Farmacologia das Infeces Bacterianas: Sntese da Parede Celular
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Anne G. Kasmar e David Hooper
Introduo Caso Bioqumica da Sntese da Parede Celular Bacteriana
Estrutura e Funo da Parede Celular Biossntese da Parede Celular
Sntese dos Monmeros de Murena Polimerizao Ligao Cruzada
Parede Celular das Micobactrias Autolisinas e Degradao da Parede Celular
Classes e Agentes Farmacolgicos Inibidores da Sntese de Monmeros de Murena
Fosfomicina e Fosmidomicina Ciclosserina Bacitracina
Inibidores da Sntese de Polmeros de Murena Vancomicina e Teicoplanina
Inibidores da Ligao Cruzada de Polmeros Antibiticos Beta-Lactmicos: Consideraes Gerais Antibiticos Beta-Lactmicos: Agentes Especficos
Agentes Antimicobacterianos Etambutol, Pirazinamida e Isoniazida
Concluso e Perspectivas Futuras Leituras Sugeridas
INTRODUO
Em 1928, Alexander Fleming fez uma descoberta casual que iria revolucionar o tratamento das infeces bacterianas. Essa descoberta foi a penicilina, o primeiro de uma longa lista de antibiticos que atuam atravs da inibio da sntese da parede celular bacteriana. As propriedades qumicas e estruturais peculiares da parede celular fizeram dela um alvo atraente e proeminente da quimioterapia antibacteriana. Entretanto, o apa-recimento e a disseminao da resistncia a antibiticos com-plicam cada vez mais o uso clnico de inibidores da sntese da parede celular. Este captulo procede a uma reviso da qumica da sntese da parede celular bacteriana e descreve os mecanis-mos de ao, os usos e as limitaes (que incluem resistncia, toxicidade e interaes medicamentosas) dos antibiticos que interferem nesse processo.
nn Caso
Abril de 1953. A Guerra da Coria atingiu um momento crtico. No hospital geral em Tquio, a enfermaria do Dr. Alan Pierce acabou de receber uma nova baixa do front. Trs dias antes, o soldado Morgan H, de 22 anos, foi atingido acima do joelho esquerdo por um atirador quando estava em reconhecimento. Na unidade MASH, a ferida foi desbridada, e foi feito um curativo. O soldado H comeou imediatamente um curso de penicilina em altas doses.
Entretanto, ao chegar em Tquio, o soldado H apresentava um quadro de fraqueza, delrio e febre de 39,4C. No exame inicial, o Dr. Pierce percebe um odor doce e enjoativo da perna do soldado H. Ao remover o curativo, constata que a perna est inchada abaixo do joelho, e o ferimento ptrido e coberto de pus sanguinolento. O diagnstico de gangrena, uma infeco causada pela bactria Gram-positiva Clostridium perfringens. O Dr. Pierce ordena a rea-lizao imediata de amputao na esperana de salvar a vida do paciente.
O Dr. Pierce fica perturbado com o caso. No ano passado, viu inmeros ferimentos mais graves que o do soldado H, mas todos sempre responderam bem ao tratamento agressivo com penicilina. Enquanto refletia sobre o caso, recebe um comunicado da chegada de mais pacientes oito homens supostamente acometidos de tuberculose, que acabaram de ser liberados como parte da Opera-o Little Switch para troca de prisioneiros. O Dr. Pierce sabe que ele dispe de estreptomicina, mas decide verificar se pode adquirir dos Estados Unidos um suprimento de seis meses do novo agente antituberculose, a isoniazida.
QUESTESn 1. O que a penicilina, e qual o mecanismo de sua ao?n 2. Por que a penicilina no teve efeito para o soldado H, quan-
do funcionou para outros antes dele?n 3. Por que o Dr. Pierce solicitou um suprimento de isoniazida
dos Estados Unidos?
Farmacologia das Infeces Bacterianas: Sntese da Parede Celular | 563
BIOQUMICA DA SNTESE DA PAREDE CELULAR BACTERIANA
ESTRUTURA E FUNO DA PAREDE CELULARA parede celular das bactrias uma rede tridimensional de polmeros de acares, com ligao cruzada peptdica, que cir-cunda a clula no lado externo de sua membrana citoplasmtica (Fig. 33.1). Na sua estrutura qumica, a parede celular tam-bm conhecida como peptidoglicano, um termo derivado de sua composio constituda de peptdios e acares, ou como murena, do latim murus, que significa parede. A parede celular constitui uma caracterstica de quase todas as bactrias clinicamente importantes. As principais excees so o Myco-plasma pneumoniae, que pode causar pneumonia atpica, e a forma intracelular (ou corpsculo reticulado) de Chlamydia trachomatis, que pode provocar doena sexualmente transmiti-da. A parede celular possui importncia crtica para as bactrias, em virtude de sua resistncia trao. Essa resistncia permite que a clula mantenha a sua presso osmtica intracelular em ambientes de tonicidade varivel. A resistncia da parede celu-lar bacteriana tenso reside nas ligaes cruzadas peptdicas, tornando a inibio dessas ligaes cruzadas um alvo atraente para a terapia antibacteriana. Com efeito, a classe maior e mais amplamente utilizada de inibidores da sntese bacteriana da parede celular, os antibiticos beta-lactmicos (-lactmi-cos), atua atravs da inibio das enzimas transpeptidases, que medeiam a ligao cruzada peptdica.
As bactrias so convencionalmente divididas em dois grupos as bactrias Gram-positivas e as bactrias Gram-negativas com base na sua capacidade relativa de reter a cor prpura do componente violeta de genciana da colorao de Gram aps lavagem com um solvente orgnico, como a acetona. As bactrias Gram-positivas retm o corante e adqui-rem uma cor prpura, enquanto as bactrias Gram-negativas perdem o corante e assumem uma cor rosada com a aplicao subseqente de safranina. A colorao de Gram freqente-
mente utilizada para ajudar a identificar as bactrias presentes em uma amostra de lquido orgnico, como urina, escarro ou pus. A colorao pelo mtodo de Gram foi uma maneira pela qual o Dr. Pierce confirmou o diagnstico de C. perfringens em 1953, e essa tcnica continua sendo uma prtica padro nos dias atuais. A capacidade de reteno do corante de Gram resulta de duas caractersticas diferenciais da arquitetura da parede celular (Fig. 33.1). Em primeiro lugar, a parede celular das bactrias Gram-positivas consiste simplesmente em uma camada de murena, enquanto as bactrias Gram-negativas possuem uma segunda camada dupla de lipdios, denominada membrana externa, do lado externo da camada de murena. A segunda diferena que a camada de murena das bactrias Gram-positivas , em geral, muito mais espessa que a das bactrias Gram-negativas.
Em virtude de sua composio lipdica, a membrana externa das bactrias Gram-negativas impede o transporte de substn-cias hidroflicas, como nutrientes e produtos de degradao. (Em contrapartida, a camada de murena porosa o suficiente para permitir a difuso de numerosas molculas hidroflicas.) Para aumentar a captao de nutrientes e a excreo de produtos de degradao hidroflicos, as bactrias Gram-negativas pos-suem poros constitudos por protenas denominadas pori-nas que atravessam a membrana externa (ver Fig. 33.1). As porinas so importantes do ponto de vista farmacolgico, visto que a maioria dos antibiticos hidroflicos tem acesso camada de murena e s estruturas abaixo dessa camada atravs desses poros. Os lipopolissacardios no folheto externo da membrana externa das bactrias Gram-negativas tambm so importantes farmacologicamente; com efeito, essas molculas anfipticas protegem as bactrias da ruptura por molculas hidroflicas do hospedeiro, como sais biliares, e tambm so importantes para a aderncia das bactrias s clulas do hospedeiro e sua evaso da resposta imune do hospedeiro. Por conseguinte, a relativa hidrofilicidade e hidrofobicidade das vrias classes de agentes antibacterianos ajudam a determinar a arquitetura da parede celular contra a qual esses antibiticos so mais efetivos, con-forme discutido adiante.
PoroMurena
Membrana citoplasmtica
Bactrias Gram-positivas
Bactrias Gram-negativas
Micobactrias
Murena
Lipoprotena
Membrana externa
LipopolissacardioPoro
Membrana citoplasmtica Membrana citoplasmtica
MurenaArabinogalactano
cidos miclicos
Fosfolipdios extraveis
Fig. 33.1 Arquitetura da parede celular bacteriana. Nas bactrias Gram-positivas ( esquerda) a parede celular composta de uma camada espessa de murena, atravs da qual os nutrientes, os produtos de degradao e os antibiticos podem difundir-se. Os cidos lipoteicicos no folheto externo da membrana citoplasmtica intercalam-se atravs da parede celular para a superfcie externa das bactrias Gram-positivas (no-ilustrado); as cadeias laterais hidroflicas dessas molculas esto envolvidas na aderncia, alimentao e evaso das bactrias do sistema imunolgico do hospedeiro. Nas bactrias Gram-negativas (no centro), a camada de murena mais delgada e est circundada por uma segunda membrana externa constituda por uma dupla camada de lipdios. As molculas hidroflicas atravessam essa membrana externa atravs de canais, que so formados por um arranjo cilndrico de protenas dos poros (porinas). As bactrias Gram-negativas tambm possuem lipopolissacardios (LPS) na membrana externa; o LPS um importante antgeno para a resposta imune contra os microrganismos Gram-negativos. A parede celular das micobactrias ( direita), que incluem os agentes etiolgicos da tuberculose (M. tuberculosis) e da hansenase (M. leprae), anloga quelas das bactrias Gram-negativas. A principal diferena entre a arquitetura de superfcie das micobactrias e a das bactrias Gram-negativas que, nas micobactrias, os dois folhetos da membrana externa so assimtricos quanto a seu tamanho e composio; o folheto interno da membrana externa constitudo de arabinogalactano e de cidos miclicos, enquanto o folheto externo consiste em fosfolipdios extraveis.
