4O Problema da Falsidade no Discurso Segundo o Sofista de Plato
ldquoO caso dizia Sherlock Holmes enquanto fumvamos nossos charutos e conversvamos aquela noite em nossa casa de Baker Street um dos que nos foram a raciocinar de trs pra frente dos efeitos s causasrdquo
Conan Doyle
O Sofista inicia com um dilogo introdutrio que pretende estabelecer o
assunto da conversao entre Scrates Theodoro Theeteto e um personagem
chamado de o Estrangeiro de Elia ldquocompanheiro tanto de Parmnides quanto de
ZenordquoF
1Fica acordado que o tema do dilogo que se seguir ser acerca da
definio de trs figuras importantes da vida grega o sofista o poltico e o
filsofo Como sabemos Plato no escreveu um dilogo dedicado terceira parte
da conversa aquela onde a definio de filsofo seria investigada No entanto
tanto a figura do sofista quanto a do poltico foram devidamente definidas em seus
dilogos homnimos Cabe ento ao Estrangeiro a tentativa de definir
corretamente o que o sofista com o auxilio de um interlocutor para quem dirigir
suas perguntas Scrates prope e o Estrangeiro aceita que este interlocutor seja
o jovem Theeteto
Aps uma demonstrao do mtodo que usar para definir a figura do
sofista (218d-221c) O Estrangeiro de Elia parte para apresentao de suas
definies Seis definies so apresentadas nas sees iniciais do dilogo e
recapituladas em 231c-e A stima definio entretanto leva ao gnero de
produtor de imagens que ainda dividido em arte da cpia (ei)kastikh) e arte
da semelhana (fantastikh) sendo que a primeira delas mantem as
propores do modelo que copia enquanto a segunda delas distorce as propores
na discusso acerca da validade deste gnero que surgir o problema da
possibilidade do discurso falso Acusado de produzir imagens o sofista lanar
mo de uma srie de aporias relacionadas ao uso deste termo e prpria noo de
imagem importante notar que desde a enunciao do problema realizada a
1ἑταῖρον δὲ τῶν ἀμφὶ Παρμενίδην καὶ Ζήνωνα [ἑταίρων] (216a 4)
62
assimilao entre o modo de ser das imagens que mostram e parecem sem
realmente serem e o modo de ser do discurso falso que diz algo sem dizer algo
verdadeiro
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236e)F
2
Tanto as imagens quanto os discursos falsos parecem possuir uma estranha
relao com aquilo que pretendem representar Ambos no so aquilo que
representam no entanto claramente satildeo alguma coisa Uma imagem de uma casa
pode parecer e mostrar (φαίνεσθαι e δοκεῖν) muito bem uma casa sem
realmente s-la No entanto ningum negaria que ela alguma coisa ela
realmente e verdadeiramente uma imagem De maneira semelhante um discurso
falso descreve ou expressa uma situao um fato no um fato real mas
inegavelmente algum tipo de fato um fato falso A analogia s completamente
entendida se levarmos em conta a relao entre a imagem e o fato descrito pelo
discurso falso Assim como a imagens de um co se caracteriza por natildeo ser
realmente um co o contedo de um discurso falso caracteriza-se por natildeo ser
realmente um fato No entanto ambos satildeo realmente aquilo que so uma imagem
de algo e um fato falso Como emblematicamente enuncia o Estrangeiro ldquotal
afirmao supe ser o no serrdquo
Os comentadores da primeira metade do sculo XXI parecem concordar
com o fato de que na seo dedicada exposio das aporias relacionadas noo
de no-ser Plato est tratando dos argumentos baseados no conceito de
existncia e na impossibilidade de referir-se a sujeitos inexistentes Essa posio
fica clara tanto nos comentrios quanto nas tradues de autores como Cornford e
2236d9 - 237a1 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to
gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta
a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron
kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave
tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte
xalepon
63
Guthrie que infalivelmente traduzem to mh oAtilden por ldquoo no existenterdquo Tal como
nas primeiras interpretaes apresentadas no capitulo anterior sobre o argumento
de Parmnides estes autores atribuem a Plato argumentos semelhantes queles
dos paradoxos modernos sobre sujeitos inexistentesF
3F Por mais que no decorrer
dos comentrios Cornford parea distanciar-se da questo dos sujeitos
inexistentes sua incessante traduo de to mh oAtilden por ldquoo inexistenterdquo torna
pouco clara sua interpretao4F Alm disso governa o comentrio destes autores a
assuno de que Plato nesta seo inicial est isolando o sentido existencial do
verbo ldquoserrdquo para desqualificar seu uso na formula to mh oAtilden Toda a passagem
237b-239c estaria voltada para alegao de que ldquoo no-serrdquo equivale a ldquoo no
existenterdquo ou ldquoa no-entidade absolutardquo (absolute nonentity) e que tais palavras
ldquono podem ser ditas sem cair-se em contradiordquo (CORFORD1958208)
Em ldquoPlato On Not-beingrdquo (OWEN1970) recentemente o artigo mais
influente acerca das aporias do no-ser Owen criticas estas interpretaes j
tradicionais e procura oferecer uma explicao baseada sobretudo nas noes de
referncia e predio Para que tais noes sejam atribudas ao argumento contido
no Sofista Owen sustentar as teses de que
I) Plato est lidando com usos incompletos do verbo εἶναι
II) O argumento no necessita do ldquoisolamento de um verbo
existencialrdquo
Em seu artigo Owen concentra-se na defesa da tese II) deixando I) como
uma assuno prvia ou como a concluso imediata de II) Como veremos a
defesa de I) caber a comentadores como Frede Bostock Mcdowell que
dedicaram seus artigos s sees posteriores do dilogo onde solucionado o
problema da falsidade Mas para que o argumento sobre sujeitos inexistentes seja
excludo da discusso Owen tratar da passagem 237b7-239c8
3 Ver pagina 17 (CfQuine1953)4 Por exemplo no comentrio para linha 241b em que Corford parece tratar indistintamente a questo dos sujeitos inexistentes e a questo acerca dos estados-de-coisas representados por sentenas falsas (Cornford1952214)
64
Segundo Owen a seo comea tratando o problema na sua forma
tradicional 237b7-e7 tem como objetivo demonstrar que ldquoo que no rdquo equivale a
nada portanto falar o que no = falar nada = no falar Conclui-se que se falar
falsamente falar o que no no h tal fala falsardquo (OWEN1970432) Somente
esta primeira parte estaria relacionada a questo dos sujeitos inexistentes e faria
uso da equao ldquono-serrdquo = ldquoo no existenterdquo = ldquonadardquoF
5
Logo aps (238a1-c11) o Estrangeiro baseia-se no fato de que para
mencionarmos ou pensarmos em algo necessariamente atribumos alguma
propriedade a esta coisa O exemplo usado pelo Estrangeiro o numero como
categoria gramatical se mencionarmos algo devemos lhe atribuir ou bem a
unidade ou bem a multiplicidade ou bem a dualidade no caso da lngua grega
que possui o dual para artigos e nomes Sendo assim ao mencionarmos ou
pensarmos em lsquoo no-serrsquo estamos necessariamente atribuindo-lhe a unidade o
que parece contraditrio tendo em vista que o ldquono-serrdquo no deve possuir
qualquer tipo de atributos Owen afirma que esta passagem pode ser vista como
contendo um argumento independente da passagem anterior mas ainda
reafirmando a equao ldquoo que no rdquo = ldquonadardquo
Somente quando deduzido que ldquoo que no rdquo no nos possibilita sequer
um atributo para mencionarmos sendo portanto impronuncivel (238b6-c10)
que ldquoo problema convertido em um problema sobre refernciardquo (OWEN
1970434) Nesta passagem e na passagem subseqiexclente (238d1-239c8) o
Estrangeiro estaria rejeitando a noo de um objeto sem qualquer determinao
isto negando a possibilidade de algum objeto (x) ao qual nenhuma propriedade
F possa ser aplicada Ao localizar a fonte dos problemas na impossibilidade de
conceber algo para o qual nenhum predicado pode ser atribudo Plato d adeus
ao antigo problema acerca dos sujeitos inexistentes e passa a analisar a equao ldquoo
que no rdquo = ldquonadardquo como introduzindo um erro acerca da negao e no acerca
do sentido existencial do verbo ldquoserrdquo
Owen conclui que sua exposio desta seo do dilogo ldquoprova que
possvel criar puzzles sobre o Nada sem confundi-los com puzzles sobre o no-
existenterdquo E ainda ldquomostra que a questo do Sofista traz estes puzzles para
5 Segundo Owen trata-se de uma referncia a antigos problemas citados em dilogos como Theeteto e Eutidemo
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discusso de maneira a levar naturalmente ao estudo da sintaxe sujeito-predicado
e do ldquo conectivordquoF
6Frdquo (OWEN1970437)
No restante do seu artigo Owen procura reafirmar suas teses
principalmente atacando as interpretaes tradicionais fundamentadas na noo de
existncia Eventualmente Owen atribui analises para sentenas localizadas nas
sees destinadas soluo do problema da falsidade (255-264) No entanto sua
argumentao est mais focada em desqualificar seus opositores do que oferecer
uma anlise pormenorizada do texto platnico Sua posio entretanto bem
claramente explicitada em afirmaes do tipo ldquoO uso do verbo ldquoserrdquo no qual o
Estrangeiro apia suas concluses o uso conectivo7F distribudo entre identidade
e predicaordquo (OWEN 1970443)
A anlise passo-a-passo das passagens dedicadas soluo do problema foi
realizada em diversos artigos que se seguiram e que endossam as principais teses
de Owen Os comentadores que sero expostos a seguir na sua grande maioria
nem ao menos mencionam o sentido existencial como uma possibilidade
interpretativa e todos sem exceo procuram realizar a tarefa deixada por Owen
a saber oferecer uma interpretao para a soluo do problema baseada nos usos
incompletos do verbo ldquoserrdquo
6 A frmula ldquo lsquo rsquo conectivordquo claramente significa a forma incompleta do verbo ldquoserrdquo7 Incompleto na nossa terminologia
66
41A Anlise do Problema da Falsidade
Os comentadores divergem acerca de como deve ser feita esta anlise e at
mesmo se Plato foi bem sucedido em sua tentativa A passagem crucial se
estende de 255 at 264 quando o Estrangeiro demonstra a falsidade da sentena
Theeteto est voando Tradicionalmente esta parte do dilogo tem sido dividida
da seguinte forma
A primeira passagem vai de 255e8 a 257a12 e inicia-se com os
interlocutores concordando que as formas se encontram em relaes umas com as
outras Sendo que enquanto umas se prestam a uma comunidade mtua outras
no esto relacionadas entre si Tendo sido estabelecido isto o Estrangeiro
apresenta as relaes possveis entre os cinco gneros supremos ser o outro
o mesmo o repouso e o movimento E estabelece que cada forma no
cada uma das outras (movimento no repouso no o mesmo no o outro
no o ser) devido a sua relao com o outro A concluso que chega o
estrangeiro que ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no
rdquo (to mh oAtilden) ilimitadordquo
Existe certo consenso por parte dos comentadores em analisar as
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo presentes nesta passagem como identidade dizer que
movimento no repouso equivale a dizer que movimento no idntico ao
repouso ou seja outro que o repouso
A segunda passagem se estende de 257b1 a 258c5 Aqui o Estrangeiro nota
que ao dizermos que algo no grande no estamos nos referindo
necessariamente ao pequeno isto o oposto do grande mas a alguma coisa de
diferente E que a forma do ldquooutrordquo quando aplicada a cada coisa possui um
nome prprio O ldquooutrordquo aplicado ao belo por exemplo o no-belo
H uma predisposio por parte dos comentadores em analisar esta
ocorrncia do verbo ldquoserrdquo como envolvendo predicao negativa E segundo a
grande maioria dos comentadores esta a anlise do verbo ldquoserrdquo necessria para
resolver o problema da falsidade
67
As dificuldades comeam quando ao anunciar a soluo do problema da
falsidade (em 263b11) o Estrangeiro faz referncia primeira das duas passagens
aquela em que so expostas as relaes entre os gneros supremos e onde os
comentadores vem apenas no identidade Como explicar tal fato
A referncia parece bastante clara e j reconhecida ao menos desde
Cornford para quem Plato est ldquoinvocando as Formas e usando os resultados da
seo sobre as combinaesrdquo(isto 255-257) para obter o sentido da sentena
falsa (CORNFORD1952316) Vejamos as duas sentenas lado a lado para que
possamos analisar melhor a relao entre elas
I) Em 256e 5 temos Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men
e)sti to oAtilden aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) [isso] muito e ldquoo que no
rdquo(to mh oAtilden) [isso] ilimitadordquoF
8
O acrscimo do pronome demonstrativo como complemento ao verbo ldquoserrdquo
tem como objetivo explicitar que nesta passagem o verbo entendido
sintaticamente como incompleto e semanticamente como uma predicao de
identidade
II) J em 263b 11 temos polla men gar eAtildefamenFF oAtildenta periigrave
eAgravekaston eiaringnaiiquest pou polla de ou)k oAtildenta
ldquoDizamos que no caso de cada (coisa) h muitas (coisas) que so e muitas
que no sordquo 9
Entendendo predicativamente as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo isto seria
dizer No caso de cada coisa (incluindo Theeteto) h muitas coisas que so (por
exemplo sentado) e muitas que no so (por exemplo voando) No entanto
analisando 263b11 desta maneira ns a tornamos consideravelmente distinta da
primeira passagem em dois pontos Primeiro enquanto em 256 o quantificador
universal (eAgravekaston) aplica-se s formas (twfrac12n eisup1dwfrac12n) em 263 estamos
8 Apresento primeiramente a traduo de Mcdowell (1982)9 A presena da palavra eAtildefamen ( imperfeito ativo do verbo φημί na 1cent pessoa do plural -dizamos) indica que trata-se de uma referncia a algum resultado obtido anteriormente E no parece haver comentador que considere outra passagem seno 256e5 como a passagem em questo
68
aplicando-o a Theeteto Em segundo lugar enquanto em 256 a parte negativa da
generalizao s cobria casos de negao de identidade em 263 estamos
estendendo para predicao negativa Ambas as modificaes foram notadas por
Mcdowell (MCDOWELL1982 123-124)
Como podemos incorporar estas modificaes de maneira a oferecer uma
interpretao desejvel Esta interpretao deve dar conta do fato de que
aparentemente a passagem na qual est fundamentada a possibilidade de
discursos falsos trata apenas das relaes possveis entre as formas e conclui que
cada forma e no cada uma das outras Dentre as solues propostas
podemos reconhecer trs grupos
1)aqueles que explicam a referncia primeira das duas passagens pela
incapacidade de Plato de reconhecer a diferena entre estes dois usos do verbo
ldquoserrdquo De tal forma que ao introduzir a predicao negativa em 257b1-258c5 a
passagem acerca do no-belo Plato no se d conta de que s a partir da est
usando a noo necessria para capturar o sofista (BOSTOCK1984)
(OWEN1970)
2)aqueles que acreditam que a primeira passagem tambm pode ser
analisada em termos de predicao negativa (ACKRILL1957) (FREDE1992)
(MCDOWELL1982)
3)aqueles que acreditam no haver definitivamente predicao negativa em
nenhuma das duas passagens (ECK1994)
Dentre estes trs grupos de comentadores os dois primeiros so sem
sombra de dvida mais reconhecidos E grande parte dos trabalhos escritos sobre
este assunto toma como ponto de partida aquilo que estes dois grupos tem em
comum a opinio de que atravs da anlise do verbo ldquoserrdquo como predicaccedilatildeo
negativa que Plato fornece sua soluo para o problema da falsidade Ora para
que uma soluo do problema seja apresentada atravs da predicao negativa
preciso que a falsidade de sentenas do tipo ldquoScrates belordquo seja corretamente
analisada atravs da sentena ldquoScrates no belordquo
Definitivamente no tem se mostrado muito fcil relacionar estas duas
passagens e ainda oferecer uma soluo satisfatria para o problema O desafio
maior parece estar na maneira de relacionar a passagem acerca da relao entre as
formas (255e8-257a12) e a passagem acerca do no-belo de tal forma que a
citao da primeira passagem na soluo do problema torne-se natural Como a
69
primeira passagem se refere apenas a predicaes de identidade espera-se que a
anlise de predicaes negativas do tipo ldquoScrates no belordquo apresentada em
257b1-258c5 e supostamente necessria para a soluo do problema seja
realizada atravs da noo de diferena isto no identidade Caso esta anlise
possa ser extrada do texto a relao entre a primeira e a segunda passagem
estaria corretamente estabelecida e a citao de 256 durante a soluo do
problema estaria justificada No entanto a sentena obviamente no pode ser
entendida como ldquoScrates diferente do Belo (forma)rdquo o que seria o primeiro
candidato tendo em vista que a primeira passagem trata da no-identidade entre
formas Helena que sem dvida bela tambm diferente da forma do Belo de
fato tudo que belo diferente da forma do Belo
Alguns comentadores tentaram oferecer uma interpretao com base na
noo de incompatibilidade entre formas Primeiramente Cornford que acredita
que ldquoo no belordquo em questo no pode ser entendido como uma forma pois o
carter negativo que esta forma teria no seria condizente com a noo de idia
platnica Ao invs desta forma negativa de No-Belo Cornford prope que
entendamos ldquoo no belordquo como ldquoo nome coletivo de todas as Formas outras que o
Belordquo (CORNFORD1952p293)
A criao deste conjunto foi criticada por Sayre que prope em seu lugar um
conjunto formado pelas Formas relacionadas com Belo ldquode tal maneira que juntas
elas constituem um conjunto exaustivo e exclusivo A Forma no-Sentado por
exemplo consta de Andar Correr Saltar Estar de P assim por diante ()rdquo
(SAYRE1979) Desta maneira entenderamos ldquoScrates no belordquo como
ldquoScrates participa de alguma coisa que incompatvel com o Belordquo No entanto
tanto a interpretao de Cornford quanto a reformulao ad hoc feita por Sayre
possuem problemas Alm destas interpretaes traduzirem as ocorrncias de
ἄλλοF
10F e ἕτερονF
11F em 256-258 por ldquoincompatvelrdquo elas incorporam a noo de
incompatibilidade entre formas ou conjuntos de formas discusso coisa que
dificilmente pode ser extrada do texto platnico A despeito destes problemas
esta leitura da passagem torna-se incapaz de explicar a referncia primeira
10 Ocorrncias de ἄλλο em 256-258 (256c6 257d11 257e2) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo11 Ocorrncias de ἕτερον (255e10 256a4) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo
70
passagem (255 a 257) onde no h nada sobre incompatibilidade ou conjunto de
formas
A dificuldade de explicar o uso de vrios sentidos do verbo ldquoserrdquo durante o
desenvolvimento da questo acerca da falsidade levou alguns a considerar que
Plato simplesmente no estava ciente das diferenas de uso do verbo O que
teria levado a inconsistncias no tratamento da questo (cfBOSTOCK1984)
Outro grupo de comentadores ofereceu interpretaes que livram Plato de
falcias e inconsistncias no entanto no parece nada fcil explicar porque o
Estrangeiro passa de um uso do verbo ldquoserrdquo a outro sem nenhum aviso Frede em
Platoacutes Sophist on false statements (FREDE1992) parte da assuno de que
Plato entende os dois casos como exemplos de um nico uso do verbo ldquoserrdquo Sua
argumentao apia-se em 258a7-812onde ao explicar que o ldquono-serrdquo um ser
dentre os outros seres o Estrangeiro ldquoespecifica uma natureza do ldquooutrordquo (ἡ
θατέρου φύσις) supostamente envolvida em todos os casos de ldquono-serrdquo que
estivemos considerandordquo (FREDE1992408) E ainda conclui a partir disto que
Plato no pode pretender solucionar o problema da falsidade distinguindo a
predicao negativa da negao de identidade Temos que assumir portanto
conclui Frede que h somente um sentido de ldquoserrdquo envolvido tanto em
ldquomovimento no repousordquo quanto em ldquoTheeteto no (est) voandordquo [Theeteto
is not flying] (FREDEp408) Ao assumirmos que Plato est lidando com uma
nica interpretao do verbo ldquoserrdquo podemos explicar a relao entre estas duas
passagens que usualmente consideraramos como oferecendo duas anlises
diferentes do verbo sem implicar com isso nenhuma confuso por parte de Plato
Frede como j foi dito argumenta que a primeira passagem tambm pode
ser entendida como contendo aquilo que chamamos casos de predicao negativa
Para que tal interpretao seja mantida preciso que se entenda a anlise de
Plato para sentenas do tipo ldquoX no Yrdquo ndash no caso de X e Y serem diferentes -
no como uma negao de identidade mas como ldquoatribuindo no ser a Xrdquo ou
seja como negando a predicao de Y a X Alm disso devemos supor que Plato
entende ldquoO Pequeno no o GrandeF
13Frdquo da mesma maneira como entende ldquoIsso
12 Καὶ τἆλλα δὴ ταύτῃ λέξομεν ἐπείπερ ἡ θατέρου φύσις ἐφάνη τῶν ὄντων οὖσα ldquoO mesmo diremos das outras coisas pois a natureza do outro como dizia est entre os seresrdquo13 O uso de maisculas em ldquoPequenordquo e ldquoGranderdquo indica que se tratam das formas Pequeno e Grande e no os objetos pequenos e grandes com os quais temos contato no nosso dia a dia
71
(uma coisa pequena) no granderdquo tendo em vista a mudana do campo de
aplicao do quantificador entre a primeira e a segunda passagem Pois enquanto
a primeira passagem trata da relao entre as formas a segunda fala sobre
Theeteto que certamente no uma forma Frede tambm pretende solucionar
esta diferena e oferece uma nica anlise para ambos os casos respectivamente
ldquoO Pequeno diferente do que granderdquo e ldquoIsso (uma determinada coisa
pequena) diferente do que granderdquo
Oferecendo uma interpretao que encontra paralelos onde aparentemente
no h algum Frede pode explicar a referncia primeira passagem como algo
natural tendo em vista que para ele durante toda esta parte do dilogo Plato est
fazendo uso do que acredita ser um nico sentido do verbo ldquoserrdquoF
14F Mesmo assim
Frede acha intrigante que a soluo do problema faa referncia passagem que
ldquono nos causa inquietaordquo se estamos preocupados com o problema da
falsidade (FREDEp411)
A fraqueza da interpretao de Frede est no fato de que para aproximar as
passagens e oferecer uma anlise unificada das ocorrncias do verbo ldquoserrdquo so
necessrios muitos acrscimos quilo que de fato est presente no texto Eck em
Falsity Without Negative Predication on Sophistes 255e-263d (ECK1995p23)
critica a interpretao de Frede com base em dois argumentos
I) ldquoA partir do fato de que somente uma natureza do ldquono serrdquo
especificada em 258a7 nada se segue acerca da questo se acaso um ou mais
sentidos de ldquono rdquo esto envolvidos em sentenas de no identidade e predicao
negativardquo (ECK1995p23)
II) Frede oferece um argumento incompreensvel ao concluir apartir
do fato de que Plato no identifica ldquoo no serrdquo com ldquoo diferenterdquo mas com ldquouma
parte do diferenterdquo que a sentena ldquoo pequeno no o granderdquo no deve ser
entendido como negando identidade entre formas
Com relao a I) concordamos com Eck no ponto que nada acerca da
relao entre predicao negativa e predicao de identidade se segue do fato de
que Plato aparentemente est entendendo toda sua abordagem da questo como
contendo um s uso do verbo ldquoserrdquo No entanto parece-nos vlida a tentativa por
parte de Frede de oferecer uma interpretao que aproxime as passagens em
14 Explicitado por Frede atravs da anlise ldquoX diferente do que Frdquo Supostamente vlida tanto para X no- F quanto para a falsidade de X F
72
questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de
identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato
entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para
compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como
pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo
ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa
interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do
verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o
projeto platnico
A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck
volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo
corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre
classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo
pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash
Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes
de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria
voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse
da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de
analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao
com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento
estabelecida em 257c7-d5F
15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas
(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns
no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do
diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes
das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)
15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-
μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς
οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο
73
H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda
parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas
onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma
do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas
que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja
possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que
Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em
vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a
propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores
sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon
103b)
A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e
ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3
ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden
e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF
16
Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como
ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas
coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta
ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]
dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel
Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A
primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo
(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da
sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma
funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo
Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma
ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por
parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que
estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no
podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que
teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora
16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo
74
uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi
o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores
Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo
poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da
predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell
(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise
correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no
discurso tal como noacutes o caracterizamos
75
42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade
Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O
sofista diria
ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)
Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao
negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de
coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o
tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)
voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste
na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao
com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de
situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece
irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)
O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se
refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato
falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou
usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o
caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o
fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown
Book apud FERREIRA)
Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que
as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa
linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a
76
estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada
sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que
se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado
Exemplo 1
Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB
ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo
exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa
(X natildeo eacute Y)
Ontologia
Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como
preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e
sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de
sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo
possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas
nem verdadeiras
Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas
pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas
proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees
de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do
falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros
Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira
Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma
interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e
sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o
problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na
carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute
um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia
sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila
negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso
77
De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas
falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos
leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas
negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento
seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento
da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira
(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo
Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende
solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por
sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto
menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da
negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar
que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do
serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto
anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano
parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm
do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao
negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo
dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos
inevitavelmente falando algo sem sentido
Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao
de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o
que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da
negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida
No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados
de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein
acima
78
43O Sofista sem Predicao Negativa
Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece
demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao
negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro
que aquele acima apresentado
A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no
identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F
17
Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom
candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande
nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os
comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao
negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a
posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)
Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de
problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos
incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele
nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central
apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo
(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com
incompletas (OWEN1970417)
Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico
defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos
17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo
79
do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte
do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do
dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como
construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o
objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem
Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e
referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o
problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas
possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular
este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da
existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com
que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que
Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos
sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum
tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado
aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas
Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo
no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta
pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-
sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das
posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica
apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego
I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do
verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa
caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo
II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por
Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando
encontrado em sua forma absoluta (X )
Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos
Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se
no lugar da definio tradicional do uso completo a saber
C1 um uso que no possui nem permite um complemento
adotarmos a seguinte definio
80
C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que
permite um complemento
Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria
mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2
aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e
ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est
lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no
seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)
Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego
como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista
Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo
ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e
possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso
completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo
que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a
interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen
acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a
tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam
predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est
relacionado com as noes de predicao e referncia
Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os
paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o
ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que
absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual
nenhum F F ou seja algo que no possui determinao
algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio
compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua
caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo
Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o
no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma
determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo
do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)
81
A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que
ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra
relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso
distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no
texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados
por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua
interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h
uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)
Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para
a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell
Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa
desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo
de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo
em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao
negativa como central para soluo do problema
Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao
negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar
presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser
encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo
No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que
ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem
anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro
ao solucionar o problema
Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de
predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria
pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar
que nada de muito importante ocorreu neste intervalo
(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma
anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo
do problema
82
44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo
Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma
anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade
no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato
1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da
forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato
XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia
da seguinte forma
1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo
6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo
10wp 11 wbo
A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de
nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB
Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa
ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para
proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema
da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com
relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado
possuem o mesmo referente o fato XBO
Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o
Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a
concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria
relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto
Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo
movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para
sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena
ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est
ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando
83
Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
18 Ver pgina 6
84
dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
62
assimilao entre o modo de ser das imagens que mostram e parecem sem
realmente serem e o modo de ser do discurso falso que diz algo sem dizer algo
verdadeiro
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236e)F
2
Tanto as imagens quanto os discursos falsos parecem possuir uma estranha
relao com aquilo que pretendem representar Ambos no so aquilo que
representam no entanto claramente satildeo alguma coisa Uma imagem de uma casa
pode parecer e mostrar (φαίνεσθαι e δοκεῖν) muito bem uma casa sem
realmente s-la No entanto ningum negaria que ela alguma coisa ela
realmente e verdadeiramente uma imagem De maneira semelhante um discurso
falso descreve ou expressa uma situao um fato no um fato real mas
inegavelmente algum tipo de fato um fato falso A analogia s completamente
entendida se levarmos em conta a relao entre a imagem e o fato descrito pelo
discurso falso Assim como a imagens de um co se caracteriza por natildeo ser
realmente um co o contedo de um discurso falso caracteriza-se por natildeo ser
realmente um fato No entanto ambos satildeo realmente aquilo que so uma imagem
de algo e um fato falso Como emblematicamente enuncia o Estrangeiro ldquotal
afirmao supe ser o no serrdquo
Os comentadores da primeira metade do sculo XXI parecem concordar
com o fato de que na seo dedicada exposio das aporias relacionadas noo
de no-ser Plato est tratando dos argumentos baseados no conceito de
existncia e na impossibilidade de referir-se a sujeitos inexistentes Essa posio
fica clara tanto nos comentrios quanto nas tradues de autores como Cornford e
2236d9 - 237a1 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to
gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta
a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron
kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave
tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte
xalepon
63
Guthrie que infalivelmente traduzem to mh oAtilden por ldquoo no existenterdquo Tal como
nas primeiras interpretaes apresentadas no capitulo anterior sobre o argumento
de Parmnides estes autores atribuem a Plato argumentos semelhantes queles
dos paradoxos modernos sobre sujeitos inexistentesF
3F Por mais que no decorrer
dos comentrios Cornford parea distanciar-se da questo dos sujeitos
inexistentes sua incessante traduo de to mh oAtilden por ldquoo inexistenterdquo torna
pouco clara sua interpretao4F Alm disso governa o comentrio destes autores a
assuno de que Plato nesta seo inicial est isolando o sentido existencial do
verbo ldquoserrdquo para desqualificar seu uso na formula to mh oAtilden Toda a passagem
237b-239c estaria voltada para alegao de que ldquoo no-serrdquo equivale a ldquoo no
existenterdquo ou ldquoa no-entidade absolutardquo (absolute nonentity) e que tais palavras
ldquono podem ser ditas sem cair-se em contradiordquo (CORFORD1958208)
Em ldquoPlato On Not-beingrdquo (OWEN1970) recentemente o artigo mais
influente acerca das aporias do no-ser Owen criticas estas interpretaes j
tradicionais e procura oferecer uma explicao baseada sobretudo nas noes de
referncia e predio Para que tais noes sejam atribudas ao argumento contido
no Sofista Owen sustentar as teses de que
I) Plato est lidando com usos incompletos do verbo εἶναι
II) O argumento no necessita do ldquoisolamento de um verbo
existencialrdquo
Em seu artigo Owen concentra-se na defesa da tese II) deixando I) como
uma assuno prvia ou como a concluso imediata de II) Como veremos a
defesa de I) caber a comentadores como Frede Bostock Mcdowell que
dedicaram seus artigos s sees posteriores do dilogo onde solucionado o
problema da falsidade Mas para que o argumento sobre sujeitos inexistentes seja
excludo da discusso Owen tratar da passagem 237b7-239c8
3 Ver pagina 17 (CfQuine1953)4 Por exemplo no comentrio para linha 241b em que Corford parece tratar indistintamente a questo dos sujeitos inexistentes e a questo acerca dos estados-de-coisas representados por sentenas falsas (Cornford1952214)
64
Segundo Owen a seo comea tratando o problema na sua forma
tradicional 237b7-e7 tem como objetivo demonstrar que ldquoo que no rdquo equivale a
nada portanto falar o que no = falar nada = no falar Conclui-se que se falar
falsamente falar o que no no h tal fala falsardquo (OWEN1970432) Somente
esta primeira parte estaria relacionada a questo dos sujeitos inexistentes e faria
uso da equao ldquono-serrdquo = ldquoo no existenterdquo = ldquonadardquoF
5
Logo aps (238a1-c11) o Estrangeiro baseia-se no fato de que para
mencionarmos ou pensarmos em algo necessariamente atribumos alguma
propriedade a esta coisa O exemplo usado pelo Estrangeiro o numero como
categoria gramatical se mencionarmos algo devemos lhe atribuir ou bem a
unidade ou bem a multiplicidade ou bem a dualidade no caso da lngua grega
que possui o dual para artigos e nomes Sendo assim ao mencionarmos ou
pensarmos em lsquoo no-serrsquo estamos necessariamente atribuindo-lhe a unidade o
que parece contraditrio tendo em vista que o ldquono-serrdquo no deve possuir
qualquer tipo de atributos Owen afirma que esta passagem pode ser vista como
contendo um argumento independente da passagem anterior mas ainda
reafirmando a equao ldquoo que no rdquo = ldquonadardquo
Somente quando deduzido que ldquoo que no rdquo no nos possibilita sequer
um atributo para mencionarmos sendo portanto impronuncivel (238b6-c10)
que ldquoo problema convertido em um problema sobre refernciardquo (OWEN
1970434) Nesta passagem e na passagem subseqiexclente (238d1-239c8) o
Estrangeiro estaria rejeitando a noo de um objeto sem qualquer determinao
isto negando a possibilidade de algum objeto (x) ao qual nenhuma propriedade
F possa ser aplicada Ao localizar a fonte dos problemas na impossibilidade de
conceber algo para o qual nenhum predicado pode ser atribudo Plato d adeus
ao antigo problema acerca dos sujeitos inexistentes e passa a analisar a equao ldquoo
que no rdquo = ldquonadardquo como introduzindo um erro acerca da negao e no acerca
do sentido existencial do verbo ldquoserrdquo
Owen conclui que sua exposio desta seo do dilogo ldquoprova que
possvel criar puzzles sobre o Nada sem confundi-los com puzzles sobre o no-
existenterdquo E ainda ldquomostra que a questo do Sofista traz estes puzzles para
5 Segundo Owen trata-se de uma referncia a antigos problemas citados em dilogos como Theeteto e Eutidemo
65
discusso de maneira a levar naturalmente ao estudo da sintaxe sujeito-predicado
e do ldquo conectivordquoF
6Frdquo (OWEN1970437)
No restante do seu artigo Owen procura reafirmar suas teses
principalmente atacando as interpretaes tradicionais fundamentadas na noo de
existncia Eventualmente Owen atribui analises para sentenas localizadas nas
sees destinadas soluo do problema da falsidade (255-264) No entanto sua
argumentao est mais focada em desqualificar seus opositores do que oferecer
uma anlise pormenorizada do texto platnico Sua posio entretanto bem
claramente explicitada em afirmaes do tipo ldquoO uso do verbo ldquoserrdquo no qual o
Estrangeiro apia suas concluses o uso conectivo7F distribudo entre identidade
e predicaordquo (OWEN 1970443)
A anlise passo-a-passo das passagens dedicadas soluo do problema foi
realizada em diversos artigos que se seguiram e que endossam as principais teses
de Owen Os comentadores que sero expostos a seguir na sua grande maioria
nem ao menos mencionam o sentido existencial como uma possibilidade
interpretativa e todos sem exceo procuram realizar a tarefa deixada por Owen
a saber oferecer uma interpretao para a soluo do problema baseada nos usos
incompletos do verbo ldquoserrdquo
6 A frmula ldquo lsquo rsquo conectivordquo claramente significa a forma incompleta do verbo ldquoserrdquo7 Incompleto na nossa terminologia
66
41A Anlise do Problema da Falsidade
Os comentadores divergem acerca de como deve ser feita esta anlise e at
mesmo se Plato foi bem sucedido em sua tentativa A passagem crucial se
estende de 255 at 264 quando o Estrangeiro demonstra a falsidade da sentena
Theeteto est voando Tradicionalmente esta parte do dilogo tem sido dividida
da seguinte forma
A primeira passagem vai de 255e8 a 257a12 e inicia-se com os
interlocutores concordando que as formas se encontram em relaes umas com as
outras Sendo que enquanto umas se prestam a uma comunidade mtua outras
no esto relacionadas entre si Tendo sido estabelecido isto o Estrangeiro
apresenta as relaes possveis entre os cinco gneros supremos ser o outro
o mesmo o repouso e o movimento E estabelece que cada forma no
cada uma das outras (movimento no repouso no o mesmo no o outro
no o ser) devido a sua relao com o outro A concluso que chega o
estrangeiro que ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no
rdquo (to mh oAtilden) ilimitadordquo
Existe certo consenso por parte dos comentadores em analisar as
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo presentes nesta passagem como identidade dizer que
movimento no repouso equivale a dizer que movimento no idntico ao
repouso ou seja outro que o repouso
A segunda passagem se estende de 257b1 a 258c5 Aqui o Estrangeiro nota
que ao dizermos que algo no grande no estamos nos referindo
necessariamente ao pequeno isto o oposto do grande mas a alguma coisa de
diferente E que a forma do ldquooutrordquo quando aplicada a cada coisa possui um
nome prprio O ldquooutrordquo aplicado ao belo por exemplo o no-belo
H uma predisposio por parte dos comentadores em analisar esta
ocorrncia do verbo ldquoserrdquo como envolvendo predicao negativa E segundo a
grande maioria dos comentadores esta a anlise do verbo ldquoserrdquo necessria para
resolver o problema da falsidade
67
As dificuldades comeam quando ao anunciar a soluo do problema da
falsidade (em 263b11) o Estrangeiro faz referncia primeira das duas passagens
aquela em que so expostas as relaes entre os gneros supremos e onde os
comentadores vem apenas no identidade Como explicar tal fato
A referncia parece bastante clara e j reconhecida ao menos desde
Cornford para quem Plato est ldquoinvocando as Formas e usando os resultados da
seo sobre as combinaesrdquo(isto 255-257) para obter o sentido da sentena
falsa (CORNFORD1952316) Vejamos as duas sentenas lado a lado para que
possamos analisar melhor a relao entre elas
I) Em 256e 5 temos Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men
e)sti to oAtilden aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) [isso] muito e ldquoo que no
rdquo(to mh oAtilden) [isso] ilimitadordquoF
8
O acrscimo do pronome demonstrativo como complemento ao verbo ldquoserrdquo
tem como objetivo explicitar que nesta passagem o verbo entendido
sintaticamente como incompleto e semanticamente como uma predicao de
identidade
II) J em 263b 11 temos polla men gar eAtildefamenFF oAtildenta periigrave
eAgravekaston eiaringnaiiquest pou polla de ou)k oAtildenta
ldquoDizamos que no caso de cada (coisa) h muitas (coisas) que so e muitas
que no sordquo 9
Entendendo predicativamente as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo isto seria
dizer No caso de cada coisa (incluindo Theeteto) h muitas coisas que so (por
exemplo sentado) e muitas que no so (por exemplo voando) No entanto
analisando 263b11 desta maneira ns a tornamos consideravelmente distinta da
primeira passagem em dois pontos Primeiro enquanto em 256 o quantificador
universal (eAgravekaston) aplica-se s formas (twfrac12n eisup1dwfrac12n) em 263 estamos
8 Apresento primeiramente a traduo de Mcdowell (1982)9 A presena da palavra eAtildefamen ( imperfeito ativo do verbo φημί na 1cent pessoa do plural -dizamos) indica que trata-se de uma referncia a algum resultado obtido anteriormente E no parece haver comentador que considere outra passagem seno 256e5 como a passagem em questo
68
aplicando-o a Theeteto Em segundo lugar enquanto em 256 a parte negativa da
generalizao s cobria casos de negao de identidade em 263 estamos
estendendo para predicao negativa Ambas as modificaes foram notadas por
Mcdowell (MCDOWELL1982 123-124)
Como podemos incorporar estas modificaes de maneira a oferecer uma
interpretao desejvel Esta interpretao deve dar conta do fato de que
aparentemente a passagem na qual est fundamentada a possibilidade de
discursos falsos trata apenas das relaes possveis entre as formas e conclui que
cada forma e no cada uma das outras Dentre as solues propostas
podemos reconhecer trs grupos
1)aqueles que explicam a referncia primeira das duas passagens pela
incapacidade de Plato de reconhecer a diferena entre estes dois usos do verbo
ldquoserrdquo De tal forma que ao introduzir a predicao negativa em 257b1-258c5 a
passagem acerca do no-belo Plato no se d conta de que s a partir da est
usando a noo necessria para capturar o sofista (BOSTOCK1984)
(OWEN1970)
2)aqueles que acreditam que a primeira passagem tambm pode ser
analisada em termos de predicao negativa (ACKRILL1957) (FREDE1992)
(MCDOWELL1982)
3)aqueles que acreditam no haver definitivamente predicao negativa em
nenhuma das duas passagens (ECK1994)
Dentre estes trs grupos de comentadores os dois primeiros so sem
sombra de dvida mais reconhecidos E grande parte dos trabalhos escritos sobre
este assunto toma como ponto de partida aquilo que estes dois grupos tem em
comum a opinio de que atravs da anlise do verbo ldquoserrdquo como predicaccedilatildeo
negativa que Plato fornece sua soluo para o problema da falsidade Ora para
que uma soluo do problema seja apresentada atravs da predicao negativa
preciso que a falsidade de sentenas do tipo ldquoScrates belordquo seja corretamente
analisada atravs da sentena ldquoScrates no belordquo
Definitivamente no tem se mostrado muito fcil relacionar estas duas
passagens e ainda oferecer uma soluo satisfatria para o problema O desafio
maior parece estar na maneira de relacionar a passagem acerca da relao entre as
formas (255e8-257a12) e a passagem acerca do no-belo de tal forma que a
citao da primeira passagem na soluo do problema torne-se natural Como a
69
primeira passagem se refere apenas a predicaes de identidade espera-se que a
anlise de predicaes negativas do tipo ldquoScrates no belordquo apresentada em
257b1-258c5 e supostamente necessria para a soluo do problema seja
realizada atravs da noo de diferena isto no identidade Caso esta anlise
