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  • Revista Eletrnica Correlatio n. 3 - Abril de 2003

    Os Novos Movimentos Religiosos no Brasil Analisados a Partir da Perspectiva

    da Teologia de Paul Tillich

    Leonildo Silveira Campos

    IntroduoO texto a seguir mais pretensioso no ttulo do que no contedo

    e tem por inteno reunir algumas contribuies do pensamento de Tillich para a anlise da erupo de novos movimentos religiosos (NMR) entre ns. Isto no significa que advogamos o emprego de seu pensamento como uma espcie de panacia ou de frmula mgica para resolver todos os tipos de problemas, inclusive aqueles de origens scio-culturais, os quais se expandiram intensamente nos trinta anos que se seguiram a sua morte em 1965.

    Antes de mais nada importante relembrarmos que Tillich nunca deixou de lado, em suas reflexes, os aspectos mais universalizantes do fenmeno mstico. Essa preocupao com o mstico aparece tam-bm nos textos editados de suas aulas sobre a histria do pensamento cristo e dos movimentos teolgicos dos ltimos dois sculos. Por isso ele ressaltou as religies de mistrio na elaborao da teologia crist primitiva, a reao montanista, a mstica medieval, (incluindo-se aqui Joaquim de Fiori), o misticismo germnico, o pietismo e tantos outros momentos importantes da histria do pensamento cristo [1] .

    Uma grande contribuio de Tillich, segundo Carl E. Braaten, foi o de superar o preconceito protestante em relao a Idade Mdia, ao recuperar a importncia do misticismo medieval. Inclusive, periodica-mente, ele chamava a ateno de seus alunos para a necessidade de se batizar o misticismo pelo cristianismo, abandonando-se o misticismo abstrato, tipo hindusta, por um misticismo concreto baseado em Cristo [2] . Neste sentido, a misso da teologia, para Tillich, era a de servir como mediadora entre o eterno critrio da verdade, manifestada em Jesus Cristo, e as mutveis experincias e formas de se perceber a realidade dos indivduos e grupos pertencentes as vrias culturas.

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    A prtica de se fazer teologia acontecia, portanto, nesse movimento contnuo entre a f e a cultura.

    Para dar conta dessa nova metodologia, Tillich elaborou o que posteriormente passou a ser conhecido pelos nomes: princpio da correlao ou teologia da resposta. Atravs do emprego dessa met-odologia, o telogo deveria levar a srio a situao histrica vivida pelo ser humano. O ponto de partida para se fazer teologia seriam as perguntas levantadas pelos seres humanos, em um contexto histrico, social e cultural, isto , suas realidades concretas. Em conseqncia disso, exige-se que a teologia fale a linguagem da cultura na qual ela se encontra mergulhada e que o telogo tenha um profundo conhecimento dessa cultura visto que a religio a substncia da cultura e a cultura a forma da religio [3] .

    1. O pluralismo e a histria das religiesO pensamento teolgico de Tillich se estendeu ao longo de mais de

    meio sculo, perodo este possvel de uma diviso em vrias fases. Mircea Eliade acreditava que Tillich ao morrer, experimentava a ltima fase de seu pensamento criador, justamente quando estava seriamente preocupado com o futuro da religio. Tillich participou com Eliade, em 1964, de vrios seminrios sobre a histria das religies e a teologia sistemtica. Era evidente a sua crescente preocupao com a sobrevivncia do cris-tianismo diante de novos desafios histricos. Isto pode ser percebido em suas ltimas conferncias pronunciadas entre 1964 e 1965, reunidas no texto The future of religions [4] . Nelas foram analisados os efeitos da investigao espacial sobre a condio humana, a decadncia da idia de progresso e, finalmente, a significao da histria das religies para o telogo sistemtico. Tillich se sentia um homem de fronteira dentro de uma histria que no cessa de apresentar ao telogo novos desafios.

    Mircea Eliade, numa cerimnia fnebre em memria de Tillich, pronunciou palavras incorporadas na introduo do livro The future of religions, onde ele diz que foi muito significativo ter a ltima confer-ncia pblica de Tillich (12.10.65) versado sobre a situao do telogo diante da histria das religies. Naquela conferncia Tillich disse que se houvesse tempo gostaria de reescrever a sua Teologia Sistemtica luz do dilogo com a histria das religies.