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BIOSSNTESE DA PAREDE CELULARA biossntese da parede celular ocorre em trs fases princi-pais. A primeira delas consiste na sntese de monmeros de murena a partir de aminocidos e de unidades de acares; a segunda fase consiste na polimerizao dos monmeros de murena em polmeros de peptidoglicano lineares; e, por fim, a terceira consiste na ligao cruzada dos polmeros em redes bidimensionais e redes tridimensionais (Fig. 33.2). A primeira fase, que intracelular, ocorre no citoplasma; a segunda fase mediada por lipdios e ocorre na membrana citoplasmtica, e a terceira, que extracelular, ocorre no espao periplasmtico entre a membrana citoplasmtica e a camada de murena. (Se a bactria no tivesse parede celular, no existiria o espao periplasmtico. Na prtica, a maior parte da sntese da parede celular bacteriana consiste em remodelagem, isto , as bactrias acrescentam novos componentes de parede celular a uma parede celular previamente existente.) Em princpio, qualquer uma das etapas bioqumicas das trs fases na sntese da parede celular bacteriana poderia servir de alvo para inibio por frmacos antibacterianos; todavia, apenas algumas das etapas bioqumi-cas so bloqueadas pelos frmacos disponveis (ver discusso adiante). Os detalhes da sntese da parede celular das bactrias podem ser desanimadores; por conseguinte, importante ter em mente essas trs fases sntese de monmeros, polimerizao dos monmeros e ligao cruzada dos polmeros durante a discusso que se segue.
Sntese dos Monmeros de MurenaA murena (peptidoglicano) sintetizada a partir de aminoci-dos e acares. A sntese dos monmeros de murena comea com a converso da glicose em dois derivados, a N-acetil-glicosamina (N-acetil--D-glicosamina [NAG]) e o cido N-acetilmurmico (NAM; ver Fig. 33.2). A NAG sintetizada a partir da glicose de cadeia fechada, a -D-glicopiranose, por amidao e fosforilao a glicosamina-1-fosfato, que, a seguir, acetilada e ativada pela adio de uridina difosfato (UDP) para formar UDPNAG. O prprio NAM um derivado da NAG, formado a partir da UDPNAG em duas reaes. Em primeiro lugar, ocorre adio de fosfoenolpiruvato UDPNAG para formar o ter enol piruvato UDPNAG, uma etapa catalisada pela enzima MurA (tambm conhecida como enol piruvato transferase; Boxe 33.1); em segundo lugar, a MurB (tambm conhecida como UDPNAG-enol piruvato redutase) reduz esta molcula a UDPNAM completando a sntese dos com-ponentes de acar.
A seguir, ocorre adio do componente peptdico. Essa adi-o efetuada atravs de uma srie de peptdios transferases (MurC, MurD e MurE, que adicionam de modo seqencial os aminocidos L-alanina, D-glutamato e um diaminocido L-lisina ou cido diamino pimlico (DAP) ao UDPNAM. O DAP s difere da lisina pela presena de um grupo carbo-xila adicional. As bactrias Gram-positivas utilizam, em sua maioria, a L-lisina, enquanto uma minoria das bactrias Gram-positivas e todas as bactrias Gram-negativas utilizam o DAP. Esse aspecto notvel, visto que o DAP no encontrado nos seres humanos e, portanto, proporciona um alvo singular para o futuro desenvolvimento de frmacos.
A formao do peptdio prossegue com a adio de um dipeptdio D-alanil-D-alanina (D-Ala-D-Ala) ao cido diamino. O dipeptdio sintetizado a partir de duas molculas de L-ala-nina em duas reaes. Como os aminocidos no meio ambiente esto habitualmente disponveis na conformao-L que
aquela encontrada na maioria das protenas dos mamferos a primeira reao requer a transformao de duas molculas de L-alanina em D-alanina. Essa reao catalisada pela enzima alanina racemase. Na segunda reao, uma enzima denomina-da D-Ala-D-Ala sintetase (ou D-Ala-D-Ala ligase) une as duas D-alaninas; essa reao exige a presena de ATP. O dipept-dio D-Ala-D-Ala resultante adicionado pela enzima MurF ao UDPNAM peptdio-substitudo para formar UDPNAM-L-Ala-D-Glu-L-Lys-(ou DAP-) D-Ala-D-Ala, uma molcula designada como peptdio de Park (Fig. 32.2A).
So necessrias mais duas reaes para completar a sntese de um monmero de murena. Essas reaes ocorrem na super-fcie interna da membrana citoplasmtica, em associao a uma molcula carreadora de lipdio, o bactoprenol. O bactoprenol tambm utilizado para transportar o monmero completo at a superfcie externa da membrana citoplasmtica, onde ocor-re polimerizao (Fig. 33.2B). Essas reaes comeam com a transferncia do peptdio de Park para o bactoprenol fos-forilado, um processo mediado por MraY. Essa transferncia libera UMP, resultando em uma ligao pirofosfato entre o bactoprenol e o peptdio de Park. Em uma reao catalisada pela enzima MurG, essa nova molcula reage ento com uma molcula de UDPNAG, liberando UDP e resultando na for-mao de uma ligao entre o NAM e o peptdio de Park e NAG. Por fim, nas bactrias Gram-positivas, um polipeptdio ligador, tipicamente constitudo por cinco resduos de glicina, habitualmente acrescentado na posio da lisina (ou DAP); conforme discutido adiante, essa interponte permite a ligao cruzada dos polmeros nas bactrias Gram-positivas. Nas bac-trias Gram-negativas, os monmeros de murena esto, em geral, ligados diretamente uns aos outros por ligaes cruzadas, sem o uso de um polipeptdio ligador. Essas etapas completam a sntese de um monmero de murena.
PolimerizaoAs ltimas duas fases no processo de biossntese da parede celular polimerizao (transglicosilao) e ligao cruzada (transpeptidao) ocorrem fora do citoplasma, no espao periplasmtico. Para que os monmeros de murena alcancem o espao periplasmtico, devem atravessar a dupla camada lipdi-ca da membrana citoplasmtica. Conforme assinalado anterior-mente, esse transporte exige o bactoprenol. Acredita-se que o bactoprenol, uma longa molcula lipoflica, se enrole ao redor do monmero de murena, tornando-o lipoflico o suficiente para atravessar a dupla camada. Uma vez no espao periplasmtico, o monmero fixa-se a uma cadeia de murena em crescimento por ligaes entre o NAM do monmero de murena e a NAG do polmero de peptidoglicano em crescimento. Essa transfern-cia, que catalisada por transglicosilases, libera o pirofosfato de bactoprenol. A seguir, o pirofosfato de bactoprenol retorna superfcie interna da membrana citoplasmtica, onde perde um grupo fosfato para formar o fosfato de bactoprenol. Esta ltima etapa catalisada por uma desfosforilase. Nesse estgio, o fosfato de bactoprenol est pronto para aceitar outro peptdio de Park (Fig. 33.2B).
Ligao CruzadaNa terceira fase ou fase final da sntese da parede celular, ocorre ligao cruzada das cadeias de murena entre si por enzimas denominadas transpeptidases. Como as transpeptidases foram identificadas pela primeira vez como as molculas-alvo da ligao da penicilina, so tambm denominadas protenas de
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G5
G5
Bactoprenol (BP)
A DE K
A
K
ADEK
DADA
ADEK
DADA
ADEK
DADA
ADEK
DADA
ADE
DADA
MraYBP-NAM BP-NAM-NAG BP-NAM-NAG BP
AA
MurG
DE
ADEK G
5DADA
ADEK
DADA
ADEK
DADA
G5
ADEK
DADA
G G G G GK
ADE
DADA
G G G G GK
ADE
DADA
G G G G GKG
5
ADEK
DA
D-Ala
-D-Ala
sintet
ase
MurF
Glicosamina-1-P UDPNAG UDPNAM
Transpeptidase
UDPNAM
UTP
UDPNAM
NAM-NAG
GlmU
MurB
MurC
MurD
MurE
A Sntese de monmeros de murena
B Translocao e polimerizao dos monmeros de murena
C Ligao cruzada dos polmeros de peptidoglicano
PEPAcetil CoA
Alanin
a
race
mas
e
NAM-NAG
Antibiticos -lactmicos Penicilinas Cefalosporinas Monobactmicos Carbapenemos
FosfomicinaFosmidomicina
Parede celular
Espao periplasmtico
Membrana citoplasmtica
Ciclosserina
NAM-NAG NAM-NAG-
VancomicinaTeicoplanina
NAM-NAG
NAM-NAGNAM-NAG
MurA
UDPNAM UMP UDPNAG UDP Gly-tRNA tRNA
Fig. 33.2 Biossntese da parede celular bacteriana e sua inibio por agentes farmacolgicos. Nas bactrias, a biossntese da parede celular pode ser dividida em trs etapas. A. Na sntese de monmeros de murena, a glicose sofre amidao e fosforilao a glicosamina-1-fosfato (no indicado), que acetilada e conjugada a um nucleotdio de difosfato de uridina (UDP) pela enzima GlmU formando UDPN-acetilglicosamina (UDPNAG). A adio de fosfoenolpiruvato (PEP) pela enol piruvato transferase (MurA) e a reduo do produto assim formado pela MurB resulta na formao do UDPN-cido acetilmurmico (UDPNAM). A fosfomicina e a fosmidomicina so inibidores seletivos da enol piruvato transferase. A NAG e o NAM so as duas unidades de acares para a sntese subseqente da parede celular. A MurC, a MurD e a MurE adicionam seqencialmente os aminocidos L-alanina (A), D-glutamato (DE) e L-lisina (K) ao UDPNAM. Em algumas bactrias, o cido diamino pimlico (DAP) adicionado em lugar da L-lisina. A alanina racemase converte a L-alanina em D-alanina (DA), e D-Ala-D-Ala sintetase forma o dipeptdio D-Ala-D-Ala. Esse dipeptdio adicionado ao tripeptdio A-DE-K (ou A-DE-DAP) pela MurF, resultando em uma molcula de UDPNAM ligada a cinco aminocidos (peptdio de Park). A ciclosserina inibe tanto a alanina racemase quanto a D-Ala-D-Ala sintetase, impedindo, assim, a adio de resduos de alanina cadeia peptdica em crescimento. B. O complexo NAM-pentapeptdio transferido do UDP para o carreador de lipdio, bactoprenol (BP), pela enzima MraY, e a NAG adicionada a partir da UDPNAG pela MurG. Em algumas bactrias, um a cinco aminocidos podem ser ento adicionados a K ou DAP para formar um peptidoglicano ramificado; os aminocidos so adicionados a partir do amino acil tRNA. (Aqui, como exemplo, so adicionados cinco resduos de glicina [G] a partir do glicil-tRNA.) Na etapa de translocao e polimerizao dos monmeros de murena, o complexo BPpeptidoglicano transportado da membrana interna da bactria at o espao periplasmtico, onde as transglucosilases unem o monmero de murena cadeia de peptidoglicano em crescimento. Simultaneamente, o BP liberado para catalisar outro ciclo de translocao de monmeros de murena. O trmino desse conjunto de reaes depende da fosforilao e desfosforilao seriadas da molcula de bactoprenol (no indicada). A bacitracina inibe a desfosforilao do bactoprenol e, portanto, interrompe a translocao dos monmeros de murena (no indicada). A vancomicina e a teicoplanina ligam-se extremidade terminal D-Ala-D-Ala da unidade de monmero de murena conjugado com BP e, portanto, impedem a adio do monmero de murena mediada pela transglicosidase cadeia de peptidoglicano em crescimento. C. Na etapa final de biossntese da parede celular, ocorre ligao cruzada dos polmeros glicopeptdicos adjacentes numa reao catalisada por transpeptidases bacterianas. No exemplo apresentado, uma transpeptidase efetua a ligao cruzada de um pentapeptdio de glicano (G) em uma cadeia de peptidoglicano a um resduo D-Ala de uma cadeia de peptidoglicano adjacente; conforme mostrado de modo detalhado na Fig. 33.3, o resduo D-Ala terminal deslocado nessa reao. Os antibiticos -lactmicos (penicilinas, cefalosporinas, monobactmicos e carbapenemos) inibem as enzimas transpeptidases que efetuam ligaes cruzadas de polmeros de peptidoglicanos adjacentes.
