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19ª Edição - 30 Abril 2015 Núcleo de Ciência Política ISCSP - UL

Quando será Abril pág2

Euro: consequências e desafios

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“Para os países do Sul como Portugal o Euro representou logo à partida um

grande desafio já que é uma moeda muito mais forte do que o escudo, o

que contribui para um maior défice da balança comer-cial.”

Mar de Sangue pág8

Pobreza em Portugal © IMAGES.CDN.IMPRESA.PT pág3

POLÍTICA INTERNA

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Faz 41 anos que um golpe preparado pelo Movimento das Forças Armadas

derrotou o Estado Novo, colocando fim a décadas de repressão, privação e guerra. Por todo o país, e pelo mundo fora, portugueses recuperaram a capacidade de sonhar com um futuro diferente. Esta

esperança pode ser lida na voz de um operário de construção civil que

confessa a um jornalista: “Já esperava isto à muito tempo”. Faz todo o sentido recordar e celebrar as conquistas do 25 de Abril, especialmente hoje, quando o povo português enfrenta

um novo autoritarismo. O regime da austeridade reabilitou a repressão, privação e outros abusos de poder. Mesmo quando passar o pretexto da crise da

dívida pública, serão encontrados outros pretextos para prepetuar a dominação. Ficaram por cumprir os projectos de liberdade, solidariedade e soberania popular que, há 41 anos,

aqueciam os corações dos nossos pais e avós. Quem os realizará? O “povo unido” que desespera, sem ver saída? As elites políticas, arrogantes e corruptas? Os movimentos sociais,

que desmobilizam para fundar mais uma força partidária de esquerda trotskista? Os Marinhos Pintos da praça pública? Não há Dom Sebastião à vista, continuará Abril por cumprir-se.

Quando será Abril?

Rui Coelho

© COMUNIDADE.SOL.PT

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O ESPECTRO | 03

POLÍTICA INTERNA

em parceria com o NAE - ISCTE

A letargia económica em Portugal

Com o aproximar das eleições legislativas multiplicam-se as pro-postas para a salvação da economia nacional, no entanto a questão para a maioria dos portugueses reside na dúvida incontornável acerca da capacidade de mudança de qual-quer um dos executi-vos que venha a to-mar posse. Circuns-tâncias cíclicas à par-te, a verdade é que a economia portuguesa enfrenta um grave problema de competi-tividade, que nenhum governo conseguiu nos últimos 20 anos resolver. A política de horizontes curtos, com perspetivas limi-tadas a 4 anos, impe-diu a implementação de uma estratégia co-esa de longo prazo que permitisse a alte-ração das característi-cas que o determi-

nam. Portugal tem um grave problema na sua estrutura pro-dutiva, devido à es-pecialização em seto-res que se baseiam na competitividade-custo, semelhantes aos de países asiáti-cos e do leste euro-peu que nessa com-ponente conseguem ser mais competiti-vos. As deslocaliza-ções, falências e per-da de cota de IDE, foram uma dinâmica demasiado evidente no início do milénio, principalmente após o alargamento da União, que veio re-forçar a tendência iniciada com a libera-lização aduaneira a oriente em 95 com o fim do acordo Multi-fibras. Num país que precisa rapidamente de se modernizar tecnologicamente e de intensificar a sua

João Rodrigues

aposta nas ciências e tecnologias, urge ex-plicar o que fazer a 258 mil desemprega-dos –registados - que têm o 3º ciclo de es-colaridade ou menos. Poderá a resposta a este problema dra-mático não implicar a continuação de uma aposta nos baixos custos de trabalho? Ou implicará a rees-truturação do tecido empresarial portu-guês a exclusão per-manente do mercado de trabalho destes trabalhadores? Além das óbvias carências de capital humano, que são a causa de maior relevância pa-ra o atual padrão de produção pouco competitivo e dinâ-mico, existem entra-ves conjunturais que ameaçam ir perpetu-ando o problema. A fraca dinâmica do mercado interno mi-tiga o investimento interno e externo, pelo que a capacida-de de exportação se torna um fator deter-minante no processo de atração e fomen-

tação de investimen-to. Consequentemen-te, Portugal tem de apresentar condições endógenas suficiente-mente mais favoráveis às dos mercados de destino para compen-sar os custos incorri-dos pela não localiza-ção nesses mercados. Neste sentido, é preci-so ter uma visão de longo prazo para a im-plementação de uma estratégia nacional que vise a criação de condições para a for-mação de clusters in-dustriais, que atuem como polos de desen-volvimento e cresci-mento e que se alas-trem de forma trans-versal a todo o país. Não obstante os casos exemplares que exis-tem em Portugal, dos quais a Autoeuropa e o parque industrial de Palmela são o melhor exemplo, existe uma clara incapacidade de fazer florescer casos semelhantes de forma substancial. A perpe-tuação do problema resulta diretamente da avidez política pelo dispêndio de recursos

