unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP
ALESSANDRA SANTOS NASCIMENTO
CCUULLTTUURRAA OORRGGAANNIIZZAACCIIOONNAALL:: CULTURA BRASILEIRA E HUMANISMO NA OBRA
DE FERNANDO DE AZEVEDO
Araraquara – SP 2010
2
ALESSANDRA SANTOS NASCIMENTO
CCUULLTTUURRAA OORRGGAANNIIZZAACCIIOONNAALL:: CULTURA BRASILEIRA E HUMANISMO NA OBRA
DE FERNANDO DE AZEVEDO
Monografia apresentada à Banca
Examinadora do Programa de Pós-
Graduação Lato-Sensu em Governança
Pública e Novos Arranjos de Gestão da
Universidade Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” – Campus de Araraquara – como
exigência parcial para obtenção do título de
Especialista.
Orientadora: Profa. Dra. Carla Giani
Martelli
3
Dedicada à memória de meu pai, Arnaldo A. Nascimento
e à minha mãe, Maria de Lourdes, pessoas em que sempre penso
com infinito amor, respeito e gratidão.
4
AGRADECIMENTOS
A todos que tiveram paciência e me estimularam com sua compreensão e afeto
para a conclusão desta pesquisa. Agradeço, em particular, ao Émerson pela
solidariedade, ao Alessandro pelo abstract, ao Edison pelas sugestões, ao Prof. Milton
pelo estímulo, aos coordenadores e equipe do Curso de Especialização pelo apoio e
profissionalismo, aos colegas e professores do Curso pelo aprendizado contínuo.
Agradeço também, a minha orientadora, Carla Martelli, uma pessoa que diante das
adversidades demonstrou interesse, respeito e confiança pelo meu trabalho.
5
RESUMO
O presente estudo resulta de uma reflexão sobre a contribuição de Fernando de
Azevedo para o tema da cultura organizacional no Brasil. A hipótese que norteou este
trabalhou consistiu no argumento, segundo o qual, as idéias deste intelectual, a respeito
da cultura brasileira e do humanismo, representariam caminhos profícuos para
responder, ao menos parcialmente, aos desafios propostos pela e para a teoria
organizacional no que tange à questão da mudança.
A escolha de Fernando de Azevedo como interlocutor privilegiado deste estudo
justificou-se à medida que este intelectual foi um importante intérprete da cultura
brasileira e, ao mesmo tempo, um significativo construtor institucional e um difusor das
idéias sobre o humanismo no país. Para estabelecermos o diálogo entre humanismo,
cultura brasileira e cultura organizacional mobilizamos – além dos trabalhos de autoria
de Azevedo – intérpretes deste autor bem como parte da literatura especializada sobre
cultura brasileira e cultura organizacional.
PALAVRAS-CHAVE: cultura organizacional, cultura brasileira, humanismo,
Fernando de Azevedo, gestão de pessoas.
6
ABSTRACT
The present study is the result of a meditation about the contribution of
Fernando de Azevedo for the organizational culture theme in Brazil. The hypothesis that
guided this work consisted in the argumentation which asserts that the ideas of that
intellectual on brazilian culture and humanism would represent useful ways to answer,
at least partially, the challenges proposed by and for the organizational theory that
applied to the question of changing.
The election of Fernando de Azevedo as a privileged interlocutor of this study
is justified on Azevedo’s magisterial interpretation of brazilian culture and,
concomitantly, a significant institutional constructor and diffuser of ideas about
humanism in the nation. With the objective of establishing the dialogue among
humanism, brazilian culture and organizational culture, we mobilezed – over and above
Azevedo’s works – interpreters of that author as well as part of the literature specialized
on brazilian culture and organizational culture.
KEY-WORDS: organizational culture, humanism, Fernando de Azevedo, people
management.
7
SUMÁRIO
RESUMO .......................................................................................................................05
ABSTRACT ..................................................................................................................06
INTRODUÇÃO.............................................................................................................08
CAPÍTULO I – CULTURA BRASILEIRA: ALICERCE PARA CULTURA
ORGANIZACIONAL ....................................................................................................10
1. Cultura brasileira na concepção de Fernando de Azevedo: uma estratégia para a
construção do Brasil nação..............................................................................................11
2. Cultura brasileira e as teorias organizacionais: um diálogo necessário.......................22
CAPÍTULO II – CULTURA ORGANIZACIONAL, GESTÃO DE PESSOAS E
HUMANISMO................................................................................................................36
1. Mudança, identidade e integração nas organizações: o desafio de gerir pessoas .......37
2. Modelos de gestão de pessoas e o humanismo na obra de Fernando de Azevedo .....48
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................62
BIBLIOGRAFIA ..........................................................................................................64
8
INTRODUÇÃO
O presente estudo enfocou, particularmente, o período que abarca a década de
1920 até a de 1960. A opção de começar na década de 1920 visou, por um lado,
contemplar o fato do “elemento humano” ter se tornado o objeto de discussão dos
pensadores das organizações. E, por outro, abranger o universo simbólico e institucional
criado para que o Brasil se transformasse em uma nação moderna. Já a década de 1960,
compreendeu a formação e a difusão sistemática da noção de cultura organizacional, ao
mesmo tempo, que considerou a produção de Fernando de Azevedo sobre o humanismo
e iniciou o aprofundamento e a expansão do debate interno e externo sobre direitos
humanos, soberania, desenvolvimento etc. resultantes das experiências da Segunda
Guerra Mundial e da Guerra Fria.
Este estudo partiu dos seguintes pressupostos: primeiro, no interior das
organizações há relações sociais que são conflituosas; segundo, que tais conflitos são
responsáveis tanto por acelerar quanto por retardar as mudanças e, terceiro, os
obstáculos resultantes destes conflitos requerem um estudo sobre os sentimentos, idéias,
valores, desejos etc. que permeiam as relações sociais dentro e fora das organizações. O
que, em última instância, nos colocou a necessidade de reconhecer a relevância das
reflexões sobre cultura organizacional de um lado, e de outro, a da relação entre cultura
organizacional e cultura brasileira.
Assim, partimos do pressuposto que analisar a cultura organizacional,
produzida no país, sem compreender a cultura brasileira significava abandonar uma
dimensão fundamental para entender como a formação social do Brasil influenciou e
influencia na construção das relações sociais, de forma ampla, e nas relações entre a
base e o topo das instituições, de forma particular. Nesta perspectiva, esta monografia
corroborou com a idéia segundo a qual, somente a partir do reconhecimento das
especificidades da cultura brasileira, tornava-se possível apontar os limites e as
possibilidades da cultura organizacional para vencer os obstáculos no interior das
organizações e, assim, assegurar as condições necessárias para a mudança.
A contribuição de Fernando de Azevedo para uma determinada interpretação
da cultura brasileira e do humanismo, somada a sua preocupação teórica e prática com a
questão da organização nacional – a qual se fez presente mediante sua participação na
fundação e na administração de importantes instituições culturais, de ensino e pesquisa
9
no país – justificaram nossa escolha por tornar este intelectual o principal interlocutor
deste estudo.
Destarte, partimos de suas obras para propormos uma aproximação entre
cultura brasileira e cultura organizacional que privilegiasse, no enfoque sobre gestão de
pessoas e mudança, as reflexões deste intelectual a respeito do humanismo. Somam-se a
literatura de autoria de Azevedo, obras que dialogaram criticamente com o tema da
cultura brasileira como Bosi (1999), Ortiz (2003), Mota (2002), dentre outros; também
autores que colaboraram para a construção de um conjunto de referências que irão
influenciar na categoria de cultura brasileira Freyre (2000), Holanda (1989) etc.; assim
como, estudos de intérpretes da cultura organizacional como Motta (1997; 1985),
Freitas (1997), Martins (1997), Lopes e Reto (1990), Fleury e M. Fischer (1990), Fleury
et al. (2002), Barbosa (2002) etc. Entendemos que a artesania que envolveu a
averiguação desta hipótese consistiu na contribuição desta monografia para o tema da
cultura organizacional, nos termos propostos.
Este estudo foi organizado em dois capítulos. O primeiro versou sobre a
concepção de Fernando de Azevedo a respeito da cultura brasileira bem como a relação
entre esta e a cultura organizacional. No segundo capítulo, privilegiamos tratar o tema
da cultura organizacional enfocando os obstáculos que envolveram e envolvem os temas
mudança, identidade e integração no interior das organizações assim como elaborar uma
argumentação a partir da qual a reflexão de Fernando de Azevedo sobre o humanismo
possa ser uma alternativa para pensar o desafio de gerir pessoas.
10
CAPÍTULO I
CULTURA BRASILEIRA: ALICERCE PARA CULTURA ORGANIZACIONAL
O tema da cultura brasileira impõe estabelecermos como um importante
interlocutor o intelectual Fernando de Azevedo. Tal acepção se justifica pelo fato de ter
sido este intérprete o responsável por instituir – ao longo do século XX – uma análise
recorrente sobre o assunto, isto é, uma interpretação que foi tanto reiterada quanto
criticada por diversos autores. Assim, para entendermos a concepção de cultura
brasileira de Azevedo faz-se necessário situá-lo, ainda que parcialmente, no campo
intelectual do país.
Tendo em vista a extensão de sua trajetória – inclusive, na administração
pública – e a de seus trabalhos – livros, artigos científicos e/ou de divulgação etc. –
realizamos, neste capítulo I, um recorte que privilegiou fatos, atores, instituições e obras
que nos possibilitasse compreender, no subcapítulo 1, sua interpretação a respeito da
cultura brasileira e, no subcapítulo 2, a articulação entre a cultura brasileira e as teorias
organizacionais. Os contextos histórico, político, social, cultural, econômico e
lingüístico encontraram-se presentes, porém diluídos, e tiveram como função colaborar
para flexibilizar nossas interpretações, demonstrando que apesar de apresentarem
pertinência, elas não esgotam as possibilidades de nexos.
Neste caminho optamos, no subcapítulo 1, por tratar principalmente, de duas
obras de autoria de Azevedo: A Cultura Brasileira1 (1971a) e A cidade e campo na
civilização industrial e outros estudos (1962a). O primeiro livro por referir-se
diretamente a forma como o tema da cultura brasileira foi abordado no pensamento do
autor, e o segundo, por remeter-se às reflexões deste intelectual sobre o tema da
mudança social.
No subcapítulo 2, buscamos estabelecer a relação entre cultura brasileira e
cultura organizacional. Assim, procuramos realizar um diálogo entre as idéias de
Azevedo e as dos teóricos das organizações, destacando, no entanto, a literatura sobre a
cultura organizacional.
1 A primeira edição desta obra ocorreu em 1943, no entanto, nesta monografia utiliza-se a edição de 1971a.
11
1. Cultura brasileira na concepção de Fernando de Azevedo: uma estratégia para a
construção do Brasil nação
Fernando de Azevedo (1894-1974), mineiro de São Gonçalo do Sapucaí, foi
educado em colégios jesuítas, período em que teve seu espírito esculpido pelas
literaturas e letras clássicas (latim e grego). Formou-se em Ciências Jurídicas, pela
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em São Paulo. Azevedo foi, ao longo
de sua trajetória intelectual, um autodidata e, assim, tornou-se sociólogo e educador. A
partir de 1931, no interior da Cia. Editora Nacional, Azevedo editou importantes obras
científicas e literárias no e para o Brasil.
Foi na referida instituição que ele criou e dirigiu a Biblioteca Pedagógica
Brasileira (BPB) assim como suas coleções: Brasiliana, Atualidades Pedagógicas e
Iniciação Científica (DUTRA, 2006). Vale ressaltar que a importância destas coleções
deveu-se ao fato delas atuarem sobre o público leitor existente, conformando suas
percepções, gostos, interesses, idéias etc. bem como colaborarem na criação de novos
públicos, e, neste sentido, legitimando ou não, determinados autores e obras no país etc.
Pode-se sugerir que a trajetória editorial de Azevedo foi um dos caminhos a partir do
qual agiu diretamente sobre a cultura brasileira, colaborando em sua modelagem ao
selecionar, promover e/ou silenciar determinadas interpretações sobre a nação
(TOLEDO, 1995).
Apesar da década de 1930 consistir em um período ímpar, na carreira
intelectual de Fernando de Azevedo, sua presença no campo cultural brasileiro já se
fazia sentir na década de 1920. Nesta, foi encarregado por Júlio de Mesquita Filho,
diretor do Jornal O Estado de São Paulo2, de realizar uma pesquisa sobre as condições
da educação no Estado de São Paulo. O inquérito, concretizado em 1926, propiciou à
Azevedo a oportunidade de projetar-se na vida pública política do país, uma vez que na
vida pública já era reconhecido por sua atuação como jornalista.
O supracitado inquérito serviu para validar uma idéia já perfilhada pelos
diferentes grupos de intelectuais brasileiros, no início do século XX: as precárias
condições educacionais do país resultavam em grandes obstáculos para seu
desenvolvimento econômico, político e cultural. Neste contexto, a difusão do ensino no
2 Um dos mais importantes periódicos do período.
12
país consistiu em uma proposta uníssona3 para ultrapassar tais barreiras à medida que
garantiria, por um lado, a qualificação profissional – futuramente requerida pelas
indústrias – e a formação humana, necessária para assegurar a coesão social e o
progresso, e, por outro, proporcionaria o público letrado para consumir a produção do
campo cultural em constituição. A educação tornou-se assim, o instrumento dos
diferentes projetos políticos e intelectuais para intervir na realidade brasileira e propiciar
o desenvolvimento do país.
Em 1927, Azevedo iniciou sua participação na administração pública do país.
O governo o convidou para assumir o cargo de Diretor da Instrução Pública no Distrito
Federal. Ao aceitar tal incumbência, Azevedo tornou-se o protagonista de uma Reforma
Educacional que ficou conhecida em diferentes lugares do Brasil por sua organicidade.
Isto é, por sua capacidade de fazer com que as orientações e normas de seu diretor
percorressem todo o corpo da organização e se articulassem para garantir a unidade de
pensamento e de ação. A Reforma contou também com uma estratégia inovadora de
divulgação: o uso do registro fotográfico.
Outro aspecto interessante da Reforma foi a utilização, por parte de seu diretor,
do recurso da transparência na administração com a finalidade de obter o apoio da
opinião pública. Neste cargo, Fernando de Azevedo pode colocar em prática alguns
princípios já esboçados por ele no inquérito de 1926 e se constituir enquanto um
político educacional; tanto a legitimidade quanto o reconhecimento obtidos por este
intelectual se expressaram em um novo convite para que ele ocupasse o cargo de Diretor
da Instrução Pública, contudo, no Estado de São Paulo em 1933.
É importante destacar que as idéias, que orientaram a definição de cultura
brasileira de Azevedo, estiveram subjacentes em suas incursões na administração
pública – seja no Rio Janeiro, seja em São Paulo – e encontraram no Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) um lócus privilegiado para sua sistematização e
difusão. Primeiro, por este intelectual exercer o cargo de consultor técnico4 na temática
de cultura, o que lhe possibilitava influência e legitimidade.
3 Apesar da avaliação comum sobre as condições educacionais do país e suas conseqüências houve disputas severas em torno da definição das políticas educacionais e dos atores condutores. 4 Os consultores técnicos foram colaboradores do IBGE selecionados pelos dirigentes deste Instituto de acordo com a seguinte consideração: “[...] deverão ser cidadãos de notável cultura e de reconhecida especialização na seção técnica que lhes for atribuída” (REVISTA DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA, 1937, p.59).
13
E, segundo, pelo fato do governo demandar, através do IBGE – no contexto da
efetivação do primeiro recenseamento nacional, realizado pelo Instituto – uma
interpretação a respeito do Brasil que pudesse se tornar hegemônica dentro do país e no
exterior e, simultaneamente, possibilitasse uma reorganização do país a partir da
“síntese numérica” que seria produzida pela estatística. Fernando de Azevedo foi o
articulador dos discursos que alicerçaram a expressão “cultura brasileira” como um
suporte para responder a esta demanda por uma identidade nacional.
Azevedo sistematizou as influências teóricas de tais discursos em seu livro
intitulado A Cultura Brasileira (1971a), o qual se inseriu no projeto do primeiro
recenseamento nacional do IBGE e, neste sentido, obteve o patrocínio do governo de
Getúlio Vargas em pleno período ditatorial. É significativo frisar que apesar da obra ter
sido publicada sob a égide do Estado Novo, isto não representou uma adesão a este por
parte do seu autor (TOLEDO, 1995).
A “cultura brasileira” – expressão genérica e título da obra de Azevedo –
tornou-se responsável por explorar as convergências entre os diferentes discursos
vigentes no país, sem desconsiderar suas divergências teórico-metodológicas
(TOLEDO, 1995). Dentre tais discursos destacaram-se: 1) o funcionalista influenciado
pelas obras de Émile Durkheim e Bronislaw Malinowisk etc.; 2) o racialista baseado
nos estudos de Silvio Romero e Oliveira Vianna, dentre outros, e 3) o culturalista
pautado, principalmente, nas reflexões de Franz Boas e Gilberto Freyre.