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ligao da penicilina (PBP). A enzima transpeptidase desloca o resduo D-Ala terminal em uma cadeia peptdica para for-mar um intermedirio protenapeptidoglicano; o grupo amino livre no aminocido terminal do peptdio interponte (glicina na maioria das bactrias Gram-positivas) ou no DAP (bactrias Gram-negativas) ataca ento esse intermedirio, resultando na formao da ligao cruzada (Figs. 33.2C e 33.3). As diferenas observadas no comprimento da cadeia e no nmero e tipo de ligaes cruzadas conferem a cada espcie de bactria a sua forma e o seu tamanho caractersticos, e parede celular de cada espcie, a sua espessura caracterstica.
Tipicamente, as bactrias possuem diversas transpeptidases com especificidades diferentes, mas que se superpem. Essas isoformas distintas das enzimas so utilizadas para criar diferen-tes partes da parede. Por exemplo, Escherichia coli possui seis transpeptidases, algumas das quais formam a metade cilndrica dessa bactria em forma de bastonete, enquanto outras formam suas extremidades hemiesfricas. Alm disso, o conjunto de transpeptidases difere de uma espcie para outra e particular-mente entre bastonetes, como E. coli e C. perfringens e cocos esfricos, como os estreptococos e os estafilococos.
PAREDE CELULAR DAS MICOBACTRIASAs estruturas da parede celular descritas anteriormente apli-cam-se grande maioria das bactrias de importncia clnica, incluindo cocos Gram-positivos, como os estreptococos e os estafilococos; bacilos Gram-negativos, como E. coli e Pseu-domonas aeruginosa, e bacilos Gram-positivos, como C. per-fringens. Entretanto, a parede celular de um grupo de bactrias, as micobactrias, difere em vrios aspectos importantes. Em virtude do impacto clnico ressurgente do Mycobacterium tuberculosis, a bactria responsvel pela tuberculose, impor-tante examinar de modo mais detalhado a parede celular das micobactrias.
A exemplo da parede celular das bactrias Gram-negativas, a das micobactrias consiste em uma camada relativamente fina de murena no lado externo da membrana citoplasmti-ca. Entretanto, diferentemente das bactrias Gram-negativas, os resduos de NAM da parede celular nas micobactrias so modificados pela adio de uma longa cadeia ramificada, que consiste em um ligador de NAG-arabinogalactano, recober-to com cido miclico. Estruturalmente, a camada de cido miclico lipoflica atua como metade interna de uma mem-brana externa assimtrica; metade externa dessa membrana composta de fosfolipdios secretados, denominados lipdios extraveis, que so anlogos queles que formam a metade externa da membrana citoplasmtica (ver Fig. 33.1). De modo global, pode-se estabelecer uma analogia entre a parede celular das micobactrias e a parede celular das bactrias Gram-nega-tivas e estruturas associadas. Tanto as micobactrias quanto as bactrias Gram-negativas esto envolvidas por uma membrana interna (citoplasmtica), uma camada de murena (parede celu-lar) e uma membrana externa; a principal diferena estrutural reside no fato de que a membrana externa das micobactrias espessa, assimtrica e altamente impermevel s substncias tanto hidroflicas quanto hidrofbicas.
A sntese do NAG-arabinogalactano comea com a trans-ferncia de uma molcula de fosfato de NAG da UDPNAG para o fosfato de bactoprenol micobacteriano. A seguir, ocorre adio de uma molcula do acar ramnose, seguida da adio de vrias unidades de galactose e arabinose que formam o ara-binogalactano. A adio das unidades de arabinose catalisada pela enzima arabinosil transferase.
O cido miclico um cido graxo longo, complexo e rami-ficado. Os materiais iniciais para a sua sntese incluem diversas cadeias de hidrocarboneto saturadas longas, que so sintetiza-das a partir de unidades de dois carbonos transportadas pela acetil-CoA. A enzima cido graxo sintetase 1 (FAS1) cata-lisa a formao dessas cadeias de hidrocarbonetos saturadas, enquanto a enzima cido graxo sintetase 2 (FAS2) catalisa a ligao dessas cadeias. A seguir, o produto ligado sobre vrias transformaes enzimticas, produzindo cido miclico. O cido miclico finalmente adicionado ao NAG-arabinoga-lactano, que por sua vez fixado ao NAM para formar a metade interna completa da membrana externa das micobactrias (Figs. 33.1 e 33.4).
Em princpio, qualquer etapa desse processo passvel de interveno farmacolgica. Conforme discutido adiante, os esquemas padres de tratamento antimicobacteriano incluem antibiticos dirigidos contra a sntese do NAG-arabinogalacta-no e as reaes iniciais da sntese do cido miclico.
AUTOLISINAS E DEGRADAO DA PAREDE CELULARPara que as bactrias cresam, necessrio haver expanso da parede celular bacteriana. Para que ocorra essa expanso, necessria a incorporao de novas unidades de murena na parede celular existente. Esse processo difcil em uma parede celular completa, onde as cadeias de polmeros de murena j apresentam o comprimento desejado e onde j existem o tipo e o grau desejados de ligao cruzada dos polmeros. Alm disso, para que uma bactria possa dividir-se em duas clulas-filhas, necessrio que a sua parede celular sofra ruptura em algum ponto. As bactrias realizam esses processos atravs do uso de autolisinas. Essas enzimas (p. ex., NAM-L-alanina amidase) escavam pequenos orifcios na parede celular, que permitem a
BOXE 33.1 Enzimas Envolvidas na Biossntese da Parede Celular
A exemplo da maioria das enzimas, as enzimas envolvidas na biossntese da parede celular possuem mltiplos nomes. A conveno da nomenclatura Mur utilizada aqui representa o padro emergente, porm as enzimas ainda so conhecidas pelos seguintes termos descritivos (entre outros):
GlmU Diamino N-acetiltransferaseMurA Enol piruvato transferaseMurB UDPNAG-enol piruvato redutaseMurC UDPNAM-L-Ala sintetaseMurD UDPNAM-L-Ala-D-Glu sintetaseMurE UDPNAM-L-Ala-D-Glu-2,6-diaminopimelato
sintetaseMurF UDPNAM-tripeptdio-D-ALA-D-Ala sintetaseMraY UDPNAM-pentapeptdio:undecaprenil-fosfato
transferaseMurG Undecaprenildifosfo-NAM-pentapeptdio: NAG transferase
Nota: Undecaprenol outro termo para referir-se ao bactoprenol.
Farmacologia das Infeces Bacterianas: Sntese da Parede Celular | 567
remodelagem e a expanso da parede celular. Evidentemente, a sntese de nova murena e a destruio mediada pelas autolisinas devem estar cuidadosamente equilibradas para que a bactria sobreviva. Com efeito, os estudos realizados demonstraram que o bloqueio unilateral da sntese de murena resulta em autlise mediada por autolisinas e morte celular. Os eventos molecula-res que do incio ao processo de autlise ainda no esto bem elucidados. Uma teoria formulada sustenta que a exposio das bactrias a antibiticos que inibem a sntese da parede celular leva ao extravasamento e perda de um inibidor endgeno das autolisinas, talvez o cido lipoteicico nas bactrias Gram-positivas, e que essa perda, por sua vez, resulta na ativao de autolisinas e lise eventual da clula. Acredita-se que o efeito bactericida de muitos antibiticos discutidos neste captulo
resulta de uma ruptura, mediada pelo frmaco, do equilbrio entre a sntese e a degradao da parede celular.
