interestadual, em um pas com as di-
menses continentais como o Brasil, as viagens rodovirias
podem implicar tempo excessivo de deslocamento, tornando a
atividade turstica pouqussimo atrativa.
Por exemplo, do Rio de Janeiro a Fortaleza, a distncia a ser
percorrida em trajeto rodovirio se aproxima dos trs mil quil-
metros. A grande maioria das cidades europias se encontra a
distncia bastante inferior entre elas. Isto significa uma viagem
de nibus de aproximadamente 50 horas de durao. No caso
do deslocamento de automvel, temos que incluir os pernoites
no trajeto, ampliando o tempo de deslocamento entre estas duas
cidades para, pelo menos, quatro dias.
O Nordeste brasileiro, por possuir praias de guas mornas,
clima tropical (faz calor o ano inteiro), tradies culturais (dan-
as, artesanatos, festejos) e baixos preos comparados aos do
Centro-Sul, consiste em importante destino turstico. Contudo,
sua distncia em relao aos grandes centros emissores nacionais
faz com que a imensa maioria dos deslocamentos tursticos para
esta regio seja feita de avio.
Centros emissoresSo as localidades onde
residem os turistas.
Os principais centros
emissores so as grandes
cidades, no apenas por
concentrar grandes efeti-
vos demogrficos (volume
de populao residente),
mas por oferecer melhores
condies de emprego
e renda, comportando,
assim, elevado poten-
cial consumidor.
Fundamentos Geogrficos do Turismo
11
Figura 1.2: Uma tpica praia do nordeste brasileiro.Fonte: http://www.sxc.hu/photo/875573
Por fim, temos a escala internacional. Nesta, pelas distn-
cias envolvidas, prevalece o uso do transporte areo. Mas existe
tambm o transporte martimo, o que importante, pois a maio-
ria dos pases est em outro continente que no o seu, havendo
oceanos a vencer. Todavia, considerando o longo tempo despen-
dido pelo trajeto martimo, estas viagens so muito menos uti-
lizadas que as de avio.
Atividade
2. importante que voc tenha compreendido a importncia das esca-las na definio do meio de transporte a ser utilizado pelo turista. Para verificarmos isso, imagine trs formas e possibilidades de desloca-mento humano para fins tursticos. Descreva possibilidades de viagem a partir de sua cidade, tendo em mente cada uma das trs escalas aqui citadas. Considere que para cada escala necessrio o turista dispor de tempo diferenciado.
_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________________________
12
Aula 1 A natureza geogrfica do turismo
__________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________
Resposta Comentada
Voc deve ter observado que, de acordo com os servios de transporte disponveis em sua cidade, foram utilizados diferentes meios para atingir o destino turstico. Se seu destino escolhido for a Ilha Grande, por exemplo, para alcanar este lugar a partir de qualquer cidade do Estado do Rio de Janeiro, voc ter que complementar seu trajeto rodovirio com o uso de embarcao, partindo de Mangaratiba ou Angra dos Reis. Neste caso, verificamos que as condies de desloca-mento dependem tambm da fisiografia da localidade a ser visitada.
Figura 1.3: Terminal de passageiros da Vila do Abrao, em Ilha Grande.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ilha_Grande_%28Rio_de_Janeiro%29
Na viagem em escala interestadual, isto , aquela em que
prevalece o transporte rodovirio, voc pode ter sugerido a uti-
lizao de apenas um nibus, conforme o porte de sua cidade (o
tamanho dela e sua importncia na regio), pois a disponibili-
dade dos meios de transporte varia segundo esse porte. Cidades
pequenas quase sempre dispem de poucas ligaes rodovirias.
Por exemplo, um habitante de Paraty que queira visitar a cidade
de Belo Horizonte ter de recorrer a duas viagens de nibus, pois
no h ligao direta entre essas cidades. Da mesma forma, um
habitante de Itaperuna que queira visitar Curitiba, Florianpolis
ou Porto Alegre no contar em sua cidade com ligao rodoviria
direta. Dever, ento, utilizar dois servios de nibus.
FisiografiaA fisiografia corresponde
ao conjunto de elementos
da geografia fsica reuni-
dos em uma determinada
localidade. Estes elemen-
tos so: solo, relevo, clima,
vegetao, hidrografia etc.
Na terceira aula de nosso
curso, trataremos
mais precisamente
deste assunto.
Fundamentos Geogrficos do Turismo
13
Se voc reside em cidade que no dispe de aeroporto,
no caso de uma viagem internacional, ou mesmo nacional, para
regies mais distantes, como o Nordeste ou a regio amaznica,
voc certamente ter de combinar duas modalidades de transporte.
Primeiro, voc se deslocar rodoviariamente at a capital (Rio
de Janeiro), onde ento recorrer a um avio para atingir seu
destino turstico.
Digamos que voc queira visitar a famosa praia de Tranco-
so, no sul da Bahia, em condies confortveis de deslocamento.
Se voc mora em Resende (RJ), por exemplo, recorrer a um
nibus at a cidade do Rio de Janeiro, onde pegar um avio at
Porto Seguro. Dali, voc dispor de modal rodovirio, combinado
com hidrovirio (uso de balsa para atravessar foz de rio).
Figura 1.4: Trancoso - Bahia.Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Trancoso
O espao de fluxos
O fato de Trancoso ser uma pequena localidade, inserida na
base da hierarquia urbana, no sustenta condies para manter um
aeroporto em funcionamento. Por outro lado, uma cidade como
Modalidade de transporte
Corresponde ao tipo de transporte utilizado:
areo, rodovirio, fer-rovirio, hidrovirio,
metrovirio. Dentro de um mesmo modal, podemos
utilizar diferentes veculos. Por exemplo, no
modal aerovirio, temos o avio, o helicptero, o balo, dentre outros. No modal hidrovirio, exis-tem o navio, o veleiro, a
balsa etc. No rodovirio, tambm h grande
variao de possibili-dades: nibus, caminho,
automvel, motocicleta, dentre outros.
Hierarquia urbanaA hierarquia urbana, ou
hierarquia entre cidades, designa a insero de cada cidade dentro do
conjunto mais amplo das cidades que existem
numa regio ou pas. Conforme o tamanho da
cidade, quanto maior sua importncia econmica,
melhor ser sua insero na hierarquia urbana, tendendo a ocupar os postos mais elevados desta hierarquia. No
Brasil, So Paulo ocupa o topo da hierarquia
urbana, seguida pelo Rio de Janeiro. So centros
urbanos de influncia nacional. No por
acaso so respectiva-mente o primeiro e se-
gundo centros emissores de turistas do pas.
Na terceira aula de nosso curso, aprofundaremos
esta noo.
14
Aula 1 A natureza geogrfica do turismo
Cabo Frio, em rpido crescimento e com grande demanda tursti-
ca, j est inaugurando seu aeroporto. Mas atente para a seguinte
questo: a viabilidade do aeroporto em Cabo Frio no decorre
apenas do porte que a cidade vem alcanando ou do valor de
seus atrativos tursticos. Esta viabilidade se explica fundamental-
mente pelo fato de Cabo Frio estar inserida num intenso espao de
fluxos, ao contrrio de Trancoso, situada no sul da Bahia, imersa
numa regio dominada por cobertura vegetal natural, de baixa
densidade demogrfica e escassez de vias de comunicao.
O espao de fluxos, conforme explica o gegrafo Milton Santos, corresponde intensidade da vida de relaes no interior de uma regio. O conceito de vida de relaes, por sua vez, expressa o conjunto de transaes entre indivduos. Estas transaes po-dem ser comerciais, governamentais, tursticas, de servios etc. O fato que estas transaes implicam viagens, negcios, mobilizam os meios de transpor- tes, acionam as vias de circulao, enfim, conferem regio maior densidade de relaes sociais e, por isso, demandam uma infra-estrutura de circulao, de pessoas, de mercadorias e de informaes.
O espao de fluxos algo fundamental no estudo da ativida-
de turstica, pois o turismo, sendo uma atividade de deslocamento,
depende da disponibilidade de meios e de vias de transporte.
Numa regio de escassos fluxos, o turismo encontrar grande
dificuldade para se desenvolver. Por outro lado, onde existe intensa
vida de relaes e, portanto, elevada densidade de fluxos, o turismo
encontrar facilidade para se implantar.
Um exemplo interessante a cidade de Diamantina (MG).
Trata-se de belo conjunto urbano, dotado de valiosos atribu-
tos histricos relativamente bem preservados e imerso numa
regio de exticas paisagens naturais. Logo, a cidade conta
Vida de relaesEste termo aparece com
freqncia na obra de
Milton Santos, sugerindo
a intensidade de relaes
sociais, econmicas,
polticas e culturais num
dado lugar. Neste sentido,
um povoado pacato tem
escassa vida de
relaes, ao contrrio
das metrpoles.
Fundamentos Geogrficos do Turismo
15
com grandes atrativos tursticos. Todavia, localizada a aproxima-
damente 300km de Belo Horizonte, 750km do Rio de Janeiro e
quase 900km de So Paulo, e com escassas ligaes aerovirias,
Diamantina no consegue aproveitar plenamente seus atrativos.