Para Fernando de Azevedo tais discursos foram elaborados em momentos
históricos distintos – por parte da intelectualidade brasileira – com a preocupação
comum de responder aos obstáculos para a construção do Brasil como uma nação
moderna, coesa e harmônica, em particular, a partir da década de 1920, período em que
ocorreu o centenário da independência e a Semana de Arte Moderna no contexto
interno; e, no externo, vários países se recuperavam da desastrosa experiência da
Primeira Guerra Mundial, que recolocou em debate os discursos sobre o tema da nação.
Azevedo compreendia que estas diferentes abordagens (ou discursos) se
complementavam na explicação e na busca de soluções para o Brasil. Desta forma, para
este autor, não se tratava de ignorar as arestas teórico-metodológicas existentes, mas de
construir uma interpretação a respeito do país que fosse capaz de entender seu passado,
explicar seu presente e projetar seu futuro. Decorria desta compreensão de Azevedo,
que a relação entre a evidência objetiva e a condição, expansão ou intensidade do
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fenômeno social só poderia ser apreendida, ao se estabelecer um diálogo entre as várias
teorias e metodologias.
Semelhante abordagem era familiar a intelectuais como Gilberto Freyre5, cujas
interpretações sobre o país estiveram permeadas pela idéia de equilíbrio condensada no
ditado luso: “nem tanto ao mar, nem tanto a terra”. Diante destas considerações,
podemos apontar que o termo ensaísta6 representa de forma primorosa intérpretes como
Freyre e Azevedo, pois lhes assegura uma maneira de transitar nos campos científico e
literário construindo um conhecimento aberto.
As políticas públicas de educação, saúde, trabalho, imigração etc., responsáveis
por efetivar a modernização do Brasil, foram influenciadas pelas interpretações sobre a
identidade nacional à medida que esta colaborou para estabelecer o público a ser
atendido. Nesta perspectiva, torna-se importante conhecer os conceitos que foram
mobilizados para a definição da identidade nacional, principalmente, ao entendermos
que sua escolha e uso deveriam contemplar o projeto de nação moderna e harmônica.
Grosso modo, podemos destacar na definição de identidade nacional a presença
dos conceitos de raça e de cultura; cada um destes termos, apesar de ser expressão de
um tipo diferente de discurso (racialista, culturalista etc.), não representou
necessariamente sua superação. Um exemplo disso foi o fato dos avanços teóricos
presentes no campo da Biologia – já no final do século XIX, com Darwin (evolução) e
Mendel (mutação) – e no campo da Antropologia – com Franz Boas, no início do século
XX – não terem sido incorporados pelos teóricos raciais brasileiros e/ou estrangeiros na
elaboração da noção de identidade nacional.
Esta recusa, por parte da intelectualidade brasileira, em incorporar os avanços
teóricos possibilitou duas conseqüências: a primeira, a permanência de raça e de meio,
no quadro interpretativo do Brasil, como categorias do conhecimento até meados do
século XX, concorrendo, inclusive, com a lição deixada por Boas: de que não existem
culturas superiores ou inferiores, sendo todas elas fenômenos específicos e originais
(ORTIZ, 2003).
5 A principal obra de Gilberto Freyre mobilizada para as reflexões nesta monografia foi Casa Grande e Senzala, publicada originalmente em 1933, utiliza-se no presente texto a edição de 2000. 6 O termo ensaísta não apresenta nenhuma conotação pejorativa nesta monografia. Contudo, vale destacar que tal termo foi mobilizado com semelhante sentido – a partir da década de 1950, no Brasil – por alguns intelectuais da “escola paulista de sociologia” para desqualificar alguns importantes intérpretes do país que se distanciavam, em virtude de suas filiações teóricas e metodológicas, das abordagens valorizadas pela “escola”.
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E, a segunda, a ressignificação dos conceitos de raça e de cultura. Ambos
foram reelaborados com o objetivo de satisfazerem à construção de uma identidade
nacional mestiça e coesa. Um expoente desta ressignificação no país foi Freyre (2000),
em sua obra Casa Grande e Senzala, o conceito de raça teve sua dimensão de
dinamismo negligenciada, enquanto o de cultura apresentou-se de forma ambígua, ora
próxima às concepções de Franz Boas, ora permeada por determinismos (biológico e
geográfico).
Outros subsídios, para a definição do conceito de identidade nacional, podem
ser encontrados nos apontamentos de Azevedo (1971a) sobre o padrão das relações
étnico-raciais no Brasil. Tais apontamentos apoiaram-se, particularmente, na ambígua
compreensão de cultura legada por Freyre (2000) e objetivaram a elaboração de uma
idéia genérica de povo, marcada pelas noções de harmonia, de interpenetração e de
reconhecimento da diversidade no país. Tal reflexão sobre cultura fez parte da
concepção de cultura brasileira de Azevedo (1971a).
Guardando as devidas proporções, é possível afirmar que a noção de cultura
brasileira compartilhada por Freyre (2000) e Azevedo (1971a) expressou, com sucesso,
um projeto intelectual e político de monopólio oficial das idéias sobre a brasilidade para
dentro e para fora do Brasil, nos termos apontados por Mota (2002)7.
No entanto, contrariamente à análise de Mota (2002), que classifica Fernando
de Azevedo como um ideólogo da cultura brasileira8; Toledo (1995) argumenta –
apoiada em alguns comentaristas do período de lançamento da primeira edição da obra
A Cultura Brasileira, como o intelectual Emílio Willems – que a “[...] interpretação de
Azevedo é legitimada pelo lugar onde é produzida, pelo método científico adotado e
pela sua própria participação e testemunho da ‘história mais recente’ [...]” (TOLEDO,
1995, p.95, aspas da autora).
Independente da postura de Freyre (2000), em filiar seu conceito de cultura à
influência teórico-metodológica de Franz Boas, ele também foi considerado por Mota
(2002) como um ideólogo da cultura brasileira. Desse modo, semelhante filiação foi
interpretada como uma estratégia de Freyre (2000) para se auto-afirmar enquanto um
intérprete moderno no contexto brasileiro.
7 A obra de Mota (2002) teve sua primeira edição em 1977. 8 Por ideólogo da cultura brasileira entende-se, grosso modo, a partir da obra de Mota (2002), um intelectual comprometido com o falseamento da realidade do país.
16
O fato do conceito de cultura de Freyre (2000), nas décadas de 1920 e de 1930,
pouco se diferenciar daquelas definições presentes no país, desde o século XIX, não
deve obscurecer sua importância, a qual consistiu na valorização discursiva da mistura.
No entanto, faz-se preciso explicitar o limite da interpretação freyreana, este envolveu a
concepção de interpenetração como sincretismo (NASCIMENTO, 2005).
De acordo com Nascimento (2005), para que fosse possível falar em
sincretismo no Brasil, os grupos envolvidos na mistura (negros, indígenas, brancos)
teriam que ser equivalentes enquanto “lugares” diferenciados no processo de troca
simbólica, mas esta condição nunca foi satisfeita no país. O sincretismo foi apenas
retórico e funcionou, para utilizarmos uma idéia de Sodré (1988, p.132, aspas do autor),
como um “[...] biombo ‘harmônico-pluralista’ para esconder a realidade da
discriminação”.
A concepção hierárquica e a visão determinista sobre os diferentes grupos
sociais referem-se a outro limite da abordagem freyreana. Foi este limite que
caracterizou o processo de culturalização do conceito de raça e de racialização do
conceito de cultura, amplamente difundido nas e pelas obras de Freyre (2000) e de
Azevedo (1971a).
A noção de cultura brasileira e a idéia genérica de povo, que a mesma
alicerçava, foram mobilizadas – até a década de 1950 – como estratégias para
obscurecer o quadro de desigualdade étnico-racial presente no país. Ou seja, para
ocultar a fragilidade e, de certa forma, a arbitrariedade de uma elaboração identitária
que aceitou a diversidade retoricamente (NASCIMENTO, 2005). Assim, as
interpretações de Freyre (2000) – sobre o padrão idílico das relações étnico-raciais
brasileiras – instituíram uma visão harmônica e mestiça da identidade nacional que foi
amplamente difundida na conjuntura dos recenseamentos realizados pelo IBGE, a partir
de 1940.
Um lócus importante de divulgação da supracitada visão encontrou-se nas
revistas do IBGE: a Revista Brasileira de Estatística e a Revista Brasileira de Geografia.
Elas a veicularam como uma espécie de “comissão de frente” do Instituto, o qual
objetivava apresentar e legitimar uma representação do Brasil interna e externamente
(NASCIMENTO, 2005). No artigo de Mortara9 (1940), no contexto do primeiro
9 Estatístico de origem italiana que chegou ao Brasil em 1939. Veio ao país a convite do governo brasileiro para atuar no primeiro recenseamento nacional. Mortara possibilitou a utilização, pela primeira vez no Brasil, dos quesitos que permitiram o levantamento de dados confiáveis sobre fecundidade e mortalidade.
17
recenseamento do Instituto (em 1940), podemos acompanhar a natureza desta
representação sobre o país:
[...] os descendentes das mais diversas estirpes confraternizam numa atmosfera de liberdade e de igualdade, e pela comunhão no trabalho e pelos conúbios fecundos, fundem-se num só povo, apagando ódios milenários e reconstituindo numa nação nova a primitiva unidade dos filhos de Adão. [...] A diversidade das origens étnicas não atenua nos brasileiros a intensidade do sentimento nacional, antes lhe confere um caráter particular de solidariedade humana na elevação dos ideais comuns (MORTARA, 1940, p.431).
Foi a difusão deste cenário de harmonia étnico-racial, descrito e reiterado pelos
teóricos ibgeanos (Azevedo, Mortara, Freyre etc.) nos âmbitos interno e externo – ao
longo das décadas de 1930 e 1940 – que possibilitou ao Brasil ser considerado um
exemplo de respeito à diversidade, para as demais nações, durante e após a Segunda
Guerra Mundial.
Este retrato aprazível do Brasil influenciou em sua escolha – pela Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) – para sediar
uma série de pesquisas sobre as relações raciais. O interesse da UNESCO pelo Brasil
parece só ter sido confirmado devido ao fato desta instituição ter encontrando no país
uma tradição já constituída de estudos raciais. Independente das razões que levaram a
UNESCO a financiar tais pesquisas, o fato é que estas não conseguiram descobrir o
segredo da propagada harmonia racial; porém, permitiram problematizar a constatação
já realizada pelo IBGE – após a sistematização dos dados do recenseamento de 1940 –
segundo a qual a desigualdade tinha cor.
No Brasil, a década de 1950 foi marcada por um intenso processo de disputa
pelos financiamentos dos estudos e pela legitimidade de suas explicações, no interior
das e entre as instituições de pesquisa, de ensino e culturais. Por outro lado, este período
também registrou um aumento das demandas governamentais por propostas que
assegurassem o desenvolvimento do país.
Tendo em vista que a supracitada década caracterizou-se pelo reconhecimento
do subdesenvolvimento – como uma condição estrutural de alguns países no sistema
capitalista mundial – os apontamentos fomentados pelas abordagens marxistas
adquiriram relevância heurística para entender o Brasil e, simultaneamente, colocaram o
conceito de classes sociais no centro dos debates. Ainda neste período, a Sociologia
18
adquiriu as condições necessárias para estabelecer-se como uma ciência empírico-
indutiva no país.
Dentre as condições que garantiram para a Sociologia atuar como uma ciência
empírico-indutiva podemos destacar: 1) a intensificação dos processos de
industrialização e urbanização – e seus respectivos problemas requerendo soluções
práticas; 2) a convergência destes processos com a permanência dos professores das
missões estrangeiras – e o amadurecimento de seus discípulos brasileiros; 3) o
surgimento de novas instituições públicas de ensino e pesquisa assim como a
consolidação daquelas já existentes e 4) a difusão de novas orientações teórico-
metodológicas através de mudanças no léxico do campo editorial.
A Sociologia como ciência empírico-indutiva, sempre foi objeto de
preocupação de Fernando de Azevedo – ainda que ele não tenha se dedicado à
realização de pesquisas empíricas. Azevedo buscou legitimar a importância deste tipo
de pesquisa tanto em suas obras, quanto ao participar de diferentes instituições e fóruns.
Em sua atuação como presidente do I Congresso Brasileiro de Sociologia (I CBS), em
1954, encontramos uma demonstração desta preocupação do autor.
Para este intelectual, também presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia
(desde sua criação em 1935, até a década de 1960), instituição promotora do I CBS,
tanto as elaborações teóricas – como os ensaios, ou seja, as interpretações totalizadoras
etc. – quanto às pesquisas empíricas em setores limitados – como os estudos de
comunidade etc. – foram importantes instrumentos para o desenvolvimento da
Sociologia no país (AZEVEDO, 200310). A defesa da dimensão empírico-indutiva nas
pesquisas sociais também pode ser observada na preocupação e no apoio de Azevedo
para o desenvolvimento e para a consolidação da Estatística no país, em sua ação no
IBGE.
As transformações nas categorias explicativas da realidade social brasileira –
ocorridas principalmente a partir da década de 1960, com a preponderância do discurso
marxista – colocaram em xeque as reflexões sobre a cultura brasileira e a identidade
nacional, classificando-as como ideológicas, ou seja, como falseadoras da realidade do
país. O livro de Mota (2002) aponta para esta avaliação, ao afirmar em suas conclusões
que no plano teórico:
10 O referido artigo foi escrito por Azevedo originalmente em 1954.
19
[...] atingiu-se a formulação clara segundo a qual a Cultura Brasileira existe apenas para seus ideólogos. [No plano político,] [...] a ideologia da Cultura Brasileira funcionou como elemento de integração [...] dissolvendo [...] as contradições que poderiam alterar as condições do controle social em vigência [...]. [Já no plano conceitual as] noções
ideológicas [teriam excluído as] [...] categorias de análise, que
auxiliariam na instauração de um possível discurso científico. [...] (MOTA, 2002, p. 283-284). (Itálico do autor).
No entanto, esta crítica de Mota (2002), precisa ser vista com cautela devido a
um conjunto de razões, do qual destacaremos, grosso modo, apenas duas: a primeira, se
em um momento o autor afirma que a “[...] Cultura Brasileira existe apenas para seus
ideólogos”, como aparece no trecho acima, em outro, ele se posiciona como um destes
ideólogos ao fazer uso desta expressão atestando sua existência11.
A segunda, Mota (2002), enquanto um ator social, também falava de um lugar,
em outros termos, tratava-se de um intelectual que filiado a uma tradição interpretativa
(marxista) preocupada – principalmente, após o golpe de 1964 – em estabelecer no
Brasil, a hegemonia de suas explicações “críticas”, encontrava-se em concorrência com
os teóricos de formação e filiação teórica distintas. Freyre e Azevedo seriam expoentes
desta linhagem a qual Mota (2002) se opunha.
Ao elaborar sua definição de cultura brasileira, Azevedo (1962a) também
estabeleceu o sentido de aculturação, o qual nos sugeriu pistas a respeito de como os
diferentes grupos sociais reagem frente às mudanças. Para este autor, aculturação
significava mudança na cultura material ou imaterial de dois ou mais grupos humanos
em relação de contato. Tendo em vista o processo de colonização no Brasil e, no século
XIX, a política de fomento a imigração, podemos apontar que o país compreendia um
grande laboratório para o estudo de aculturação.
No entanto, o aspecto mais interessante da definição de Azevedo sobre
aculturação é a sua idéia segundo a qual, a condição do progresso dos grupos sociais
encontrava-se, ao mesmo tempo, no contato e na diferenciação entre as culturas12, o que
favorecia a noção de respeito à diversidade. Esta noção esteve presente em diferentes
momentos das reflexões de Azevedo sobre a cultura brasileira.
11 O referido uso encontra-se nas páginas 289-290 do seu livro. 12 Para realizar semelhante afirmação, Azevedo apoiou-se em Lévi-Strauss. A referência bibliográfica em questão é Race et Histoire, obra publicada em 1952.
20
Todavia, é necessário ponderar que o respeito à diversidade apresentou um
limite no pensamento de Azevedo: a preocupação em garantir a unidade nacional.
Sendo assim, este intelectual não hesitou, na conjuntura do Estado Novo, em apoiar o
governo varguista em sua ação truculenta de fechar inúmeras escolas “étnicas” de
imigrantes e, em seu lugar, criar escolas “nacionais”, pois entendia que este
procedimento favoreceria a coesão nacional, fortalecendo a cultura brasileira e a
identidade nacional (LESSER, 2001).
De acordo com Azevedo (1962a) é necessário considerar três (3) elementos
para interpretarmos as respostas dos grupos sociais face às mudanças: 1) a estrutura
social – conjunto de grupos vinculados ou interdependentes que compõem a sociedade;
2) o tipo de cultura ou ethos geral – valores centrais que caracterizam uma dada
sociedade em um período histórico determinado – e 3) o grau de integração social – isto
é, a coerência que apresenta em um dado momento as diferentes partes da sociedade. A
compreensão destes elementos propiciaria, no entender de Azevedo, as diretrizes para
vencermos a “inércia cultural”, ou seja, a resistência imposta pelas tradições às
inovações. Contudo, salienta este autor que o fenômeno da inércia cultural é passível de
existir em qualquer formação social.