CLASSES E AGENTES FARMACOLGICOS
A farmacologia das classes de frmacos que inibem a sntese da parede celular das bactrias discutida na mesma seqncia da fisiologia da sntese da parede celular (Fig. 33.2). Embora se tenham identificado frmacos que inibem diversas etapas na bioqumica da sntese da parede celular, a etapa de ligao cruzada dos polmeros (transpeptidao) constitui, sem dvida alguma, o alvo bioqumico clinicamente mais importante. Por
HN
O
OH
O
NH NH
H2N
O
O
NH
NH
H2N
O
H2NOH
OHN
S
COOH
NH
O
R
O
N
S
COOH
HN
O
R
O
+
+HN
O
NH
O
NH
A
G
G
G
G
G
G
G
G
DEK
ADEK
ADEK
G
G
G
G
Enzima
Enzima
Enzima
Enzima
Enzima
D-Ala deslocada
D-Ala-Gly
D-Ala-D-AlaGly
Gly
Complexo enzimapenicilina
de extremidade morta
NAG-NAM
Transpeptidao normal Ao da penicilina
Duas cadeias de peptidoglicano
Intermedirio enzimapeptidoglicano
Cadeias de peptidoglicano com ligao cruzada
NAG-NAM
NAG-NAM
Fig. 33.3 Ao da transpeptidase e sua inibio pela penicilina. O lado esquerdo da figura mostra o mecanismo pelo qual as transpeptidases catalisam a transpeptidao, uma reao que ocorre nas bactrias, mas no nas clulas dos mamferos. Um grupo nucleoflico sobre a transpeptidase (Enzima) ataca a ligao peptdica entre os dois resduos de D-Ala na extremidade terminal de um pentapeptdio em uma cadeia de peptidoglicano (painel superior). O resduo terminal de D-alanina deslocado da cadeia de peptidoglicano e forma-se um intermedirio enzima-D-alanina-peptidoglicano. A seguir, esse intermedirio atacado pela extremidade amino de um pentapeptdio de poliglicina ligado, atravs de sua extremidade carboxiterminal, L-lisina ou cido diaminopimlico numa cadeia adjacente de peptidoglicano (ver Fig. 33.2) (painel do meio). Quando a enzima liberada do intermedirio, forma-se uma nova ligao peptdica (ligao cruzada) entre o resduo de glicina terminal em uma cadeia de peptidoglicano e o resduo de D-alanina ativado pela enzima na cadeia de peptidoglicano adjacente. A seguir, a enzima livre pode catalisar outra reao de transpeptidao (painel inferior). O lado direito da figura mostra o mecanismo pelo qual a penicilina interfere na transpeptidao, levando formao de um complexo de extremidade morta peniciloilenzima. Nessa forma, a enzima incapaz de catalisar outras reaes de transpeptidao (ligao cruzada).
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esse motivo, a maior parte da discusso trata do conjunto de agentes que inibem a ligao cruzada dos polmeros de pep-tidoglicano.
INIBIDORES DA SNTESE DE MONMEROS DE MURENA
Fosfomicina e FosmidomicinaDois agentes inibem a produo de monmeros de murena atravs da inibio da sntese de UDPNAM da UDPNAG. A fosfomicina um anlogo do fosfoenol piruvato (PEP), que inibe a enol piruvato transferase (tambm conhecida como MurA) bacteriana atravs de modificao covalente do stio ativo da enzima. Como o PEP um intermedirio no processo de gliclise (dos mamferos), surpreendente que esse agente no interfira no metabolismo dos carboidratos das clulas humanas; essa seletividade de ao antibacteriana provavel-mente produzida por diferenas estruturais entre as enzimas dos mamferos e das bactrias que atuam sobre o PEP. Por conseguinte, a fosfomicina no tem nenhum efeito aprecivel
sobre a enolase, a piruvato cinase ou a carboxicinase dos seres humanos, e o frmaco relativamente atxico. Foi constatado que a fosfomicina possui sinergismo antibacteriano in vitro com os -lactmicos, os aminoglicosdios e as fluoroquinolonas.
A fosfomicina penetra na clula atravs de transportadores de glicerofosfato ou de glicose-6-fosfato que normalmente so utilizados pelas bactrias para a captao desses nutrientes do meio ambiente. A fosfomicina mostra-se especialmente efetiva contra bactrias Gram-negativas que infectam o trato urinrio, incluindo E. coli e espcies de Klebsiella e Serratia, visto que o frmaco excretado de modo inalterado na urina. Foi consta-tado ser uma dose oral nica de 3 g to efetiva quanto mltiplas doses de outros agentes no tratamento de infeces do trato urinrio. Via de regra, a fosfomicina menos efetiva contra bactrias Gram-positivas, visto que essas bactrias geralmente carecem de transportadores seletivos de glicerofosfato e de gli-cose-6-fosfato. Embora a resistncia seja tipicamente produzida por mutaes nesses transportadores, foi encontrada uma cepa de E. coli, sensvel temperatura, em que uma mutao na enol piruvato transferase resulta em afinidade diminuda da enzima pelo PEP e, portanto, pela fosfomicina. Os efeitos adversos da fosfomicina so incomuns; cerca de 1 a 10% dos pacientes desenvolvem cefalia, diarria ou nusea. As interaes medi-camentosas significativas tambm so raras; o frmaco pode precipitar quando co-ingerido com anticidos ou com sais de clcio, e a sua absoro pode ser diminuda pela sua co-admi-nistrao com agentes procinticos como a metoclopramida.
A fosmidomicina, outro anlogo do PEP, atua atravs do mesmo mecanismo da fosfomicina, e o desenvolvimento de resistncia deve-se, tipicamente, a mutaes nos transporta-dores de glicerofosfato ou de glicose-6-fosfato. Entretanto, existem tambm excees: pelo menos uma cepa de E. coli resistente parece conter uma protena que bombeia ativamente a fosmidomicina para fora da clula. A fosmidomicina tambm possui atividade contra malria, porm o frmaco apresenta um mecanismo de ao diferente contra o parasita e, no momento atual, no utilizado clinicamente contra esse microrganis-mo.
CiclosserinaA ciclosserina, um anlogo estrutural da D-Ala, um agente de segunda linha utilizado no tratamento da infeco por M. tuber-culosis resistente a mltiplos frmacos (Fig. 33.5). A ciclos-serina inibe tanto a alanina racemase, que converte a L-Ala a D-Ala, quanto a D-Ala-D-Ala sintetase, que une duas molculas de D-Ala (Fig. 33.2). A ciclosserina um inibidor irreversvel dessas enzimas e, com efeito, liga-se mais firmemente a essas enzimas do que o seu substrato natural, a D-Ala. A resistncia ciclosserina ocorre atravs de mltiplos mecanismos, alguns dos quais ainda so desconhecidos; os mecanismos conhecidos
N
N
O
N
O
NH
NH2
SCoA
O
R OH
O
Acetil CoANH2
cidos miclicos Fosfolipdios
Pirazinamida FAS1
FAS2
Isoniazida
cidos graxos
Fig. 33.4 Sntese de cido miclico e ao dos agentes antimicobacterianos. Os cidos miclicos so produzidos pela ligao cruzada de cadeias de cidos graxos derivadas da acetil coenzima A (Acetil Coa). Cada uma das setas nesta representao simplificada indica mltiplas etapas de sntese; o enfoque sobre as cido graxo sintetases (FAS1 e FAS2) em virtude de sua importncia como alvos de frmacos. Especificamente, a FAS1 inibida pela pirazinamida, enquanto a FAS2 inibida pela isoniazida.
H2NO
OH
ON
OH
H2N
D-Ciclosserina D-Alanina
Fig. 33.5 Estrutura da ciclosserina. A ciclosserina um anlogo estrutural da D-alanina, que inibe a interconverso racmica da L-alanina em D-alanina pela alanina racemase. A ciclosserina tambm inibe a atividade da D-Ala-D-Ala sintetase, a enzima que catalisa a formao de dipeptdio D-Ala-D-Ala, que subseqentemente utilizado na sntese de monmeros de murena (ver Fig. 33.2).
Farmacologia das Infeces Bacterianas: Sntese da Parede Celular | 569
incluem a hiperexpresso da alanina racemase e a ocorrncia de mutaes no sistema de captao de alanina. A exemplo de muitas molculas pequenas, incluindo a fosfomicina, a ciclos-serina excretada na urina. Os efeitos adversos consistem em convulses, sndromes neurolgicas, incluindo neuropatia perifrica, e psicose. Deve-se evitar o uso desse frmaco em pacientes com doena neuropsiquitrica subjacente, alcoolismo e doena renal crnica. O lcool, a isoniazida e a etionamida potencializam a toxicidade da ciclosserina; a piridoxina pode atenuar a neuropatia perifrica induzida pela ciclosserina. A ciclosserina inibe o metabolismo heptico da fenitona.
BacitracinaA bacitracina, assim designada pelo fato de ter sido identifi-cada pela primeira vez em uma espcie de Bacillus, um anti-bitico peptdico que interfere na desfosforilao do pirofosfato do bactoprenol, tornando esse carreador lipdico intil para ciclos adicionais de translocao de monmeros de murena (Fig. 33.2). Por conseguinte, a bacitracina notvel entre os agentes dirigidos contra a parede celular, visto que o seu alvo um lipdio, e no uma protena ou um peptdio. A bacitracina inibe a desfosforilao atravs da formao de um complexo com o pirofosfato de bactoprenol, envolvendo os anis imidazol e tiazolina da bacitracina. Essa interao exige um on de metal divalente, habitualmente Zn2+ ou Mg2+; por conseguinte, os fr-macos que atuam como quelantes de metais podem interferir na atividade da bacitracina. Em virtude de sua toxicidade renal, neurolgica e da medula ssea significativa, a bacitracina no utilizada sistemicamente. Com mais freqncia, utilizada na forma tpica para infeces drmicas superficiais ou oftal-molgicas. Como a bacitracina no absorvida por via oral, permanece na luz intestinal e, em certas ocasies, administra-da por via oral no tratamento da colite por Clostridium difficile ou para erradicao de enterococos resistentes vancomicina (ERV) no trato gastrintestinal. No deve ser co-administrada com outras medicaes nefrotxicas ou agentes bloqueadores neuromusculares, visto que estes ltimos podem resultar em bloqueio neuromuscular sinrgico.
INIBIDORES DA SNTESE DE POLMEROS DE MURENA
Vancomicina e TeicoplaninaA vancomicina e a teicoplanina so glicopeptdios com atividade bactericida contra bacilos e cocos Gram-positivos. Os bacilos Gram-negativos mostram-se resistentes ao des-ses frmacos. Esses agentes interrompem a sntese da parede celular atravs de sua ligao firme extremidade terminal D-Ala-D-Ala da unidade de monmeros de murena, inibindo a transglicosidase e bloqueando, portanto, a adio de unidades de murena cadeia de polmero em crescimento. A vanco-micina por via intravenosa mais comumente utilizada no trata-mento da sepse ou da endocardite causada por Staphylococcus aureus resistente meticilina (SARM) (ver discusso adiante). A vancomicina oral utilizada no tratamento das infeces gastrintestinais por C. difficile; semelhana da bacitracina (ver anteriormente), o frmaco pouco absorvido e, portanto, per-manece no trato gastrintestinal. A teicoplanina no utilizada clinicamente nos Estados Unidos.