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    Esse desejo mostra que entre a elaborao da Teologia Sistemti-ca e sua morte, Tillich encontrou, alm do vazio existencial do Oci-dente, a dinmica das religies Orientais e do mundo primitivo. Essa preocupao com a mstica oriental se acentuou, ainda segundo Mircea Eliade, desde a visita de Tillich ao Japo, quando l ele se encontrou e dialogou longamente com sacerdotes e eruditos budistas e xintoistas, experincia essa descrita por Eliade da seguinte forma: O impacto dessa visita sobre sua vida e pensamento foi tremenda. Pela primeira vez se havia submergido no dinmico e extremamente variado universo religioso, totalmente diferente das tradies mediterrneas e judeo-crists [5] . Realmente, Tillich se sentiu muito impressionado com a religio xintoista e sua concepo csmica, assim como com o budismo e suas escolas zen. Parte desse impacto se refletiu num livro de 1963, em que se reuniu as conferncias proferidas por ele dois anos antes, na Universidade de Colmbia, sob o sugestivo ttulo: O cristianismo e o encontro das religies do mundo.

    Com essa viagem ao Oriente comeou a curta e ltima fase do pensamento de Tillich, caracterizada por Eliade como uma demonstra-o de sua enorme capacidade de renovao do pensamento diante de ideologias ou situaes histricas diferentes. Mesmo a sua Teologia Sistemtica teria surgido em conseqncia dessa capacidade de ren-ovao diante de uma situao de rpido processo de secularizao no Ocidente. Agora, o idoso telogo sistemtico, se defrontava com a aproximao de uma cultura planetria, mundializada, a qual exigia o dilogo e o abandono do gheto em que os cristos ocidentais sobre-viveram durante tanto tempo.

    Por outro lado, vivia-se no Ocidente, com intensidade, o fenmeno de secularizao. Pensava-se que rapidamente seria eliminado do ser humano o sentimento religioso e as necessidades msticas. Conseqente-mente esperava-se que o relativismo iria dissolver todas as certezas, deixando para a cincia a oportunidade de moldar a experincia de vida das pessoas. Porm, a reao mstica no se fez por esperar e imediata-mente comearam a brotar, por todos os lados, processos de ressacraliza-o do mundo, gerando no campo religioso um pluralismo como antes nunca visto. Assim, os NMR passaram a disputar clientela com religies historicamente estabelecidas, empregando para isso, muitas vezes, es-

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    quemas de marketing. Novos temas para debate surgiram, tais como: a fragmentao do universo religioso, o avano das religies no-crists, a incapacidade das religies ocidentais institucionalizadas em responder aos novos desafios culturais ento propostos, e a perda do monoplio do campo religioso por parte de catlicos e protestantes histricos.

    As respostas teolgicas, apresentadas nas dcadas anteriores a de Tillich, por Barth e Brunner, foram rechaadas. No mais se podia aceitar a recusa barthiana da teologia natural e a radical separao entre a identidade de Deus e a humana. Abandonavam-se tambm os pressupostos teolgicos que se fundamentavam na exclusividade da revelao crist, na desconsiderao de outras religies e na impossi-bilidade de se pensar numa teologia da secularidade ou de uma religio no-religiosa.

    Entretanto, nessa poca, muitos telogos, ainda influenciados por Barth, defendiam a idia de que toda religio se constitui numa v inteno humana de se chegar at Deus. Diante dessa nfase, Tillich proclamou em sua ltima conferncia, que as experincias revelatrias so universalmente humanas e que existem poderes reveladores e salvificos em todas as religies Porque o homem recebe a revelao no contexto de sua finitude e, por isso mesmo, a recebe de um modo distorcido. Por isso mesmo, resta ao telogo sistemtico, o exerccio de uma crtica que seja mstica, proftica e secular, possibilitando a elaborao de uma teologia concreta, que tenha uma significao uni-versal [6] .