Azevedo (1962a) ao considerar a cultura como um todo estruturado, que
comporta várias esferas intimamente ligadas, esclarece que a mudança ocorrida em uma
das esferas não se realiza de forma simultânea nas outras. Isto implica em apontar que
entre uma esfera e outra pode ocorrer o fenômeno da “demora cultural”, ou seja, uma
diferença no seu ritmo de desenvolvimento.
Segundo Azevedo (1962a), a alteração de ritmo entre a esfera material e a
imaterial da cultura pode significar uma diferença de atitude em face às categorias de
idéias tecnológicas e não-tecnológicas. Enquanto as idéias tecnológicas seriam
absorvidas com maior rapidez pelos indivíduos, as idéias não-tecnológicas sofreriam
resistências. Estas reflexões são importantes para compreendermos a reação dos
indivíduos no interior das organizações.
Nas organizações, o primeiro tipo de idéia é absorvido e reproduzido sem
grandes questionamentos, desde que seja reconhecida sua eficiência, enquanto o
segundo encontra inúmeros obstáculos para ser incorporado, pois se relaciona com a
21
personalidade, com a história de vida, com os sonhos, enfim, com uma dimensão mais
profunda, reservada dos indivíduos13.
Para Fernando de Azevedo, é na relação entre o “indivíduo” e o “social” que a
personalidade e a cultura promovem o duplo fenômeno de assimilação e diferenciação
que se encontra na base das mudanças sociais. De acordo com este intelectual, refletir
sobre os fatores que intervém neste duplo fenômeno pode contribuir para a elaboração
de estratégias que busquem vencer as resistências culturais em face das mudanças. Estas
considerações nos asseguram algumas pistas para abordarmos o tema da mudança nas
organizações14.
Azevedo (1971a, 1962a) aponta que a educação consiste em um mecanismo de
perpetuação das culturas – em outros termos, que ela é responsável por transmitir a
herança social de uma geração à outra – e, ao mesmo tempo, é parte constitutiva da
cultura. Ao ponderar sobre o mecanismo de “transmissão” da cultura, este intelectual
chama-nos a atenção para o fato segundo o qual a cultura não seria “recebida” e sim
“reconstruída” pelas novas gerações.
Assim, para Azevedo (1962a), as diferenças cognitiva, motora, cultural etc.
entre as gerações jovens e as maduras iriam intervir para dificultar a “recepção”
daquelas gerações, ou seja, atuariam potencialmente como “agentes” da “reconstrução”
cultural. No processo de argumentação a respeito da educação como mecanismo de
transmissão, este intelectual baseou-se na obra de Émile Durkheim, enquanto nos
escritos de John Dewey, apoiou suas reflexões sobre a idéia de reconstrução cultural.
Resultam das ponderações, realizadas no decorrer deste subcapítulo 1, as
seguintes afirmações: 1) a concepção de cultura brasileira de Fernando de Azevedo foi
consideravelmente influenciada pela obra de Freyre (2000); 2) a definição de cultura
brasileira de Azevedo foi também uma resposta à demanda do governo por uma
identidade nacional, nas décadas de 1930 e 1940; 3) sua trajetória – como intelectual e
homem público – lhe influenciou a fazer dialogar, teoricamente e na prática, o que
parecia paradoxal aos olhos de outros intérpretes; e 4) a noção de cultura deste autor
permanece como uma referência importante para pensar o Brasil ao comportar uma
dimensão positiva e dinâmica que lhe permite criar um retrato multifacetado, provisório
e flexível da sociedade brasileira.
13 Retomaremos esta discussão no subcapítulo 2 do capítulo I e no capítulo II. 14 Trataremos deste tema no capítulo II.
22
2. Cultura brasileira e as teorias organizacionais: um diálogo necessário
A cultura brasileira, no pensamento de Fernando de Azevedo (1971a),
comporta a noção de que cada sociedade, em distintos períodos históricos, é capaz de
desenvolver uma síntese dos diferentes e concorrentes valores, idéias, aspirações, gostos
etc. dos grupos que a compõem. Tal síntese pode ou não se institucionalizar, com maior
ou menor sucesso, por um tempo conjunturalmente determinado.
Assim, ela não teria um conteúdo específico, ou seja, não comportaria
nenhuma essência atemporal, porém seria capaz de representar em um dado momento,
de uma formação social determinada, o coletivo na diversidade. Esta interpretação sobre
a cultura brasileira na obra de Fernando de Azevedo (1971a), realizada por nós, parece
não apresentar incompatibilidade com a acepção de Bosi (1999) de que:
[...] não existe uma cultura brasileira homogênea, matriz dos nossos comportamentos e dos nossos discursos. Ao contrário: a admissão de seu caráter plural é um passo decisivo para compreendê-la como um “efeito de sentido”, resultado de um processo de múltiplas interações e oposições no tempo e no espaço (BOSI, 1999, p.7). (Itálico e aspas do autor).
Desse modo, ambas as definições de cultura brasileira – de Azevedo (1971a) e
de Bosi (1999) – parecem férteis para serem relacionadas com as teorias
organizacionais, na medida em que nos possibilitam diretrizes para compreendermos os
comportamentos dos indivíduos e grupos no interior das organizações. Tais
comportamentos, sejam os dos funcionários sejam os dos executivos, são baseados e
motivados por crenças, valores, interesses etc. que se encontram disseminados na
cultura nacional de uma dada sociedade, no caso do Brasil, difundidos na cultura
brasileira.
Destarte, é a cultura que possibilita um referencial que permite aos atores da
sociedade dar um sentido ao mundo e a sua própria existência. Ou seja, a “[...] cultura é
um contexto, onde os acontecimentos sociais, as ações, as instituições ou os processos
podem ser descritos de forma inteligível e com densidade” (GEERTZ, 1989).
As organizações ao fazerem parte da sociedade são também parte de sua
cultura, neste sentido, podemos afirmar que elas expressam subculturas. Reconhecendo
a cultura nacional como um dos fatores na formação da cultura organizacional, Freitas
(1997, p.41) pondera que “[...] cada organização delimita uma cultura organizacional
23
única, gerada e sustentada pelos mais diversos elementos e formas. [...]”. Esta reflexão
de Freitas (1997), no âmbito organizacional, parece inspirar-se nas idéias de Franz
Boas, no campo antropológico. Segundo Boas, as culturas seriam fenômenos
específicos e originais.
Tal aproximação entre as noções destes autores – Freitas (1997) e Boas – não
nos parece arbitrária à medida que se reconhece que grande parte do referencial teórico-
metodológico, dos estudos de cultura organizacional, tomou de empréstimo reflexões e
conceitos nos campos da Etnologia e da Antropologia. Contudo, parece-nos um
equívoco, a compreensão de que esta relação de troca entre as ciências seria um indício
de fragilidade conceitual-metodológica.
Para Azevedo (1971a), é através da cultura que pode-se reconhecer, na
diversidade que caracteriza o Brasil – as conexões que formaram e formam a
mentalidade do povo – ou seja, o coletivo na diversidade dos grupos sociais. A cultura
seria a responsável por manter a unidade da sociedade no espaço, através do tempo,
tendo em vista que é transmitida pela educação. Esta última apesar de ser o lócus de
transmissão das tradições e/ou das consciências coletivas, não deixa de ser também um
produto cultural. De acordo com Toledo (1995), tal definição de educação permite
torná-la um critério daquilo que é essencial em uma sociedade, pois é a partir dela que a
sociedade transmite o que é fundamental para manter-se enquanto organismo social.
Ainda, segundo esta autora (1995), para Azevedo só existe “[...] a possibilidade
de estudar a mudança em uma determinada sociedade se houver uma “unidade” capaz
de lhe explicar a continuidade [...] [tal unidade deve ser buscada] ‘no sistema de valores
incorporado a este grupo’ [...]” (TOLEDO, 1995, p.120, itálico e aspas da autora), isto
é, deve ser procurada na cultura. Assim, para Fernando de Azevedo é a cultura que
expressa o que dá significado e unidade ao organismo social. Soma-se a esta reflexão, a
sua idéia segundo a qual a simples ocorrência de transformações econômicas – sem
mudanças culturais – não significa o progresso em uma sociedade.
Tendo em vista que é a cultura que expressa o que proporciona significado e
unidade ao organismo social, Motta (1997) parte de um conjunto de estudos –
realizados por outros pesquisadores, sobre o comportamento de funcionários e
empresários em diferentes países do mundo – para demonstrar como as culturas
nacionais influenciam nos estilos administrativos. Neste caminho, o autor ao refletir
sobre a cultura e as organizações no Brasil chama-nos a atenção para o aspecto da
distância de poder nas mesmas; entendendo tal distância como a “[...] medida com a
24
qual os participantes menos poderosos das organizações aceitam a distribuição desigual
de poder [...]” (MOTTA, 1997, p.28).
De acordo com Motta (1997), o Brasil apresenta um alto índice de distância de
poder, o qual pode ser entendido levando-se em conta seu passado patrimonialista,
escravocrata, patriarcal, isto é, ao considerarem-se os aspectos da cultura nacional
resultante e, concomitantemente, ressignificadora desta formação social.
Uma avaliação semelhante, a respeito do índice de distância de poder no Brasil
e suas causas, foi desenvolvida no artigo de Wood Jr. (1997). Para este autor, a distância
de poder pode ser compreendida pelo fato da “[...] estrutura social escravocrata ainda
[ser] [...] o modelo cognitivo de referência” de parte apreciável dos atores sociais no
país (WOOD JR.,1997, p.153).
Apoiando-se no estudo de DaMatta (1983), Motta (1997, p.33) explica que no
âmbito das organizações brasileiras, apesar da existência de uma elevada distância de
poder, ocorre algo que não pode ser caracterizado como “[...] democracia, mas também
não é autocracia. Trata-se de algo intermediário, ambíguo, como muitos traços da
cultura brasileira”.
Esta reflexão sobre a ambigüidade da cultura brasileira e seus traços é
resgatada e aprofundada pela pesquisa de Freitas (1997). De acordo com este
intelectual, os traços nacionais consistiriam em um conjunto de características que
seriam freqüentes – porém passíveis de serem ressignificadas – na maioria dos atores
sociais do país; desta maneira, os traços compreenderiam parte do inconsciente de cada
indivíduo, sendo mobilizados por este para enxergar a si próprio como brasileiro.
Na busca por entender os referidos traços, Freitas (1997) estabeleceu uma
análise sobre a cultura brasileira tendo como principais interlocutores os seguintes
intelectuais: Azevedo (1971a) e Bosi (1999)15. No trabalho deste último, Freitas (1997)
encontrou a definição de cultura brasileira que procurou explorar intensamente em seu
artigo: “plural sim, mas não caótica”. Ou seja, para Freitas (1997), a cultura brasileira
compreenderia um mapa de subculturas alicerçado sobre a divisão social do país.
Destaca-se como a principal contribuição de Freitas (1997), para o tema da
relação entre cultura brasileira e cultura organizacional, a sumarização dos traços
brasileiros que seriam influentes na esfera organizacional. Dentre tais traços podemos
observar: 1) a hierarquia, cujas principais características seriam: a tendência à
15 Freitas utilizou outra edição desta obra de Bosi (1999), ou seja, a publicação do ano de 1987.
25
centralização do poder e ao distanciamento nas relações entre os diferentes grupos
sociais, assim como a passividade e a aceitação de grupos inferiores – este traço
apareceu na análise de Motta (1997), acima mencionada, em outro registro: distância de
poder; 2) o personalismo – relações sociais baseadas nas relações pessoais e no domínio
moral e econômico (paternalismo); 3) a malandragem – flexibilidade e adaptabilidade
como estratégias de sobrevivência (jeitinho); 4) sensualismo e 5) aventureiro –
tendência à aversão ao trabalho manual e/ou metódico16.
Para exemplificarmos, de forma extremamente condensada, como um destes
traços poderia ser percebido nas organizações, selecionamos algumas considerações
sobre o personalismo: em uma organização qualquer, o chefe (o superior), ao mesmo
tempo em que é capaz de exercer o controle sobre seu funcionário (o subordinado) –
impondo a este suas ordens – poderia colaborar para realizar algo que seria de interesse
do funcionário; este, por sua vez, ao sentir-se protegido e/ou favorecido pelo chefe lhe
retribuiria com sua lealdade, tem-se assim, o estabelecimento de uma relação
paternalista no cotidiano organizacional.
A interpretação de Freitas (1997), a respeito dos traços nacionais, parece
encontrar um complemento na pesquisa desenvolvida por Prates e Barros (1997), na
medida em que estes autores acrescentaram novos traços – formalismo, impunidade,
flexibilidade etc. – aos já trabalhados por Freitas (1997), e os combinaram para explicar
o que compreenderia o estilo brasileiro de administrar.
Ao realizarem entrevistas, com um grupo considerável de executivos e de
dirigentes no Brasil, Prates e Barros (1997) concluíram que a maioria dos entrevistados
reconhecia a existência dos traços – formalismo, flexibilidade, dentre outros – nas
empresas, independentemente, do fato de tais traços parecerem paradoxais. Isto teria
influenciado estes autores a interpretarem que a forma de existir e de conviver com os
paradoxos e com as ambigüidades da cultura brasileira, nas organizações, consistiria na
“arte brasileira de administrar”. Estas idéias corroboram para aprofundar a interpretação
de Motta (1997), citada anteriormente, de que as culturas nacionais influenciam nos
estilos administrativos dos países.
16 Não nos deteremos, devido à proposta deste subcapítulo, na elaboração de uma interpretação envolvendo o surgimento, desenvolvimento e/ou as conseqüências dos traços gerais da cultura brasileira. Contudo, vale indicar alguns trabalhos que contribuiriam, direta ou indiretamente, para este tipo de abordagem: Azevedo (1971a), Freyre (2000), Holanda (1989), Ortiz (2003), Mota (2002), Bosi (1999), DaMatta (1983), Mello e Souza (2000), Costa (1989), Brookshaw, (1983). Ver referência completa no item Bibliografia.
26
Vale a ressalva que devido ao fato da maioria dos estudos sobre cultura
organizacional ter sido realizada em um tipo específico de organização, ou seja, nas
empresas, a extensão de suas conclusões para os outros tipos de organização
(universidades, sindicatos, ONGs etc.) pode ficar parcialmente comprometida
(BARBOSA, 2002). No entanto, a validade de tais conclusões é assegurada, segundo
Motta (1997), pelo fato de todas as organizações serem influenciadas pela cultura
nacional.
A ponderação de Martins (1997) a respeito da existência de uma espécie de
sincretismo burocrático-patrimonialista, na administração pública brasileira, refere-se à
outra possibilidade de abordagem da ambigüidade da cultura brasileira e de sua relação
com a cultura organizacional; pois contribui para a interpretação a respeito dos traços
nacionais na esfera das organizações, destacando outro registro: o de que tais traços
funcionariam como obstáculos a efetivação da modernização institucional do país.
Dessa forma, o autor define o sincretismo burocrático-patrimonialista enquanto um
processo caracterizado por uma:
[...] modernização dissociativa, onde a construção burocrática [...] [foi] tendencialmente obstaculizada pela política. A conseqüência é que deste processo se obt[eve] uma modernização incompleta, ressabiada, descolada e ressentida da política (MARTINS,1997, p.181).
Por sua vez, o trabalho de Aidar e Alves (1997, p.207-208) nos proporciona
uma análise interessante sobre a cultura organizacional ao destacar que no interior “[...]
de uma organização, os significados somente são partilhados dentro de cada grupo
constituinte, variando conforme os níveis hierárquicos [...]”. Semelhante acepção nos
permite entender a intensidade de um dos problemas enfrentados nas organizações –
sejam elas empresas ou outras: a existência de barreiras na comunicação interna.
Este problema pode ser visualizado quando o grupo de dirigentes (de uma
organização qualquer) procura difundir novos conceitos e/ou novas filosofias
administrativas e não encontra interlocução com o grupo de subordinados, devido às
diferenças existentes entre seus repertórios culturais. Estas diferenças seriam as
responsáveis por dificultarem e, em alguns casos, por impedirem uma comunicação
organizacional satisfatória. Decorre desta situação, a necessidade de se repensar a
27
relação entre os conteúdos das mensagens e os seus veículos de transmissão no espaço
organizacional.
Para uma melhor compreensão deste espaço, faz-se necessário explicitar a
noção de cultura organizacional, até então, subjacente ao longo do texto. Para
satisfazermos a esta demanda, recorremos aos trabalhos de Fleury, Shinyashiki e
Stevanato (1997) e de Barbosa (2002). De acordo com estes autores, a concepção de
cultura organizacional que se tornou clássica foi elaborada por Edgar Schein, que assim
a definiu:
“[...] conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender como lidar com os problemas de adaptação externa e integração interna e que funcionaram bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir em relação a esses problemas” (SCHEIN, 1989 apud FLEURY, SHINYASHIKI, STEVANATO, 1997, p.275). (Aspas dos autores).