O fato de estar inserida marginalmente em relao ao denso es-
pao de fluxos conformado por uma extenso de rea entre Rio de
Janeiro, Belo Horizonte e So Paulo (estendendo-se pelo interior
deste estado) prejudica o desempenho turstico de Diamantina.
Outro exemplo a se considerar a cidade de So Lus, capi-
tal do Maranho. Trata-se de cidade que foi, entre os sculos XVIII
e XIX, uma das maiores do Brasil. Ao mesmo tempo, o fato de ter
experimentado um fraco crescimento econmico entre meados
do sculo XIX e o final do sculo XX permitiu a preservao, em
sua rea central, de um magnfico conjunto urbano, repleto de
sobrados, muitos deles revestidos com requintada azulejaria, e
muito prximo a So Lus encontra-se a regio dos Lenis Ma-
ranhenses, de rara beleza.
Todavia, esta cidade est localizada entre a Amaznia e o
tpico nordeste de sol e mar, a longa distncia dos grandes cen-
tros urbanos nacionais. Mesmo por via area, a grande maioria
dos brasileiros no alcana So Lus antes de algumas escalas ou
mesmo conexes. Caso estivesse localizada perto do eixo Rio-
So Paulo, So Lus estaria certamente entre os maiores destinos
tursticos do Brasil.
Nordeste de sol e mar corresponde a uma noo informal, porm muito divulgada, que define o lito-ral nordestino entre a Bahia e o Cear. Trata-se de vasta regio costeira, cuja paisagem mais comum o coqueiral e extensas faixas arenosas. O trecho mais caracterstico o litoral potiguar e cearense, onde as baixas precipitaes garantem muitos dias ensolara-dos, condio ideal para o turismo.
16
Aula 1 A natureza geogrfica do turismo
No sentido contrrio, temos cidades ou regies que, mesmo
sem grandes atrativos, consolidam-se enquanto destino turstico
aproveitando-se de sua insero no espao de fluxos. Vide, por
exemplo, a vila de Conservatria (RJ). A pequena aglomerao ur-
bana no possui patrimnio histrico significativo, tampouco seu
entorno imediato dispe de atrativos especiais (paisagens exu-
berantes, cachoeiras, grutas etc.). Todavia, Conservatria soube
aproveitar a proximidade de grande mercado consumidor (a me-
trpole carioca) para lanar um produto peculiar: as serestas.
Caso estivesse localizada no norte de Minas Gerais (para no
citar regies mais longnquas ou de baixa acessibilidade, como o
sul do Par), Conservatria no teria a menor chance de se afir-
mar no mercado de destinos tursticos.
Atividade
Atende aos Objetivos 2 e 3
3. Indique possibilidades de deslocamento de sua cidade para quatro destinos (cidades ou distrito), incluindo a cidade do Rio de Janeiro. Voc deve consultar sites ou mesmo falar com pessoas da sua cidade.
_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________________________________
Resposta Comentada
Voc provavelmente constatou que as condies de acesso a uma localidade dependem das condies de transporte, e estas, por sua vez, esto associadas a aspectos geogrficos da localidade (seu porte demogrfico, sua importncia econmica, sua insero na hie-rarquia urbana, sua fisiografia etc.) e da intensidade do espao de fluxos no qual se insere. Em suma, to ou mais importantes que os atrativos tursticos a localizao do centro receptor.
Fundamentos Geogrficos do Turismo
17
O fator tempo de deslocamento
Vimos at aqui que a natureza do deslocamento do turista
depende tanto das caractersticas de seu centro emissor quanto
das caractersticas de seu destino turstico. Vamos considerar
agora outra varivel importante: a do tempo de deslocamento.
De um modo geral, considera-se que numa viagem turstica
concentrada em um final de semana prolongado (trs a quatro
dias de folga) o tempo de deslocamento no deve ultrapassar
o de duas, trs ou quatro horas. Caso o turista disponha de dez
ou vinte dias para permanecer em determinada localidade, ele
suportar mais facilmente um tempo de deslocamento de seis a
oito horas. Mas ele tem apenas trs dias para curtir o destino
turstico, e este tempo de deslocamento torna-se excessivo, po-
dendo inibir ou inviabilizar a atividade turstica.
Para fins de planejamento turstico, necessrio produzir
um mapa. Nele, a partir de um grande centro emissor (a cidade
do Rio de Janeiro, por exemplo), so traadas linhas iscronas.
Trata-se de uma noo importante.
A atividade a seguir o ajudar a compreender o que uma
linha iscrona.
Atividade
Atende ao Objetivo 4
4. Consulte o tempo mdio de deslocamento rodovirio a partir de sua cidade para um grupo de cidades mais prximas. Este grupo deve abranger pelo menos dez cidades.
Aps a consulta, agrupe as cidades por tempos de deslocamento, con-siderando intervalos de 30 minutos. Neste sentido, voc colocar num primeiro grupo as cidades que distam at meia hora a partir de sua cidade; um segundo grupo englobar aquelas para as quais voc, para alcanar, necessita de um tempo de deslocamento entre 30 minutos e uma hora. O terceiro grupo abranger de 1 hora a 1 hora e meia, e assim por diante.
Linha iscrona aquela que une
localidades que distam de um ponto fixo o mesmo
volume de tempo. Iso = igual (do grego isos), e
cronia refere-se a tempo. Digamos que as cidades
de Cabo Frio, Nova Friburgo e Volta Redonda
estejam, igualmente, a duas horas e meia da ci-
dade do Rio de Janeiro (e de fato, na prtica, esto muito aproximadas deste tempo de deslocamento). Neste caso, todas as trs
so atravessadas em nosso mapa pela mesma linha iscrona, a linha de
2h30min a partir do Rio de Janeiro, ou seja, uma linha iscrona aquela
que percorre todas as localidades que se
encontram a um mesmo tempo de deslocamento a partir de um determinado
ponto de partida.
18
Aula 1 A natureza geogrfica do turismo
Utilizando um mapa rodovirio, trace sobre ele, a lpis, as linhas iscro-nas, com intervalos de 30 minutos entre elas. Estas linhas formaro anis em torno de sua cidade. Esses anis no sero crculos perfeitos. Ao contrrio, obedecero fielmente ao traado das rodovias.
As cidades do primeiro grupo ficaro situadas dentro do primeiro anel, e assim por diante.
At 30 minutos de tempo de deslocamento:_________________________________________________________________________________
De 30 minutos a 1 hora:____________________________________________________________________________________________________
De 1 hora a 1h30min: ______________________________________________________________________________________________________
De 1h30min a 2 horas _____________________________________________________________________________________________________
De 2 horas a 2h30min______________________________________________________________________________________________________
De 2h30min a 3 horas______________________________________________________________________________________________________
De 3 horas a 3h30min______________________________________________________________________________________________________
De 3h30min a 4 horas______________________________________________________________________________________________________
Resposta Comentada
Voc pde perceber que as linhas iscronas traadas por sua pesqui-sa no correspondem plenamente distncia fsica entre as cidades. Em outras palavras, uma determinada cidade A pode estar situada em posio geogrfica mais distante da sua cidade que uma outra ci-dade B. No entanto, caso ela disponha de boas condies de acesso (rodovia pavimentada, em pista dupla, com acostamento, boa sina-lizao etc.), ela poder estar mais prxima em termos de tempo de deslocamento. Uma cidade cujo acesso se faz em estradas de terra, ou mesmo em via asfaltada, porm em pssimas condies, deman-dar maior tempo para ser alcanada.
Agora que j exploramos a noo de isocronia, voltemos
argumentao anterior, sobre o tempo ideal de deslocamento
para um turista usufruir de seu tempo livre.
J comentamos que o tempo ideal de deslocamento para
um final de semana prolongado (um feriado) o de duas a trs
Fundamentos Geogrficos do Turismo
19
horas rodovirias. Com isso, a partir da cidade do Rio de Janeiro,
podemos identificar o conjunto de localidades que se encontram
no interior desta iscrona. Este conjunto de localidades forma o
que podemos chamar de cinturo turstico-recreativo da cidade
do Rio de Janeiro. So Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, todas
as grandes cidades possuem seu cinturo turstico-recreativo.
Trata-se de uma noo que temos tentado sugerir desde
2003, atravs de artigos publicados (MASCARENHAS, 2003 e 2004).
No artigo de 2003, afirmamos que basta percorrer nossas cidades,
bem como seu entorno rural, para averiguar a amplitude e diver-
sidade dos espaos destinados ao usufruto do tempo livre, instau-
rando novos usos e refuncionalizando para o lazer velhos objetos
geogrficos. Estvamos nos referindo profunda mudana sofrida
pelo antigo cinturo verde que circundava as metrpoles, abas-
tecendo-as de verduras e hortalias. Estas reas rurais, atravs da
pluriatividade, hoje destinam vastas extenses a atividades no-
agrcolas, como os hotis-fazenda, parques, pesque-e-pague, e,
sobretudo, tm a funo de segunda residncia.