possa ser extrada do texto a relao entre a primeira e a segunda passagem
estaria corretamente estabelecida e a citao de 256 durante a soluo do
problema estaria justificada No entanto a sentena obviamente no pode ser
entendida como ldquoScrates diferente do Belo (forma)rdquo o que seria o primeiro
candidato tendo em vista que a primeira passagem trata da no-identidade entre
formas Helena que sem dvida bela tambm diferente da forma do Belo de
fato tudo que belo diferente da forma do Belo
Alguns comentadores tentaram oferecer uma interpretao com base na
noo de incompatibilidade entre formas Primeiramente Cornford que acredita
que ldquoo no belordquo em questo no pode ser entendido como uma forma pois o
carter negativo que esta forma teria no seria condizente com a noo de idia
platnica Ao invs desta forma negativa de No-Belo Cornford prope que
entendamos ldquoo no belordquo como ldquoo nome coletivo de todas as Formas outras que o
Belordquo (CORNFORD1952p293)
A criao deste conjunto foi criticada por Sayre que prope em seu lugar um
conjunto formado pelas Formas relacionadas com Belo ldquode tal maneira que juntas
elas constituem um conjunto exaustivo e exclusivo A Forma no-Sentado por
exemplo consta de Andar Correr Saltar Estar de P assim por diante ()rdquo
(SAYRE1979) Desta maneira entenderamos ldquoScrates no belordquo como
ldquoScrates participa de alguma coisa que incompatvel com o Belordquo No entanto
tanto a interpretao de Cornford quanto a reformulao ad hoc feita por Sayre
possuem problemas Alm destas interpretaes traduzirem as ocorrncias de
ἄλλοF
10F e ἕτερονF
11F em 256-258 por ldquoincompatvelrdquo elas incorporam a noo de
incompatibilidade entre formas ou conjuntos de formas discusso coisa que
dificilmente pode ser extrada do texto platnico A despeito destes problemas
esta leitura da passagem torna-se incapaz de explicar a referncia primeira
10 Ocorrncias de ἄλλο em 256-258 (256c6 257d11 257e2) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo11 Ocorrncias de ἕτερον (255e10 256a4) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo
70
passagem (255 a 257) onde no h nada sobre incompatibilidade ou conjunto de
formas
A dificuldade de explicar o uso de vrios sentidos do verbo ldquoserrdquo durante o
desenvolvimento da questo acerca da falsidade levou alguns a considerar que
Plato simplesmente no estava ciente das diferenas de uso do verbo O que
teria levado a inconsistncias no tratamento da questo (cfBOSTOCK1984)
Outro grupo de comentadores ofereceu interpretaes que livram Plato de
falcias e inconsistncias no entanto no parece nada fcil explicar porque o
Estrangeiro passa de um uso do verbo ldquoserrdquo a outro sem nenhum aviso Frede em
Platoacutes Sophist on false statements (FREDE1992) parte da assuno de que
Plato entende os dois casos como exemplos de um nico uso do verbo ldquoserrdquo Sua
argumentao apia-se em 258a7-812onde ao explicar que o ldquono-serrdquo um ser
dentre os outros seres o Estrangeiro ldquoespecifica uma natureza do ldquooutrordquo (ἡ
θατέρου φύσις) supostamente envolvida em todos os casos de ldquono-serrdquo que
estivemos considerandordquo (FREDE1992408) E ainda conclui a partir disto que
Plato no pode pretender solucionar o problema da falsidade distinguindo a
predicao negativa da negao de identidade Temos que assumir portanto
conclui Frede que h somente um sentido de ldquoserrdquo envolvido tanto em
ldquomovimento no repousordquo quanto em ldquoTheeteto no (est) voandordquo [Theeteto
is not flying] (FREDEp408) Ao assumirmos que Plato est lidando com uma
nica interpretao do verbo ldquoserrdquo podemos explicar a relao entre estas duas
passagens que usualmente consideraramos como oferecendo duas anlises
diferentes do verbo sem implicar com isso nenhuma confuso por parte de Plato
Frede como j foi dito argumenta que a primeira passagem tambm pode
ser entendida como contendo aquilo que chamamos casos de predicao negativa
Para que tal interpretao seja mantida preciso que se entenda a anlise de
Plato para sentenas do tipo ldquoX no Yrdquo ndash no caso de X e Y serem diferentes -
no como uma negao de identidade mas como ldquoatribuindo no ser a Xrdquo ou
seja como negando a predicao de Y a X Alm disso devemos supor que Plato
entende ldquoO Pequeno no o GrandeF
13Frdquo da mesma maneira como entende ldquoIsso
12 Καὶ τἆλλα δὴ ταύτῃ λέξομεν ἐπείπερ ἡ θατέρου φύσις ἐφάνη τῶν ὄντων οὖσα ldquoO mesmo diremos das outras coisas pois a natureza do outro como dizia est entre os seresrdquo13 O uso de maisculas em ldquoPequenordquo e ldquoGranderdquo indica que se tratam das formas Pequeno e Grande e no os objetos pequenos e grandes com os quais temos contato no nosso dia a dia
71
(uma coisa pequena) no granderdquo tendo em vista a mudana do campo de
aplicao do quantificador entre a primeira e a segunda passagem Pois enquanto
a primeira passagem trata da relao entre as formas a segunda fala sobre
Theeteto que certamente no uma forma Frede tambm pretende solucionar
esta diferena e oferece uma nica anlise para ambos os casos respectivamente
ldquoO Pequeno diferente do que granderdquo e ldquoIsso (uma determinada coisa
pequena) diferente do que granderdquo
Oferecendo uma interpretao que encontra paralelos onde aparentemente
no h algum Frede pode explicar a referncia primeira passagem como algo
natural tendo em vista que para ele durante toda esta parte do dilogo Plato est
fazendo uso do que acredita ser um nico sentido do verbo ldquoserrdquoF
14F Mesmo assim
Frede acha intrigante que a soluo do problema faa referncia passagem que
ldquono nos causa inquietaordquo se estamos preocupados com o problema da
falsidade (FREDEp411)
A fraqueza da interpretao de Frede est no fato de que para aproximar as
passagens e oferecer uma anlise unificada das ocorrncias do verbo ldquoserrdquo so
necessrios muitos acrscimos quilo que de fato est presente no texto Eck em
Falsity Without Negative Predication on Sophistes 255e-263d (ECK1995p23)
critica a interpretao de Frede com base em dois argumentos
I) ldquoA partir do fato de que somente uma natureza do ldquono serrdquo
especificada em 258a7 nada se segue acerca da questo se acaso um ou mais
sentidos de ldquono rdquo esto envolvidos em sentenas de no identidade e predicao
negativardquo (ECK1995p23)
II) Frede oferece um argumento incompreensvel ao concluir apartir
do fato de que Plato no identifica ldquoo no serrdquo com ldquoo diferenterdquo mas com ldquouma
parte do diferenterdquo que a sentena ldquoo pequeno no o granderdquo no deve ser
entendido como negando identidade entre formas
Com relao a I) concordamos com Eck no ponto que nada acerca da
relao entre predicao negativa e predicao de identidade se segue do fato de
que Plato aparentemente est entendendo toda sua abordagem da questo como
contendo um s uso do verbo ldquoserrdquo No entanto parece-nos vlida a tentativa por
parte de Frede de oferecer uma interpretao que aproxime as passagens em
14 Explicitado por Frede atravs da anlise ldquoX diferente do que Frdquo Supostamente vlida tanto para X no- F quanto para a falsidade de X F
72
questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de
identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato
entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para
compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como
pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo
ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa
interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do
verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o
projeto platnico
A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck
volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo
corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre
classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo
pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash
Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes
de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria
voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse
da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de
analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao
com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento
estabelecida em 257c7-d5F
15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas
(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns
no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do
diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes
das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)
15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-
μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς
οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο
73
H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda
parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas
onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma
do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas
que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja
possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que
Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em
vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a
propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores
sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon
103b)
A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e
ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3
ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden
e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF
16
Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como
ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas
coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta
ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]
dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel
Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A
primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo
(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da
sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma
funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo
Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma
ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por
parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que
estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no
podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que
teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora
16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo
74
uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi
o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores
Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo
poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da
predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell
(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise
correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no
discurso tal como noacutes o caracterizamos
75
42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade
Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O
sofista diria
ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)
Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao
negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de
coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o
tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)
voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste
na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao
com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de
situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece
irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)
O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se
refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato
falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou
usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o
caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o
fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown
Book apud FERREIRA)
Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que
as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa
linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a
76
estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada
sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que
se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado
Exemplo 1
Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB
ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo
exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa
(X natildeo eacute Y)
Ontologia
Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como
preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e
sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de
sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo
possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas
nem verdadeiras
Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas
pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas
proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees
de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do
falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros
Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira
Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma
interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e
sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o
problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na
carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute
um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia
sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila
negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso
77
De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas
falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos
leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas
negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento
seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento
da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira
(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo
Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende
solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por
sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto
menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da
negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar
que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do
serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto
anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano
parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm
do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao
negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo
dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos
inevitavelmente falando algo sem sentido
Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao
de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o
que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da
negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida
No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados
de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein
acima
78
43O Sofista sem Predicao Negativa
Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece
demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao
negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro
que aquele acima apresentado
A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no
identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F
17
Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom
candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande
nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os
comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao
negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a
posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)
Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de
problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos
incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele
nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central
apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo
(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com
incompletas (OWEN1970417)
Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico
defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos
17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo
79
do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte
do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do
dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como
construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o
objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem
Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e
referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o
problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas
possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular
este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da
existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com
que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que
Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos
sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum
tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado
aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas
Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo
no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta
pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-
sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das
posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica
apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego
I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do
verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa
caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo
II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por
Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando
encontrado em sua forma absoluta (X )
Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos
Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se
no lugar da definio tradicional do uso completo a saber
C1 um uso que no possui nem permite um complemento
adotarmos a seguinte definio
80
C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que
permite um complemento
Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria
mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2
aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e
ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est
lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no
seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)
Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego
como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista
Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo
ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e
possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso
completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo
que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a
interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen
acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a
tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam
predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est
relacionado com as noes de predicao e referncia
Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os
paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o
ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que
absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual
nenhum F F ou seja algo que no possui determinao
algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio
compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua
caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo
Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o
no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma
determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo
do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)
81
A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que
ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra
relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso
distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no
texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados
por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua
interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h
uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)
Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para
a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell
Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa
desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo
de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo
em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao
negativa como central para soluo do problema
Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao
negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar
presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser
encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo
No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que
ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem
anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro
ao solucionar o problema
Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de
predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria
pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar
que nada de muito importante ocorreu neste intervalo
(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma
anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo
do problema
82
44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo
Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma
anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade
no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato
1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da
forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato
XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia
da seguinte forma
1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo
6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo
10wp 11 wbo
A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de
nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB
Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa
ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para
proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema
da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com
relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado
possuem o mesmo referente o fato XBO
Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o
Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a
concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria
relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto
Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo
movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para
sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena
ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est
ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando
83
Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
18 Ver pgina 6
84
dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
63
Guthrie que infalivelmente traduzem to mh oAtilden por ldquoo no existenterdquo Tal como
nas primeiras interpretaes apresentadas no capitulo anterior sobre o argumento
de Parmnides estes autores atribuem a Plato argumentos semelhantes queles
dos paradoxos modernos sobre sujeitos inexistentesF
3F Por mais que no decorrer
dos comentrios Cornford parea distanciar-se da questo dos sujeitos
inexistentes sua incessante traduo de to mh oAtilden por ldquoo inexistenterdquo torna
pouco clara sua interpretao4F Alm disso governa o comentrio destes autores a
assuno de que Plato nesta seo inicial est isolando o sentido existencial do
verbo ldquoserrdquo para desqualificar seu uso na formula to mh oAtilden Toda a passagem
237b-239c estaria voltada para alegao de que ldquoo no-serrdquo equivale a ldquoo no
existenterdquo ou ldquoa no-entidade absolutardquo (absolute nonentity) e que tais palavras
ldquono podem ser ditas sem cair-se em contradiordquo (CORFORD1958208)
Em ldquoPlato On Not-beingrdquo (OWEN1970) recentemente o artigo mais
influente acerca das aporias do no-ser Owen criticas estas interpretaes j
tradicionais e procura oferecer uma explicao baseada sobretudo nas noes de
referncia e predio Para que tais noes sejam atribudas ao argumento contido
no Sofista Owen sustentar as teses de que
I) Plato est lidando com usos incompletos do verbo εἶναι
II) O argumento no necessita do ldquoisolamento de um verbo
existencialrdquo
Em seu artigo Owen concentra-se na defesa da tese II) deixando I) como
uma assuno prvia ou como a concluso imediata de II) Como veremos a
defesa de I) caber a comentadores como Frede Bostock Mcdowell que
dedicaram seus artigos s sees posteriores do dilogo onde solucionado o
problema da falsidade Mas para que o argumento sobre sujeitos inexistentes seja
excludo da discusso Owen tratar da passagem 237b7-239c8
3 Ver pagina 17 (CfQuine1953)4 Por exemplo no comentrio para linha 241b em que Corford parece tratar indistintamente a questo dos sujeitos inexistentes e a questo acerca dos estados-de-coisas representados por sentenas falsas (Cornford1952214)
64
Segundo Owen a seo comea tratando o problema na sua forma
tradicional 237b7-e7 tem como objetivo demonstrar que ldquoo que no rdquo equivale a
nada portanto falar o que no = falar nada = no falar Conclui-se que se falar
falsamente falar o que no no h tal fala falsardquo (OWEN1970432) Somente
esta primeira parte estaria relacionada a questo dos sujeitos inexistentes e faria
uso da equao ldquono-serrdquo = ldquoo no existenterdquo = ldquonadardquoF
5
Logo aps (238a1-c11) o Estrangeiro baseia-se no fato de que para
mencionarmos ou pensarmos em algo necessariamente atribumos alguma
propriedade a esta coisa O exemplo usado pelo Estrangeiro o numero como
categoria gramatical se mencionarmos algo devemos lhe atribuir ou bem a
unidade ou bem a multiplicidade ou bem a dualidade no caso da lngua grega
que possui o dual para artigos e nomes Sendo assim ao mencionarmos ou
pensarmos em lsquoo no-serrsquo estamos necessariamente atribuindo-lhe a unidade o
que parece contraditrio tendo em vista que o ldquono-serrdquo no deve possuir
qualquer tipo de atributos Owen afirma que esta passagem pode ser vista como
contendo um argumento independente da passagem anterior mas ainda
reafirmando a equao ldquoo que no rdquo = ldquonadardquo
Somente quando deduzido que ldquoo que no rdquo no nos possibilita sequer
um atributo para mencionarmos sendo portanto impronuncivel (238b6-c10)
que ldquoo problema convertido em um problema sobre refernciardquo (OWEN
1970434) Nesta passagem e na passagem subseqiexclente (238d1-239c8) o
Estrangeiro estaria rejeitando a noo de um objeto sem qualquer determinao
isto negando a possibilidade de algum objeto (x) ao qual nenhuma propriedade
F possa ser aplicada Ao localizar a fonte dos problemas na impossibilidade de
conceber algo para o qual nenhum predicado pode ser atribudo Plato d adeus
ao antigo problema acerca dos sujeitos inexistentes e passa a analisar a equao ldquoo
que no rdquo = ldquonadardquo como introduzindo um erro acerca da negao e no acerca
do sentido existencial do verbo ldquoserrdquo
Owen conclui que sua exposio desta seo do dilogo ldquoprova que
possvel criar puzzles sobre o Nada sem confundi-los com puzzles sobre o no-
existenterdquo E ainda ldquomostra que a questo do Sofista traz estes puzzles para
5 Segundo Owen trata-se de uma referncia a antigos problemas citados em dilogos como Theeteto e Eutidemo
65
discusso de maneira a levar naturalmente ao estudo da sintaxe sujeito-predicado
e do ldquo conectivordquoF
6Frdquo (OWEN1970437)
No restante do seu artigo Owen procura reafirmar suas teses
principalmente atacando as interpretaes tradicionais fundamentadas na noo de
existncia Eventualmente Owen atribui analises para sentenas localizadas nas
sees destinadas soluo do problema da falsidade (255-264) No entanto sua
argumentao est mais focada em desqualificar seus opositores do que oferecer
uma anlise pormenorizada do texto platnico Sua posio entretanto bem
claramente explicitada em afirmaes do tipo ldquoO uso do verbo ldquoserrdquo no qual o
Estrangeiro apia suas concluses o uso conectivo7F distribudo entre identidade
e predicaordquo (OWEN 1970443)
A anlise passo-a-passo das passagens dedicadas soluo do problema foi
realizada em diversos artigos que se seguiram e que endossam as principais teses
de Owen Os comentadores que sero expostos a seguir na sua grande maioria
nem ao menos mencionam o sentido existencial como uma possibilidade
interpretativa e todos sem exceo procuram realizar a tarefa deixada por Owen
a saber oferecer uma interpretao para a soluo do problema baseada nos usos
incompletos do verbo ldquoserrdquo
6 A frmula ldquo lsquo rsquo conectivordquo claramente significa a forma incompleta do verbo ldquoserrdquo7 Incompleto na nossa terminologia
66
41A Anlise do Problema da Falsidade
Os comentadores divergem acerca de como deve ser feita esta anlise e at
mesmo se Plato foi bem sucedido em sua tentativa A passagem crucial se
estende de 255 at 264 quando o Estrangeiro demonstra a falsidade da sentena
Theeteto est voando Tradicionalmente esta parte do dilogo tem sido dividida
da seguinte forma
A primeira passagem vai de 255e8 a 257a12 e inicia-se com os
interlocutores concordando que as formas se encontram em relaes umas com as
outras Sendo que enquanto umas se prestam a uma comunidade mtua outras
no esto relacionadas entre si Tendo sido estabelecido isto o Estrangeiro
apresenta as relaes possveis entre os cinco gneros supremos ser o outro
o mesmo o repouso e o movimento E estabelece que cada forma no
cada uma das outras (movimento no repouso no o mesmo no o outro
no o ser) devido a sua relao com o outro A concluso que chega o
estrangeiro que ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no
rdquo (to mh oAtilden) ilimitadordquo
Existe certo consenso por parte dos comentadores em analisar as
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo presentes nesta passagem como identidade dizer que
movimento no repouso equivale a dizer que movimento no idntico ao
repouso ou seja outro que o repouso
A segunda passagem se estende de 257b1 a 258c5 Aqui o Estrangeiro nota
que ao dizermos que algo no grande no estamos nos referindo
necessariamente ao pequeno isto o oposto do grande mas a alguma coisa de
diferente E que a forma do ldquooutrordquo quando aplicada a cada coisa possui um
nome prprio O ldquooutrordquo aplicado ao belo por exemplo o no-belo
H uma predisposio por parte dos comentadores em analisar esta
ocorrncia do verbo ldquoserrdquo como envolvendo predicao negativa E segundo a
grande maioria dos comentadores esta a anlise do verbo ldquoserrdquo necessria para
resolver o problema da falsidade
67
As dificuldades comeam quando ao anunciar a soluo do problema da
falsidade (em 263b11) o Estrangeiro faz referncia primeira das duas passagens
aquela em que so expostas as relaes entre os gneros supremos e onde os
comentadores vem apenas no identidade Como explicar tal fato
A referncia parece bastante clara e j reconhecida ao menos desde
Cornford para quem Plato est ldquoinvocando as Formas e usando os resultados da
seo sobre as combinaesrdquo(isto 255-257) para obter o sentido da sentena
falsa (CORNFORD1952316) Vejamos as duas sentenas lado a lado para que
possamos analisar melhor a relao entre elas
I) Em 256e 5 temos Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men
e)sti to oAtilden aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) [isso] muito e ldquoo que no
rdquo(to mh oAtilden) [isso] ilimitadordquoF
8
O acrscimo do pronome demonstrativo como complemento ao verbo ldquoserrdquo
tem como objetivo explicitar que nesta passagem o verbo entendido
sintaticamente como incompleto e semanticamente como uma predicao de
identidade
II) J em 263b 11 temos polla men gar eAtildefamenFF oAtildenta periigrave
eAgravekaston eiaringnaiiquest pou polla de ou)k oAtildenta
ldquoDizamos que no caso de cada (coisa) h muitas (coisas) que so e muitas
que no sordquo 9
Entendendo predicativamente as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo isto seria
dizer No caso de cada coisa (incluindo Theeteto) h muitas coisas que so (por
exemplo sentado) e muitas que no so (por exemplo voando) No entanto
analisando 263b11 desta maneira ns a tornamos consideravelmente distinta da
primeira passagem em dois pontos Primeiro enquanto em 256 o quantificador
universal (eAgravekaston) aplica-se s formas (twfrac12n eisup1dwfrac12n) em 263 estamos
8 Apresento primeiramente a traduo de Mcdowell (1982)9 A presena da palavra eAtildefamen ( imperfeito ativo do verbo φημί na 1cent pessoa do plural -dizamos) indica que trata-se de uma referncia a algum resultado obtido anteriormente E no parece haver comentador que considere outra passagem seno 256e5 como a passagem em questo
68
aplicando-o a Theeteto Em segundo lugar enquanto em 256 a parte negativa da
generalizao s cobria casos de negao de identidade em 263 estamos
estendendo para predicao negativa Ambas as modificaes foram notadas por
Mcdowell (MCDOWELL1982 123-124)
Como podemos incorporar estas modificaes de maneira a oferecer uma
interpretao desejvel Esta interpretao deve dar conta do fato de que
aparentemente a passagem na qual est fundamentada a possibilidade de
discursos falsos trata apenas das relaes possveis entre as formas e conclui que
cada forma e no cada uma das outras Dentre as solues propostas
podemos reconhecer trs grupos
1)aqueles que explicam a referncia primeira das duas passagens pela
incapacidade de Plato de reconhecer a diferena entre estes dois usos do verbo
ldquoserrdquo De tal forma que ao introduzir a predicao negativa em 257b1-258c5 a
passagem acerca do no-belo Plato no se d conta de que s a partir da est
usando a noo necessria para capturar o sofista (BOSTOCK1984)
(OWEN1970)
2)aqueles que acreditam que a primeira passagem tambm pode ser
analisada em termos de predicao negativa (ACKRILL1957) (FREDE1992)
(MCDOWELL1982)
3)aqueles que acreditam no haver definitivamente predicao negativa em
nenhuma das duas passagens (ECK1994)
Dentre estes trs grupos de comentadores os dois primeiros so sem
sombra de dvida mais reconhecidos E grande parte dos trabalhos escritos sobre
este assunto toma como ponto de partida aquilo que estes dois grupos tem em
comum a opinio de que atravs da anlise do verbo ldquoserrdquo como predicaccedilatildeo
negativa que Plato fornece sua soluo para o problema da falsidade Ora para
que uma soluo do problema seja apresentada atravs da predicao negativa
preciso que a falsidade de sentenas do tipo ldquoScrates belordquo seja corretamente
analisada atravs da sentena ldquoScrates no belordquo
Definitivamente no tem se mostrado muito fcil relacionar estas duas
passagens e ainda oferecer uma soluo satisfatria para o problema O desafio
maior parece estar na maneira de relacionar a passagem acerca da relao entre as
formas (255e8-257a12) e a passagem acerca do no-belo de tal forma que a
citao da primeira passagem na soluo do problema torne-se natural Como a
69
primeira passagem se refere apenas a predicaes de identidade espera-se que a
anlise de predicaes negativas do tipo ldquoScrates no belordquo apresentada em
257b1-258c5 e supostamente necessria para a soluo do problema seja
realizada atravs da noo de diferena isto no identidade Caso esta anlise
possa ser extrada do texto a relao entre a primeira e a segunda passagem
estaria corretamente estabelecida e a citao de 256 durante a soluo do
problema estaria justificada No entanto a sentena obviamente no pode ser
entendida como ldquoScrates diferente do Belo (forma)rdquo o que seria o primeiro
candidato tendo em vista que a primeira passagem trata da no-identidade entre
formas Helena que sem dvida bela tambm diferente da forma do Belo de
fato tudo que belo diferente da forma do Belo
Alguns comentadores tentaram oferecer uma interpretao com base na
noo de incompatibilidade entre formas Primeiramente Cornford que acredita
que ldquoo no belordquo em questo no pode ser entendido como uma forma pois o
carter negativo que esta forma teria no seria condizente com a noo de idia
platnica Ao invs desta forma negativa de No-Belo Cornford prope que
entendamos ldquoo no belordquo como ldquoo nome coletivo de todas as Formas outras que o
Belordquo (CORNFORD1952p293)
A criao deste conjunto foi criticada por Sayre que prope em seu lugar um
conjunto formado pelas Formas relacionadas com Belo ldquode tal maneira que juntas
elas constituem um conjunto exaustivo e exclusivo A Forma no-Sentado por
exemplo consta de Andar Correr Saltar Estar de P assim por diante ()rdquo
(SAYRE1979) Desta maneira entenderamos ldquoScrates no belordquo como
ldquoScrates participa de alguma coisa que incompatvel com o Belordquo No entanto
tanto a interpretao de Cornford quanto a reformulao ad hoc feita por Sayre
possuem problemas Alm destas interpretaes traduzirem as ocorrncias de
ἄλλοF
10F e ἕτερονF
11F em 256-258 por ldquoincompatvelrdquo elas incorporam a noo de
incompatibilidade entre formas ou conjuntos de formas discusso coisa que
dificilmente pode ser extrada do texto platnico A despeito destes problemas
esta leitura da passagem torna-se incapaz de explicar a referncia primeira
10 Ocorrncias de ἄλλο em 256-258 (256c6 257d11 257e2) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo11 Ocorrncias de ἕτερον (255e10 256a4) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo
70
passagem (255 a 257) onde no h nada sobre incompatibilidade ou conjunto de
formas
A dificuldade de explicar o uso de vrios sentidos do verbo ldquoserrdquo durante o
desenvolvimento da questo acerca da falsidade levou alguns a considerar que
Plato simplesmente no estava ciente das diferenas de uso do verbo O que
teria levado a inconsistncias no tratamento da questo (cfBOSTOCK1984)
Outro grupo de comentadores ofereceu interpretaes que livram Plato de
falcias e inconsistncias no entanto no parece nada fcil explicar porque o
Estrangeiro passa de um uso do verbo ldquoserrdquo a outro sem nenhum aviso Frede em
Platoacutes Sophist on false statements (FREDE1992) parte da assuno de que
Plato entende os dois casos como exemplos de um nico uso do verbo ldquoserrdquo Sua
argumentao apia-se em 258a7-812onde ao explicar que o ldquono-serrdquo um ser
dentre os outros seres o Estrangeiro ldquoespecifica uma natureza do ldquooutrordquo (ἡ
θατέρου φύσις) supostamente envolvida em todos os casos de ldquono-serrdquo que
estivemos considerandordquo (FREDE1992408) E ainda conclui a partir disto que
Plato no pode pretender solucionar o problema da falsidade distinguindo a
predicao negativa da negao de identidade Temos que assumir portanto
conclui Frede que h somente um sentido de ldquoserrdquo envolvido tanto em
ldquomovimento no repousordquo quanto em ldquoTheeteto no (est) voandordquo [Theeteto
is not flying] (FREDEp408) Ao assumirmos que Plato est lidando com uma
nica interpretao do verbo ldquoserrdquo podemos explicar a relao entre estas duas
passagens que usualmente consideraramos como oferecendo duas anlises
diferentes do verbo sem implicar com isso nenhuma confuso por parte de Plato
Frede como j foi dito argumenta que a primeira passagem tambm pode
ser entendida como contendo aquilo que chamamos casos de predicao negativa
Para que tal interpretao seja mantida preciso que se entenda a anlise de
Plato para sentenas do tipo ldquoX no Yrdquo ndash no caso de X e Y serem diferentes -
no como uma negao de identidade mas como ldquoatribuindo no ser a Xrdquo ou
seja como negando a predicao de Y a X Alm disso devemos supor que Plato
entende ldquoO Pequeno no o GrandeF
13Frdquo da mesma maneira como entende ldquoIsso
12 Καὶ τἆλλα δὴ ταύτῃ λέξομεν ἐπείπερ ἡ θατέρου φύσις ἐφάνη τῶν ὄντων οὖσα ldquoO mesmo diremos das outras coisas pois a natureza do outro como dizia est entre os seresrdquo13 O uso de maisculas em ldquoPequenordquo e ldquoGranderdquo indica que se tratam das formas Pequeno e Grande e no os objetos pequenos e grandes com os quais temos contato no nosso dia a dia
71
(uma coisa pequena) no granderdquo tendo em vista a mudana do campo de
aplicao do quantificador entre a primeira e a segunda passagem Pois enquanto
a primeira passagem trata da relao entre as formas a segunda fala sobre
Theeteto que certamente no uma forma Frede tambm pretende solucionar
esta diferena e oferece uma nica anlise para ambos os casos respectivamente
ldquoO Pequeno diferente do que granderdquo e ldquoIsso (uma determinada coisa
pequena) diferente do que granderdquo
Oferecendo uma interpretao que encontra paralelos onde aparentemente
no h algum Frede pode explicar a referncia primeira passagem como algo
natural tendo em vista que para ele durante toda esta parte do dilogo Plato est
fazendo uso do que acredita ser um nico sentido do verbo ldquoserrdquoF
14F Mesmo assim
Frede acha intrigante que a soluo do problema faa referncia passagem que
ldquono nos causa inquietaordquo se estamos preocupados com o problema da
falsidade (FREDEp411)
A fraqueza da interpretao de Frede est no fato de que para aproximar as
passagens e oferecer uma anlise unificada das ocorrncias do verbo ldquoserrdquo so
necessrios muitos acrscimos quilo que de fato est presente no texto Eck em
Falsity Without Negative Predication on Sophistes 255e-263d (ECK1995p23)
critica a interpretao de Frede com base em dois argumentos
I) ldquoA partir do fato de que somente uma natureza do ldquono serrdquo
especificada em 258a7 nada se segue acerca da questo se acaso um ou mais
sentidos de ldquono rdquo esto envolvidos em sentenas de no identidade e predicao
negativardquo (ECK1995p23)
II) Frede oferece um argumento incompreensvel ao concluir apartir
do fato de que Plato no identifica ldquoo no serrdquo com ldquoo diferenterdquo mas com ldquouma
parte do diferenterdquo que a sentena ldquoo pequeno no o granderdquo no deve ser
entendido como negando identidade entre formas
Com relao a I) concordamos com Eck no ponto que nada acerca da
relao entre predicao negativa e predicao de identidade se segue do fato de
que Plato aparentemente est entendendo toda sua abordagem da questo como
contendo um s uso do verbo ldquoserrdquo No entanto parece-nos vlida a tentativa por
parte de Frede de oferecer uma interpretao que aproxime as passagens em
14 Explicitado por Frede atravs da anlise ldquoX diferente do que Frdquo Supostamente vlida tanto para X no- F quanto para a falsidade de X F
72
questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de
identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato
entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para
compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como
pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo
ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa
interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do
verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o
projeto platnico
A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck
volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo
corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre
classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo
pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash
Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes
de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria
voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse
da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de
analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao
com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento
estabelecida em 257c7-d5F
15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas
(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns
no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do
diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes
das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)
15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-
μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς
οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο
73
H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda
parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas
onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma
do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas
que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja
possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que
Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em
vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a
propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores
sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon
103b)
A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e
ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3
ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden
e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF
16
Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como
ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas
coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta
ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]
dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel
Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A
primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo
(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da
sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma
funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo
Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma
ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por
parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que
estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no
podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que
teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora
16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo
74
uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi
o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores
Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo
poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da
predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell
(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise
correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no
discurso tal como noacutes o caracterizamos
75
42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade
Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O
sofista diria
ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)
Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao
negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de
coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o
tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)
voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste
na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao
com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de
situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece
irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)
O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se
refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato
falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou
usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o
caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o
fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown
Book apud FERREIRA)
Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que
as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa
linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a
76
estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada
sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que
se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado
Exemplo 1
Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB
ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo
exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa
(X natildeo eacute Y)
Ontologia
Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como
preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e
sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de
sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo
possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas
nem verdadeiras
Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas
pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas
proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees
de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do
falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros
Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira
Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma
interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e
sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o
problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na
carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute
um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia
sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila
negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso
77
De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas
falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos
leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas
negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento
seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento
da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira
(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo
Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende
solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por
sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto
menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da
negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar
que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do
serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto
anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano
parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm
do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao
negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo
dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos
inevitavelmente falando algo sem sentido
Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao
de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o
que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da
negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida
No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados
de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein
acima
78
43O Sofista sem Predicao Negativa
Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece
demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao
negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro
que aquele acima apresentado
A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no
identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F
17
Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom
candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande
nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os
comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao
negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a
posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)
Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de
problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos
incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele
nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central
apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo
(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com
incompletas (OWEN1970417)
Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico
defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos
17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo
79
do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte
do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do
dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como
construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o
objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem
Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e
referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o
problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas
possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular
este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da
existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com
que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que
Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos
sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum
tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado
aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas
Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo
no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta
pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-
sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das
posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica
apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego
I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do
verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa
caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo
II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por
Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando
encontrado em sua forma absoluta (X )
Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos
Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se
no lugar da definio tradicional do uso completo a saber
C1 um uso que no possui nem permite um complemento
adotarmos a seguinte definio
80
C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que
permite um complemento
Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria
mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2
aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e
ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est
lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no
seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)
Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego
como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista
Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo
ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e
possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso
completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo
que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a
interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen
acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a
tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam
predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est
relacionado com as noes de predicao e referncia
Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os
paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o
ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que
absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual
nenhum F F ou seja algo que no possui determinao
algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio
compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua
caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo
Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o
no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma
determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo
do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)
81
A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que
ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra
relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso
distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no
texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados
por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua
interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h
uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)
Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para
a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell
Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa
desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo
de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo
em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao
negativa como central para soluo do problema
Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao
negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar
presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser
encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo
No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que
ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem
anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro
ao solucionar o problema
Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de
predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria
pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar
que nada de muito importante ocorreu neste intervalo
(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma
anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo
do problema
82
44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo
Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma
anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade
no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato
1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da
forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato
XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia
da seguinte forma
1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo
6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo
10wp 11 wbo
A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de
nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB
Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa
ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para
proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema
da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com
relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado
possuem o mesmo referente o fato XBO
Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o
Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a
concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria
relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto
Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo
movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para
sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena
ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est
ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando
83
Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
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84
dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
64
Segundo Owen a seo comea tratando o problema na sua forma
tradicional 237b7-e7 tem como objetivo demonstrar que ldquoo que no rdquo equivale a
nada portanto falar o que no = falar nada = no falar Conclui-se que se falar
falsamente falar o que no no h tal fala falsardquo (OWEN1970432) Somente
esta primeira parte estaria relacionada a questo dos sujeitos inexistentes e faria
uso da equao ldquono-serrdquo = ldquoo no existenterdquo = ldquonadardquoF
5
Logo aps (238a1-c11) o Estrangeiro baseia-se no fato de que para
mencionarmos ou pensarmos em algo necessariamente atribumos alguma
propriedade a esta coisa O exemplo usado pelo Estrangeiro o numero como
categoria gramatical se mencionarmos algo devemos lhe atribuir ou bem a
unidade ou bem a multiplicidade ou bem a dualidade no caso da lngua grega
que possui o dual para artigos e nomes Sendo assim ao mencionarmos ou
pensarmos em lsquoo no-serrsquo estamos necessariamente atribuindo-lhe a unidade o
que parece contraditrio tendo em vista que o ldquono-serrdquo no deve possuir
qualquer tipo de atributos Owen afirma que esta passagem pode ser vista como
contendo um argumento independente da passagem anterior mas ainda
reafirmando a equao ldquoo que no rdquo = ldquonadardquo
Somente quando deduzido que ldquoo que no rdquo no nos possibilita sequer
um atributo para mencionarmos sendo portanto impronuncivel (238b6-c10)
que ldquoo problema convertido em um problema sobre refernciardquo (OWEN
1970434) Nesta passagem e na passagem subseqiexclente (238d1-239c8) o
Estrangeiro estaria rejeitando a noo de um objeto sem qualquer determinao
isto negando a possibilidade de algum objeto (x) ao qual nenhuma propriedade
F possa ser aplicada Ao localizar a fonte dos problemas na impossibilidade de
conceber algo para o qual nenhum predicado pode ser atribudo Plato d adeus
ao antigo problema acerca dos sujeitos inexistentes e passa a analisar a equao ldquoo
que no rdquo = ldquonadardquo como introduzindo um erro acerca da negao e no acerca
do sentido existencial do verbo ldquoserrdquo
Owen conclui que sua exposio desta seo do dilogo ldquoprova que
possvel criar puzzles sobre o Nada sem confundi-los com puzzles sobre o no-
existenterdquo E ainda ldquomostra que a questo do Sofista traz estes puzzles para
5 Segundo Owen trata-se de uma referncia a antigos problemas citados em dilogos como Theeteto e Eutidemo
65
discusso de maneira a levar naturalmente ao estudo da sintaxe sujeito-predicado
e do ldquo conectivordquoF
6Frdquo (OWEN1970437)
No restante do seu artigo Owen procura reafirmar suas teses
principalmente atacando as interpretaes tradicionais fundamentadas na noo de
existncia Eventualmente Owen atribui analises para sentenas localizadas nas
sees destinadas soluo do problema da falsidade (255-264) No entanto sua
argumentao est mais focada em desqualificar seus opositores do que oferecer
uma anlise pormenorizada do texto platnico Sua posio entretanto bem
claramente explicitada em afirmaes do tipo ldquoO uso do verbo ldquoserrdquo no qual o
Estrangeiro apia suas concluses o uso conectivo7F distribudo entre identidade
e predicaordquo (OWEN 1970443)
A anlise passo-a-passo das passagens dedicadas soluo do problema foi
realizada em diversos artigos que se seguiram e que endossam as principais teses
de Owen Os comentadores que sero expostos a seguir na sua grande maioria
nem ao menos mencionam o sentido existencial como uma possibilidade
interpretativa e todos sem exceo procuram realizar a tarefa deixada por Owen
a saber oferecer uma interpretao para a soluo do problema baseada nos usos
incompletos do verbo ldquoserrdquo
6 A frmula ldquo lsquo rsquo conectivordquo claramente significa a forma incompleta do verbo ldquoserrdquo7 Incompleto na nossa terminologia
66
41A Anlise do Problema da Falsidade
Os comentadores divergem acerca de como deve ser feita esta anlise e at
mesmo se Plato foi bem sucedido em sua tentativa A passagem crucial se
estende de 255 at 264 quando o Estrangeiro demonstra a falsidade da sentena
Theeteto est voando Tradicionalmente esta parte do dilogo tem sido dividida
da seguinte forma
A primeira passagem vai de 255e8 a 257a12 e inicia-se com os
interlocutores concordando que as formas se encontram em relaes umas com as
outras Sendo que enquanto umas se prestam a uma comunidade mtua outras
no esto relacionadas entre si Tendo sido estabelecido isto o Estrangeiro
apresenta as relaes possveis entre os cinco gneros supremos ser o outro
o mesmo o repouso e o movimento E estabelece que cada forma no
cada uma das outras (movimento no repouso no o mesmo no o outro
no o ser) devido a sua relao com o outro A concluso que chega o
estrangeiro que ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no
rdquo (to mh oAtilden) ilimitadordquo
Existe certo consenso por parte dos comentadores em analisar as
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo presentes nesta passagem como identidade dizer que
movimento no repouso equivale a dizer que movimento no idntico ao
repouso ou seja outro que o repouso
A segunda passagem se estende de 257b1 a 258c5 Aqui o Estrangeiro nota
que ao dizermos que algo no grande no estamos nos referindo
necessariamente ao pequeno isto o oposto do grande mas a alguma coisa de
diferente E que a forma do ldquooutrordquo quando aplicada a cada coisa possui um
nome prprio O ldquooutrordquo aplicado ao belo por exemplo o no-belo
H uma predisposio por parte dos comentadores em analisar esta
ocorrncia do verbo ldquoserrdquo como envolvendo predicao negativa E segundo a
grande maioria dos comentadores esta a anlise do verbo ldquoserrdquo necessria para
resolver o problema da falsidade
67
As dificuldades comeam quando ao anunciar a soluo do problema da
falsidade (em 263b11) o Estrangeiro faz referncia primeira das duas passagens
aquela em que so expostas as relaes entre os gneros supremos e onde os
comentadores vem apenas no identidade Como explicar tal fato
A referncia parece bastante clara e j reconhecida ao menos desde
Cornford para quem Plato est ldquoinvocando as Formas e usando os resultados da
seo sobre as combinaesrdquo(isto 255-257) para obter o sentido da sentena
falsa (CORNFORD1952316) Vejamos as duas sentenas lado a lado para que
possamos analisar melhor a relao entre elas
I) Em 256e 5 temos Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men
e)sti to oAtilden aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) [isso] muito e ldquoo que no
rdquo(to mh oAtilden) [isso] ilimitadordquoF
8
O acrscimo do pronome demonstrativo como complemento ao verbo ldquoserrdquo
tem como objetivo explicitar que nesta passagem o verbo entendido
sintaticamente como incompleto e semanticamente como uma predicao de
identidade
II) J em 263b 11 temos polla men gar eAtildefamenFF oAtildenta periigrave
eAgravekaston eiaringnaiiquest pou polla de ou)k oAtildenta
ldquoDizamos que no caso de cada (coisa) h muitas (coisas) que so e muitas
que no sordquo 9
Entendendo predicativamente as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo isto seria
dizer No caso de cada coisa (incluindo Theeteto) h muitas coisas que so (por
exemplo sentado) e muitas que no so (por exemplo voando) No entanto
analisando 263b11 desta maneira ns a tornamos consideravelmente distinta da
primeira passagem em dois pontos Primeiro enquanto em 256 o quantificador
universal (eAgravekaston) aplica-se s formas (twfrac12n eisup1dwfrac12n) em 263 estamos
8 Apresento primeiramente a traduo de Mcdowell (1982)9 A presena da palavra eAtildefamen ( imperfeito ativo do verbo φημί na 1cent pessoa do plural -dizamos) indica que trata-se de uma referncia a algum resultado obtido anteriormente E no parece haver comentador que considere outra passagem seno 256e5 como a passagem em questo
68
aplicando-o a Theeteto Em segundo lugar enquanto em 256 a parte negativa da
generalizao s cobria casos de negao de identidade em 263 estamos
estendendo para predicao negativa Ambas as modificaes foram notadas por
Mcdowell (MCDOWELL1982 123-124)
Como podemos incorporar estas modificaes de maneira a oferecer uma
interpretao desejvel Esta interpretao deve dar conta do fato de que
aparentemente a passagem na qual est fundamentada a possibilidade de
discursos falsos trata apenas das relaes possveis entre as formas e conclui que
cada forma e no cada uma das outras Dentre as solues propostas
podemos reconhecer trs grupos
1)aqueles que explicam a referncia primeira das duas passagens pela
incapacidade de Plato de reconhecer a diferena entre estes dois usos do verbo
ldquoserrdquo De tal forma que ao introduzir a predicao negativa em 257b1-258c5 a
passagem acerca do no-belo Plato no se d conta de que s a partir da est
usando a noo necessria para capturar o sofista (BOSTOCK1984)
(OWEN1970)
2)aqueles que acreditam que a primeira passagem tambm pode ser
analisada em termos de predicao negativa (ACKRILL1957) (FREDE1992)
(MCDOWELL1982)
3)aqueles que acreditam no haver definitivamente predicao negativa em
nenhuma das duas passagens (ECK1994)
Dentre estes trs grupos de comentadores os dois primeiros so sem
sombra de dvida mais reconhecidos E grande parte dos trabalhos escritos sobre
este assunto toma como ponto de partida aquilo que estes dois grupos tem em
comum a opinio de que atravs da anlise do verbo ldquoserrdquo como predicaccedilatildeo
negativa que Plato fornece sua soluo para o problema da falsidade Ora para
que uma soluo do problema seja apresentada atravs da predicao negativa
preciso que a falsidade de sentenas do tipo ldquoScrates belordquo seja corretamente
analisada atravs da sentena ldquoScrates no belordquo
Definitivamente no tem se mostrado muito fcil relacionar estas duas
passagens e ainda oferecer uma soluo satisfatria para o problema O desafio
maior parece estar na maneira de relacionar a passagem acerca da relao entre as
formas (255e8-257a12) e a passagem acerca do no-belo de tal forma que a
citao da primeira passagem na soluo do problema torne-se natural Como a
69
primeira passagem se refere apenas a predicaes de identidade espera-se que a
anlise de predicaes negativas do tipo ldquoScrates no belordquo apresentada em
257b1-258c5 e supostamente necessria para a soluo do problema seja
realizada atravs da noo de diferena isto no identidade Caso esta anlise
possa ser extrada do texto a relao entre a primeira e a segunda passagem
estaria corretamente estabelecida e a citao de 256 durante a soluo do
problema estaria justificada No entanto a sentena obviamente no pode ser
entendida como ldquoScrates diferente do Belo (forma)rdquo o que seria o primeiro
candidato tendo em vista que a primeira passagem trata da no-identidade entre
formas Helena que sem dvida bela tambm diferente da forma do Belo de
fato tudo que belo diferente da forma do Belo
Alguns comentadores tentaram oferecer uma interpretao com base na
noo de incompatibilidade entre formas Primeiramente Cornford que acredita
que ldquoo no belordquo em questo no pode ser entendido como uma forma pois o
carter negativo que esta forma teria no seria condizente com a noo de idia
platnica Ao invs desta forma negativa de No-Belo Cornford prope que
entendamos ldquoo no belordquo como ldquoo nome coletivo de todas as Formas outras que o
Belordquo (CORNFORD1952p293)
A criao deste conjunto foi criticada por Sayre que prope em seu lugar um
conjunto formado pelas Formas relacionadas com Belo ldquode tal maneira que juntas
elas constituem um conjunto exaustivo e exclusivo A Forma no-Sentado por
exemplo consta de Andar Correr Saltar Estar de P assim por diante ()rdquo
(SAYRE1979) Desta maneira entenderamos ldquoScrates no belordquo como
ldquoScrates participa de alguma coisa que incompatvel com o Belordquo No entanto
tanto a interpretao de Cornford quanto a reformulao ad hoc feita por Sayre
possuem problemas Alm destas interpretaes traduzirem as ocorrncias de
ἄλλοF
10F e ἕτερονF
11F em 256-258 por ldquoincompatvelrdquo elas incorporam a noo de
incompatibilidade entre formas ou conjuntos de formas discusso coisa que
dificilmente pode ser extrada do texto platnico A despeito destes problemas
esta leitura da passagem torna-se incapaz de explicar a referncia primeira
10 Ocorrncias de ἄλλο em 256-258 (256c6 257d11 257e2) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo11 Ocorrncias de ἕτερον (255e10 256a4) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo
70
passagem (255 a 257) onde no h nada sobre incompatibilidade ou conjunto de
formas
A dificuldade de explicar o uso de vrios sentidos do verbo ldquoserrdquo durante o
desenvolvimento da questo acerca da falsidade levou alguns a considerar que
Plato simplesmente no estava ciente das diferenas de uso do verbo O que
teria levado a inconsistncias no tratamento da questo (cfBOSTOCK1984)
Outro grupo de comentadores ofereceu interpretaes que livram Plato de
falcias e inconsistncias no entanto no parece nada fcil explicar porque o
Estrangeiro passa de um uso do verbo ldquoserrdquo a outro sem nenhum aviso Frede em
Platoacutes Sophist on false statements (FREDE1992) parte da assuno de que
Plato entende os dois casos como exemplos de um nico uso do verbo ldquoserrdquo Sua
argumentao apia-se em 258a7-812onde ao explicar que o ldquono-serrdquo um ser
dentre os outros seres o Estrangeiro ldquoespecifica uma natureza do ldquooutrordquo (ἡ
θατέρου φύσις) supostamente envolvida em todos os casos de ldquono-serrdquo que
estivemos considerandordquo (FREDE1992408) E ainda conclui a partir disto que
Plato no pode pretender solucionar o problema da falsidade distinguindo a
predicao negativa da negao de identidade Temos que assumir portanto
conclui Frede que h somente um sentido de ldquoserrdquo envolvido tanto em
ldquomovimento no repousordquo quanto em ldquoTheeteto no (est) voandordquo [Theeteto
is not flying] (FREDEp408) Ao assumirmos que Plato est lidando com uma
nica interpretao do verbo ldquoserrdquo podemos explicar a relao entre estas duas
passagens que usualmente consideraramos como oferecendo duas anlises
diferentes do verbo sem implicar com isso nenhuma confuso por parte de Plato
Frede como j foi dito argumenta que a primeira passagem tambm pode
ser entendida como contendo aquilo que chamamos casos de predicao negativa
Para que tal interpretao seja mantida preciso que se entenda a anlise de
Plato para sentenas do tipo ldquoX no Yrdquo ndash no caso de X e Y serem diferentes -
no como uma negao de identidade mas como ldquoatribuindo no ser a Xrdquo ou
seja como negando a predicao de Y a X Alm disso devemos supor que Plato
entende ldquoO Pequeno no o GrandeF
13Frdquo da mesma maneira como entende ldquoIsso
12 Καὶ τἆλλα δὴ ταύτῃ λέξομεν ἐπείπερ ἡ θατέρου φύσις ἐφάνη τῶν ὄντων οὖσα ldquoO mesmo diremos das outras coisas pois a natureza do outro como dizia est entre os seresrdquo13 O uso de maisculas em ldquoPequenordquo e ldquoGranderdquo indica que se tratam das formas Pequeno e Grande e no os objetos pequenos e grandes com os quais temos contato no nosso dia a dia
71
(uma coisa pequena) no granderdquo tendo em vista a mudana do campo de
aplicao do quantificador entre a primeira e a segunda passagem Pois enquanto
a primeira passagem trata da relao entre as formas a segunda fala sobre
Theeteto que certamente no uma forma Frede tambm pretende solucionar
esta diferena e oferece uma nica anlise para ambos os casos respectivamente
ldquoO Pequeno diferente do que granderdquo e ldquoIsso (uma determinada coisa
pequena) diferente do que granderdquo
Oferecendo uma interpretao que encontra paralelos onde aparentemente
no h algum Frede pode explicar a referncia primeira passagem como algo
natural tendo em vista que para ele durante toda esta parte do dilogo Plato est
fazendo uso do que acredita ser um nico sentido do verbo ldquoserrdquoF
14F Mesmo assim
Frede acha intrigante que a soluo do problema faa referncia passagem que
ldquono nos causa inquietaordquo se estamos preocupados com o problema da
falsidade (FREDEp411)
A fraqueza da interpretao de Frede est no fato de que para aproximar as
passagens e oferecer uma anlise unificada das ocorrncias do verbo ldquoserrdquo so
necessrios muitos acrscimos quilo que de fato est presente no texto Eck em
Falsity Without Negative Predication on Sophistes 255e-263d (ECK1995p23)
critica a interpretao de Frede com base em dois argumentos
I) ldquoA partir do fato de que somente uma natureza do ldquono serrdquo
especificada em 258a7 nada se segue acerca da questo se acaso um ou mais
sentidos de ldquono rdquo esto envolvidos em sentenas de no identidade e predicao
negativardquo (ECK1995p23)
II) Frede oferece um argumento incompreensvel ao concluir apartir
do fato de que Plato no identifica ldquoo no serrdquo com ldquoo diferenterdquo mas com ldquouma
parte do diferenterdquo que a sentena ldquoo pequeno no o granderdquo no deve ser
entendido como negando identidade entre formas
Com relao a I) concordamos com Eck no ponto que nada acerca da
relao entre predicao negativa e predicao de identidade se segue do fato de
que Plato aparentemente est entendendo toda sua abordagem da questo como
contendo um s uso do verbo ldquoserrdquo No entanto parece-nos vlida a tentativa por
parte de Frede de oferecer uma interpretao que aproxime as passagens em
14 Explicitado por Frede atravs da anlise ldquoX diferente do que Frdquo Supostamente vlida tanto para X no- F quanto para a falsidade de X F
72
questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de
identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato
entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para
compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como
pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo
ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa
interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do
verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o
projeto platnico
A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck
volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo
corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre
classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo
pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash
Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes
de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria
voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse
da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de
analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao
com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento
estabelecida em 257c7-d5F
15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas
(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns
no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do
diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes
das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)
15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-
μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς
οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο
73
H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda
parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas
onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma
do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas
que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja
possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que
Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em
vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a
propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores
sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon
103b)
A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e
ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3
ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden
e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF
16
Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como
ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas
coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta
ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]
dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel
Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A
primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo
(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da
sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma
funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo
Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma
ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por
parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que
estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no
podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que
teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora
16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo
74
uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi
o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores
Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo
poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da
predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell
(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise
correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no
discurso tal como noacutes o caracterizamos
75
42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade
Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O
sofista diria
ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)
Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao
negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de
coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o
tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)
voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste
na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao
com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de
situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece
irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)
O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se
refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato
falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou
usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o
caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o
fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown
Book apud FERREIRA)
Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que
as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa
linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a
76
estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada
sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que
se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado
Exemplo 1
Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB
ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo
exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa
(X natildeo eacute Y)
Ontologia
Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como
preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e
sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de
sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo
possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas
nem verdadeiras
Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas
pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas
proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees
de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do
falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros
Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira
Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma
interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e
sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o
problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na
carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute
um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia
sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila
negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso
77
De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas
falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos
leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas
negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento
seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento
da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira
(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo
Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende
solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por
sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto
menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da
negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar
que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do
serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto
anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano
parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm
do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao
negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo
dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos
inevitavelmente falando algo sem sentido
Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao
de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o
que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da
negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida
No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados
de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein
acima
78
43O Sofista sem Predicao Negativa
Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece
demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao
negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro
que aquele acima apresentado
A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no
identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F
17
Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom
candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande
nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os
comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao
negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a
posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)
Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de
problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos
incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele
nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central
apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo
(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com
incompletas (OWEN1970417)
Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico
defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos
17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo
79
do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte
do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do
dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como
construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o
objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem
Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e
referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o
problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas
possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular
este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da
existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com
que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que
Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos
sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum
tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado
aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas
Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo
no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta
pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-
sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das
posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica
apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego
I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do
verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa
caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo
II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por
Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando
encontrado em sua forma absoluta (X )
Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos
Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se
no lugar da definio tradicional do uso completo a saber
C1 um uso que no possui nem permite um complemento
adotarmos a seguinte definio
80
C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que
permite um complemento
Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria
mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2
aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e
ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est
lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no
seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)
Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego
como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista
Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo
ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e
possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso
completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo
que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a
interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen
acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a
tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam
predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est
relacionado com as noes de predicao e referncia
Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os
paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o
ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que
absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual
nenhum F F ou seja algo que no possui determinao
algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio
compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua
caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo
Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o
no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma
determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo
do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)
81
A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que
ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra
relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso
distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no
texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados
por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua
interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h
uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)
Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para
a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell
Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa
desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo
de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo
em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao
negativa como central para soluo do problema
Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao
negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar
presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser
encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo
No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que
ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem
anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro
ao solucionar o problema
Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de
predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria
pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar
que nada de muito importante ocorreu neste intervalo
(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma
anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo
do problema
82
44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo
Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma
anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade
no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato
1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da
forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato
XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia
da seguinte forma
1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo
6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo
10wp 11 wbo
A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de
nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB
Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa
ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para
proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema
da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com
relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado
possuem o mesmo referente o fato XBO
Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o
Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a
concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria
relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto
Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo
movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para
sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena
ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est
ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando
83
Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
18 Ver pgina 6
84
dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
65
discusso de maneira a levar naturalmente ao estudo da sintaxe sujeito-predicado
e do ldquo conectivordquoF
6Frdquo (OWEN1970437)
No restante do seu artigo Owen procura reafirmar suas teses
principalmente atacando as interpretaes tradicionais fundamentadas na noo de
existncia Eventualmente Owen atribui analises para sentenas localizadas nas
sees destinadas soluo do problema da falsidade (255-264) No entanto sua
argumentao est mais focada em desqualificar seus opositores do que oferecer
uma anlise pormenorizada do texto platnico Sua posio entretanto bem
claramente explicitada em afirmaes do tipo ldquoO uso do verbo ldquoserrdquo no qual o
Estrangeiro apia suas concluses o uso conectivo7F distribudo entre identidade
e predicaordquo (OWEN 1970443)
A anlise passo-a-passo das passagens dedicadas soluo do problema foi
realizada em diversos artigos que se seguiram e que endossam as principais teses
de Owen Os comentadores que sero expostos a seguir na sua grande maioria
nem ao menos mencionam o sentido existencial como uma possibilidade
interpretativa e todos sem exceo procuram realizar a tarefa deixada por Owen
a saber oferecer uma interpretao para a soluo do problema baseada nos usos
incompletos do verbo ldquoserrdquo
6 A frmula ldquo lsquo rsquo conectivordquo claramente significa a forma incompleta do verbo ldquoserrdquo7 Incompleto na nossa terminologia
66
41A Anlise do Problema da Falsidade
Os comentadores divergem acerca de como deve ser feita esta anlise e at
mesmo se Plato foi bem sucedido em sua tentativa A passagem crucial se
estende de 255 at 264 quando o Estrangeiro demonstra a falsidade da sentena
Theeteto est voando Tradicionalmente esta parte do dilogo tem sido dividida
da seguinte forma
A primeira passagem vai de 255e8 a 257a12 e inicia-se com os
interlocutores concordando que as formas se encontram em relaes umas com as
outras Sendo que enquanto umas se prestam a uma comunidade mtua outras
no esto relacionadas entre si Tendo sido estabelecido isto o Estrangeiro
apresenta as relaes possveis entre os cinco gneros supremos ser o outro
o mesmo o repouso e o movimento E estabelece que cada forma no
cada uma das outras (movimento no repouso no o mesmo no o outro
no o ser) devido a sua relao com o outro A concluso que chega o
estrangeiro que ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no
rdquo (to mh oAtilden) ilimitadordquo
Existe certo consenso por parte dos comentadores em analisar as
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo presentes nesta passagem como identidade dizer que
movimento no repouso equivale a dizer que movimento no idntico ao
repouso ou seja outro que o repouso
A segunda passagem se estende de 257b1 a 258c5 Aqui o Estrangeiro nota
que ao dizermos que algo no grande no estamos nos referindo
necessariamente ao pequeno isto o oposto do grande mas a alguma coisa de
diferente E que a forma do ldquooutrordquo quando aplicada a cada coisa possui um
nome prprio O ldquooutrordquo aplicado ao belo por exemplo o no-belo
H uma predisposio por parte dos comentadores em analisar esta
ocorrncia do verbo ldquoserrdquo como envolvendo predicao negativa E segundo a
grande maioria dos comentadores esta a anlise do verbo ldquoserrdquo necessria para
resolver o problema da falsidade
67
As dificuldades comeam quando ao anunciar a soluo do problema da
falsidade (em 263b11) o Estrangeiro faz referncia primeira das duas passagens
aquela em que so expostas as relaes entre os gneros supremos e onde os
comentadores vem apenas no identidade Como explicar tal fato
A referncia parece bastante clara e j reconhecida ao menos desde
Cornford para quem Plato est ldquoinvocando as Formas e usando os resultados da
seo sobre as combinaesrdquo(isto 255-257) para obter o sentido da sentena
falsa (CORNFORD1952316) Vejamos as duas sentenas lado a lado para que
possamos analisar melhor a relao entre elas
I) Em 256e 5 temos Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men
e)sti to oAtilden aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) [isso] muito e ldquoo que no
rdquo(to mh oAtilden) [isso] ilimitadordquoF
8
O acrscimo do pronome demonstrativo como complemento ao verbo ldquoserrdquo
tem como objetivo explicitar que nesta passagem o verbo entendido
sintaticamente como incompleto e semanticamente como uma predicao de
identidade
II) J em 263b 11 temos polla men gar eAtildefamenFF oAtildenta periigrave
eAgravekaston eiaringnaiiquest pou polla de ou)k oAtildenta
ldquoDizamos que no caso de cada (coisa) h muitas (coisas) que so e muitas
que no sordquo 9
Entendendo predicativamente as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo isto seria
dizer No caso de cada coisa (incluindo Theeteto) h muitas coisas que so (por
exemplo sentado) e muitas que no so (por exemplo voando) No entanto
analisando 263b11 desta maneira ns a tornamos consideravelmente distinta da
primeira passagem em dois pontos Primeiro enquanto em 256 o quantificador
universal (eAgravekaston) aplica-se s formas (twfrac12n eisup1dwfrac12n) em 263 estamos
8 Apresento primeiramente a traduo de Mcdowell (1982)9 A presena da palavra eAtildefamen ( imperfeito ativo do verbo φημί na 1cent pessoa do plural -dizamos) indica que trata-se de uma referncia a algum resultado obtido anteriormente E no parece haver comentador que considere outra passagem seno 256e5 como a passagem em questo
68
aplicando-o a Theeteto Em segundo lugar enquanto em 256 a parte negativa da
generalizao s cobria casos de negao de identidade em 263 estamos
estendendo para predicao negativa Ambas as modificaes foram notadas por
Mcdowell (MCDOWELL1982 123-124)
Como podemos incorporar estas modificaes de maneira a oferecer uma
interpretao desejvel Esta interpretao deve dar conta do fato de que
aparentemente a passagem na qual est fundamentada a possibilidade de
discursos falsos trata apenas das relaes possveis entre as formas e conclui que
cada forma e no cada uma das outras Dentre as solues propostas
podemos reconhecer trs grupos
1)aqueles que explicam a referncia primeira das duas passagens pela
incapacidade de Plato de reconhecer a diferena entre estes dois usos do verbo
ldquoserrdquo De tal forma que ao introduzir a predicao negativa em 257b1-258c5 a
passagem acerca do no-belo Plato no se d conta de que s a partir da est
usando a noo necessria para capturar o sofista (BOSTOCK1984)
(OWEN1970)
2)aqueles que acreditam que a primeira passagem tambm pode ser
analisada em termos de predicao negativa (ACKRILL1957) (FREDE1992)
(MCDOWELL1982)
3)aqueles que acreditam no haver definitivamente predicao negativa em
nenhuma das duas passagens (ECK1994)
Dentre estes trs grupos de comentadores os dois primeiros so sem
sombra de dvida mais reconhecidos E grande parte dos trabalhos escritos sobre
este assunto toma como ponto de partida aquilo que estes dois grupos tem em
comum a opinio de que atravs da anlise do verbo ldquoserrdquo como predicaccedilatildeo
negativa que Plato fornece sua soluo para o problema da falsidade Ora para
que uma soluo do problema seja apresentada atravs da predicao negativa
preciso que a falsidade de sentenas do tipo ldquoScrates belordquo seja corretamente
analisada atravs da sentena ldquoScrates no belordquo
Definitivamente no tem se mostrado muito fcil relacionar estas duas
passagens e ainda oferecer uma soluo satisfatria para o problema O desafio
maior parece estar na maneira de relacionar a passagem acerca da relao entre as
formas (255e8-257a12) e a passagem acerca do no-belo de tal forma que a
citao da primeira passagem na soluo do problema torne-se natural Como a
69
primeira passagem se refere apenas a predicaes de identidade espera-se que a
anlise de predicaes negativas do tipo ldquoScrates no belordquo apresentada em
257b1-258c5 e supostamente necessria para a soluo do problema seja
realizada atravs da noo de diferena isto no identidade Caso esta anlise
possa ser extrada do texto a relao entre a primeira e a segunda passagem
estaria corretamente estabelecida e a citao de 256 durante a soluo do
problema estaria justificada No entanto a sentena obviamente no pode ser
entendida como ldquoScrates diferente do Belo (forma)rdquo o que seria o primeiro
candidato tendo em vista que a primeira passagem trata da no-identidade entre
formas Helena que sem dvida bela tambm diferente da forma do Belo de
fato tudo que belo diferente da forma do Belo
Alguns comentadores tentaram oferecer uma interpretao com base na
noo de incompatibilidade entre formas Primeiramente Cornford que acredita
que ldquoo no belordquo em questo no pode ser entendido como uma forma pois o
carter negativo que esta forma teria no seria condizente com a noo de idia
platnica Ao invs desta forma negativa de No-Belo Cornford prope que
entendamos ldquoo no belordquo como ldquoo nome coletivo de todas as Formas outras que o
Belordquo (CORNFORD1952p293)
A criao deste conjunto foi criticada por Sayre que prope em seu lugar um
conjunto formado pelas Formas relacionadas com Belo ldquode tal maneira que juntas
elas constituem um conjunto exaustivo e exclusivo A Forma no-Sentado por
exemplo consta de Andar Correr Saltar Estar de P assim por diante ()rdquo
(SAYRE1979) Desta maneira entenderamos ldquoScrates no belordquo como
ldquoScrates participa de alguma coisa que incompatvel com o Belordquo No entanto
tanto a interpretao de Cornford quanto a reformulao ad hoc feita por Sayre
possuem problemas Alm destas interpretaes traduzirem as ocorrncias de
ἄλλοF
10F e ἕτερονF
11F em 256-258 por ldquoincompatvelrdquo elas incorporam a noo de
incompatibilidade entre formas ou conjuntos de formas discusso coisa que
dificilmente pode ser extrada do texto platnico A despeito destes problemas
esta leitura da passagem torna-se incapaz de explicar a referncia primeira
10 Ocorrncias de ἄλλο em 256-258 (256c6 257d11 257e2) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo11 Ocorrncias de ἕτερον (255e10 256a4) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo
70
passagem (255 a 257) onde no h nada sobre incompatibilidade ou conjunto de
formas
A dificuldade de explicar o uso de vrios sentidos do verbo ldquoserrdquo durante o
desenvolvimento da questo acerca da falsidade levou alguns a considerar que
Plato simplesmente no estava ciente das diferenas de uso do verbo O que
teria levado a inconsistncias no tratamento da questo (cfBOSTOCK1984)
Outro grupo de comentadores ofereceu interpretaes que livram Plato de
falcias e inconsistncias no entanto no parece nada fcil explicar porque o
Estrangeiro passa de um uso do verbo ldquoserrdquo a outro sem nenhum aviso Frede em
Platoacutes Sophist on false statements (FREDE1992) parte da assuno de que
Plato entende os dois casos como exemplos de um nico uso do verbo ldquoserrdquo Sua
argumentao apia-se em 258a7-812onde ao explicar que o ldquono-serrdquo um ser
dentre os outros seres o Estrangeiro ldquoespecifica uma natureza do ldquooutrordquo (ἡ
θατέρου φύσις) supostamente envolvida em todos os casos de ldquono-serrdquo que
estivemos considerandordquo (FREDE1992408) E ainda conclui a partir disto que
Plato no pode pretender solucionar o problema da falsidade distinguindo a
predicao negativa da negao de identidade Temos que assumir portanto
conclui Frede que h somente um sentido de ldquoserrdquo envolvido tanto em
ldquomovimento no repousordquo quanto em ldquoTheeteto no (est) voandordquo [Theeteto
is not flying] (FREDEp408) Ao assumirmos que Plato est lidando com uma
nica interpretao do verbo ldquoserrdquo podemos explicar a relao entre estas duas
passagens que usualmente consideraramos como oferecendo duas anlises
diferentes do verbo sem implicar com isso nenhuma confuso por parte de Plato
Frede como j foi dito argumenta que a primeira passagem tambm pode
ser entendida como contendo aquilo que chamamos casos de predicao negativa
Para que tal interpretao seja mantida preciso que se entenda a anlise de
Plato para sentenas do tipo ldquoX no Yrdquo ndash no caso de X e Y serem diferentes -
no como uma negao de identidade mas como ldquoatribuindo no ser a Xrdquo ou
seja como negando a predicao de Y a X Alm disso devemos supor que Plato
entende ldquoO Pequeno no o GrandeF
13Frdquo da mesma maneira como entende ldquoIsso
12 Καὶ τἆλλα δὴ ταύτῃ λέξομεν ἐπείπερ ἡ θατέρου φύσις ἐφάνη τῶν ὄντων οὖσα ldquoO mesmo diremos das outras coisas pois a natureza do outro como dizia est entre os seresrdquo13 O uso de maisculas em ldquoPequenordquo e ldquoGranderdquo indica que se tratam das formas Pequeno e Grande e no os objetos pequenos e grandes com os quais temos contato no nosso dia a dia
71
(uma coisa pequena) no granderdquo tendo em vista a mudana do campo de
aplicao do quantificador entre a primeira e a segunda passagem Pois enquanto
a primeira passagem trata da relao entre as formas a segunda fala sobre
Theeteto que certamente no uma forma Frede tambm pretende solucionar
esta diferena e oferece uma nica anlise para ambos os casos respectivamente
ldquoO Pequeno diferente do que granderdquo e ldquoIsso (uma determinada coisa
pequena) diferente do que granderdquo
Oferecendo uma interpretao que encontra paralelos onde aparentemente
no h algum Frede pode explicar a referncia primeira passagem como algo
natural tendo em vista que para ele durante toda esta parte do dilogo Plato est
fazendo uso do que acredita ser um nico sentido do verbo ldquoserrdquoF
14F Mesmo assim
Frede acha intrigante que a soluo do problema faa referncia passagem que
ldquono nos causa inquietaordquo se estamos preocupados com o problema da
falsidade (FREDEp411)
A fraqueza da interpretao de Frede est no fato de que para aproximar as
passagens e oferecer uma anlise unificada das ocorrncias do verbo ldquoserrdquo so
necessrios muitos acrscimos quilo que de fato est presente no texto Eck em
Falsity Without Negative Predication on Sophistes 255e-263d (ECK1995p23)
critica a interpretao de Frede com base em dois argumentos
I) ldquoA partir do fato de que somente uma natureza do ldquono serrdquo
especificada em 258a7 nada se segue acerca da questo se acaso um ou mais
sentidos de ldquono rdquo esto envolvidos em sentenas de no identidade e predicao
negativardquo (ECK1995p23)
II) Frede oferece um argumento incompreensvel ao concluir apartir
do fato de que Plato no identifica ldquoo no serrdquo com ldquoo diferenterdquo mas com ldquouma
parte do diferenterdquo que a sentena ldquoo pequeno no o granderdquo no deve ser
entendido como negando identidade entre formas
Com relao a I) concordamos com Eck no ponto que nada acerca da
relao entre predicao negativa e predicao de identidade se segue do fato de
que Plato aparentemente est entendendo toda sua abordagem da questo como
contendo um s uso do verbo ldquoserrdquo No entanto parece-nos vlida a tentativa por