De acordo com a análise de Fleury, Shinyashiki e Stevanato (1997, p.275),
Schein (1989) estabeleceu três (3) níveis distintos mediante os quais seria possível
apreender a cultura organizacional: 1) os artefatos visíveis, isto é, a estrutura da
organização – distribuição e quantidade de cargos etc. – e os comportamentos das
pessoas, os quais são de difícil interpretação e de fácil reconhecimento; 2) os valores,
cuja adversidade encontra-se na dificuldade de discernir entre os de fato em uso e os
aparentes e 3) os pressupostos básicos, isto é, os aspectos inconscientes que determinam
a forma de pensar, agir e sentir dos membros do grupo. O terceiro item seria o nível
principal à proporção que atua como base para os outros dois.
Além dos referidos níveis para entender a cultura organizacional, Fleury,
Shinyashiki e Stevanato (1997) reconheceram, na obra de Schein (1989), a existência de
duas características importantes no conceito: “[...] a primeira é a necessidade de pensar
cultura relacionada a uma unidade social e a segunda [é considerar] que há necessidade
de estabilidade do grupo durante algum tempo [...]” (FLEURY, SHINYASHIKI,
STEVANATO, 1997, p.275).
Assim, a cultura organizacional seria a responsável por garantir a existência e a
permanência da organização à medida que ela reiteraria no interior desta “a forma
correta” de perceber, pensar e sentir em relação a seus problemas e soluções. Ao
transpormos tais características para a cultura brasileira, encontramos respaldo no
28
pensamento de Fernando de Azevedo (1971a), pois, para este autor, a responsabilidade
de manter a unidade da sociedade no espaço e no tempo pertence à cultura.
Ao refletirem – a respeito das influências teóricas presentes na categorização
de Schein (1989), sobre a cultura organizacional – Fleury, Shinyashiki e Stevanato
(1997) apontaram para os textos de Kluckhohn (1965)17 e de Bion (1975); e
encontraram, no trabalho deste último, a elaboração do conceito de cultura de grupo. Tal
conceito parece ter inspirado o de cultura organizacional de Schein (1989). Para
entendermos semelhante influência é necessário considerarmos as reflexões de Bion
(1975) sobre os níveis que orientam o funcionamento de um grupo social.
Para Bion (1975), o funcionamento de um grupo resultaria da combinação de
três (3) níveis diferentes: 1) o grupo de trabalho, o qual comporta o objetivo
conscientemente estabelecido e aceito pelo grupo; 2) os pressupostos básicos, os quais
se referem aos padrões de sentimentos, idéias inconscientes compartilhadas pelos
indivíduos, mas que influiriam no comportamento do grupo e 3) a cultura, ou
mentalidade de grupo, a qual compreende tanto a dimensão racional – ou seja, os
objetivos estabelecidos pelo grupo e para o grupo – quanto os conteúdos inconscientes
do grupo.
Tendo em vista que estas noções de Bion (1975) foram desenvolvidas para
entender pequenos grupos e não organizações, Fleury, Shinyashiki e Stevanato (1997)
apontaram que sua assertiva a respeito da cultura de grupo acaba, em última instância,
por imobilizar os conteúdos inconscientes inovadores e, neste caminho, por eliminar ou
obstaculizar a capacidade do grupo de adaptar-se.
Independentemente dos limites sugeridos por Fleury, Shinyashiki e Stevanato
(1997) na reflexão de Bion (1975), Schein (1989) enxerga a obra deste último como
relevante para a compreensão da cultura organizacional; pois no entender de Schein
(1989), as organizações, em uma perspectiva evolucionária, sempre começam enquanto
pequenos grupos. Assim, o reconhecimento de Bion (1975) por Schein (1989) tornou-se
um indicativo da influência metodológica do primeiro nas investigações sobre cultura
do segundo. 17 As seguintes obras, apesar de não terem sido lidas para a artesania desta monografia, tiveram parte de suas idéias utilizadas a partir de referências diretas e indiretas presentes no artigo de Fleury, Shinyashiki e Stevanato (1997). Diante disso, as mesmas serão citadas aqui e não no item Bibliografia: KLUCKHOHN, F. R. Orientações de valor dominantes e variantes. In: KLUCKHOHN, C. MURRAY, H. A personalidade, na natureza, na sociedade e na cultura. Belo Horizonte: Itatiaia, 1965; BION, W. R. Experiências com grupos: os fundamentos da psicoterapia de grupos. Rio de Janeiro: Imago; São Paulo: Edusp, 1975.
29
De acordo com Schein (1989), somente estamos tratando de elementos
culturais quando “[...] conseguirmos observar a repetição de um padrão de respostas,
valores, comportamentos e pressupostos que claramente são compartilhados e que
continuam a ser usados em novas situações [...]” (SCHEIN, 1989, p.121). As pesquisas
de Freitas (1997) e de Prates e Barros (1997), sobre os traços nacionais, constataram a
ocorrência de um padrão nas respostas dos entrevistados, independente das mesmas
comportarem dimensões paradoxais quando pensadas à luz das mudanças ocorridas no
universo organizacional, nas últimas décadas. Esta repetição de um padrão, em
situações novas, nos possibilita classificar os traços como elementos culturais, nos
moldes propostos por Schein (1989).
Ao mencionarmos a dimensão metodológica das pesquisas a respeito da cultura
organizacional, vale destacar que há uma concorrência entre os partidários do método
qualitativo e os do quantitativo. A maioria dos pesquisadores que utiliza o método
qualitativo é irredutível em sua afirmação de que as culturas são únicas, enquanto a
maioria dos que mobiliza o quantitativo defende que existem aspectos generalizáveis na
cultura organizacional (FLEURY, SHINYASHIKI, STEVANATO, 1997). Esta disputa
metodológica nos parece inócua, pois o fato de cada organização apresentar uma cultura
única não exclui a possibilidade da existência de aspectos generalizáveis na mesma.
Assim, apontamos como pertinente a seguinte afirmação: “[...] a coerência
entre a concepção do objeto a ser estudado e a abordagem metodológica a ser adotada
[consiste no] [...] aspecto que deve prevalecer sobre eventuais interesses
circunstanciais” (FLEURY, SHINYASHIKI, STEVANATO, 1997, p.286). Neste
sentido, sugerimos como um caminho frutífero para as investigações, nas diferentes
áreas do conhecimento, a combinação de diferentes métodos; pois este procedimento
permitiria que a fraqueza de um método pudesse ser compensada pela força do outro
etc.
Semelhante reflexão metodológica encontra respaldo no pensamento de
Fernando de Azevedo, particularmente, em suas ponderações sobre a dimensão
empírico-indutiva da Sociologia e seu apoio incontestável ao desenvolvimento e a
consolidação da Estatística no Brasil, nos termos já mencionados no subcapítulo 1.
Grosso modo, o início do século XX expressa o começo da história das teorias
organizacionais. As revoluções industriais (ocorridas na Inglaterra – no século XVIII –
e nos Estados Unidos – no século XIX – e difundidas para outros países, em ritmos
distintos) e as “revoluções sociais” (representadas especialmente pela Revolução
30
Francesa e pela Russa) teriam trazido em seu bojo a necessidade de humanizar o
ambiente organizacional (empresarial). Ou seja, de criar novas estratégias
organizacionais para manter os funcionários sob controle – à medida que eles eram
crescentemente explorados – e ampliar a margem de lucro dos empresários.
Deste modo, a humanização das organizações (empresariais) consistiu, no
início do século XX, em uma espécie de tática, não declarada, para garantir o sucesso
dos empreendimentos ao passo que possibilitava um instrumento para tentar apaziguar
os conflitos, manifestos e/ou latentes nas relações capital-trabalho (CALDAS;
TONELLI; LACOMBE, 2002).
A aproximação entre os estudos da escola de administração científica e os
realizados pela sociologia e pela psicologia, nas primeiras décadas do século, sugeriu
uma abordagem diferente para a proposta de humanizar as organizações (empresariais):
a satisfação tornou-se um elemento definidor do comportamento das pessoas. Esta
sugestão foi aprofundada pela psicologia humanista que, a partir da obra de Abraham
Maslow, passou a intervir na teoria organizacional mediante a idéia de que os seres
humanos seriam motivados por uma hierarquia de necessidades (MARTELLI, 2006).
Tal “teoria da motivação” acabou por contribuir para uma visão do indivíduo
como um todo, ao mesmo tempo, que permitiu considerar, dentro e fora das
organizações, o funcionário como um recurso valioso para as empresas. No entanto, este
reconhecimento não ultrapassou o limite de não problematizar o crescimento da
exploração da mão-de-obra na relação capital-trabalho. Estas concepções, sobre o
indivíduo como um todo e o valor do funcionário para a empresa, serviram para
embasar o que é considerado atualmente como gestão de recursos humanos.
O empregado, nesta visão psicologizante, passou a ser concebido como reativo
e não mais enquanto passivo – como era visto pela escola de administração clássica. De
qualquer modo, a característica que se destacou seja na escola de administração
científica seja na de relações humanas, no começo do século XX, foi o posicionamento
de seus teóricos de ignorarem o problema do conflito no interior das organizações
(empresariais).
Diferentemente da escola de administração científica e da de relações humanas,
os behavioristas teriam admitido a existência de certa dose de conflito entre as
necessidades dos indivíduos e as das organizações. Para estes estudiosos, tal problema
poderia ser solucionado – com certa facilidade – mediante uma posição favorável das
empresas diante das necessidades dos indivíduos. Para Motta (1985), esta interpretação
31
dos behavioristas compreendeu apenas uma forma diferente de fazer o mesmo, isto é,
uma outra maneira de ignorar a existência do conflito.
Ao deslocar a dimensão de conflito, as teorias organizacionais – construídas
pelos pensadores das escolas de administração científica e de relações humanas bem
como pelos behavioristas – estabeleceram uma idéia de funcionário como um ser
universal abstrato, ou seja, desconsideraram suas diferenças étnicas, religiosas, de visão
de mundo etc. Parte da explicação sobre as razões que teriam influenciado tais
construções teóricas – a ignorar as diferenças e os conflitos, fora e dentro do universo
organizacional – pode ser encontrada nos contextos (histórico, político e discursivo) de
suas produções.
Sobretudo nas três primeiras décadas do século XX, constatou-se em diferentes
países uma intensa preocupação com o tema da nação, sua unidade e seu progresso, o
que implicou na ausência de espaços para o reconhecimento da heterogeneidade, a qual
resultasse em uma visão de trabalhador como um ser concreto.
No Brasil, este processo pode ser sumariamente visualizado, ao longo do
subcapítulo 1, ao apontarmos que a partir da década de 1920, os diferentes grupos que
compuseram a sociedade (governos, intelectuais, empresários etc.) buscaram criar –
tanto no discurso quanto na prática – uma nação moderna e coesa. Entendemos que isto
teria influenciado os intelectuais – de matizes políticas e teóricas diversas – a
elaborarem explicações dos problemas brasileiros, nas quais a dimensão de conflito
permanecesse latente.
Como um contraponto a estas concepções que enfatizaram a harmonia, a
interação e a cooperação, os teóricos estruturalistas passaram – especialmente, a partir
da década de 1950 – a trabalhar com categorias de análise que explicitavam o conflito, a
concorrência etc. entre os diversos grupos sociais. Merton (1968) e Etzioni (1984) são
exemplos de pesquisadores que afirmaram o conflito e a competição como dimensões
estruturais do modelo capitalista, isto é, que reconheceram o conflito como algo inerente
às relações sociais, sobretudo, as relações produtivas.
No Brasil, os teóricos da escola paulista de sociologia e outros grupos de
intelectuais realizaram análises com abordagem semelhante às de Merton (1968) e de
Etzioni (1984). Tais teóricos contribuíram interna e externamente para expandir e
legitimar o emprego do conceito de classes sociais, a partir deste período (décadas de
1960 e 1970). Assim, o referencial marxista passou a ser mobilizado por parte dos
sociólogos brasileiros para interpretar as mudanças e seus entraves nas relações entre os
32
países desenvolvidos e subdesenvolvidos; bem como no interior de tais países,
inclusive, diante do advento da Terceira Revolução Industrial.
Iniciada na década de 1970, a Terceira Revolução possibilitou uma nova etapa
no processo de globalização, as contradições do capitalismo foram difundidas,
ampliadas e atualizadas: aumentou-se a produção nos diversos setores econômicos – em
virtude do emprego crescente da tecnologia e de seus constantes e rápidos avanços – e,
ao seu lado, manteve-se a divisão dos países em desenvolvidos e subdesenvolvidos.
Apesar da maior e melhor comunicação entre os distintos territórios, possibilitada pela
tecnologia, conservaram-se explícitas as desigualdades social e simbólica entre os e no
interior dos diferentes países.
Ao lado das lutas políticas – por ampliação e efetivação dos direitos, presentes
na década de 1960, nos países europeus e nos Estados Unidos e, na de 1980, no Brasil,
com a transição da ditadura para a democracia – desenvolveu-se, nas duas últimas
décadas do século XX, um processo crescente e generalizado de fragilização das
referências sociais, religiosas, políticas, culturais etc. Isto tem implicado em uma
elevação, sem precedente, do sentimento de insegurança dos indivíduos em relação ao
seu presente e, mais ainda, em relação ao seu futuro18.
A idéia de crise parece ter se tornado o baluarte dos atores sociais em distintos
países, independente de sua posição no sistema capitalista mundial/global
(desenvolvidos ou subdesenvolvidos). Insegurança e crise se tornaram assim
importantes conseqüências da modernidade para os diversos agrupamentos humanos
(GIDDENS, 1991). Vivemos, argumentava Giddens (1991) na última década do século
XX, em uma época marcada pela desorientação, pela sensação de que não
compreendemos plenamente os eventos sociais e que perdemos o controle. Nesta
primeira década do século XXI, sugerimos que este sentimento de incerteza se
intensificou e que o Brasil não está imune a este processo.
A modernidade transformou as relações sociais e também a percepção dos
indivíduos e coletividades sobre a segurança e a confiança. Sendo a modernidade
“inerentemente globalizante”, para usarmos as palavras de Giddens (1991), ela nos
impõe a necessidade de entendermos a globalização. Esta, de forma geral, comporta um
18 Um teórico que trata do tema da insegurança é Bauman (2004), ver referência completa no item Bibliografia.
33
processo caracterizado por transformações contraditórias e universalizantes que são
responsáveis por reconfigurarem tanto a tradição quanto a própria modernidade.
No âmbito organizacional, parte dos dirigentes e dos funcionários reage ao
sentimento de incerteza, de desorientação – nos termos expostos por Bauman (2004) e
Giddens (1991) – agarrando-se aos atores e as idéias que possam se apresentar, ao
menos momentaneamente, como alicerces seguros para orientarem a construção e
manutenção de suas identidades; mas que, além disso, satisfaçam a condição de
portadores do estandarte da modernidade.
Inicia-se assim – no interior das organizações – um processo de reprodução das
referidas idéias e de submissão aos líderes19, os quais forem reconhecidos como capazes
de efetivá-las. É este o momento em que “[...] as organizações modernas se vêem [no
sentido da imagem que criam e recriam para si e para os outros] como as novas
catedrais” (M. FREITAS, 1997, p.298).
De acordo com M. Freitas (1997), as organizações, assim como a sociedade
possuem um conjunto de ideais que as orientam. Partindo desta constatação, a autora
expõe como problemático a utilização da cultura organizacional para induzir – parte do
quadro funcional da organização – a enxergá-la enquanto uma alternativa para satisfazer
seus anseios pessoais por reconhecimento, por segurança e por identidade.
Para M. Freitas (1997), as organizações ao colaborarem para a difusão e
consolidação da idéia do “sempre mais, sempre mais” – como motor da existência dos
indivíduos – transformam a cultura em um perverso instrumento de controle, pois ela
passa a estimular desejos e expectativas que são fontes de novos desejos e de novas
expectativas, os quais não encontrarão meios de serem satisfeitos. Neste contexto, a
cultura organizacional se torna um instrumento político.
Esta interpretação de M. Freitas (1997) nos assegura vislumbrar na cultura
organizacional sua dimensão de poder, a qual se manifesta, em particular, quando as
organizações atuam para reduzir o conceito de identidade, tornando a si próprias uma
fonte de reconhecimento e, a partir disto, conseguem definir a realidade para seus
membros.
19 Na temática da liderança há vários caminhos alternativos ao da submissão aos líderes; apesar de reconhecermos a relevância de uma abordagem que contemple tais caminhos, a mesma não será satisfeita nesta monografia. Uma obra interessante para tal abordagem é: NOGUEIRA, M. A. Um Estado para a
sociedade civil. Temas éticos e políticos da gestão democrática. São Paulo: Cortez, 2004.