Mais adiante, no artigo de 2004, ao analisar o caso flumi-
nense, afirmamos que data da dcada de 1950 o incio efetivo do
uso veranista da maioria das localidades que at hoje compem
o mapa turstico fluminense. Observa-se a paulatina formao de
uma periferia enobrecida ao redor da metrpole, impulsionada
pela construo de segunda residncia para os segmentos soci-
ais privilegiados, atingindo, sobretudo, as regies serrana e dos
Lagos. Em suma, propomos a noo de cinturo turstico-recre-
ativo para designar o entorno da metrpole que, nas ltimas
dcadas, passou a cumprir outras funes para alm do abas-
tecimento alimentar. Estas novas funes so lazer, veraneio e
turismo para as camadas de mdio e alto poder aquisitivo.
Estar situada dentro deste cinturo significa que a localidade
possui boas condies de se turistificar, isto , tornar-se um destino
turstico, mesmo que no possuam grandes atrativos tursticos.
Neste sentido, a pequena cidade de Brotas, situada a
240km da capital paulista (a trs horas de automvel), com ape-
TuristificaoO processo de turisti-
ficao compreende o conjunto de transforma-
es atravs das quais uma localidade se torna
um destino turstico. Tais transformaes abran-
gem mudanas materiais e imateriais. No plano
material, identificamos a criao e melhoria da infra-estrutura turstica,
o surgimento de servios tursticos etc. No plano imaterial, nota-se a mu-dana na imagem do
local perante a sociedade como um todo, tornando-se um destino conhecido,
divulgado, tendo seu nome associado a ameni-
dades e aspectos raros, e que por isso suscita
interesse de visitao.
20
Aula 1 A natureza geogrfica do turismo
nas 17 mil habitantes, fundada h 160 anos e possuindo umas
poucas relquias arquitetnicas do perodo cafeeiro, oferece aces-
sibilidade e atmosfera amena que potencialmente atrai turistas.
A partir dos anos 1980, a localidade se especializou em esportes
de aventura, com grande xito, recebendo centenas de visitantes
por final de semana. O fato de contar com cachoeiras e corredeiras
em seu entorno certamente foi fundamental para estabelecer este
produto turstico, mas fazer parte do cinturo turstico-recre-
ativo de So Paulo, o maior mercado consumidor da Amrica
Latina, certamente o diferencial. Importante registrar que 80%
dos que visitam Brotas provm da capital paulista.
Figura 1.5: Prticas de esportes radicais como alpinismo, rafting e rapel.Fontes: http://www.sxc.hu/photo/809536; http://www.sxc.hu/photo/765107; http://www.sxc.hu/photo/443085
CorredeiraUma corredeira um tre-
cho do rio cuja inclinao
faz com que a correnteza
aumente, mas sem enfren-
tar grandes obstculos,
pois estes produzem
quedas e cachoeiras; a
velocidade das guas
nas corredeiras propicia
a prtica da canoagem, o
rafting, o bia-cross etc.
Considerando-se que a maioria dos roteiros oferecidos pe-
las agncias de turismo associado a esportes radicais limita-se a
um fim de semana comum, o fator proximidade/acessibilidade
torna-se fundamental, da a proliferao de lugares de aventura
Fundamentos Geogrficos do Turismo
21
num raio de aproximadamente 250km em torno da metrpole
paulistana. Evidentemente, outras regies metropolitanas, em
menor grau, tambm suscitam novos lugares de prtica ecotu-
rstica de aventura esportiva. A 120km de Belo Horizonte, os pro-
motores de esporte de aventura anunciam o Parque do Caraa.
No entorno do Rio de Janeiro, podemos destacar a explorao
da Ilha Grande e da regio serrana fluminense.
Outras pequenas localidades constam dos roteiros de
aventura esportiva junto natureza, reproduzindo a tendncia
locacional em pauta. Juquitiba, pacato ncleo a apenas 70km
a sudoeste da cidade de So Paulo, parece ter se especializado
no rafting (e congneres, como a bia-cross), explorando o po-
tencial do rio Juqui. Por apresentar pequena declividade, este
curso fluvial propicia uma descida tranqila, apropriada aos no-
iniciados na aventura esportiva radical, ou mesmo crianas, tor-
nando-se uma oferta especializada para o mercado dos passeios
familiares de fim de semana.
O Vale do Ribeira, situado no sul do Estado de So Paulo,
rea de baixo desenvolvimento econmico com de suas terras
regidas por leis de proteo ambiental, conta tambm com a pro-
ximidade da capital paulista para tornar-se lugar de ecoturismo
esportivo. Mesmo Delfinpolis (MG), encravada na Serra da Ca-
nastra, dotada de belas formaes rochosas e de um dos maiores
complexos de guas, no desfrutaria do mesmo prestgio e poten-
cial ecoturstico se no estivesse inserida na regio mineira mais
densamente povoada e conectada com So Paulo, sem dvida o
maior centro nacional consumidor de produtos ecotursticos.
O Petar (Parque Estadual Turstico do Alto da Ri-beira) o local que apresenta o maior nmero de cavernas no Brasil, cerca de 300, segundo a agncia www.ecoaventura.com.br.
22
Aula 1 A natureza geogrfica do turismo
Os recursos tursticos
A noo de recurso turstico muito ampla e, de um modo
geral, entende-se por recurso turstico um elemento que pode
ser explorado turisticamente. a matria-prima da economia do
turismo. Este recurso pode ser de ordem natural ou cultural.
Os recursos de ordem natural so aqueles proporcionados
pela natureza: fauna, flora, cachoeiras, montanhas, grutas etc.
Os recursos de ordem cultural so aqueles produzidos pela
atividade humana: museus, edifcios histricos, danas folclri-
cas, artesanato, tradies culturais em geral.
Os recursos tursticos devem ser explorados com respon-
sabilidade, visando sua preservao, garantindo assim a sus-
tentabilidade da atividade turstica.
Atividade
Atende aos Objetivos 2 e 3
5. Vamos verificar o quanto o fator distncia pode ser mais impor-tante na formao e consolidao de um destino turstico que os prprios recursos tursticos disponveis. Consulte sites relacionados a revistas, agncias de viagem e promotores de esportes de aven-tura e ecoturismo (www.trilhabrazil.com.br; www.ecoturismobrasil. com.br). Esses sites sempre trazem mapas indicando a melhor for-ma de se chegar aos pontos tursticos. Faa um breve levantamento das localidades que oferecem atividades de lazer. Rena pelo me-nos seis localidades, dentre as mais citadas nos sites. A seguir, tente localiz-las no mapa do Brasil (caso esta informao no esteja dis-ponvel nos sites) e verifique a distncia de cada uma em relao a um grande centro urbano consumidor (So Paulo, Rio de Janeiro, Braslia, Porto Alegre, Curitiba e Belo Horizonte so os principais).
_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Fundamentos Geogrficos do Turismo
23
Resposta Comentada
Voc deve ter percebido que a distncia mdia entre um grande cen-tro urbano emissor de turistas e uma localidade receptora vocaciona-da para o ecoturismo e esportes da aventura tende a no ultrapassar os 200 ou 300km. Seu estudo serve para comprovar a hiptese geogrfica de que a localizao (e acessibilidade) de um destino turstico to ou at mais importante que seus recursos tursticos.A distncia mdia a qual nos referimos obtida a partir de um clcu-lo simples: somatrio das distncias das seis localidades indicadas (...). O resultado dessa soma dividido pelo nmero de localidades, isto , seis. Por exemplo, se tivssemos indicado trs localidades com distncias correspondentes a 100, 150, 200km, o clculo seria este: 100 = 150 = 200 = 450km/3. O resultado , portanto, 150km de distncia mdia.
Concluso
Em sntese, a atividade turstica depende fundamental-
mente dos aspectos geogrficos dos quais destacamos apenas al-
guns nesta aula. A geografia de um lugar (seus atributos fsicos
e humanos, e a forma como eles se organizam no espao) define
muitos de seus recursos tursticos. Sua localizao tambm ser
fundamental para estabelecer seu verdadeiro potencial turstico.
Resumo
A atividade turstica se realiza com plena dependncia das vias e
meios de transporte, e estes, por sua vez, variam conforme a den-
sidade do espao de fluxos. Neste sentido, regies mais habitadas
e desenvolvidas apresentam mais fluxos internos, e esta fluidez
territorial se realiza a partir das vias e dos meios de transporte.
A acessibilidade , portanto, fundamental para o turismo, e para
medi-la utilizamos o mtodo da isocronia.
Os atributos geogrficos de um lugar (clima, relevo, hidrografia,
espao construdo etc.) podem fazer dele um destino turstico em
potencial. Todavia, tal a dependncia geogrfica do turismo ao
espao de fluxos que mesmo lugares dotados de muitos recursos
tursticos tm dificuldades de se turistificar, se no estiverem bem
localizados, isto , bem inseridos no espao de fluxos. Em con-
trapartida, localidades situadas no cinturo turstico-recreativo,
24
Aula 1 A natureza geogrfica do turismo
ou seja, nas proximidades das metrpoles, tornam-se destinos
tursticos mesmo quando no dotados de amplos recursos para tal
fim, conforme apontamos em diversos exemplos. Por esta razo,
o potencial turstico de um lugar deve sempre levar em conta sua
acessibilidade em relao aos grandes centros emissores.