Via de regra, a vancomicina, em virtude de sua toxicidade, s utilizada quando uma infeco demonstra ser resistente a outros frmacos. Seus efeitos adversos consistem em rubor
cutneo ou exantema a denominada sndrome do homem vermelho que podem ser evitados ao diminuir a velocidade de infuso intravenosa ou atravs de administrao prvia de anti-histamnicos. A vancomicina tambm tem sido associada a nefrotoxicidade e ototoxidade, particularmente quando so co-administrados outros medicamentos nefrotxicos ou otot-xicos como a gentamicina. Nos pacientes com disfuno renal subjacente, pode ser necessrio reduzir a dose, bem como deter-minar os nveis do frmaco para evitar uma maior nefrotoxici-dade. Podem ocorrer tambm febre medicamentosa, exantema por hipersensibilidade e neutropenia induzida por frmaco. A resistncia vancomicina surge mais comumente atravs da aquisio de DNA que codifica enzimas que catalisam a for-mao de D-Ala-D-lactato em lugar de D-Ala-D-Ala. A exemplo da D-Ala-D-Ala, o D-Ala-D-lactato incorporado na unidade de monmero de murena e participa prontamente na reao de transpeptidase, porm o dipeptdio D-Ala-D-lactato no se liga vancomicina. Duas enzimas medeiam a sntese de D-Ala-D-lactato: a VanH, uma desidrogenase que gera D-lactato a partir do piruvato, e VanA, uma ligase que liga a D-Ala ao D-lactato. A VanH e a VanA so codificadas em um elemento transpo-nvel, que pode ser encontrado no cromossomo bacteriano ou em um plasmdio extracromossmico. Esse elemento tambm codifica enzimas que degradam a D-Ala-D-Ala, removendo, assim, quaisquer alvos residuais da vancomicina. Na prtica clnica, as bactrias resistentes vancomicina (como os ERV) so freqentemente resistentes maioria dos outros agentes antibacterianos; por conseguinte, a disseminao da resistncia vancomicina mediada por plasmdios constitui um srio pro-blema clnico. Foram relatados alguns casos de S. aureus resis-tente vancomicina (SARV), devido aquisio de genes de resistncia enteroccicos. Foi tambm descrito o S. aureus de resistncia intermediria vancomicina (SAIV); esses micror-ganismos apresentam uma camada de murena mais espessa, em que quantidades aumentadas de D-Ala-D-Ala livre atuam como alvo chamariz para a vancomicina.
INIBIDORES DA LIGAO CRUZADA DE POLMEROS
Antibiticos Beta-Lactmicos: Consideraes GeraisCom mais de 30 frmacos diferentes de uso atual, incluindo a penicilina original empregada na tentativa de tratar o soldado H, os -lactmicos constituem a classe maior e mais ampla-mente prescrita de antibiticos que inibem a sntese da parede celular das bactrias. Os diferentes agentes pertencentes a essa classe variam na sua estrutura qumica (Fig. 33.6) e, portanto, no espectro de ao; entretanto, todos os -lactmicos compar-tilham o mesmo mecanismo antibitico de ao: a inibio da ligao cruzada dos polmeros de murena.
Quimicamente, o elemento-chave desse mecanismo de ao consiste na presena de um anel -lactmico de quatro mem-bros (Fig. 33.6). Esse anel faz com que todo -lactmico seja um anlogo estrutural do dipeptdio D-Ala-D-Ala do peptdio de Park e, portanto, um substrato para uma ou mais transpep-tidases bacterianas. A exemplo do peptdio de Park, o -lact-mico capaz de ligar-se de modo covalente transpeptidase, formando, assim, um intermedirio acil enzima. Todavia, ao contrrio do peptdio de Park na reao do substrato normal, o anel -lactmico torna a extremidade carboxi-terminal do -lactmico incapaz de ser clivada do restante da molcula. Em conseqncia, a extremidade aminoterminal do peptdio adjacente no pode atacar o intermedirio acil enzima, e a trans-
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peptidase atinge um complexo de extremidade morta (Fig. 33.3). (Esse tipo de inibio enzimtica irreversvel algu-mas vezes denominado inibio de substrato suicida.) Desde que as clulas estejam crescendo, a inibio da transpeptidase resulta em autlise mediada por autolisinas e morte celular. Por conseguinte, os -lactmicos so, via de regra, bactericidas para as bactrias em diviso ativa.
As subclasses de agentes -lactmicos so divididas em quatro famlias as penicilinas, as cefalosporinas (que so subdivididas em quatro geraes), os monobactmicos e os carbapenemos. Cada uma dessas subclasses difere estrutural-mente nos substituintes qumicos que esto fixados ao anel -lactmico (ver Fig. 33.6). Em geral, essas famlias resultaram dos esforos farmacolgicos envidados nos laboratrios para melhorar o espectro de ao antibitico da penicilina e perma-necer frente da disseminao da resistncia a antibiticos, como foi observado no caso do soldado H. ( importante lem-brar que o espectro de ao refere-se ao nmero e variedade de espcies de bactrias contra as quais determinado antibitico
possui atividade bactericida ou bacteriosttica. Por conseguin-te, os -lactmicos de amplo espectro so tipicamente ativos contra bactrias Gram-negativas e tambm contra bactrias Gram-positivas, enquanto os -lactmicos de espectro estreito so tipicamente efetivos apenas contra microrganismos Gram-positivos.)
Como as transpeptidases bacterianas esto localizadas no espao periplasmtico entre a membrana citoplasmtica e a parede celular, os -lactmicos precisam atravessar a parede celular e, no caso das bactrias Gram-negativas, a membrana externa para exercer seus efeitos. Por conseguinte, o espectro de ao de um agente -lactmico determinado por dois fatores: o grau com que ele pode penetrar na membrana externa e na parede celular e, uma vez no espao periplasmtico, a sua capa-cidade de ligao s transpeptidases especficas. Os agentes tanto hidroflicos quanto (em menor grau) hidrofbicos difun-dem-se atravs da camada espessa de murena das bactrias Gram-positivas, porm os agentes hidroflicos passam atravs dos poros da membrana externa das bactrias Gram-negativas com muito mais facilidade que os agentes hidrofbicos. Em conseqncia, os agentes hidroflicos, como a ampicilina, a amoxicilina e, especialmente, a piperacilina, a ticarcilina, a carbenicilina e a mezlocilina, tendem a apresentar um amplo espectro de ao, enquanto os agentes hidrofbicos, como a oxacilina, a cloxacilina, a dicloxacilina, a nafcilina, a metici-lina e a penicilina G estreitamente relacionada com o agente disponvel aos soldados durante a Guerra da Coria tendem a exibir um espectro de ao estreito (ver discusso adiante para maiores detalhes). Isso significa que algumas bactrias Gram-negativas so inerentemente resistentes aos -lactmi-cos de espectro estreito, simplesmente em virtude da barreira de permeabilidade representada pela sua membrana externa. (De forma semelhante, as bactrias intracelulares, isto , as bactrias que residem no interior das clulas humanas, como Chlamydia, tambm so, em geral, inerentemente resistentes aos -lactmicos, visto que as clulas dos mamferos tendem a carecer de mecanismos de captao dos -lactmicos, e visto que essas bactrias tendem a apresentar uma arquitetura singu-lar de sua parede celular ou a carecer de parede celular.)
O segundo fator que determina o espectro de ao de um -lactmico a extenso com que o frmaco, aps alcanar o espao periplasmtico, inibe determinada transpeptidase. Esse fator determinado, em grande parte, pela afinidade do -lact-mico pela transpeptidase. Conforme assinalado anteriormente, as bactrias possuem, tipicamente, diversas transpeptidases, que diferem de modo sutil na sua especificidade de substrato e atividade de ligao cruzada; essas diferenas tornam-se parti-cularmente proeminentes entre os bacilos e os cocos. A maioria dos -lactmicos exibe seletividade para vrias transpeptidases diferentes; outros, como o anlogo da penicilina, a meticilina, que utilizada contra o S. aureus, so especficos apenas para uma nica enzima.
A resistncia a antibiticos pode ser codificada por genes cromossmicos (intrnsecos) ou adquiridos (extrnsecos). No caso dos -lactmicos, a resistncia cromossmica nas bac-trias Gram-positivas mais comumente conferida por uma mutao codificada cromossomicamente em um gene codifi-cador de transpeptidase, que anula a capacidade da enzima de ligar-se a determinado -lactmico, ou pela aquisio de um gene que codifica uma transpeptidase com baixa afinidade pelo -lactmico. Esse mecanismo a causa da resistncia meti-cilina no S. aureus e o mecanismo pelo qual os pneumococos adquirem resistncia penicilina. A resistncia aos -lactmi-cos por transpeptidases alteradas constitui a exceo e no a
N
S
COOH
HNR
OO N
S
COOH
HNR
OO
N
SHNR1
O
COOH
R2O
N
HNR
OO SO3H
NSR
OH
OCOOH
N
S
COOHO
O
O
N
O
COOHO
OH
A B
Penicilinas
Cefalosporinas
Monobactmicos
Carbapenemos
As -lactamases clivam essa ligao
Sulbactam
cido clavulnico
Fig. 33.6 Caractersticas estruturais dos antibiticos -lactmicos e dos inibidores da -lactamase. A. Os membros da famlia dos -lactmicos (penicilinas, cefalosporinas, monobactmicos e carbapenemos) diferem uns dos outros na sua estrutura de arcabouo; cada um dos frmacos dessas subclasses tambm difere nos seus grupos R. Observe que o anel -lactmico de quatro membros comum a todas as quatro famlias (boxes em azul); este anel que confere aos agentes a sua capacidade de bloquear a reao de transpeptidao (bem como o seu nome). B. As bactrias que expressam -lactamases so capazes de clivar a ligao -lactmica (linha em azul), que necessria para a ao do antibitico. Os inibidores da -lactamase, o cido clavulnico e o sulbactam atuam como chamariz atravs de sua ligao s enzimas -lactamases (e, portanto, inibindo-as). Observe a semelhana estrutural entre os inibidores da -lactamase e os antibiticos -lactmicos.