34
Diferentemente do repertório teórico que permanece, no contexto da
globalização – valorizando os conceitos de modernização e de transformação como
fundamentais para compreender as organizações latino-americanas – as autoras Calás e
Arias (1997) expressam a necessidade de deslocarmos tais conceitos e assumirmos em
seu lugar o de hibridização.
De acordo com Calás e Arias (1997), o conceito de hibridização consiste em
um “[...] outro discurso possível (e bastante provisório) – localizado especificamente no
contexto do pós-modernismo latino-americano – para a teorização sobre as organizações
latino-americanas” (CALÁS, ARIAS, 1997, p.320).
O referido contexto seria caracterizado pela substituição dos modelos
explicativos de modernização e de dependência pelas novas preocupações com a
identidade, a subjetividade e a heterogeneidade cultural etc. (CALÁS, ARIAS, 1997).
A definição de hibridização, de Calás e Arias (1997), torna-se interessante na
medida em que nos permite, de um lado, dialogar com os teóricos da cultura brasileira e
seus traços e, de outro, conversar com os estudiosos das teorias organizacionais, no
seguinte registro: a cultura brasileira – síntese provisória, composta por traços
paradoxais – é capaz de inspirar o surgimento de culturas organizacionais expressivas
destes paradoxos; semelhantes definições de cultura requerem um arranjo conceitual
bastante flexível, tal condição pode ser satisfeita pelo conceito de hibridização.
Este conceito, em virtude de sua flexibilidade, possibilita uma espécie de chave
explicativa para a afirmação e a negação da transição dos “antigos” modelos para as
“novas” preocupações. Ou seja, favorece uma maneira criativa de estruturar e
compreender os laços entre o moderno e o tradicional, o estrangeiro e o nacional/local
etc., ao mesmo tempo, em que passa a ser desafiado por eles.
Calás e Arias (1997, p.323) compreendem que “[...] o conceito de hibridização
não tem a durabilidade de uma identidade fixa.” No entanto, enxergam sua potência
heurística ao assegurar o desenvolvimento de uma interpretação flexível, transitória,
apenas, conjunturalmente, aceita.
De acordo com Calás e Arias (1997), o grande desafio para os estudiosos das
teorias organizacionais é modificar os limites disciplinares que eles próprios se
colocaram, no processo de definição e de aplicação de suas abordagens teórico-
metodológicas. Assim, ao longo de seu trabalho, as autoras buscaram provocar e
convidar seus leitores a ousar, ou seja, a aventurar-se a pensar e a agir de modo
diferente frente ao objeto do conhecimento.
35
Ao voltarmos nosso olhar para a cultura brasileira e para sua influência sobre a
cultura organizacional, neste subcapítulo 2, ousamos problematizar a relação entre
ambas; acreditando estar assim contribuindo para o desenvolvimento de um repertório
cultural flexível, que fosse capaz de elucidar parte das interpretações e dos problemas
vivenciados pelas organizações no país.
Diante do exposto, ao longo do capítulo I, qual seria então a importância de
conhecermos a cultura brasileira para administrarmos as organizações no país? Uma
resposta plausível, mas arriscada, consistiria em apontar que semelhante conhecimento
nos possibilitaria algumas pistas para compreendermos a cultura organizacional e, a
partir disso, orientarmos – ao menos, minimamente – as mudanças no interior das
organizações.
36
CAPÍTULO II
CULTURA ORGANIZACIONAL, GESTÃO DE PESSOAS E HUMANISMO
Tendo em vista que a história do conceito de cultura organizacional pode ser
dividida em três fases diferentes: primeira (iniciada em 1960); segunda (compreendida
entre 1980 até meados de 1990) e terceira (a partir de metade da década de 1990 aos
dias atuais) – segundo Barbosa (2002) –mantivemos, neste capítulo II, a mesma
abordagem do conceito contemplada ao longo do capítulo I, ou seja, não trabalhamos
com a noção de cultura organizacional na sua terceira fase.
A razão de nossa escolha e de sua permanência justificou-se em virtude do fato
da definição, presente na referida fase, se distanciar da preocupação a respeito de como
gerir a cultura e, passar a concentrar-se, de acordo com Barbosa (2002), sobre como
medi-la.
Partindo deste apontamento, realizamos, no subcapítulo 1, uma reflexão
envolvendo os obstáculos que circundam a tarefa de “administrar” pessoas. Desse
modo, buscamos dialogar com os conceitos de cultura organizacional, gestão pela
cultura e identidade, inquirindo-os para a compreensão dos temas da mudança e da
integração nas organizações.
No subcapítulo 2, desenvolvemos uma discussão acerca dos modelos de gestão
de pessoas e das reflexões de Fernando de Azevedo a respeito do humanismo. Portanto,
buscamos compreender, de forma ensaística, em que medida a noção de humanismo
poderia contribuir para responder ao desafio de gerir pessoas. Neste caminho,
abordamos, particularmente, o livro Na batalha do humanismo: aspirações, problemas
e perspectivas, de Azevedo (196720), a obra de Alves (2004), intérprete deste autor
sobre o assunto; bem como a coletânea organizada por Fleury et al. (2002), a qual
discorre sobre a gestão e o comportamento das pessoas na organização.
Outro aspecto que norteou este subcapítulo foi a observância da ressalva
segundo a qual as cogitações de Azevedo sobre o humanismo não foram nem
construídas, nem utilizadas por ele, ou por seus intérpretes, para pensar a temática da
gestão.
20 Adotamos na monografia a segunda edição desta obra, revista e ampliada.
37
1. Mudança, identidade e integração nas organizações: o desafio de gerir pessoas
De forma geral, com o termo cultura organizacional, os teóricos da
administração visaram demonstrar a relevância da esfera simbólica para o mundo das
organizações, em particular, para as empresas. Neste sentido, estes pesquisadores
difundiram a noção segundo a qual os interesses, as idéias, os desejos, os valores, os
sentimentos etc. das pessoas agiam sobre seus comportamentos no meio organizacional
bem como eram influenciados pelo mesmo.
Este reconhecimento tornou a cultura uma espécie de chave para compreender
e, a partir disso, para tentar coordenar as ações dos diferentes atores no interior das
organizações, visando, por um lado, obter sua melhoria e, por outro, alcançar os
resultados esperados, sem, no entanto, a necessidade de recorrer a quaisquer
mecanismos explícitos de coerção.
Ao tornar-se capaz de satisfazer a tais objetivos, a cultura organizacional
legitimou-se como um importante instrumento de intervenção na realidade
administrativa. Sua influência também pode ser reconhecida por sua capacidade em
estimular, na esfera organizacional, os fatores como a criatividade, o aprendizado, a
habilidade de adaptação à mudança, dentre outros (BARBOSA, 2002).
No decorrer deste processo, uma das questões que permeou e permeia o
imaginário dos teóricos da cultura organizacional pode ser formulada da seguinte
maneira: a cultura seria uma espécie de variável produzida pela organização ou seria
trazida de fora por seus membros? Esta indagação, ao contrário do que sugere, não
encerra um dilema, pois tais idéias não se contrapõem. No entanto, requer uma melhor
compreensão, uma vez que, os termos de sua formulação parecem estar equivocados.
Um caminho proposto para elucidar tal questão seria reconhecer que a cultura
organizacional não se trata de uma variável. Tal conceito compreende uma espécie de
metáfora para acessarmos o produto simbólico resultante das variáveis (recrutamento,
estilos de liderança, sistemas de recompensas, configuração de valores e, de suas
relações) que conformam à organização; bem como uma alternativa conceitual para
entendermos a dimensão simbólica que envolve esta última como parte da sociedade.
Neste sentido, a noção de cultura organizacional nos possibilita trabalharmos com
analogias recorrendo às categorias de mito, rito, herói, dentre outras, para explicarmos
as relações produtivas dentro do ambiente organizacional.
38
Ao abordarem o conceito de cultura organizacional como uma simples
variável, os estudiosos do tema parecem ter se inspirado em uma concepção enrijecida
de cultura, ou seja, em uma noção que obstaculizou que enxergassem no conceito uma
maneira de acessar a realidade. O que, por sua vez, pode ter colaborado para que a
aplicação deste conceito se tornasse desacreditada no âmbito administrativo, no final da
década de 1960.
A hipótese que norteia esta idéia de descrença pode ser expressa da seguinte
forma: parte das organizações, no decorrer da mencionada década, teria tentado aplicar
em sua prática cotidiana uma orientação teórica que, por sua definição limitada (a
cultura como uma variável), seria responsável por reduzir o horizonte dos funcionários,
gerando como conseqüências, de um lado, um caminho inócuo para entender os
comportamentos destes atores e, de outro, um instrumento ineficiente para influenciá-
los.
Esta avaliação negativa, a respeito das possibilidades do conceito de cultura,
sofreu uma alteração na década de 1970. Neste período, o Japão – país que teve sua
economia destruída, durante a experiência da Segunda Guerra Mundial – ressurgiu
como um dos expoentes da Terceira Revolução Industrial. Diante da surpreendente
recuperação japonesa, os Estados Unidos21 – uma das grandes potências econômicas da
época e um dos principais representantes dos estudos organizacionais – passaram a
enxergar na cultura a explicação para o sucesso do Japão; haveria então entre estas
sociedades e, entre suas respectivas organizações, um diferencial cultural.
De certo modo, a necessidade de entender o sucesso japonês colaborou para
reabilitar o conceito de cultura para a análise do universo organizacional; este tipo de
abordagem teria se consolidado no decorrer da década de 1980. Enquanto no período
seguinte, as organizações se caracterizariam pelo aprofundamento da dimensão
instrumental do referido conceito.
O processo de instrumentalização da cultura, no ambiente organizacional –
particularmente a partir de meados de 1990 – resultou no estímulo crescente de valores
como competitividade, iniciativa, versatilidade etc. Tais valores contribuíram para a
elevação do nível de estresse dos gestores e dos funcionários, dentro e fora do trabalho.
21 País responsável pelo uso da tecnologia atômica contra o Japão e, consequentemente, pelo massacre desta sociedade, no contexto da Segunda Guerra Mundial.
39
Paralelo a este processo, aprofundou-se outra conseqüência da modernidade: a
intensificação do sentimento de insegurança – nos termos de Bauman (2004) – isto
devido, dentre outros fatores, a “[...] uma ênfase maior [...] dada à responsabilidade
individual tanto na sua própria situação de vida como do mundo que habitamos”
(BARBOSA, 2002, p.44). Assim, “[...] a heterogeneidade, a fragmentação e a
complexidade do mundo do trabalho combinam-se com o aumento da insegurança, da
instabilidade e do estresse nesse campo” (FLEURY, 2002, p.129).
De acordo com Barbosa (2002), na primeira década do século XXI: “[...]
[v]alores, normas, símbolos, mitos, ritos, estruturas participativas, [...] visão holística do
ser humano etc. são, hoje, categorias presentes nos discursos, análises e políticas
gerenciais [...]” (BARBOSA, 2002, p.47). Semelhante incorporação pela esfera
organizacional nos revela uma outra forma das organizações se enxergarem e, ao
mesmo tempo, de vislumbrarem o mundo no qual atuam.
Todavia, estas mudanças no discurso e na prática das organizações carecem de
avaliações22, as quais precisarão alargar seu horizonte a fim de evitarem interpretar este
processo apenas como um novo instrumento de exploração.
Assim, apresenta-se como um desafio reconhecer que houve um duplo
processo: o extravasamento da lógica empresarial para a sociedade e a incorporação da
sua agenda social e política pelas organizações modernas. Contudo, vale a ressalva de
que este intercâmbio precisa ser estudado com cuidado, pois se as transformações nas
organizações não serviram simplesmente para as atualizarem como “devoradas do fator
humano”, certamente, também não as tornaram “centros de humanismo”.
Para compreendermos este quadro de mudanças talvez seja sugestiva a reflexão
de Calás e Arias (1997) e seu conceito de hibridização – nos termos apontados no
capítulo I. Tal noção possibilitaria uma maneira criativa de estruturar e compreender os
laços entre o moderno23 – que pode ser expresso, de forma resumida, pela incorporação
da agenda social e política da sociedade na organização – e o tradicional – o qual pode
ser representado, de maneira sintética, pela continuidade da exploração do trabalhador
nas relações produtivas – seja no Brasil seja em outros países latino-americanos.
22 Estas não poderão ser aqui sequer ensaiadas, para evitarmos o distanciamento do objeto de estudo proposto pela monografia. 23 Reconhecemos que o significado de moderno transcende a incorporação da agenda social e política da sociedade na organização, porém trabalhamos com esta interpretação para satisfazermos à argumentação proposta. Procedimento similar foi realizado com o significado de tradicional.
40
É preciso considerar que qualquer organização que se coloque o desafio de
implantar na prática seus objetivos terá que resolver o dilema que a envolve, isto é, a
“[...] coordenação das vontades, dos interesses, das diferentes perspectivas, das
inteligências e do conhecimento de seus membros” (BARBOSA, 2002, p.50).
Em outros termos, a organização precisará olhar para sua cultura e para a
relação entre esta e a cultura nacional – no caso do Brasil, para a cultura brasileira –
com uma visão ampla, flexível, capaz de descobrir na cultura um meio para acessar a
realidade simbólica e, então, atuar sobre ela, sem, contudo, ambicionar controlá-la.
De acordo com Ceitil (1990), a gestão pela cultura se desenvolve como um
instrumento para responder a necessidade da organização hodierna de efetivar seus
objetivos frente às mudanças externas e internas. Assim, a gestão pela cultura consiste
em:
[...] uma técnica [...] que serve uma nova imagem de empresa como comunidade social, [...] [ou seja, como] o lugar da criação de consensos, de negociação e de compromisso e mesmo como um novo pólo de identidade social [...] (CEITIL, 1990, p.10).
Apesar desta definição de Ceitil (1990) condensar uma estratégia interessante
ao voltar-se para a solução de possíveis conflitos – no interior da organização – e para a
garantia de eficiência na administração, ela precisa ser considerada com cautela,
principalmente, em sua dimensão de “novo pólo de identidade social”.
Para problematizarmos a supracitada dimensão, mobilizamos as concepções de
M. Freitas (1997) sobre os ideais organizacionais, nos moldes tratados no capítulo I. De
acordo com esta autora, a organização ao se colocar como um “novo pólo de
identidade” corre o risco de estar estimulando desejos e expectativas que não poderá
atender, pois os anseios pessoais por reconhecimento, por segurança, por identidade etc.
escapam à esfera organizacional e são, continuamente, ressignificados e potencializados
pela sociedade.
Afirma Ceitil (1990, p.11) que não há organizações sem conflitos de interesses
e que gerir exige a constituição de uma identidade coletiva. Corroboramos,
parcialmente, com esta afirmação do autor, pois apesar de reconhecermos que a
dimensão conflituosa é inerente às organizações, entendemos que a proposição de criar
uma identidade coletiva, enquanto uma exigência para gerir, necessita de maior
precisão. Se a identidade não possuir uma dimensão flexível, isto é, capaz de se
41
reestruturar a partir das mudanças resultantes dos diferentes contextos, ao contrário da
idéia do autor, ela poderá converter-se em um obstáculo para a gestão.
No entanto, independente desta ressalva, Ceitil (1990) parece acreditar que a
identidade coletiva funcionaria como um alicerce para o desenvolvimento de uma
espécie de ordem negociada, na esfera organizacional. Em outras palavras, a identidade
se apresentaria como uma condição para o funcionamento da organização, na medida
em que compreenderia uma aceitação explícita ou tácita – por parte dos diferentes
indivíduos e/ou grupos – para desenvolverem comportamentos orientados e, com isto,
atingirem as metas estabelecidas.
Diante destas ponderações, Ceitil (1990) conclui que a gestão pela cultura:
[...] constitui-se [...] como um poderoso instrumento de diagnóstico e intervenção nas organizações, seja através do desenvolvimento de um melhor clima organizacional e do restabelecimento dos valores sub-culturais e dos vínculos de identidade que poderão trazer novas sinergias às [organizações], seja através do desenvolvimento de práticas de formação [...] (CEITIL, 1990, p.12).
Esta definição de gestão pela cultura favorece a noção de cultura
organizacional, presente na obra de Schein (1989), à medida que ela contempla a
necessidade de um diagnóstico para conhecer os sentimentos, os valores, as idéias, os
comportamentos etc. vigentes e, somente a partir disso, propor intervenções no âmbito
organizacional. Tais intervenções realizar-se-iam nas práticas de formação assim como
na reorientação das variáveis que moldam a organização (recrutamento, sistemas de
recompensas etc.).
Além da imbricação entre os conceitos de gestão pela cultura e cultura
organizacional, apontada nos termos acima, faz-se preciso considerar a relação entre
este último e o conceito de identidade. O estudo de Lopes e Reto (1990) – ao dialogar
com a história do conceito de cultura organizacional – privilegia tanto a noção de gestão
pela cultura quanto a de identidade. De acordo com estes autores (1990, p.35) figuram
entre os principais responsáveis por invocar “[...] expressamente o conceito de
identidade para explicar comportamentos dos grupos profissionais ou representações
colectivas da [organização] [...]”, os nomes de Sainsaulieu, Larçon e Reitter.