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cíclico adverso acen-tuou a emigração de população qualifica-da, precisamente a que encontra mais oportunidades no exterior e paradoxal-mente, a que o país mais precisa apesar de ser incapaz de a integrar. Talvez tiran-do proveito do es-quecimento e da crescente desconcen-tração que o uso in-cauto dos estímulos

virtuais trouxe ao no-vo milénio, a alterna-tiva socialista é enri-quecida por demago-gias avelhentadas, pouco concretas, pouco sustentadas e que nos aspetos es-

em ações com efeitos de curto-prazo e com consequências eleito-rais expressivas nas eleições seguintes. O desastroso resultado, é a ingerência dos problemas basilares da economia portu-guesa e a mera preo-cupação com a altera-ção de condições de contexto, que nos condenam indefinida-mente à reação ao in-vés da antecipação

das dificuldades. A mi-opia política é um tu-mor no fulgor nacio-nal e as dioptrias pa-recem vir a agravar-se cada vez mais. Na pre-sente legislatura, só em 2013 o governo

diminuiu a verba do Ministério da Educa-ção em 370 milhões euros, o que repre-senta uma enorme laxação face ao mai-or problema nacional - descurando propo-sitadamente os ale-gados ganhos de efi-ciência. Em termos reais, entre 2005 e 2013 só o ensino su-perior perdeu 200 milhões de euros de dotação do orçamen-

to de estado, o que é difícil perceber face a outros tão exagera-dos gastos noutras rúbricas. Como se não bastasse, a inca-pacidade de resposta face a um período

senciais deixam vis-lumbrar muito pouco. Não desprezando as propostas positivas apresentadas, a falta de ideias novas e de direção não foge à tra-dição da política por-tuguesa de apresentar curativos para úlceras varicosas. Muito pou-co se diz acerca da ex-ploração e potencia-ção das capacidades do país, não se adian-ta nada de novo para combater o problema do desemprego acima enunciado, nem se acrescenta uma clara estratégia de moder-nização e qualificação dos recursos huma-nos, para além do que já tem vindo a ser fei-to, apesar de reconhe-cida a sua importân-cia. É bom que os por-tugueses não caiam em promessas fáceis e vazias, e sejam mais exigentes com todos os candidatos ao po-der quanto à apresen-tação de propostas de futuro para o país, sob pena de o país conti-nuar a agonizar na le-targia económica.

© COPY.PNN.PT

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O ESPECTRO | 05

#Je Suis Candidate Aussi

Diz-se que as Presi-denciais de 2016 não tardam aí. De entre as promessas ilusórias da democra-cia, financiadas pela liberdade de imprensa e informação, e num momento em que a confiança no governo e nas instituições polí-ticas se encontra em declínio, num registo histórico no regime que o 25 de Abril de 1974 nos trouxe, sur-ge uma particular ideia de que as pesso-as se acham particu-larmente próximas e se acham capazes de exercer, não só o seu sentido crítico de opi-nião, mas também a competência para ser-vir determinado cargo público, e não é um qualquer: ou almejam um assento no Parla-mento ou a suite real no Palácio de Belém. Ou seja, para além de

julgarem toda a polí-tica no café, também possuem o descara-mento (ou não) de olhar para si próprios como um possível exemplo. E o pior é que a ideia começa a fazer-lhes sentido – pelo menos, para mais de uma dezena de portugueses fez. As eleições Presiden-ciais de 2016 em Por-tugal contarão com, pelo menos, mais de dez potenciais candi-datos e continuamos atentos às próximas notícias porque pos-sivelmente aparecerá mais algum. É um va-lor histórico, que ba-te as Presidenciais de 1986, onde se dispu-taram Mário Soares e Freitas do Amaral nu-ma segunda volta, numas eleições com 8 candidatos. Talvez a confiança no gover-no varie numa rela-