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Farmacologia das Infeces Bacterianas: Sntese da Parede Celular | 571
regra, visto que os -lactmicos so, em sua maioria, ativos contra mltiplas transpeptidases, as quais deveriam ser todas alteradas para abolir a eficincia desses frmacos.
A maior parte da resistncia aos -lactmicos conferida por protenas denominadas -lactamases, que so codificadas no cromossomo ou em plasmdios de DNA extracromossmicos. A aquisio de um plasmdio desse tipo constitui provavelmen-te o mecanismo pelo qual surgiu a resistncia no C. perfringens que infectou o soldado H. Como o prprio nome sugere, as -lactamases so enzimas que inativam os -lactmicos atravs da clivagem (hidroltica) do anel -lactmico. Foram identifi-cadas mais de 100 -lactamases diferentes, exibindo, cada uma delas, atividade contra determinado -lactmico ou conjunto de -lactmicos. As -lactamases so secretadas em bactrias Gram-positivas, ao passo que, nas bactrias Gram-negativas, essas enzimas so retidas no espao periplasmtico entre a pare-de celular e a membrana externa. As bactrias Gram-negativas produzem uma quantidade muito menor de -lactamase do que as bactrias Gram-positivas. Entretanto, como as bactrias Gram-negativas concentram a -lactamase no local onde ela necessria, a enzima mais efetiva para conferir resistncia. Esse efeito de concentrao, juntamente com a forte barreira de permeabilidade contra as penicilinas proporcionada pela mem-brana externa da bactria, torna as bactrias Gram-negativas refratrias, em grande parte, terapia com penicilina.
A codificao de numerosas -lactamases em plasmdios possui importncia clnica especial. Como os plasmdios so facilmente transferidos por conjugao de uma bactria para outra, a resistncia conferida pelo plasmdio pode disseminar-se rapidamente atravs de uma populao de bactrias. Alm disso, os plasmdios podem pular cepas, disseminando a resistncia de uma cepa para outra. Certos microrganismos, como Klebsiella pneumoniae e E. coli, tambm podem produzir -lactamases de espectro ampliado (ESBL), que os tornam resistentes maioria dos antibiticos -lactmicos, incluindo as penicilinas e cefalosporinas e o monobactmico aztreonam. Outras bactrias, como espcies de Enterobacter, podem hipe-rexpressar uma -lactamase codificada por cromossomo, que produz uma resistncia igualmente ampla aos -lactmicos. Houve dois tipos de respostas dos farmacologistas s -lacta-mases. Em primeiro lugar, conforme assinalado anteriormen-te, foram desenvolvidas novas famlias de -lactmicos cujas estruturas os tornaram menos suscetveis clivagem pelas -lactamases existentes. A segunda resposta foi a co-adminis-trao de -lactmicos com inibidores da -lactamase, que so molculas semelhantes aos -lactmicos e que se ligam s -lactamases, impedindo-as, portanto, de destruir os anti-biticos -lactmicos com os quais so co-administrados os inibidores da lactamase. Trs exemplos de inibidores da -lactamase so o cido clavulnico (clavulanato), o sulbac-tam e o tazobactam (Fig. 33.6).
Os -lactmicos atuam de modo sinrgico com os amino-glicosdios, os inibidores bactericidas da sntese de protenas discutidos no Cap. 32. (Para mais detalhes sobre o sinergismo, ver Cap. 39.) Os aminoglicosdios inibem a sntese de protena atravs de sua ligao subunidade ribossomal 30S no cito-plasma da clula. Para ter acesso ao citoplasma, os aminogli-cosdios devem sofrer difuso passiva atravs da parede celular antes de serem transportados ativamente atravs da membrana citoplasmtica. Acredita-se que as paredes celulares de algu-mas bactrias, como os enterococos, sejam pouco permeveis aos aminoglicosdios quando esses frmacos so administrados de modo isolado. Como os -lactmicos atuam aumentando a permeabilidade da parede celular, a co-administrao de um
-lactmico facilita a captao de um aminoglicosdio e, por-tanto, potencializa o seu efeito.
Uma questo interessante saber se os aminoglicosdios retribuem esse efeito ao potencializar a atividade dos -lact-micos ou se, ao contrrio, antagonizam os -lactmicos atravs da inibio da sntese de autolisinas. Com base em pesquisas com Bacillus subtilis, parece que as paredes celulares das bac-trias contm uma quantidade letal de autolisinas durante todo o crescimento celular e que as clulas restringem ativamente a atividade autoltica ao controlar o estado de ativao dessas protenas. Esse achado sugere que a autlise no necessita da sntese de novo de autolisinas; por conseguinte, os aminoglico-sdios no deveriam antagonizar os -lactmicos. De qualquer modo, o aspecto importante o fato de que, clinicamente, os b-lactmicos e os aminoglicosdios so sinrgicos.
Os efeitos adversos mais comuns da terapia com -lact-micos consistem em reaes de hipersensibilidade. Por serem molculas pequenas, no de esperar que os -lactmicos pos-sam, por si ss, estimular as respostas imunes, e, com efeito, esses frmacos no as estimulam. Entretanto, os anis -lact-micos podem reagir com grupos amino nas protenas, criando um complexo hapteno-carreador (Fig. 33.7). A seguir, o conju-gado -lactmicoprotena pode desencadear uma resposta de hipersensibilidade. A mais temida dessas reaes a anafilaxia, que tipicamente ocorre dentro de 1 hora aps a administrao do frmaco, resultando em broncoespasmo, angioedema e/ou colapso cardiovascular. Alm disso, podem ocorrer urticria, erupo medicamentosa morbiliforme, doena do soro e febre medicamentosa. As protenas sobre a superfcie dos eritrcitos
HN
S
COOH
NH
R
O
NH
O
ProtenaProtena
NH2
N
S
COOH
HNR
OO
NH2
Anticorpo
Antibitico -lactmico
Protena humana (no-antignica)
Protena humana modificada(antignica)
N
Fig. 33.7 Toxicidade dos beta-lactmicos. Painel superior: os beta-lactmicos podem modificar os grupos amino nas protenas humanas, criando um hapteno -lactmico imunognico. Painel inferior: na ausncia de modificao, as protenas humanas so, em geral, no-antignicas. A modificao de protenas endgenas pela adio de um antibitico -lactmico resulta na formao de um novo determinante antignico, que pode ser reconhecido como no-prprio pelos anticorpos do sistema imune do hospedeiro.
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tambm podem ser modificadas pela penicilina, resultando em anemia hemoltica auto-imune induzida por frmacos. Rara-mente, os antibiticos -lactmicos provocam lpus induzido por frmaco. Na maioria dos indivduos, esse processo depen-de acentuadamente da dose: a probabilidade de uma reao de hipersensibilidade aumenta com cada administrao de um -lactmico. Os -lactmicos de determinada classe freqente-mente exibem reao cruzada entre si; todavia, os -lactmicos de uma classe exibem menos freqentemente reao cruzada com -lactmicos de outra classe. Os pacientes com alergia penicilina no devem receber ampicilina nem carbapenemos, devido ao elevado risco de reatividade cruzada. Os pacientes com alergia penicilina que no seja anafilaxia podem rece-ber uma cefalosporina. O aztreonam (um monobactmico) singular, visto que no apresenta nenhuma reatividade cruzada com as penicilinas ou carbapenemos; entretanto, a reatividade cruzada entre o aztreonam e a ceftazidima (uma cefalospori-na), devido a uma cadeia lateral compartilhada, j est bem estabelecida.
Antibiticos Beta-Lactmicos: Agentes EspecficosPenicilinasConforme assinado anteriormente, existem quatro subclasses estruturalmente distintas de antibiticos -lactmicos (ver Fig. 33.6A). A primeira dessas subclasses, as penicilinas, pode ser ainda subdividida em cinco grupos, com base nos seus espec-tros de ao.
O primeiro grupo de penicilinas inclui a penicilina G, que administrada por via intravenosa, e a penicilina V, o seu cor-respondente oral. A penicilina G de uso mais disseminado do que a penicilina V; esta ltima administrada principalmente no tratamento de infeces aerbicas-anaerbicas mistas da cabea e pescoo, como abscessos dentrios. Alm disso, a penicilina V utilizada na preveno da febre reumtica recidivante em pacientes com episdio anterior e da celulite estreptoccica recorrente em pacientes com linfedema. A penicilina G uti-lizada no tratamento de infeces graves por bactrias Gram-positivas, como pneumococo e S. pyogenes (algumas cepas de cada um deles), diplococos Gram-negativos, como espcies de Neisseria (exceto N. gonorrhoeae produtora de penicilinase), bacilos Gram-positivos do gnero Clostridium, a maioria dos anaerbios ( exceo de Bacteroides) e espiroquetas, como sfilis e Leptospira. A penicilina G em alta dose pode provocar convulses, alm das reaes de hipersensibilidade e exante-ma j mencionadas. Todas as penicilinas podem causar nefrite intersticial aguda. As interaes medicamentosas so raras, porm os efeitos anticoagulantes da varfarina podem ser poten-cializados pela administrao concomitante de penicilina.