Para uma exemplificação sintética dos resultados deste tipo de enfoque – ou
seja, do emprego do conceito de identidade para análise do meio organizacional –
selecionamos um dos referidos autores: Sainsaulieu. Segundo Lopes e Reto (1990), um
42
desdobramento do estudo desse intelectual foi a constatação de que as condições de
trabalho e a própria estrutura institucional influenciavam na auto-estima do funcionário,
em sua visão de mundo, enfim, em sua identidade enquanto ator social.
Este reconhecimento tornou-se fundamental à medida que nos permitiu
compreender o espaço organizacional também como um “[...] lugar d[e] criação de
pertenças diversificadas ou mesmo antagônicas. [...]” (LOPES, RETO, 1990, p.36). Isto
é, entender este espaço como uma expressão da pluralidade de subculturas e de
identidades. Semelhante reflexão conduziu-nos a considerar como um problema central
a questão da integração interna.
Apesar de importantes, tais considerações parecem não ter contribuído para
esclarecer sobre as diferenças entre os conceitos de cultura organizacional e de
identidade da organização. Entendendo tal diferenciação como algo relevante, Lopes e
Reto (1990) se propuseram a realizá-la. Para embasar sua análise, eles recorreram aos
trabalhos de Laçon e Reitter (1979)24 e de Ramanantsoa e Reitter (1985)25, dentre
outros; porém, em seu caminho argumentativo, Lopes e Reto (1990) acabaram por
enfatizar os limites das definições presentes nas obras desses autores.
De acordo com Lopes e Reto (1990), em ambos os estudos, o conceito de
cultura apareceria como passível de conter principalmente aspectos divergentes,
enquanto o de identidade postularia basicamente a noção de coerência. A limitação
destas definições torna-se algo evidente, pois, para além da dimensão de divergência, o
conceito de cultura comportaria a noção de convergência e, o de identidade, a de
incoerência.
É ainda no trabalho de Lopes e Reto (1990) que encontramos uma acepção de
cultura que dialoga com a noção de identidade de forma crítica: “[...] cultura tanto pode
na prática recobrir totalmente o [conceito] de identidade, como designar realidades
antagônicas, ou ainda caracterizar situações em que a diversidade cultural é a condição
da própria identidade” (LOPES, RETO, 1990, p.42).
Assim, resulta deste estudo a seguinte diferenciação: cultura é um conceito
mais amplo que identidade, ou seja, é capaz de englobar identidade e auxiliar em sua 24 LARÇON, J. P.; REITTER, R. Structures de pouvoir et identité de l’entreprise. Paris: Editions Fernand Nathan, 1979. As referências a esta obra são indiretas, isto é, ela não foi consultada. Decorre disso sua ausência no item Bibliografia. 25 RAMANANTSOA, B.; REITTER, R. Pouvoir Politique – Au dela de la culture de l’entreprise. Paris: McGraw Hill, 1985. As referências a esta obra são indiretas, isto é, ela não foi consultada. Decorre disso sua ausência no item Bibliografia.
43
compreensão. Por outro lado, identidade é um conceito importante para entendermos a
cultura, pois dialoga com a dimensão simbólica que pode ser fixada (mesmo que
temporariamente), propiciando desse modo, maior inteligibilidade para o processo de
construção e de reconstrução de significados.
É no contexto de elaboração e re-elaboração dos significados que um dos
dilemas vivido pela organização moderna se faz presente. Tal dilema decorre do fato da
organização ser impelida a mudar constantemente e ter que assegurar,
concomitantemente, sua integração interna, isto é, ser:
[...] obrigada a fomentar a inovação e a participação dos actores individuais e dos grupos (gerando conflitos de interesses e sub-culturas) e ao mesmo tempo te[r] que instituir mecanismos de integração flexíveis através da gestão do simbólico, de forma a criar uma identidade [...] [organizacional] única que permite a existência de uma ordem negociada (LOPES, RETO, 1990, p.47-48).
A preocupação de Lopes e Reto (1990) – em desenvolver uma tipologia
organizacional e a partir dela refletir sobre as formas de gerir pela cultura – pode
contribuir para elucidar o supracitado dilema: mudar a organização assegurando sua
integração.
Nesta perspectiva, apoiando-se no trabalho de Morgan (1986)26, Lopes e Reto
(1990) sugerem, de forma resumida, a existência de três (3) tipos de organização e,
respectivamente, de três (3) maneiras de pensar a gestão pela cultura: 1) organização de
tipo radical (expressa uma diferenciação irreconciliável entre os pólos de produção e de
gerência, sendo o primeiro submetido ao poder do segundo, neste tipo organizacional
não há espaço para a gestão pela cultura); 2) organização de tipo unitária (enfatiza a
idéia de equipe integrada, resultante da ação do líder que busca construir internamente
uma homogeneidade cultural fictícia – nesta dimensão ilusória encontra-se o ponto
fraco da gestão) e 3) organização de tipo pluralista (reconhece a existência de conflitos
de interesses de indivíduos e/ou de grupos e de subculturas distintas, apresenta como
mecanismo de gestão a negociação).
Considerando que gerir consiste na “[...] arte de mobilizar e de agrupar [...] [a]
inteligência coletiva (de todos e de cada um) ao serviço do projecto da empresa”
(LOPES, RETO, 1990, p. 56); dificilmente um tipo organizacional diferente do
26 MORGAN, G. Images of Organization. Sage Publications, 1986. As referências a esta obra são indiretas, isto é, ela não foi consultada. Decorre disso sua ausência no item Bibliografia.
44
pluralista e, de seu mecanismo de gestão (a negociação), seria capaz de reconhecer e de
lidar com o antagonismo e com a heterogeneidade, sem comprometer a existência de
uma “identidade organizacional forte”; ou seja, teria a capacidade de mudar a
organização e, ao mesmo tempo, manter sua integração interna.
Guardando as devidas proporções, a vinculação entre a capacidade de gerir
organizações marcadas pelo antagonismo e a de construir uma identidade
organizacional forte pode ser encontrada na obra de Fernando de Azevedo como
construtor institucional. Este intelectual seja em suas reformas educacionais, seja em
sua atuação no campo cultural brasileiro (em instituições como IBGE, USP, Cia.
Editora Nacional, Centro Regional de Pesquisas Educacionais – CRPE/SP, dentre
outras) sempre buscou conciliar a preocupação de administrar de forma eficiente e
elaborar uma identidade para a organização.
Mediante estas considerações, podemos aproximar a visão dos referidos
autores (Azevedo, Lopes e Reto) sobre gestão e gestão de pessoas27, pois para eles gerir
compreende a arte de mobilizar todo o corpo organizacional a serviço do projeto da
organização. No entanto, a despeito desta aproximação, é preciso ponderar sobre o
“lugar” de onde Fernando de Azevedo escreve.
Este autor não reflete sobre as teorias organizacionais como um estudioso da
temática e, sim, enquanto um intelectual que foi também um administrador preocupado
– nos contextos das décadas de 1930, 1940, 1950 e 1960 – em contribuir para a
modernização do Brasil sem abdicar de assegurar a manutenção da unidade nacional.
Em outros termos, trata-se de um autor que em virtude de seu autodidatismo pode
tornar-se um conhecedor da escola de administração científica bem como da de relações
humanas e que, a partir de sua prática, elegeu como alguns de seus principais temas o
papel da cultura e o das elites (das lideranças).
A relação entre os conceitos de gestão pela cultura e de liderança é
contemplada pela obra de Lopes e Reto (1990) assim como pelo estudo de Schein
(1989), sob a seguinte perspectiva: a liderança compreende um processo a partir do qual
a cultura organizacional se forma e é modificada. Seguindo este raciocínio, Lopes e
Reto (1990, p.90) afirmam que “[o] líder, fundador ou não, terá sempre um papel activo
27 Ao nos remetermos a Fernando de Azevedo, o conceito de gestão de pessoas pode soar anacrônico seja em virtude de sua temporalidade, seja por este intelectual utilizar o vocábulo administração, no entanto, as idéias que compõem o conceito de administração, nos textos deste autor, encontram-se próximas à definição moderna de gestão, daí o anacronismo ser apenas aparente.
45
na criação da cultura [...]”, ao ser o responsável por elaborar e por guiar os valores da
organização.
Estes autores também salientam que o fato da cultura organizacional, ser
produto da negociação entre os atores sociais, não desloca o papel decisivo do líder na
definição dos seus parâmetros. Outro aspecto a ser considerado é que o reconhecimento
da função da liderança e da função da cultura, no meio organizacional, encontra
respaldo tanto na obra de Schein (1989) quanto no pensamento de Fernando de
Azevedo.
Para Lopes e Reto (1990, p.71, aspas dos autores): “[...] as organizações
confrontam-se na sua necessidade de mudança cultural com ‘resíduos’ culturais
dominantes nas fases anteriores. [...] [Tais fases] dão origem a um verdadeiro mosaico
de subculturas”. A noção de mosaico é sugestiva por nos permitir vislumbrar de forma
definida cada subcultura ou cada vestígio desta e, simultaneamente, nos proporcionar
uma visão de síntese das mesmas. E, mais, por nos possibilitar entrever as confluências
das identidades, ou de alguns de seus aspectos, para a permanência da integração
organizacional.
Esta concepção da cultura enquanto síntese não parece estranha a Fernando de
Azevedo, particularmente, em sua reflexão sobre a cultura brasileira – nos moldes
apresentados no capítulo I. Ao entender a cultura brasileira como uma síntese flexível
dos diferentes e concorrentes valores, idéias, aspirações, gostos etc. dos grupos que
compõem a sociedade, este autor parece reconhecê-la como um mosaico de subculturas.
Assim, a relevância – seja da definição de síntese, seja da visão de mosaico –
para compreendermos o funcionamento das organizações é reafirmada ao
considerarmos o apontamento segundo o qual, nestas, “[...] a crescente complexidade do
meio interno e externo, permite e exige o aparecimento de lógicas culturais
diversificadas, as quais por sua vez necessitam de uma nova síntese cultural
integradora” (LOPES, RETO, 1990, p.111).
Estas lógicas culturais diversificadas – ou melhor, estas subculturas – são
definidas a partir dos seguintes termos: custos, tecnologia, clientes e colaboradores. Em
outras palavras, o maior ou o menor destaque oferecido a cada uma destas categorias
(custos, tecnologia etc.) significa uma configuração cultural determinada na
organização, a qual pode comportar tanto vantagens quanto desvantagens.
No caso de uma configuração cultural submetida à valorização da subcultura
custos, por exemplo, haveria o domínio dos setores de finanças, produção e comércio,
46
em detrimento dos demais. Semelhante domínio poderia consistir em uma vantagem em
mercados fortemente competitivos e de fraca tecnologia; no entanto, caso esta
orientação se tornasse obsessiva, a vantagem poderia se converter em desvantagem e
possibilitar a degradação do meio organizacional interno. Neste contexto, torna-se
inteligível a afirmação segundo a qual:
[...] as diferentes sub-culturas geram núcleos identitários particulares, com base nos saberes profissionais ou nas funções, elas geram igualmente níveis muito diferenciados de poder para cada um dos grupos que compõem a organização (LOPES, RETO, 1990, p.73).
Diante da existência de diferentes níveis de poder no interior da organização,
advindos dos distintos núcleos identitários, a construção de uma ordem negociada se
coloca como indispensável para assegurar uma unidade na diversidade. Para que tal
unidade seja efetivada faz-se preciso conhecer a organização, isto é, realizar um
diagnóstico da mesma; somente assim torna-se plausível discernir seus limites e
possibilidades.
Uma reflexão a respeito de como estruturar o diagnóstico pode ser encontrada
na obra de Lopes e Reto (1990). Estes autores com o propósito de responder a esta
demanda se apoiaram no livro de Bate (1984)28. O referido livro caracterizou-se por
uma preocupação em criar um conjunto de parâmetros descritivos a partir dos quais
fosse possível desenhar o perfil de cada organização.
Neste caminho, Bate (1984) elaborou seis (6) “[...] traços culturais mediadores
daquilo que [ele] designa por ‘coligações inconscientes’ entre os atores sociais de uma
organização [...]” (LOPES, RETO, 1990, p.82, aspas dos autores). Seria a combinação
variável deste conjunto de traços –impersonalidade, dependência, reserva,
conservadorismo, isolamento e antagonismo – que permitiria delinear a organização.
Entendemos que estes parâmetros descritivos (impersonalidade, dependência
etc.) se expressam nas variáveis da organização – recrutamento, estilos de liderança,
sistemas de recompensas e configuração de valores – permitindo assim elucidá-la. No
entanto, reconhecemos que os referidos parâmetros e variáveis alcançam uma maior
inteligibilidade – para o estabelecimento de um diagnóstico organizacional preciso – ao
28 BATE, P. The impacto of organizational culture on approches to organizational problem solving. In: Organization Studies, 1984. As referências a esta obra são indiretas, isto é, ela não foi consultada. Decorre disso sua ausência no item Bibliografia.
47
serem relacionados aos traços nacionais como o formalismo, o personalismo, a
flexibilidade etc. – nos termos apontados no capítulo I, a partir das obras de Freitas
(1997) e Prates e Barros (1997).
Sem a observância dos traços nacionais, parece-nos que os parâmetros poderão
implicar em um diagnóstico de difícil compreensão e, consequentemente, em uma
intervenção insatisfatória, pois se limitarão a enfocar a organização como algo isolado
dos diversos contextos que a envolvem, influenciam e são influenciados por ela
(histórico, político, econômico, social etc.).
Resultam deste subcapítulo os seguintes apontamentos para pensarmos sobre o
dilema de mudar a organização e assegurar a sua integração: 1) o desafio de gerir
envolve a capacidade de reconhecer e de lidar com o antagonismo e com a
heterogeneidade nas organizações; 2) identidade forte não é sinônimo de estagnação
organizacional, pois o processo de criação, manutenção ou de questionamento da
identidade é um dos responsáveis por nos permitir acessar a construção e/ ou a
reconstrução de significados no interior das organizações; 3) o diálogo entre a cultura
organizacional e a nacional é imprescindível para a gestão da organização
(principalmente para gerir as pessoas que a compõe), uma vez que a torna
compreensível e 4) o sucesso da mudança organizacional pressupõe a construção de um
diagnóstico no qual a organização seja vista internamente, assim como, em sua relação
com a sociedade.
48
2. Modelos de gestão de pessoas e o humanismo na obra de Fernando de Azevedo
Toda organização requer o desempenho das pessoas para alcançar o sucesso, o
que, por sua vez, implica na necessidade de desenvolver uma maneira de influenciar
seus comportamentos. A forma de satisfazer a este imperativo convencionou-se
denominar de modelos de gestão de pessoas (FISCHER, 2002).
Ao longo da história destes modelos surgiram quatro (4) categorias: 1)
departamento pessoal, 2) gestão do comportamento, 3) gestão estratégica e 4) vantagem
competitiva. Sendo que cada uma delas procurou identificar padrões de comportamento
coerentes com a organização em foco e, a partir disso, buscou produzi-los, mantê-los ou
modificá-los segundo os interesses da organização, em um determinado contexto.
De acordo com Fischer (2002), tanto os referidos modelos de gestão quanto o
desempenho das pessoas são condicionados por fatores internos e externos a
organização. Dentre os fatores internos, o autor destaca a estrutura e a cultura
organizacional – sendo esta última caracterizada por influenciar e por ser influenciada
pelo modelo de gestão. Em relação aos fatores externos, Fischer (2002) os divide em
dois (2) tipos: os provenientes da sociedade (a legislação, a cultura de trabalho etc.) e os
advindos do mercado.
Para este autor, o primeiro tipo definiria “[...] os limites até os quais a
organização e seus gestores podem decidir e agir na configuração de suas políticas e
práticas de gestão” (FISCHER, 2002, p.15). Enquanto o segundo seria o responsável
por estabelecer o perfil de competências exigido pela atividade na qual a organização
atua; bem como por determinar os comportamentos organizacionais que contemplam tal
perfil. Contudo, vale a ressalva que o comportamento organizacional não compreende
um:
[...] produto direto de um processo de gestão, mas o resultado das relações pessoais, interpessoais e sociais que ocorrem na [organização]. [Assim a] [g]estão de pessoas significa orientação e direcionamento desse agregado de interações humanas (FISCHER, 2002, p.16).
Ao apontar que o comportamento organizacional resulta das relações pessoais,
interpessoais e sociais que incidem na organização, Fischer (2002) postula a
possibilidade de o influenciarmos mediante a observância e a atuação dos e nos
componentes formais dos modelos de gestão de pessoas. De acordo com este autor, tais
49
componentes “[...] se defin[iria]m por princípios, políticas e processos que interferem
nas relações humanas no interior das organizações” (FISCHER, 2002, p.17).