O potencial turstico geralmente considerado como o somatrio
dos recursos tursticos disponveis numa localidade. Exemplifi-
cando, uma cidade dotada de patrimnio histrico preservado
tem potencial turstico. Se esta cidade oferecer tambm um
clima agradvel, seu potencial aumenta. Se ela dispuser de bons
museus e outras atividades culturais, alm de hospitalidade, seu
potencial turstico ser ainda maior. E se, alm de todos estes re-
cursos, ela estiver inserida numa regio dotada de grandes bele-
zas naturais, cachoeiras, praias selvagens etc., esta cidade ser
considerada de altssimo potencial turstico.
Todavia, podemos verificar que o potencial turstico, nos termos
acima definidos, no suficiente para turistificar uma regio ou
localidade. preciso, como vimos, que existam acessibilidade e
proximidade dos grandes centros emissores, isto , das grandes
cidades povoadas de consumidores vidos pelo lazer e turismo.
Informaes sobre a prxima aula
Nesta aula, vimos o quanto o espao geogrfico condi-
ciona a atividade turstica. Na prxima aula, inverteremos esta
relao, abordando as formas pelas quais o turismo influencia o
espao geogrfico, em suas formas e em seu dinamismo. E as-
sim completaremos a introduo deste curso, reforando a inter-
relao entre geografia e turismo.
2 O turismo na produo do espao geogrficoMeta da aula
Apresentar as transformaes ocorridas no espao geogrfico onde as atividades de turismo foram inseridas.
Objetivos
Esperamos que, aps o estudo do contedo desta aula, voc seja capaz de:
reconhecer o fenmeno turstico como indutor e, ao mesmo tempo, produto das relevantes transformaes no espao geogrfico;
identificar elementos no espao capazes de estimular o deslocamento de pessoas de sua localidade de origem para outras localidades;
reconhecer que o desenvolvimento do turismo propicia novas formas e funes e que estas, ao se combinarem para atender s necessidades geradas pelos efeitos de reestruturao dos processos de organizao das relaes sociais, produzem o espao;
reconhecer que o turismo aciona fluxos em direo aos lugares considerados destinos tursticos, alterando sua dinmica e muitas vezes sua forma, por intermdio de seus fixos.
2
1
3
4
26
Aula 2 O turismo na produo do espao geogrfico
Introduo
Na aula anterior, voc viu como o espao geogrfico influencia
a atividade turstica, destacando os atributos do lugar que pro-
piciam potencialidades tursticas. Nesta aula, voc ver como o
turismo influencia o espao geogrfico, qual o seu impacto nos
diferentes espaos, pois, uma vez tornados tursticos, mais par-
celas do espao geogrfico apresentam novas configuraes. E
poderamos perguntar: quais so as principais repercusses do
turismo em nosso cotidiano?
Efeitos multiplicadores do turismo
O turismo , incontestavelmente, um fenmeno econmi-
co, poltico, social, cultural e ambiental dos mais expressivos da
sociedade contempornea, movimentando, em nvel mundial,
nmeros espantosos. O total de desembarques tursticos interna-
cionais em 2007, segundo estimativas da OMT, alcanaria 900
milhes de turistas, apresentando crescimento de 5,6% em
comparao ao perodo de 2006, enquanto a receita deveria ser
de aproximadamente dois trilhes de dlares, estabelecendo o tu-
rismo como um dos maiores geradores de riqueza do planeta.
Alm disso, ele considerado o maior gerador de
empregos no mundo, dando oportunidade para um em cada
nove trabalhadores. Esses dados demonstram que o turismo
vem a cada dia se firmando como instrumento estratgico para
auxiliar o desenvolvimento regional, graas a sua importncia
social e econmica, contribuindo de forma direta para promover
e dinamizar diversos segmentos relacionados ao turismo, assim
como o crescimento de novas oportunidades de negcios
e investimentos (BARRETO, 1995). O turismo tem, portanto,
relevante papel na produo, na transformao e no consumo
espacial, despertando o interesse da Geografia pelo estudo das
repercusses produzidas pelo turismo no espao.
Fundamentos Geogrficos do Turismo
27
Atividade
Atende aos Objetivos 1 e 2
1. Muitos municpios desejam tornar-se importantes destinos tu-rsticos, buscando principalmente seus efeitos multiplicadores econmicos. No entanto, para que estes deslocamentos aconte-am, preciso que os municpios apresentem determinadas sin-gularidades em seu espao turstico que estimulem o fluxo turs-tico receptivo. Observe as figuras a seguir e indique elementos que podem estimular pessoas a se deslocarem para fora do seu entorno habitual, caracterizando o turismo.
Pgina do Conselho Mundial de Viagens e Turismo: http://www.wttc.org/frameset2.htm.
Muitas dessas repercusses causadas pelo turismo, como
a gerao de empregos e a ampliao da renda familiar, so
realmente mais difceis de ser percebidas, mas estas acontecem,
pois o turista usufrui de uma localidade que apresenta, em
seus elementos espaciais, condies de satisfazer seus desejos
pessoais, gerando mltiplas inter-relaes no espao onde o
turismo se insere, seja o espao emissor ou receptivo. comum,
por exemplo, em localidades que apresentam crescimento do fluxo
turstico receptivo, o aumento do nmero de oficinas mecnicas,
pois a ampliao do nmero de veculos que transportam turistas
propicia tambm a necessidade do crescimento do nmero de
empresas que prestam servios de manuteno.
28
Aula 2 O turismo na produo do espao geogrfico
________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________
Figura 2.1: Rua das Pedras, no balnerio fluminense de Armao dos Bzios, noite.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Buzios_de_noche.JPG
Figura 2.2: As belezas naturais da praia de Joo Fer-nandes, em Armao dos Bzios (RJ).Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Buzios_11_2006_03.JPG
Figura 2.3: Cachoeira Vu da Noiva, uma das principais atraes tursticas do Parque Nacional de Itatiaia (RJ).Fonte:http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Cachoeira_V%C3%A9u_da_Noiva.jpg
Figura 2.4: Litoral e centro histrico de Paraty (RJ).Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Paraty_Ocean.JPG
Fundamentos Geogrficos do Turismo
29
Resposta Comentada
Voc deve ter indicado diferentes elementos presentes nos mais variados municpios que estimulam os deslocamentos tursticos.Um municpio como Armao dos Bzios, localizado na Regio Turstica Fluminense da Costa do Sol, por exemplo, tem as praias e sua vida noturna como principais estmulos para os deslocamentos tursticos, como possvel observar nas Figuras 2.1 e 2.2. J o municpio de Itatiaia, na Regio Turstica Fluminense das Agulhas Negras, tem como principal estmulo seus elementos fisiogrficos, presentes no Parque Nacional de Itatiaia e em seu entorno, como destaca a Figura 2.3. Paraty, localizada na Regio Turstica Fluminense da Costa Verde, atrai visitantes por causa dos seus casarios seculares, das suas praias e tambm de sua fisiografia (Figura 2.4).
Do patrimnio do produto turstico
Quando existem elementos presentes no espao geogrfi-
co que apresentam condies de atrair turistas, tais como praias,
montanhas, edificaes histricas etc., temos o Patrimnio Turs-
tico; ao identificarmos no patrimnio tais elementos, temos en-
to Recursos Tursticos; quando viabilizamos o deslocamento de
turistas para lugares que possuem recursos tursticos, por meio
de vias de acesso e meios de transporte, temos ento um Atrati-
vo Turstico; a partir do momento em que esse atrativo turstico
est vinculado a outros elementos relevantes para a atividade
turstica, tais como alojamentos, restaurantes, infra-estrutura de
apoio turstico etc., o atrativo passa a integrar a Oferta Turstica;
e quando esse atrativo se encontra inserido no mercado tursti-
co, propiciando aos turistas facilidades para consumir o atrativo
turstico e a oferta a este vinculada, temos um Produto Turstico,
conforme podemos analisar na Figura 2.5.
30
Aula 2 O turismo na produo do espao geogrfico
Patrimnio naturale cultural
Recursos
Atrativos
Oferta
Produto
Seleo daqueles elementos que pos-suem caractersticas singulares, capazes
de atrair fluxos de visitantes
Acessibilidade(fsica e legal)
Equipamentos e servios tursticos
Colocao no mercado
Distribuio
Figura 2.5: Esquema do Patrimnio ao Produto Turstico.
Sendo o turismo essencialmente um fenmeno de carter
socioespacial, cremos que qualquer reflexo sobre o fenmeno
turstico em toda sua complexidade deve rever suas expresses
no espao, sendo este entendido como um conjunto indissoci-
vel, solidrio e tambm contraditrio, entre sistemas de objetos e
sistemas de aes, no considerados isoladamente, mas como o
quadro nico no qual a histria se d (SANTOS, 1994, p. 111).