parte de Frede de oferecer uma interpretao que aproxime as passagens em
14 Explicitado por Frede atravs da anlise ldquoX diferente do que Frdquo Supostamente vlida tanto para X no- F quanto para a falsidade de X F
72
questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de
identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato
entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para
compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como
pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo
ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa
interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do
verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o
projeto platnico
A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck
volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo
corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre
classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo
pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash
Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes
de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria
voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse
da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de
analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao
com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento
estabelecida em 257c7-d5F
15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas
(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns
no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do
diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes
das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)
15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-
μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς
οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο
73
H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda
parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas
onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma
do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas
que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja
possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que
Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em
vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a
propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores
sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon
103b)
A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e
ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3
ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden
e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF
16
Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como
ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas
coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta
ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]
dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel
Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A
primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo
(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da
sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma
funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo
Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma
ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por
parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que
estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no
podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que
teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora
16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo
74
uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi
o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores
Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo
poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da
predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell
(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise
correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no
discurso tal como noacutes o caracterizamos
75
42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade
Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O
sofista diria
ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)
Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao
negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de
coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o
tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)
voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste
na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao
com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de
situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece
irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)
O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se
refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato
falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou
usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o
caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o
fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown
Book apud FERREIRA)
Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que
as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa
linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a
76
estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada
sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que
se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado
Exemplo 1
Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB
ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo
exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa
(X natildeo eacute Y)
Ontologia
Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como
preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e
sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de
sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo
possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas
nem verdadeiras
Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas
pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas
proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees
de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do
falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros
Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira
Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma
interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e
sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o
problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na
carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute
um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia
sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila
negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso
77
De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas
falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos
leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas
negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento
seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento
da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira
(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo
Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende
solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por
sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto
menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da
negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar
que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do
serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto
anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano
parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm
do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao
negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo
dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos
inevitavelmente falando algo sem sentido
Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao
de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o
que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da
negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida
No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados
de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein
acima
78
43O Sofista sem Predicao Negativa
Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece
demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao
negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro
que aquele acima apresentado
A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no
identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F
17
Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom
candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande
nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os
comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao
negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a
posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)
Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de
problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos
incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele
nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central
apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo
(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com
incompletas (OWEN1970417)
Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico
defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos
17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo
79
do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte
do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do
dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como
construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o
objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem
Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e
referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o
problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas
possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular
este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da
existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com
que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que
Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos
sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum
tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado
aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas
Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo
no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta
pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-
sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das
posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica
apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego
I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do
verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa
caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo
II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por
Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando
encontrado em sua forma absoluta (X )
Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos
Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se
no lugar da definio tradicional do uso completo a saber
C1 um uso que no possui nem permite um complemento
adotarmos a seguinte definio
80
C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que
permite um complemento
Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria
mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2
aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e
ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est
lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no
seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)
Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego
como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista
Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo
ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e
possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso
completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo
que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a
interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen
acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a
tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam
predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est
relacionado com as noes de predicao e referncia
Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os
paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o
ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que
absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual
nenhum F F ou seja algo que no possui determinao
algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio
compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua
caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo
Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o
no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma
determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo
do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)
81
A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que
ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra
relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso
distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no
texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados
por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua
interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h
uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)
Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para
a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell
Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa
desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo
de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo
em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao
negativa como central para soluo do problema
Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao
negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar
presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser
encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo
No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que
ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem
anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro
ao solucionar o problema
Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de
predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria
pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar
que nada de muito importante ocorreu neste intervalo
(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma
anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo
do problema
82
44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo
Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma
anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade
no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato
1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da
forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato
XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia
da seguinte forma
1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo
6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo
10wp 11 wbo
A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de
nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB
Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa
ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para
proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema
da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com
relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado
possuem o mesmo referente o fato XBO
Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o
Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a
concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria
relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto
Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo
movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para
sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena
ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est
ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando
83
Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
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84
dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
66
41A Anlise do Problema da Falsidade
Os comentadores divergem acerca de como deve ser feita esta anlise e at
mesmo se Plato foi bem sucedido em sua tentativa A passagem crucial se
estende de 255 at 264 quando o Estrangeiro demonstra a falsidade da sentena
Theeteto est voando Tradicionalmente esta parte do dilogo tem sido dividida
da seguinte forma
A primeira passagem vai de 255e8 a 257a12 e inicia-se com os
interlocutores concordando que as formas se encontram em relaes umas com as
outras Sendo que enquanto umas se prestam a uma comunidade mtua outras
no esto relacionadas entre si Tendo sido estabelecido isto o Estrangeiro
apresenta as relaes possveis entre os cinco gneros supremos ser o outro
o mesmo o repouso e o movimento E estabelece que cada forma no
cada uma das outras (movimento no repouso no o mesmo no o outro
no o ser) devido a sua relao com o outro A concluso que chega o
estrangeiro que ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no
rdquo (to mh oAtilden) ilimitadordquo
Existe certo consenso por parte dos comentadores em analisar as
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo presentes nesta passagem como identidade dizer que
movimento no repouso equivale a dizer que movimento no idntico ao
repouso ou seja outro que o repouso
A segunda passagem se estende de 257b1 a 258c5 Aqui o Estrangeiro nota
que ao dizermos que algo no grande no estamos nos referindo
necessariamente ao pequeno isto o oposto do grande mas a alguma coisa de
diferente E que a forma do ldquooutrordquo quando aplicada a cada coisa possui um
nome prprio O ldquooutrordquo aplicado ao belo por exemplo o no-belo
H uma predisposio por parte dos comentadores em analisar esta
ocorrncia do verbo ldquoserrdquo como envolvendo predicao negativa E segundo a
grande maioria dos comentadores esta a anlise do verbo ldquoserrdquo necessria para
resolver o problema da falsidade
67
As dificuldades comeam quando ao anunciar a soluo do problema da
falsidade (em 263b11) o Estrangeiro faz referncia primeira das duas passagens
aquela em que so expostas as relaes entre os gneros supremos e onde os
comentadores vem apenas no identidade Como explicar tal fato
A referncia parece bastante clara e j reconhecida ao menos desde
Cornford para quem Plato est ldquoinvocando as Formas e usando os resultados da
seo sobre as combinaesrdquo(isto 255-257) para obter o sentido da sentena
falsa (CORNFORD1952316) Vejamos as duas sentenas lado a lado para que
possamos analisar melhor a relao entre elas
I) Em 256e 5 temos Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men
e)sti to oAtilden aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) [isso] muito e ldquoo que no
rdquo(to mh oAtilden) [isso] ilimitadordquoF
8
O acrscimo do pronome demonstrativo como complemento ao verbo ldquoserrdquo
tem como objetivo explicitar que nesta passagem o verbo entendido
sintaticamente como incompleto e semanticamente como uma predicao de
identidade
II) J em 263b 11 temos polla men gar eAtildefamenFF oAtildenta periigrave
eAgravekaston eiaringnaiiquest pou polla de ou)k oAtildenta
ldquoDizamos que no caso de cada (coisa) h muitas (coisas) que so e muitas
que no sordquo 9
Entendendo predicativamente as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo isto seria
dizer No caso de cada coisa (incluindo Theeteto) h muitas coisas que so (por
exemplo sentado) e muitas que no so (por exemplo voando) No entanto
analisando 263b11 desta maneira ns a tornamos consideravelmente distinta da
primeira passagem em dois pontos Primeiro enquanto em 256 o quantificador
universal (eAgravekaston) aplica-se s formas (twfrac12n eisup1dwfrac12n) em 263 estamos
8 Apresento primeiramente a traduo de Mcdowell (1982)9 A presena da palavra eAtildefamen ( imperfeito ativo do verbo φημί na 1cent pessoa do plural -dizamos) indica que trata-se de uma referncia a algum resultado obtido anteriormente E no parece haver comentador que considere outra passagem seno 256e5 como a passagem em questo
68
aplicando-o a Theeteto Em segundo lugar enquanto em 256 a parte negativa da
generalizao s cobria casos de negao de identidade em 263 estamos
estendendo para predicao negativa Ambas as modificaes foram notadas por
Mcdowell (MCDOWELL1982 123-124)
Como podemos incorporar estas modificaes de maneira a oferecer uma
interpretao desejvel Esta interpretao deve dar conta do fato de que
aparentemente a passagem na qual est fundamentada a possibilidade de
discursos falsos trata apenas das relaes possveis entre as formas e conclui que
cada forma e no cada uma das outras Dentre as solues propostas
podemos reconhecer trs grupos
1)aqueles que explicam a referncia primeira das duas passagens pela
incapacidade de Plato de reconhecer a diferena entre estes dois usos do verbo
ldquoserrdquo De tal forma que ao introduzir a predicao negativa em 257b1-258c5 a
passagem acerca do no-belo Plato no se d conta de que s a partir da est
usando a noo necessria para capturar o sofista (BOSTOCK1984)
(OWEN1970)
2)aqueles que acreditam que a primeira passagem tambm pode ser
analisada em termos de predicao negativa (ACKRILL1957) (FREDE1992)
(MCDOWELL1982)
3)aqueles que acreditam no haver definitivamente predicao negativa em
nenhuma das duas passagens (ECK1994)
Dentre estes trs grupos de comentadores os dois primeiros so sem
sombra de dvida mais reconhecidos E grande parte dos trabalhos escritos sobre
este assunto toma como ponto de partida aquilo que estes dois grupos tem em
comum a opinio de que atravs da anlise do verbo ldquoserrdquo como predicaccedilatildeo
negativa que Plato fornece sua soluo para o problema da falsidade Ora para
que uma soluo do problema seja apresentada atravs da predicao negativa
preciso que a falsidade de sentenas do tipo ldquoScrates belordquo seja corretamente
analisada atravs da sentena ldquoScrates no belordquo
Definitivamente no tem se mostrado muito fcil relacionar estas duas
passagens e ainda oferecer uma soluo satisfatria para o problema O desafio
maior parece estar na maneira de relacionar a passagem acerca da relao entre as
formas (255e8-257a12) e a passagem acerca do no-belo de tal forma que a
citao da primeira passagem na soluo do problema torne-se natural Como a
69
primeira passagem se refere apenas a predicaes de identidade espera-se que a
anlise de predicaes negativas do tipo ldquoScrates no belordquo apresentada em
257b1-258c5 e supostamente necessria para a soluo do problema seja
realizada atravs da noo de diferena isto no identidade Caso esta anlise
possa ser extrada do texto a relao entre a primeira e a segunda passagem
estaria corretamente estabelecida e a citao de 256 durante a soluo do
problema estaria justificada No entanto a sentena obviamente no pode ser
entendida como ldquoScrates diferente do Belo (forma)rdquo o que seria o primeiro
candidato tendo em vista que a primeira passagem trata da no-identidade entre
formas Helena que sem dvida bela tambm diferente da forma do Belo de
fato tudo que belo diferente da forma do Belo
Alguns comentadores tentaram oferecer uma interpretao com base na
noo de incompatibilidade entre formas Primeiramente Cornford que acredita
que ldquoo no belordquo em questo no pode ser entendido como uma forma pois o
carter negativo que esta forma teria no seria condizente com a noo de idia
platnica Ao invs desta forma negativa de No-Belo Cornford prope que
entendamos ldquoo no belordquo como ldquoo nome coletivo de todas as Formas outras que o
Belordquo (CORNFORD1952p293)
A criao deste conjunto foi criticada por Sayre que prope em seu lugar um
conjunto formado pelas Formas relacionadas com Belo ldquode tal maneira que juntas
elas constituem um conjunto exaustivo e exclusivo A Forma no-Sentado por
exemplo consta de Andar Correr Saltar Estar de P assim por diante ()rdquo
(SAYRE1979) Desta maneira entenderamos ldquoScrates no belordquo como
ldquoScrates participa de alguma coisa que incompatvel com o Belordquo No entanto
tanto a interpretao de Cornford quanto a reformulao ad hoc feita por Sayre
possuem problemas Alm destas interpretaes traduzirem as ocorrncias de
ἄλλοF
10F e ἕτερονF
11F em 256-258 por ldquoincompatvelrdquo elas incorporam a noo de
incompatibilidade entre formas ou conjuntos de formas discusso coisa que
dificilmente pode ser extrada do texto platnico A despeito destes problemas
esta leitura da passagem torna-se incapaz de explicar a referncia primeira
10 Ocorrncias de ἄλλο em 256-258 (256c6 257d11 257e2) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo11 Ocorrncias de ἕτερον (255e10 256a4) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo
70
passagem (255 a 257) onde no h nada sobre incompatibilidade ou conjunto de
formas
A dificuldade de explicar o uso de vrios sentidos do verbo ldquoserrdquo durante o
desenvolvimento da questo acerca da falsidade levou alguns a considerar que
Plato simplesmente no estava ciente das diferenas de uso do verbo O que
teria levado a inconsistncias no tratamento da questo (cfBOSTOCK1984)
Outro grupo de comentadores ofereceu interpretaes que livram Plato de
falcias e inconsistncias no entanto no parece nada fcil explicar porque o
Estrangeiro passa de um uso do verbo ldquoserrdquo a outro sem nenhum aviso Frede em
Platoacutes Sophist on false statements (FREDE1992) parte da assuno de que
Plato entende os dois casos como exemplos de um nico uso do verbo ldquoserrdquo Sua
argumentao apia-se em 258a7-812onde ao explicar que o ldquono-serrdquo um ser
dentre os outros seres o Estrangeiro ldquoespecifica uma natureza do ldquooutrordquo (ἡ
θατέρου φύσις) supostamente envolvida em todos os casos de ldquono-serrdquo que
estivemos considerandordquo (FREDE1992408) E ainda conclui a partir disto que
Plato no pode pretender solucionar o problema da falsidade distinguindo a
predicao negativa da negao de identidade Temos que assumir portanto
conclui Frede que h somente um sentido de ldquoserrdquo envolvido tanto em
ldquomovimento no repousordquo quanto em ldquoTheeteto no (est) voandordquo [Theeteto
is not flying] (FREDEp408) Ao assumirmos que Plato est lidando com uma
nica interpretao do verbo ldquoserrdquo podemos explicar a relao entre estas duas
passagens que usualmente consideraramos como oferecendo duas anlises
diferentes do verbo sem implicar com isso nenhuma confuso por parte de Plato
Frede como j foi dito argumenta que a primeira passagem tambm pode
ser entendida como contendo aquilo que chamamos casos de predicao negativa
Para que tal interpretao seja mantida preciso que se entenda a anlise de
Plato para sentenas do tipo ldquoX no Yrdquo ndash no caso de X e Y serem diferentes -
no como uma negao de identidade mas como ldquoatribuindo no ser a Xrdquo ou
seja como negando a predicao de Y a X Alm disso devemos supor que Plato
entende ldquoO Pequeno no o GrandeF
13Frdquo da mesma maneira como entende ldquoIsso
12 Καὶ τἆλλα δὴ ταύτῃ λέξομεν ἐπείπερ ἡ θατέρου φύσις ἐφάνη τῶν ὄντων οὖσα ldquoO mesmo diremos das outras coisas pois a natureza do outro como dizia est entre os seresrdquo13 O uso de maisculas em ldquoPequenordquo e ldquoGranderdquo indica que se tratam das formas Pequeno e Grande e no os objetos pequenos e grandes com os quais temos contato no nosso dia a dia
71
(uma coisa pequena) no granderdquo tendo em vista a mudana do campo de
aplicao do quantificador entre a primeira e a segunda passagem Pois enquanto
a primeira passagem trata da relao entre as formas a segunda fala sobre
Theeteto que certamente no uma forma Frede tambm pretende solucionar
esta diferena e oferece uma nica anlise para ambos os casos respectivamente
ldquoO Pequeno diferente do que granderdquo e ldquoIsso (uma determinada coisa
pequena) diferente do que granderdquo
Oferecendo uma interpretao que encontra paralelos onde aparentemente
no h algum Frede pode explicar a referncia primeira passagem como algo
natural tendo em vista que para ele durante toda esta parte do dilogo Plato est
fazendo uso do que acredita ser um nico sentido do verbo ldquoserrdquoF
14F Mesmo assim
Frede acha intrigante que a soluo do problema faa referncia passagem que
ldquono nos causa inquietaordquo se estamos preocupados com o problema da
falsidade (FREDEp411)
A fraqueza da interpretao de Frede est no fato de que para aproximar as
passagens e oferecer uma anlise unificada das ocorrncias do verbo ldquoserrdquo so
necessrios muitos acrscimos quilo que de fato est presente no texto Eck em
Falsity Without Negative Predication on Sophistes 255e-263d (ECK1995p23)
critica a interpretao de Frede com base em dois argumentos
I) ldquoA partir do fato de que somente uma natureza do ldquono serrdquo
especificada em 258a7 nada se segue acerca da questo se acaso um ou mais
sentidos de ldquono rdquo esto envolvidos em sentenas de no identidade e predicao
negativardquo (ECK1995p23)
II) Frede oferece um argumento incompreensvel ao concluir apartir
do fato de que Plato no identifica ldquoo no serrdquo com ldquoo diferenterdquo mas com ldquouma
parte do diferenterdquo que a sentena ldquoo pequeno no o granderdquo no deve ser
entendido como negando identidade entre formas
Com relao a I) concordamos com Eck no ponto que nada acerca da
relao entre predicao negativa e predicao de identidade se segue do fato de
que Plato aparentemente est entendendo toda sua abordagem da questo como
contendo um s uso do verbo ldquoserrdquo No entanto parece-nos vlida a tentativa por
parte de Frede de oferecer uma interpretao que aproxime as passagens em
14 Explicitado por Frede atravs da anlise ldquoX diferente do que Frdquo Supostamente vlida tanto para X no- F quanto para a falsidade de X F
72
questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de
identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato
entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para
compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como
pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo
ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa
interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do
verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o
projeto platnico
A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck
volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo
corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre
classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo
pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash
Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes
de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria
voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse
da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de
analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao
com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento
estabelecida em 257c7-d5F
15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas
(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns
no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do
diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes
das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)
15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-
μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς
οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο
73
H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda
parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas
onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma
do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas
que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja
possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que
Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em
vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a
propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores
sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon
103b)
A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e
ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3
ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden
e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF
16
Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como
ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas
coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta
ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]
dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel
Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A
primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo
(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da
sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma
funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo
Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma
ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por
parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que
estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no
podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que
teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora
16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo
74
uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi
o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores
Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo
poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da
predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell
(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise
correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no
discurso tal como noacutes o caracterizamos
75
42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade
Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O
sofista diria
ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)
Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao
negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de
coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o
tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)
voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste
na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao
com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de
situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece
irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)
O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se
refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato
falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou
usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o
caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o
fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown
Book apud FERREIRA)
Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que
as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa
linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a
76
estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada
sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que
se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado
Exemplo 1
Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB
ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo
exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa
(X natildeo eacute Y)
Ontologia
Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como
preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e
sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de
sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo
possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas
nem verdadeiras
Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas
pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas
proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees
de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do
falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros
Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira
Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma
interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e
sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o
problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na
carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute
um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia
sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila
negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso
77
De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas
falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos
leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas
negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento
seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento
da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira
(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo
Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende
solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por
sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto
menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da
negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar
que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do
serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto
anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano
parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm
do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao
negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo
dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos
inevitavelmente falando algo sem sentido
Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao
de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o
que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da
negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida
No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados
de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein
acima
78
43O Sofista sem Predicao Negativa
Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece
demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao
negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro
que aquele acima apresentado
A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no
identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F
17
Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom
candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande
nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os
comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao
negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a
posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)
Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de
problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos
incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele
nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central
apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo
(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com
incompletas (OWEN1970417)
Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico
defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos
17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo
79
do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte
do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do
dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como
construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o
objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem
Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e
referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o
problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas
possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular
este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da
existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com
que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que
Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos
sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum
tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado
aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas
Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo
no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta
pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-
sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das
posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica
apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego
I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do
verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa
caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo
II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por
Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando
encontrado em sua forma absoluta (X )
Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos
Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se
no lugar da definio tradicional do uso completo a saber
C1 um uso que no possui nem permite um complemento
adotarmos a seguinte definio
80
C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que
permite um complemento
Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria
mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2
aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e
ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est
lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no
seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)
Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego
como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista
Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo
ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e
possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso
completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo
que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a
interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen
acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a
tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam
predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est
relacionado com as noes de predicao e referncia
Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os
paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o
ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que
absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual
nenhum F F ou seja algo que no possui determinao
algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio
compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua
caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo
Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o
no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma
determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo
do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)
81
A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que
ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra
relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso
distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no
texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados
por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua
interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h
uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)
Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para
a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell
Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa
desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo
de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo
em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao
negativa como central para soluo do problema
Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao
negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar
presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser
encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo
No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que
ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem
anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro
ao solucionar o problema
Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de
predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria
pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar
que nada de muito importante ocorreu neste intervalo
(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma
anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo
do problema
82
44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo
Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma
anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade
no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato
1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da
forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato
XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia
da seguinte forma
1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo
6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo
10wp 11 wbo
A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de
nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB
Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa
ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para
proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema
da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com
relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado
possuem o mesmo referente o fato XBO
Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o
Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a
concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria
relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto
Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo
movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para
sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena
ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est
ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando
83
Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
18 Ver pgina 6
84
dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
67
As dificuldades comeam quando ao anunciar a soluo do problema da
falsidade (em 263b11) o Estrangeiro faz referncia primeira das duas passagens
aquela em que so expostas as relaes entre os gneros supremos e onde os
comentadores vem apenas no identidade Como explicar tal fato
A referncia parece bastante clara e j reconhecida ao menos desde
Cornford para quem Plato est ldquoinvocando as Formas e usando os resultados da
seo sobre as combinaesrdquo(isto 255-257) para obter o sentido da sentena
falsa (CORNFORD1952316) Vejamos as duas sentenas lado a lado para que
possamos analisar melhor a relao entre elas
I) Em 256e 5 temos Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men
e)sti to oAtilden aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) [isso] muito e ldquoo que no
rdquo(to mh oAtilden) [isso] ilimitadordquoF
8
O acrscimo do pronome demonstrativo como complemento ao verbo ldquoserrdquo
tem como objetivo explicitar que nesta passagem o verbo entendido
sintaticamente como incompleto e semanticamente como uma predicao de
identidade
II) J em 263b 11 temos polla men gar eAtildefamenFF oAtildenta periigrave
eAgravekaston eiaringnaiiquest pou polla de ou)k oAtildenta
ldquoDizamos que no caso de cada (coisa) h muitas (coisas) que so e muitas
que no sordquo 9
Entendendo predicativamente as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo isto seria
dizer No caso de cada coisa (incluindo Theeteto) h muitas coisas que so (por
exemplo sentado) e muitas que no so (por exemplo voando) No entanto
analisando 263b11 desta maneira ns a tornamos consideravelmente distinta da
primeira passagem em dois pontos Primeiro enquanto em 256 o quantificador
universal (eAgravekaston) aplica-se s formas (twfrac12n eisup1dwfrac12n) em 263 estamos
8 Apresento primeiramente a traduo de Mcdowell (1982)9 A presena da palavra eAtildefamen ( imperfeito ativo do verbo φημί na 1cent pessoa do plural -dizamos) indica que trata-se de uma referncia a algum resultado obtido anteriormente E no parece haver comentador que considere outra passagem seno 256e5 como a passagem em questo
68
aplicando-o a Theeteto Em segundo lugar enquanto em 256 a parte negativa da
generalizao s cobria casos de negao de identidade em 263 estamos
estendendo para predicao negativa Ambas as modificaes foram notadas por
Mcdowell (MCDOWELL1982 123-124)
Como podemos incorporar estas modificaes de maneira a oferecer uma
interpretao desejvel Esta interpretao deve dar conta do fato de que
aparentemente a passagem na qual est fundamentada a possibilidade de
discursos falsos trata apenas das relaes possveis entre as formas e conclui que
cada forma e no cada uma das outras Dentre as solues propostas
podemos reconhecer trs grupos
1)aqueles que explicam a referncia primeira das duas passagens pela
incapacidade de Plato de reconhecer a diferena entre estes dois usos do verbo
ldquoserrdquo De tal forma que ao introduzir a predicao negativa em 257b1-258c5 a
passagem acerca do no-belo Plato no se d conta de que s a partir da est
usando a noo necessria para capturar o sofista (BOSTOCK1984)
(OWEN1970)
2)aqueles que acreditam que a primeira passagem tambm pode ser
analisada em termos de predicao negativa (ACKRILL1957) (FREDE1992)
(MCDOWELL1982)
3)aqueles que acreditam no haver definitivamente predicao negativa em
nenhuma das duas passagens (ECK1994)
Dentre estes trs grupos de comentadores os dois primeiros so sem
sombra de dvida mais reconhecidos E grande parte dos trabalhos escritos sobre
este assunto toma como ponto de partida aquilo que estes dois grupos tem em
comum a opinio de que atravs da anlise do verbo ldquoserrdquo como predicaccedilatildeo
negativa que Plato fornece sua soluo para o problema da falsidade Ora para
que uma soluo do problema seja apresentada atravs da predicao negativa
preciso que a falsidade de sentenas do tipo ldquoScrates belordquo seja corretamente
analisada atravs da sentena ldquoScrates no belordquo
Definitivamente no tem se mostrado muito fcil relacionar estas duas
passagens e ainda oferecer uma soluo satisfatria para o problema O desafio
maior parece estar na maneira de relacionar a passagem acerca da relao entre as
formas (255e8-257a12) e a passagem acerca do no-belo de tal forma que a
citao da primeira passagem na soluo do problema torne-se natural Como a
69
primeira passagem se refere apenas a predicaes de identidade espera-se que a
anlise de predicaes negativas do tipo ldquoScrates no belordquo apresentada em
257b1-258c5 e supostamente necessria para a soluo do problema seja
realizada atravs da noo de diferena isto no identidade Caso esta anlise
possa ser extrada do texto a relao entre a primeira e a segunda passagem
estaria corretamente estabelecida e a citao de 256 durante a soluo do
problema estaria justificada No entanto a sentena obviamente no pode ser
entendida como ldquoScrates diferente do Belo (forma)rdquo o que seria o primeiro
candidato tendo em vista que a primeira passagem trata da no-identidade entre
formas Helena que sem dvida bela tambm diferente da forma do Belo de
fato tudo que belo diferente da forma do Belo
Alguns comentadores tentaram oferecer uma interpretao com base na
noo de incompatibilidade entre formas Primeiramente Cornford que acredita
que ldquoo no belordquo em questo no pode ser entendido como uma forma pois o
carter negativo que esta forma teria no seria condizente com a noo de idia
platnica Ao invs desta forma negativa de No-Belo Cornford prope que
entendamos ldquoo no belordquo como ldquoo nome coletivo de todas as Formas outras que o
Belordquo (CORNFORD1952p293)
A criao deste conjunto foi criticada por Sayre que prope em seu lugar um
conjunto formado pelas Formas relacionadas com Belo ldquode tal maneira que juntas
elas constituem um conjunto exaustivo e exclusivo A Forma no-Sentado por
exemplo consta de Andar Correr Saltar Estar de P assim por diante ()rdquo
(SAYRE1979) Desta maneira entenderamos ldquoScrates no belordquo como
ldquoScrates participa de alguma coisa que incompatvel com o Belordquo No entanto
tanto a interpretao de Cornford quanto a reformulao ad hoc feita por Sayre
possuem problemas Alm destas interpretaes traduzirem as ocorrncias de
ἄλλοF
10F e ἕτερονF
11F em 256-258 por ldquoincompatvelrdquo elas incorporam a noo de
incompatibilidade entre formas ou conjuntos de formas discusso coisa que
dificilmente pode ser extrada do texto platnico A despeito destes problemas
esta leitura da passagem torna-se incapaz de explicar a referncia primeira
10 Ocorrncias de ἄλλο em 256-258 (256c6 257d11 257e2) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo11 Ocorrncias de ἕτερον (255e10 256a4) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo
70
passagem (255 a 257) onde no h nada sobre incompatibilidade ou conjunto de
formas
A dificuldade de explicar o uso de vrios sentidos do verbo ldquoserrdquo durante o
desenvolvimento da questo acerca da falsidade levou alguns a considerar que
Plato simplesmente no estava ciente das diferenas de uso do verbo O que
teria levado a inconsistncias no tratamento da questo (cfBOSTOCK1984)
Outro grupo de comentadores ofereceu interpretaes que livram Plato de
falcias e inconsistncias no entanto no parece nada fcil explicar porque o
Estrangeiro passa de um uso do verbo ldquoserrdquo a outro sem nenhum aviso Frede em