    Por outro lado, Tillich se preocupava em reclamar o carter particu-lar do cristianismo com a sua misso universal. Para o exerccio dessa reflexo ele pensava que as preocupaes com a histria das religies e particularmente com a teologia dessa histria das religies, seria de bom proveito para o telogo. Pois assim, o telogo sistemtico, poderia no somente compreender o movimento presente e a natureza de sua prpria situao histrica, como tambm, as implicaes particulares e universais do cristianismo.

    Naquela ltima conferncia, Tillich recusou a afirmao de Teil-hard de Chardin de que o cristianismo incorporaria todos os elementos espirituais do futuro, atravs de uma conscincia universal, centrada na divindade [7] . Para Tillich no existe um desenvolvimento progressivo

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    que evolui de maneira constante, seno que h elementos da experin-cia da sacralidade que sempre esto presentes nas religies, criando assim um estilo religioso particular. justamente esta experincia de sacralidade dentro da finitude que se torna a base religiosa universal, considerada a base sacramental de todas as religies, a ser vista, ou-vida e analisada, aqui e agora, apesar de seu carter misterioso [8] .

    Tillich, contudo, enfatizava a impossibilidade dessa sacralidade se esgotar em suas exteriorizaes, visto que elas se referem a algo que se encontra mais alm do que se pode perceber. A percepo desse algo mais elevado, o ltimo, impede a transformao da associao de religiosos em mero clube de moralidade, no qual se perdeu, como em muitos tipos de protestantismo, o senso de sacralidade. Para evitar esse perigo, Tillich propunha o surgimento de uma religio que, por valorizar a base sacramental, impediria a sua demonizao, isto , a mera reduo do invisvel e transcendental ao visvel. Essa religio poderia ser chamada de Religio do Esprito Concreto, cuja mis-so seria entre outras, a de unir o elemento exttico ao racional numa sntese, entendendo-se aqui por estrutura racional a moral, o legal, o cognoscitivo e o esttico. Neste sentido, a histria das religies seria o palco onde a Religio do Esprito Concreto estaria sendo gerada por causa de uma luta de Deus desde a religio e contra ela e do Christus Victor contra as implicaes demonacas da religio [9] .

    Nessa poca j se percebia claramente os limites da tese da cres-cente secularizao. Tillich observava a incapacidade da secularidade de viver por si s, a despeito dela ter sido o ponto alto na luta contra a hegemonia da sacralidade [10] . Contudo, tornava-se evidente que a secularidade estava perdendo a luta contra as semi-religies. Elas, to-davia, estavam comeando a exercer sobre o ser humano, uma opresso semelhante aquela exercida pelos elementos demonacos das religies.

    2. Os novos movimentos religiosos e o fim da era protestanteUma das teses mais originais de Paul Tillich foi a de que o Oci-

    dente, a partir do Renascimento e Reforma, teve a sua cultura plasmada pelo ressurgimento de um princpio revolucionrio e proftico, respon-svel pela recusa de todo esprito de intolerncia e dogmatismo das instituies humanas. A esse tipo ideal de comportamento ele chamou

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    de esprito protestante; o novo perodo histrico inaugurado, a era protestante e o conjunto institucional resultante, instituies prot-estantes. Essas instituies deveriam ser a visibilizao do princpio baseado no questionamento da tentao absolutista e de todos os pro-cessos inquisitoriais.

    Porm, com o passar do tempo, as instituies protestantes pen-saram ser proprietrias do esprito protestante, julgando possuir os limites de posse e de atuao desse esprito. Foi assim que, a sntese medieval, se reproduziu no interior do protestantismo, causando a imig-rao do esprito protestante para outras instituies e movimentos.

    Da a pergunta feita por Tillich, j em texto datado de 1937: vive-mos o fim da era protestante? Em outras palavras: assistimos o fim do protestantismo juntamente com o desaparecimento das condies scio-econmicas e culturais que lhe deram origem? Ao responder positivamente ele passou a enumerar as razes para isso, ressaltando os seguintes sinais: dissociao do ideal das massas operrias da cultura capitalista de influncia protestante, o risco do desemprego estrutural, a ciso entre o poder produtivo e aquisitivo das massas, o conflito entre a liberdade individual e a submisso as leis do mercado. Para ele, estava em marcha um processo amplo de desintegrao de uma cultura com a conseqente liberao das massas para o sonho totalitrio, do qual Hitler era uma das expresses mais evidentes [11] .