Francisca Sassetti

ção inversa com a participação política, nomeadamente, com o interesse por assu-mir pastas institucio-nais políticas. Por um lado, não estamos aqui a menosprezar o voto que cada um tão inalienavelmente possui para determi-nar o seu represen-tante, mas a capaci-dade de se auto-intitular um. Não sei porque dizem que há uma crise de repre-sentatividade; nunca tivemos tantas pes-soas a querer ser a cara do país! Se con-siderarmos a mínima proposta de 10 can-didatos, para 10 mi-lhões de portugue-ses, falamos de 0,0001 % de repre-sentatividade de to-dos os portugueses! Por outro lado, será correcto banalizar o que é mais profundo do que uma notícia e mais importante do que atenção mediáti-ca? Afinal – meus se-nhores – falamos do futuro do país. Mas porque há tan-tos candidatos? Per-

gunto-me se será pela falsa proximidade en-tre governantes e go-vernados, entre cau-sas e participação, co-mo aquele euro que doam para a AMI – que decerto que che-ga aos meninos esfo-meados em África -; ou então se será pela tendência exagerada de mobilização dos Media e a mania de que toda a gente é muito crítica neste pa-ís e muito apta ao bom comentário polí-tico – todos adoramos o Cavaco e elogiamos o seu trabalho, é por isso que votámos ne-le, certo? -, e isso re-lembra-me de #JeSuisCharlie. Lem-bram-se do ataque terrorista ao jornal Charlie Hebdo? Todos queriam ser Charlie quando um grupo ex-tremista islâmico ma-tou meia dúzia de pes-soas em resposta a medidas xenófobas e extremistas em França e o slogan inflamou as pessoas, que se consi-deraram aptas a de-fender a causa justa-mente; contra a radi-

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calização islâmica, sa-bendo que muitas de-las são xenófobas e não radicalistas relati-vamente ao próprio islamismo. Agora, em Portugal, todos que-rem ser o novo presi-dente da República Portuguesa, conside-rando-se aptas a de-fender a causa e o pa-ís justamente, porém revelam-se pessimis-tas quanto ao estado do País e criticam mais a torto do que a direito, sabendo que muitas delas espera-ram, pelo menos 35 anos anos, para come-çar a preocupar-se com o raio do seu pa-ís!! As ilusórias promessas da democracia dizem-nos que nem todos podemos ser o que quisermos. E que é simplesmente triste a vulgarização e banali-zação de assuntos sé-rios, porque desvalori-zamos a nossa identi-dade e a seriedade da nossa política. Isto são assuntos sérios. Um Presidente da Repúbli-ca competente, sério e convicto, pode revi-

talizar a vontade e o poder nacionais. Já dizia o Camões “Um fraco rei faz fraca a forte gente”. Apesar de tudo, fico, na verdade, muito feliz por saber que existem, pela primei-

ra vez na História de Portugal, tantas pes-soas competentes a lutar pelo destino do nosso país. Pelo me-nos, há quem se inte-resse intrinsecamen-te pelo país. Talvez seja isto obra de D.

Sebastião - quem sa-be? Este país conti-nua a surpreender-me, e garanto-vos que nunca me abor-reço. Há sempre no-vidades e coisas his-tóricas inéditas na política portuguesa,

sobretudo em elei-ções –o fenómeno Marinho e Pinto de vira-casaquismo, as Primárias do PS em 2014, a prisão de um ex-Primeiro-Ministro, e agora um enorme número de candida-

tos que abrange um variado leque de pro-fissionais: desde ex-deputados, a ex-vice’s de Câmaras, ex-reitores, malta de sin-dicatos; a festa está cheia. Esperemos que o Tribunal Constitucio-

nal não se junte à fes-ta e tenha juízo. Temos uma capacida-de extraordinária para nos reinventarmos. Ou não. Talvez seja mais: “Tudo ao molho e fé em Deus”.

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Qual o interesse da Edução (II)?