Platoacutes Sophist on false statements (FREDE1992) parte da assuno de que
Plato entende os dois casos como exemplos de um nico uso do verbo ldquoserrdquo Sua
argumentao apia-se em 258a7-812onde ao explicar que o ldquono-serrdquo um ser
dentre os outros seres o Estrangeiro ldquoespecifica uma natureza do ldquooutrordquo (ἡ
θατέρου φύσις) supostamente envolvida em todos os casos de ldquono-serrdquo que
estivemos considerandordquo (FREDE1992408) E ainda conclui a partir disto que
Plato no pode pretender solucionar o problema da falsidade distinguindo a
predicao negativa da negao de identidade Temos que assumir portanto
conclui Frede que h somente um sentido de ldquoserrdquo envolvido tanto em
ldquomovimento no repousordquo quanto em ldquoTheeteto no (est) voandordquo [Theeteto
is not flying] (FREDEp408) Ao assumirmos que Plato est lidando com uma
nica interpretao do verbo ldquoserrdquo podemos explicar a relao entre estas duas
passagens que usualmente consideraramos como oferecendo duas anlises
diferentes do verbo sem implicar com isso nenhuma confuso por parte de Plato
Frede como j foi dito argumenta que a primeira passagem tambm pode
ser entendida como contendo aquilo que chamamos casos de predicao negativa
Para que tal interpretao seja mantida preciso que se entenda a anlise de
Plato para sentenas do tipo ldquoX no Yrdquo ndash no caso de X e Y serem diferentes -
no como uma negao de identidade mas como ldquoatribuindo no ser a Xrdquo ou
seja como negando a predicao de Y a X Alm disso devemos supor que Plato
entende ldquoO Pequeno no o GrandeF
13Frdquo da mesma maneira como entende ldquoIsso
12 Καὶ τἆλλα δὴ ταύτῃ λέξομεν ἐπείπερ ἡ θατέρου φύσις ἐφάνη τῶν ὄντων οὖσα ldquoO mesmo diremos das outras coisas pois a natureza do outro como dizia est entre os seresrdquo13 O uso de maisculas em ldquoPequenordquo e ldquoGranderdquo indica que se tratam das formas Pequeno e Grande e no os objetos pequenos e grandes com os quais temos contato no nosso dia a dia
71
(uma coisa pequena) no granderdquo tendo em vista a mudana do campo de
aplicao do quantificador entre a primeira e a segunda passagem Pois enquanto
a primeira passagem trata da relao entre as formas a segunda fala sobre
Theeteto que certamente no uma forma Frede tambm pretende solucionar
esta diferena e oferece uma nica anlise para ambos os casos respectivamente
ldquoO Pequeno diferente do que granderdquo e ldquoIsso (uma determinada coisa
pequena) diferente do que granderdquo
Oferecendo uma interpretao que encontra paralelos onde aparentemente
no h algum Frede pode explicar a referncia primeira passagem como algo
natural tendo em vista que para ele durante toda esta parte do dilogo Plato est
fazendo uso do que acredita ser um nico sentido do verbo ldquoserrdquoF
14F Mesmo assim
Frede acha intrigante que a soluo do problema faa referncia passagem que
ldquono nos causa inquietaordquo se estamos preocupados com o problema da
falsidade (FREDEp411)
A fraqueza da interpretao de Frede est no fato de que para aproximar as
passagens e oferecer uma anlise unificada das ocorrncias do verbo ldquoserrdquo so
necessrios muitos acrscimos quilo que de fato est presente no texto Eck em
Falsity Without Negative Predication on Sophistes 255e-263d (ECK1995p23)
critica a interpretao de Frede com base em dois argumentos
I) ldquoA partir do fato de que somente uma natureza do ldquono serrdquo
especificada em 258a7 nada se segue acerca da questo se acaso um ou mais
sentidos de ldquono rdquo esto envolvidos em sentenas de no identidade e predicao
negativardquo (ECK1995p23)
II) Frede oferece um argumento incompreensvel ao concluir apartir
do fato de que Plato no identifica ldquoo no serrdquo com ldquoo diferenterdquo mas com ldquouma
parte do diferenterdquo que a sentena ldquoo pequeno no o granderdquo no deve ser
entendido como negando identidade entre formas
Com relao a I) concordamos com Eck no ponto que nada acerca da
relao entre predicao negativa e predicao de identidade se segue do fato de
que Plato aparentemente est entendendo toda sua abordagem da questo como
contendo um s uso do verbo ldquoserrdquo No entanto parece-nos vlida a tentativa por
parte de Frede de oferecer uma interpretao que aproxime as passagens em
14 Explicitado por Frede atravs da anlise ldquoX diferente do que Frdquo Supostamente vlida tanto para X no- F quanto para a falsidade de X F
72
questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de
identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato
entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para
compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como
pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo
ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa
interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do
verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o
projeto platnico
A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck
volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo
corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre
classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo
pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash
Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes
de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria
voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse
da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de
analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao
com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento
estabelecida em 257c7-d5F
15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas
(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns
no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do
diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes
das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)
15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-
μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς
οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο
73
H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda
parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas
onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma
do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas
que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja
possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que
Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em
vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a
propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores
sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon
103b)
A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e
ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3
ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden
e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF
16
Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como
ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas
coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta
ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]
dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel
Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A
primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo
(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da
sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma
funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo
Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma
ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por
parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que
estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no
podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que
teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora
16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo
74
uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi
o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores
Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo
poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da
predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell
(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise
correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no
discurso tal como noacutes o caracterizamos
75
42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade
Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O
sofista diria
ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)
Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao
negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de
coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o
tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)
voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste
na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao
com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de
situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece
irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)
O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se
refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato
falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou
usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o
caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o
fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown
Book apud FERREIRA)
Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que
as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa
linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a
76
estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada
sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que
se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado
Exemplo 1
Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB
ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo
exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa
(X natildeo eacute Y)
Ontologia
Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como
preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e
sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de
sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo
possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas
nem verdadeiras
Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas
pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas
proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees
de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do
falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros
Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira
Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma
interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e
sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o
problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na
carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute
um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia
sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila
negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso
77
De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas
falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos
leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas
negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento
seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento
da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira
(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo
Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende
solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por
sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto
menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da
negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar
que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do
serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto
anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano
parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm
do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao
negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo
dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos
inevitavelmente falando algo sem sentido
Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao
de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o
que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da
negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida
No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados
de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein
acima
78
43O Sofista sem Predicao Negativa
Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece
demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao
negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro
que aquele acima apresentado
A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no
identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F
17
Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom
candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande
nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os
comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao
negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a
posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)
Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de
problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos
incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele
nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central
apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo
(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com
incompletas (OWEN1970417)
Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico
defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos
17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo
79
do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte
do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do
dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como
construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o
objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem
Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e
referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o
problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas
possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular
este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da
existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com
que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que
Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos
sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum
tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado
aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas
Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo
no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta
pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-
sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das
posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica
apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego
I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do
verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa
caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo
II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por
Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando
encontrado em sua forma absoluta (X )
Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos
Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se
no lugar da definio tradicional do uso completo a saber
C1 um uso que no possui nem permite um complemento
adotarmos a seguinte definio
80
C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que
permite um complemento
Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria
mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2
aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e
ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est
lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no
seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)
Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego
como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista
Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo
ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e
possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso
completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo
que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a
interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen
acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a
tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam
predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est
relacionado com as noes de predicao e referncia
Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os
paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o
ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que
absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual
nenhum F F ou seja algo que no possui determinao
algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio
compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua
caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo
Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o
no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma
determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo
do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)
81
A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que
ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra
relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso
distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no
texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados
por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua
interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h
uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)
Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para
a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell
Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa
desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo
de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo
em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao
negativa como central para soluo do problema
Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao
negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar
presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser
encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo
No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que
ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem
anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro
ao solucionar o problema
Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de
predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria
pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar
que nada de muito importante ocorreu neste intervalo
(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma
anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo
do problema
82
44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo
Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma
anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade
no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato
1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da
forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato
XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia
da seguinte forma
1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo
6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo
10wp 11 wbo
A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de
nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB
Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa
ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para
proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema
da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com
relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado
possuem o mesmo referente o fato XBO
Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o
Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a
concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria
relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto
Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo
movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para
sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena
ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est
ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando
83
Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
18 Ver pgina 6
84
dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
68
aplicando-o a Theeteto Em segundo lugar enquanto em 256 a parte negativa da
generalizao s cobria casos de negao de identidade em 263 estamos
estendendo para predicao negativa Ambas as modificaes foram notadas por
Mcdowell (MCDOWELL1982 123-124)
Como podemos incorporar estas modificaes de maneira a oferecer uma
interpretao desejvel Esta interpretao deve dar conta do fato de que
aparentemente a passagem na qual est fundamentada a possibilidade de
discursos falsos trata apenas das relaes possveis entre as formas e conclui que
cada forma e no cada uma das outras Dentre as solues propostas
podemos reconhecer trs grupos
1)aqueles que explicam a referncia primeira das duas passagens pela
incapacidade de Plato de reconhecer a diferena entre estes dois usos do verbo
ldquoserrdquo De tal forma que ao introduzir a predicao negativa em 257b1-258c5 a
passagem acerca do no-belo Plato no se d conta de que s a partir da est
usando a noo necessria para capturar o sofista (BOSTOCK1984)
(OWEN1970)
2)aqueles que acreditam que a primeira passagem tambm pode ser
analisada em termos de predicao negativa (ACKRILL1957) (FREDE1992)
(MCDOWELL1982)
3)aqueles que acreditam no haver definitivamente predicao negativa em
nenhuma das duas passagens (ECK1994)
Dentre estes trs grupos de comentadores os dois primeiros so sem
sombra de dvida mais reconhecidos E grande parte dos trabalhos escritos sobre
este assunto toma como ponto de partida aquilo que estes dois grupos tem em
comum a opinio de que atravs da anlise do verbo ldquoserrdquo como predicaccedilatildeo
negativa que Plato fornece sua soluo para o problema da falsidade Ora para
que uma soluo do problema seja apresentada atravs da predicao negativa
preciso que a falsidade de sentenas do tipo ldquoScrates belordquo seja corretamente
analisada atravs da sentena ldquoScrates no belordquo
Definitivamente no tem se mostrado muito fcil relacionar estas duas
passagens e ainda oferecer uma soluo satisfatria para o problema O desafio
maior parece estar na maneira de relacionar a passagem acerca da relao entre as
formas (255e8-257a12) e a passagem acerca do no-belo de tal forma que a
citao da primeira passagem na soluo do problema torne-se natural Como a
69
primeira passagem se refere apenas a predicaes de identidade espera-se que a
anlise de predicaes negativas do tipo ldquoScrates no belordquo apresentada em
257b1-258c5 e supostamente necessria para a soluo do problema seja
realizada atravs da noo de diferena isto no identidade Caso esta anlise
possa ser extrada do texto a relao entre a primeira e a segunda passagem
estaria corretamente estabelecida e a citao de 256 durante a soluo do
problema estaria justificada No entanto a sentena obviamente no pode ser
entendida como ldquoScrates diferente do Belo (forma)rdquo o que seria o primeiro
candidato tendo em vista que a primeira passagem trata da no-identidade entre
formas Helena que sem dvida bela tambm diferente da forma do Belo de
fato tudo que belo diferente da forma do Belo
Alguns comentadores tentaram oferecer uma interpretao com base na
noo de incompatibilidade entre formas Primeiramente Cornford que acredita
que ldquoo no belordquo em questo no pode ser entendido como uma forma pois o
carter negativo que esta forma teria no seria condizente com a noo de idia
platnica Ao invs desta forma negativa de No-Belo Cornford prope que
entendamos ldquoo no belordquo como ldquoo nome coletivo de todas as Formas outras que o
Belordquo (CORNFORD1952p293)
A criao deste conjunto foi criticada por Sayre que prope em seu lugar um
conjunto formado pelas Formas relacionadas com Belo ldquode tal maneira que juntas
elas constituem um conjunto exaustivo e exclusivo A Forma no-Sentado por
exemplo consta de Andar Correr Saltar Estar de P assim por diante ()rdquo
(SAYRE1979) Desta maneira entenderamos ldquoScrates no belordquo como
ldquoScrates participa de alguma coisa que incompatvel com o Belordquo No entanto
tanto a interpretao de Cornford quanto a reformulao ad hoc feita por Sayre
possuem problemas Alm destas interpretaes traduzirem as ocorrncias de
ἄλλοF
10F e ἕτερονF
11F em 256-258 por ldquoincompatvelrdquo elas incorporam a noo de
incompatibilidade entre formas ou conjuntos de formas discusso coisa que
dificilmente pode ser extrada do texto platnico A despeito destes problemas
esta leitura da passagem torna-se incapaz de explicar a referncia primeira
10 Ocorrncias de ἄλλο em 256-258 (256c6 257d11 257e2) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo11 Ocorrncias de ἕτερον (255e10 256a4) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo
70
passagem (255 a 257) onde no h nada sobre incompatibilidade ou conjunto de
formas
A dificuldade de explicar o uso de vrios sentidos do verbo ldquoserrdquo durante o
desenvolvimento da questo acerca da falsidade levou alguns a considerar que
Plato simplesmente no estava ciente das diferenas de uso do verbo O que
teria levado a inconsistncias no tratamento da questo (cfBOSTOCK1984)
Outro grupo de comentadores ofereceu interpretaes que livram Plato de
falcias e inconsistncias no entanto no parece nada fcil explicar porque o
Estrangeiro passa de um uso do verbo ldquoserrdquo a outro sem nenhum aviso Frede em
Platoacutes Sophist on false statements (FREDE1992) parte da assuno de que
Plato entende os dois casos como exemplos de um nico uso do verbo ldquoserrdquo Sua
argumentao apia-se em 258a7-812onde ao explicar que o ldquono-serrdquo um ser
dentre os outros seres o Estrangeiro ldquoespecifica uma natureza do ldquooutrordquo (ἡ
θατέρου φύσις) supostamente envolvida em todos os casos de ldquono-serrdquo que
estivemos considerandordquo (FREDE1992408) E ainda conclui a partir disto que
Plato no pode pretender solucionar o problema da falsidade distinguindo a
predicao negativa da negao de identidade Temos que assumir portanto
conclui Frede que h somente um sentido de ldquoserrdquo envolvido tanto em
ldquomovimento no repousordquo quanto em ldquoTheeteto no (est) voandordquo [Theeteto
is not flying] (FREDEp408) Ao assumirmos que Plato est lidando com uma
nica interpretao do verbo ldquoserrdquo podemos explicar a relao entre estas duas
passagens que usualmente consideraramos como oferecendo duas anlises
diferentes do verbo sem implicar com isso nenhuma confuso por parte de Plato
Frede como j foi dito argumenta que a primeira passagem tambm pode
ser entendida como contendo aquilo que chamamos casos de predicao negativa
Para que tal interpretao seja mantida preciso que se entenda a anlise de
Plato para sentenas do tipo ldquoX no Yrdquo ndash no caso de X e Y serem diferentes -
no como uma negao de identidade mas como ldquoatribuindo no ser a Xrdquo ou
seja como negando a predicao de Y a X Alm disso devemos supor que Plato
entende ldquoO Pequeno no o GrandeF
13Frdquo da mesma maneira como entende ldquoIsso
12 Καὶ τἆλλα δὴ ταύτῃ λέξομεν ἐπείπερ ἡ θατέρου φύσις ἐφάνη τῶν ὄντων οὖσα ldquoO mesmo diremos das outras coisas pois a natureza do outro como dizia est entre os seresrdquo13 O uso de maisculas em ldquoPequenordquo e ldquoGranderdquo indica que se tratam das formas Pequeno e Grande e no os objetos pequenos e grandes com os quais temos contato no nosso dia a dia
71
(uma coisa pequena) no granderdquo tendo em vista a mudana do campo de
aplicao do quantificador entre a primeira e a segunda passagem Pois enquanto
a primeira passagem trata da relao entre as formas a segunda fala sobre
Theeteto que certamente no uma forma Frede tambm pretende solucionar
esta diferena e oferece uma nica anlise para ambos os casos respectivamente
ldquoO Pequeno diferente do que granderdquo e ldquoIsso (uma determinada coisa
pequena) diferente do que granderdquo
Oferecendo uma interpretao que encontra paralelos onde aparentemente
no h algum Frede pode explicar a referncia primeira passagem como algo
natural tendo em vista que para ele durante toda esta parte do dilogo Plato est
fazendo uso do que acredita ser um nico sentido do verbo ldquoserrdquoF
14F Mesmo assim
Frede acha intrigante que a soluo do problema faa referncia passagem que
ldquono nos causa inquietaordquo se estamos preocupados com o problema da
falsidade (FREDEp411)
A fraqueza da interpretao de Frede est no fato de que para aproximar as
passagens e oferecer uma anlise unificada das ocorrncias do verbo ldquoserrdquo so
necessrios muitos acrscimos quilo que de fato est presente no texto Eck em
Falsity Without Negative Predication on Sophistes 255e-263d (ECK1995p23)
critica a interpretao de Frede com base em dois argumentos
I) ldquoA partir do fato de que somente uma natureza do ldquono serrdquo
especificada em 258a7 nada se segue acerca da questo se acaso um ou mais
sentidos de ldquono rdquo esto envolvidos em sentenas de no identidade e predicao
negativardquo (ECK1995p23)
II) Frede oferece um argumento incompreensvel ao concluir apartir
do fato de que Plato no identifica ldquoo no serrdquo com ldquoo diferenterdquo mas com ldquouma
parte do diferenterdquo que a sentena ldquoo pequeno no o granderdquo no deve ser
entendido como negando identidade entre formas
Com relao a I) concordamos com Eck no ponto que nada acerca da
relao entre predicao negativa e predicao de identidade se segue do fato de
que Plato aparentemente est entendendo toda sua abordagem da questo como
contendo um s uso do verbo ldquoserrdquo No entanto parece-nos vlida a tentativa por
parte de Frede de oferecer uma interpretao que aproxime as passagens em
14 Explicitado por Frede atravs da anlise ldquoX diferente do que Frdquo Supostamente vlida tanto para X no- F quanto para a falsidade de X F
72
questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de
identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato
entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para
compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como
pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo
ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa
interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do
verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o
projeto platnico
A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck
volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo
corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre
classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo
pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash
Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes
de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria
voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse
da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de
analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao
com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento
estabelecida em 257c7-d5F
15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas
(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns
no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do
diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes
das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)
15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-
μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς
οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο
73
H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda
parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas
onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma
do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas
que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja
possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que
Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em
vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a
propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores
sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon
103b)
A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e
ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3
ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden
e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF
16
Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como
ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas
coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta
ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]
dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel
Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A
primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo
(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da
sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma
funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo
Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma
ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por
parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que
estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no
podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que
teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora
16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo
74
uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi
o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores
Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo
poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da
predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell
(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise
correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no
discurso tal como noacutes o caracterizamos
75
42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade
Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O
sofista diria
ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)
Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao
negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de
coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o
tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)
voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste
na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao
com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de
situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece
irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)
O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se
refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato
falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou
usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o
caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o
fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown
Book apud FERREIRA)
Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que
as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa
linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a
76
estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada
sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que
se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado
Exemplo 1
Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB
ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo
exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa
(X natildeo eacute Y)
Ontologia
Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como
preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e
sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de
sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo
possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas
nem verdadeiras
Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas
pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas
proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees
de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do
falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros
Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira
Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma
interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e
sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o
problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na
carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute
um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia
sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila
negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso
77
De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas
falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos
leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas
negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento
seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento
da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira
(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo
Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende
solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por
sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto
menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da
negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar
que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do
serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto
anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano
parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm
do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao
negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo
dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos
inevitavelmente falando algo sem sentido
Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao
de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o
que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da
negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida
No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados
de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein
acima
78
43O Sofista sem Predicao Negativa
Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece
demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao
negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro
que aquele acima apresentado
A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no
identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F
17
Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom
candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande
nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os
comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao
negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a
posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)
Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de
problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos
incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele
nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central
apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo
(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com
incompletas (OWEN1970417)
Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico
defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos
17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo
79
do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte
do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do
dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como
construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o
objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem
Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e
referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o
problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas
possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular
este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da
existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com
que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que
Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos
sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum
tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado
aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas
Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo
no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta
pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-
sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das
posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica
apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego
I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do
verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa
caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo
II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por
Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando
encontrado em sua forma absoluta (X )
Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos
Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se
no lugar da definio tradicional do uso completo a saber
C1 um uso que no possui nem permite um complemento
adotarmos a seguinte definio
80
C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que
permite um complemento
Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria
mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2
aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e
ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est
lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no
seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)
Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego
como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista
Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo
ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e
possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso
completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo
que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a
interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen
acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a
tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam
predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est
relacionado com as noes de predicao e referncia
Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os
paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o
ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que
absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual
nenhum F F ou seja algo que no possui determinao
algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio
compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua
caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo
Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o
no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma
determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo
do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)
81
A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que
ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra
relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso
distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no
texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados
por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua
interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h
uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)
Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para
a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell
Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa
desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo
de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo
em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao
negativa como central para soluo do problema
Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao
negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar
presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser
encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo
No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que
ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem
anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro
ao solucionar o problema
Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de
predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria
pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar
que nada de muito importante ocorreu neste intervalo
(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma
anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo
do problema
82
44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo
Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma
anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade
no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato
1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da
forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato
XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia
da seguinte forma
1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo
6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo
10wp 11 wbo
A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de
nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB
Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa
ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para
proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema
da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com
relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado
possuem o mesmo referente o fato XBO
Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o
Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a
concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria
relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto
Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo
movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para
sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena
ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est
ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando
83
Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
18 Ver pgina 6
84
dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
69
primeira passagem se refere apenas a predicaes de identidade espera-se que a
anlise de predicaes negativas do tipo ldquoScrates no belordquo apresentada em
257b1-258c5 e supostamente necessria para a soluo do problema seja
realizada atravs da noo de diferena isto no identidade Caso esta anlise
possa ser extrada do texto a relao entre a primeira e a segunda passagem
estaria corretamente estabelecida e a citao de 256 durante a soluo do
problema estaria justificada No entanto a sentena obviamente no pode ser
entendida como ldquoScrates diferente do Belo (forma)rdquo o que seria o primeiro
candidato tendo em vista que a primeira passagem trata da no-identidade entre
formas Helena que sem dvida bela tambm diferente da forma do Belo de
fato tudo que belo diferente da forma do Belo
Alguns comentadores tentaram oferecer uma interpretao com base na
noo de incompatibilidade entre formas Primeiramente Cornford que acredita
que ldquoo no belordquo em questo no pode ser entendido como uma forma pois o
carter negativo que esta forma teria no seria condizente com a noo de idia
platnica Ao invs desta forma negativa de No-Belo Cornford prope que
entendamos ldquoo no belordquo como ldquoo nome coletivo de todas as Formas outras que o
Belordquo (CORNFORD1952p293)
A criao deste conjunto foi criticada por Sayre que prope em seu lugar um
conjunto formado pelas Formas relacionadas com Belo ldquode tal maneira que juntas
elas constituem um conjunto exaustivo e exclusivo A Forma no-Sentado por
exemplo consta de Andar Correr Saltar Estar de P assim por diante ()rdquo
(SAYRE1979) Desta maneira entenderamos ldquoScrates no belordquo como
ldquoScrates participa de alguma coisa que incompatvel com o Belordquo No entanto
tanto a interpretao de Cornford quanto a reformulao ad hoc feita por Sayre
possuem problemas Alm destas interpretaes traduzirem as ocorrncias de
ἄλλοF
10F e ἕτερονF
11F em 256-258 por ldquoincompatvelrdquo elas incorporam a noo de
incompatibilidade entre formas ou conjuntos de formas discusso coisa que
dificilmente pode ser extrada do texto platnico A despeito destes problemas
esta leitura da passagem torna-se incapaz de explicar a referncia primeira
10 Ocorrncias de ἄλλο em 256-258 (256c6 257d11 257e2) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo11 Ocorrncias de ἕτερον (255e10 256a4) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo
70
passagem (255 a 257) onde no h nada sobre incompatibilidade ou conjunto de
formas
A dificuldade de explicar o uso de vrios sentidos do verbo ldquoserrdquo durante o
desenvolvimento da questo acerca da falsidade levou alguns a considerar que
Plato simplesmente no estava ciente das diferenas de uso do verbo O que
teria levado a inconsistncias no tratamento da questo (cfBOSTOCK1984)
Outro grupo de comentadores ofereceu interpretaes que livram Plato de
falcias e inconsistncias no entanto no parece nada fcil explicar porque o
Estrangeiro passa de um uso do verbo ldquoserrdquo a outro sem nenhum aviso Frede em
Platoacutes Sophist on false statements (FREDE1992) parte da assuno de que
Plato entende os dois casos como exemplos de um nico uso do verbo ldquoserrdquo Sua
argumentao apia-se em 258a7-812onde ao explicar que o ldquono-serrdquo um ser
dentre os outros seres o Estrangeiro ldquoespecifica uma natureza do ldquooutrordquo (ἡ
θατέρου φύσις) supostamente envolvida em todos os casos de ldquono-serrdquo que
estivemos considerandordquo (FREDE1992408) E ainda conclui a partir disto que
Plato no pode pretender solucionar o problema da falsidade distinguindo a
predicao negativa da negao de identidade Temos que assumir portanto
conclui Frede que h somente um sentido de ldquoserrdquo envolvido tanto em
ldquomovimento no repousordquo quanto em ldquoTheeteto no (est) voandordquo [Theeteto
is not flying] (FREDEp408) Ao assumirmos que Plato est lidando com uma
nica interpretao do verbo ldquoserrdquo podemos explicar a relao entre estas duas
passagens que usualmente consideraramos como oferecendo duas anlises
diferentes do verbo sem implicar com isso nenhuma confuso por parte de Plato
Frede como j foi dito argumenta que a primeira passagem tambm pode
ser entendida como contendo aquilo que chamamos casos de predicao negativa
Para que tal interpretao seja mantida preciso que se entenda a anlise de
Plato para sentenas do tipo ldquoX no Yrdquo ndash no caso de X e Y serem diferentes -
no como uma negao de identidade mas como ldquoatribuindo no ser a Xrdquo ou
seja como negando a predicao de Y a X Alm disso devemos supor que Plato
entende ldquoO Pequeno no o GrandeF
13Frdquo da mesma maneira como entende ldquoIsso
12 Καὶ τἆλλα δὴ ταύτῃ λέξομεν ἐπείπερ ἡ θατέρου φύσις ἐφάνη τῶν ὄντων οὖσα ldquoO mesmo diremos das outras coisas pois a natureza do outro como dizia est entre os seresrdquo13 O uso de maisculas em ldquoPequenordquo e ldquoGranderdquo indica que se tratam das formas Pequeno e Grande e no os objetos pequenos e grandes com os quais temos contato no nosso dia a dia
71
(uma coisa pequena) no granderdquo tendo em vista a mudana do campo de
aplicao do quantificador entre a primeira e a segunda passagem Pois enquanto
a primeira passagem trata da relao entre as formas a segunda fala sobre
Theeteto que certamente no uma forma Frede tambm pretende solucionar
esta diferena e oferece uma nica anlise para ambos os casos respectivamente
ldquoO Pequeno diferente do que granderdquo e ldquoIsso (uma determinada coisa
pequena) diferente do que granderdquo
Oferecendo uma interpretao que encontra paralelos onde aparentemente
no h algum Frede pode explicar a referncia primeira passagem como algo
natural tendo em vista que para ele durante toda esta parte do dilogo Plato est
fazendo uso do que acredita ser um nico sentido do verbo ldquoserrdquoF
14F Mesmo assim
Frede acha intrigante que a soluo do problema faa referncia passagem que
ldquono nos causa inquietaordquo se estamos preocupados com o problema da
falsidade (FREDEp411)
A fraqueza da interpretao de Frede est no fato de que para aproximar as
passagens e oferecer uma anlise unificada das ocorrncias do verbo ldquoserrdquo so
necessrios muitos acrscimos quilo que de fato est presente no texto Eck em
Falsity Without Negative Predication on Sophistes 255e-263d (ECK1995p23)
critica a interpretao de Frede com base em dois argumentos
I) ldquoA partir do fato de que somente uma natureza do ldquono serrdquo
especificada em 258a7 nada se segue acerca da questo se acaso um ou mais
sentidos de ldquono rdquo esto envolvidos em sentenas de no identidade e predicao
negativardquo (ECK1995p23)
II) Frede oferece um argumento incompreensvel ao concluir apartir
do fato de que Plato no identifica ldquoo no serrdquo com ldquoo diferenterdquo mas com ldquouma
parte do diferenterdquo que a sentena ldquoo pequeno no o granderdquo no deve ser
entendido como negando identidade entre formas
Com relao a I) concordamos com Eck no ponto que nada acerca da
relao entre predicao negativa e predicao de identidade se segue do fato de
que Plato aparentemente est entendendo toda sua abordagem da questo como
contendo um s uso do verbo ldquoserrdquo No entanto parece-nos vlida a tentativa por