    Portanto, diante de tais ameaas, a era protestante certamente estava no fim, at por sua absoluta impossibilidade de manter as atitudes e formas tradicionais de organizao social. Pairava no ar uma forte tendncia para o coletivismo das massas, gerando uma desintegrao da vida pessoal de cada indivduo. Esse conjunto de insegurana e in-certezas levaria os indivduos aos braos de qualquer agitador capaz de usar e abusar das leis da psicologia das massas e a uma aspirao por lderes, smbolos e idias acima de qualquer crtica. As massas, conseqentemente, passariam a crer na possibilidade do entusiasmo, do sacrifcio e da auto-sujeio a idias e atividades coletivas [12] .

    Havia, no somente na Europa do perodo anterior a Segunda Guerra, mas em todas as partes do mundo ocidental, uma recusa das maneiras de pensar e agir fundadas na liberdade e autonomia. Assim, os indivduos tendo perdido os objetivos, tornam-se acessveis s in-

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    fluncias de qualquer tipo de apelo, predominando nesse contexto, a falta de esperana e de sentido para a vida. Em tal situao as antigas tradies no subsistem, e no estado de fluxo perptuo no se podem criar novas tradies [13] .

    O protestantismo estava se deteriorando e, se quisesse sobreviver, teria de ser uma Igreja das massas, sendo necessrio a experimen-tao de mudanas fundamentais. Entre elas, a aquisio de uma nova compreenso dos smbolos e de todas as coisas, classificadas por Tillich como objetividades sagradas. Somente assim, o protestantismo poderia atingir os que vivem num mundo desintegrado em busca de reintegrao, oferecendo a estes uma perspectiva crtica face aos novos poderes escravizadores do ser humano [14] .

    Nas dcadas seguintes a esperana de Tillich no se concretizou, pelo menos no que se relaciona ao protestantismo histrico, dada a incapacidade protestante de produzir mudanas que corrigissem a rota e recuperasse o mpeto criador do esprito protestante. Assim, o protestantismo foi perdendo espao para os NMR na gerao e dis-tribuio de smbolos e esquemas capazes de reinterpretar a vida. Por outro lado, mesmo a expectativa de Tillich, de que a nfase catlica nos sacramentos e smbolos poderia levar o protestantismo e catolicismo a uma renovao, se mostrou impossvel de realizar.

    3. So os Novos Movimentos Religiosos herdeiros do princpio protestante proposto por Tillich?

    Com a perda de hegemonia por parte do catolicismo e protes-tantismo sobre o campo religioso, surgiram e cresceram, como j foi afirmado acima, os Novos Movimentos Religiosos, tanto os de tradio crist como os de origem oriental ou selvagem. Na Amrica Latina se expandiu, com notvel rapidez, o neopentecostalismo, movimento religioso que busca encarnar a criatividade e o esprito proftico, ao lado de movimentos religiosos e filosficos oriundos de filosofias budista, hindusta ou pags. Nos meios cristos surgiu tambm a percepo de que o universo religioso encontra-se fortemente fragmentado, exigindo-se o dilogo com outras religies e culturas. Aumentando-se tambm a preocupao com uma reflexo teolgica sobre a salvao dos no-cristos, que se expressa num ecumenismo integral ou macroecu-

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    menismo, valorizando-se a contemplao e a mstica como a base na construo da viso de que a oikoumene de todos [15] .

    Contudo, ao se falar sobre NMR esbarramos, antes de mais nada, em dificuldades na terminologia. Tradicionalmente, desde Weber e Troeltsch tem se usado a dicotomia seita e igreja. Mas, como en-quadrar todos os NMR que surgiram no Ocidente nos ltimos 30 anos na categoria seita? Este termo somente entendido em contraposio a igreja, na medida em que seita denota ciso de um grupo minori-trio por meio da contestao da ortodoxia majoritria de tipo igreja. As seitas, por outro lado, desenvolvem um ascetismo de negao e abandono da sociedade. So grupos que enfatizam, no dizer de Tro-eltsch, as realizaes pessoais nos campos da tica e da religio, um radical companheirismo de amor, igualdade religiosa e amor fraternal, indiferena em relao autoridade do Estado e s classes dominantes, averso s leis tcnicas e juramentos, separao entre a vida religiosa e os conflitos econmicos atravs do ideal da pobreza e da frugalidade.... crtica dos telogos e guias espirituais oficiais.... [16] claro que uma tipologia excludente, que valorize apenas esses dois plos, deixa de lado vrias formas de expresses religiosas, principalmente as que valorizam a prtica do misticismo.