No mês passado apresentei, na primeira parte deste texto, algumas ideias para reflexão sobre o sistema de ensino. Embora o sistema de ensino em Portugal tenha vindo a ser progressivamente melhorado (com alguns altos e baixos) a continuidade dessas melhorias exige uma direcção. Com isto em mente, gostaria de explorar a ideia de introduzir Filosofia como disciplina do ensino básico, a partir do 7º ano. Vivemos, hoje em dia, numa sociedade cada vez mais marcada pela importância do imediato. A informação prolifera e circula à velocidade de uma ligação à internet. A quantidade avassala-

dora de informação disponível cria a ilusão de um acesso a cada vez mais conhecimento. Porém, como aqui defendo, informação não é conhecimento. Para ter acesso à primeira é apenas preciso ver na superfície do terreno, almejar o segundo é saber-se que é preciso escavar. Mas mais do que di-zer onde escavar, os programas escola-res deveriam fornecer a pá para o empreendimento. Em vez de limitar-se a impingir um con-junto de matérias aos alunos, a escola de-veria preocupar-se sobretudo em ajudar a activar as potencia-lidades dos mesmos: saber fazer e, sobre-tudo, cada vez mais importante, saber

Gonçalo Lima

pensar. Para tal parece-me que a introdução de uma disciplina de Filoso-fia, já a partir do 7º ano, seria uma ideia a considerar. A filosofia lida essen-cialmente com con-ceitos que constitu-em a base do pensa-mento lógico, o que induz um maior sen-tido crítico e aptidão para transformar in-formação em conhecimento. A melhoria nas capacidades dos alu-nos tenderia também a repercutir-se numa maior facilidade de aprendizagem das outras disciplinas di-tas nucleares (como a Matemática ou o Português). Prova disso mesmo foi um projecto fi-nanciado pela Paul Hamlyn Foundation (www.phf.org.uk), realizado em dez escolas do Reino Unido, em que alunos entre os onze e os treze anos tiveram uma aula de filosofia por semana durante um ano lecti-

vo. A quase totalidade dos alunos (97%) revelou melho-rias significativas nas suas capacidades cog-nitivas, bem como na sua concentração e confiança. Parece-me que este tipo de aprendizagem poderia ser, também, um forte incentivo a aulas com uma maior participação por parte dos alunos, na sua vontade de fazer perguntas e discutir conceitos que vão para além do que é o seu quotidiano, e alunos mais interessados são normalmente sinónimo de maiores competências e melhores resultados. Um cenário promis-sor, mesmo para os aficcionados pelos rankings. Mas, é verdade, já quase me esquecia: pensar é uma maçada. Outros que o façam, nós compramos.

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Mar de Sangue

Tiago Santos

“Entre 700 e 900 pes-soas morreram no Do-mingo afogadas no Mediterrâneo. Paga-ram com a vida uma ilusão que para elas não se cumpriu. Ás portas da Europa, o “nosso mar” transfor-mou-se num gigantes-co cemitério. Uma metáfora doloro-sa de um continente que deixou de ser uma referência moral.” in Jornal I, 21 de Abril de 2015. O Mediterrâneo ondu-la milhas e milhas transformando-se ca-da vez mais num mar vermelho, vermelho de dor e de sangue, vermelho de morte. A porta da Europa para aqueles que vêm de África fecha-se com a força das ondas e a ira da tempestade que nega a navegação às “jangadas” ancestrais que são a última espe-rança para milhares

de pessoas para quem viver à tona da água não é metáfora. Não é de hoje. Não é, mas só agora teve impacto no coração da Europa. Como em muitas outros maté-rias a dormência de Bruxelas só parece aliviar quando o cho-que é tão grande que se torna impossível não acordar. A 20 de Abril de 2015 quase um milhar de seres humanos viram o seu sonho de ter pela primeira vez uma vida ir por água abaixo, literalmente. As imagens choca-ram e inflamaram a Europa numa onda de indignação que ecoou nas paredes dos edifícios onde laboram os órgãos da União Europeia, des-poletando o huma-nismo dos políticos europeus que se apressaram a agen-dar uma Cimeira para