Para a melhor compreenso deste conceito de espao,
tanto os objetos, caracterizados como fixos, quanto as aes,
caracterizada como fluxos, devem ser explicados em conjunto.
Os elementos fixos, fixados em cada lugar, como hotis ou
monumentos histricos, permitem aes que modificam o prprio
lugar, atraindo fluxos de pessoas, como hspedes e visitantes,
muitas vezes modificando tambm o entorno, pois propiciam a
instalao de outros servios, como lojas de artesanato, pontos de
txi etc. So fluxos novos ou renovados que recriam as condies
ambientais e sociais, e redefinem cada lugar, podendo torn-los
tursticos. Os fluxos resultam, direta ou indiretamente, das aes e
atravessam ou se instalam nos fixos, modificando a sua significao
e o seu valor, ao mesmo tempo que, tambm, se modificam.
Fundamentos Geogrficos do Turismo
31
Para o amplo entendimento do fenmeno turstico, esse modelo dos mais pertinentes, pois expressa de maneira clara a dinmica espacial. Os elementos fixos podem ser pensados como os centros emissores da demanda turstica, de onde partem os fluxos tursticos, alm de existi-rem fixos no centro receptivo que atraem fluxos tursticos a partir dos centros emissores. Nesse caso, os fixos so pensados como atrativos tursticos, considerados como singularidades existentes no espao que atrai os fluxos at l, como a esttua do Cristo Redentor no alto do morro do Corcovado e a lagoa Rodrigo de Freitas, como podemos observar na Figura 2.6, o Jardim Botnico, com sua alameda de palmeiras imperiais; o estdio do Maracan, palco de grandes e numerosos espetculos es-portivos e culturais etc. Os fluxos seriam os turistas dispostos a consu-mir o espao onde o turismo se insere, pois, nos ncleos receptores do turismo, acontecem de maneira mais explcita o consumo do espao e sua constante produo, sendo, portanto, impossvel a Geografia no se interessar pelos estudos do fenmeno turstico (CRUZ, 2001).
Figura 2.6: Esttua do Cristo Redentor e a lagoa Rodrigo de Freitas ao fundo, fixos que atraem importantes fluxos tursticos para a cidade do Rio de Janeiro.
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Redentor024.jpg
Os objetos fixos no espao dos atrativos tursticos uma das caractersticas do turismo, da a necessidade de o turismo ser consumido no destino e, con-sequentemente, por meio dos deslocamentos espaciais dos turistas/consu-midores (BERTONCELLO, 1998). Um turista que deseja usufruir turisticamente da cidade do Rio de Janeiro, visitando, por exemplo, a esttua do Cristo Re-dentor, no alto do morro do Corcovado, ter de se deslocar da sua cidade para o Rio de Janeiro, pois esta a nica maneira de consumir esse atrativo. Tais deslocamentos implicam, entre outras coisas, que a prtica do turismo reper-cuta em distintas pores do espao, sobre os espaos emissores de turistas, os espaos de deslocamento e os espaos receptores.
32
Aula 2 O turismo na produo do espao geogrfico
A relao turismo e espao
Inmeras particularidades caracterizam a relao turismo
e espao, no que concerne produo e ao consumo do espao
pelo turismo. Uma dessas particularidades est relacionada ao
fato de o principal objeto de consumo do turismo ser o prprio
espao. Isso porque nos espaos tursticos utiliza-se o espao
de maneira destrutiva (a visitao pode degradar de tal forma
um atrativo turstico que inviabiliza seu usufruto pela popula-
o local e para o prprio turismo) e produtiva, viabilizando
sua transformao, por exemplo, por meio de novas constru-
es que transformam o espao, ampliando sua atratividade e
muitas vezes preparando-o para receber os turistas. Em relao
ao consumo produtivo, h localidades que apresentam poten-
cialidade turstica, e a realizao de pesquisas, planejamento
e a interveno humana possibilitam fazer daquela parcela do
espao um importante produto turstico. Este seria o caso do
municpio de Bonito, no Mato Grosso do Sul, cujas caracters-
ticas fisiogrficas, principalmente a transparncia da gua dos
seus rios, somada beleza e diversidade de seus peixes, indi-
cavam grande potencialidade turstica localidade. Mas as in-
tervenes humanas no local, como a definio da capacidade
de carga, a instalao de pousadas, hotis e restaurantes, assim
como a fiscalizao e a melhoria no sistema de transportes, fa-
cilitaram o acesso dos turistas a Bonito, inserindo a localidade
no mercado turstico. J as localidades tursticas onde se per-
cebe o consumo destrutivo, mesmo com potencialidade para
o turismo, no tiveram pesquisa satisfatria nem interveno
humana adequada a fim de permitir a minimizao dos impac-
tos negativos provocados pelo turismo nesta rea. Assim, o tu-
rismo tende a esgotar aquela parcela do espao, fazendo com
que o fluxo turstico o degrade de tal maneira que o inviabilize
para o prprio turismo.
Fundamentos Geogrficos do Turismo
33
Atividade
Atende ao Objetivo 3
2. Para fazer esta atividade, leia trechos da reportagem a seguir, publicada pela BBC-Brasil no dia 7 de maro de 2001:
Machu Picchu corre o risco de desmoronar
Uma equipe de gelogos japoneses lanou nesta quarta-
feira o alerta de que um deslizamento de terra pode
destruir a fortaleza inca de Machu Picchu (...)
Temendo os efeitos da eroso no terreno, no ano passado
as autoridades peruanas decidiram limitar o nmero de
visitantes a Machu Picchu que a maior atrao turstica
do pas.
Eles ento iniciaram uma campanha contra os planos
do governo peruano de instalar um bonde para levar os
turistas at Machu Picchu.
O principal candidato da oposio presidncia do Peru,
Alejandro Toledo, pode causar ainda mais estragos milenar
construo. Ele prometeu que, se for eleito, vai realizar sua
posse em Machu Picchu.
Fonte: BBC-Brasil.
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2001/010307_
machu.shtml
Agora identifique no texto as medidas adotadas para conter os problemas em Machu Picchu, vinculando-as com o conceito de consumo destrutivo pelo turismo visto anteriormente.
________________________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________________________________
34
Aula 2 O turismo na produo do espao geogrfico
Resposta Comentada
Assim como percebemos claramente exemplos positivos, temos tambm exemplos de consumo destrutivo pelo turismo, como o caso de Machu Picchu, cidade inca, considerada Patrimnio Mundial pela Unesco, localizada nos Andes peruanos, e que estaria sendo destruda pelo prprio turismo. Um gelogo ambiental do Instituto Geolgico Mineiro e Metalrgico do Peru (Ingemmet) informou recentemente que os quase trs mil turistas que visitam diariamente o santurio, somados ao fluxo contnuo de nibus e trens, estariam provocando a compactao do solo no terreno da cidade inca. Ou seja, se o fluxo receptivo de turistas para Machu Picchu permanecer elevado, o risco de queda da sua estrutura e destruio da cidade inca passa a ser inevitvel, provocando a transformao e produo indesejada do espao destacado. Para minimizar tais problemas, foi estabelecida a capacidade de suporte/carga de visitantes, pois ao se reduzir o nmero de turistas que visitam o atrativo, os riscos de estragos irreversveis nessa milenar construo tambm so reduzidos.
Figura 2.7: Runas da cidade inca de Machu Picchu, nos Andes peruanos.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Machu_picchu_grande.jpg
A Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (Unesco) se prope a promover a identificao, a proteo e a preservao do patrimnio cultural e natural de todo o mundo, considerado especialmente valioso para a humanidade. Esse objetivo est incorporado em um tratado internacional denominado Conveno sobre a proteo do patrimnio mundial cultural e natural, aprovada pela Unesco em 1972. Para maiores informaes, acesse os seguintes endereos na internet:
http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001473/147330por.pdf
http://www.unesco.org.br/areas/cultura/areastematicas/patrimoniomundial/index_html/mostra_documento
Fundamentos Geogrficos do Turismo
35
Apropriao do espao pelo turismo
A atividade turstica introduz no espao geogrfico seus ob-
jetos necessrios ao desenvolvimento. Alm disso, objetos pree-
xistentes em determinado espao podem ser absorvidos pelo e
para o turismo, tendo seu significado alterado a fim de atender a
uma nova demanda turstica de uso: o caso de igrejas, livrarias,
bancas de jornal, lanchonetes, entre outros objetos preexistentes
ao surgimento do turismo receptivo em determinada localidade.
A prtica social do turismo apropria-se desses objetos, conferin-
do-lhes novos significados (CRUZ, 2001). Quanto aos objetos na-
turais ou coisas, como praias e morros, na opinio de Santos
(1994), quando passam a ser considerados atrativos para o turis-
mo, transformam-se em objetos sociais, junto ao processo de va-
lorizao do espao (COSTA; MORAES, 1994).