    Tambm, ao se referir aos NMR pode-se perguntar pelo temo novo. Em que sentido so novos tais movimentos? No se trata de trazer luz do presente movimentos, alguns deles to antigos quanto a histria da humanidade? Certamente eles so novos apenas quanto a sua presena intensa no campo religioso do mundo ocidental, h dois milnio dominado hegemonicamente pelo cristianismo em suas vrias formas. Pode se perguntar tambm por seus aspectos religiosos, porque, alguns deles no somente recusam ser assim designados como tambm se apresentam como filosofias de vida.

    Mesmo com relao ao neopentecostalismo deve-se observar o seu carter mutante quanto as suas origens protestantes e pentecostais. Isto porque ele recusa a tica herdada dos movimentos de santidade, a negao pura e simples da poltica e vida econmica. Privilegiam rituais e prticas comuns no catolicismo rstico e popular, nas religies mgicas e nas prticas xamnicas de antigas culturas, sincretizando tudo num modelo temperado com as aspiraes de prosperidade econmica,

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    prpria das classes mdias inferiores e dos excludos de uma sociedade que pretende ser de abundncia. Esse pentecostalismo perdeu tambm a sua vocao escatolgica pre-milenista, pois, desperta em seus mem-bros o sonho da construo de um Reino de Deus dentro das prprias fronteiras da sociedade de consumo.

    Os NMR, a despeito de suas origens, teologias e prticas, apre-sentam algumas das caractersticas abaixo mencionadas:

    Adeso atravs da converso e do abandono dos antigos universos de discursos que davam sentido vida dos indivduos.

    Exclusivismo e dogmatismo que resultam na estratgia de donos da verdade.

    Abandono da postura passiva na produo e consumo dos bens religio-sos por intermdio da introduo da espontaneidade e criatividade no culto.

    nfase na expanso contnua do movimento por meio de proselitismo.

    Atitude ambgua quanto a sociedade politicamente organizada, que vai da

    indiferena ou hostilidade at defesa intransigente do arranjo poltico-institucional vigente.

    Oferta de redes de apoio emocional e calor humano s pessoas carentes de valorizao numa sociedade que privilegia to somente as conquistas

    materiais.

    Cooptao de pessoas para ilhas de certezas, de onde emanam rgi-das categorias de pensamento e normas ticas, destinadas a eliminar as inseguranas provocadas pelo relativismo prprio da modernidade e ps-modernidade.

    Se fundamentam na autoridade suprema e inquestionvel de uma lider-ana carismtica, cuja obedincia permite a perda do Eu e a aceitao no-crtica de suas ordens e determinaes.

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    Oferecem uma perspectiva holistica de vida, eliminando a fragmentao decorrente da anlise cartesiana predominante na cultura ocidental.

    Permitem a combinao contnua de fragmentos de vises de mundo anteriores, dentro de uma unidade em que se relativizam as diferenas e

    contrastes, ofertando-se frmulas simplistas de enquadramento e orien-tao dos problemas concretos da vida quotidiana.

    ConclusoAdmite-se atualmente em cincias da religio que os Novos

    Movimentos Religiosos expressam um processo de reencantamento do mundo. Tambm afirma-se que est em operao uma situao de deslocamento das certezas anteriores, um quadro cultural tpico de ps-modernidade. Assim, do esforo de se superar o individualismo, o hedonismo e as incertezas, brotam movimentos que fazem da mstica a sua base comum, encontrando na devoo do sagrado a motivao para a vida. Cr-se tambm que o fim das utopias, que secularmente embalaram o sono profundo de multides de pessoas, abre novos espaos para os quais a religio institucionalizada no se encontrava preparada. Outra vez os NMR buscam ocupar esses espaos, empurrando as instituies protestantes em direo ao passado. Resta saber at que ponto esses NMR no restabelecero novas tiranias sobre as pessoas e conseguiro lev-las a obter um conhecimento espiritual mais profundo que as in-stituies cristalizadas deixaram de permitir.