23 de Abril de 2015, com a resolução do flagelo em mente. Partindo do pressu-posto que a Europa, aquela que os pais fundadores imagina-ram, é hoje uma Eu-ropa sem fronteiras internas, o nosso ter-ritório é um território cujas proporções se estendem de Itália ao Reino Unido, de Por-tugal à Estónia o que significa que uma atrocidade deste ní-vel não pode nunca ser um problema de um Estado, mas an-tes da comunidade. Não é um problema de Itália, é um pro-blema dos vinte e oi-to Estados que com-põem o maior projec-to político da histó-ria. Urgem as respostas que tardam em che-gar. Certamente que a Europa não poderá receber a totalidade das pessoas que ten-tam clandestinamen-te entrar no nosso solo, pois isso signifi-caria um choque de-mográfico e econó-mico possivelmente

insuportável para um projecto que atraves-sa um dos piores mo-mentos desde a sua criação. Não temos simples-mente condições para acolher no nosso seio todos aqueles que, ao contrário dos que cá estão, vêm na Europa uma luz ao fundo do túnel, uma esperança infinita que os leva a deixar tudo para trás e embarcar. Mas se não os pode-mos acolher podere-mos fazer o que sem-pre fizemos. Somos, nós europeus, o expo-ente máximo da diplo-macia económica e da ajuda humanitária, sempre na linha da frente no apoio ao de-senvolvimento de Es-tados cujas condições em nada dignificam a espécie humana. Ur-ge, hoje, realocar es-tes recursos para os países de onde par-tem aqueles que no mar morrem, garan-tindo que no futuro o fundo do Mediterrâ-neo não é o fundo do poço.

POLÍTICA EXTERNA

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POLÍTICA EXTERNA

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Euro: Consequências e Desafios

O Euro, moeda única de 11 estados da União Europeia, na altura, incluindo Portugal foi criada a 1 de Janeiro de 1999. Contudo a sua criação foi antecedida por um processo de integração económico e monetário que começou em 1979 com o Sistema Monetário Europeu (SME) através do qual a maior parte dos países da CEE concordaram em ligar as suas moedas de forma a evitar flutuações significativas entre os seus câmbios. Este sistema permitia ajustamentos periódicos em termos de taxas de câmbios mas após de 1986 passou-se a utilizar alterações às taxas de juro internas para manter as taxas de

câmbio dentro da faixa autorizada. Em 1986 com o Acto Único Europeu que permitiu a livre circulação de pesso-as, capitais, bens e serviços. O maior entrave à livre circulação era mesmo as diferentes moedas e câmbios existentes entre os vários países da então CEE. Isso levou ao tratado de Maastricht em 1992 que estabeleceu as bases para a criação da União Económica e Monetária que estabeleceu as condições que os países teriam de cumprir para entrar na Zona Euro. Após este tratado o objectivo passou a ser a harmonizar o comportamento das economias. Aproximaram-se as

Pedro Diogo

taxas de inflação, de juro e de câmbio e proibiram-se os Estados de se financiar directamen-te nos respectivos Bancos Centrais e es-tabeleceram-se critérios de adesão à Zona Euro que os di-versos países tiveram de cumprir. A entrada na Zona Euro teve várias consequências para os países que entraram. Algumas delas foram positivas para todos os países como o facto de ter facilitado a circulação de pessoas entre os países aderentes e portanto contribuiu para o aumento do turismo intraeuro-peu. O facto de ser a moe-da única de um con-junto de estados con-fere também aos paí-ses da Zona Euro maior facilidade de comércio internacio-nal e maior presença na economia mundi-al. O euro é também uma moeda estável e que desde a sua cria-

ção estabilizou as ta-xas de inflação e as taxas de juro nesses países. Contudo nem todas as consequências foram positivas. Desde logo o Euro enfrentou um grande desafio, o de unir sobre a mesma moeda e sobre a mes-ma política mone-tária e cambial países com diferentes níveis de desenvolvimento económico e também com diferentes neces-sidades de política monetária. Até à crise internacional de 2008 o Euro passou estar a funcionar bem mas a partir daí as suas fragi-lidades começaram-se a notar sobretudo após a Crise das Dívi-das Soberanas nos pa-íses do Sul da Europa. Para os países do Sul como Portugal o Euro representou logo à partida um grande de-safio já que é uma moeda muito mais forte do que o escudo, o que contribui para um maior défice da balança comercial. A verdade é que a década após a entrada