parte de Frede de oferecer uma interpretao que aproxime as passagens em
14 Explicitado por Frede atravs da anlise ldquoX diferente do que Frdquo Supostamente vlida tanto para X no- F quanto para a falsidade de X F
72
questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de
identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato
entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para
compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como
pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo
ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa
interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do
verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o
projeto platnico
A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck
volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo
corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre
classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo
pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash
Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes
de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria
voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse
da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de
analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao
com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento
estabelecida em 257c7-d5F
15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas
(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns
no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do
diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes
das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)
15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-
μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς
οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο
73
H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda
parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas
onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma
do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas
que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja
possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que
Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em
vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a
propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores
sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon
103b)
A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e
ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3
ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden
e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF
16
Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como
ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas
coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta
ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]
dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel
Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A
primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo
(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da
sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma
funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo
Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma
ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por
parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que
estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no
podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que
teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora
16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo
74
uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi
o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores
Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo
poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da
predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell
(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise
correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no
discurso tal como noacutes o caracterizamos
75
42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade
Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O
sofista diria
ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)
Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao
negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de
coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o
tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)
voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste
na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao
com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de
situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece
irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)
O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se
refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato
falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou
usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o
caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o
fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown
Book apud FERREIRA)
Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que
as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa
linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a
76
estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada
sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que
se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado
Exemplo 1
Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB
ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo
exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa
(X natildeo eacute Y)
Ontologia
Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como
preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e
sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de
sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo
possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas
nem verdadeiras
Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas
pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas
proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees
de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do
falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros
Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira
Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma
interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e
sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o
problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na
carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute
um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia
sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila
negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso
77
De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas
falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos
leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas
negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento
seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento
da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira
(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo
Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende
solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por
sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto
menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da
negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar
que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do
serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto
anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano
parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm
do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao
negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo
dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos
inevitavelmente falando algo sem sentido
Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao
de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o
que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da
negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida
No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados
de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein
acima
78
43O Sofista sem Predicao Negativa
Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece
demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao
negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro
que aquele acima apresentado
A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no
identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F
17
Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom
candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande
nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os
comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao
negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a
posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)
Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de
problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos
incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele
nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central
apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo
(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com
incompletas (OWEN1970417)
Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico
defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos
17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo
79
do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte
do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do
dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como
construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o
objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem
Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e
referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o
problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas
possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular
este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da
existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com
que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que
Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos
sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum
tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado
aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas
Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo
no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta
pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-
sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das
posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica
apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego
I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do
verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa
caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo
II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por
Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando
encontrado em sua forma absoluta (X )
Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos
Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se
no lugar da definio tradicional do uso completo a saber
C1 um uso que no possui nem permite um complemento
adotarmos a seguinte definio
80
C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que
permite um complemento
Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria
mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2
aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e
ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est
lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no
seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)
Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego
como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista
Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo
ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e
possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso
completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo
que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a
interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen
acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a
tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam
predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est
relacionado com as noes de predicao e referncia
Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os
paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o
ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que
absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual
nenhum F F ou seja algo que no possui determinao
algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio
compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua
caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo
Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o
no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma
determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo
do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)
81
A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que
ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra
relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso
distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no
texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados
por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua
interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h
uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)
Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para
a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell
Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa
desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo
de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo
em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao
negativa como central para soluo do problema
Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao
negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar
presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser
encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo
No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que
ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem
anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro
ao solucionar o problema
Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de
predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria
pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar
que nada de muito importante ocorreu neste intervalo
(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma
anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo
do problema
82
44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo
Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma
anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade
no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato
1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da
forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato
XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia
da seguinte forma
1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo
6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo
10wp 11 wbo
A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de
nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB
Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa
ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para
proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema
da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com
relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado
possuem o mesmo referente o fato XBO
Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o
Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a
concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria
relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto
Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo
movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para
sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena
ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est
ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando
83
Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
18 Ver pgina 6
84
dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
70
passagem (255 a 257) onde no h nada sobre incompatibilidade ou conjunto de
formas
A dificuldade de explicar o uso de vrios sentidos do verbo ldquoserrdquo durante o
desenvolvimento da questo acerca da falsidade levou alguns a considerar que
Plato simplesmente no estava ciente das diferenas de uso do verbo O que
teria levado a inconsistncias no tratamento da questo (cfBOSTOCK1984)
Outro grupo de comentadores ofereceu interpretaes que livram Plato de
falcias e inconsistncias no entanto no parece nada fcil explicar porque o
Estrangeiro passa de um uso do verbo ldquoserrdquo a outro sem nenhum aviso Frede em
Platoacutes Sophist on false statements (FREDE1992) parte da assuno de que
Plato entende os dois casos como exemplos de um nico uso do verbo ldquoserrdquo Sua
argumentao apia-se em 258a7-812onde ao explicar que o ldquono-serrdquo um ser
dentre os outros seres o Estrangeiro ldquoespecifica uma natureza do ldquooutrordquo (ἡ
θατέρου φύσις) supostamente envolvida em todos os casos de ldquono-serrdquo que
estivemos considerandordquo (FREDE1992408) E ainda conclui a partir disto que
Plato no pode pretender solucionar o problema da falsidade distinguindo a
predicao negativa da negao de identidade Temos que assumir portanto
conclui Frede que h somente um sentido de ldquoserrdquo envolvido tanto em
ldquomovimento no repousordquo quanto em ldquoTheeteto no (est) voandordquo [Theeteto
is not flying] (FREDEp408) Ao assumirmos que Plato est lidando com uma
nica interpretao do verbo ldquoserrdquo podemos explicar a relao entre estas duas
passagens que usualmente consideraramos como oferecendo duas anlises
diferentes do verbo sem implicar com isso nenhuma confuso por parte de Plato
Frede como j foi dito argumenta que a primeira passagem tambm pode
ser entendida como contendo aquilo que chamamos casos de predicao negativa
Para que tal interpretao seja mantida preciso que se entenda a anlise de
Plato para sentenas do tipo ldquoX no Yrdquo ndash no caso de X e Y serem diferentes -
no como uma negao de identidade mas como ldquoatribuindo no ser a Xrdquo ou
seja como negando a predicao de Y a X Alm disso devemos supor que Plato
entende ldquoO Pequeno no o GrandeF
13Frdquo da mesma maneira como entende ldquoIsso
12 Καὶ τἆλλα δὴ ταύτῃ λέξομεν ἐπείπερ ἡ θατέρου φύσις ἐφάνη τῶν ὄντων οὖσα ldquoO mesmo diremos das outras coisas pois a natureza do outro como dizia est entre os seresrdquo13 O uso de maisculas em ldquoPequenordquo e ldquoGranderdquo indica que se tratam das formas Pequeno e Grande e no os objetos pequenos e grandes com os quais temos contato no nosso dia a dia
71
(uma coisa pequena) no granderdquo tendo em vista a mudana do campo de
aplicao do quantificador entre a primeira e a segunda passagem Pois enquanto
a primeira passagem trata da relao entre as formas a segunda fala sobre
Theeteto que certamente no uma forma Frede tambm pretende solucionar
esta diferena e oferece uma nica anlise para ambos os casos respectivamente
ldquoO Pequeno diferente do que granderdquo e ldquoIsso (uma determinada coisa
pequena) diferente do que granderdquo
Oferecendo uma interpretao que encontra paralelos onde aparentemente
no h algum Frede pode explicar a referncia primeira passagem como algo
natural tendo em vista que para ele durante toda esta parte do dilogo Plato est
fazendo uso do que acredita ser um nico sentido do verbo ldquoserrdquoF
14F Mesmo assim
Frede acha intrigante que a soluo do problema faa referncia passagem que
ldquono nos causa inquietaordquo se estamos preocupados com o problema da
falsidade (FREDEp411)
A fraqueza da interpretao de Frede est no fato de que para aproximar as
passagens e oferecer uma anlise unificada das ocorrncias do verbo ldquoserrdquo so
necessrios muitos acrscimos quilo que de fato est presente no texto Eck em
Falsity Without Negative Predication on Sophistes 255e-263d (ECK1995p23)
critica a interpretao de Frede com base em dois argumentos
I) ldquoA partir do fato de que somente uma natureza do ldquono serrdquo
especificada em 258a7 nada se segue acerca da questo se acaso um ou mais
sentidos de ldquono rdquo esto envolvidos em sentenas de no identidade e predicao
negativardquo (ECK1995p23)
II) Frede oferece um argumento incompreensvel ao concluir apartir
do fato de que Plato no identifica ldquoo no serrdquo com ldquoo diferenterdquo mas com ldquouma
parte do diferenterdquo que a sentena ldquoo pequeno no o granderdquo no deve ser
entendido como negando identidade entre formas
Com relao a I) concordamos com Eck no ponto que nada acerca da
relao entre predicao negativa e predicao de identidade se segue do fato de
que Plato aparentemente est entendendo toda sua abordagem da questo como
contendo um s uso do verbo ldquoserrdquo No entanto parece-nos vlida a tentativa por
parte de Frede de oferecer uma interpretao que aproxime as passagens em
14 Explicitado por Frede atravs da anlise ldquoX diferente do que Frdquo Supostamente vlida tanto para X no- F quanto para a falsidade de X F
72
questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de
identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato
entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para
compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como
pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo
ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa
interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do
verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o
projeto platnico
A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck
volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo
corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre
classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo
pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash
Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes
de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria
voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse
da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de
analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao
com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento
estabelecida em 257c7-d5F
15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas
(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns
no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do
diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes
das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)
15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-
μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς
οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο
73
H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda
parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas
onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma
do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas
que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja
possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que
Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em
vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a
propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores
sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon
103b)
A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e
ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3
ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden
e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF
16
Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como
ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas
coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta
ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]
dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel
Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A
primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo
(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da
sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma
funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo
Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma
ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por
parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que
estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no
podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que
teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora
16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo
74
uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi
o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores
Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo
poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da
predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell
(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise
correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no
discurso tal como noacutes o caracterizamos
75
42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade
Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O
sofista diria
ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)
Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao
negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de
coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o
tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)
voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste
na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao
com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de
situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece
irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)
O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se
refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato
falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou
usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o
caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o
fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown
Book apud FERREIRA)
Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que
as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa
linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a
76
estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada
sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que
se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado
Exemplo 1
Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB
ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo
exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa
(X natildeo eacute Y)
Ontologia
Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como
preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e
sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de
sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo
possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas
nem verdadeiras
Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas
pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas
proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees
de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do
falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros
Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira
Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma
interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e
sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o
problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na
carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute
um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia
sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila
negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso
77
De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas
falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos
leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas
negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento
seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento
da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira
(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo
Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende
solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por
sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto
menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da
negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar
que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do
serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto
anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano
parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm
do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao
negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo
dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos
inevitavelmente falando algo sem sentido
Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao
de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o
que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da
negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida
No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados
de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein
acima
78
43O Sofista sem Predicao Negativa
Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece
demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao
negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro
que aquele acima apresentado
A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no
identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F
17
Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom
candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande
nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os
comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao
negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a
posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)
Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de
problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos
incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele
nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central
apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo
(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com
incompletas (OWEN1970417)
Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico
defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos
17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo
79
do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte
do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do
dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como
construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o
objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem
Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e
referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o
problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas
possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular
este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da
existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com
que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que
Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos
sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum
tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado
aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas
Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo
no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta
pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-
sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das
posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica
apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego
I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do
verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa
caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo
II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por
Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando
encontrado em sua forma absoluta (X )
Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos
Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se
no lugar da definio tradicional do uso completo a saber
C1 um uso que no possui nem permite um complemento
adotarmos a seguinte definio
80
C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que
permite um complemento
Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria
mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2
aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e
ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est
lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no
seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)
Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego
como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista
Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo
ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e
possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso
completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo
que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a
interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen
acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a
tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam
predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est
relacionado com as noes de predicao e referncia
Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os
paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o
ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que
absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual
nenhum F F ou seja algo que no possui determinao
algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio
compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua
caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo
Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o
no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma
determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo
do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)
81
A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que
ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra
relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso
distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no
texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados
por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua
interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h
uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)
Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para
a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell
Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa
desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo
de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo
em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao
negativa como central para soluo do problema
Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao
negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar
presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser
encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo
No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que
ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem
anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro
ao solucionar o problema
Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de
predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria
pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar
que nada de muito importante ocorreu neste intervalo
(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma
anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo
do problema
82
44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo
Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma
anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade
no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato
1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da
forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato
XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia
da seguinte forma
1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo
6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo
10wp 11 wbo
A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de
nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB
Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa
ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para
proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema
da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com
relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado
possuem o mesmo referente o fato XBO
Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o
Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a
concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria
relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto
Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo
movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para
sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena
ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est
ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando
83
Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
18 Ver pgina 6
84
dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
71
(uma coisa pequena) no granderdquo tendo em vista a mudana do campo de
aplicao do quantificador entre a primeira e a segunda passagem Pois enquanto
a primeira passagem trata da relao entre as formas a segunda fala sobre
Theeteto que certamente no uma forma Frede tambm pretende solucionar
esta diferena e oferece uma nica anlise para ambos os casos respectivamente
ldquoO Pequeno diferente do que granderdquo e ldquoIsso (uma determinada coisa
pequena) diferente do que granderdquo
Oferecendo uma interpretao que encontra paralelos onde aparentemente
no h algum Frede pode explicar a referncia primeira passagem como algo
natural tendo em vista que para ele durante toda esta parte do dilogo Plato est
fazendo uso do que acredita ser um nico sentido do verbo ldquoserrdquoF
14F Mesmo assim
Frede acha intrigante que a soluo do problema faa referncia passagem que
ldquono nos causa inquietaordquo se estamos preocupados com o problema da
falsidade (FREDEp411)
A fraqueza da interpretao de Frede est no fato de que para aproximar as
passagens e oferecer uma anlise unificada das ocorrncias do verbo ldquoserrdquo so
necessrios muitos acrscimos quilo que de fato est presente no texto Eck em
Falsity Without Negative Predication on Sophistes 255e-263d (ECK1995p23)
critica a interpretao de Frede com base em dois argumentos
I) ldquoA partir do fato de que somente uma natureza do ldquono serrdquo
especificada em 258a7 nada se segue acerca da questo se acaso um ou mais
sentidos de ldquono rdquo esto envolvidos em sentenas de no identidade e predicao
negativardquo (ECK1995p23)
II) Frede oferece um argumento incompreensvel ao concluir apartir
do fato de que Plato no identifica ldquoo no serrdquo com ldquoo diferenterdquo mas com ldquouma
parte do diferenterdquo que a sentena ldquoo pequeno no o granderdquo no deve ser
entendido como negando identidade entre formas
Com relao a I) concordamos com Eck no ponto que nada acerca da
relao entre predicao negativa e predicao de identidade se segue do fato de
que Plato aparentemente est entendendo toda sua abordagem da questo como
contendo um s uso do verbo ldquoserrdquo No entanto parece-nos vlida a tentativa por
parte de Frede de oferecer uma interpretao que aproxime as passagens em
14 Explicitado por Frede atravs da anlise ldquoX diferente do que Frdquo Supostamente vlida tanto para X no- F quanto para a falsidade de X F
72
questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de
identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato
entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para
compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como
pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo
ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa
interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do
verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o
projeto platnico
A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck
volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo
corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre
classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo
pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash
Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes
de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria
voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse
da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de
analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao
com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento
estabelecida em 257c7-d5F
15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas
(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns
no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do
diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes
das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)
15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-
μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς
οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο
73
H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda
parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas
onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma
do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas
que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja
possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que
Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em
vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a
propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores
sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon
103b)
A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e
ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3
ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden
e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF
16
Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como
ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas
coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta
ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]
dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel
Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A
primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo
(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da
sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma
funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo
Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma
ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por
parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que
estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no
podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que
teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora
16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo
74
uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi
o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores
Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo
poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da
predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell
(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise
correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no
discurso tal como noacutes o caracterizamos
75
42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade
Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O
sofista diria
ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)
Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao
negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de
coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o
tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)
voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste
na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao
com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de
situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece
irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)
O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se
refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato
falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou
usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o
caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o
fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown
Book apud FERREIRA)
Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que
as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa
linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a
76
estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada
sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que
se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado
Exemplo 1
Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB
ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo
exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa
(X natildeo eacute Y)
Ontologia
Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como
preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e
sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de
sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo
possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas
nem verdadeiras
Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas
pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas
proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees
de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do
falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros
Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira
Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma
interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e
sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o
problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na
carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute
um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia
sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila
negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso
77
De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas
falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos
leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas
negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento
seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento
da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira
(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo
Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende
solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por
sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto
menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da
negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar
que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do
serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto
anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano
parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm
do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao
negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo
dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos
inevitavelmente falando algo sem sentido
Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao
de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o
que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da
negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida
No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados
de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein
acima
78
43O Sofista sem Predicao Negativa
Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece
demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao
negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro
que aquele acima apresentado
A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no
identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F
17
Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom
candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande
nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os
comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao
negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a
posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)
Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de
problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos
incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele
nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central
apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo
(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com
incompletas (OWEN1970417)
Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico
defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos
17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo
79
do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte
do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do
dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como
construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o
objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem
Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e
referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o
problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas
possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular
este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da
existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com
que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que
Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos
sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum
tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado
aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas
Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo
no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta
pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-
sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das
posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica
apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego
I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do
verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa
caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo
II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por
Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando
encontrado em sua forma absoluta (X )
Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos
Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se
no lugar da definio tradicional do uso completo a saber
C1 um uso que no possui nem permite um complemento
adotarmos a seguinte definio
80
C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que
permite um complemento
Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria
mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2
aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e
ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est
lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no
seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)
Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego
como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista
Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo
ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e
possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso
completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo
que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a
interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen
acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a
tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam
predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est
relacionado com as noes de predicao e referncia
Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os
paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o
ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que
absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual
nenhum F F ou seja algo que no possui determinao
algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio
compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua
caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo
Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o
no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma
determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo
do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)
81
A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que
ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra
relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso
distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no
texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados
por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua
interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h
uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)
Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para
a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell
Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa
desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo
de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo
em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao
negativa como central para soluo do problema
Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao
negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar
presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser
encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo
No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que
ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem
anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro
ao solucionar o problema
Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de
predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria
pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar
que nada de muito importante ocorreu neste intervalo
(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma
anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo
do problema
82
44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo
Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma
anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade
no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato
1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da
forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato
XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia
da seguinte forma
1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo
6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo
10wp 11 wbo
A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de
nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB
Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa
ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para
proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema
da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com
relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado
possuem o mesmo referente o fato XBO
Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o
Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a
concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria
relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto
Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo
movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para
sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena
ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est
ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando
83
Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
18 Ver pgina 6
84
dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
72
questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de
identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato
entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para
compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como
pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo
ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa
interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do
verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o
projeto platnico
A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck
volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo
corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre
classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo
pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash
Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes
de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria
voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse
da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de
analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao
com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento
estabelecida em 257c7-d5F
15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas
(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns
no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do
diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes
das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)
15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-
μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς
οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο
73
H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda
parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas
onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma
do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas
que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja
possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que
Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em
vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a
propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores
sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon
103b)
A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e
ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3
ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden
e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF
16
Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como
ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas
coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta
ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]
dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel
Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A
primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo
(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da
sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma
funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo
Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma
ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por
parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que
estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no
podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que
teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora
16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo
74
uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi
o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores
Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo
poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da
predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell
(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise
correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no
discurso tal como noacutes o caracterizamos
75
42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade
Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O
sofista diria
ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)
Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao
negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de
coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o
tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)
voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste
na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao
com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de
situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece
irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)
O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se
refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato
falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou
usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o
caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o
fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown
Book apud FERREIRA)
Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que
as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa
linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a
76
estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada
sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que
se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado
Exemplo 1
Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB
ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo
exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa
(X natildeo eacute Y)
Ontologia
Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como
preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e
sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de
sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo
possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas
nem verdadeiras
Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas
pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas
proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees
de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do
falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros
Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira
Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma
interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e
sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o
problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na
carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute
um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia
sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila
negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso
77
De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas
falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos
leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas
negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento
seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento
da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira
(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo
Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende
solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por
sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto
menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da
negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar
que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do
serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto
anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano
parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm
do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao
negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo
dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos
inevitavelmente falando algo sem sentido
Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao
de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o
que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da
negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida
No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados
de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein
acima
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43O Sofista sem Predicao Negativa
Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece
demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao
negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro
que aquele acima apresentado
A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no
identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F
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Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom
candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande
nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os
comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao
negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a
posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)
Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de
problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos
incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele
nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central
apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo
(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com
incompletas (OWEN1970417)
Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico
defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos
17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo
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do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte
do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do
dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como
construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o
objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem
Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e
referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o
problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas
possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular
este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da
existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com
que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que
Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos
sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum
tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado
aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas
Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo
no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta
pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-
sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das
posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica
apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego
I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do
verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa
caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo
II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por
Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando
encontrado em sua forma absoluta (X )
Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos
Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se
no lugar da definio tradicional do uso completo a saber
C1 um uso que no possui nem permite um complemento
adotarmos a seguinte definio
80
C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que
permite um complemento
Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria
mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2
aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e
ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est
lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no
seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)
Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego
como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista
Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo
ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e
possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso
completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo
que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a
interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen
acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a
tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam
predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est
relacionado com as noes de predicao e referncia
Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os
paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o
ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que
absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual
nenhum F F ou seja algo que no possui determinao
algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio
compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua
caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo
Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o
no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma
determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo
do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)
81
A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que
ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra
relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso
distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no
texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados
por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua
interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h
uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)
Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para
a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell
Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa
desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo
de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo
em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao
negativa como central para soluo do problema
Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao
negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar
presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser
encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo
No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que
ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem
anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro
ao solucionar o problema
Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de
predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria
pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar
que nada de muito importante ocorreu neste intervalo
(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma
anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo
do problema
82
44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo
Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma
anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade
no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato
1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da
forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato
XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia
da seguinte forma
1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo
6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo
10wp 11 wbo
A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de
nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB
Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa
ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para
proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema
da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com
relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado
possuem o mesmo referente o fato XBO
Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o
Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a
concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria
relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto
Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo
movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para
sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena
ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est
ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando
83
Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
18 Ver pgina 6
84
dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
73
H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda
parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas
onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma
do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas
que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja
possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que
Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em
vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a
propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores
sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon
103b)
A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e
ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3
ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden
e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF
16
Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como
ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas
coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta
ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]
dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel
Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A
primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo
(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da
sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma
funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo
Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma
ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por
parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que
estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no
podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que
teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora
16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo
74
uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi
o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores
Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo
poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da
predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell
(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise
correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no
discurso tal como noacutes o caracterizamos
75
42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade
Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O
sofista diria
ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)
Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao
negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de
coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o
tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)
voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste
na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao
com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de
situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece
irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)
O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se
refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato
falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou
usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o
caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o
fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown
Book apud FERREIRA)
Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que
as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa
linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a
76
estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada
sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que
se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado
Exemplo 1
Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB
ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo
exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa
(X natildeo eacute Y)
Ontologia
Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como
preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e
sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de
sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo
possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas
nem verdadeiras
Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas
pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas
proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees
de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do
falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros
Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira
Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma
interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e
sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o
problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na
carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute
um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia
sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila
negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso
77
De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas
falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos
leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas
negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento
seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento
da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira
(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo
Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende
solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por
sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto
menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da
negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar
que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do
serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto
anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano
parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm
do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao
negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo
dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos
inevitavelmente falando algo sem sentido
Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao
de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o
que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da
negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida
No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados
de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein
acima
78
43O Sofista sem Predicao Negativa
Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece
demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao
negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro
que aquele acima apresentado
A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no
identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F
17
Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom
candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande
nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os
comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao
negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a
posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)
Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de
problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos
incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele
nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central
apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo
(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com
incompletas (OWEN1970417)
Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico
defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos
17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo
79
do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte
do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do
dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como
construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o
objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem
Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e
referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o
problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas
possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular
este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da
existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com
que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que
Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos
sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum
tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado
aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas
Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo
no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta
pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-
sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das
posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica
apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego
I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do
verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa
caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo
II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por
Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando
encontrado em sua forma absoluta (X )
Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos
Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se
no lugar da definio tradicional do uso completo a saber
C1 um uso que no possui nem permite um complemento
adotarmos a seguinte definio
80
C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que
permite um complemento
Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria
mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2
aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e
ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est
lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no
seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)
Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego
como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista
Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo
ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e
possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso
completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo
que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a
interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen
acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a
tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam
predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est
relacionado com as noes de predicao e referncia
Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os
paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o
ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que
absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual
nenhum F F ou seja algo que no possui determinao
algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio
compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua
caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo
Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o
no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma
determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo
do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)
81
A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que
ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra
relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso
distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no
texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados
por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua
interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h
uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)
Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para
a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell
Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa
desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo
de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo
em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao
negativa como central para soluo do problema
Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao
negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar
presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser
encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo
No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que
ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem
anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro
ao solucionar o problema
Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de
predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria
pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar
que nada de muito importante ocorreu neste intervalo
(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma
anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo
do problema
82
44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo
Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma
anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade
no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato
1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da
forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato
XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia
da seguinte forma
1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo
6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo
10wp 11 wbo
A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de
nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB
Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa
ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para
proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema
da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com
relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado
possuem o mesmo referente o fato XBO
Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o
Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a
concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria
relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto
Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo
movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para
sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena
ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est
ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando
83
Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
18 Ver pgina 6
84
dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
74
uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi
o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores
Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo
poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da
predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell
(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise
correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no
discurso tal como noacutes o caracterizamos
75
42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade
Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O
sofista diria
ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)
Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao
negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de
coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o
tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)
voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste
na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao
com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de
situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece
irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)
O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se
refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato
falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou
usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o
caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o
fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown
Book apud FERREIRA)
Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que
as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa
linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a
76
estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada
sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que
se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado
Exemplo 1
Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB
ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo
exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa
(X natildeo eacute Y)
Ontologia
Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como
preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e
sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de
sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo
possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas
nem verdadeiras
Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas
pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas
proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees
de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do
falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros
Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira
Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma
interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e
sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o
problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na
carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute
um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia
sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila
negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso
77
De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas
falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos
leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas
negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento
seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento
da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira
(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo
Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende
solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por
sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto
menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da
negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar
que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do
serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto
anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano
parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm
do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao
negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo
dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos
inevitavelmente falando algo sem sentido
Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao
de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o
que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da
negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida
No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados
de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein
acima
78
43O Sofista sem Predicao Negativa
Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece
demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao
negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro
que aquele acima apresentado
A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no
identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F
17
Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom
candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande
nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os
comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao
negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a
posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)
Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de
problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos
incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele
nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central
apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo
(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com
incompletas (OWEN1970417)
Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico
defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos
17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo
79
do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte
do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do
dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como
construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o
objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem
Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e
referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o
problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas
possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular
este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da
existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com
que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que
Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos
sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum
tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado
aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas
Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo
no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta
pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-
sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das
posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica
apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego
I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do
verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa
caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo
II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por
Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando
encontrado em sua forma absoluta (X )
Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos
Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se
no lugar da definio tradicional do uso completo a saber
C1 um uso que no possui nem permite um complemento
adotarmos a seguinte definio
80
C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que
permite um complemento
Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria
mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2
aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e
ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est
lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no
seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)
Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego
como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista
Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo
ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e
possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso
completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo
que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a
interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen
acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a
tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam
predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est
relacionado com as noes de predicao e referncia
Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os
paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o
ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que
absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual
nenhum F F ou seja algo que no possui determinao
algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio
compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua
caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo
Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o
no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma
determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo
do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)
81
A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que
ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra
relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso
distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no
texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados
por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua
interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h
uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)
Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para
a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell
Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa
desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo
de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo
em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao
negativa como central para soluo do problema
Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao
negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar
presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser
encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo
No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que
ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem
anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro
ao solucionar o problema
Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de
predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria
pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar
que nada de muito importante ocorreu neste intervalo
(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma
anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo
do problema
82
44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo
Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma
anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade
no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato
1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da
forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato
XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia
da seguinte forma
1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo
6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo
10wp 11 wbo
A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de
nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB
Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa
ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para
proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema
da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com
relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado
possuem o mesmo referente o fato XBO
Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o
Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a
concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria
relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto
Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo
movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para
sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena
ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est
ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando
83
Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
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42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade
Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O
sofista diria
ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)
Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao
negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de
coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o
tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)
voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste
na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao
com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de
situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece
irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)
O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se
refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato
falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou
usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o
caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o
fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown
Book apud FERREIRA)
Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que
as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa
linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a
76
estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada
sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que
se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado
Exemplo 1
Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB
ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo
exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa
(X natildeo eacute Y)
Ontologia
Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como
preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e
sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de
sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo
possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas
nem verdadeiras
Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas
pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas
proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees
de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do
falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros
Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira
Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma
interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e
sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o
problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na
carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute
um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia
sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila
negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso
77
De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas
falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos
leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas
negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento
seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento
da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira
(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo
Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende
solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por
sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto
menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da
negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar
que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do
serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto
anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano
parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm
do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao
negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo
dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos
inevitavelmente falando algo sem sentido
Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao
de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o
que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da
negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida
No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados
de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein
acima
78
43O Sofista sem Predicao Negativa
Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece
demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao
negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro
que aquele acima apresentado
A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no
identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F
17
Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom
candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande
nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os
comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao
negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a
posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)
Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de
problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos
incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele
nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central
apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo
(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com
incompletas (OWEN1970417)
Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico
defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos
17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo
79
do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte
do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do
dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como
construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o
objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem
Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e
referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o
problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas
possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular
este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da
existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com
que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que
Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos
sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum
tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado
aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas
Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo
no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta
pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-
sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das
posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica
apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego
I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do
verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa
caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo
II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por
Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando
encontrado em sua forma absoluta (X )
Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos
Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se
no lugar da definio tradicional do uso completo a saber
C1 um uso que no possui nem permite um complemento
adotarmos a seguinte definio
80
C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que
permite um complemento
Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria
mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2
aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e
ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est
lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no
seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)
Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego
como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista
Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo
ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e
possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso
completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo
que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a
interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen
acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a
tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam
predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est
relacionado com as noes de predicao e referncia
Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os
paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o
ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que
absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual
nenhum F F ou seja algo que no possui determinao
algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio
compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua
caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo
Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o
no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma
determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo
do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)
81
A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que
ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra
relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso
distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no
texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados
por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua
interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h
uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)
Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para
a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell
Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa
desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo
de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo
em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao
negativa como central para soluo do problema
Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao
negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar
presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser
encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo
No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que
ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem
anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro
ao solucionar o problema
Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de
predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria
pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar
que nada de muito importante ocorreu neste intervalo
(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma
anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo
do problema
82
44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo
Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma
anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade
no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato
1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da
forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato
XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia
da seguinte forma
1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo
6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo
10wp 11 wbo
A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de
nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB
Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa
ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para
proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema
da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com
relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado
possuem o mesmo referente o fato XBO
Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o
Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a
concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria
relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto
Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo
movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para
sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena
ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est
ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando
83
Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
18 Ver pgina 6
84
dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
76
estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada
sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que
se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado
Exemplo 1
Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB
ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo
exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa
(X natildeo eacute Y)
Ontologia
Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como
preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e
sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de
sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo
possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas
nem verdadeiras
Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas
pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas
proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees
de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do
falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros
Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira
Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma
interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e
sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o
problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na
carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute
um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia
sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila
negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso
77
De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas
falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos
leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas
negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento
seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento
da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira
(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo
Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende
solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por
sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto
menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da
negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar
que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do
serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto
anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano
parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm
do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao
negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo
dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos
inevitavelmente falando algo sem sentido
Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao
de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o
que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da
negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida
No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados
de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein
acima
78
43O Sofista sem Predicao Negativa
Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece
demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao
negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro
que aquele acima apresentado
A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no
identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F
17
Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom
candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande
nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os
comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao
negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a
posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)
Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de
problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos
incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele
nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central
apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo
(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com
incompletas (OWEN1970417)
Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico
defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos
17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo
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do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte
do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do
dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como
construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o
objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem
Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e
referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o
problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas
possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular
este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da
existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com
que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que
Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos
sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum
tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado
aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas
Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo
no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta
pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-
sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das
posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica
apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego
I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do
verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa
caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo
II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por
Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando
encontrado em sua forma absoluta (X )
Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos
Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se
no lugar da definio tradicional do uso completo a saber
C1 um uso que no possui nem permite um complemento
adotarmos a seguinte definio
80
C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que
permite um complemento
Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria
mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2
aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e
ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est
lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no
seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)
Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego
como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista
Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo
ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e
possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso
completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo
que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a
interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen
acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a
tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam
predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est
relacionado com as noes de predicao e referncia
Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os
paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o
ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que
absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual
nenhum F F ou seja algo que no possui determinao
algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio
compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua
caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo
Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o
no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma
determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo
do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)
81
A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que
ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra
relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso
distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no
texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados
por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua
interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h
uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)
Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para
a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell
Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa
desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo
de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo
em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao
negativa como central para soluo do problema
Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao
negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar
presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser
encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo
No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que
ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem
anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro
ao solucionar o problema
Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de
predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria
pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar
que nada de muito importante ocorreu neste intervalo
(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma
anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo
do problema
82
44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo
Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma
anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade
no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato
1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da
forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato
XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia
da seguinte forma
1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo
6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo
10wp 11 wbo
A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de
nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB
Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa
ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para
proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema
da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com
relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado
possuem o mesmo referente o fato XBO
Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o
Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a
concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria
relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto
Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo
movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para
sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena
ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est
ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando
83
Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
77
De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas
falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos
leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas
negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento
seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento
da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira
(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo
Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende
solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por
sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto
menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da
negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar
que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do
serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto
anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano
parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm
do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao
negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo
dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos
inevitavelmente falando algo sem sentido
Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao
de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o
que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da
negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida
No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados
de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein
acima
78
43O Sofista sem Predicao Negativa
Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece
demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao
negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro
que aquele acima apresentado
A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no
identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F
17
Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom
candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande
nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os
comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao
negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a
posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)
Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de
problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos
incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele
nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central
apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo
(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com
incompletas (OWEN1970417)
Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico
defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos
17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo
79
do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte
do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do
dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como
construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o
objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem
Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e
referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o
problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas
possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular
este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da
existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com
que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que
Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos
sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum
tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado
aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas
Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo
no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta
pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-
sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das
posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica
apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego
I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do
verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa
caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo
II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por
Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando
encontrado em sua forma absoluta (X )
Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos
Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se
no lugar da definio tradicional do uso completo a saber
C1 um uso que no possui nem permite um complemento
adotarmos a seguinte definio
80
C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que
permite um complemento
Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria
mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2
aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e
ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est
lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no
seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)
Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego
como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista
Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo
ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e
possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso
completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo
que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a
interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen
acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a
tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam
predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est
relacionado com as noes de predicao e referncia
Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os
paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o
ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que
absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual
nenhum F F ou seja algo que no possui determinao
algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio
compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua
caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo
Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o
no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma
determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo
do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)
81
A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que
ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra
relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso
distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no
texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados
por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua
interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h
uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)
Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para
a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell
Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa
desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo
de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo
em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao
negativa como central para soluo do problema
Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao
negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar
presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser
encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo
No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que
ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem
anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro
ao solucionar o problema
Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de
predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria
pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar
que nada de muito importante ocorreu neste intervalo
(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma
anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo
do problema
82
44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo
Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma
anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade
no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato
1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da
forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato
XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia
da seguinte forma
1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo
6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo
10wp 11 wbo
A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de
nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB
Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa
ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para
proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema
da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com
relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado
possuem o mesmo referente o fato XBO
Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o
Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a
concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria
relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto
Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo
movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para
sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena
ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est
ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando
83
Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
18 Ver pgina 6
84
dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
78
43O Sofista sem Predicao Negativa
Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece
demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao
negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro
que aquele acima apresentado
A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no
identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das
ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F
17
Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom
candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande
nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os
comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao
negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a
posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)
Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de
problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos
incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele
nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central
apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo
(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com
incompletas (OWEN1970417)
Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico
defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos
17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo
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do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte
do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do
dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como
construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o
objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem
Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e
referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o
problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas
possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular
este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da
existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com
que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que
Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos
sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum
tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado
aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas
Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo
no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta
pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-
sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das
posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica
apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego
I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do
verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa
caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo
II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por
Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando
encontrado em sua forma absoluta (X )
Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos
Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se
no lugar da definio tradicional do uso completo a saber
C1 um uso que no possui nem permite um complemento
adotarmos a seguinte definio
80
C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que
permite um complemento
Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria
mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2
aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e
ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est
lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no
seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)
Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego
como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista
Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo
ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e
possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso
completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo
que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a
interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen
acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a
tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam
predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est
relacionado com as noes de predicao e referncia
Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os
paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o
ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que
absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual
nenhum F F ou seja algo que no possui determinao
algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio
compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua
caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo
Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o
no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma
determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo
do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)
81
A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que
ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra
relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso
distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no
texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados
por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua
interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h
uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)
Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para
a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell
Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa
desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo
de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo
em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao
negativa como central para soluo do problema
Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao
negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar
presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser
encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo
No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que
ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem
anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro
ao solucionar o problema
Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de
predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria
pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar
que nada de muito importante ocorreu neste intervalo
(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma
anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo
do problema
82
44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo
Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma
anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade
no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato
1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da
forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato
XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia
da seguinte forma
1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo
6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo
10wp 11 wbo
A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de
nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB
Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa
ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para
proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema
da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com
relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado
possuem o mesmo referente o fato XBO
Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o
Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a
concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria
relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto
Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo
movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para
sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena
ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est
ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando
83
Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
79
do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte
do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do
dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como
construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o
objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem
Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e
referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o
problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas
possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular
este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da
existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com
que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que
Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos
sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum
tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado
aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas
Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo
no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta
pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-
sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das
posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica
apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego
I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do
verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa
caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo
II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por
Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando
encontrado em sua forma absoluta (X )
Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos
Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se
no lugar da definio tradicional do uso completo a saber
C1 um uso que no possui nem permite um complemento
adotarmos a seguinte definio
80
C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que
permite um complemento
Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria
mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2
aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e
ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est
lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no
seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)
Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego
como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista
Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo
ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e
possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso
completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo
que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a
interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen
acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a
tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam
predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est
relacionado com as noes de predicao e referncia
Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os
paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o
ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que
absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual
nenhum F F ou seja algo que no possui determinao
algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio
compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua
caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo
Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o
no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma
determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo
do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)
81
A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que
ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra
relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso
distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no
texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados
por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua
interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h
uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)
Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para
a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell
Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa
desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo
de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo
em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao
negativa como central para soluo do problema
Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao
negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar
presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser
encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo
No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que
ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem
anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro
ao solucionar o problema
Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de
predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria
pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar
que nada de muito importante ocorreu neste intervalo
(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma
anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo
do problema
82
44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo
Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma
anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade
no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato
1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da
forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato
XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia
da seguinte forma
1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo
6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo
10wp 11 wbo
A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de
nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB
Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa
ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para
proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema
da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com
relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado
possuem o mesmo referente o fato XBO
Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o
Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a
concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria
relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto
Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo
movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para
sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena
ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est
ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando
83
Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
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84
dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
80
C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que
permite um complemento
Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria
mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2
aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e
ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est
lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no
seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)
Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego
como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista
Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo
ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e
possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso
completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo
que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a
interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen
acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a
tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam
predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est
relacionado com as noes de predicao e referncia
Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os
paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o
ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que
absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual
nenhum F F ou seja algo que no possui determinao
algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio
compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua
caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo
Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o
no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma
determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo
do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)
81
A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que
ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra
relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso
distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no
texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados
por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua
interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h
uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)
Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para
a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell
Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa
desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo
de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo
em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao
negativa como central para soluo do problema
Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao
negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar
presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser
encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo
No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que
ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem
anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro
ao solucionar o problema
Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de
predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria
pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar
que nada de muito importante ocorreu neste intervalo
(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma
anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo
do problema
82
44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo
Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma
anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade
no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato
1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da
forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato
XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia
da seguinte forma
1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo
6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo
10wp 11 wbo
A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de
nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB
Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa
ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para
proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema
da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com
relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado
possuem o mesmo referente o fato XBO
Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o
Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a
concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria
relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto
Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo
movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para
sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena
ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est
ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando
83
Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
81
A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que
ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra
relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso
distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no
texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados
por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua
interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h
uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)
Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para
a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell
Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa
desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo
de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo
em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao
negativa como central para soluo do problema
Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao
negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar
presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser
encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo
No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que
ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem
anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro
ao solucionar o problema
Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de
predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria
pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar
que nada de muito importante ocorreu neste intervalo
(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma
anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo
do problema
82
44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo
Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma
anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade
no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato
1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da
forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato
XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia
da seguinte forma
1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo
6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo
10wp 11 wbo
A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de
nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB
Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa
ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para
proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema
da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com
relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado
possuem o mesmo referente o fato XBO
Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o
Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a
concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria
relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto
Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo
movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para
sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena
ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est
ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando
83
Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
82
44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo
Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma
anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade
no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato
1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da
forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato
XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia
da seguinte forma
1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo
6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo
10wp 11 wbo
A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de
nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB
Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa
ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para
proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema
da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com
relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado
possuem o mesmo referente o fato XBO
Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o
Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a
concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria
relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto
Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo
movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para
sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena
ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est
ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando
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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
18 Ver pgina 6
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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que
ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua
ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11
Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden
aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden
Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria
ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh
oAtilden) ilimitadordquo
Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de
servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos
conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e
to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo
portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no
modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente
maior que o nmero de fatos
Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa
do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem
se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de
natureza similar ao que estamos investigando
Assim como no dito de ProtgorasF
18F a passagem 256b11 do Sofista possui
ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como
um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no
haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no
absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o
casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma
predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e
Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista
De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca
da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas
palavras do Estrangeiro de Elia
que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para
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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F
19F
19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon
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