O segundo grupo constitudo pelas penicilinas antiesta-filoccicas, incluindo oxacilina, cloxacilina, dicloxacilina, nafcilina e meticilina. Esses frmacos so estruturalmente resistentes -lactamase estafiloccica, que codificada por genes de plasmdios na maioria dos microrganismos isolados na clnica. Todavia, em virtude de sua relativa hidrofobicidade, as penicilinas antiestafiloccicas carecem de atividade contra as bactrias Gram-negativas. (Convm lembrar tambm que a meticilina liga-se apenas a uma nica transpeptidase.) Por conseguinte, esses agentes so utilizados, em sua maior parte, no tratamento de infeces da pele e dos tecidos moles ou infeces documentadas por S. aureus sensvel meticilina. O uso das penicilinas antiestafiloccicas orais (cloxacilina e dicloxacilina) limitado em virtude de seus efeitos adversos
gastrintestinais (nusea, vmitos e diarria associada a anti-biticos), bem como devido ao desenvolvimento secundrio de colite por C. difficile. Os efeitos adversos da nafcilina IV incluem flebite no local de injeo; ocorrem agranulocitose e nefrite intersticial aguda numa maior taxa, em comparao com outras penicilinas. O uso da oxacilina limitado pela sua hepa-totoxicidade, que reversvel com a interrupo do frmaco. A utilidade das penicilinas antiestafiloccicas no tratamento do S. aureus tem sido reduzida pelo aparecimento de cepas de SARM. Quando se detecta um caso de SARM no hospital, so tomadas precaues especiais para impedir a sua disseminao para outros pacientes. Os pacientes com infeco por SARM so tipicamente tratados com vancomicina.
A ampicilina e a amoxicilina so membros do terceiro gru-po de penicilinas, as aminopenicilinas, que possuem um grupo amino de carga positiva na cadeia lateral. Essa carga positiva aumenta a difuso atravs dos canais de porina mas no confere resistncia s -lactamases. Esses agentes mostram-se efetivos contra uma variedade de cocos Gram-positivos; cocos Gram-negativos, como Neisseria gonorrhoeae e N. meningitidis, e bacilos Gram-negativos, como E. coli e H. influenzae, porm o seu espectro limitado pela sua sensibilidade maioria das -lactamases. A ampicilina IV utilizada mais comumente no tratamento de infeces enteroccicas invasivas e da menin-gite por Listeria; a amoxicilina oral prescrita no tratamento de infeces otorrinolaringolgicas no-complicadas, na pre-veno da endocardite em pacientes de alto risco submetidos a procedimentos dentrios e como componente da terapia de combinao para a infeco causada por Helicobacter pylori. O efeito adverso mais comum consiste em exantema no-urticari-forme. O espectro de ambos os agentes ampliado quando so co-administrados com inibidores da -lactamase, como cido clavulnico (como amoxicilina) ou sulbactam (como ampicili-na) para tratamento de infeces por microrganismos produto-res de -lactamase, como S. aureus, Haemophilus influenzae, E. coli, Klebsiella, Acinetobacter, Enterobacter e anaerbios.
Os agentes includos no quarto grupo das penicilinas, as carboxipenicilinas, tambm possuem amplo espectro de ao. O grupo carboxila da cadeia lateral fornece uma carga nega-tiva que confere resistncia a algumas -lactamases; todavia, menos efetivo do que um grupo amino de carga positiva no processo de facilitar a difuso atravs dos canais de porina. Para superar essa limitao na difuso, so administradas altas doses. A resistncia s -lactamases codificadas por cromosso-mos de Enterobacter e Pseudomonas faz com que esses micror-ganismos sejam includos no espectro das carboxipenicilinas. Esse grupo constitudo de dois membros: a carbenicilina e a ticarcilina.
Um quinto grupo, as ureidopenicilinas, representado pela piperacilina e mezlocilina. Esses frmacos possuem cargas tanto positivas quanto negativas em suas cadeias laterais e, em geral, so mais potentes do que as carboxipenicilinas. Seu espectro de ao assemelha-se ao das carboxipenicilinas; alm disso, exibem atividade contra Klebsiella e contra enteroco-cos.
CefalosporinasAs cefalosporinas diferem estruturalmente das penicilinas pela presena de um anel acessrio de seis membros, e no de cinco membros, fixado ao anel -lactmico (Fig. 33.6).
As cefalosporinas de primeira gerao (cefazolina e cefa-lexina) mostram-se ativas contra espcies Gram-positivas bem como contra os bacilos Gram-negativos Proteus mirabilis e
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Farmacologia das Infeces Bacterianas: Sntese da Parede Celular | 573
E. coli, que causam infeces do trato urinrio, e Klebsiella pneumoniae, que provoca pneumonia alm de infeces do trato urinrio. Esses agentes mostram-se sensveis a muitas -lactamases, porm so resistentes -lactamase de K. pneu-moniae codificada por cromossomo e -lactamase estafilo-ccica comum. Tanto a cefalexina quanto a cefazolina so utilizadas no tratamento de infeces da pele dos tecidos moles; a cefazolina tambm utilizada para profilaxia cirrgica.
As cefalosporinas de segunda gerao podem ser divididas em dois grupos. A cefuroxima, que representa o primeiro grupo, possui atividade aumentada contra H. influenzae em compara-o com as cefalosporinas de primeira gerao; o cefotetan e a cefoxitina, que representam o segundo grupo, exibem atividade aumentada contra Bacteroides. Alm disso, as cefalosporinas de segunda gerao mostram-se geralmente resistentes a maior nmero de -lactamases do que as cefalosporinas de primeira gerao. Por conseguinte, a cefuroxima freqentemente uti-lizada no tratamento da pneumonia adquirida na comunidade, enquanto o cefotetan prescrito no tratamento de infeces intra-abdominais e plvicas, incluindo a doena inflamatria plvica. Os efeitos adversos desses frmacos incluem diarria, ligeira elevao das enzimas hepticas e reaes de hipersen-sibilidade; raramente, podem ocorrer agranulocitose ou nefrite intersticial.
As cefalosporinas de terceira gerao (ceftriaxona e cefota-xima) so resistentes a muitas -lactamases e, por conseguin-te, mostram-se altamente ativas contra Enterobacteriaceae (E. coli, Proteus indol-positivo, Klebsiella, Enterobacter, Serratia e Citrobacter) e contra Neisseria e H. influenzae. As cefalospo-rinas de terceira gerao so menos ativas contra microrganis-mos Gram-positivos do que os frmacos de primeira gerao; apesar disso, possuem boa atividade contra S. pneumoniae de sensibilidade intermediria penicilina (embora possa ocorrer resistncia s cefalosporinas). Os usos comuns incluem trata-mento das infeces das vias respiratrias inferiores, menin-gite por S. pneumoniae adquirida na comunidade, infeco gonoccica no-complicada, endocardite com cultura negativa e doena de Lyme complicada. Alm dos efeitos adversos j mencionados, a ceftriaxona pode causar hepatite colesttica. A ceftazidima a ltima cefalosporina de terceira gerao comumente utilizada; seu espectro de ao difere dos outros dois agentes pela sua atividade antipseudomonas significativa e atividade mnima contra microrganismos Gram-positivos. utilizada predominantemente no tratamento de infeces bac-terianas Gram-negativas hospitalares e infeces documentadas por P. aeruginosa, bem como na forma de terapia emprica para pacientes neutropnicos com febre. Todavia, as bactrias Gram-negativas que adquiriram atividade de -lactamase de espectro ampliado mostram-se resistentes s cefalosporinas de terceira gerao.
A cefepima a nica cefalosporina de quarta gerao atu-almente disponvel. A exemplo da ceftriaxona, mostra-se alta-mente ativa contra Enterobacteriaceae, Neisseria, H. influenzae e contra microrganismos Gram-positivos; alm disso, to ativa quanto a ceftazidima contra P. aeruginosa. A cefepima tambm mais resistente s -lactamases de Enterobacter codificadas por cromossomos do que as cefalosporinas de terceira gera-o. Entretanto, ao contrrio da ceftazidima, a cefepima no aprovada para o tratamento da meningite. Um efeito adver-so incomum consiste no desenvolvimento de auto-anticorpos contra antgenos eritrocitrios, tipicamente sem hemlise sig-nificativa.
Conforme assinalado anteriormente, as cefalosporinas geral-mente podem ser utilizadas em pacientes com alergia no-poten-
cialmente fatal s penicilinas. Todavia, as cefalosporinas podem causar reaes de hipersensibilidade e, por conseguinte, devem ser evitadas em pacientes com hipersensibilidade reconhecida a esses frmacos. interessante assinalar que o cefotetan e a cefoperazona contm uma cadeia lateral de N-metiltiotetrazol (NMTT), que produz dois efeitos adversos singulares. O pri-meiro deles consiste numa sndrome de intolerncia ao lcool, conhecida como reao semelhante ao dissulfiram (o dissul-firam um frmaco que inibe o metabolismo do lcool; ver Cap. 17). O segundo envolve um efeito sobre o metabolismo da vitamina K, resultando em sntese diminuda dos fatores da coagulao dependentes da vitamina K. Por conseguinte, o cefotetan e a cefoperazona devem ser utilizados com cau-tela em pacientes em uso de varfarina, bem como naqueles com anormalidades subjacentes da coagulao (ver Cap. 22). O cefotetan, a exemplo da maioria das cefalosporinas, tambm pode provocar hemlise mediada por anticorpos.
Monobactmicos e CarbapenemosO nico monobactmico disponvel, o aztreonam, mostra-se ativo contra a maioria das bactrias Gram-negativas, incluindo P. aeruginosa, porm carece de atividade contra os microrganis-mos Gram-positivos. Entretanto, as bactrias Gram-negativas com -lactamases de espectro ampliado so resistentes. O aztreonam mostra-se particularmente til para pacientes com grave alergia penicilina que apresentam afeces causadas por microrganismos Gram-negativos resistentes; seu uso limitado devido ocorrncia de flebite no local de administrao IV, e a sua meia-vida curta exige doses a intervalos freqentes.
Existem trs carbapenemos utilizados na prtica clnica: o imipenem, o meropenem e o ertapenem. Todos os trs pos-suem amplo espectro e proporcionam uma cobertura contra a maioria dos microrganismos Gram-positivos, Gram-negativos e anaerbicos. Nenhum deles ativo contra SARM, VER ou Legionella. importante observar que o ertapenem muito menos ativo contra P. aeruginosa e Acinetobacter do que os outros dois agentes, e o seu benefcio consiste na administra-o de uma dose nica ao dia. Como o imipenem inativado pela enzima renal humana desidropeptidase I, esse frmaco sempre co-administrado como o inibidor da desidropeptidase, a cilastatina. Nem o meropenem nem o ertapenem so inativados pela enzima renal. Todos os trs frmacos podem causar rea-es de hipersensibilidade e flebite no local de administrao IV. O imipenem e o meropenem em nveis plasmticos eleva-dos podem causar convulses. O probenecid pode aumentar os nveis de meropenem, e todos os trs agentes podem diminuir os nveis de valproato.