Assim, explica Fischer (2002), os princípios equivaleriam aos valores que
conformam o modelo de gestão e são adotados na esfera organizacional. As políticas
condensariam a delimitação dos objetivos a serem alcançados pela organização.
Enquanto os processos compreenderiam tanto os princípios quanto as políticas. Ou seja,
consistiriam na materialização de ambos e se expressariam como estratégias de
recrutamento, planos de carreira e de salário, de capacitação e de sucessão, avaliações
de desempenho etc. Desse modo, a cada modelo de gestão de pessoas corresponderia
uma configuração diferente dos referidos componentes.
O primeiro modelo de gestão de pessoas existente denominou-se departamento
pessoal. Ele foi instituído nos Estados Unidos, no final do século XIX, “[...] quando ‘os
empregados se tornaram um fator de produção cujos custos deveriam ser administrados
tão racionalmente quanto os custos dos outros fatores de produção’” (FISCHER, 2002,
p.19-20, aspas do autor). Destarte, o modelo de departamento pessoal se diferenciou dos
subseqüentes por gerenciar os funcionários como custos.
O desenvolvimento do segundo modelo de gestão vincula-se ao contexto dos
anos de 1920. Neste período, iniciou-se uma espécie de descompasso entre a prática das
indústrias e a teoria organizacional vigente (a escola de administração científica), pois
esta última – ao encontrar-se voltada para a organização e não para as pessoas na
organização – ficou impossibilitada de responder de forma satisfatória as
transformações ocasionadas no mundo do trabalho; tais como: o crescimento da
politização dos trabalhadores, o surgimento de sindicatos atuantes, o avanço tecnológico
etc.
O referido desequilíbrio entre teoria e prática foi reconhecido pelos teóricos
organizacionais que passaram a incorporar, paulatinamente, em suas reflexões a
psicologia humanista. Tal processo implicou em uma nova fase da história da
administração de recursos humanos, a qual se distinguiu por estabelecer como foco
primordial para a análise e, consequentemente, para a intervenção, o comportamento das
pessoas. Neste contexto, principiou-se o segundo e mais influente modelo de gestão:
gestão do comportamento, o qual se “[...] articul[ou] em torno dos binômios
envolvimento-motivação, fidelidade-estabilidade e assistência-submissão” (FISCHER,
2002, p.23).
50
De forma geral, entre a década de 1930 e a de 1960, foram expoentes deste
modelo de gestão – bem como concorrentes entre si – os behavioristas e os teóricos da
escola de relações humanas. Não obstante suas diferenças conceituais, ambos os grupos
de estudiosos apresentaram em suas análises tanto o reconhecimento da influência da
psicologia quanto a postura de ignorar a existência de conflitos de interesses nas
organizações.
De acordo com Fischer (2002), um dos resultados mais significativos deste
período foi a diferenciação entre o conceito de administração de pessoal e o de gestão
de recursos humanos e, a conseqüente substituição do primeiro pelo segundo, no final
da década de 1960. Para este autor, o primeiro conceito caracterizou-se por uma visão
burocrática da atividade organizacional, enquanto o segundo por dialogar com as idéias
de flexibilidade, adaptabilidade, integração dos empregados etc.
A partir da década de 1970, desenvolveu-se e legitimou-se um novo critério de
efetividade para a gestão de pessoas: a busca de orientação estratégica para as políticas e
práticas de recursos humanos. Tal critério se consolidou ao longo dos anos de 1980, e
deu início ao terceiro modelo de gestão: a gestão estratégica. Este modelo atendeu ao
advento do acirramento da competitividade entre as organizações e, com isto, significou
uma resposta à necessidade de uma nova dinâmica para a gestão de pessoas.
Dentre os representantes do terceiro modelo destacaram-se os teóricos da
reengenharia de processos. Tais estudiosos foram os responsáveis por deslocar o
enfoque do comportamento organizacional e centrá-lo nos resultados. Esta preocupação
em focar os processos em resultados produziu um novo papel para a gestão de
pessoas29: possibilitou que o modelo de gerir deixasse de ser genérico e prescritível e se
tornasse, cada vez mais, um elemento de diferenciação entre as organizações.
Outra tendência, a partir deste período, foi a articulação do modelo de gestão
de pessoas por competências30. No final da década de 1980, estabeleceu-se a crença na
capacidade das competências organizacionais para desenvolverem um novo espaço de
competição, ao invés de apenas lutarem por uma melhor inserção no existente.
Semelhante aposta pautou-se no resgate da “fé” nas competências humanas enquanto
um diferencial competitivo. Diante deste quadro, desenvolveu-se o quarto modelo de
29 Semelhante enfoque consistiu na principal contribuição da reengenharia para o tema da gestão de pessoas. 30 Para aprofundar a discussão sobre competência ver: ZARIFIAN, P. O modelo de competência. São Paulo: Senac, 2002.
51
gestão – vantagem competitiva – e recuperou-se o comportamento humano como uma
dimensão fundamental para a gestão.
No artigo de Albuquerque (2002), a expressão vantagem competitiva pode ser
lida em outro registro, ou seja, enquanto ativos intangíveis. Para este autor, é a partir da
construção destes ativos, através das competências organizacionais – alicerçadas nas
competências humanas – que se promove uma especificidade de difícil imitação. No
entanto, permanece uma lacuna nesta discussão: falta esclarecer o que se entende por
competência.
De certa maneira, o estudo de Fleury (2002) responde a esta demanda e, ao
mesmo tempo, favorece a interpretação de Albuquerque (2002) a respeito do emprego
deste conceito. Assim para Fleury (2002, p.57), a noção de competência consiste na
“[...] capacidade de combinar, misturar, integrar recursos em produtos e serviços” na
esfera organizacional.
Partindo destas considerações, torna-se aceitável a afirmação segundo a qual:
[...] o recurso mais valioso das organizações em um cenário de mudanças e crescente complexidade são as pessoas [...]. [Isto é, ] [s]ão as pessoas o ponto de partida e de sustentação para a ação estratégica da organização em seu dia-a-dia (FLEURY, OLIVEIRA JUNIOR, 2002, p.133).
Decorre deste apontamento, que as organizações são compostas por pessoas
(com suas idiossincrasias etc.) e não simplesmente por recursos; e que ignorar este
aspecto pode resultar na inadequação das organizações para responderem de forma
satisfatória aos desafios postos, seja pelo mercado, seja pela sociedade.
Dentre os desafios, destaca-se a gestão da mudança. De acordo com M. Fischer
(2002), “[...] a mudança [organizacional] tem de ser conceituada, concebida e
gerenciada como um processo de transformação contínua”31 (M. FISCHER, 2002,
p.151). Tal transformação necessita ser planejada e implantada “[...] com instrumentos
que assegurem sua internalização nas esferas mais íntimas da organização” (M.
FISCHER, 2002, p.152). Portanto, o desafio de mudar envolve a indagação sobre como
31 É esta a definição de mudança que adotamos ao longo da presente monografia, todavia, reconhecemos que há uma distinção proposta pelos teóricos organizacionais entre os conceitos de mudança e de transformação. Tais teóricos vinculam este último à noção de aperfeiçoamento contínuo, negando semelhante dimensão ao conceito de mudança. Independente desta faceta, tais conceitos são tratados como sinônimos no texto.
52
mudar, ou seja, abrange a questão de como estabelecer o modo mais adequado de
promover a mudança.
Neste caminho, faz-se preciso reconhecer que o como mudar:
[...] passa, necessariamente, pelo desenvolvimento das pessoas, pela capacidade que elas têm e querem disponibilizar para compreender e internalizar os valores da mudança, transformando-os em práticas organizacionais que concretizem o desejo de transformação (M. FISCHER, 2002, p. 154).
Para Fernando de Azevedo, a internalização dos valores da mudança e a sua
conversão em práticas organizacionais requerem, além da vontade dos indivíduos e de
um planejamento bem elaborado, o reconhecimento da vigência de dois (2) tipos de
idéias nas organizações: as idéias tecnológicas e as não-tecnológicas. Com esta
diferenciação, o autor procura esclarecer parte das razões pelas quais algumas idéias são
incorporadas com facilidade, em detrimento de outras, na esfera organizacional.
Azevedo nos explica que as idéias tecnológicas, em função de sua utilidade
prática, encontram certa disposição dos indivíduos para absorvê-las. As não-
tecnológicas, por outro lado, enfrentam forte resistência ao colocar em xeque os valores,
sentimentos e concepções dos indivíduos sobre eles próprios; bem como a respeito da
sociedade, ou seja, por questionar suas identidades.
A preocupação em compreender o processo de criação, transmissão e
apreensão da cultura organizacional e, sua ação sobre o comportamento, encontra-se
atrelada à definição dos parâmetros para a efetivação da mudança organizacional. Nesta
perspectiva, entender a forma como a cultura é mantida ou transformada torna-se uma
condição vital para o gerenciamento da organização assim como da mudança
(SHINYASHIKI, 2002).
Outro aspecto fundamental para a continuidade da organização refere-se ao
processo de socialização organizacional, o qual comporta, basicamente, as relações
interpessoais no trabalho. Ao refletir sobre o assunto, Shinyashiki (2002) destaca no
conceito de socialização a capacidade de produzir certa uniformidade entre os diferentes
membros, isto é, a de assegurar certo grau de controle sobre os comportamentos dos
indivíduos e dos grupos no ambiente organizacional. Enfim, a de conformar as relações
interpessoais em seu interior.
A abordagem de Shinyashiki (2002) sobre socialização, pode ser aproximada
da definição de educação presente na obra de Fernando de Azevedo (1962a). Para este
53
intelectual, educação e socialização são termos intercambiáveis. Assim, a educação é
definida como um amplo processo de socialização, responsável por garantir a
transmissão do que se compreende como essencial para a continuidade da sociedade, e,
por este viés, para a de suas organizações.
Seja no estudo de Azevedo (1962a), seja no artigo de Shinyashiki (2002), o
indivíduo aparece, a um só tempo, como socializado e socializador. Isto é, considera-se
que o indivíduo possa tanto incorporar os valores, as idéias, os comportamentos etc., em
voga – e, neste sentido, sofrer um processo de aculturação, assumindo o papel de
socializado – quanto modificá-los, atuando assim, como um socializador. Deste modo,
os termos socializado e socializador correspondem a duas faces da mesma “moeda”, ou
melhor, a duas identidades distintas.
Para Shinyashiki (2002, p.172), a identidade social compreende a “[...] parte
socializada do self” que é apropriada pelo indivíduo em seu processo de interação com
outros. Partindo desta idéia, o autor argumenta que a identidade é poderosa por ser
capaz de condensar a definição de uma entidade (que pode ser um indivíduo, um grupo
ou uma organização). Neste caminho, reconhece que a força deste construto social
advém da possibilidade destas entidades responderem à questão sobre quem são e para
onde pretendem ir.
De certo modo, o surgimento das universidades corporativas (UC) – como um
novo modelo para a educação superior, no Brasil e no exterior – vincula-se a uma das
estratégias das organizações empresariais para responderem ao desafio a respeito de
para onde ambicionam ir. Semelhante resposta permite a elaboração de uma nova
identidade organizacional a qual é premida, de um lado, por um contexto de acirrada
concorrência e complexidade, inclusive tecnológica. E, de outro, por um histórico de
precários investimentos na qualificação e na formação da força de trabalho – quadro
comum vivenciado por vários países da América Latina, dentre eles, o Brasil.
Tem-se assim, que o desenvolvimento das UC compreende tanto um
instrumento para que as organizações empresariais obtenham pessoas qualificadas,
quanto para que experimentem mudanças culturais em seu interior (EBOLI, 2002). No
entanto, é preciso ponderar que este modelo de universidade motivou um conjunto de
críticas no âmbito nacional e internacional. Apesar de não adentrarmos no universo das
mesmas, faz-se imprescindível apontar que as UC atualizaram a questão da existência
de uma desarticulação entre os diferentes níveis de ensino no Brasil – o fundamental, o
54
médio e o superior – e as exigências e expectativas da sociedade e do mercado em
relação à educação.
De acordo com Eboli (2002), a criação das UC trouxe também em seu bojo a
discussão sobre a importância dos recursos tecnológicos para os sistemas educacionais,
especialmente, ao apoiar-se na modalidade de educação à distância. As UC
reconheceram nesta modalidade um dos principais instrumentos para possibilitar um
ambiente organizacional mais ativo, contínuo e compartilhado.
De certa forma, as conquistas na esfera educacional – resultantes do avanço e
do emprego da tecnologia – têm contribuído para que uma parcela considerável dos
teóricos organizacionais se posicione de forma acrítica em relação às modalidades de
ensino alicerçadas em seu uso. Com isto, tais estudiosos parecem ignorar o fato de que
as “[...] ações e [os] programas educacionais não são neutros com relação ao modelo
social e cultural vigente nas organizações, muito menos no que diz respeito às relações
de poder” (EBOLI, 2002, p.206) no seu interior e na sociedade.
Independente desta crítica, Eboli (2002) destaca que o aparecimento das UC:
[...] abre possibilidades concretas de transformar em realidade o velho sonho da integração escola-empresa, mas sem dúvida exige o amadurecimento da postura de ambas para que, ao mesmo tempo em que se estabeleça uma relação de intensa cooperação, também seja preservada a essência do papel de cada uma delas [...] (EBOLI, 2002, p.212-213).
É no debate em torno do estabelecimento do papel de cada uma destas
instituições (escola e empresa), assim como dos parâmetros de sua parceria, que Eboli
(2002) se remete ao nome de Fernando de Azevedo. Para esta autora, Azevedo consistiu
em um pioneiro cultural indispensável para um país como o Brasil, que intensificava
sua construção institucional a partir da década de 1930. De acordo com Eboli (2002),
Azevedo foi um defensor incansável da necessidade de se estabelecer a parceria entre
escolas e empresas, pois enxergava nesta, uma oportunidade para a política educacional
contribuir efetivamente para o desenvolvimento social e econômico do país.
Todavia, o papel de Fernando de Azevedo como um importante organizador da
cultura, administrador e construtor institucional pode ser vislumbrado para além do
período mencionado (conforme já destacamos no capítulo I). As preocupações deste
autor – com a criação de um aprendizado dinâmico (no qual o aluno fosse um indivíduo
ativo e o professor um orientador), participativo (que promovesse e respeitasse, dentre
55
outros aspectos, a necessidade de parcerias entre a escola e demais instituições,
inclusive, com as empresas); bem como capaz de incorporar os avanços tecnológicos –
o tornaram sintonizado com a elaboração e com a implementação (parcial, em virtude
das conjunturas política, social e econômica) de um sistema educacional moderno no
Brasil.
No processo de idealização deste sistema, se sobressaiu a atenção de Azevedo
para com a formação integral dos indivíduos. Ou seja, Azevedo consistiu em um
pioneiro ao tratar da discussão sobre o homem integral nos anos de 1960, pois tal tema
somente será incorporado ao repertório da teoria das organizações nos anos posteriores.
Segundo este intelectual, assegurar semelhante integralidade perpassava a necessidade
de compreender o indivíduo como um ser plural, isto é, como um possuidor de
diferentes dimensões (biológica, psicológica e social). Já a oportunidade para o
desenvolvimento destas dimensões encontrava-se, de acordo com Casado (2002a), no
ambiente organizacional. Casado (2002a) aprofunda este debate ao afirmar que:
[s]omente integrando a visão interna e externa do homem nas organizações é que se poderá perceber e intervir nos fenômenos organizacionais, compreendendo em que medida organizações, grupos e indivíduos podem fundir seus objetivos, muitas vezes conflitantes, em algo que traga sentido à relação ser humano-empresa (CASADO, 2002a, p. 245).
As discussões a respeito do homem integral e do papel do gestor na
organização propiciam significado à relação ser humano–empresa. Casado (2002a,
2002b), apesar de participar de ambas, se destaca na segunda. Nesta, a autora aponta
que compete à figura do gestor identificar o que norteia os comportamentos dos
funcionários – de maneira que parte significativa da energia presente em cada um deles
possa ser orientada para a organização; bem como esclarece que a motivação é
concebida como um fator intrínseco, ou seja, que ela consiste em uma espécie de
impulso ou de necessidade gerada no interior de cada pessoa, cabendo ao gestor tentar
criar as condições para sua mobilização.
É neste contexto que adquire sentido a definição de liderança como “[...] um
processo no qual o líder busca, sob a influência e a aceitação do próprio grupo, o
alcance de metas e objetivos específicos através d[a] mobilização, motivação,
informação e comunicação [...]” (LIMONGI-FRANÇA, ARELLANO, 2002, p.267).
56
Um conceito que tem colaborado para o entendimento sobre como ocorre a
aceitação do líder por parte do grupo e de como se instituem as relações de poder nas
organizações é o de cultura organizacional, proposto por Fleury (1990). Esta autora
adota como ponto de partida a definição de cultura estabelecida por Schein (1989), e a
complementa com a explicitação da dimensão política. Desse modo, o conceito de
cultura organizacional passa a designar:
[...] um conjunto de valores e pressupostos básicos expresso em elementos simbólicos, que em sua capacidade de ordenar, atribuir significações, construir a identidade organizacional, tanto agem como elemento de comunicação e consenso, como ocultam e instrumentalizam as relações de dominação (FLEURY, 1990, p.22).