Modismo e abandono?A apropriao dos espaos pelo turismo propicia a incorporao e o abandono, mesmo que parcial, de outros espaos, pois, entre os fatores que determinam a valorizao dos espaos onde o turismo se insere, est o modismo. A anlise do turismo no mundo nos mostra que praias, montanhas, campos e cidades tm se alternado como preferncia dos fluxos tursticos dominantes. Alm disso, o turismo vem sendo percebido como uma nova necessidade introjetada na mente dos indivduos.
Quem j no ouviu o seguinte questionamento, aps o perodo de frias, no incio do ano letivo: onde voc passou as frias? Viajou para algum lugar? O que voc fez? Se a sua resposta foi No viajei para lugar nenhum, fiquei em casa, ento voc j deve ter percebido que o turismo foi incorporado como uma nova necessidade, quase obrigatria. A viagem turstica apontada como uma das necessidades do homem, fundamental para a sua autopreservao e para o reconhecimento e a admirao do grupo social no qual est inserido.
36
Aula 2 O turismo na produo do espao geogrfico
Espao turstico
A dificuldade para se definir o espao turstico est basica-
mente em captar a dimenso que esta atividade exerce na pro-
duo do espao. possvel distinguir com certa facilidade os es-
paos que apresentam, a partir dos objetos presentes, condies
de terem fluxos tursticos receptivos. Esses espaos so consi-
derados de vocao turstica, pois mesmo sendo o turismo uma
atividade intensamente presente nesses espaos, no foi ele que
produziu tal espao. Podemos citar como exemplo a cidade do
Rio de Janeiro, a qual, mesmo apresentando importante funo
turstica, pode ser considerada uma cidade multifuncional, e a
histria dessa cidade remonta ao sculo XVI, nada em sua ori-
gem tendo relao com o turismo.
Por outro lado, possvel encontrar espaos produzidos
pelo turismo e para o turismo, apesar da ausncia de quase
todos os fatores apontados como favorveis para a produo do
espao turstico.
Rodrigues (1997, p. 43-44) apresenta um excelente exem-
plo: Las Vegas, cidade onde foram implantadas dezenas de ho-
tis-cassino (ver Figura 2.8), que passaram a atrair milhes de tu-
ristas a cada ano em busca de entretenimento por meio do jogo
e dos grandes espetculos l apresentados. Localizada em pleno
deserto de Nevada, cujo ndice pluviomtrico pouco ultrapassa
100mm anuais, Las Vegas est distante mais de quinhentos qui-
lmetros de Los Angeles e quase mil quilmetros de So Fran-
cisco, dois grandes centros urbanos da Califrnia que, alm de
se comportarem como polos emissores de turistas, funcionam
tambm na captao e distribuio da demanda turstica de Las
Vegas, proveniente do mundo todo.
Fundamentos Geogrficos do Turismo
37
Figura 2.8: Paisagem noturna de Las Vegas, importante centro turstico receptivo norte-americano.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:WelcomeToVegasNite.jpg
Para fins de comparao com o baixo ndice pluviomtrico de Las Vegas (pouco ultrapassa 100mm anuais), o ndice pluviomtrico no estado do Rio de Janeiro superior a 1.500mm anuais em alguns momentos, e postos de coleta de chuva registram no estado ndices anuais de at 2.960,6mm.
O espao turstico, como todo espao geogrfico, no
pode ser definido por fronteiras rgidas, mesmo porque pelo
menos um de seus elementos bsicos lhe exterior: a demanda,
formada pelos consumidores ou possveis consumidores do
espao turstico.
38
Aula 2 O turismo na produo do espao geogrfico
Espao potencial
Boulln (2002) afirma que h um espao que no existe no
presente, pertencendo a sua realidade imaginao dos plane-
jadores: o Espao Potencial, quando se define e planeja para
o futuro algum uso diferente do uso atual de uma determinada
parcela do espao. Teria sido esse o caso do deserto de Nevada,
pensado pelos planejadores como um Espao Potencial para o
turismo, lazer e entretenimento, cuja ao humana teria propicia-
do transformaes em prol do turismo. Seguindo ainda a lgica
de Boulln, o espao potencial seria transformado em um Espa-
o Cultural, caracterizado como a parcela do espao cuja ao
humana teria modificado sua fisionomia original, sendo, portan-
to, consequncia do trabalho humano. No caso da cidade de Las
Vegas, teramos um tipo de Espao Cultural, destacado por Boul-
ln como Espao Artificial.
De acordo com as tarefas exercidas pelo homem no espao geogrfico, teramos o Espao Natural Adaptado e o Espao Artificial. O Espao Natural Adaptado seriam as parcelas do espao geogrfico onde predominam os aspectos fisiogrficos, tais como rios, florestas e relevo, alm da fauna, sob as condies que o homem estabeleceu. Ao criar um parque nacional, o homem estabelece essas condies. J o Espao Artificial seria aquela parcela do espao onde predominam os objetos construdos pelo homem, tendo como sua expresso mxima a cidade.
Fundamentos Geogrficos do Turismo
39
Em 2005, Las Vegas comemorou 100 anos de existncia, e o plano da cidade, tal como imaginaram seus organizadores na poca, contava com apenas algumas pequenas ruas. A rua principal, a Main Street, seguia o traado da linha do trem. Com o passar do tempo, essas ruas se transformaram numa cidade que, em 2005, recebeu mais de 30 milhes de turistas. Ningum poderia imaginar que a cidade se converteria na metrpole que hoje. A carncia de gua, de terras arveis, de recursos minerais e de indstrias pesadas fazia dela uma candidata com escassas possibilidades de crescer, disse Eugene Moehring, uma das especialistas locais na histria da cidade.Durante a primeira metade do sculo XX, alguns fatores se conjugam e propiciam grande crescimento da cidade: a ferrovia, a construo da represa Hoover no rio Colorado, a Grande Depresso dos anos 30 (atraindo pessoas para l em busca de trabalho), a reduo do tempo de residncia para pedir divrcio e a liberao legal dos ditos jogos de azar, tornando Las Vegas a capital do jogo e, consequentemente, do vcio. Na dcada de 1940, foram instalados na cidade grandes hotis-cassinos, como o Rancho, o Last Frontier e o Flamingo. Com o decorrer do tempo, muitos outros cassinos l se estabeleceram, atraindo um grande fluxo de turistas e tornando Las Vegas um dos principais destinos tursticos norte-americanos.
(Fonte: stio do jornal Folha de So Paulo online:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u83640.shtml)
40
Aula 2 O turismo na produo do espao geogrfico
Figura 2.9: Espao Natural Adaptado: Parque Nacional da Chapada dos Guimares (MT).Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Veu_de_noiva.JPG
Atividade
Atende aos Objetivos 2 e 4
3. Indique dois importantes destinos tursticos onde a ao hu-mana os tornou turisticamente atrativos e que tenham predom-nio natural, pensados como Espaos Naturais Adaptados. Faa o mesmo com localidades cujos atrativos predominantes tenham sido construdos pelo homem, pensados, segundo Boulln, como Espaos Artificiais.
________________________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________
Resposta Comentada
Voc deve ter percebido que existem atrativos cuja paisagem predominante de natureza (florestas, cachoeiras, restingas etc.), como o Parque Nacional da Tijuca (Rio de Janeiro, RJ) ou o Parque Nacional do Iguau (Foz do Iguau, PR), e outros cuja ao humana se destaca (cidades, parques temticos etc.), tais como os centros histricos de Ouro Preto e Tiradentes, ambos localizados no estado de Minas Gerais.
Fundamentos Geogrficos do Turismo
41
Forma e funo
Para pensarmos o espao do turismo e sua paisagem, uma
das categorias de anlise do espao nos fornece um importante
ponto de partida: a forma. No entanto, insuficiente para esgotar
a discusso, pois outras categorias (funo, estrutura e processo)
contribuem para a transformao do espao. Assim, no podemos
pensar o espao de maneira esttica e isolada. Faz-se necessrio
analisar a estrutura, ou seja, a matriz social que forjou a forma e o
contedo daquela paisagem apropriada pelo turismo para a melhor
compreenso do espao geogrfico onde ele se insere.
Uma cidade como o Rio de Janeiro uma projeo da
sociedade no espao, pois expressa a prpria sociedade por
meio da forma, da paisagem. A grande quantidade de igrejas
turisticamente atrativas localizadas no centro da cidade do Rio
de Janeiro expressa uma poca em que a maioria da populao
carioca residia na rea central da cidade, e as classes privilegiadas,
repre-sentadas por abastados comerciantes, nobres etc., eram
catlicas. Nesse contexto, Castells (2000) afirma que o espao
urbano um produto das relaes sociais que do ao espao
uma forma, uma funo, uma significao social.