AGENTES ANTIMICOBACTERIANOS
Etambutol, Pirazinamida e IsoniazidaO etambutol, a pirazinamida e a isoniazida (INH) so trs dos cinco agentes de primeira linha utilizados no tratamento da tuberculose (os outros dois so a rifampicina e a estreptomicina, ambas discutidas no Cap. 32). Os pacientes com tuberculose ativa e sem histria de tratamento prvio comeam com um esquema de quatro frmacos se a prevalncia local de resistn-cia isoniazida for superior a 4%. Se a resistncia isoniazida for rara, pode-se utilizar um esquema de trs frmacos sem etambutol (ver Cap. 39).
O etambutol, um agente bacteriosttico, diminui a sntese de arabinogalactano atravs da inibio da arabinosil transferase,
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que adiciona unidades de arabinose cadeia de arabinogalacta-no em crescimento. A pirazinamida e a INH inibem a sntese de cido miclico. A pirazinamida um pr-frmaco, que precisa ser convertido em sua forma ativa, o cido pirazinico, pela enzima pirazinamidase. O cido pirazinico inibe a FAS1, a enzima que sintetiza os cidos graxos precursores do cido miclico. A isoniazida e o agente de segunda linha relacionado, a etionamida, so dirigidos contra o complexo FAS2 e so bac-tericidas, embora o mecanismo exato de ao de destruio das bactrias permanea desconhecido. Os alvos dos dois agentes antimicobacterianos esto resumidos na Fig. 33.4.
O tratamento da tuberculose ativa exige o uso de mltiplos frmacos. Como a resistncia aos agentes antimicobacterianos ocorre habitualmente por mutao, um forte argumento a favor dessa estratgia baseia-se na freqncia de mutaes de resis-tncia e no nmero de bactrias presentes numa infeco clni-ca. Cada leso tuberculosa no pulmo infectado pode conter 108 bactrias. A freqncia de mutantes resistentes a qualquer fr-maco antimicobacteriano administrado isoladamente de cerca de 1 em 106 bactrias. Essa freqncia significa que, em cada leso tuberculosa, cerca de 100 bactrias, em mdia, j esta-ro resistentes a um agente antimicobacteriano, mesmo antes da administrao do frmaco. A terapia de combinao com apenas dois frmacos diminui a probabilidade de resistncia preexistente para apenas uma bactria em 1012, e o tratamento com quatro frmacos reduz essa probabilidade para 1 em 1024 (ver Cap. 39). Embora esses nmeros ainda no estivessem disponveis quando o Dr. Pierce solicitou um suprimento de isoniazida, ele sabia, com base numa anlise qualitativa, que ele poderia aumentar ao mximo a probabilidade de sobrevida de seu paciente e de sua recuperao da tuberculose ao combinar a estreptomicina com isoniazida, um agente antimicobacteriano seletivo introduzido em 1952.
Os agentes antimicobacterianos podem produzir diversos efeitos adversos. O etambutol est associado com neurite pti-ca; os pacientes aos quais se administra esse frmaco relatam a ocorrncia de comprometimento da acuidade visual, perda da discriminao para cores, constrio dos campos visuais e/ou escotomas centrais e perifricos. Em geral, os sintomas apa-recem depois de mais de um ms de terapia e so reversveis; entretanto, foi relatada a ocorrncia de cegueira irreversvel de incio sbito. Por conseguinte, os pacientes em uso de etambutol devem efetuar um exame oftalmolgico mensal-mente para avaliar tanto a acuidade visual quanto a discrimi-nao para cores. A pirazinamida est associada a artralgias e hiperuricemia (habitualmente assintomtica); entretanto, o aspecto mais importante que esse frmaco produz comu-mente hepatotoxicidade, que pode ser grave e irreversvel. Enquanto os pacientes que apresentam hepatotoxicidade leve causada pela INH podem tomar novamente o frmaco, aqueles que apresentam hepatotoxicidade induzida pela pirazinamida no devem ser novamente expostos ao frmaco. A isoniazida est associada hepatite, bem como neuropatia perifrica. A hepatotoxicidade induzida pela INH pode ser leve, mani-festando-se apenas na forma de elevao mnima das enzimas hepticas que no exige a interrupo do frmaco (ocorrendo em 10 a 20% dos pacientes), ou pode ser grave, levando ao desenvolvimento de hepatite sintomtica (que ocorre em 0,1% dos pacientes, com risco aumentado em pacientes idosos que apresentam doena heptica subjacente e que tambm fazem uso da rifampicina). As manifestaes neurolgicas da toxici-dade da INH consistem em parestesias, neuropatia perifrica e ataxia; essa toxicidade deve-se inibio competitiva da piridoxina pela INH na sntese de neurotransmissores e pode
ser evitada com a suplementao de piridoxina. A isoniazi-da tambm pode inibir ou induzir as enzimas do citocromo P450 e, portanto, pode interagir com vrios outros frmacos, incluindo a rifampicina, os medicamentos anticonvulsivantes, carbamazepina e fenitona, os antifngicos de tipo azlico e o lcool.
A resistncia a esses frmacos e aos agentes antimicobacte-rianos em geral resulta de mutaes cromossmicas. Com mais freqncia, a resistncia ao etambutol resulta de mutaes no gene da arabinosil transferase, algumas das quais causam hipe-rexpresso da enzima alvo. Em geral, a resistncia isoniazida resulta de uma mutao inativadora na enzima micobacteriana, a catalase-peroxidase, que converte a isoniazida em sua forma antimicobacteriana. As mutaes no gene INHA, que necess-rio para sntese de cido miclico, tambm conferem resistncia INH. A resistncia pirazinamida deve-se, em geral, a muta-es no gene da pirazinamidase, resultando na incapacidade de converter o pr-frmaco em sua forma ativa.
n Concluso e Perspectivas FuturasA parede celular das bactrias oferece diversos alvos antibac-terianos exclusivos para mdicos e farmacologistas. Essa estru-tura, que consiste em uma rede tridimensional de polmeros de peptdioacar de ligao cruzada, denominados murena, sintetizada em trs fases: (1) sntese de monmeros de murena, (2) polimerizao dos monmeros em polmeros de murena e (3) ligao cruzada dos polmeros para completar a parede.
Os agentes antibacterianos atuam em todas as trs fases da sntese da parede celular: a fosfomicina e a ciclosserina atuam na primeira fase; a vancomicina, a teicoplanina e a bacitracina exercem a sua ao na segunda fase; e os -lactmicos, que constituem o grupo maior e mais importante, atuam na ter-ceira fase. Os -lactmicos que incluem as penicilinas, as cefalosporinas, os monobactmicos e os carbapenemos so bactericidas; a morte celular autoltica resulta mais provavel-mente da ao no-controlada das protenas de remodelagem da parede, denominadas autolisinas. As diferenas estruturais e qumicas entre os -lactmicos determinam seus espectros de atividade contra bactrias com diferentes arquiteturas da parede celular.
A resistncia aos antibiticos -lactmicos geralmente conferida por -lactamases codificadas por plasmdios. Os far-macologistas superaram esse mecanismo de resistncia (1) com o desenvolvimento de novos agentes -lactmicos como, por exemplo, as cefalosporinas de segunda e de terceira gerao que so resistentes degradao por numerosas -lactamases e (2) com a co-administrao de chamarizes -lactmicos, como o cido clavulnico e o sulbactam, que atuam como inibidores da -lactamase. Como as -lactamases podem ser codificadas em plasmdios, podem disseminar-se atravs de populaes bacterianas (e humanas) com grande velocidade, tornando o desenvolvimento de antibiticos uma contnua corrida arma-mentista.
Os agentes antimicobacterianos atuam atravs do bloqueio de vrias etapas na sntese de molculas, como o cido miclico e o arabinogalactano, que so exclusivas da parede celular das micobactrias. Tipicamente, a resistncia a esses agentes deve-se ocorrncia de mutaes; entretanto, a terapia de combina-o de suma importncia para evitar o desenvolvimento de resistncia por mutaes. As futuras inovaes provavelmente devero incluir o desenvolvimento de novos agentes dirigidos contra os outros alvos moleculares exclusivos apresentados pela bioqumica da parede celular bacteriana.
Farmacologia das Infeces Bacterianas: Sntese da Parede Celular | 575
n Leituras SugeridasBrennan PJ. The envelope of mycobacteria. Annu Rev Biochem
1995;64:2963. (Reviso da estrutura, da composio e da sntese da parede celular das micobactrias.)
Cosgrove SE, Carroll KC, Perl TM. Staphylococcus aureus with reduced susceptibility to vancomycin. Clin Infect Dis 2005;39: 539545. (Relato recente de VISA e VRSA, incluindo definies, fatores de risco e mecanismos de resistncia.)
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Gale EF, Cundliffe E, Reynolds PE, et al. The Molecular Basis of Anti-biotic Action. 2nd ed. London: John Wiley; 1981. (Texto clssico sobre antibiticos que descreve as experincias que resultaram na
descoberta de muitos dos mecanismos de ao comentados neste captulo.)
Jacoby GA, Munoz-Price LS. The new beta-lactamases. N Engl J Med 2005;352:380391. (Reviso da farmacologia de beta-lactamases recentemente desenvolvidas.)
Kelkar PS, Li JT. Cephalosporin allergy. N Engl J Med 2001;345:804809. (Reviso abrangente da literatura sobre as reaes s cefalosporinas em pacientes com histria pregressa de alergia penicilina.)
Paterson DL, Bonomo DA. Extended-spectrum beta-lactamases: a clinical update. Clin Microbiol Rev 2005;18:657686. (Reviso da microbiologia, da transmisso e do tratamento com beta-lac-tamases de espectro ampliado.)
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Farmacologia das Infeces Bacterianas: Sntese da Parede Celular | 577
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