    Retornando ao pensamento de Tillich possvel sintetizar os seguintes pontos:

    As igrejas histricas se esqueceram que a experincia mstica se d atravs de uma articulao entre o vertical (significado eterno) e o

    horizontal (realizao temporal desse significado) e que, ao privilegiar

    o horizontal (se contentando com o carter moral, humanitrio e poltico)

    elas perderam a dimenso transcendental, deixando de ser morada do esprito protestante.

    Multiplicam-se, entretanto, no mundo atual, formas de misticis-mos descomprometidos com a transformao do velho em novo ou do

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    status quo. Tais misticismos no proporcionam a necessria libertao para a construo de um mundo melhor e nem podem ser considerados herdeiros do princpio protestante. Assim, como o protestantismo histrico, esses NMR tambm correm o risco de se cristalizarem num dogmatismo intolerante e empedernido.

    O protestantismo, como esprito de inquietao, est em todos os lugares onde se proclama o novo ser, a situao limite. Isto , onde a criatividade se encontra a servio da realizao de utopias libertado-ras. Obviamente isto no est acontecendo no interior das instituies tradicionalmente identificadas com o rtulo protestante.

    Por tudo isso que foi dito, ficou claro que os NMR ganham penetra-o junto as massas, por causa de seu poder de operar com smbolos, de sua criatividade que valoriza a intuio e de sua facilidade em capturar o imaginrio coletivo, plasmando atravs desta nova mstica, maneiras diversas de se perceber e interpretar o mundo cotidiano. Muitos desses elementos esto presentes nas recentes verses de pentecostalismo, batizados entre ns de neopentecostalismo.

    Leonildo Silveira Campos professor de graduao e ps-gradu-ao na UMESP, Universidade Metodista de So Paulo.

    NOTAS[1] Paul Tillich, Histria do pensamento cristo, S.Paulo, ASTE, 1988 (pp. 27,50,166, 187 e 257). [2] Carl E.Braaten, Paul Tillich e a tradio crist clssica, in Paul Tillich, Perspectivas da teologia protestante nos sculos XIX e XX, S.Paulo, ASTE, 1986 (pp.11-28). [3] Paul Tillich, Systematic Theology, J.Nisbet & Co. Ltd. 1951, p.3. [4] Paul Tillich, El futuro de las religiones, (introduo de Mircea Eliade), Buenos Aires, Aurora, 1976. [5] Mircea Eliade, op. cit. p.8. [6] Paul Tillich, Idem, ibidem, pp. 97,98. [7] Idem, ibidem, p.106. [8] Idem, ibidem, p.107. [9] Idem, ibidem, pp. 110 e 111.

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    [10] Idem, ibidem, p. 112. [11] Paul Tillich, A era protestante, S.Paulo, Cincias da Religio, 1982 (pp.239-252). [12] A tomada do poder pelas foras irracionais na Alemanha, Itlia e Rssia, provocou profundas repercusses no pensamento teolgico e na prpria trajetria biogrfica de muitos telogos de origem europia. Tillich refletiu em seus textos a tragdia que abateu sobre o seu povo em decorrncia da liderana carismtica de Adolf Hitler, assim como tambm os pensadores articulados ao redor da Escola de Frankfurt. [13] Paul Tillich, Idem, p.241. [14] Idem, ibidem, p.245. [15] Julio de Santa Ana, Em favor de um ecumenismo integral, in Tempo e Presena, Ano 15, n.271 (pp.21-22); Leonildo S.Campos, O ecumenismo e os novos movimentos religiosos, in Tempo e Presena, Ano 17, n. 279 (pp.22-24). [16] Ernst Troeltsch, The social theaching of the christian churches, New York, Harper & Brothers, 1960 (pp.331-343).