A forma o aspecto visvel exterior de um objeto, seja vis-
to isoladamente, seja considerando-se o arranjo de um conjunto
de objetos, formando um padro espacial, que no caso dos espa-
os do turismo pode vir a ser uma edificao, como o imponente
Pao Imperial, localizado na praa XV de Novembro, no centro da
cidade do Rio de Janeiro; uma rua, como a travessa do Comr-
cio, junto ao Arco do Telles, com seus casarios antigos, tambm
no centro da cidade do Rio de Janeiro; um bairro, como o da Li-
berdade, com edificaes e adornos urbanos em estilo oriental,
com predomnio de caractersticas japonesas, na cidade de So
Paulo; uma cidade, como Ouro Preto (MG), com suas casas secu-
lares; ou um monumento, como a Torre Eiffel (Figura 2.10). Estas
seriam formas espaciais, cujas funes permanecem as mesmas
ou adquiriram funo turstica.
42
Aula 2 O turismo na produo do espao geogrfico
Figura 2.10: Torre Eiffel: exemplo de forma turisticamente atrativa.
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Paris_06_Eiffelturm_4828.jpg
O que funo?
Funo a atividade ou o papel a ser desempenhado pelo
objeto criado, ou seja, a forma. Portanto, forma e funo possuem
uma relao direta e inseparvel, no existindo forma sem fun-
o e funo sem forma. No caso de formas nos espaos onde o
turismo est inserido, percebemos funes tursticas, como hos-
pedagem (Figura 2.11), alimentao, lazer etc.
Fundamentos Geogrficos do Turismo
43
Figura 2.11: Hospedagem como funo turstica: Hotel Amstel Amsterd, Holanda.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f5/AmstelhotelAmsterdam.jpg
possvel termos formas turisticamente atrativas,
pois o aspecto visvel exterior de determinados objetos
presentes no espao apresenta interessante beleza cnica ou
representatividade histrica. No entanto, nem sempre essas
formas foram construdas com funo turstica, como o caso
de residncias familiares, cuja funo habitacional/residencial;
ou igrejas, cuja funo religiosa, passando a agregar funo
turstica tambm.
No podemos esquecer de destacar que as formas podem
ter novas funes, diferentes daquelas relacionadas sua cria-
o, ou ter uma nova funo agregada, ou seja, ter mais uma
funo alm da estabelecida na sua criao. No primeiro caso,
residncias tornaram-se museus, sedes de antigas fazendas pas-
saram a ser hotis, antigas estaes de trem tornaram-se espao
de cultura, at agncias bancrias se transformaram em centros
culturais, como o caso do Centro Cultural Banco do Brasil, na
cidade do Rio de Janeiro. No segundo caso, muitas igrejas tm
um nmero de visitantes maior para contemplar seu acervo do
que propriamente de fiis, como o caso da igreja da Candelria
44
Aula 2 O turismo na produo do espao geogrfico
(Figura 2.12), no centro da cidade do Rio de Janeiro, que recebe
grande quantidade de turistas todos os dias, assim como as igre-
jas de Ouro Preto, pontos de visitao obrigatrios de qualquer
roteiro turstico desta antiga cidade histrica mineira. Essas tam-
bm so expresses do turismo como agente transformador e
produtor do espao geogrfico.
Figura 2.12: Igreja da Candelria.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/13/Candelaria2.jpg
Fundamentos Geogrficos do Turismo
45
Concluso
Podemos concluir nesta aula que o turismo um impor-
tante agente transformador do espao, exigindo elementos que
possuem funo ou potencialidade turstica para que novos fluxos
(tursticos) sejam estabelecidos entre os fixos presentes, seja no
centro emissor, seja no receptivo. Formas j existentes, objetos
isolados como monumentos ou um arranjo espacial como um
centro histrico podem ter sua funo modificada para atender
demanda turstica expressa nos fluxos. Novas formas podem sur-
gir com funo turstica, com a finalidade de estabelecer, manter
ou ampliar os fluxos tursticos direcionados aos centros turstico-
receptivos, onde propriamente o turismo acontece. Assim, o espa-
o se transforma a partir das aes que o turismo determina. Por-
tanto, ele um relevante agente produtor do espao geogrfico.
Atividade Final
Atende aos Objetivos 1, 2, 3 e 4
Pensando no municpio de Ouro Preto (MG), ao longo dos anos a preocupao com a preservao da cidade e do seu patrimnio se concretizou por sucessivas medidas oficiais. Em 1931, o prefeito Joo Batista Ferreira Velloso proibiu construes de alterar as fachadas coloniais da cidade. Dois anos depois, foi decretada Monumento Nacional, sendo inscrita em 1938 no Livro de Tombo do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, SPHAN. Em 1944, ano do bicentenrio do poeta e inconfidente Toms Antnio Gonzaga, a criao do Museu da Inconfidncia reforou a relevncia histrica e artstica de Ouro Preto no cenrio nacional. Em 1980, aps importantes estudos feitos por uma equipe de especialistas vinculados Unesco, a cidade foi reconhecida como Patrimnio Cultural da Humanidade.
Ouro Preto tornou-se um importante destino turstico, tendo essa atividade transformado seu espao. Como isso possvel, j que a prpria legislao limita a insero de novos objetos em seu centro histrico?
46
Aula 2 O turismo na produo do espao geogrfico
______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________
Comentrio
Voc deve ter percebido no texto que os fixos so praticamente os mesmos em Ouro Preto (MG), antigas habitaes, igrejas e edificaes que funcionavam como reparties do governo. No entanto, novos fluxos foram estabelecidos (entre estes o turstico), propiciando aos objetos j existentes adquirirem novas funes (tursticas), tornando-se meios de hospedagem, restaurantes e museus, sendo essa uma expresso do turismo na produo do espao geogrfico.
Resumo
O turismo um dos mais relevantes fenmenos da sociedade
contempornea, agindo nas esferas social, econmica,
ambiental, poltica e cultural, movimentando trilhes de dlares
todos os anos e centenas de milhes de turistas, sendo tambm
uma das atividades que mais empregam mo de obra no
mundo. Uma atividade dessa magnitude tem imenso poder de
transformar os lugares onde se insere, principalmente os ncleos
receptores, propiciando novos fluxos junto aos fixos j existentes
ou fazendo com que novos fixos sejam instalados para suprir a
demanda dos fluxos tursticos. Tais aes imprimem importantes
mudanas no espao geogrfico, caracterizando o turismo como
um relevante agente produtor do espao geogrfico.
Fundamentos Geogrficos do Turismo
47
Informao sobre a prxima aula
Na prxima aula, trataremos de outra especialidade da
Geografia, a Geografia Urbana, que aborda a urbanizao, o
crescimento e os problemas das cidades, bem como as funes
urbanas (dentre elas a funo turstica).
3 A contribuio da geografia urbanaMeta da aula
Apresentar a relao entre turismo e sistema urbano, abrangendo rede urbana, funo urbana, rea de influncia das cidades, hierarquia urbana, funo central e nvel de centralidade urbana.
Objetivos
Esperamos que, aps o estudo do contedo desta aula, voc seja capaz de:
reconhecer os conceitos geogrficos de rede urbana, funo urbana, rea de influncia das cidades, hierarquia urbana, funo central e nvel de centralidade urbana;
compreender o funcionamento da rede urbana como suporte de todas as atividades econmicas, dentre elas o turismo;
identificar o papel da prestao de servios (incluindo a atividade turstica) na definio do nvel de centrali-dade de um ncleo urbano.
Pr-requisito
Para melhor entendimento do contedo desta aula, voc deve relembrar a noo de espao de fluxos, tema desen-volvido na Aula 1.
2
1
3
50
Aula 3 A contribuio da geografia urbana
Introduo
Os meios de comunicao evidenciaram a chegada de 2008 como
um ano promissor, em funo do chamado efeito calendrio.
Tratava-se da constatao de que seria um ano com poucos fe-
riados prolongados, fato alardeado como beneficente para o pro-
gresso e para o desenvolvimento nacional. Assim noticiava o jornal
O Globo no dia 14 de janeiro de 2008, como manchete de capa:
O brasileiro ir trabalhar mais em 2008, cujo calendrio far
a festa da economia e ajudar no ritmo de crescimento.
A grande maioria dos feriados nacionais cair nos sbados
e nos domingos, principalmente no segundo semestre. Ser
o ano com maior nmero de dias teis desde o incio da
dcada: 254, contra 250 em 2007 e 249 em 2006. Mais dias
de trabalho tero reflexo na indstria e no comrcio interno
e externo. S em importaes e exportaes, espera-se um
fluxo de 5 bilhes a mais.
No foi apenas desta vez. Todos os anos, quando se aproxima um
feriado prolongado, essa mesma avaliao demeritria circula
amplamente na mdia, fazendo todos acreditarem que realmente
os feriados atrapalham a economia e atravancam o progresso
(como se dizia outrora). De fato, antigamente um feriado pro-
vocava reduo geral da atividade econmica, mas hoje no
mais assim, pois o setor de entretenimento (no qual se insere o
turismo) se expandiu muito.
Para encarar esse assunto com a devida seriedade, vamos tratar
nesta aula de um dos temas mais importantes da geografia ur-
bana: o estudo da rede urbana. Veremos que toda a economia de
uma nao ou de uma regio necessita da rede urbana que lhe d
suporte. Quem compreende como funciona uma rede urbana no
faz uma afirmao como a que acabamos de ler.