Diante do reconhecimento de que a cultura organizacional também é capaz de
ocultar e de instrumentalizar as relações de dominação, presentes nas organizações,
Fleury (1990) nos desafia a pensarmos sobre a exeqüibilidade de um ambiente
organizacional propício ao desenvolvimento mútuo dos indivíduos, dos grupos e da
organização. Para responder a este desafio, mesmo que parcialmente, faz-se preciso
estabelecer como uma premissa a visão integral de ser humano. Esta visão pode ser
encontrada nas reflexões de Fernando de Azevedo sobre o humanismo.
O humanismo é um dos temas centrais no pensamento de Azevedo, porém
encontrar-se disperso em sua produção até a publicação do livro intitulado Na batalha
do humanismo (1967)32. Esta obra expressa a preocupação do autor em sistematizar
suas idéias sobre o assunto.
De acordo com Alves (2004)33, a concepção de humanismo de Azevedo
aparece tanto em seu discurso filosófico, quanto no educacional/científico, e se
caracteriza por resgatar os valores humanos universais que eram considerados, por ele,
como essenciais em uma sociedade industrial.
Segundo Alves (2004), o humanismo precisa ser entendido como um
movimento histórico, de um lado, responsável por reconhecer o homem em sua
totalidade (corpo e alma) e reivindicar para ele o prazer, a liberdade e a supremacia
perante a natureza, e, de outro, por estabelecer o valor humano das letras clássicas.
32 Este trabalho compreende uma coletânea que abrange as conferências realizadas por este intelectual de 1944 até 1961. 33 Intérprete de Fernando de Azevedo sobre o tema do humanismo.
57
Ainda de acordo esta autora, o humanismo compreendeu um movimento no qual
emergiu a valorização do homem nos diferentes campos do conhecimento (Filosofia,
Antropologia, Psicologia, Sociologia, Educação etc.), no decorrer dos séculos XVIII,
XIX e XX.
No Brasil, os reflexos desta valorização foram sentidos de forma mais
contundente a partir da terceira década do século XX. Neste período, a tradição do
humanismo foi ressignificada por uma parcela dos teóricos educacionais, que passou a
enxergá-la como uma possibilidade de fornecer subsídios para as demandas de uma
sociedade em processo de modernização. Fernando de Azevedo foi um destes teóricos e
se tornou porta-voz do que ficou conhecido como humanismo moderno ou científico no
Brasil. Este humanismo foi amplamente difundido pelos intelectuais da escola nova34.
Para Alves (2004), a filosofia de base humanista de Azevedo foi elaborada no
contexto do Inquérito sobre a Educação – uma pesquisa realizada por ele em 1926 – e se
desdobrou em experiências práticas. Uma destas experiências consistiu na política
educacional implantada no Distrito Federal em 1927, momento no qual Azevedo
assumiu o cargo de Diretor da Instrução Pública, conforme já mencionado no capítulo I.
Para fundamentar politicamente sua filosofia e estabelecer uma melhor
definição sociológica dos fins da educação, Azevedo se aproximou das reflexões de
Émile Durkheim, John Dewey, Ortega y Gasset etc. o que lhe possibilitou
redimensionar o papel da cultura clássica35 para a educação; bem como adequá-lo para
satisfazer as exigências de uma sociedade em mudança, como a brasileira, a partir da
Revolução de 1930.
Com isto, Azevedo buscou enfatizar a transmissão de um saber científico,
técnico e socialmente útil; capaz de contemplar tanto a defesa da educação popular
quanto a da formação das elites do país. Neste contexto, elaborou um projeto
educacional no qual a escola foi concebida como um elemento dinâmico, criador e
orientador das atividades e das energias; ou seja, um instrumento para transmitir e
34 Grosso modo, o movimento da escola nova desencadeou-se no Brasil, a partir da década de 1920, e se caracterizou pela renovação dos referenciais teóricos educacionais, inclusive, pela defesa dos princípios de gratuidade e laicidade no ensino público. Teve enquanto principais expoentes Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, dentre outros. 35 Para Alves (2004), Azevedo vislumbrava na cultura romana um modelo para o pragmatismo que ele concebia como necessário à sociedade industrial, em gestação no Brasil. De acordo com esta autora, foi através deste viés, que Azevedo estabeleceu a valorização das letras clássicas.
58
efetivar um novo ideal às novas gerações: o princípio da escola comum para todos e o
da escola do trabalho.
Este segundo princípio norteou a proposta de construção de um ensino
profissional a partir do qual o aluno aprendesse pelo e no trabalho, e, mais, no qual
imperasse a idéia de cooperação entre alunos e professores. Deste modo, pode-se sugerir
que este princípio consistiu:
[...] em um meio de articular a aquisição daqueles valores universais às necessidades particulares e sociais, importantes para a formação de um homem adequado às exigências da sociedade da época e de seu desenvolvimento, em termos econômicos e culturais (ALVES, 2004, p.46).
Segundo Alves (2004), a concepção de humanismo de Fernando de Azevedo
adquiriu maior organicidade com a publicação do Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova, em 193236. Para esta autora, o humanismo expresso no Manifesto
buscou relativizar a ênfase fornecida por Azevedo à formação profissional. Diferente
desta interpretação de Alves (2004), o humanismo azevediano parece ter se preocupado
em unir ambas as dimensões – humana e profissional – tanto em seu discurso quanto em
sua política educacional.
Portanto, o humanismo de Fernando de Azevedo caracterizou-se pelo
predomínio da idéia de que era “[...] preciso fazer homens antes de fazer instrumentos
de produção”37, mas que “o saber fazer”, que envolve esta última, também era
fundamental para os atores de uma sociedade em processo de modernização. Dessa
forma, sua definição de humanismo estava voltada para a criação do homem de seu
tempo, buscando responder as dificuldades postas por um país em mudança.
Segundo Azevedo (1962a, 1967), o papel da educação – e, em particular, o da
universidade – vincula-se a continuidade da sociedade e de suas organizações, ou seja, à
capacidade de adaptação destas frente às mudanças. Neste caminho, Azevedo salienta
que a universidade deveria voltar-se para o aluno médio, dosando seus currículos para
que este ator social obtivesse a base cultural indispensável para o seu futuro
aprimoramento profissional.
36 Azevedo foi, além de signatário, o redator deste documento. 37 AZEVEDO, F. A reconstrução educacional no Brasil. Ao povo e ao governo. O Manifesto dos pioneiros da Educação Nova. São Paulo: Melhoramentos, 1932.
59
Desta maneira, esta instituição deveria funcionar como um centro de estudos
dedicado aos progressos das ciências e à formação de professores; isto é, destinado a
despertar o espírito científico e a cultivá-lo, mediante o estímulo da curiosidade e do
gosto pela investigação (ALVES, 2004). Assim, diferente do quadro resultante da
desarticulação entre os níveis de ensino no Brasil – apontado anteriormente por Eboli
(2002) – o modelo de universidade, proposto por Azevedo, poderia contribuir para
atender a parte considerável das exigências e das expectativas da sociedade e do
mercado em relação à educação no país.
Seja na obra de Azevedo (1967) seja na interpretação de Alves (2004), o
humanismo é considerado um movimento histórico que ao atravessar os séculos – não
propiciou, muitas vezes, respostas diretas aos problemas diagnosticados nas diferentes
sociedades, mas – permitiu o desenvolvimento de um escopo adequado para a
valorização do ser humano como um ser integral; isto é, como um ser capaz de elevar-se
de suas particularidades e alcançar o interesse geral – este, entendido enquanto produto
histórico de uma determinada sociedade.
Para Alves (2004), o humanismo na concepção de Azevedo refere-se a:
[...] um conjunto de elementos que agem entre si, entre os quais podemos citar a ética, moral, cultura científica, corpo e mente em perfeita harmonia; [...] [ou seja, trata-se daquilo que tornará o homem apto] para atuar na sociedade com senso crítico-reflexivo, de maneira a colocar em prática as suas aprendizagens na vida cotidiana (ALVES, 2004, p.97).
Assim, o humanismo de Azevedo pode auxiliar o ser humano a evoluir à
medida que contribui, através da educação, para instaurar uma nova mentalidade e uma
nova postura, as quais seriam perpassadas por valores universais de solidariedade e de
cooperação capazes de colaborar para o combate às mazelas do individualismo. Diante
destas considerações, é possível então sugerirmos que o humanismo seria, na
compreensão de Azevedo, a medida racional para conferir universalidade ao seu projeto
político-educacional para o Brasil.
Semelhante concepção do humanismo – ao ser elaborada, de forma sistemática,
no contexto da Segunda Guerra Mundial – evidencia a intenção deste intelectual em
posicionar-se contrariamente tanto ao processo de desumanização – vivenciado por
diferentes atores sociais no Brasil e, principalmente, no exterior – quanto ao
autoritarismo reinante naquela conjuntura histórica e política; e, ao mesmo tempo,
60
explicita o seu intuito de rebater, em âmbito interno, as críticas dos intelectuais
católicos, dirigidas às reformas educacionais realizadas por ele e por outros
representantes da escola nova no país.
Decorre do exposto, a pertinência da afirmação de Alves (2004), segundo a
qual o discurso de Fernando de Azevedo sobre o humanismo e o papel da educação:
“[...] foi produzido na e para uma época, num contexto determinado, e a pretensão de
sua universalidade tem um sentido estratégico, politicamente legitimador, no meio
acadêmico ao qual se destina [...]” (ALVES, 2004, p.99). No entanto, a coerência deste
apontamento de Alves (2004), não obscurece o mérito de Azevedo em ter sido um
crítico do autoritarismo e da desumanização vigentes, no país e no exterior, naquela e
em outras conjunturas.
Deste modo, o fundamento humanista do discurso político-educacional de
Azevedo consistiu no reconhecimento da possibilidade de se estabelecer uma sintonia
entre a sociedade – caracterizada por um crescente processo de industrialização e de
urbanização – e a idealização e implantação de um projeto político pedagógico que
fosse marcado pelo respeito à individualidade e aos valores humanos universais
(ALVES, 2004). Portanto, o humanismo de Azevedo permite forjar uma filosofia e uma
política educacional realistas, capazes de atender, simultaneamente, de forma
pragmática e teórica, a modernização e a democratização da sociedade brasileira
(ALVES, 2004, p.106).
No entanto, é importante considerar que o humanismo azevediano ao mesmo
tempo em que é concebido como uma aspiração à perfeição humana, torna-se o
conjunto de meios necessários para atingi-la. Em outros termos, o humanismo
compreende tanto o produto de uma educação humanizadora quanto o instrumento
educativo para se alcançar um modelo ideal de ser humano e de sociedade.
De acordo com Alves (2004), o humanismo científico de Azevedo – ao
apropriar-se de forma sui generis das fontes sociológica (Durkheim) e filosófica
(Dewey) – contempla:
[...] a totalidade da existência do indivíduo [na sociedade brasileira e mantém] [...] do humanismo clássico a formação humana em sua integralidade, por intermédio da aquisição da cultura historicamente acumulada, mas [requer] que a supere, integrando a ela os avanços da ciência e da tecnologia, sem restringir-se a eles, e sim incorporando-os [de modo que a cultura seja] [...] necessária [...] [ao] momento
61
histórico e a uma visão geral, ética, acerca de seu uso em benefício da humanidade (ALVES, 2004, p. 116).
Satisfazer a esta concepção de humanismo consiste em sintonizar o ideal de
formação humana ao de qualificação profissional para o mercado, entendendo que
ambos não são incompatíveis e, sim, complementares. Nesta perspectiva, Azevedo
constrói uma definição de humanismo científico que harmoniza a qualificação
profissional e a formação espiritual, isto é, que faz dialogar ciência e filosofia. Nesta
noção de humanismo, a educação continua sendo o instrumento a partir do qual as
mudanças sociais e organizacionais podem se efetivar.
As reflexões de Fernando de Azevedo sobre o humanismo – e sua difusão por
meio da educação – nos possibilitam uma visão integral de homem (formação
profissional e espiritual) que nos impulsiona a enxergarmos os atores organizacionais
não como recursos e, sim, enquanto pessoas, em sentido pleno, ou seja, com suas
potencialidades, limites, esperanças, frustrações, histórias de vida, interesses,
habilidades etc.
Neste sentido, tais considerações nos permitem apurar nossa sensibilidade para
sermos capazes de vislumbrar a necessidade e o modo de mobilizarmos as pessoas nas
organizações. Isto é, de criarmos, no âmago de cada uma delas, as condições para que
elas se motivem a mudar e, ao mesmo tempo, sintam vontade de colaborar para a
transformação do grupo ao qual pertencem – setor de produção, de gerência, de finanças
etc. – atuando, desse modo, para a mudança da organização como um todo.
A observância destes apontamentos de Azevedo não representa nosso
reconhecimento da necessidade, tampouco nosso estímulo à criação de um quinto
modelo de gestão de pessoas – por exemplo, a “gestão humanista” – porém expressa o
entendimento de que é fundamental enxergar e respeitar o ser humano em sua
integralidade, dentro e fora das organizações.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A concepção de cultura brasileira de Fernando de Azevedo – considerada um
paradoxo aos olhos de outros intérpretes – lhe possibilitou responder a demanda do
governo por uma identidade nacional, nas décadas de 1930 e 1940 e, ao mesmo tempo,
fornecer diretrizes para compreendermos os comportamentos dos indivíduos e dos
grupos no interior das organizações, para além do período mencionado. Na visão deste
intelectual, a cultura tornou-se responsável pela coesão da sociedade no espaço, ao
longo do tempo, por expressar e por permitir explicar o que proporciona significado
para a continuidade do organismo social.
A constatação de que as idéias, os desejos, os valores, os sentimentos etc. das
pessoas agiam sobre seus comportamentos no meio organizacional – inclusive,
moldando este último e vice-versa – assegurou à cultura converter-se em uma espécie
de chave para compreender, e, a partir disso, para tentar coordenar – sem quaisquer
mecanismos explícitos de coerção – as ações dos diferentes atores no interior das
organizações. Na busca por conformar estas ações, construiu-se os diferentes modelos
de gestão de pessoas, os quais foram sumariamente abordados no presente texto.
Nas imbricações entre a cultura brasileira e a cultura organizacional, verificou-
se que a concepção de cultura brasileira de Azevedo orientou, de forma implícita ou
explícita, os estudos de Motta (1997), Freitas (1997) – assim como, os de outros
teóricos organizacionais – preocupados em apontar e demonstrar como as culturas
nacionais influenciavam nos estilos administrativos. Neste caminho, elaboraram-se
reflexões sobre os traços nacionais (personalismo, formalismo, flexibilidade etc.),
destacando seus obstáculos e suas possibilidades para o processo de modernização
institucional do país.
A noção de cultura organizacional foi concebida como uma espécie de
metáfora para acessarmos o produto simbólico resultante das variáveis – recrutamento,
estilos de liderança, sistemas de recompensas, dentre outras, e de suas relações – que
compõem a organização. Semelhante interpretação colaborou para que os conceitos de
cultura e de identidade fossem reconhecidos e mobilizados, pelas teorias
organizacionais, para garantir maior inteligibilidade ao processo de construção e de
reconstrução de significados.
De maneira sintética, procuramos, nesta monografia, de um lado, inquirir os
conceitos de cultura brasileira e de humanismo visando contribuir para alargar a
63
compreensão sobre cultura organizacional e; de outro, dialogar com os de gestão pela
cultura e de identidade organizacional para respondermos aos desafios postos pelos
temas: 1) mudança e integração nas organizações e 2) gestão de pessoas. Neste
processo, desencadeamos um debate acerca dos modelos de gestão de pessoal no qual
problematizamos os termos cultura, socialização e comportamento organizacional; bem
como as idéias de Fernando de Azevedo a respeito do humanismo.
As ponderações de Azevedo sobre este tema nos permitiram aventar que o
humanismo pode contribuir para pensarmos a gestão, primeiro, por estabelecer a
necessidade de entendermos as pessoas não como recursos e sim como seres integrais;
e, segundo, por atualizar a preocupação com a qualificação profissional – a qual se
insere no rol das exigências do mercado de trabalho para a educação – sem, no entanto,
obscurecer a imprescindível valorização da solidariedade, do respeito à individualidade,
do compromisso com a formação crítica.
Assim, o humanismo – azevediano – possibilitou à temática da gestão, por um
lado, questionar a idéia de que a humanização das organizações poderia consistir em
uma simples tática para apaziguar os conflitos, manifestos e latentes, nas relações
capital-trabalho. E, por outro, demonstrar sua contribuição para a construção de um
ambiente organizacional que fosse propício ao desenvolvimento mútuo dos indivíduos,
dos grupos e da organização.
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