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O ESPECTRO | 09

POLÍTICA EXTERNA

de Portugal no euro foi uma a década per-dida, em que a econo-mia portuguesa estag-nou com um cresci-mento médio inferior a 1%. Claro que outros factores contribuíram para esta situação mas a entrada na zona euro foi um desses factores. As dificulda-des porque está a pas-sar a Zona Euro ainda hoje deve-se a uma resposta insuficiente do BCE no que respeita a política mo-netária. Após a Crise Internacional em 2009 o BCE desceu a taxa de refinanciamento para 1% e em 2011 até as aumentou ligei-ramente, passando a partir daí a descer continuamente até aos 0,05% actuais. Pe-rante uma crise desta dimensão e posterior-mente da crise das dívidas soberanas o BCE devia ter descido mais a taxa de juro, o actual valor de 0,05% já devia ter sido atin-gido à mais tempo co-mo fizeram os bancos centrais dos EUA, Rei-no Unido e Japão. O

quantitative easing, compra maciça de títulos de dívida pú-blica dos Estados por parte do Banco Cen-tral, apenas agora está a ser aplicado na Europa e nos EUA esta política, utiliza-da para estimular a economia em situações em que a taxa de juro é já de 0% ou próximo, co-meçou a ser adopta-da pela Reserva Fe-deral americana em 2009 juntamente com medidas orça-mentais expansionis-tas por parte do 1º governo de Barack Obama. Como pode-mos verificar a eco-nomia americana tem registado nos últimos 2 anos uma trajectória muito mais positiva que a europeia facto que tem de ser pelo me-nos em parte explica-do por estas políticas expansionistas por comparação com a austeridade na Zona Euro. Esta crise e os programas de austeridade sem

sucesso aplicados aos países do Sul da Eu-ropa vieram colocar em causa os alicerces do próprio euro. So-luções que passam por uma saída da Moeda Única volta-ram a ser postas em cima da mesa. Em Portugal, alguns de-fendem que o país devia voltar ao Escu-do procedendo tam-bém a uma desvalori-zação cambial. Con-tudo esta saída do Euro levaria a gran-des dificuldades do país em aceder a fi-nanciamento externo nos mercados o que poderia facilmente levar o Estado e os bancos nacionais à falência, o acesso ao crédito tornar-se-ia muito mais difícil o que seria negativo para o investimento. Aqueles que defen-dem a saída do Euro apontam a conse-quências positivas do ponto de vista da ba-lança comercial por-que a forte desvalorização traria exportações mais ba-ratas e importações

mais caras. Contudo para um país tão de-pendente de importa-ções como Portugal isto poderia aumentar bastante as importa-ções contrabalançan-do o efeito positivo das exportações. Para além disso essa rápida desvalorização levaria a uma inflação galo-pante. A entrada no Euro tal-vez tenha sido um er-ro mas a saída do mesmo não é uma boa solução e actual política expansionista do BCE embora tardia e insuficiência permite alguma recuperação económica. No entanto pode exis-tir uma solução inter-média na questão da moeda. A Moeda Comum, proposta pe-lo economista francês Frèdèric Lordon, confi-guraria uma situação em que continuaria a existir o Euro que se-ria ele próprio conver-tido nos mercados contra todas as divisas externas, mas cada país teria a sua própria versão nacio-nal com uma paridade

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fixa específica face ao Euro de acordo com as necessidades dos diferentes países. Desvalorizações ou revalorizações pontu-ais seriam também permitidas mas só de acordo com processos políticos complemen-te subtraídos às influências dos mercados cambiais. Esta solução permitiria evitar a instabilidade cambial associada ao SME ou moedas nacionais devido à eliminação dos mercados cambiais intra-europeus e convertibilidade ao balcão do BCE mas permitiria que cada país tivesse uma moe-da ajustada às suas necessidades específicas. Devido estes factores pen-so que a Moeda Co-mum devia ser pelo menos debatida.

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O ESPECTRO | 11

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Propriedade do Núcleo de Ciência Política ISCSP - UL Coordenador: Isa Rafael | Co-coordenador: André Cabral | Revisores: André Cabral e Beatriz Bagarrão | Design: Isa Rafael | Plataformas de Comunicação: Daniela Nascimento, João Cunha

e João Silva | Cartaz Cultural: Isa Rafael

www.facebook.com/OEspectro [email protected]

CARTAZ CULTURAL

10h às 19h

Galeria da Cordoaria Nacional

Rua da Junqueira, 69-69 A

1300 Lisboa

3€ estudante, 5€ adulto

EXPOSIÇÃO SEBASTIÃO SALGADO

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II

ECONOMICS

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ISCTE

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1649-026 Lisboa

Grátis

até 30 MAIO

TEATRO “E

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4ª a 6ª (21h30), Sábado (19h e 22h)

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Avenida do Brasil, 53

1749-002 Lisboa

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