Cumpre informar que a geografia urbana abrange outros con-
ceitos e temas cruciais, tais como stio, evoluo urbana, segre-
gao socioespacial e organizao interna da cidade, mas estes
sero tratados em aulas posteriores.
StioNos estudos urbanos, o s-
tio de uma cidade a base
fsica onde ela se assenta.
Essa base composta
por um relevo e eventuais
acidentes hidrogrficos.
A cidade do Rio de Janeiro,
por exemplo, possui um
stio peculiar, formado por
elevadas montanhas junto
ao mar e algumas lagoas.
Mdulo 1 Fundamentos Geogrficos do Turismo
51
O que rede urbana?
Quando observamos um mapa-mndi, vemos primeira-
mente que as terras emersas esto repartidas por linhas que se-
param os pases. Olhando para cada pas, vemos que ele possui
uma capital, isto , uma cidade que abriga o governo nacional.
Outras cidades tambm aparecem no mapa, mas as capitais tm
seu nome destacado, geralmente sublinhado e em letras mais-
culas, uma conveno cartogrfica universal, para que todos
reconheam qual a capital de cada pas.
As outras cidades aparecem espalhadas no mesmo mapa,
como se formassem uma constelao: elas tm tamanhos
diferentes, portanto graus de importncia tambm variados
entre si. Como estrelas, elas esto ali, soltas no mapa-mndi.
Na verdade, no bem assim. Se voc buscar um mapa de deter-
minado pas, ali encontrar um conjunto de linhas que interligam
estas cidades. Essas linhas podem ser rodovias ou ferrovias, mas
o que nos importa que elas tm como principal funo interli-
gar as cidades.
De modo geral, as vias de transporte apenas atravessam a
zona rural. Seu destino sempre uma cidade, seu ponto de par-
tida, tambm. Por mais importante que seja um estabelecimento
como uma grande fazenda, no h condies de se criar uma
estrada pavimentada apenas para servir a essa fazenda, pois no
h fluxo que sustente uma obra to cara. Por isso, o que preva-
lece no campo so os caminhos de terra, as chamadas estradas
vicinais, onde o fluxo de veculos quase inexistente.
Em muitas estradas vicinais voc pode permanecer por
uma hora inteira e no ver passar mais do que dois ou trs vecu-
los, levantando a poeira e quebrando o silncio circundante. J
numa estrada pavimentada, mesmo nas de menor importncia,
em uma hora passaro dezenas ou at centenas de veculos.
Numa grande autopista como a Via Dutra (rodovia que liga o Rio
de Janeiro a So Paulo), nesse mesmo perodo de tempo voc
observaria milhares de veculos.
Estrada vicinalCompreende as vias de
circulao de menor extenso e importncia, geralmente de terra ba-
tida e destinadas a interli-gar pequenas localidades
vizinhas (da o adjetivo vicinal). Por cobrirem
zonas de baixa densidade demogrfica, apresentam
fluxo bastante reduzido. E por servirem basi-
camente reas rurais, predomina o transporte
em trao animal.
52
Aula 3 A contribuio da geografia urbana
Por que a Via Dutra a estrada de maior movimento de
trfego no Brasil? A resposta muito simples: ela conecta as
duas maiores cidades do pas. So duas metrpoles que, se
somadas as suas populaes, alcanam algo em torno de 30 mi-
lhes de habitantes, e se considerarmos as dezenas de cidades
de pequeno e mdio porte que se encontram ao longo dessa es-
trada, alcanaremos um efetivo demogrfico ainda maior.
Toda essa populao consome bens e servios em quanti-
dades imensas. Muitos desses bens no so produzidos onde re-
side o consumidor final do produto, por isso este mesmo produto
viaja, deslocando-se do local de produo para o local de con-
sumo. Por esse motivo, vemos tantos caminhes trafegando nas
principais rodovias. Eles permitem que seja consumido em diver-
sas localidades o produto que tem origem numa nica (e muitas
vezes distante) localidade.
O gegrafo Roberto Lobato Correia, considerado a maior
autoridade nos estudos sobre rede urbana no Brasil, afirmou
que, no bojo do processo de urbanizao, a rede urbana passou
a ser o meio atravs do qual produo, circulao e consumo se
realizam efetivamente. Toda a economia, de modo geral, funcio-
na tendo como suporte a rede urbana.
Atividade
Atende ao Objetivo 1
1. Visite o supermercado de sua cidade ou um estabelecimento co-mercial semelhante (mercearia, quitanda etc.). Se sua residncia estiver bem abastecida, voc nem precisa sair de casa: recolha uns dez produtos de uso domstico cotidiano (alimentos, pasta de dentes, sabo em p etc.) e observe a origem desses produtos, isto , o local de fabricao.
Produto Origem
Mdulo 1 Fundamentos Geogrficos do Turismo
53
Comentrio
A menos que voc resida numa cidade dotada de grande parque industrial, certamente ter encontrado produtos fabricados em outras cidades, quando no em outros estados. Imagine o deslo-camento que esses produtos realizaram at chegarem a voc, isto , o consumidor final. O leite em p, por exemplo, produzido em poucas cidades brasileiras, dependendo, por isso, do sistema rodovirio para distribu-lo por todo o territrio nacional, atingindo localidades muito distantes. J a manteiga geralmente produzida e consumida numa escala regional. A diferena fundamental entre es-ses dois produtos que, enquanto o leite em p duradouro e est embalado em latas resistentes, a manteiga um produto que requer refrigerao e sua embalagem mais frgil, por isso podemos dizer que a manteiga e o queijo no viajam tanto quanto o leite em p e a pasta de dentes. O importante a registrar nesse momento que ambos precisam se deslocar para chegar at voc ou a qualquer con-sumidor em outras cidades. Esse intenso deslocamento de produtos entre cidades a prpria base de funcionamento da rede urbana, pois expressa a ligao constante entre cidades.
O papel dos bens e servios no funcionamen-to da rede urbana
Da mesma forma que consomem bens, as pessoas tam-
bm consomem servios. Para seguir nosso raciocnio, pre-
ciso antes fazer uma distino importante entre bem e servio.
Em outras palavras, discernir entre os resultados de dois grandes
setores da economia: o secundrio e o tercirio.
Em geral, os bens so coisas, isto , so objetos materiais:
um livro, um computador, um tijolo, um automvel, uma lata de
leite em p etc. O que todos eles tm em comum o fato de serem
frutos do setor secundrio da economia, o da transformao, pois
54
Aula 3 A contribuio da geografia urbana
todos eles so resultados do trabalho humano que extrai recursos
da natureza e os transforma em produtos, em coisas teis.
Como o ato da transformao, que caracteriza o setor se-
cundrio (industrial), depende de concentrao de maquinrio e
instalaes especializadas, ele se realiza em poucos locais mais
apropriados para abrigar esse maquinrio. Em outras palavras, a
produo de bens geograficamente concentrada, e como a pro-
duo industrial se faz em grande escala, no preciso haver
tantos locais de fabricao de um mesmo produto: uma nica
fbrica, de grande porte, produz tanto que pode abastecer uma
regio inteira, ou at uma nao inteira, dependendo, claro,
do tipo de produto. Por isso, a indstria depende muito das
condies de circulao, do espao de fluxos a que nos referi-
mos na nossa primeira aula. No por acaso que foi a Revoluo
Industrial que estimulou a inveno da locomotiva a vapor: as
fbricas j produziam muito, mas no conseguiam escoar sua
produo, numa poca em que a circulao terrestre dependia da
trao animal. Era necessrio criar condies de velocidade, de
fluidez no territrio. A industrializao requer uma rede urbana
eficiente, conforme veremos mais adiante.
Os produtos industrializados tendem a ser fabricados em poucos lugares especficos, dotados de condies especiais. Os demais centros urbanos, desprovidos de tais condies, para poder consumir tais produtos precisam fazer com que estes se desloquem entre os centros produtores e os centros consumidores. Esse intenso deslocamento de produtos pelas estradas que anima a rede urbana.
J falamos dos bens. Vejamos agora os servios.
Primeiramente, eles no so propriamente coisas, obje-
tos palpveis. So atividades, gestos, tal qual o ato de ensinar,
de examinar um corpo, de cortar cabelo, de oferecer diverso, e
Mdulo 1 Fundamentos Geogrficos do Turismo
55
se caracterizam justamente por serem consumidos no mesmo
lugar e momento em que so gerados, ao contrrio dos bens.
O bem viaja, transportado; o servio, no. Uma aula de ingls,
por exemplo, seja ela oferecida em um estabelecimento educa-
cional, seja em domiclio, um servio consumido pelo aluno no
mesmo instante e lugar em que produzido pelo professor.
Grosso modo, podemos dizer que geralmente, enquanto o bem
se desloca at o consumidor, o consumidor quem se desloca
at o local onde prestado o servio, seja ele de natureza mdi-
ca, educacional, jurdica, religiosa, turstica
Top Related